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Aula - n 07

COMUNICAO EMPRESARIAL

Professora: Naiara

RESENHA

1. O que ?

Tipo de redao tcnica que avalia precisa e sinteticamente a importncia de uma obra cientfica ou de um texto literrio. Pode envolver tambm variados tipos de manifestaes artsticas, como peas teatrais, filmes etc., ou ainda, eventos de carter cientfico, uma palestra, por exemplo.

Resenhar significa fazer uma relao das propriedades de um objeto, enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstncias que o envolvem. O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade (um jogo de futebol, uma comemorao solene, uma feira de livros) ou textos e obras culturais (um romance, uma pea de teatro, um filme).

A resenha, como qualquer modalidade de discurso descritivo, nunca pode ser completa e exaustiva, j que so infinitas as propriedades e circunstncias que envolvem o objeto descrito. O resenhista deve proceder seletivamente, filtrando apenas os aspectos pertinentes do objeto, isto , apenas aquilo que funcional em vista de uma inteno previamente definida.

A resenha pode ser puramente descritiva, isto , sem nenhum julgamento ou apreciao do resenhista, ou crtica, pontuada de apreciaes, notas e correlaes estabelecidas pelo juzo crtico de quem a elaborou. Entretanto, deve-se evitar marcar a presena do emissor e do receptor. Assim, prefervel que as resenhas sejam redigidas em terceira pessoa.

Fiorin e Savioli, em Para entender o texto (1990, p. 426), dividem a resenha em:

descritiva (dispensa a apreciao do resenhista);

crtica (exige a apreciao do resenhista).

2. Resenha Descritiva

Apresenta:

informaes sobre o texto (nome do autor ou autores; ttulo completo e exato da obra; nome da editora e, se for o caso, da coleo de que faz parte a obra; lugar e data de publicao; nmero de volumes e pginas; lngua da verso original e o nome do tradutor, se for traduo); assunto tratado;

perspectiva terica (que teoria serve de apoio ao estudo apresentado? Qual o modelo terico utilizado?);

gnero (romance, teatro, ensaio...);

mtodo (Dedutivo, Indutivo, Histrico, Estatstico, Comparativo...);

resumo do texto.

3. Resenha Crtica

Combina resumo e julgamento de valor.

Em sua construo teremos todos os elementos da resenha descritiva mais os comentrios e julgamentos do resenhista.

A resenha crtica deve resumir as idias da obra, avaliar as informaes nela contidas, bem como a forma como foram expostas e justificar a avaliao realizada.

H, ainda, a possibilidade desta resenha ser esttica ou dinmica, ou seja, esttica quando seguir todos os passos da resenha descritiva e somente na concluso apresentar os comentrios do resenhista; dinmica, quando apresentar o comentrio crtico durante todo o texto, inclusive mesclando-o ao resumo.

Exemplos de resenhas:MEMRIA - Ricas lembranas de um precioso modo de vida

O Dirio de uma Garota (Record, Maria Julieta Drummond de Andrade) um texto que comove de to bonito. Nele o leitor encontra o registro amoroso e mido dos pequenos nadas que preencheram os dias de uma adolescente em frias, no vero de 41 e 42.

Acabados os exames, Maria Julieta comea seu dirio, anotado em um caderno de capa dura que ela ganha j usado at a pgina 49. a partir da que o espao todo da menina, que se prope a registrar neles os principais acontecimentos destas frias para mais tarde recordar coisas j esquecidas.

O resultado final d conta plena do recado e ultrapassa em muito a proclamada modstia do texto que, ao ser concebido, tinha como destinatria nica a me da autora, a quem o caderno deveria ser entregue quando acabado.

E quais foram os afazeres de Maria Julieta naquele longnquo vero? Foram muitos, pontilhados de muita comilana e de muita leitura: cinema, doce-de-leite, novena, o Tico-tico, doce-de-banana, teatrinho, visita, picols, missa, rosca, cinema de novo, sapatos novos de camura branca, o Cruzeiro, bem-casados, romances franceses, comunho, recorte de gravuras, Fon-Fon, espiar casamentos, bolinho de legumes, festa de aniversrio, Missa do Galo, carta para a famlia, dor-de-barriga, desenho de aquarela, mingau, indigesto... Tudo parecia pouco para encher os dias de uma garota carioca em frias mineiras, das quais regressa sozinha, de avio.

Tantas e to preciosas evocaes resgatam do esquecimento um modo de vida que hoje apenas um dolorido retrato na parede. Retrato, entretanto, que, graas arte de Julieta, escapa da moldura, ganha movimentos, cheiros, risos e vida.

O livro, no entanto, guarda ainda outras riquezas: por exemplo, o tom autntico de sua linguagem, que, se, como prometeu sua autora, evita as pompas, guarda, no obstante, o sotaque antigo do tempo em que os adolescentes que faziam dirios dominavam os pronomes cujo/a/os/as, conheciam a impessoalidade do verbo haver no sentido do existir e empregavam, sem pestanejar, o mais-que-perfeito do indicativo quando de direito...

Outra e no menor riqueza do livro o acerto de seu projeto grfico, aos cuidados de Raquel Braga. Aproveitando para ilustrao recortes que Maria Julieta pregava em seu dirio e reproduzindo na capa do livro a capa marmorizada do caderno, com sua lombada e cantoneiras imitando couro, o resultado um trabalho em que forma e contedo se casam to bem casados que este Dirio de uma garota acaba constituindo uma grande festa para seus leitores.

Marisa Lajolo - Jornal da Tarde

Felicidade ... uma professora muito maluquinhaVamos parar com essa felicidade a! Essa exclamao, proferida por uma diretora que subitamente decide abrir a porta de uma sala e interromper a alegria desmedida das crianas, pode, primeira vista, surpreender. Afinal, espera-se que, sobretudo na sala de aula de uma escola primria, a felicidade tenha algum lugar. Entretanto, todos sabemos que no essa a realidade corriqueira de nossas escolas. Ali, exatamente ali onde a felicidade deveria reinar soberana, o que impera, silenciosamente, , em geral, uma espcie de tristeza comedida a que costumamos denominar disciplina.

Esse no o nico estranhamento que nos causa a leitura de uma professora muito maluquinha, de Ziraldo (Melhoramentos, 1995). Estamos, afinal, no universo dos estranhamentos, j h alguns anos instaurado pelo menino maluquinho criado pelo autor. E, nesse universo dos absurdos e nonsenses, uma escola e uma professora podem at se tornar sinnimo de felicidade.

Se formos ao Aurlio, podemos, de certa forma, mapear o percurso da palavra de que Ziraldo to bem se apropria, explorando suas mltiplas conotaes. Afinal, maluco quer dizer indivduo apalermado, mas tambm doido, que, por sua vez, quer dizer alienado, demente, insensato, mas tambm arrebatado, extravagante, apaixonado, entusiasmado.

dessa extravagncia, sobretudo desse entusiasmo, que uma professora muita maluquinha vem nos falar. Esse entusiasmo esse deus dentro de si elemento fundamental a qualquer educador, justamente o que move as aes, as transgresses e as subverses dessa professora maluquinha. Em nome desse entusiasmo ela oferecia prmios a quem lesse mais depressa, ou convocava um jri de alunos para julgar as infraes de seus colegas, ou passava estranhos deveres para casa (como descobrir onde se situavam cidades inexistentes), ou ainda distribua notas como quem distribui doces s crianas, abolindo o zero, claro, porque zero no existe.

Por isso ela maluquinha, porque ousa devolver sala de aula e aos alunos o entusiasmo que deles , comumente, roubado. E por isso ela objeto de fantasia e de devaneio por parte dos alunos e, assim, , por excelncia, inimaginvel, dada sua intangibilidade de objeto de desejo.

O livro de Ziraldo, escrita-homenagem a uma professora inesquecvel, escreve-se tambm como uma celebrao de um certo ensino, um ensino com que, em geral, sonhamos, mas que dificilmente praticamos. Porque se trata de um ensino difcil de se praticar. No de um ensino difcil, mas justamente de um ensino que esbarra na dificuldade que consiste em abrir mo de uma posio de saber, para ocupar, com todos os riscos que essa atitude implica, uma posio de desejo, uma posio de desejante.

Por isso ns, que estamos do outro lado da mesa, do outro lado do livro, desejamos os prmios que a professora nos oferece, desejamos ler depressa como locutores de rdio, desejamos saber onde se encontra Kubakalan, a cidade inexistente. E por isso desejamos tambm as serenatas do outro lado do muro, a decifrao da mensagem secreta, a fuga esperada ao final da histria.

Por isso desejamos o livro que, afinal, se oferece como uma homenagem no s escrita e leitura, mas tambm histria do jornalismo, da ilustrao e da editorao no Brasil, como nos revela o cuidadoso trabalho grfico de Ziraldo em Uma professora muito maluquinha. Todo ele composto de citaes, recortes, bricolagens de ilustraes de Alceu Penna, de Millr Fernandes e das antigas revistas O Cruzeiro, Tico-Tico, O Gibi, Era uma vez, Eu sei tudo, Revista da Semana e Careta.

Entre as generalidades que a professora maluquinha costumava ensinar, h uma que se repete, subliminarmente, a cada pgina do livro: que estar enamorado estar em estado de amor: in amor. Este livro de Ziraldo nos fala sobretudo de um sujeito enamorado, um sujeito enamorado de uma certa professora maluquinha, por sua vez, enamorada de um certo ensino e de um certo saber.

Esse saber com sabor, teorizado por Roland Barthes em seus textos, concretamente praticado por essa professora em sala de aula.

Dele provamos ns, alunos do outro lado da mesa. Dele provamos todos ns, leitores enamorados, do outro lado da histria. In amor ao ensino, aprendizagem, escrita e leitura, ilustrao, diagramao e ao texto. In amor ao livro, enfim.

3.1. Resenha Crtica: outros caminhosEva Lakatos e Marina Andrade Marconi, em Fundamentos de Metodologia Cientfica (1985, p. 236), apresentam modelo consistente para a prtica de resenhas cientficas.

A. Referncias Bibliogrficas: Autor, ttulo da obra, elementos de imprensa (local da edio, editora, data).

Exemplo:

GARCIA, O. Comunicao em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1980. 522p.

B. Credenciais do autor: Informaes sobre o autor, nacionalidade, formao universitria, ttulo, outras obras.

C. Resumo da obra: Resumo da idias principais da obra.

D. Concluses da autoria: Quais as concluses a que o autor chegou?

E. Metodologia da autoria: Que mtodos utilizou? (Dedutivo? Indutivo? Histrico? Comparativo? Estatstico?) Que tcnicas utilizou? (Entrevistas? Questionrios?)

F. Quadro de referncia do autor: Que teoria serve de apoio ao estudo apresentado? Qual o modelo terico utilizado?

G. Crtica do resenhista (apreciao): Julgamento da obra.

H. Indicaes do resenhista: A quem dirigida a obra? A obra endereada a que disciplina? Pode ser adotada em algum curso? Qual?

Esses so os elementos estruturais de uma resenha. Em alguns casos, no possvel dar resposta a todas as interrogaes feitas; outras vezes, se publicado em jornais ou revistas no especializados, pode-se omitir um ou outro elemento da estrutura da resenha. Numa publicao cientfica, porm, observar com rigor os pontos salientados parece contribuir para a seleo que um pesquisador faz do material de leitura. Se a resenha se reduz exposio crtica, s vezes impressionista, a sua validade fica limitada.

EXERCCIOS Textos para leitura e elaborao de resenha crtica (dinmica):

SOBRE POLTICA E JARDINAGEM

Rubem Alves

De todas as vocaes, a poltica a mais nobre. Vocao, do latim vocare, quer dizer chamado. Vocao um chamado interior de amor: chamado de amor por um fazer. No lugar desse fazer o vocacionado quer fazer amor com o mundo. Psicologia de amante: faria mesmo que no ganhasse nada.

Poltica vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espao seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar busca da felicidade. O poltico seria aquele que cuidaria desse espao. A vocao poltica, assim, estaria a servio da felicidade dos moradores da cidade.

Talvez por terem sido nmades no deserto, os hebreus no sonhavam com cidades; sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com osis. Deus no criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntssemos a um profeta hebreu o que poltica?, ele nos responderia: A arte de jardinagem aplicada s coisas pblicas.

O poltico por vocao um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor to grande que ele abre mo do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se a sua volta est o deserto? preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.

Amo a minha vocao, que escrever. Literatura uma vocao bela e fraca. O escritor tem amor, mas no tem poder. Mas o poltico tem. Um poltico por vocao um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade.

A vocao poltica transformar sonhos em realidade. uma vocao to feliz que Plato sugeriu que os polticos no precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espao privilegiado, melhor e diferente do espao ocupado por todos. Conheci e conheo muitos polticos por vocao. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperana.

Vocao diferente de profisso. Na vocao a pessoa encontra a felicidade na prpria ao. Na profisso prazer est no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocao um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional no ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. um gigol.

Todas as vocaes podem ser transformadas em profisses. O jardineiro por vocao ama o jardim de todos. O jardineiro por profisso usa o jardim de todos para construir um jardim privado, ainda que, para que isso acontea, ao seu redor aumentem o deserto e o sofrimento.

Assim a poltica. So muitos os polticos profissionais. Posso, ento, enunciar minha segunda tese: de todas as profisses, a poltica a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relao poltica. Guimares Rosa, questionado por Gnter Lorenz se ele se considerava poltico, respondeu: Eu jamais poderia ser poltico com toda essa charlatanice da realidade. Ao contrrio dos legtimos polticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O poltico pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreio do homem.

Quem pensa em minutos no tem pacincia para plantar rvores. Uma rvore leva muitos anos para crescer. mais lucrativo cort-las.

Nosso futuro depende dessa luta entre polticos por vocao e polticos por profisso. O triste que muitos que sentem o chamado da poltica no tm coragem de atend-lo, por medo da vergonha de ser confundidos com gigols e de ter de conviver com gigols.

Escrevo para voc, jovem, para seduzi-lo vocao poltica. Talvez haja um jardineiro adormecido dentro de voc. A escuta da vocao difcil, porque ela perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computao, direito, cincia. Todas elas so legtimas, se forem vocao. Mas todas elas so afunilantes: vo coloc-lo num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim decidido. No seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?

Acabamos de celebrar os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, no encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva no um jardim. Selvas so cruis e insensveis, indiferentes ao sofrimento e morte. Uma selva parte da natureza ainda no tocada pela mo do homem.

Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. No foi. Os que sobre ela agiram no eram jardineiros, mas lenhadores e madeireiros. Foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim, para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde poucos encontram vida e prazer.

H descobrimentos de origens. Mais belos so os descobrimentos de destinos. Talvez, ento, se os polticos por vocao se apossarem do jardim, poderemos comear a traar um novo destino. Ento, em vez de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a pacincia de plantar rvores em cuja sombra nunca se assentariam.

Rubem Alves educador, psicanalista, professor emrito da UNICAMP e autor de vrios livros.Texto publicado em 23 de maio de 2000 pelo jornal Folha de So Paulo, seo Opinio.

Sem ttulo*

Do sculo XX, no futuro, se dir que foi louco. Um sculo em que se usou ao mximo o poder do crebro para manipular as coisas do mundo e no se usou o corao para fazer isso com bom sentimento. Um sculo no qual a palavra inteligncia perdeu o sentido pleno porque, com ela, o homem foi capaz de manipular a natureza nos limites da curiosidade cientfica, mas no soube us-la para fazer um mundo melhor e mais belo para todos.

A inteligncia do sculo XX foi burra. Fomos capazes de fabricar a bomba atmica, liberar a energia escondida dentro dos tomos e incapazes de evitar que duas delas fossem usadas. Naqueles dois momentos, negamos sem qualquer julgamento ou piedade o direito vida a centenas de milhares de pessoas. O que se pode dizer da bomba atmica, como smbolo do sculo XX, vale para o conjunto das tcnicas usadas nesses cem anos loucos. Fomos capazes de tudo, menos de fazer o mundo decente. E isso teria sido possvel.

Vivemos um tempo em que a inteligncia humana conseguiu fazer robs que substituem trabalhadores. Mas, no lugar de libertar o homem da necessidade do trabalho, os robs provocam a misria do desemprego.

Inventamos a maravilha do automvel, mas aumentamos o tempo perdido para ir de casa ao trabalho nas grandes distncias e nos engarrafamentos. Fizemos armas inteligentes que acertam alvos sem necessidade de arriscar a vida de soldados e pilotos, mas no fazemos um trnsito inteligente, capaz de evitar o sacrifcio da vida em engarrafamentos e acidentes.

Chegamos a um tempo em que a vida foi alongada at perto dos cem anos para os seres humanos com acesso s tcnicas mdias, porm fomos incapazes de levar o mnimo de higiene a uma parte considervel da humanidade que continua vivendo tantos anos quanto no comeo do sculo.

Montamos a rede de internet no mundo inteiro e no construmos redes de gua e esgotos nos bairros perifricos das grandes cidades. E aqueles que vivem mais, se dedicam a consumir mais, destruindo o equilbrio ecolgico.

Criamos uma globalizao que aproximou seres humanos, no importa a que distncia eles estejam. Ao mesmo tempo, ela os afastou mesmo quando vivem na casa ao lado, ainda mais se vivem em uma tenda ou debaixo da marquise do prdio da esquina. Fizemos um mundo onde as pessoas sentem-se em casa mesmo do outro lado do planeta, mas tm medo de abrir a porta, de atravessar a rua ou de parar em um sinal de trnsito.

Sem dvida, o sculo XX foi insano. O mundo, buscando a eficincia tcnica, matou a justia. Concentrado na cincia, matou a tica. Do sculo XX, se dir que teve os maiores avanos cientficos e quase nenhum avano tico. Dele, os grandes nomes sero de cientistas, governantes em guerra e empresrios. Raros sero os artistas, os filsofos e os humanistas.

Diante de ns est um novo sculo que pode continuar a loucura ou reorientar os destinos da humanidade. A diferena ser se o sculo XXI ficar conhecido como novo sculo da tcnica ou o sculo da tica.

Se continuarmos concentrando nossa inteligncia cega de justia no desenvolvimento de novos equipamentos, armas que matam e robs que desempregam humanos, ou se vamos subordinar essa inteligncia aos valores ticos, usando os equipamentos para a vida e para a liberdade.

Nada indica que a mudana de rumo esteja vista. Os discursos de final de ano continuaram concentrados na necessidade de aumentar a produo e no de melhorar a qualidade de vida, na necessidade de aumentar a riqueza e no de diminuir a pobreza.

A necessidade que percebem ainda de fazer a economia mais eficiente e no mais bonita, de ter mais modernidade-tcnica e no modernidade-tica. Continua a neurtica preocupao com os meios como se fossem fins. No se questiona aonde desejamos chegar com o projeto civilizatrio.

Se escolher a continuidade da tcnica desprezando a tica, a humanidade caminhar para a ruptura da espcie em duas partes diferenciadas at o ponto em que, no novo sculo ou no seguinte, desaparecer a semelhana da loucura que cura um desconforto no prprio brao amputando-o, no lugar de descobrir as vantagens de mant-lo.

O sculo XXI pode ser o momento de coroao do projeto civilizatrio, se seguirmos o caminho da busca da modernidade-tica, onde os objetivos do humanismo sejam capazes de subordinar o poder da tcnica; onde, no lugar de um poderoso e inteligente planeta-hospcio, tenhamos um inteligente e generoso planeta solidrio.

O Brasil o local mais provvel para os primeiros sintomas dessa opo aparecerem. Temos aqui, mais do que em qualquer outro pas do mundo, os sintomas da loucura de uma tcnica sem sentimento a servio de uma minoria privilegiada e enlouquecida pelos desejos de consumo. Por isso, temos mais forte a necessidade de corrigir o rumo que seguimos durante os cem loucos anos do sculo XX. E temos tambm os recursos naturais e intelectuais necessrios para formular o novo rumo.

O sculo XXI comea, por isso e, sobretudo, no Brasil. para c que devem olhar aqueles que desejam saber qual o rumo que vai tomar a civilizao: o das tcnicas para saltar da desigualdade dessemelhana e apartao dos seres humanos em dois tipos diferenciados; ou o do uso de nossa riqueza para a construo de um mundo melhor e mais belo para todos.

Talvez, no futuro, do sculo XXI se possa dizer que foi no Brasil que se inventou o futuro, para o bem ou para o mal. Vamos olhar os prximos dias, meses e anos e ver se a elite brasileira entra no novo sculo procurando um novo rumo social, guiado pela tica, ou se vai insistir em ser o exemplo do mal, construindo uma sociedade com apartao.

Cristovam Buarque Professor da UnB, autor dos livros O que apartao e A cortina de ouro. * Texto veiculado pela internet em julho de 2000.A COMPLICADA ARTE DE VER

Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no div e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentes uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que j fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impresso de estar vendo a roscea de um vitral de catedral gtica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentes... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnstico. Eu me levantei, fui estante de livros e de l retirei as "Odes Elementares", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode Cebola" e lhe disse: "Essa perturbao ocular que a acometeu comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual quela que lhe causou assombro: 'Rosa de gua com escamas de cristal'. No, voc no est louca. Voc ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver muito complicado. Isso estranho porque os olhos, de todos os rgos dos sentidos, so os de mais fcil compreenso cientfica. A sua fsica idntica fsica ptica de uma mquina fotogrfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na viso que no pertence fsica.

William Blake sabia disso e afirmou: "A rvore que o sbio v no a mesma rvore que o tolo v". Sei disso por experincia prpria. Quando vejo os ips floridos, sinto-me como Moiss diante da sara ardente: ali est uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ip que florescia frente de sua casa porque ele sujava o cho, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos no viam a beleza. S viam o lixo.

Adlia Prado disse: "Deus, de vez em quando, me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e no viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

H muitas pessoas de viso perfeita que nada vem. "No bastante no ser cego para ver as rvores e as flores. No basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heternimo de Fernando Pessoa. O ato de ver no coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educao ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade uma busca da experincia chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". No sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

H um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discpulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles no o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do po, "seus olhos se abriram". Vincius de Moraes adota o mesmo mote em "Operrio em Construo": "De forma que, certo dia, mesa ao cortar o po, o operrio foi tomado de uma sbita emoo, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa garrafa, prato, faco era ele quem fazia. Ele, um humilde operrio, um operrio em construo".

A diferena se encontra no lugar onde os olhos so guardados. Se os olhos esto na caixa de ferramentas, eles so apenas ferramentas que usamos por sua funo prtica. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas e ajustamos a nossa ao. O ver se subordina ao fazer. Isso necessrio. Mas muito pobre. Os olhos no gozam... Mas, quando os olhos esto na caixa dos brinquedos, eles se transformam em rgos de prazer: brincam com o que vem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas so os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianas. Para ter olhos brincalhes, preciso ter as crianas por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do cu, tornado outra vez criana, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que h nas flores. Mostra-me como as pedras so engraadas quando a gente as tem na mo e olha devagar para elas".

Por isso porque eu acho que a primeira funo da educao ensinar a ver eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua misso seria partejar "olhos vagabundos"...