atacado sao carlos em busca da logistica integrada

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ATACADO SÃO CARLOS: EM BUSCA DA LOGÍSTICA INTEGRADA 1 Durante a convenção anual de representantes comercias, Pedro Leão, consultor contratado pelo São Carlos, cruzou com Alkimar Ribeiro, Diretor de Vendas da empresa, e para puxar conversa lhe perguntou: Como estão indo as vendas? Muito bem, respondeu Alkimar, mas poderiam estar bem melhores se o pessoal da logística conseguisse entregar tudo que estamos vendendo. Roberto Furtado, Diretor de Logística, escutou o comentário e imediatamente se lembrou da observação feita por Leão na semana anterior: da forma como as coisas estão organizadas aqui no São Carlos, a logística vai ser sempre culpada pelos problemas da companhia, mas dificilmente será reconhecida pelos seus sucessos. Era agosto de 1994, e a companhia vinha passando por uma fase de crescimento acelerado, impulsionado pelo aumento explosivo da demanda, trazido pelo novo plano econômico, o Real, que impactava especialmente a população de baixa renda, principal segmento de mercado atendido pelo São Carlos. Somente no mês de Junho as vendas haviam crescido mais de 27% em relação ao mês anterior, e 87% em relação ao ano anterior, projetando um faturamento de US$ 900 milhões para 1994. Isto representaria um crescimento de cerca de 50% em relação a 1993, ano em que a empresa havia faturado cerca de US$ 590 milhões. A este rápido crescimento somavam-se as mudanças que estavam sendo implementadas na área comercial. As mudanças estavam relacionadas a uma nova estratégia de segmentação de mercado que impactava substancialmente as atividades logísticas, e em especial, a distribuição física. Foi com o objetivo de assessorá-lo na identificação destas mudanças que o diretor de logística do São Carlos havia contratado os sérvios da Pinheiro & Leão, consultores associados. 1 Este caso foi preparado por Paulo Fernando Fleury, Professor Titular do Coppead-UFRJ, Cátedra Ipiranga de Estratégia de operações. Os dados aqui apresentados não refletem as práticas de nenhuma empresa específica, tendo sido compilados com objetivos estritamente didáticos.

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Page 1: Atacado Sao Carlos Em Busca Da Logistica Integrada

ATACADO SÃO CARLOS:

EM BUSCA DA LOGÍSTICA INTEGRADA1

Durante a convenção anual de representantes comercias, Pedro Leão, consultor contratado pelo São Carlos, cruzou com Alkimar Ribeiro, Diretor de Vendas da empresa, e para puxar conversa lhe perguntou: Como estão indo as vendas? Muito bem, respondeu Alkimar, mas poderiam estar bem melhores se o pessoal da logística conseguisse entregar tudo que estamos vendendo. Roberto Furtado, Diretor de Logística, escutou o comentário e imediatamente se lembrou da observação feita por Leão na semana anterior: da forma como as coisas estão organizadas aqui no São Carlos, a logística vai ser sempre culpada pelos problemas da companhia, mas dificilmente será reconhecida pelos seus sucessos. Era agosto de 1994, e a companhia vinha passando por uma fase de crescimento acelerado, impulsionado pelo aumento explosivo da demanda, trazido pelo novo plano econômico, o Real, que impactava especialmente a população de baixa renda, principal segmento de mercado atendido pelo São Carlos. Somente no mês de Junho as vendas haviam crescido mais de 27% em relação ao mês anterior, e 87% em relação ao ano anterior, projetando um faturamento de US$ 900 milhões para 1994. Isto representaria um crescimento de cerca de 50% em relação a 1993, ano em que a empresa havia faturado cerca de US$ 590 milhões. A este rápido crescimento somavam-se as mudanças que estavam sendo implementadas na área comercial. As mudanças estavam relacionadas a uma nova estratégia de segmentação de mercado que impactava substancialmente as atividades logísticas, e em especial, a distribuição física. Foi com o objetivo de assessorá-lo na identificação destas mudanças que o diretor de logística do São Carlos havia contratado os sérvios da Pinheiro & Leão, consultores associados.

1 Este caso foi preparado por Paulo Fernando Fleury, Professor Titular do Coppead-UFRJ, Cátedra Ipiranga

de Estratégia de operações. Os dados aqui apresentados não refletem as práticas de nenhuma empresa

específica, tendo sido compilados com objetivos estritamente didáticos.

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UMA HISTÓRIA DE RÁPIDO CRESCIMENTO E MUDANÇAS

O São Carlos surgiu em 1953 quando o Sr. Antero santos, então com 28 anos de

idade, resolveu abrir uma pequena mercearia na cidade goiana de Itumbiara. Era o

início do Governo Kubitschek, cuja política desenvolvimentista e de interiorização

iria causar um grande impacto em toda a região do centro-oeste brasileiro. O

redirecionamento das atividades comerciais para o ramo atacadista surgiu

naturalmente como conseqüência da filosofia comercial de seu fundador. Adepto do

ditado de que a melhor maneira de vender bem é comprar bem, Antero Santos

concentrou seus esforços na atividade compras. Ciente de que poderia obter

melhores preços se comprasse em grandes quantidades, ele passou a usar esta

estratégia. Para não ter que arcar com custos de estoques elevados, ele passou a

vender o excedente para outros comerciantes locais. Daí surgiu a idéia de se

transformar num atacadista.

A construção de Brasília, iniciada em 1956, e a posterior mudança da capital para lá, que implicou na abertura de novas estradas e no surgimento de inúmeras novas comunidades, foi um grande incentivo para o crescimento do São Carlos. Os pequenos comerciantes que surgiam nas novas comunidades necessitavam do serviço de atacadistas, pois seu isolamento dos grandes centros tornava difícil o contato com fabricantes, localizados principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foi em cima deste novo segmento varejista do interior que o São Carlos concentrou sua atenção. Durante toda a década de 60 o negócio cresceu e prosperou com base no desenvolvimento do mercado da região centro-oeste e do triângulo-mineiro. Durante este período São Carlos operou de forma tradicional. Comprava em grandes lotes, armazenava os produtos no seu depósito de Itumbiara, vendia através de vendedores comissionados, e enviava a mercadoria através de empresas transportadoras. No final da década de 60, em função do crescimento das redes de supermercado os dirigentes do São Carlos perceberam a ameaça que pesava sobre seu principal segmento de clientes, ou seja, o pequeno varejo de “mercearia”. Com pouco capital de giro, sem competência gerencial, e com prazos de resuprimento muito longos, devido a sua localização e baixo volume de compras, eles teriam cada vez mais dificuldade para competir. Foi com base nesta constatação que os dirigentes do São Carlos decidiram

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que deveriam mudar o enfoque do seu negócio. Ao invés de se preocuparem em apenas comprar bem para vender bem, passariam a se preocupar também com a colocação do produto na prateleira dos clientes, no menor tempo possível, oferecendo um amplo sortimento, flexibilidade total quanto ao volume encomendado, e facilidades de financiamento. O São Carlos deveria mudar sua estratégia, deixando de ser um simples atacadista, e passando a atuar como atacadista-distribuidor, ou seja, assumiria a responsabilidade não só pela venda, mas também pela entrega. Para tanto, seria essencial montar uma frota própria de caminhões para garantir a entrega. Em 1969, época em que a idéia começou a ser implementada, a empresa possuía uma frota de apenas 3 caminhões para entrega local. A nova estratégia resultou num enorme sucesso comercial, cujo efetivo mais visível foi o crescimento exponencial das vendas. O faturamento que tinha sido US$ 10 milhões em 1969 saltou para US$ 200 milhões em 1988, chegando finalmente aos projetados US$ 900 milhões em 1994. Tudo isto acompanhado por um explosivo crescimento dos demais recursos da empresa, ou seja, veículos, área de armazenagem, computadores e número de empregados. Também cresceram exponencialmente o número de clientes, de itens comercializados, e de localidades atendidas. Segundo levantamento realizado pela empresa, em junho de 1994 ela possuía 1.400 caminhões, 150 mil metros quadrados de área construída (incluindo áreas de armazenagem, de manipulação de cargas, de manutenção e de escritórios), 4.900 empregados, e um enorme parque computacional, envolvendo computador de grande porte de última geração com 290 terminais de vídeo, vários mini computadores, 220 micros, e 1.200 notebooks. Tudo isto para ser capaz de vender e entregar cerca de 8.000 itens a uma clientela de 190.000 clientes, localizados em 5.900 localidades. Cobrindo uma área física de 8,0 milhões de quilômetros quadrados. Para se ter uma idéia do esforço logístico que isto representava, basta observar que nos primeiros 6 meses de 1994 a frota de caminhões da empresa percorreu cerca de 45 milhões de quilômetros, para garantir a entrega a tempo das encomendas de seus clientes. Mas não foram só quantitativas as mudanças ocorridas no s28 anos que se passaram desde que o São Carlos decidiu se transformar num atacadista-distribuidor. Uma série de mudanças qualitativas também aconteceram.

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Uma das mais importantes foi o processo de informatização iniciado ainda na década de 70. Começando pelas áreas mais tradicionais de contabilidade e pessoal, a informática avançou rapidamente para outras áreas operacionais da empresa. Cientes da necessidade de aperfeiçoar o processo comercial e reduzir o ciclo pedido-entrega, os dirigentes da empresa investiram no desenvolvimento de um sistema de processamento de pedidos com apoio de telemarketing interligado a um sistema de informações contendo cadastro de clientes (nome, localização, historio de compras, situação de crédito), e de produtos (preços, promoções, disponibilidade) que permitia tanto ao representante comercial no campo, quanto ao cliente, telefonar para o São Carlos e obter em minutos a confirmação do pedido. Além do recebimento e entrada dos pedidos de vendas, oferecendo promoções e possíveis substituições de produtos, negociando prazos e condições de entrega. A atualização do estoque era executado automaticamente, uma vez confirmado o pedido. A adoção do sistema permitiu não só eliminar a prática do uso de malotes para remessa de pedidos, antes existente, mas principalmente reduzir em uma semana o ciclo do pedido. O segundo passo foi a informatização das operações de recebimento de mercadorias, envolvendo todo o processo de conferencia e atualização de estoques, assim como sua alocação aos diversos endereços no centro de distribuição. Outra medida adotada foi a de informatizar a montagem de cargas e a roteirizarão dos veículos encarregados da entrega das mercadorias aos clientes, através da aquisição de softwares especializados. Uma outra mudança qualitativa importante foi a criação dos Centros de Transbordo de Cargas – CTC. Até o início da década de 90 a entrega para todos os clientes era feita diretamente de Centro de distribuição – CD de Itumbiara. Um caminhão com 8 toneladas de capacidade poderia, por exemplo, se carregado com encomendas para 50 diferentes clientes. Se eles estivessem situados em um Estado distante como o Ceará, a viagem completa poderia demorar até 3 semanas, ou seja o último cliente só

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receberia a mercadoria cerca de 20 dias depois da saída do caminhão de Itumbiara, e a empresa só teria informações sobre a entrega quando o caminhão chegasse de volta, quase um mês depois. Com a criação dos CTCs, uma carreta de 30 toneladas passou a ser carregada com a carga equivalente a cinco ou seis caminhões menores. Para o caso do Ceará, por exemplo, ele iria diretamente para Fortaleza, numa viagem de 72 horas. Lá a carga era transferida imediatamente para cinco ou seis veículos menores, que já estavam esperando, os quais poderiam em até 48 oras fazer as entregas aos respectivos clientes. Enquanto isto a carreta já estaria voltando a Itumbiara. Em junho de 1994 o São Carlos possuía 28 CTCs espalhados por todo o País, o que permitia reduções dramáticas dos prazos de entrega além de diminuir substancialmente os custos de transporte. Uma das últimas inovações significativas havia sido a colocação de computadores portáteis na mão da equipe de vendas. Assim ao invés de ter que consultar o catálogo de produtos e depois telefonar para Itumbiara para confirmar o pedido do cliente, o vendedor passou a conectar seu notebook no computador central da empresa, através de modem, permitindo a atualização imediata das informações e confirmação do pedido. Uma série de outras pequenas mudanças ocorreram ao longo dos anos: no centro de distribuição, nos veículos, e nos sistemas de movimentação de materiais. Mas as acima listadas foram as mais visíveis, devido ao seu impacto imediato no desempenho da empresa. A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL O Atacado São Carlos era a principal empresa do grupo Antero Santos. Ao longo dos anos, com base nos resultados gerados pela atividade atacadista, uma série de outras empresas foram sendo criadas, algumas complementares à atividade de atacado, outras totalmente desvinculadas. Das empresas com atividades complementares estavam a transportadora Santer, o banco Itumbiara, e a rede de varejo Goiás. A Santer havia sido criada com o objetivo de atuar no transporte de transferência de cargas completas. Desta forma, as transferências de carga entre o CD de Itumbiara e os 28 CTCs espalhados pelo Brasil eram todas realizadas pela Santer. Também, sempre que possível, o São Carlos procurava colocar a Santer para transportar as cargas dos fornecedores para o CD de Itumbiara.

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O Banco Itumbiara havia sido criado com o objetivo de financiar as compras dos clientes do São Carlos e atuava principalmente com factoring. A rede de varejo Goiás era o mais novo negócio do grupo. Havia sido criada há cerca de dois anos com um claro objetivo: servir como laboratório para o São Carlos inovar e aprender sobre o varejo, a fim de repassar know-how para seus clientes. Este repasse fazia parte da estratégia de fortalecimento do pequeno varejista, principal cliente da empresa. O sucesso da primeira loja aberta em Itumbiara havia sido tão grande que a empresa já pensava em criar uma rede nacional de franquias, com base naquele conceito. Dentre os diversos negócios não relacionados, encontravam-se fazendas, empresas de comunicação, madeira, transporte aéreo, etc. O Atacado São Carlos era uma empresa familiar de capital fechado. A empresa era dirigida por uma equipe formada pelo Presidente, 1 vice-presidente executivo, e 8 diretores. As oito diretorias estavam divididas com base numa estrutura parcialmente funcional, ou seja, além das diretorias clássicas de administração, marketing, vendas, compras, finanças, informática e logística, havia uma diretoria de desenvolvimento de novos mercados. A diretoria de administração era responsável pelos aspectos legais, contábeis, de recursos humanos e de planejamento geral, incluindo o orçamento. O sistema contábil existente era orientado para a contabilidade financeira, não existindo nenhum sistema formalizado de contabilidade de custos, ou de avaliação de desempenho. A diretoria de vendas planejava, controlava e coordenava as atividades dos pouco mais de 3.000 vendedores espalhados pelo Brasil. A forca de vendas era organizada em torno de 10 gerências regionais, responsáveis por áreas geográficas específicas. Não existia especialização por produto ou por tido de cliente. A cada vendedor era alocada uma área geográfica exclusiva, cujo potencial de vendas pudesse garantir uma receita mínima a ele. Todos os vendedores eram comissionados, e sua remuneração dependia exclusivamente do volume de vendas efetuado mensalmente.

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A diretoria de compras era responsável pela determinação do mix de produtos, pela seleção de fornecedores, pela negociação e decisão de compras, e pelo controle de estoques. As decisões sobre preços e promoções eram tomadas coletivamente pelos diretores em reunião semanal, mas o processo era liderado pela diretoria de compras, pois afetava diretamente o giro de estoques e rentabilidade do capital. Por tradição, e pela importância dos recursos financeiros alocados, a diretoria de compras tinha grande prestígio e poder dentro da organização. Sua filosofia de atuação continuava sendo a do fundador da empresa, ou seja, comprar com base nas boas oportunidades surgidas no mercado. Os compradores eram avaliados basicamente pela sua capacidade de negociar preços mais baixos com os fornecedores. A diretoria de desenvolvimento de novos mercados cuidava do planejamento e do desenvolvimento de segmentos específicos. Em 1994, os esforços estavam concentrados no desenvolvimento dos mercados automotivo, consumidores institucionais (empresas industriais, restaurantes, empresas de serviço de limpeza, etc.), farmacêutico, e lojas de conveniência. Estes novos mercados se caracterizavam pela exigência de condições especiais de mix de produtos, vendas e condições de entregas. Até recentemente, todos os clientes eram atendidos por um sistema único e padronizado de vendas e distribuição. A diretoria de informática cuidava do planejamento de recursos, do suporte técnico aos usuários, do desenvolvimento de sistemas aplicativos, e da produção/processamento dos serviços de informática. Nos últimos anos a diretoria de informática vinha aumentando sua importância estratégica devido à grande atenção que vinha sendo dada à informatização das operações. Apesar dos inúmeros esforços anteriores para informatizar as atividades operacionais, tinha-se consciência de que ainda havia um longo caminho a percorrer, principalmente no que diz respeito ao uso de código de barras, à informatização da frota de veículos e da forca de vendas, ao uso de novas tecnologias de informação na armazenagem (scanners, rádio freqüência, coletores de dados, etc.), e à rede de comunicação de dados entre Itumbiara e as demais instalações no País. A diretoria de logística cuidava basicamente das atividades de armazenagem, transportes e manutenção, incluindo o transporte de transferência entre fornecedores e o armazém de Itumbiara, e entre Itumbiara e os 28 CTCs espalhados pelo Brasil. Para tanto utilizava os

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serviços da Santer. O transporte incluía também as entregas finais aos clientes. Para tanto a empresa possuía uma frota própria de caminhões e de motoristas contratados. Alem das entregas, cabia também aos motoristas efetuar todas as transações documentais com os clientes, incluindo o recebimento dos pagamentos feitos em dinheiro ou em cheque. Pela características de suas operações, a diretoria de logística era fortemente afetada pelas atividades de informática, de compras, de vendas, e de desenvolvimento de novos mercados. O Anexo 1 apresenta um organograma parcial da empresa, o qual procura identificar as responsabilidades das diversas diretorias sobre as funções que compõem o processo logístico total. ESTRUTURA DA ORGANIZACAO LOGÍSTICA A historia da organização logística do São Carlos se caracterizava por uma preocupação permanente em acompanhar o desenvolvimento da empresa e aperfeiçoar seu desempenho. A estratégia comercial de rápido crescimento baseado na expansão de clientes, produtos e mercados, criava permanentes desafios ao setor responsável pela logística. Durante os primeiros anos, o objetivo principal era expandir os recursos básicos para acompanhar a demanda; mais caminhões, mais áreas de armazenagem, mais empregados. Com o aumento da complexidade, representada pela maior cobertura geográfica, maior número de clientes, e maior número de produtos, partiu-se para mudanças qualitativas, como por exemplo a utilização do sistema informatizado de gerenciamento de pedidos e recebimento de mercadorias, a roteirização informatizada de veículos, e a utilização dos CTCs. Estas mudanças permitiram melhorar a eficiência e a eficácia do sistema logístico, principalmente no que diz respeito ao tempo do ciclo de pedido. O novo desafio que começava aparecer era o de aumentar a competitividade, com base na flexibilidade, eficiência e consistência dos serviços. O desejo de crescer nas regiões sul e sudeste, onde existiam clientes mais exigentes e concorrentes mais competentes, criava exigências de novos patamares de desempenho. A Diretoria de Logística sabia que existiam grandes espaços para aperfeiçoamentos, principalmente em relação à eficiência, racionalização, flexibilidade e capacidade de planejamento. Isto implicaria mudanças não apenas na arquitetura e nos recursos do sistema logístico, mas também na estrutura organizacional.

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Em junho de 1994, a organização logística era comandada por um Diretor e 5 gerentes, que se responsabilizavam pelas seguintes áreas: Manutenção; Suprimento; Planejamento; CD de Itumbiara; Distribuição. A gerencia de manutenção era responsável pela administração das instalações da grande oficina de manutenção que o São Carlos mantinha em Itumbiara e pelo controle operacional da frota. Antes da criação dos CTCs, como toda a distribuição partia de Itumbiara, direto para os clientes, a frota inteira ficava sediada ali. Com a criação dos CTCs, uma parcela substancial da frota foi deslocada para os locais onde os mesmos estavam instalados (existiam CTCs em 20 diferenets estados, sendo que em alguns existiam mais de 1, como São Paulo com 4, ceará e Bahia com 3). Surgiu então a necessidade de contratar terceiros para a manutenção dos fora da sede, atividade para qual não havia experiência anterior. O sistema de manutenção na oficina de Itumbiara era bastante rigoroso. Depois de cada viagem, os caminhões tinha obrigatoriamente de passar pela revisão, e qualquer operação necessária, mesmo que fosse uma simples troca de lâmpadas, tinha que ser feita na oficina. Isto em alguns momentos criava dificuldades, pois diminuía o tempo disponível dos caminhões. A gerência de suprimentos era responsável por providenciar o transporte dar mercadorias compradas, quando e se necessário, e pelo recebimento das mercadorias no CD de Itumbiara. Além das atividades de programação, e de conferencia da documentação e das cargas, cabia ao suprimento renegociar com os fornecedores nos casos onde houvesse discrepâncias entre o combinado e o ocorrido. Nestes casos tornava-se necessário uma ação conjunta com o comprador responsável uma ação conjunta com o comprador responsável pela compra daquela carga específica. Uma questão que preocupava o pessoal da logística eram as condições de entrega: se as mercadorias eram ou não paletizadas; se havia atraso nos prazos de entrega; quais os níveis de erro em relação ao encomendado. O sentimento do pessoal da logística era de que, na maioria dos casos, os compradores não davam atenção a “esses pequenos detalhes”, priorizando sempre o preço do produto em prejuízo das condições de entrega. Outra preocupação do suprimento era a forte concentração das compras nos últimos dias do mês, o que resultava num grande congestionamento nas docas de recebimento na primeira semana do mês, implicando em longas filas e tempo morto dos caminhões. O anexo 2 dá uma idéia do grau de flutuação do número de chegadas de caminhões no CD, no dia a dia, ao longo dos meses.

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A gerência de planejamento estava mais envolvida com a implementação de novos projetos do que com as atividades tradicionais de planejamento, como previsão, planejamento de capacidade, planejamento de tecnologia, etc. um dos principais projetos tocados pelo planejamento era o de instalação de novos CTCs. A gerencia dispunha de poucas ferramentas formais de auxílio ao planejamento. Os problemas de falta de um planejamento de capacidade eram, de certa forma, amenizados por uma prática antiga da empresa que preferia ter capacidade em excesso do que correr risco de não poder entregar nos prazos combinados. Existia uma clara tendência a considerar qualquer investimento em ativos reais, como caminhões, terrenos, e armazéns, como uma opção segura e de boa rentabilidade. A gerência do CD era responsável por toda atividade de armazenagem dos produtos recebidos, pela administração das instalações do CD, pela montagem das cargas a serem enviadas aos clientes e pelo controle físico do estoque. A não utilização de código de barras, a grande variedade de tipos de produtos, e o próprio tamanho das instalações de armazenagem, tornavam esta atividade intensiva em mão de obra e bastante ineficiente. As diversas expansões ocorridas ao longo dos anos, resultaram em vários módulos, com diferentes “designs” em termos de pé-direito e tecnologia de armazenagem e movimentação. Um outro problema afetava negativamente a eficiência do CD era o número e o dimensionamento das docas de expedição. Com o crescente uso de veículos para montagem de carga aumentou substancialmente, fazendo com que a operação demorasse em média de 5 a 6 horas. A percepção reinante era de que o processo utilizado para o picking contribuía substancialmente para este tempo excessivo. Além disso, o espaço disponível para pré-montagem de carga, em frente às docas, se tornou insuficiente, sendo muitas vezes necessário a utilização do espaço da doca vizinha. Tudo isto tornava a rotatividade das docas muito baixa, e a conseqüência era uma grande fila de caminhões esperando para serem carregados. Nos dias de pico não era incomum uma carreta ficar 3 dias esperando para ser carregada. A gerência de distribuição cuidava da entrega dos pedidos efetuados pelos clientes. Para tanto faziam parte de suas atribuições o dimensionamento e programação da frota de caminhões, e a contratação e administração da equipe de motoristas. A frota podia ser dividida em dois

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conjuntos distintos: as carretas, utilizadas para o transporte entre o CD e os CTCs, eram de propriedade da Santer, empresa de transporte do grupo; e os caminhões, utilizados para entrega final aos clientes, eram de prioridade do São Carlos. A frota de carretas era administrada pela Santer, que prestava serviços à logística do São Carlos, com base em um contrato estabelecido em parâmetros supostamente de mercado. Os caminhos de entrega, por outro lado, eram administrados diretamente pela gerência de distribuição do São Carlos. Em casos de necessidade, como por exemplo durante um surto de demanda, tanto a Santer, quanto a própria gerência de logística, poderiam contratar serviços de transportes de terceiros, normalmente autônomos. Esta estrutura de transportes, embora aparentemente flexível, apresentava alguns problemas organizacionais. A gerência de manutenção se sentia responsável pelas formas de operação dos caminhões e influenciava na escolha do perfil da frota, baseada na sua experiência com a resistência, durabilidade, e consumo de combustíveis. A frota da Santer utilizava a oficina de manutenção de Itumbiara, embora o custo de operação desta oficina fosse bancado pela diretoria de logística do São Carlos. Existiam certos problemas com relação ao nível de serviço prestado pela Santer à diretoria de logística. Embora a Santer prestasse serviço para outras empresas de fora, como por exemplo a Nestlé, e portanto fosse considerada uma boa empresa de transportes, alguns aspectos mereciam reparos. Por exemplo, a Santer não se responsabilizava por problemas de quebras, ou de desvios que ocorressem com a carga durante o trajeto. Isto poruqe eles alegavam que recebiam a carreta já carregada e lacrada nas docas do CD, carregamento este que era efetuado pelo pessoal do são Carlos. Do lado da Santer, também existiam reclamações quanto aos longos tempos de espera a que suas carretas eram submetidas em períodos de pico. Um outro complicador em relação ao transporte, dizia respeito ao papel desempenhado pelo Presidente da empresa na compra de novos veículos. Ele fazia questão de negociar diretamente com os fabricantes os volumes e condições de comprar. Isto resultava em que o dimensionamento da frota nem sempre fosse feito de forma planejada. A política dominante era a de comprar barato e garantir que não haveria falta de veículos para atender às vendas efetuadas. Um exemplo claro desta política havia acabado de ocorrer poucas semanas atrás. Com o rápido crescimento da demanda, conseqüência do plano real, começaram a ocorrer atrasos nos prazos de entrega. A equipe de vendas começou a reclamar com o Presidente, que rapidamente encomendou mais 80 carretas e 120 caminhoes. No entanto, a

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análise recentemente efetuada pelos consultores havia detectado um baixo índice de utilização da frota; algo em torno de 30%; Além dos problemas internos, que geravam ineficiências, existiam outras questões organizacionais que preocupavam a diretoria de logística. Os conceitos de sistema, de logística integrada, e de trade-offs ainda não eram bem compreendidos dentro da empresa. A atual organização era claramente estruturada na forma de “silos” funcionais. Compras comprava com base no princípio da minimização do preço unitário. Vendas procurava maximizar as quantidades vendidas, independentemente dos custos gerados com a operação de entregas. Manutenção estabelecia o perfil da frota baseado nos aspectos de desempenho técnico dos veículos. OS DESAFIOS DO FUTURO Refletindo sobre o comentário feito pelo diretor de vendas, durante a convenção anual de representantes comerciais, o diretor de logística se lembrou de algumas questões que já o vinham preocupando há algum tempo. Esses aspectos estavam relacionados às mudanças nas estratégia comercial da empresa. O primeiro aspecto tinha a ver com o continuado crescimento da empresa e seu efeito sobre a capacidade instalada. Como garantir que os recursos necessários à execução da atividade logística estivessem a disposição no momento certo, na quantidade adequada, no local correto, e ao menor custo possível. Isto não era um desafio trivial para uma empresa que havia crescido quase US$ 300 milhões num único ano, e que pretendia continuar crescendo a uma taxa de 28% a 30% ao ano quando se fatura US$ 100 milhões ao ano; outra é crescer 30% ao ano quando se fatura US$ 1 bilhão por ano. Onde buscar os recursos, quando buscá-los, e em que quantidade? Estas eram perguntas chave, cuja resposta não era trivial. O segundo estava relacionado ao programa de segmentação comercial da empresa. Durante anos a logística do São Carlos se organizou com base no cliente genérico; pequenos varejistas, que eram pouco exigentes e que recebiam mercadorias através de um procedimento uniforme. Por exemplo, a mercadoria ao ser carregada no caminhão não era separada por cliente. Era agrupada por produto. Somente ao chegar no local de entrega é que o

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motorista iria “montar” a carga para aquele cliente específico. Não se utilizava nenhum tipo de container ou pallet, e o horário de entrega poderia ser qualqeur um. O prazo de entrega também obedecia uma média geral que poderia variar substancialmente entre clientes. Com o processo de segmentação, a situação teria que mudar significativamente. Cada segmento exigia um procedimento especial de entrega. Por exemplo, as lojas de conveniência dos postos de gasolina necessitava de resuprimentos diários e descarregamentos rápidos. Portanto as cargas deveriam sair do CD de Itumbiara já separadas, conduzidas em algum tipo de container que permitisse um rápido descarregamento. No caso dos restaurantes, era da maior importância que os motoritas-entregadores estivessem adequadamente vestidos e tivessem boa apresentação. A entrega teria que ser planejada para evitar os horários de almoço e jantar. No segmento farmacêutico, o maior desafio era a velocidade e a consistência da entrega. Este era um segmento muito competitivo, com vários distribuidores regionais especializados que, nas grandes cidades das regiões sul e sudeste haviam criado sistema de distribuição entrega que conseguia colocar o produto, na loja do cliente, em menos de 6 horas após o pedido. O terceiro aspecto resultava da estratégia de crescimento regional escolhida pela empresa. Em termos promocionais, o São Carlos tinha boa participação de mercado nas regiões centro-oeste, norte e nordeste, uma participação razoável na região sudeste, e uma participação sofrível na região sul. Embora São Paulo fosse o Estado que mais comprasse do São Carlos, ainda havia muito espaço para crescer, pois em termos proporcionais ao tamanho do mercado, a participação do São Carlos, ali, estava bem abaixo da participação nos estados do Nordeste, por exemplo. Isto era também verdade para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A dificuldade com esta estratégia era que os clientes nestes estados eram em média muito mais exigentes em relação a disponibilidade, prazos, e consistência de entrega, do que os clientes de outras regiões, principalmente centro-oeste, norte e nordeste. Nestas última regiões, a exigência maior era por maior variedade e fracionamento das embalagens. Que mudanças precisariam ser feitas para conseguir êxito no objetivo de maior penetração naqueles mercados? O quarto e último aspecto tinha uma relação mais direta com os comentários do diretor de vendas. Embora feito em tom amistoso e até mesmo brincalhão, o comentário de forma alguma agradara. Será que a observação feita pelo consultor Pedro Leão iria se materializar, ou seja, será que logística seria sempre considerada culpada pelos problemas, e nunca

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reconhecida pelos sucessos da companhia? Segundo a percepção de Roberto, a causa deste fenômeno tinha muito a ver com a forma como a empresa estava organizada, e principalmente como eram alocados os custos logísticos e avaliados os desempenhos funcionais. Sem contar com um sistema gerencial de custeio, a empresa tinha como tradição trabalhar com custos médios. O custo de armazenagem, por exemplo, não era alocado aos produtos e clientes, mas simplesmente jogados como despesas da logística. Os custos de transportes eram rateados em função da distancia transportada e das características físicas dos produtos. O nível de serviço e as exigências especiais dos clientes não eram consideradas. Isto induzia a área comercial a buscar mercados e clientes cada vez mais exigentes em termos de serviços, pois os custos adicionais não eram discriminados. Para o pessoal da área comercial aquele era um “almoço grátis”. Roberto, no entanto, sabia que conta seria paga pela logística. Sendo avaliado como um centro de custos, e tendo que garantir os níveis de serviço estabelecidos pela área de vendas, ele sempre pegaria a conta, de uma maneira ou de outra. Ou seja, se procurasse cumprir todas as exigências de serviço poderia ser acusado por ineficiência devido aos custos exagerados; se por outro lado, relaxasse com o nível de serviço poderia ser acusado de estar prejudicando as vendas. Roberto sabia que ainda havia muito espaço para aumento de eficiência. Algumas das oportunidades de melhoria estavam sob sua responsabilidade direta, e sobre estas ele esta pronto para atuar. O maior problema era com aquelas oportunidades, ou ineficiências que dependiam de outros diretores. Como convencê-los a mudar suas percepções sobre a atividade logística, de um simples centro de custos, responsável por despesas de transportes e armazenagem, para um processo sistêmico e integrado, capaz de se transformar numa vantagem competitiva, geradora de negócios e de rentabilidade para a firma. Havia também um questionamento sobre se este era o momento adequado para caminhar no sentido da segmentação. As necessidades de aperfeiçoamento do atual sistema já eram consideráveis, e a nova política comercial criaria ainda maiores exigências, que precisavam ser identificadas. Talvez fosse mais prudente identificar primeiro estas exigências e só depois partir para a implementação do programa de segmentação. Roberto estava convencido da necessidade de discutir estes temas com o restante da Diretoria, e para isto era necessário identificar os problemas e as possíveis soluções, e levantar os argumentos corretos capazes de sensibilizar o restante da diretoria.

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Anexo 1

Organograma Parcial Evolvendo as Funções Lógicas

PRESIDENTE

VICE-PRESIDENTE

DIRETORIA

LOGÍSTICA

DIRETORIA

SEGMENTAÇÃO

DIRETORIA

VENDAS

GERÊNCIA

MANUTENÇÃO

GERÊNCIA

SUPRIMENTO GERÊNCIA

CD-ITUMB.

GERÊNCIA

DISTRIBUIÇÃO.

GERÊNCIA

SUPRIMENTO

GERÊNCIA

VENDAS

GERÊNCIA

INSTALAÇÕES

CONTROLE

OPERACIONAL

TRANSPORTE DE

SUPRIMENTO

ANÁLISE DE

DADOS

CONTROLE

OPERACIONAL

ARMAZENAGEM

GERÊNCIA DE

INSTALAÇÕES

CONTROLE

OPERACIONAL

TRANSPORTE

TRANSFERÊNCIA

TRANSPORTE

ENTREGA

GERÊNCIA

INSTALAÇÕES

MANUSEIO DE

MATERIAIS

CONTROLE

OPERACIONAL

PREVISÃO

VENDAS

SERVIÇO

CLIENTE

DIRETORIA

COMPRAS DIRETORIA

MARKETING DIRETORIA

INFORMÁTICA

GERÊNCIA

COMPRAS

GERÊNCIA

TELEMARKETING

GERÊNCIA

COMPRAS

ESTOQUES

LOGÍSTICA

INTERNACIONAL

PROCESSAMENTO

DE PEDIDOS

PROCESSAMENTO

DE DADOS

Page 16: Atacado Sao Carlos Em Busca Da Logistica Integrada

Anexo 2