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1 1. GESTÃO DE MARKETING - INTRODUÇÃO OS SIGNIFICADOS DO MARKETING O marketing envolve estímulo e geração de trocas, em que duas ou mais partes, agindo de modo deliberado e espontâneo, dão e recebem algo de valor, buscando mutuamente satisfazer necessidades. Esta definição é complementada por dois significados: marketing como filosofia organizacional e processo. No sentido de filosofia, marketing é um princípio básico da empresa que enfatiza o foco nas necessidades do cliente, o trabalho integrado de todas as áreas em função do mercado e a geração de lucro como conseqüência da satisfação dos clientes. Processo significa que o trabalho de marketing segue um conjunto de atividades logicamente encadeadas e executadas para alcançar resultados. Os resultados são realizar trocas, gerar valor, satisfazer o cliente e atender aos objetivos da empresa. As etapas do processo incluem, por exemplo, atividades de pesquisa de mercado, análise da concorrência, definição de posicionamento e desenvolvimento de produtos. Troca, filosofia e processo são essenciais para compreender corretamente e aplicar com sucesso o marketing nas empresas. Eles são ilustrados, respectivamente, pelo feirante vendendo suas mercadorias, o presidente de empresa insistindo para que funcionários trabalhem alinhados com as necessidades dos clientes e o gerente empregando diversas técnicas para atrair e reter consumidores. Cada um a seu modo, eles praticam e mostram o que é marketing. O elemento comum é o cliente ou o mercado: a dona de casa procurando produtos na feira, os consumidores da grande companhia daquele presidente e os compradores dos produtos da empresa do gerente. Os três significados são dimensões complementares do marketing, mostradas na Figura 1.1. Para conquistar, satisfazer e manter clientes com lucro os profissionais na empresa devem compreender, integrar e praticar os princípios e as técnicas contidas nas três dimensões. Quando uma delas é negligenciada, o trabalho e o desempenho de marketing são prejudicados.

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1. GESTÃO DE MARKETING - INTRODUÇÃO

OS SIGNIFICADOS DO MARKETING

O marketing envolve estímulo e geração de trocas, em que duas ou mais partes, agindo

de modo deliberado e espontâneo, dão e recebem algo de valor, buscando mutuamente

satisfazer necessidades. Esta definição é complementada por dois significados: marketing

como filosofia organizacional e processo.

No sentido de filosofia, marketing é um princípio básico da empresa que enfatiza o foco

nas necessidades do cliente, o trabalho integrado de todas as áreas em função do

mercado e a geração de lucro como conseqüência da satisfação dos clientes.

Processo significa que o trabalho de marketing segue um conjunto de atividades

logicamente encadeadas e executadas para alcançar resultados. Os resultados são

realizar trocas, gerar valor, satisfazer o cliente e atender aos objetivos da empresa. As

etapas do processo incluem, por exemplo, atividades de pesquisa de mercado, análise da

concorrência, definição de posicionamento e desenvolvimento de produtos.

Troca, filosofia e processo são essenciais para compreender corretamente e aplicar com

sucesso o marketing nas empresas. Eles são ilustrados, respectivamente, pelo feirante

vendendo suas mercadorias, o presidente de empresa insistindo para que funcionários

trabalhem alinhados com as necessidades dos clientes e o gerente empregando diversas

técnicas para atrair e reter consumidores. Cada um a seu modo, eles praticam e mostram

o que é marketing. O elemento comum é o cliente ou o mercado: a dona de casa

procurando produtos na feira, os consumidores da grande companhia daquele presidente

e os compradores dos produtos da empresa do gerente.

Os três significados são dimensões complementares do marketing, mostradas na Figura

1.1. Para conquistar, satisfazer e manter clientes com lucro os profissionais na empresa

devem compreender, integrar e praticar os princípios e as técnicas contidas nas três

dimensões. Quando uma delas é negligenciada, o trabalho e o desempenho de marketing

são prejudicados.

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Figura 1.1 Os três significados do marketing.

MARKETING COMO TROCA Marketing é troca ou transferência entre duas ou mais partes de algo que possuem. Neste

sentido, o marketing existe desde quando as pessoas começaram a procurar e oferecer

coisas aos outros na expectativa de receber algo em contrapartida, melhorando a

existência de ambos. Trabalho do profissional de marketing é desenvolver trocas que

atendam aos objetivos dós consumidores e da empresa, no presente e no futuro. Isto

requer competência nas questões da Figura 1.2. Encontrar boas respostas é

indispensável.

Figura 1.2 O marketing como troca: questões fundamentais.

O Marketing

e as Trocas

1. Quem participa das trocas? vendedores e compradores

6. Qual é o vínculo entre as partes?

transação ou relacionamento

2. Quais são os motivos das trocas?

necessidades e desejos

5. Quais são os resultados das trocas?

satisfação ou insatisfação

3. Quais são os objetos das trocas?

bens, serviços, idéias

4. O que determina as trocas? o valor percebido

Troca

Processo

Filosofia Organizacional

Marketing

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Participantes das Trocas: Vendedores e Compradores

Pelo menos duas partes se envolvem numa troca: vendedor ou fornecedor (daqui em

diante referido como empresa) e comprador (ou cliente ou consumidor). No caso de

abertura do capítulo, ocorrem trocas entre milhares de consultoras da Natura e as

consumidoras no Brasil e no estrangeiro. Antes, as consultoras realizam trocas com a

própria Natura que, por sua vez, conduz múltiplas trocas com os fornecedores (de

matérias-primas, serviços etc.).

Além das trocas reunindo duas partes diretamente, existem formas complexas, que

contam com outros participantes e trocas indiretas. Imagine o gerente de marketing da

Natura administrando o investimento em propaganda. Pretendendo aumentar as trocas

com o mercado, ele decidiu lançar uma campanha de propaganda de produtos da linha

Ekos com comerciais na televisão. O gerente contrata a produção dos comerciais junto a

uma agência de propaganda. A agência acerta com as emissoras de televisão os

horários, a freqüência e o preço da veiculação dos anúncios. Já ocorreram duas trocas.

Durante a campanha, ocorrem outras trocas, entre os canais de televisão e as pessoas

que assistem à programação. Depois, uma parcela dos telespectadores comprará os

produtos anunciados, gerando as trocas pretendidas pelo gerente da Natura.

O mercado é o conjunto de indivíduos, famílias ou organizações com interesse e

condições de realizar uma troca na posição de comprador. A rigor, quem vende bens,

serviços e idéias, também pode ser entendido como "comprador" do dinheiro da outra

parte. Mas aqui vamos considerar que o mercado basicamente compra bens e serviços. O

interesse é gerado por necessidades que a troca consegue satisfazer. Tem condições

para realizar troca quem possui algo que interessa à outra parte. O termo marketing

deriva da palavra market (mercado, em inglês). É central no marketing o trabalho com

mercados.

Existem dois grandes tipos de mercados: de consumo e organizacionais. O primeiro reúne

quem compra algo para consumo ou uso próprio, os indivíduos e as famílias. As

organizações - comprando bens e serviços utilizados como matérias-primas, suprimentos

ou bens de capital (máquinas, equipamentos e prédios) formam os mercados

organizacionais. São empresas (como a Natura), órgãos públicos (Ministério da Saúde) e

organizações não governamentais (a Sociedade de São Vicente de Paulo). Esta

classificação é útil porque o comportamento no mercado de consumo difere, em diversos

aspectos, do comportamento dos mercados organizacionais. Entre eles também existe

muito em comum em matéria de marketing.

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A primeira etapa quando se pretende realizar uma troca é determinar quem vai participar

do processo. Definir qual é o mercado da empresa e com quem ela vai interagir a fim de

trocar. A especificação de um mercado requer conhecimento sobre dois outros fatores: os

motivos e os objetos da troca.

Motivos da Troca: Necessidades e Desejos

Indivíduos e organizações participam de trocas motivados por necessidades, que

procuram satisfazer trocando objetos. As necessidades de indivíduos e organizações são

diferentes. A necessidade humana é uma carência, que gera sentimento de desconforto

ou tensão. O desconforto costuma motivar uma ação para obter algo que elimine ou

amenize o problema.

Todo ser humano tem a necessidade de alimentação; é uma exigência do organismo. A

fome é a manifestação da necessidade não satisfeita de consumir alimentos. A

desagradável tensão experimentada nos faz procurar comida e fazer "uma boquinha" logo

que possível. O ser humano tem necessidade de segurança. Vez ou outra ele se sente

ameaçado por frio e chuva, acidentes pessoais, violência ou incertezas quanto ao futuro.

As pessoas têm necessidade de interagir com os semelhantes, resultado da índole social.

Muitos indivíduos se comportam motivados pela necessidade de realização. É a

consciência das próprias faculdades e potencialidades e o desejo de traduzi-Ias em

manifestações concretas significativas (como ser um exímio cirurgião ou um grande

artista plástico). Há muitas outras necessidades pessoais presentes nas sociedades

modernas, como a educação (é o seu caso ao ler este livro) e o lazer (o que você deve

fazer logo que a agenda permitir).

Quanto mais necessidades do consumidor, e de modo melhor do que a concorrência, um

produto atender, maior é o seu apelo junto ao mercado. O exame e a ação de marketing

são fundamentais. Um salão de beleza, como indica a sua denominação, serve à

necessidade de beleza. Mas, em especial para a mulher que trabalha, um salão de beleza

pode ser o último. As horas cuidando dos cabelos, pés, mãos e pele significam um tempo

só para ela, sem filhos e marido por perto e sem compromissos na agenda (necessidade

de relaxamento). Enquanto isso lêem alguma coisa e ficam sabendo de novidades

(necessidade de atualização). Algumas dormem no secador enquanto lavam seus cabelos

(necessidade de descanso). A maioria das clientes sai do salão se sentindo outra pessoa,

gostando mais de si e com mais energia e disposição (necessidade de auto-estima). Os

salões hoje desempenham várias funções no conturbado dia-a-dia da mulher. É uma

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terapia para muitas delas, em que se esquece o que se passa do lado de fora

(necessidade de apoio e tranqüilidade). Não são poucos os profissionais que acumulam

as tarefas de cabeleireiro e "psicólogo" informal. Com tantas necessidades satisfeitas, as

clientes seguem os cabeleireiros preferidos quando eles mudam de endereço ou de

estabelecimento. Ter o cabelo e o corpo em ordem é muito importante para a

necessidade de beleza da mulher. Se isto for feito em um clima tranqüilo, agradável,

amigável e de apoio humano, muito melhor.

Nas pessoas as necessidades encontram-se em estado latente ou ativo. Necessidades

latentes não mobilizam o indivíduo, porque são desconhecidas ou estão, pelo menos em

parte, satisfeitas num momento. As necessidades ativas, ao contrário, provocam

sensações bem notadas pelo ser humano, retirando-o do estado de indiferença. A

natureza e a intensidade da sensação que ele experimenta determinam suas ações daí

em diante. Por exemplo, quando o nível de água no organismo diminui, a necessidade de

ingerir líquido, que antes era latente, toma-se ativa. O consumo de um ou dois copos

d'água sacia a sede. A necessidade passa, de novo, ao estado latente, deixando de

incomodar a pessoa, embora continuando a existir.

Todos os seres humanos necessitam de comida, mas os hábitos alimentares variam entre

eles. Apesar de muitas necessidades comuns, as pessoas manifestam desejos

peculiares. Os desejos são as preferências por algo específico (bem e/ou serviço),

procurado para satisfazer necessidades. O estudante e o executivo necessitam de

transporte. O primeiro costuma desejar um carro popular, enquanto o segundo pode ter o

desejo de um carrão importado, possivelmente com motorista.

As organizações (como hospitais, escolas, fábricas e comércios) utilizam recursos

(pessoas, matérias-primas, equipamentos, dinheiro e conhecimento) para atingir um

conjunto de objetivos mediante trabalho coletivo. As organizações existem em função dos

objetivos, logo suas maiores necessidades são seus objetivos. Atingir um objetivo

organizacional é satisfazer urna necessidade da empresa.

Para as organizações, a necessidade mais imediata é concretizar vendas, transferindo ao

mercado produtos, recebendo por eles e gerando lucro. São requisitos para dar

continuidade aos fluxos produtivo e comercial, convertendo insumos em produtos. Outras

necessidades das empresas são efetividade, rentabilidade, eficiência, qualidade, imagem,

insumos dentro de especificações, cumprimento de prazos, pessoas qualificadas, equipa-

mentos confiáveis, orientação jurídica etc.

Para conhecer as necessidades de uma empresa é preciso identificar seus objetivos. É

improvável encontrar duas organizações com conjuntos semelhantes de objetivos. Em um

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mesmo ramo empresarial (como o têxtil), é possível haver urna empresa objetivando o

crescimento da participação de mercado e outra satisfeita com o seu volume de vendas.

A Net Serviços, empresa de televisão por assinatura e internet em banda larga, alterou

seus objetivos: ampliou os esforços e investimentos para cativar clientes. Pretende

aumentar a base de assinantes e incrementar o relacionamento com usuários atuais. Ela

realizou pesquisas com clientes para oferecer serviços específicos. Estendeu para toda a

rede o programa de relacionamento com crianças, conhecido como Clubinho Net, que já

existia em algumas praças. Uma campanha sorteou prêmios, carros e viagens entre os

atuais e os novos assinantes do pacote premium advanced. As vendas do serviço de

internet em banda larga - Vírtua - aumentaram tremendamente. A Net, que chegou a ter

1,5 milhões de clientes no passado, estancou as perdas e voltou a recuperar parte dos

seus assinantes. Assimilou que, sem clientes satisfeitos, os negócios não prosperam.

Objetos das Trocas: Bens e Serviços

As necessidades motivam pessoas e organizações a realizar trocas. O objeto de troca é

algo, dado ou recebido, com capacidade de satisfazer as necessidades das partes. Os

objetos mais comuns são o produto que vai e o dinheiro do cliente que vem. Produto aqui

é tomado em sentido amplo para incluir bens, serviços, idéias, sentimentos e

comportamentos - todos eles interessam ao profissional de marketing. Há objetos

tangíveis e intangíveis. Tangíveis são os bens, como um apartamento ou um aparelho de

som. Intangíveis são os serviços (de condicionamento físico em academias de ginástica),

as idéias (de justiça social defendida por um partido político), os sentimentos (de

solidariedade, com quem sofre em guerras ao redor do mundo, propagada por uma

religião) e os comportamentos (de proteção da natureza por uma organização não

governamental ecológica).

As economias mais desenvolvidas são denominadas pós-industriais porque nelas a

produção de serviços gera a maior parte da riqueza e ocupa mais mão-de-obra. Serviços,

como uma experiência, satisfazem inúmeras necessidades dos consumidores, entre elas

as de educação, lazer, saúde e financeiras.

Na época de eleições, os políticos apresentam idéias aos eleitores, esperando votos em

troca. Antes do pleito, as propostas do candidato têm certa possibilidade de

concretizarem-se em caso de vitória. O eleitor examina as idéias e avalia o histórico de

realizações do candidato, compara com os programas dos demais postulantes e faz a sua

escolha. Então vota no político que, entre outros fatores, articulou o ideário mais compa-

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tível com suas necessidades.

No Brasil cresce o número de pessoas ligadas a atividades filantrópicas. Elas colaboram

com organizações não governamentais, que formam o terceiro setor. As contribuições são

feitas com recursos financeiros ou materiais, trabalho voluntário e orientação baseada em

conhecimentos especializados (como de um psicólogo ou advogado). Quando indagadas

a respeito, muitas pessoas afirmam que nada esperam receber em troca nessas relações.

Na verdade, em geral se trata também de uma troca. O retomo ocorre na forma de

sentimentos de estar fazendo o que é moralmente certo, cuidando de um problema social

que pode atingir a própria pessoa amanhã ou cumprindo preceito de sua fé religiosa. Nas

ações assistenciais e de caridade, o ímpeto do indivíduo pode estar na sensação de que

precisa compartilhar parte do que possui com semelhantes enfrentando condições

precárias de vida. Um impulso para a ligação de homens e mulheres com ações

comunitárias de organizações não governamentais (como a Anistia Internacional, o

Greenpeace e o Instituto Ethos) é a convicção de que, sem lutar pelas causas de um

mundo melhor, não se consegue construí-Io ou nem se merece aproveitá-Io.

Os governos divulgam campanhas educativas dirigi das à população sobre, por exemplo,

prevenção da AIDS, uso do cinto de segurança e riscos do cigarro. Em troca, o Estado

quer das pessoas novos comportamentos: usar camisinha nas relações sexuais e

seringas descartáveis ao consumir drogas, dirigir com cintos afivelados, abandonar o

fumo (para quem já fuma) ou não cair na tentação de começar a fumar (sobretudo no

caso dos jovens).

Daqui para frente, para simplificar, vamos considerar como produtos bens e/ou serviços,

que são as duas principais categorias trabalhadas no marketing. Um desafio a ser

superado pelo profissional de marketing, na tarefa de concretizar trocas com o mercado, é

a enorme quantidade de produtos e marcas no mercado disputando a preferência do

consumidor.

Só no ramo supermercadista brasileiro, de acordo com dados do instituto de pesquisa

ACNielsen, havia mais de 45 mil itens ativos em 2004, disponíveis nos catálogos da

indústria e nas prateleiras dos supermercados. Quase 11 mil produtos tinham sido

lançados no próprio ano, ou seja, cerca de um quarto do total dos produtos à venda era

uma nova opção para o consumidor. Na categoria biscoitos, dos 2.993 produtos ativos,

903 (30,2%) eram novos ou promocionais. O varejo e a indústria enfrentam o desafio de

gerenciar a introdução desses milhares de novos produtos a cada ano. O varejista não

pode aceitar qualquer produto, pois as gôndolas não aumentam de tamanho para

acrescentar tudo o que se desejar vender. Cabe avaliar, entre outras questões, se o

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produto é inovador e tem apelo para o consumidor, se a estratégia de marketing do

fabricante para o produto é viável e coerente com os objetivos e a estratégia da loja e se o

custo é adequado em relação ao preço que se pode cobrar.

Neste aspecto de produtos, a realidade mudou muito. O passado, até pelos anos 70, foi

bem mais tranqüilo para as empresas. Havia poucas opções de marcas e produtos para o

consumidor escolher. A preferência de marca se formava, durava e atenuava a

competição baseada em preço. Hoje, em muitos casos, o consumidor conta com amplo e

crescente leque de produtos e marcas. Ainda por cima, em várias categorias de produtos,

há bem pouca diferenciação entre marcas. É fácil o consumidor trocar de fornecedor. De

tão semelhantes, produtos chegam a ser percebidos como commodities (indiferenciados).

Em vez de se privilegiar a marca, ganha espaço a regra decisória "comprar o mais

barato". Mas, se o produto adquire os traços de commodity, o marketing fracassou. O bom

profissional foge desse círculo, que prejudica a maioria das empresas, que não tem

custos para vender barato. Fugir da comoditização e superar a concorrência passa pela

capacidade de agregar valor ao produto.

Determinante das Trocas: Valor Percebido

Pessoas ou organizações motivadas pelas suas necessidades procuram outros indivíduos

ou organizações a fim de realizar trocas de objetos. Mas, antes que a troca se concretize,

as partes avaliam as condições em jogo para decidir se vale a pena ir adiante. A resposta

não é trivial, já que depende das circunstâncias de cada troca. O conceito de valor

percebido explica as avaliações dos produtos.

Na troca, o que é recebido produz um benefício e o que é entregue representa um custo.

O proprietário faz a revisão do carro na concessionária. Ele paga certa quantia pelos

serviços e peças e tem os benefícios da tranqüilidade e segurança com o automóvel. Nas

situações cotidianas as trocas criam múltiplos benefícios e custos para os envolvidos. Aí o

valor percebido de um objeto é o julgamento do cliente, sobre a relação entre benefícios

recebidos e custos incorridos numa troca, como representado na Figura 1.3.

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Figura 1.3 A balança do valor percebido: benefícios versus custos para o cliente.

Cada parte compara benefícios com custos para descobrir se trocar é interessante. Se os

custos superam os benefícios, ela desiste da transação. Quando o que se tem a receber é

bem superior ao que é dado, a troca fica interessante, mas talvez não seja atraente à

outra parte. Se o resultado da avaliação é vantajoso para ambas as partes, a troca deve

efetivar-se. Neste caso, a troca agrega valor para os envolvidos e deve deixá-Ias melhor

do que antes. A precisão do cálculo de valor percebido varia muito. Trocas importantes

realizadas por consumidores meticulosos (a escolha da escola para os filhos) são

precedidas de avaliação cuidadosa dos vários benefícios e custos. O turista de férias

entra num restaurante desconhecido porque deu fome depois de longa caminhada.

Em 2002, em meio à alta oferta de veículos no Brasil, a Volkswagen faz adaptações na

linha de montagem para aumentar a produção de dois dos modelos mais antigos. O

Santana, então com 18 anos, e a Kombi, prestes a completar 46 anos, não atendiam à

demanda. Se no Primeiro Mundo esses modelos soariam como peças de museu, a

participação no mercado brasileiro surpreendia o próprio fabricante. Com a média de 2 mil

unidades produzidas por mês, em 2001 o Santana tirou o Vectra, da General Motors, do

primeiro lugar em vendas na categoria de carros médios. A Kombi era produzida ao ritmo

de 1,5 mil unidades mensais. O Gol Special ou Geração II respondia por 40% das vendas

totais da linha Gol, na média de 8 mil unidades por mês.

O fator de sucesso dos modelos antigos da Volkswagen é o alto valor percebido pelo

benefícios benefícios parapara

o clienteo cliente

•• funcionaisfuncionais

•• emocionaisemocionais

•• simbólicossimbólicos

custos paracustos para o clienteo cliente

monetários monetários

(preç(preços)os)

Não monetáriosNão monetários (tempo, esforço,(tempo, esforço,

r isco, r isco, oportunidade)oportunidade)

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mercado-alvo. De um lado, o preço para o comprador era baixo relativamente aos

concorrentes. O Santana saía por R$ 24 mil; a Kombi por R$ 20 mil; o Gol Geração lI, por

R$ 3 mil menos que o da Geração II!. Os benefícios não eram os maiores, mas eram

significativos. O Santana é um carro grande (conforto e versatilidade de uso), motor 1.8

(rapidez e segurança), com direção hidráulica, ar-condicionado, vidro e travas elétricas

(conforto) e porta-malas espaçoso (versatil1dade de uso). A cada dez táxis vendidos no

país, seis eram Santana. O taxista que escolhe o Santana precisa de carro com espaço

na cabine (benefício de não perder a corrida quando há passageiros em grupo) e no

porta-malas (benefícios de economia instalando um reservatório de gás e não ter de

dispensar passageiro com bagagem grande). Se o motorista de táxi puder e quiser pagar

pelo beneficio do status, ele parte para modelos mais recentes. Mas, agregando

benefícios em demasia aos produtos, não sobra muito brasileiro capaz de pagar o preço

mais alto.

Resultado das Trocas: Satisfação ou Insatisfação

Quando concluem que a troca agrega valor, as partes seguem adiante, entregando e

recebendo algo. Até este momento existiam expectativas sobre o que aconteceria após a

troca. Depois dela as partes avaliam os resultados. Neste estágio o consumidor

experimenta satisfação (ou insatisfação). Satisfação, como desenhado na Figura 1.4, é o

sentimento positivo (de contentamento ou prazer) do indivíduo quando o objeto tem

desempenho percebido pelo menos no nível que ele esperava. Se o desempenho

percebido é inferior à expectativa, resulta insatisfação. O desempenho percebido alto

(baixo) exerce influência positiva (negativa) na satisfação. Quando o comprador espera

bem pouco do produto, talvez desista logo dele em vista da insatisfação que percebe. Em

conexão com o conceito de valor percebido, o cliente experimenta satisfação quando o

valor proporcionado pelo objeto supera suas expectativas.

Durante a gestão de José Serra, o Ministério da Saúde realizou pesquisa de satisfação

com usuários do Sistema Único de Saúde. Um desdobramento foi a concessão do Prêmio

Qualidade Hospitalar aos melhores hospitais do país. Os pacientes avaliaram as

dimensões equipe médica, equipe de enfermagem, tratamento recebido e instalações

físicas. Questionários chegaram à casa de quase um milhão de pacientes que estiveram

internados. Entraram no ranking hospitais com pelo menos 10% de questionários

devolvidos pelos pacientes ao Ministério da Saúde. As respostas de mais de 110 mil

usuários deram um índice de satisfação de 85%, que considerou o produto (serviços e

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bens) excelente ou bom. O resultado gerou muita polêmica na imprensa, entre estudiosos

da saúde pública e na sociedade em geral. A impressão de muitas pessoas é que o SUS

estaria propiciando, isto sim, muita insatisfação.

Figura 1.4 Os componentes básicos e o processo de satisfação do consumidor.

Mas, pela definição de satisfação e pelo método de pesquisa seguido pelo Ministério da

Saúde, não é difícil entender e aceitar o resultado positivo. Primeiro, as deficiências da

saúde pública no Brasil reduzem as expectativas de quem procura os serviços. O cidadão

antecipa que provavelmente não vai encontrar excelência, mas o oposto dela. Segundo, a

parcela dos que estavam na fila dos hospitais do SUS e não foi atendida, quase

certamente insatisfeita, não entrou na pesquisa, que só incluiu quem foi tratado num

hospital. Terceiro, há indícios de que um dos piores desempenhos do SUS está no

benefício acessibilidade aos serviços, que não foi medido na pesquisa. Já para quem

consegue ingressar numa unidade de saúde os serviços recebidos podem ser razoáveis

ou mesmo bons, sem falar nas ilhas de excelência (como alguns hospitais universitários).

Quarto, da comparação entre expectativas baixas e experiência razoável ou boa o

resultado é a alta proporção de satisfação. Situação diferente é a dos pacientes que

procuram hospital e pagam a conta do próprio bolso ou arcam com o plano de saúde. As

expectativas sobem consideravelmente. Satisfazê-los requer desempenho percebido

também mais alto.

a) a) expectativasexpectativas

b) b) desempenhodesempenho

percebidopercebido

c) posiçãoc) posição percebidapercebida

satisfação satisfação ouou

insatisfaçãinsatisfaçãoo

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Vínculo entre as Partes: Transação ou Relacionamento

Quando o cliente fica satisfeito com a troca e nela percebe valor, ao aparecer de novo a

necessidade que originou a troca bem-sucedida, o normal é lembrar do mesmo

fornecedor. Prosseguindo este caminho, toma forma o relacionamento. Começa um fluxo

de transações, cobrindo períodos prolongados, numa integração mais forte entre

vendedor e comprador. O consumidor que compra sempre os produtos da mesma marca

e acredita que esta é a melhor decisão é leal e está num relacionamento.

Se a troca gerou insatisfação ou baixo valor percebido, o cliente perde motivo para insistir

com o fornecedor e pode sair à procura de alternativa mais interessante. Sucede uma ou

outra transação isolada entre as partes.

Na abordagem de marketing de transação, a empresa se preocupa mais em adquirir

novos clientes e ter rentabilidade nos curtos períodos de ligação com eles. Outras

organizações concentram esforços para preservar os clientes conquistados e lucrar pela

repetição das trocas no tempo. É a abordagem de marketing de relacionamento, na qual

as atividades de marketing visam estabelecer, desenvolver e manter trocas bem-

sucedidas e duradouras com o mercado. Nos últimos tempos cresceram a consciência e o

interesse pelos ganhos mútuos advindos do esforço cooperativo no mercado. Alguns

consideram o marketing de relacionamento uma mudança de paradigma.

O Quadro 1.1 contrasta características das duas abordagens. No marketing de

relacionamento, o trabalho, mais do que concretizar a primeira troca com o cliente, leva à

repetição das trocas com ele. São essenciais esforço e competência para manter o

vínculo duradouro e mutuamente benéfico entre a empresa e os integrantes do mercado.

Todavia, reunir uma base ampla de clientes, leais traz várias conseqüências positivas

para a empresa. Há a valorização da sua imagem, menor sensibilidade dos compradores

ao preço, redução de custos e incremento da rentabilidade.

A sustentação de relacionamentos exige confiança e comprometimento. A confiança

significa que uma parte tem segurança quanto à integridade do parceiro e pode contar

com ele. Existindo confiança, o controle de recursos importantes é deixado nas mãos do

parceiro, sem o risco de que ele se aproveite disso. Cada lado conta que o outro cumprirá

suas obrigações. O processo de troca ganha flexibilidade e perde em burocracia,

minimizando cautelas e implicações legais. No comprometimento uma parte acredita que

o relacionamento contínuo com a outra parte é importante o suficiente para justificar

esforços para mantê-Io. Erguer relacionamento é algo trabalhoso, que não surge do

acaso. Logo, sem comprometimento é muito difícil que os envolvidos se animem a investir

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em relacionamento no grau necessário.

Quadro 1.1 Distinções entre marketing transacional e marketing de relacionamento Características Marketing Transacional Marketing de Relacionamento

Foco no marketing Aquisição de clientes Retenção de clientes

Horizonte de Tempo Curto prazo Longo prazo

Proposta Realizar venda Satisfação mútua

Aspiração Criar troca Criar valor percebido

Prioridade de serviço ao cliente Baixa Alta

Contato com os clientes Infreqüente a moderado Frequënte

Comprometimento com os clientes Baixo Alto

Tipo de interação Adversária, manipulação,

resolução de conflito

Cooperação, confiança, respeito

mútuo, confidência

Fonte: Adaptado de FERREL, O. C.; HARTLINE, Michael D. Marketing strategy. Mason: South Western, 2005. p.13 Uma estimativa simples mostra o potencial financeiro do marketing de relacionamento. O

restaurante funciona em região com muitos escritórios. Se uma pessoa almoçar duas

vezes por semana no local, ao preço médio de R$ 10 por refeição, ao final de um ano (52

semanas) terá trazido uma receita de R$ 1.040. Satisfeito com o valor percebido, esse

cliente indica o estabelecimento a dois colegas, que adotam padrão de consumo similar,

elevando a receita anual do restaurante em R$ 3.120. Se permanecerem leais ao lugar

nos cinco anos seguintes, os três gastarão $ 15.600. Considerando uma margem de lucro

líquida de 35%, razoável para este tipo de empreendimento, o dono do restaurante

ganhará no período R$ 5.460 com os três clientes. Se o exemplo repetir-se com 100

clientes, ao final de cinco anos o lucro líquido chegará a R$ 182.000. São modos pelos

quais a lealdade gera melhores resultados financeiros para o fornecedor.

O marketing de relacionamento tem limites de aplicação. Há clientes que não querem se

tornar dependentes de um único fornecedor. Outros clientes submetem as compras

simples a fornecedores transacionais com preço reduzidos, deixando as compras

complica 'das para o fornecedor de relacionamento. A empresa que constrói e detém um

relacionamento geralmente cobra preço mais alto (premium), criando certa vulnerabilidade

a concorrentes com preços inferiores. Se não há benefícios relevantes para ambas as

partes, o relacionamento deixa de fazer sentindo e abre caminho para o marketing

transacional. Não adianta forçar relacionamento, como nas situações em que um

fornecedor cria custos pesados de troca para ter clientes cativos, força contratos de longo

prazo sob pena de multa ou se aproveita em excesso de patentes. Na primeira

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oportunidade que tiver, o cliente cai fora.

MARKETING COMO FILOSOFIA ORGANIZACIONAL

o propósito do marketing é realizar trocas. Estudo e experiência demonstram que o

marketing depende também do papel dos funcionários e dos processos de trabalho de

uma empresa. Os conceitos e as técnicas para fomentar trocas são, por si só,

insuficientes para assegurar o sucesso da empresa perante o mercado. É preciso algo

mais, que é o interesse genuíno e o compromisso permanente - disseminados e

enraizados por toda a empresa - com a identificação, compreensão e atendimento das

necessidades e dos desejos dos consumidores-alvos. Este requisito remete ao segundo

significado do marketing, como uma filosofia organizacional. Ele complementa as duas

outras concepções, de troca e processo, e contribui para a prática efetiva do marketing.

O marketing como filosofia é um princípio geral orientador do trabalho da empresa que

tem o cliente como elemento central. As filosofias expressam os princípios de uma

organização e ajudam a definir a identidade, o caráter e os seus modos de agir. As

filosofias se manifestam nas maneiras de pensar, pressupostos, padrões morais, políticas,

diretrizes e normas (implícitas ou explícitas, básicas e duradouras) da empresa. Os

princípios, quando disseminados, compreendidos e interiorizados pelos executivos e pelo

pessoal, fornecem bases para avaliar a adequação e a importância de idéias, propostas,

decisões e ações rumo aos objetivos maiores da empresa. Num efeito mais amplo, as

filosofias moldam atitudes, dirigem comportamentos, facilitam a comunicação, inspiram e

motivam os funcionários no desempenho de suas atividades.

A influência das filosofias no funcionamento das organizações é profunda, razão pela qual

o marketing como filosofia é tão importante. Apenas quando o foco no mercado, a

preocupação e o compromisso com o cliente estiverem incorporados e apreendidos é que

estará constituída uma organização guiada por marketing. Sem isto, o discurso em favor

do cliente fica vazio ou não passa de mera manifestação de intenções.

A orientação para marketing requer a coordenação de todas as áreas para satisfazer os

clientes e entregar-Ihes valor percebido. A rentabilidade é a recompensa para a empresa.

É uma filosofia fundamental em mercados concorridos, onde o consumidor tem

alternativas e, por isto, exerce soberania para decidir. Examinemos os principais

elementos da orientação para marketing: foco no cliente, foco na concorrência,

coordenação interfuncional e rentabilidade.

Foco no Cliente - As empresas sobrevivem graças às trocas realizadas com integrantes

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do ambiente, incluindo fornecedores, distribuidores, proprietários e acionistas,

funcionários, governos, comunidade e consumidores. A orientação para marketing requer

a perspectiva externa em vez de uma visão voltada para, dentro da empresa. Assim, a

última palavra sobre quais produtos a empresa deve oferecer não cabe às equipes do

laboratório de pesquisa e desenvolvimento, da área de vendas, do setor de engenharia,

da fábrica, do departamento financeiro ou do gabinete do presidente, mas principalmente

ao próprio mercado.

O foco na produção e a ênfase em vendas se opõem à orientação para marketing porque

são presididos por preocupações internas. Conceber, fabricar e vender produtos não são

fins em si, devendo ser tomados como meios de corresponder às expectativas dos

consumidores. As tecnologias e os produtos são cada vez mais passageiros, enquanto as

necessidades do cliente permanecem. Para melhor servir o mercado, a empresa tem o

desprendimento de abandonar tecnologias ou descontinuar produtos. As organizações

que praticam a orientação para marketing permanecem atentas às necessidades do

cliente, entendem suas reações ao que recebem e gerenciam as ofertas visando ao

incremento da satisfação e do valor percebido.

A Multibrás, subsidiária do grupo Whirlpool dos Estados Unidos, é líder em vendas de

geladeiras no Brasil, somando as marcas Cônsul e Brastemp. Ela redobrou apostas nas

exportações com uma inovação. Mas observou a orientação para marketing. Lançou um

modelo da marca Brastemp que pode ser adaptado para cada um dos 100 mercados

estrangeiros - do norte-americano ao chinês - que receberão o refrigerador. Para vender o

produto a nacionalidades tão diferentes, Multibrás e Whirlpool primeiro estudaram a fundo

os hábitos de consumo em dez países considerados prioritários, entre eles o Brasil. O

objetivo era descobrir um modelo ideal aos gostos dos principais mercados. Com base no

modelo-padrão serão feitas adaptações. As geladeiras dos chilenos terão espaço para

garrafas de refrigerantes de 3 litros, que fazem sucesso por lá. As destinadas à Índia

serão equipadas com chave, pois macacos abrem as geladeiras quando os donos não

estão por perto. Para possibilitar as adaptações, a empresa registrou 50 patentes, mais

que o dobro de sua última geração de refrigeradores. Resultado de 15 meses de

desenvolvimento e de investimento de 60 milhões de reais, maior soma já aplicada pela

Multibrás num só produto, o novo modelo chegou ao mercado brasileiro em 2004. Com

essa filosofia organizacional, só de 2002 a 2003, as vendas externas da Multibrás

triplicaram. Estima-se que a nova geladeira aumente em até 20% as exportações de

refrigeradores da marca.

Coordenação Interfuncional - A princípio pode parecer que as relações entre empresa e

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clientes são responsabilidade exclusiva da área de marketing. Não é assim que agem as

empresas que adotam o marketing como filosofia. Nelas as áreas trabalham juntas,

combinando competências, recursos e esforços, procurando atender os clientes. A maior

parte das empresas tem estrutura funcional que junta pessoas com conhecimentos e

habilidades similares e origina as áreas de produção, finanças, marketing, recursos

humanos, pesquisa e desenvolvimento, engenharia etc. Esta estrutura permite ganhos de

escala e maior especialização, mas incentiva o isolamento entre áreas, conseqüência do

apego às perspectivas e aos objetivos departamentais específicos. Com o

distanciamento, é maior a chance de o cliente desaparecer das prioridades dos grupos

que não interagem diretamente com o mercado.

Nas organizações motivadas pela orientação para marketing, as funções são integradas e

trabalham coordenadas em torno do cliente. Nelas, à luz das necessidades e dos desejos

do mercado, é cultivada a habilidade de tornar decisões reunindo as perspectivas

funcionais e existe competência para resolver conflitos entre departamentos. Todos

reconhecem o cliente como um meio indispensável para atingir os objetivos da

organização.

Foco na Concorrência - A empresa orientada para marketing acompanha os pontos

fortes e fracos dos concorrentes e as estratégias deles. No estudo entram, além dos

concorrentes diretos atuais e potenciais, outras tecnologias que poderiam servir melhor às

expectativas presentes e futuras dos clientes. A empresa operando em um ramo de

negócios disputado permanece atenta aos passos dos concorrentes, pois os con-

sumidores, com alternativas de produtos, ficam mais dispostos a mudar de fornecedor.

O contexto brasileiro atual é de alta concorrência. Anos atrás, as circunstâncias eram bem

diferentes. Na maior parte dos setores prevalecia certa acomodação entre os

participantes, aparentemente satisfeitos com o estado de coisas vigente. Intervenção

estatal na economia e proteção contra concorrência favoreceram o quadro de

tranqüilidade competitiva de muitas empresas no país. Mas a situação mudou

drasticamente. a foco na concorrência exige atividades para adquirir informações sobre

concorrentes e disseminá-Ias na empresa. Equipes de venda, por exemplo,

compartilhando informações sobre concorrentes. Convém à empresa dar respostas

rápidas às iniciativas dos concorrentes. A cúpula tem de discutir os movimentos deles. A

partir dos concorrentes são procuradas oportunidades de vantagem competitiva.

A propriedade do foco na concorrência é evidente entre os escritórios de advocacia, com

a disputa acirrada por clientes em anos recentes. Os grandes escritórios perderam a

supremacia da década de 90. Clientes, que antes caíam do céu, agora pesquisam preço,

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comparam serviços e muitos privilegiam escritórios de estruturas mais enxutas e que

prestam atendimento mais personalizado e tão bom quanto o de uma grande banca. O

resultado é uma queda nos preços de honorários e maior flexibilidade na forma de

cobrança, que antes era feita somente por hora, sem limitação previamente combinada. É

unânime entre sócios de escritórios que o cliente não é mais leal como antigamente e a

concorrência exige atenção. Os clientes batem à porta de todos os grandes escritórios

para avaliar desempenhos e preços. Segundo Isabel Franco, sócia do Demarest e

Almeida, um dos maiores escritórios brasileiros, "os clientes fazem um verdadeiro

concurso de miss entre os escritórios antes de contratar alguém. É praticamente uma

licitação".

Rentabilidade - Na empresa o lucro é objetivo fundamental. Em princípio, não há

empresa puramente altruísta (fundada só no desprendimento, abnegação, filantropia e

amor ao próximo), mesmo porque seria muito difícil sobreviver. A expectativa de retorno

sobre o investimento feito sempre consta das motivações de quem inicia ou conduz um

negócio. Os lucros premiam os proprietários pelos riscos assumidos quando colocam

tempo e dinheiro em um empreendimento. Existem outros objetivos relevantes (como o

aumento da participação de mercado e a realização profissional dos proprietários), mas o

retorno é imprescindível para garantir a viabilidade empresarial.

A orientação para marketing é coerente com tal perspectiva, mas concebe o retorno como

resultante da capacidade de a empresa resolver as necessidades e os desejos dos

clientes. Só isto assegura a continuidade dos fluxos de receita e lucro. O retorno também

estabelece o limite até onde a organização pode ir para atender o consumidor.

Outras Filosofias Organizacionais perante o Mercado

Além da orientação para marketing, há as orientações para produção, vendas, produto e

marketing societal. Cada filosofia afeta o modo como as organizações enxergam e se

relacionam com seus mercados. Em tese, a orientação para marketing não é sempre

melhor do que as demais filosofias. Há contextos onde a orientação para marketing

acarreta menos vantagens do que, por exemplo, a orientação para produto. O profissional

avalia as opções disponíveis, analisa o contexto empresarial predominante em dado

período e, então, privilegia a filosofia mais apropriada.

Orientação para Produção - Nas empresas onde prevalece esta filosofia, os

profissionais valorizam questões produtivas referentes a capacidade instalada, uso desta

capacidade, competência nos processos fabris e eficiência operacional. Executivos e

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funcionários não se preocupam muito com as necessidades dos clientes. Quando pensam

nos consumidores é para determinar os volumes a produzir. O mercado é o destino do

que a empresa produz.

A orientação para produção, voltada para dentro da empresa e pautada por prioridades

operacionais, é mais adequada nos estágios embrionários de evolução dos mercados.

Pode haver demanda para quase tudo que for produzido de itens básicos, oferecidos a

consumidores que ainda não fizeram a primeira compra do produto, não estão

interessados ou não podem pagar por produtos diferenciados.

O foco na produção é apropriado em momentos de crise de abastecimento, quando a

demanda supera a oferta. O desafio para a empresa é reunir recursos, erguer e colocar

em funcionamento unidades produtivas fornecendo grandes quantidades de produtos.

Então, o executivo sabe que a produção será comercializada até com facilidade. Essas,

porém, são condições raras na atualidade brasileira.

Numa tentativa de eliminar a crônica inflação no Brasil, em fevereiro de 1986 foi

decretado o Plano Cruzado pelo então ministro da Fazenda, Dílson Funaro. Era o governo

do presidente José Sarney. A moeda cruzeiro desapareceu, entrando o cruzado. Preços e

salários foram congelados em cruzados por 12 meses, embora com um gatilho salarial

disparado a cada vez que a inflação mensal ultrapassasse 20%.

De início, o Plano Cruzado conteve a inflação e aumentou o poder aquisitivo da

população, colocando o país num clima de euforia. Durante alguns meses as mercadorias

sumiram das prateleiras das lojas e dos supermercados, com imensas filas de

consumidores querendo comprar. A produção não atendia a demanda do mercado. Nesse

contexto as empresas deveriam orientar-se pela produção. Caso conseguissem produzir a

custos compatíveis com os preços congelados, as vendas seriam garantidas. O mercado

tinha enorme demanda insatisfeita, disposto a absorver tudo que as empresas fossem

capazes de entregar.

Apenas quatro meses depois o Plano Cruzado começou a dar errado. Ocorreu grave crise

de abastecimento. O país até importou vários alimentos. Fornecedores cobravam ágio. A

inflação voltou a subir. A economia nacional perdeu força, cresceu pouco e a taxas muito

baixas nos anos seguintes. Desapareceu a indicação de uma orientação para produção.

Orientação para Vendas - A relação com o mercado prioriza o esforço de comunicação

para realizar trocas com os consumidores, aumentar os volumes negociados e obter

lucros. A empresa orientada para vendas utiliza equipes de vendedores agressivos,

campanhas de propaganda intensas e esquemas de promoção de vendas ousados, tudo

para pressionar os compradores. Além dos consumidores, as ferramentas de venda são

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dirigidas a atacadistas e varejistas. O trabalho é balizado pelo horizonte de curto prazo.

Quase nenhuma atenção é dada às necessidades e aos desejos dos clientes, nem

mesmo ao produto. Interessa é vender os itens que deixam a linha de fabricação e

cumprir as metas de vendas.

A orientação para vendas é uma resposta empresarial até comum quando a oferta está

bem acima da demanda e intensifica a disputa pelo cliente. Muitos executivos se

descontrolam e partem para o imediatismo. O período da Grande Depressão, iniciado em

1929, estimulou a orientação para vendas. Durante uma década, até o início da Segunda

Guerra Mundial, em 1939, o mundo experimentou recessão econômica em meio a preços

elevados, muito desemprego e negócios estagnados. Pressionados pela elevada

capacidade produtiva instalada durante o crescimento do comércio mundial no século

anterior, os empresários não ficaram parados. Se antes a prioridade era produzir para

atender mercados em expansão, na crise cabia encontrar compradores e fechar vendas

que escoassem a produção.

O risco da orientação para vendas é despertar nos consumidores uma reação negativa.

Se as expectativas do mercado não são atendidas, é inevitável a insatisfação, que pode

ser até proporcional à pressão que a empresa faz sobre ele. O exagero do esforço de

vendas já é perigoso. Certa feita, um dos autores deste livro recebeu ligação em casa.

Era uma manhã de sábado. A operadora de telemarketing queria vender um serviço de

prestação continuada, pelo qual o interesse era reduzidíssimo. Não foi fácil dispensar a

insistente vendedora. Dali a duas horas, nova ligação, de outra vendedora do mesmo

serviço. Questionada sobre a repetição da abordagem, ela explicou o esquema de

trabalho. As profissionais eram terceirizadas e basicamente comissionadas; logo, tinham

de vender de qualquer jeito para sobreviver. Selecionando os bairros mais promissores, a

supervisora da equipe indicava as ruas cujos moradores deveriam ser contatados. A

referência era o guia telefônico de assinantes por endereço. Mas às vezes ocorriam falhas

e a mesma rua era entregue a mais de uma vendedora. Dessa forma, a pequena intenção

de compra do serviço por parte de um de nós foi a zero, além de levar a muita

comunicação boca-a-boca negativa sobre o irritante episódio. A orientação para vendas é

tão tentadora, pelos possíveis resultados imediatos, quanto perigosa, à medida que o

tempo passa e aparecem as respostas adversas dos consumidores atuais e potenciais.

Orientação para Produto - A empresa acredita que vendas e satisfação do cliente

dependem do acréscimo de características técnicas, funções e desempenho nos

produtos. Uma manifestação é oferecer maior número de acessórios, mais controles, mais

velocidade, materiais mais nobres e maior sofisticação. Os profissionais da empresa

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avaliam que é isto que os consumidores desejam e que prevalece na decisão de compra.

A orientação para produto é mais usual em empresas com grande competência em

pesquisa e desenvolvimento, que mantêm um fluxo tecnológico permanente e onde os

responsáveis por esses processos determinam o que será ofertado ao mercado. No

centro estão especialistas fazendo análises objetivas e bem técnicas sobre o que convém

aos consumidores. Para eles, a competência que possuem e as avançadas soluções

incorporadas aos produtos são mais importantes do que saber se os consumidores

desejam todo o desempenho e as funções oferecidos ou, antes de tudo, o que eles

realmente desejam e valorizam. Mas substituir o julgamento do consumidor é perigoso

quando ele conta com tantas opções para comprar. À orientação para produto restam

chances de sucesso nos segmentos em que a excelência técnica e o elevado

desempenho são apreciados e procurados pelos consumidores, em geral especialistas ou

pessoas profundamente envolvidas com os produtos que compram. Eles precisam ter

poder aquisitivo compatível, o que não é freqüente no Brasil.

Um espaço mais ajustado à orientação para produto reúne os consumidores de

equipamentos eletrônicos de alto desempenho. São produtos como máquinas

fotográficas, aparelhos de áudio e vídeo e microcomputadores de ponta utilizados em

casa, repletos de possibilidades operacionais, os mais altos níveis de desempenho e,

também, os preços mais elevados. Mas isto cria também contrapartidas severas para

grande parte dos consumidores que se encaixam no perfil de normais ou leigos.

Aparelhos complexos são mais difíceis de comprar, porque a compreensão e a

comparação ficam complicadas. Eles são mais caros de adquirir e manter. Aprender a

operá-Ios e explorar todas as possibilidades de funcionamento exige tempo para

conhecer as funções disponíveis e extrair delas o que podem oferecer. Quem não possui

um aparelho repleto de funções que nunca descobriu ou aprendeu a utilizar e nunca teve

paciência para ler o manual de instruções? Aí a orientação para produto é inapropriada,

porque o consumidor encontra custos monetários e não monetários bem elevados e não

percebe os benefícios correspondentes, que precisariam compensar os custos. A

equação de valor do produto acaba prejudicada e as chances de sucesso de mercado

ficam comprometidas.

Ao longo da segunda metade do século XX o mundo passou de uma era de escassez

para um período de grande oferta de bens e serviços. O consumo nos países

desenvolvidos amadureceu, em muitos ramos as taxas de expansão dos mercados se

estabilizaram em níveis baixos e a concorrência ganhou intensidade com a proliferação

de fabricantes e marcas disputando a preferência do cliente. O consumidor, por sua vez,

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experimentava padrões ascendentes de vida e novos perfis comportamentais. Níveis de

renda aumentando, mais escolaridade, meios de comunicação disseminados e

necessidades básicas já satisfeitas em parcela da população desembocaram num

consumidor mais esclarecido e seletivo nas decisões de compra. Alguém apto a

questionar os argumentos de vendas e consciente de seu peso na relação comercial com

as empresas. Tudo isto foi exigindo dos profissionais de marketing e de outras áreas

funcionais uma nova filosofia organizacional.

No geral, as filosofias voltadas para dentro da empresa, concentradas na produção, nas

vendas ou no produto, não mais bastavam para enfrentar a concorrência, conquistar e

manter clientes e ter retomo. O contexto impunha às empresas a adoção da orientação

para marketing. Decisões acertadas de negócio dependem cada vez mais de

compreender as necessidades e expectativas dos clientes, de empregar este

conhecimento a fim de melhorar as soluções levadas ao mercado e desenvolver novas

ofertas; de colocar todas as áreas da empresa, não apenas a função de marketing, para

entregar ao cliente o que a empresa prometeu; de acompanhar e responder aos

movimentos dos concorrentes. É papel dos gestores, com destaque para a cúpula,

disseminar esta filosofia por toda a empresa. Estimular cada funcionário a agir segundo a

orientação para marketing, contribuindo com as iniciativas da empresa em busca de

clientes satisfeitos e que nela percebem valor.

Orientação de Marketing Societal – Nesta filosofia, produtos e práticas de marketing

contemplam as necessidades dos clientes nos prazos curto e longo. Também são

considerados os interesses e impactos sobre as partes direta ou indiretamente atingidas

pelo consumo (os não consumidores, funcionários, fornecedores e cidadãos). O marketing

societal amplia a orientação para marketing e é fruto do debate sobre os efeitos

potencialmente nocivos das práticas de marketing sobre as pessoas e o ambiente. Nos

países mais desenvolvidos, a discussão ganhou força na década de 1960, uma época de

questionamento e contestação dos valores vigentes e do sistema estabelecido. Foram

manifestações crescentes de alarme e descontentamento diante das conseqüências da

sociedade de produção e consumo intensos e nem sempre responsáveis.

Grupos que cobravam responsabilidade social das empresas relacionavam exemplos de

falta de compromisso com os interesses do consumidor e da sociedade como um todo.

Fabricantes e distribuidores de combustíveis foram acusados de não se empenhar em

pesquisas que reduzissem a poluição e o desperdício de seus produtos. A qualidade

nutricional dos alimentos estaria sendo reduzida pela indústria alimentícia que, junto com

os fabricantes de brinquedos, foi acusada de influenciar em excesso as crianças com

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propagandas na televisão. Para alguns críticos,satisfazer o cliente seria um meio de

atingir os objetivos financeiros, mas não garantia o bem-estar dele ao longo do tempo.

Se parte das pessoas esperava a provisão de produtos que tornassem a vida mais

confortável e cômoda, outra criticava os efeitos sociais adversos da produção e do

consumo. Disto são exemplos a ênfase no materialismo, o consumo exagerado de bens

supérfluos, a propaganda enganosa, a baixa qualidade das ofertas, práticas comerciais

desleais e a deterioração do meio ambiente. As controvérsias levaram à formação do

consumerismo, um movimento social em que os consumidores buscavam aumentar sua

força e seus direitos diante das empresas.

Apesar da defasagem no tempo, essa situação conturbada ligando quem compra e

consome (de um lado) e quem produz e vende (do outro) se estendeu por outros países

ao redor do mundo, como o Brasil. Aqui pelo menos três frentes apareceram em defesa

do consumidor e da sociedade no que ela é afetada pelo consumo. Numa estão as

organizações não governamentais (como o Instituto Akatu - Pelo Consumo Consciente -

http://www.akatu.net/) . Noutra, o Ministério Público, a quem a Constituição Federal de

1998 (artigo 127) atribuiu a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A

terceira frente está no Código de Defesa do Consumidor (CDC), promulgado em 1990. O

CDC prevê a participação de diversos órgãos públicos e entidades privadas num Sistema

Nacional de Defesa do Consumidor. Parte importante do sistema, os Procons são órgãos

públicos estaduais e municipais de defesa do consumidor. Suas competências estão

contidas no CDC e no Decreto n!! 2.181/97. Para garantir os direitos dos consumidores,

eles prestam atendimento direto às pessoas e elaboram, coordenam e executam políticas

de defesa do consumidor, incluindo a orientação e educação. Aos poucos se torna

concreta uma nova fase na proteção das relações de consumo no Brasil. Para responder às novas demandas provocadas por consumidores-cidadãos

descontentes, a filosofia de marketing incorporou o interesse pelo bem-estar do

consumidor e pelos problemas das modernas sociedades. Eis a orientação para

marketing societal. Entre as ações concretas que as empresas poderiam tomar estariam:

fornecer aos clientes mais e melhores informações sobre os produtos; adotar critérios

éticos rigorosos no desenvolvimento dos programas de comunicação; redobrar atenção

nos serviços de pós-venda; privilegiar os aspectos de segurança e a qualidade de vida do

consumidor. Um dos papéis do marketing é estimular as pessoas a modificarem padrões

de consumo no sentido de gastarem mais tempo e dinheiro em opções de compra que

proporcionam a evolução moral, social e intelectual equilibrada de cada um e ajudam na

sustentabilidade do planeta.

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A Souza Cruz é um dos cinco maiores grupos privados no Brasil. A empresa é subsidiária

do grupo British American Tobacco, o segundo maior do mundo no ramo de tabaco, com

operações em cerca de 180 países. Produzir e comercializar cigarros é uma atividade

legal no Brasil. Mas a própria Souza Cruz acha melhor reconhecer que trabalha com um

produto cujo consumo envolve riscos. A missão da Souza Cruz é fornecer produtos de

qualidade a adultos que escolheram fumar, com o conhecimento dos riscos associados ao

hábito. Entende que seu negócio não é persuadir pessoas a fumar, mas oferecer marcas

de qualidade a adultos que já decidiram fumar, livre e conscientemente. Indo além, apesar

de tantas controvérsias, a Souza Cruz, de certo modo consciente da orientação para

marketing societal, manifesta determinação para trabalhar com todos os setores

interessados em reduzir os riscos associados ao cigarro. Repare na visão de marketing

da Souza Cruz, reproduzida no Quadro 1.2.

Quadro 1.2 Visão de marketing da Souza Cruz. ________________________________________________________________________ A Souza Cruz fabrica e vende cigarros de alta qualidade, mas ela sabe que seu papel vai muito além dessas

atividades. Sua política de marketing é norteada por essa visão. A determinação da empresa é colocar à disposição dos consumidores os melhores produtos de tabaco e ser uma

empresa de sucesso na indústria onde atua. Ao mesmo tempo, tem o compromisso de não incentivar os não fumantes a

adotar seus produtos e, em especial, de dificultar o acesso ao cigarro aos menores de 18 anos.

A Souza Cruz tem consciência de que lida com um produto que, embora proporcione prazer, está estatisticamente

associado a riscos para a saúde. Por isso, ela dedica uma atenção especial a essa questão. Da produção à co-

mercialização, passando pela distribuição, propaganda, promoção e programas educativos, ela procura exercer suas

atividades levando em conta não somente a satisfação imediata dos seus clientes, mas também sua responsabilidade

frente às diferentes comunidades com as quais interage.

Suas políticas de produto, distribuição, preço e promoção baseiam-se em estudos realizados regularmente junto aos

consumidores finais e varejistas. Trata-se de identificar as expectativas dos clientes de modo a atendê-Ias da melhor

forma possível. O objetivo é conquistar a preferência do consumidor, conhecendo-o cada vez melhor, adequando a

oferta às suas exigências e preferências.

A Souza Cruz parte também do pressuposto de que os consumidores adultos são capazes de tomar suas próprias

decisões. Por isso, ela empenha-se em divulgar características de seus produtos com o objetivo de mantê-los

atualizados e atrair os consumidores de marcas concorrentes. Ao fazê-Io, porém, ela adota uma série de princípios. Em

se tratando de cigarro, não se deve pensar somente na qualidade da informação, mas também no impacto sobre o

público e na responsabilidade da empresa. Essa consciência norteia a política de comunicação e relacionamento da

Souza Cruz.

Fonte: Souza Cruz. Visão de marketing.

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MARKETING COMO PROCESSO

Marketing também é um processo de atividades e recursos logicamente encadeados e

executados que gerentes adotam para alcançar resultados nas organizações. O processo

de gestão de marketing se baseia nas competências da empresa e emprega métodos,

técnicas, padrões, procedimentos e normas. O propósito básico desse processo é efetivar

trocas entre o fornecedor e seus mercados. Ele serve para atingir os objetivos da

empresa que dependem do mercado. As competências de marketing são de natureza

aplicada, pois se destinam a resolver questões práticas. Elas recebem contribuições de

várias disciplinas, como psicologia, sociologia, economia e estatística. É didático analisar

o processo de marketing desdobrado em três blocos, delineados na Figura 1.5: análise do

contexto de marketing, gestão estratégica de marketing e administração do composto de

marketing.

Figura 1.5 Os blocos do processo de marketing.

O gerente de produto de uma grande empresa exemplifica a prática do processo de

Processo deProcesso de MarketingMarketing

gestão de composto

de marketing

gestão estratégica

de marketing

análise do contexto de marketing

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marketing. Ele e um pequeno feirante compartilham um objetivo comum: realizar trocas

rentáveis com os clientes. Ambos precisam compreender as necessidades e os desejos

dos clientes, identificar produtos que geram valor e satisfação e construir

relacionamentos. O gerente, contudo, cumpre atividades mais numerosas e variadas, é

mais estruturado (há uma ordem lógica mais ou menos definida a seguir) e, em geral, é

mais sofisticado do que o do feirante.

O gerente de produto precisa de mais recursos, incluindo tempo, pessoal, dinheiro e,

sobretudo, conhecimento de marketing. Ele é parte ativa num processo de marketing. O

feirante pode se interessar em trabalhar como o gerente de produto, mas o raciocínio

inverso não é verdadeiro. Urna empresa maior que, por exemplo, desenvolve e lança

novos produtos em vários mercados, investindo milhões de reais, não deveria adotar o

processo do feirante (a menos que o presidente fosse muito insensato).

Os recursos e a sofisticação do processo de marketing variam entre empresas. Em

organizações menores, todo o processo fica a cargo de poucas pessoas, os orçamentos

são limitados e as atividades de marketing são simplificadas. No caso do feirante, quase

tudo é responsabilidade de urna única pessoa, com pouco dinheiro para investir em

marketing. Empresas de grande porte contam com muitos profissionais e aplicam

orçamentos vultosos no marketing. Todavia, a qualidade e os resultados do processo de

marketing não variam diretamente com o número de pessoas envolvidas, o volume de

dinheiro aplicado e a complexidade do que é feito. O feirante dedicado e perspicaz pode

produzir resultados de mercado superiores aos do gerente de produto despreparado.

A representação do processo de marketing está na Figura 1.6. Os componentes principais

agrupam-se nos blocos de Análise do Contexto de Marketing, Gestão Estratégica de

Marketing e Gestão do Composto de Marketing. Eles devem conduzir a Valor Percebido e

Satisfação dos Clientes e, na seqüência, Desempenho Empresarial para quem aplica o

processo com competência.

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Figura 1.6 Os componentes do processo de marketing

Análise do Contexto de Marketing

O contexto de marketing reúne aspectos do ambiente (contexto externo) e da empresa

(contexto interno) com impacto potencial sobre as decisões, objetivos e ações da

empresa em relação ao mercado. O contexto externo engloba agentes, fatos, mudanças e

tendências ligadas aos seguintes domínios: economia, política, legislação, cultura,

tecnologia - de forma mais ampla - e concorrência, fornecedores, distribuidores e

consumidores - de forma mais restrita. O contexto interno refere-se aos planos, cultura,

recursos e competências da empresa.

As decisões e ações dos profissionais de marketing não ocorrem no vácuo, pois

dependem das possibilidades e restrições externas e internas. As influências do ambiente

e da empresa criam situações tanto favoráveis quanto desfavoráveis. O essencial é

identificar, compreender e responder aos fatores contextuais relevantes para a definição e

implementação dos objetivos e das iniciativas de marketing.

Na análise do contexto de marketing o propósito é determinar os fatores dos ambientes

contexto interno

análise do contexto de marketing

contexto externo

segmentação de mercado

seleção de mercado-alvo

gestão estratégica de marketing

posicionamento

estratégias competitivas

gestão do composto de marketing

decisões de produto

decisões de praça

decisões de preço

decisões de promoção

valor percebido e satisfação do cliente

desempenho empresarial

Sistema de Inform

ações de Marketing

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externo e interno que podem afetar a atuação e o desempenho da empresa. Avaliar como

os fatores se encontram no presente e como devem evoluir no futuro. Esclarecer os

vínculos entre eles, estimar prováveis impactos nos mercados de interesse e utilizar o

discernimento adquirido para conceber uma abordagem de marketing melhor.

Exemplo do papel do contexto nas decisões de marketing são as variáveis avaliadas no

desenvolvimento de um novo produto: (a) perfil dos vários segmentos de mercado em

aspectos sócio-demográficos, estilo de vida e outros; (b) estimativas de demanda do

produto levando em conta o comportamento do consumidor e variáveis econômicas (por

exemplo, taxa de inflação e nível de emprego); (c) pontos superiores e inferiores de

produtos concorrentes e previsões sobre suas ações futuras, como também críticas dos

consumidores aos produtos existentes; (d) evolução tecnológica modificando o produto e

o processo produtivo; (e) aspectos da legislação que afetam o produto. Neste exemplo e

em virtualmente qualquer ação de marketing, o entendimento das forças contextuais

fornece orientações indispensáveis à tomada de decisão.

No contexto externo, o comportamento do consumidor tem especial interesse. Identificar,

conquistar e manter clientes são resultados básicos do processo de marketing. Mas eles

requerem explicação e previsão do comportamento de pessoas e organizações pensando

e agindo como compradores e consumidores. Entender por que e como os indivíduos

compram. Eis o foco do estudo do comportamento do consumidor.

O comportamento do consumidor abrange muitos conceitos e diversos modelos. Entre

eles estão os fatores culturais, sociais, pessoais e psicológicos com influência no

comprador. Existem diferentes situações de compra, desde aquelas rotineiras e simples

até procedimentos extensos e complexos. Tudo isto traz implicações para a gestão de

marketing. Quando a empresa entende como as pessoas agem antes, durante e após a

compra e o consumo, ela conta com uma competência que não é copiada pelos

concorrentes com facilidade e pode se traduzir em práticas superiores de marketing.

Pesquisa realizada pelo banco inglês HSBC em dez países mostrou que os brasileiros

estão entre os mais pessimistas quando o assunto é aposentadoria. O HSBC criou um

índice para medir a atitude (conhecimento, sentimento e intenção comportamental) diante

da velhice. Os canadenses são os mais otimistas e os que melhor se preparam para a

aposentadoria, totalizando 100 pontos.

Os americanos estão em segundo lugar, com 57 pontos. No fim do ranking aparecem os

brasileiros, com 18 pontos, os mexicanos, com 14, e os indianos, com 8 pontos. 85% dos

brasileiros ouvidos esperam que seus filhos os sustentem na velhice, número só superado

pela China. Entre os chineses, 96% esperam ser sustentados pelos filhos na velhice. Na

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Inglaterra esse grupo cai para 30%. Pela pesquisa, a grande maioria dos brasileiros

nunca pensa de quanto vai precisar para viver depois de aposentados.

"O problema é cultural” diz Luís Eduardo Assis, executivo do HSBC que divulgou a

pesquisa no Brasil. Concorda com ele Walter Hime, presidente da Gama Saúde e

especialista em previdência. Hime aponta que os brasileiros não foram ensinados a se

preocupar com a aposentadoria. Talvez, por isso, enxerguem esse momento como o fim e

não como uma nova e boa etapa da vida. Hoje este é o perfil do comportamento do

consumidor nessa questão. Uma empresa de captação de fundos de previdência privada,

por exemplo, tem de compreendê-Io para ajustar o seu marketing com vistas a aproveitar

tal comportamento ou, se possível, modificá-Io em seu favor.

Sistema de Informações de Marketing - Ao analisar o contexto de marketing, o

profissional reúne informações do ambiente e da empresa, que são convertidas em

decisões, definindo o que e como fazer. O volume de dados costuma ser extenso e as

tarefas de analisá-Ios, sintetizá-Ios e extrair informações relevantes são complexas. O

sistema de informações de marketing engloba procedimentos e recursos para gerar,

analisar, arquivar e distribuir informações aos gerentes de marketing de modo contínuo.

É um trabalho planejado e estruturado, buscando refletir o verdadeiro estado das coisas.

O sistema contribui para identificar e solucionar problemas e apontar oportunidades de

marketing. A prática efetiva de marketing requer uma boa base de informações.

Um sistema de informações de marketing conta com agentes internos à empresa e

também com fornecedores externos. Unidades internas de pesquisa de marketing,

inteligência competitiva, suporte à decisão, registros internos são próprias de

'organizações de maior porte e atentas ao marketing. Mesmo nelas é usual e

recomendável empregar fornecedores externos para tarefas e projetos específicos, que

possuem vantagens de especialização, escala e aprendizado. Em empresas menores, os profissionais de marketing compartilham a operação do sistema de

informações com outras responsabilidades.

Contribuindo para o sistema de informações de marketing de seus clientes, a Box 1824,

pequena empresa gaúcha, ganhou uma fatia do mercado de tendências de marketing. A

razão são seus métodos criativos de sondar o consumidor. Para entender como os jovens

organizam o tempo, eles ligam e perguntam "o que você está fazendo agora?" Para

mapear o uso cotidiano que fazem da tecnologia, perguntam "qual o texto da sua última

mensagem?". Recrutam consumidores que vão para baladas com celular e passam

noitadas em botecos para entender o comportamento dos bebedores de destilados. Tudo

é depois fundamentado por filósofos como Michel Maffesoli e Jeremy Rifkin. A Box 1824

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atende a Unilever (em dez países), Grendene, IG, Sagatiba, Nokia e Claro. Os projetos

costumam custar a partir de R$ 150 mil.

Rony Rodrigues, um dos sócios da Box 1824, relata o projeto feito para um instituto de

pesquisa sobre jovens e música. A Claro era a interessada. O instituto tinha estudado os

tipos de música preferidos pelos jovens. As respostas foram óbvias: reggae, rock e

música eletrônica. A Box 1824 decidiu entrar nas casas dos jovens e ver quais CDs eles

tinham em seus quartos. Descobriu outros estilos, que tinham vergonha de declarar; como

bandas gaúchas e de pagode. Sugeriu à Claro disponibilizar os ringtones (toques de

chamada de aparelho celular) destas bandas e criar um concurso de bandas novas.

Assim nasceu o Demo Hits, que virou seção permanente na área de conteúdo da Claro. O

acesso ao serviço de toques cresceu 92% no Rio Grande do Sul.

Gestão Estratégica de Marketing

Gerentes tomam decisões estratégicas e tático-operacionais. Uma decisão é estratégica

quando tem implicações de longo prazo, não é revertida com facilidade, consome

recursos elevados, afeta diversas áreas funcionais da empresa, tem potencial de

modificar a posição competitiva do negócio e, em última análise, é capaz de afetar a

viabilidade e os resultados futuros da organização. A definição das questões estratégicas,

pelos seus efeitos sobre o negócio, é responsabilidade da cúpula da empresa. As deci-

sões estratégicas estabelecem os objetivos e ações amplas que direcionam os objetivos e

as decisões tático-operacionais, que dizem respeito aos níveis intermediário e operacional

da organização.

Na gestão estratégica de marketing estão as definições estratégicas da empresa perante

o mercado: segmentação de mercado, seleção de mercado-alvo, posicionamento e

estratégias competitivas.

Segmentação de Mercado e Seleção de Mercado-Alvo - Segmentar significa dividir o

mercado total em grupos menores. Os clientes dentro de cada segmento devem ter perfis

similares entre si e distintos de quem pertence aos demais segmentos. Os perfis dos

segmentos têm de ser relevantes para o trabalho de marketing, o que requer reações

distintas às ações de marketing da empresa. A segmentação é aplicada porque os

consumidores (pessoas e organizações) diferem nas necessidades, desejos, expectativas

e comportamentos de compra. De um lado, indivíduos e organizações não são iguais

quando compram e consomem. Do outro, a empresa conta com competências e recursos

escassos. Dificilmente ela conseguiria servir bem a todos no mercado. A solução é

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descobrir diferenças relevantes no mercado, reunir consumidores parecidos em

segmentos e selecionar o mercado-alvo.

Ao selecionar o mercado-alvo a empresa escolhe um ou mais segmentos que ela tem

condições de servir melhor do que os concorrentes e nos quais concentra esforços. O

trabalho focalizado aumenta as chances de construir e sustentar uma posição competitiva

superior e gerar lucro. O caminho oposto é servir a todo o mundo, algo que tende a deixar

a organização no meio do caminho, sem atender ninguém bem.

A seleção do alvo é função da atratividade dos segmentos para a empresa. A atratividade

aumenta quando há vendas elevadas, taxas expressivas de crescimento, concorrência

reduzida, boa compatibilidade com aquilo que a empresa pode oferecer, baixo risco e

rentabilidade atraente. Na maior parte das vezes não existe um segmento com

propriedades tão favoráveis. A solução é determinar os segmentos de mercado com a

melhor combinação relativa dos fatores de atratividade. O passo seguinte é escolher a

melhor conjugação de atratividade dos segmentos em vista das competências e recursos

da empresa. De nada adianta um mercado com alto potencial de crescimento se a

empresa não reúne condições para atuar com sucesso nele. E é desperdício a empresa

lançar-se em segmentos pouco atrativos.

A segmentação de mercado e a seleção do mercado-alvo são essenciais para que as

posições competitivas pretendidas sejam conquistadas e sustentadas ao longo do tempo.

A decisão de mercado-alvo afeta e é afetada pela decisão estratégica seguinte, de

posicionamento.

O Bradesco, maior banco privado do país, quer ganhar escala para se manter competitivo

- a exemplo dos concorrentes. Os juros um dia deverão baixar no Brasil e, então, o

tamanho da instituição financeira será essencial para continuar dando lucro. Quem for

dono de uma rede de agências ampla e relacionamentos fortes sairá na frente. Para tanto,

o Bradesco quer atingir diversos segmentos, mas cada qual com uma proposta própria.

Atender desde pessoas físicas de baixíssima renda até as maiores corporações do país.

A segmentação de mercado e a seleção de segmentos alvos do Bradesco foram

reformuladas. Na seqüência, o banco passou a contar com profissionais de atendimento

exclusivo para cada segmento de clientes. Há especialistas em grandes empresas e

gerentes para as pequenas e médias, consultores para os clientes de maior poder

aquisitivo e agências dos Correios para servir os de menor poder aquisitivo. Por trás está

o princípio de que não é possível ser competitivo em tudo com uma única estratégia de

marketing. A agência na rua 24 de Maio, no centro de São Paulo, atendia desde as

pessoas físicas até o Grupo Votorantim, que fica lá perto. A conta da Votorantim ficou a

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cargo de um executivo especializado e agora os gerentes da agência têm mais tempo

para cuidar de seus clientes.

A nova plataforma Bradesco Prime é dedicada ao segmento de pessoas que ganham

mais de 4.000 reais por mês ou têm 50.000 reais para investir. São correntistas com

recursos que justificam atendimento e produtos diferenciados. Para eles há agências

exclusivas e mistas (um espaço dentro de agências convencionais).

Para operar com o segmento dos 35 milhões de brasileiros da população

economicamente ativa que não têm conta em banco, o Bradesco tem duas estratégias

promissoras. Primeira, a sua extensa rede, que só perde para a do Banco do Brasil. A

outra é o Banco Postal, que está transformando cada agência dos Correios numa agência

bancária.

Posicionamento - Significa selecionar uma idéia essencial (ou algumas poucas idéias

essenciais) sobre o produto, a marca ou a empresa fixá-Ia num lugar privilegiado na

mente dos consumidores e distintivo frente aos concorrentes. A empresa define como

quer ser percebida pelos consumidores. Consolidar o posicionamento do produto, marca

ou empresa demora, é caro e depende de praticamente tudo que se faz ou se deixa de

fazer perante os clientes atuais e potencias. No posicionamento ocorre uma "batalha" pela

mente das pessoas. O posicionamento acertado tem impacto expressivo no sucesso

empresarial, enquanto equívocos provocam prejuízos e até a inviabilidade de um negócio.

A concepção do posicionamento combina inovação, conhecimento dos consumidores e

concorrentes e as forças da própria empresa.

A Philips, com sede na Holanda e longa presença no Brasil é um dos maiores fabricantes

de equipamentos eletrônicos do mundo. Em 2004, faturou 30,3 bilhões de euros. A

empresa é líder de mercado em equipamentos para diagnóstico médico por imagem e

monitoramento de pacientes, aparelhos de televisão, barbeadores elétricos, iluminação e

soluções em sistemas de silício. O seu posicionamento atual fundamenta-se no conceito

de simplicidade. Significa tomar fácil para o consumidor usar a avançada tecnologia

incorporada nos produtos. A Philips acredita na tecnologia avançada e simples. Senão,

por que criá-Ia? Esta é a mensagem principal do seu posicionamento. O Quadro 1.3 traz

mais elementos sobre esse caso.

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Quadro 1.3 Justificativa e visão do posicionamento de simplicidade da Philips

________________________________________________________________________ Por que Simplicidade? Esperava-se que a revolução digital facilitasse nossa vida, mas estudos mostraram que não foi o que ocorreu. Cerca de

30% de produtos para uso doméstico, por exemplo, são devolvidos porque as pessoas não conseguem fazê-Ios

funcionar. E 48% das pessoas adiaram a compra da câmera digital porque acham que são muito complicadas.

Esta necessidade de simplificar o modo como usamos a tecnologia foi um ponto que identificamos e decidimos agir. Em

janeiro de 2003, realizamos uma pesquisa para saber se nossa visão é compartilhada por você. Perguntamos a 1.650

consumidores e 180 clientes, em 120 entrevistas detalhadas, 24 grupos de interesse e 1.439 entrevistas quantitativas.

Conversamos com pessoas do Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha, Holanda, Brasil, China e Hong Kong.

Descobrimos que as pessoas em todo o mundo - independentemente do local onde vivam - querem os benefícios, mas

não os atropelos, da tecnologia. "Eu não quero construir um carro... Quero dirigi-Io", respondeu um dos entrevistados.

Em outras palavras, o mundo já está bastante complicado; você quer simplicidade.

Nossa pesquisa mostrou que temos uma oportunidade única para satisfazer a sua necessidade de simplicidade,

enquanto fortalecemos nossa marca na mente dos consumidores e clientes de todos os lugares. Por isso prometemos

fazer da tecnologia algo fácil para você usar, criado para suas necessidades exclusivas e, mesmo assim, muito

avançado. Nossa marca hoje reflete nossa crença de que simplicidade pode ser um objetivo da tecnologia. Faz sentido.

Visão de Simplicidade A tecnologia existe para tornar nossa vida mais simples e produtiva. Então, por que ela é sempre tão confusa, complexa

e frustrante? Nós da Philips acreditamos que tecnologia deve ser algo tão simples quanto a própria embalagem na qual

ela chega até você. É esta simplicidade extrema que transforma tarefas em oportunidades, fardos em prazer. Por isso

somos comprometidos com o oferecimento de soluções e produtos avançados, fáceis de usar, criados pensando em

você. Simplicidade pode ser um objetivo da tecnologia. Certamente é o objetivo da Philips. Faz sentido.

Fonte: PHILlPS. Sense and simplicity.

________________________________________________________________________

Estratégias Competitivas - São as grandes linhas de ação que a empresa segue para

atingir seus objetivos. Desse modo, seleção de alvo e posicionamento são estratégias

competitivas. Além delas, as empresas implementam estratégias competitivas genéricas,

como as de penetração de mercado, desenvolvimento de novos produtos, diversificação,

liderança em custos, diferenciação e alianças. Em cada empresa estas alternativas

desdobram-se em variantes específicas. Os gerentes combinam análise e criatividade

para detalhar as estratégias competitivas genéricas à luz das condições particulares da

empresa, clientes, posicionamento e concorrentes, procurando alcançar uma posição

competitiva superior e sustentável. É comum seguir mais de uma estratégia competitiva.

Nos anos 90, a paranaense Britânia quase quebrou com a concorrência dos

eletroportáteis da China. Em vez de brigar, adotou a estratégia competitiva de aliança

com o inimigo para crescer no mercado nacional. A empresa brasileira queria ampliar a

linha de produtos, concentrada em secadores de cabelo, ventiladores, cafeteiras e

liquidificadores. Em 2002, fechou acordo com um fornecedor de equipamentos de áudio

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do outro lado do mundo para que ele estampasse em seus produtos a marca Britânia.

Cinco meses depois, a Britânia estreava no mercado de equipamentos de som portáteis

com radiogravadores com CD player, microsystems e discmans - todos produzidos pela

chinesa Ngai Lik. A linha de áudio já soma dezenas de itens e responde por metade do

faturamento da Britânia. O preço médio dos produtos Britânia dobrou com a nova linha de

áudio e a expectativa da empresa é que ele fique ainda mais alto com o avanço dos

DVDs. Antes da aliança, a Britânia adotou uma estratégia competitiva de desenvolvimento

de produtos. Levou ao mercado, em média, 20 eletrodomésticos novos a cada ano. O

número de itens em catálogo passou a 80, contra os 14 de oito anos atrás. Para

proporcionar uma solução completa ao mercado, a Britânia considera estratégica a sua

abrangente rede de assistência técnica, com 800 pontos em todo o país.

Gestão do Composto de Marketing

A gestão do composto de marketing, terceiro bloco do processo de marketing, abrange

questões táticas. Na primeira metade da década de 1960, estudiosos e praticantes norte-

americanos difundiram a expressão composto de marketing - ou mix de marketing ou

apenas a sigla 4 Ps referente aos elementos produto, praça, preço e promoção. A idéia

subjacente era o executivo de marketing como um misturador de diferentes funções (tal

qual ingredientes), visando integrar políticas e procedimentos para conseguir um negócio

rentável. A expressão recebeu ampla aceitação, sendo muito didática para entender o

trabalho de marketing no nível tático.

Mais recentemente há sugestões de cinco, seis, sete e até 12 Ps. No geral, é suficiente

considerar o esquema com os quatro Ps. Ainda hoje não são muitas as empresas em que

produto, praça, preço e promoção são compreendidos e administrados com competência.

Se o profissional de marketing alcançar proficiência neles, já estará num nível muito bom.

O composto de marketing deriva das decisões estratégicas. É o que se chama de

consistência vertical, correspondendo ao alinhamento entre os elementos estratégicos

(mercado-alvo, posicionamento e estratégias competitivas) e os táticos (os quatro Ps).

Depois das táticas vem o nível operacional. Este fica mais próximo do dia-a-dia do

trabalho, exemplificado pelos procedimentos e rotinas de menor complexidade e mais

estáveis. Quando a consistência vertical é atingida, o marketing mix é concebido em

função das características do mercado-alvo, das propostas de posicionamento da

empresa e das estratégias competitivas. Por exemplo, se o mercado-alvo da empresa é

de baixa renda e a empresa decidiu operar em âmbito nacional, os produtos

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desenvolvidos devem ter preço relativo mais baixo e distribuição com grande cobertura

geográfica.

Também importa obter a consistência horizontal do composto de marketing, isto é,

coerência entre os objetivos e ações de produto, praça, preço e promoção. No exemplo

anterior, não seria coerente distribuir em massa produtos de preço reduzido para um

público-alvo de baixa renda e promovê-Ios com propaganda em jornais de negócios,

veículos que essas pessoas não lêem.

A ocorrência simultânea da consistência vertical e da consistência horizontal no processo

de marketing integra a atuação da empresa no mercado. Com elas os níveis estratégico e

tático se reforçam mutuamente. Produzem alta sinergia, e aumentam a probabilidade de a

empresa alcançar os resultados pretendidos. Os profissionais de marketing e das demais

áreas funcionais (produção, finanças, pesquisa e desenvolvimento, recursos humanos,

por exemplo) devem conhecer e compreender as linhas mestras direcionando o marketing

da empresa. A recomendação aponta a necessidade de uma formação ampla e

generalista.

Quando foram lançadas, em 1962, as sandálias Havaianas tinham entre os seus

mercados-alvos a emergente classe média brasileira. Na promoção, os primeiros

comerciais da marca retratavam famílias felizes, calçando “As Legítimas” à beira de

piscinas. Com o passar dos anos, as Havaianas perderam charme e valor aos olhos dos

consumidores. Um dos motivos é que, desde o lançamento até 1994, o produto

permaneceu praticamente inalterado. Ele foi popularizado pelas campanhas

protagonizadas pelo humorista Chico Anysio. Nelas o slogan "não deforma, não tem

cheiro, não solta as tiras" exprimia o singelo posicionamento de durabilidade e higiene. Na

distribuição, ficou difícil encontrar as Havaianas nos grandes centros, a não ser na

periferia. No preço, apareceram concorrentes com custos e preços ainda mais baixos do

que os praticados para as Havaianas.

No contexto externo, a sociedade brasileira evoluiu em poder aquisitivo, aspirações de

consumo e sofisticação do gosto. As Havaianas entraram na década de 90 como um

produto barato dirigido a pessoas pouco exigentes. Em situações assim, a participação de

mercado - que das Havaianas é de quase 90% na categoria de sandálias de borracha -

não garante rentabilidade.

Em 1994, a Alpargatas, dona da marca, resolveu virar o jogo. Na gestão estratégica de

marketing, o posicionamento passou a destacar moda, juventude, relaxamento e até

sofisticação. Era preciso seduzir outra vez a classe média como mercado alvo, que estava

atraída pelas sandálias de PVC, com liderança da marca Rider, da Grendene.

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Na gestão do composto de marketing o aprimoramento começou pelo produto, com

investimento no design e criação da linha Havaianas Top (monocromática, com solado

mais alto e nome gravado em relevo). Na promoção, os comerciais trouxeram

testemunhais bem-humorados de gente jovem e bonita, como as atrizes Luana Piovani e

Deborah Secco. A marca recebeu a ajuda da publicidade (gratuita) das consumidoras e

supermodelos Naomi Campbell e Kate Moss, como escreveu o The Wall Street Joumal

em reportagem de primeira página em 2002. Tudo isto viabilizou o aumento de preço. A

margem de contribuição da linha Top é duas vezes maior do que a da linha tradicional.

Vieram novas linhas. A Fashion (sandália feminina, com sola ainda mais grossa que a da

Top) e a Surf (sandália para garotos, com a sola mais larga e em cores radicais). As

novas linhas, ao atender preferências específicas no mercado e reafirmar as Havaianas

como produto da moda, têm preços premium e margens de lucro superiores às da linha

Top. Na distribuição, atacadistas foram convocados para massificar a presença do

produto em 150.000 pontos-de-venda Brasil afora.

Desenvolver o mercado exterior passou a figurar como estratégia competitiva das

Havaianas. O volume exportado é pequeno - embora crescente quando comparado à

produção total do produto. O faturamento para fora do país quase quadruplicou entre

2000 e 2003. A rede de distribuição das Havaianas atinge mais de 50 países. Elas estão

até na sofisticada Galeries Lafayette, em Paris, ao lado de itens de estilistas como Yves

Saint-Laurent e Chanel. A equação de valor percebido do produto mudou completamente.

O mercado visado pela em presa está satisfeito. Jovens consumidoras compram dois ou

três pares, em vez de um. As vendas do produto dobraram em uma década.

A administração de marketing nunca pára. Em 2004, 40 pares de Havaianas foram

expostos nas prateleiras da Celux, o templo do consumo refinado de Tóquio e uma das

lojas mais exclusivas do planeta. Os modelos tinham nas alças desenhos exclusivos de

cristais Swarovski, como mostra a Figura 1.8. O preço variava entre 114 e 236 dólares o

par. O objetivo inicial era fortalecer a imagem das Havaianas. Num segundo momento, as

ações estariam voltadas para vendas. Em 2003 foram vendidos no mundo 6 milhões de

pares de Havaianas. Em 2004 a meta já era atingir 10 milhões de unidades.

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A seguir, temos uma visão introdutória de cada um dos 4 Ps:

Produto - É um objeto oferecido ao consumidor que satisfaz necessidades e atende

desejos. Os benefícios do produto são entregues por meio de atributos, como

características técnicas, qualidade, embalagem e marca. No processo de compra, é

comum o interessado comparar opções de produtos, selecionando e avaliando as

informações sobre benefícios e preços. Disto ele faz um julgamento. A gestão de produto

trata das decisões para conceber, desenvolver, lançar, manter e aprimorar produtos que a

empresa oferece ao mercado-alvo.

Muitos profissionais se concentram nas características técnicas, numa orientação para

produto. Já vimos que isto é equivocado numa época em que os concorrentes contam

com níveis próximos de competência técnica e muito da inovação tecnológica é imitada

rapidamente. Em produtos, a vantagem competitiva vai além das propriedades do produto

em si. Depende de incorporar atributos (como design, marca e imagem) que geram valor

percebido para os clientes. Os benefícios do produto têm múltiplas fontes, que trazem

problemas específicos, mas também oportunidades para criar ofertas diferenciadas e

superiores aos olhos dos consumidores.

O Brasil é o maior exportador mundial e segundo maior consumidor de café do planeta.

Nos últimos anos, nas vendas externas crescem os cafés especiais, com preços em

média 30% a 35% superiores aos do café tradicional. Os cafés especiais são dirigidos ao

consumidor que valoriza benefícios ecológicos e sociais. Os atributos são a origem

rastreável, produção em fazendas que respeitam o meio ambiente e relações de trabalho

dignas. Gabriel Dias é proprietário da Bourbon Special Tea Coffee, situada na divisa de

São Paulo e Minas Gerais. A produção de 5 mil a 8 mil sacas especiais é quase toda

destinada ao mercado externo. Dias salienta que, sem o café especial certificado, os

ganhos na exportação seriam menores. Para se ter idéia, no Brasil um quilo de café

especial torrado e moído custa entre R$ 25 e R$ 32, contra preços que oscilam entre R$ 8

e R$ 11 do produto tradicional. Por isto, o forte é a exportação e são poucos os

consumidores brasileiros dispostos a pagar mais pelo produto especial.

Praça - Ou distribuição são os arranjos de agentes interdependentes que disponibilizam

os produtos da empresa aos clientes. Ainda que um produto excepcional crie forte apelo

para o consumidor comprar, a utilidade dele desaparece se não encontramos o bem no

lugar, ocasião e forma certos. A praça dá à empresa duas possibilidades de vantagem

competitiva. Uma é diferenciar a oferta com grande sortimento, disponibilidade

permanente de itens, pontos-de-venda superiores e atendimento oferecido pelos

membros do canal de distribuição (como atacadistas e varejistas). Outra fonte de

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vantagem é reduzir custos com distribuição eficiente. A gestão da praça integra fatores

relativos ao desenvolvimento e à operação dos canais de distribuição.

A empresa de cosméticos Farmaervas reformulou a gestão de praça e outros elementos

do seu processo de marketing. Ela vendeu as 25 lojas próprias e apostou em quiosques

em shopping centers. Neles é vendida apenas a linha de maquiagem e tratamento para a

pele, num esforço de sofisticação do posicionamento da marca para atingir o segmento

das classes A e B. Os quiosques fazem maquiagens e testes de tratamento para chamar

a atenção do consumidor. “As lojas próprias concorriam com o varejo. Muitas vezes um

supermercado fazia promoção de vendas e acabava vendendo um produto mais barato

que a nossa loja", afirma Valmir Paulino, sócio-diretor da Farmaervas. No quiosque, a

proposta é outra, além de estar mais próximo do consumidor. O principal canal de

distribuição da marca, sobretudo da linha de xampus, a mais importante, são

supermercados, drogarias e lojas de departamento, que somam cerca de 2,5 mil pontos-

de-venda. A empresa preparou embalagens diferenciadas para vender em drogarias que

lançaram o conceito de espaço de beleza. A venda nesses canais é cada vez maior e

exige apresentação apropriada.

Preço - Representa a contrapartida cobrada dos consumidores por aquilo que a empresa

lhes oferece. Fora o preço, todas as ações no processo de marketing implicam

desembolsos financeiros. A gestão de preços cuida dos vários aspectos que afetam o

preço fixado para os produtos da empresa. No final, as receitas geradas precisam cobrir

os custos e gerar rentabilidade compatível com as expectativas dos acionistas.

Vai longe o tempo em que se podiam definir preços apenas a partir dos custos (isto

quando se conheciam os custos). No presente, a decisão é influenciada pelas condições

externas (como a concorrência e o estado da economia). Em especial, o valor percebido

pelo mercado-alvo em um produto indica os preços possíveis que, por sua vez, balizam

os custos.

Muitos executivos apelam para as reduções agressivas de preços, esperando conquistar

novos clientes ou pressionar concorrentes. Não raro desencadeiam guerras de preços,

que atrapalham os próprios resultados financeiros e prejudicam a imagem que o

consumidor tem dos produtos da empresa.

Essas situações evidenciam os desafios das decisões de preço para o profissional de

marketing e mostram que soluções simplistas são incompatíveis com as novas realidades

do mercado. Múltiplas dimensões afetam a gestão de preços. Quando bem articuladas,

elas podem significar a diferença entre o lucro e o prejuízo.

Na nova loja da famosa Daslu, em São Paulo, as grifes tradicionais Louis Vuitton, Armani

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e outras convivem com representantes do consumo da classe média, como Fórum e

Richards. Você encontra um caríssimo tailleur Chanel exposto quase ao lado de

cadeirinhas de palha para decoração, vendidas a 45 reais. A Daslu reproduz um

fenômeno mundial: a diluição gradativa (ainda muito tímida do Brasil) dos limites entre a

sofisticação extrema e o consumo de massa. É o chamado mastige, neologismo unindo

mass e prestige, que poderia ser traduzido como prestígio para as massas. Motivadas

pelo fenômeno, as grifes tradicionais se "democratizam”: via preços e produzem alguns

itens acessíveis ao bolso de camadas da classe média. Marcas de consumo de massas,

por sua vez, tentam incursões pelo mercado do luxo, com seus altos preços e

rentabilidade.

Promoção - Envolve as comunicações entre a empresa e seus públicos, incluindo

mercado-alvo, comunidade e intermediários no canal, com o objetivo de informar,

persuadir e influenciar. Há cinco ferramentas promocionais: propaganda, marketing direto,

venda pessoal, promoções de venda e relações públicas.

Várias razões exigem dedicação dos profissionais de marketing ao trabalho de promoção.

Comunicar bem nunca é fácil. Os consumidores experimentam sobrecarga de estímulos e

passar-Ihes mensagens é cada vez mais difícil. A promoção absorve parcela expressiva

do orçamento de marketing e escolhas erradas pressionam a rentabilidade. Há várias

combinações possíveis de ferramentas de comunicação e a efetividade delas depende de

cada situação. Com a variedade de recursos de comunicação é comum diluir esforços

entre as ferramentas e implementar ações descoordenadas, prejudicando o resultado

pretendido junto à audiência-alvo. Ocorre de a promoção desviar-se para preocupações

estéticas em vez de manter o foco no resultado. A melhor comunicação de marketing

acontece quando os gerentes compreendem as ferramentas, selecionam as alternativas

mais indicadas a cada situação, implementam ações integradas e criam sinergia.

A Tramontina, sediada na cidade gaúcha de Carlos Barbosa, é exemplo de como

ultrapassar fronteiras. Ela vende um terço da produção para o exterior. Além dos milhares

de itens em várias linhas de produtos, a gestão de promoção é essencial. Para ajudá-Ia

na conquista de mercados internacionais tão diferentes como Estados Unidos e Índia, a

empresa mantém 15 traders, profissionais de venda pessoal cuja maior responsabilidade

é estreitar o relacionamento com os clientes externos e viajar em busca de oportunidades.

A equipe visita duas vezes por ano todos os 101 países que importam da Tramontina. A

companhia faz propaganda de produtos em 30 países, além do Brasil. Ela tem material

gráfico, painéis e outdoors em mais de 15 idiomas. Anos atrás, para driblar a resistência

do mercado argentino a uma panela de aço inoxidável com fundo triplo, mais cara que os

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produtos disponíveis no país, a Tramontina recorreu a propaganda e patrocinou um

programa de culinária. As pessoas não conheciam os benefícios do fundo triplo.

Resultado: as vendas aumentaram 80%. Feiras são importantes portas de entrada para

comunicar com o mercado externo. A empresa tem presença em mais de 20 eventos

internacionais por ano e cinco nacionais. Para os dirigentes da Tramontina é o trabalho

posterior à feira que determina o futuro dos negócios, mediante construção de

relacionamentos.

Conseqüências e Resultados da Administração de Marketing

O processo de marketing gera e entrega valor percebido, resultado de várias atividades

executadas pela empresa, fornecedores e intermediários. A reunião de esforços e

recursos para conceber, produzir, comercializar, distribuir, apreçar e promover produtos

como soluções forma a cadeia de valor. É o enfoque sistêmico, com o profissional de

marketing compreendendo as contribuições das várias partes da organização para o

mercado e com elas criando e incrementando as duas conseqüências básicas do

processo de marketing: valor percebido e satisfação dos clientes.

Nas empresas, a obtenção de lucro é um objetivo crucial, descrito como maximização dos

ganhos ou taxa aceitável de retorno. Raramente empresas são criadas por altruísmo, isto

é, para realizar objetivos de outras pessoas que não o fundador. A expectativa de lucros

encoraja empreendedores a iniciar e ampliar negócios. Os lucros premiam os

proprietários pelos riscos que assumem ao investir tempo e dinheiro na empresa e

trabalhar direito. Obter lucros é a única maneira de assegurar a viabilidade empresarial no

longo prazo.

A satisfação do cliente e o valor percebido decorrentes do processo de marketing

favorecem o desempenho empresarial, com ênfase no resultado financeiro. Num mercado

concorrido, a rentabilidade da empresa depende da capacidade de satisfazer

necessidades e desejos dos clientes, de uma percepção de que a razão entre benefícios

e custos para eles supera as opções concorrentes. Por outro lado, a rentabilidade como

padrão do desempenho das atividades de marketing é o limite que indica até onde a

empresa pode ir ao preencher as expectativas dos clientes. A empresa não deve melhorar

indefinidamente o valor para o mercado alvo indo além do ponto que implica retorno

inferior para o negócio.

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Administração de Marketing e Atuação Profissional

O trabalho de marketing está em transformação permanente, como mostram os exemplos

de inovação e mudança acontecendo sem parar. Algumas vezes, novas idéias e práticas

desafiam antigos princípios. Em outras ocasiões elas ampliam e reforçam a vasta

bagagem razoavelmente consolidada. Sem os conhecimentos de marketing acumulados é

improvável que profissionais administrem com sucesso os vínculos da empresa com o

mercado.

O marketing como processo organizado em três blocos (análise de contexto de marketing,

gestão estratégica de marketing e gestão do composto de marketing) sistematiza e

integra o conhecimento disponível sobre princípios, métodos e técnicas de marketing. É

fruto das contribuições de estudiosos e praticantes ao longo de várias décadas. O

processo fornece visão ampliada das esferas de ação mercadológica, destaca questões

críticas, explora inter-relações entre elas, estrutura o raciocínio e aprimora as decisões de

planejamento, organização, direção e controle das ações de mercado. Quando assimilam,

compreendem e praticam o processo de marketing, os profissionais potencializam a

efetividade do seu trabalho e dos negócios que dirigem.

O marketing é um corpo sistemático de conhecimentos com razoável complexidade,

especialização e volume. Assimilar o que existe requer aprendizado teórico e prático.

Assim como sucede em outras disciplinas, a base de conhecimento da administração de

marketing não pára de crescer. Pesquisadores e gerentes sempre acrescentam novos

instrumentais. Alcançar o status de profissional de gabarito exige investimento contínuo

em aprendizagem conceitual e aperfeiçoamento prático. É uma trajetória que cada vez

mais se inicia nos cursos de graduação para os mais jovens, passa pelo retorno aos

cursos de pós-graduação e prossegue com o exercício das responsabilidades

profissionais. Nas empresas a formação é colocada em prática, aperfeiçoada e

enriquecida, até mesmo refutando um ou outro aspecto teórico. Esperamos que o estudo

deste livro seja parte de seu compromisso de aprimoramento profissional ininterrupto

durante toda a carreira e que ela seja repleta de sucesso.

Mas tenha em vista que o exercício da profissão a partir de uma base de conhecimentos

não exime quem atua em marketing de propor respostas criativas e inovadoras aos

problemas e desafios diários. O referencial teórico do processo de marketing é

inestimável para o trabalho, mas ele não responde a todos os problemas e situações

particulares das empresas. A criatividade diz respeito à geração de uma idéia inédita, não

usual ou adaptadora. Vá além dela, sendo inovador e transformando idéias em algo

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concreto.

Vivemos em uma época em que inovações como telefones celulares, microcomputadores

e videocassetes criaram novos mercados. Fabricantes e comerciantes de produtos

tradicionais enfrentam dificuldades pela perda de diferenciação frente aos concorrentes.

Mesmo quem inova fica assustado pela rapidez com que muitas novidades são copiadas.

Portanto, espírito criativo e capacidade inovadora são imprescindíveis na carreira de

marketing.