assistÊncia social a superação da extrema...

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ANO 01 | 04 | BRASÍLIA | AGOSTO DE 2011 Tributação Reforma tributária, desoneração da folha e o arranjo fiscal atual Denise Gentil Mercado de trabalho Trabalhadores domésticos: avanços na Convenção da OIT 1 ASSiStÊNcia Social A Superação da Extrema Pobreza no Brasil I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o desenvolvimento na- cional; III – Erradicar a pobreza e a margi- nalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Art. 3º da Constituição de 1988 - objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil) Nabil Kadri 1 Ana Fonseca 2 O Brasil oferece as condições para o Governo Federal submeter à so- ciedade um Plano que realize um dos fundamentos da nossa Constituição, a construção de uma sociedade livre da extrema pobreza. 1 - Formado em Administração Pública pela FGV, Administrador do BNDES e atual Chefe de Gabinete da Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do MDS (SESEP) 2 - Doutora em História Social pela USP, Professora licenciada da UNICAMP e atual Secretária da Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza (SESEP) Aos avanços propiciados pela institucionalização da Seguridade So- cial, a partir de 1988, somaram-se outras conquistas objetivas que nos permitem esse passo à frente. O país venceu o ciclo hiperinflacionário, rea- lizamos e projetamos uma recuperação do salário mínimo, o crédito foi respon- savelmente ampliado, reencontramos o caminho do desenvolvimento econô- mico, estabelecemos políticas públicas que alcançaram setores excluídos das melhorias macroeconômicas, aumen- tamos as possibilidades de mobilidade social e abrimos perspectivas para o crescimento do investimento produti- vo. O país cresceu porque redistribuiu. 3 A redução da extrema pobreza entre 2003 e 2009, medida pelas Pes- quisas Nacionais por Amostra de Do- micílios – PNADs, foi substancial e a possibilidade de alívio da miséria por meio de mecanismos de transferência de renda é uma realidade que pode ser 3 - A partir de 2006, no governo do Presidente Lula, com o crescimento econômico, o expressivo aumento do emprego formal e a consolidação de políticas públicas (como, por exemplo, o Sistema Único de Assistência Social, o Sistema Único de Saúde, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar) e programas sociais (Bolsa Família, Luz para Todos, Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, para citar apenas alguns), o Brasil teve a oportunidade de consolidar uma nova estratégia de desenvolvimento social. acessível a todos que dela necessitem, vencidos os obstáculos administra- tivos. No entanto, a permanência de muitos milhões de brasileiros em situ- ação de grave vulnerabilidade social, evidencia que o crescimento econômi- co, as transferências de renda e a va- lorização do salário mínimo são condi- ções necessárias, mas não suficientes para afastar a miséria do quadro de urgência nacional. Parcela significativa dos que vivem na extrema pobreza enfrenta barreiras sociais para vencer a trama da miséria: inserção em territórios de baixo dinamismo econômico, qualifica- ção formal deficiente, falta de acesso a mercados que poderiam consumir seus serviços ou produtos, e exclusão no acesso a serviços sociais básicos. Ao governo da presidenta Dilma Rousseff coube apresentar à sociedade ações, instrumentos e metas que in- duzem à nação a vencer este desafio. Este é o sentido do Plano Nacional para Superação da Extrema Pobreza batiza- do “Brasil sem Miséria”. 4 Da parte da administração federal haverá todo o rigor para o cumprimento eficiente das 4 Para maiores informações, consultar o portal do Brasil sem Miséria: www.brasilsemmiseria.gov.br

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T r i b u Ta ç ã o & C i d a d a n i a

a n O 0 1 | n º 0 4 | B R a S Í L i a | a G O S T O d E 2 0 1 1

Tributação

reforma tributária, desoneração da folha e o arranjo fi scal atual

Denise Gentil

Mercado de trabalho

Trabalhadores domésticos: avanços na Convenção da oiT

1

aSSiStÊNcia Social

A Superação da Extrema Pobreza no Brasil

I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – Garantir o desenvolvimento na-cional;

III – Erradicar a pobreza e a margi-nalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(Art. 3º da Constituição de 1988 - objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil)

Nabil Kadri 1

Ana Fonseca 2

O Brasil oferece as condições para o Governo Federal submeter à so-ciedade um Plano que realize um dos fundamentos da nossa Constituição, a construção de uma sociedade livre da extrema pobreza.

1 - Formado em Administração Pública pela FGV, Administrador do BNDES e atual Chefe de Gabinete da Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do MDS (SESEP)

2 - Doutora em História Social pela USP, Professora licenciada da UNICAMP e atual Secretária da Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza (SESEP)

Aos avanços propiciados pela institucionalização da Seguridade So-cial, a partir de 1988, somaram-se outras conquistas objetivas que nos permitem esse passo à frente. O país venceu o ciclo hiperinfl acionário, rea-lizamos e projetamos uma recuperação do salário mínimo, o crédito foi respon-savelmente ampliado, reencontramos o caminho do desenvolvimento econô-mico, estabelecemos políticas públicas que alcançaram setores excluídos das melhorias macroeconômicas, aumen-tamos as possibilidades de mobilidade social e abrimos perspectivas para o crescimento do investimento produti-vo. O país cresceu porque redistribuiu.3

A redução da extrema pobreza entre 2003 e 2009, medida pelas Pes-quisas Nacionais por Amostra de Do-micílios – PNADs, foi substancial e a possibilidade de alívio da miséria por meio de mecanismos de transferência de renda é uma realidade que pode ser

3 - A partir de 2006, no governo do Presidente Lula, com o crescimento econômico, o expressivo aumento do emprego formal e a consolidação de políticas públicas (como, por exemplo, o Sistema Único de Assistência Social, o Sistema Único de Saúde, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar) e programas sociais (Bolsa Família, Luz para Todos, Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, para citar apenas alguns), o Brasil teve a oportunidade de consolidar uma nova estratégia de desenvolvimento social.

acessível a todos que dela necessitem, vencidos os obstáculos administra-tivos. No entanto, a permanência de muitos milhões de brasileiros em situ-ação de grave vulnerabilidade social, evidencia que o crescimento econômi-co, as transferências de renda e a va-lorização do salário mínimo são condi-ções necessárias, mas não sufi cientes para afastar a miséria do quadro de urgência nacional.

Parcela signifi cativa dos que vivem na extrema pobreza enfrenta barreiras sociais para vencer a trama da miséria: inserção em territórios de baixo dinamismo econômico, qualifi ca-ção formal defi ciente, falta de acesso a mercados que poderiam consumir seus serviços ou produtos, e exclusão no acesso a serviços sociais básicos.

Ao governo da presidenta Dilma Rousseff coube apresentar à sociedade ações, instrumentos e metas que in-duzem à nação a vencer este desafi o. Este é o sentido do Plano Nacional para Superação da Extrema Pobreza batiza-do “Brasil sem Miséria”.4 Da parte da administração federal haverá todo o rigor para o cumprimento efi ciente das

4 Para maiores informações, consultar o portal do Brasil sem Miséria: www.brasilsemmiseria.gov.br

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Tributação & Cidadania é publicação bimestral de propriedade da Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social, com tiragem de 2 mil exemplares. As opiniões externadas nos artigos selecionados e publicados são de responsabilidade de seus autores.

Tributação & CidadaniaTributação & Cidadania é uma publicação da Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade SocialSBN Qd 01 Bl H - Edifício Anfi p - Sala 45 - Asa Norte - Brasília/DF - Brasil - Cep: 70040-907 - Tel: 3326-0676 - Fax: 3326-0646Site: www.fundacaoanfi p.org.br - e-mail: fundacao@anfi p.org.br

Conselho EditorialAlbenize Gatto CerqueiraAurora Maria Miranda BorgesBenedito Leite Sobrinho

EditorVilson Antonio Romero, jornalista, Registro Profi ssional MT/DRT/RS 8236

Equipe Técnica Floriano Martins de Sá NetoJuliano Sander MusseVilson Antônio Romero

Jornalista Responsável Vilson Antonio Romero

Digramação e Projeto Gráfi coGilmar Eumar Vitalino

CoordenaçãoFloriano Martins de Sá Neto

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tarefas de governo, garantindo trans-parência nas ações. A gestão do Brasil sem Miséria será interministerial e con-tará com instrumentos gerenciais mo-dernos e efi cazes. A efi ciência também será dada pela capacidade de monitorar, avaliar e aprender. As falas das ruas, dos especialistas, das organizações não go-vernamentais, dos movimentos sociais, dos povos e comunidades tradicionais, das universidades serão escutadas e in-cidirão no ciclo gerencial do Plano. As empresas estatais, os bancos públicos, as empresas privadas e todas as pessoas de bem, já foram convocadas.

Note-se que o Brasil sem Miséria se vincula a uma concepção de Estado e democracia respaldada no reconheci-mento da atribuição estatal de garan-tia de direitos. O Plano tem por meta realizar o preceito constitucional de consolidar uma rede de promoção e de proteção social ampliada, coerente e consistente. Ou seja, o “Brasil sem Mi-séria” se propõe a promover a transi-ção de ações fragmentadas, desarticu-ladas, pulverizadas e por vezes de má qualidade para um conjunto integrado de intervenções dos poderes públicos e da sociedade, de modo a assegurar o efetivo cumprimento dos direitos so-ciais, especialmente daqueles grupos da população que foram até agora ex-cluídos. Em outras palavras, o “Brasil sem Miséria” foca os mais pobres com o único objetivo de assegurar a univer-salidade das políticas sociais.

De acordo com os dados preli-minares do Censo de 2010 do IBGE5, ainda existem no Brasil 16,2 milhões de pessoas, com renda familiar mensal per capita menor ou igual a R$ 70. Isso corresponde a 8,5% da população bra-sileira. Ainda de acordo com os dados,

5 MDS. O perfi l da Extrema Pobreza no Brasil com base nos dados preliminares do universo do Censo 2010. Nota. Brasília, 02 de maio de 2011.

a população extremamente pobre é jovem, 50,9% tem até 19 anos de ida-de, é negra (71% de pardos e pretos), reside nas regiões Norte e Nordeste (75%) e concentra-se na área rural (47%). Com efeito, no campo, de cada quatro brasileiros, um é extremamen-te pobre e nas cidades, essa relação é de um para vinte.

É importante considerar que em relação às principais tarefas do Pla-no a linha da pobreza extrema jogará um papel complementar, pois onde há forte privação de bem estar há elevado contingente de pessoas pobres,também pelo critério da renda monetária. Além do mais, as transferências de renda (o Bolsa-Família, por exemplo) não en-cerram um fi m em si mesmo, embora seja tentadora a possibilidade de produ-zir efeitos imediatos sobre indicadores de renda (pobreza e desigualdade) por meio de transferências. Promover ações coordenadas e utilizar recursos adicio-nais, quando necessário, para proteger com serviços e de forma mais integral os extremamente pobres – em especial as crianças em idade pré-escolar que são os mais vulneráveis entre os vul-neráveis – é mais efi caz para retirar as famílias da armadilha da pobreza na qual se encontram e, consequentemen-te, melhorar suas condições de vida.

O Plano Brasil Sem Miséria foi criado exatamente para ir onde as pes-soas estão, para romper barreiras so-ciais, políticas, econômicas e culturais que segregam pessoas e regiões. Esse é o propósito da estratégia da “Busca Ati-va” que tem por objetivo central incluir no Cadastro Único para Programas So-ciais aqueles que vivem fora da rede de proteção e promoção social bem como de outras ações do poder público. Es-tima-se que cerca de 800 mil famílias estão atualmente nessa condição.

Com isso, o Plano busca aumen-

tar as capacidades e oportunidades de todas as pessoas que vivem em situa-ção de pobreza extrema tanto aquelas que já estão identifi cadas como aque-las que ainda serão localizadas. Assim, garantir que até 2014 tenham uma ele-vação de sua renda e um aumento de seu bem estar social. Para tal, as ações do Brasil sem Miséria estão organiza-das em torno dos eixos de Garantia de Renda, Inclusão Produtiva e Acesso a Serviços Públicos, contando com a rede da assistência social, particularmente os Centros de Referência (CRAS) como principal porta de entrada.

Os Eixos do PlanoEixo 1: Garantia de renda: am-

pliação do Programa Bolsa Família, com suas condicionalidades vinculadas à educação, à saúde e como meio para garantir o direito à alimentação. Vincu-lado a ações que garantam a concessão do Benefício de Prestação Continuada e da Aposentadoria rural a todos àqueles que têm direito.

Eixo 2: inclusão Produtiva: as estratégias são distintas para as áreas rural e urbana:

2.1 - inclusão Produtiva na Área rural: No campo, onde se encontra pouco menos da metade da população extremamente pobre do Brasil, a prio-ridade é aumentar a produção do agri-cultor familiar por meio de orientação e acompanhamento técnico, oferta de insumos e água, além de fortalecer os mercados (institucionais ou privados) para escoamento dessa produção.

2.2 - inclusão Produtiva na Área urbana: A inclusão produtiva nas áreas urbanas busca gerar ocupação e renda para os mais pobres, entre os 18 e 65 anos, mediante cursos de qualifi cação profi ssional, intermediação de empre-go, ampliação da política de microcré-

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CoordenaçãoFloriano Martins de Sá Neto

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dito e incentivo à economia popular e solidária, entre outras ações de inclu-são social que devem beneficiar cerca de dois milhões de pessoas.

Eixo 3: acesso a Serviços: Nesse eixo, o intuito é o de localizar no terri-tório a ausência do Estado ou os vazios institucionais que contribuem para re-produzir a extrema pobreza. A partir desse diagnóstico e, em acordo com os ministérios, prover as cestas de serviços e benefícios ajustadas a cada realidade local, fazendo as adequações necessá-rias para que o Estado brasileiro atenda de modo eficiente essa população.

Instituído pelo Decreto nº 7.492, de 02 de junho de 2011, o Plano Bra-sil sem Miséria prevê também a sua gestão de forma colegiada com Instân-cias Decisórias e Instâncias Gerenciais.

Como Instâncias Decisórias criaram-se o Comitê Gestor (Casa Civil, Ministérios da Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão e Desenvolvimento Social), o Grupo Executivo (Secretários Exe-cutivos no Comitê Gestor) e o Grupo Interministerial de Acompanhamento (Comitê Gestor mais os Ministérios do Desenvolvimento Agrário, Educação, Saúde, Cidades, Trabalho e Emprego, Integração e Secretaria Geral da Presi-dência) e, como Instância Gerencial, foi criada a Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza no âm-bito do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Palavras Finais O Brasil sem Miséria é sem

dúvida um Plano ousado e ambicioso. No entanto, é eticamente necessário e perfeitamente possível eliminar as manifestações extremas que negam a um vasto contingente a possibilidade de viver uma vida minimamente dig-na. Para tanto, claros compromissos são requeridos, seja do Governo Fede-ral, das esferas de governo e os de-mais poderes, além de contar com de-cisiva participação e controle social. Superar os desafios postos à articu-lação intra e intergovernamental bem como a participação social implica em firmar compromissos e acordos, públicos e republicanos, entre gesto-res que ultrapassem a formalidade da assinatura de documentos legais e se revertam em efetivos serviços públi-cos comprometidos com a universali-

Denise Lobato Gentil 1

Está de volta a sempre inacaba-da discussão sobre reforma tributária. O debate se dá num jogo de fortes ten-sões entre as classes sociais, porque se trata de um dos mais importantes me-canismos de partilha da riqueza pro-duzida em nossa economia. Os tributos têm a capacidade de mudar o fluxo de renda de uma classe para outra, definir o ritmo dos investimentos, influenciar o nível de emprego e viabilizar a renta-bilidade dos capitais investidos nos se-tores produtivos da economia. Podem, ainda, moldar a relação do país com o resto do mundo porque interferem no fluxo de mercadorias e de capital finan-ceiro entre os países. Por todos esses motivos, a reforma é um ato essencial-mente político. Seu resultado expres-sará a superioridade econômica e a capacidade de dominação e articulação política de alguns segmentos da socie-

1 Doutora em Economia, professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

dade, enquanto outros, menos organi-zados, terão seus interesses barrados e serão oprimidos pela carga tributária. Por isso é que se trata de um debate interminável, de uma luta contínua. A cada momento histórico ela ganha um sentido e uma dimensão diferenciados.

Houve várias tentativas de refor-ma tributária nos últimos vinte anos, mas nenhuma delas procurava enfrentar o problema da elevada concentração de renda que o próprio sistema tributário atual acaba por legitimar e reforçar. Este é um tema de elevado grau de dificulda-de no campo da política. Interesses es-tabelecidos durante séculos precisariam ser enfrentados. É quase um consenso, entre economistas heterodoxos e entre os defensores de uma sociedade mais justa, que o sistema tributário brasileiro, para se tornar mais equitativo, teria que tributar a propriedade de forma mais progressiva e cercear a especulação imo-biliária e financeira. Para isso, entretan-to, seria necessário contrariar os inte-resses e privilégios dos proprietários de vastas áreas urbanas e rurais mantidas ociosas ou semi-ocupadas, assim como

daqueles que são detentores de riqueza financeira significativamente avolumada nos anos de liberalização e globalização. Esses segmentos têm uma expressiva representação política no Congresso, o que inviabiliza a aprovação de propostas mais democráticas. Ampliar a tributação sobre o capital financeiro significaria controlar o enriquecimento desenfreado que deriva da especulação e, ao mesmo tempo, limitar a fragilidade da economia a crises cambiais e financeiras que pena-lizam toda a sociedade para o benefício de poucos.

As barreiras a serem enfrentadas são de difícil transposição. Os interesses do capital financeiro estão entranhados, desde os anos 1990, nos mais importan-tes aparelhos do Estado e a legitimação de seus privilégios é proporcionada por uma política monetária apoiada em ele-vadas taxas de juros, que explicitam e reforçam o poder dos proprietários de ativos financeiros na definição das polí-ticas públicas. Como os interesses do ca-pital imobiliário e do capital financeiro não são contrariados, a tributação indi-reta foi sobrecarregada.

Tributação

Reforma tributária, desoneração da folha e o arranjo fiscal atual

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A taxação sobre o consumo, na esfera da circulação, não distingue ricos de pobres, proprietários de expropria-dos. É a tributação “invisível”, não per-cebida facilmente pelos que carregam o seu peso - os de menor renda - e, por-tanto, tornou-se o caminho de menor resistência política para a elevação da carga tributária. Um sistema tributário é sempre uma síntese das forças políti-cas existentes na sociedade, os que têm maior poder econômico, capacidade de se organizar e de fazer os seus interesses predominarem sobre os demais, pagam menores impostos em prejuízo dos que são economicamente mais frágeis, me-nos informados e com menor expressão política. A reforma não é um ato espon-tâneo de vontade política do Executivo e de sua burocracia, é uma construção complexa, que envolve questões estru-turais e que abarca uma diversidade de interesses poderosos. Dependendo das circunstâncias políticas, pode resultar em pequenos avanços ou grandes re-cuos, de acordo com a correlação de forças políticas que dão sustentação ao governo no momento em que a reforma ocorrer.

Os governos FHC e Lula produ-ziram resultados precários no que diz respeito à reforma tributária, distante do ideal de uma sociedade desenvolvi-da com baixos níveis de desigualdade social. A justiça fiscal, entendida como um conceito associado ao de justiça so-cial, não teve espaço na agenda desses governos. A idéia de que o sistema tribu-tário é um instrumento capaz de impedir os de maior capacidade econômica de prosperar sobre os menos afortunados sucumbiu ao pragmatismo político que tem alimentado as alterações da legis-lação tributária em favor do grande ca-pital. Houve apenas medidas tópicas que atenderam às pressões políticas cotidia-nas, sobre a gestão tributária.

Um clássico exemplo desse cená-rio ocorreu nos anos 1990, quando os tri-butos foram redefinidos para beneficiar o processo de financeirização da econo-mia nacional e para dar sustentação e solvência à crescente dívida pública, es-ses fatos já foram fartamente analisados por bons intérpretes da política tributá-ria. O IRPJ das instituições financeiras

foi reduzido, assim como o adicional do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ); houve redução da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líqui-do (CSLL) e do IRPJ ao permitir a dedu-ção dos juros sobre o capital próprio; e, não faltou a isenção do imposto de ren-da sobre remessa de lucros e dividendos ao exterior, e assim por diante. Isso sem contar com a abertura para a fuga de ca-pitais e a evasão fiscal que decorreram da liberalização financeira.

Entretanto, como era necessário fazer crescer as receitas de impostos com o objetivo de alcançar as metas de supe-rávit primário, a tributação indireta se elevou, através de majoração da alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), da amplia-ção da base de incidência do PIS/Pasep e da COFINS, da elevação da CPMF, ou seja, foi empregada a tributação regressiva, aquela que é paga pelas pessoas de me-nor poder aquisitivo, para compensar os privilégios tributários concedidos às eli-tes nacional e estrangeira que investem no país, e que já eram favorecidas pelos juros excepcionalmente elevados. Esse processo não foi interrompido nos anos 2000, ao contrário, foi se agravando cada vez mais o peso da tributação indireta, corroendo o poder de compra, dos que recebem os menores salários.

A possibilidade de se fazer uma reforma tributária redistributiva da ren-da no cenário político atual é remota. No máximo, poderão ocorrer alguns ajustes ao modelo existente, preservan-do sua estrutura regressiva. Hoje, o ide-al que se busca é o de simplificar o sis-tema tributário, resolver a guerra fiscal entre Estados, desonerar da folha de pa-gamentos e reduzir a tributação sobre o investimento produtivo. E isso é tudo, se tanto. A fórmula para fazer do sistema tributário um instrumento indispensá-vel para complementar uma política social avançada implica em tomar a redistribuição de renda como o obje-tivo mais importante, muito acima da “eficiência tributária”, que é a eficiência para o capital (da circulação financeira e da circulação produtiva), não para a coletividade. Não seria excessivo repe-tir que este é um movimento essencial-mente político, porque seria necessário

tributar de forma intensa e progressiva a propriedade imobiliária improdutiva, rural e urbana, a riqueza financeira, as heranças, o consumo de artigos de luxo e a alta renda, sobretudo a renda do ca-pital que não gera emprego e produção. Só assim se reduz a enorme distância entre ricos e pobres.

Seria necessário, entretanto, ir mais além. Os gastos públicos precisa-riam passar por uma ampla reestrutu-ração para torná-los mais favorecedo-res da distribuição da renda, elevando a parcela dos recursos arrecadados para políticas sociais e econômicas voltadas ao combate à pobreza e à ele-vação do emprego e da renda dos as-salariados. O gasto com juros teria de se reduzir para dar espaço à realização de investimentos públicos. Isso, sem dúvida, atingiria os financiadores de campanhas políticas e alguns aliados da base de apoio do governo, mesmo os que são progressistas. É evidente que cria muitas resistências. Para se viabilizar, teria que ser um movimento de fora para dentro do Estado, vindo da pressão popular, organizadas em parti-dos, centrais sindicais e nos aparelhos de Estado que são mais progressistas e representativos de interesses da cole-tividade. Esta é uma construção lenta, que exige um amplo debate nacional e grande maturidade política mas, não é impossível. Já foi enfrentada por al-gumas sociedades, em momentos his-tóricos específicos, como ocorreu nos países europeus, no período do pós-II Guerra Mundial. O Japão e a Europa têm uma estrutura tributária muito mais justa.  

O uso da desoneração da folha como política de redução de custos

Os setores empresariais sempre pressionam por políticas compensató-rias para os quais chamam de custo--Brasil, entre eles, a elevada carga tri-butária, a valorização cambial e as altas taxas de juros. Entretanto, seria a estru-tura tributária do Brasil a causa mais relevante da baixa competitividade dos produtos brasileiros?

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É necessário dizer, antes de tudo, que é a política cambial, junto com a baixa produtividade, os principais fato-res que retiram a competitividade dos produtos brasileiros. A política mone-tária de juros altos provoca valoriza-ção cambial excessiva porque atrai um fluxo intenso de capital externo espe-culativo dirigido para aplicações em tí-tulos públicos. O diferencial entre juros internos e externos não é, certamente, a única causa da valorização cambial, mas é um fator central. O câmbio apre-ciado tem dificultado a exportação de produtos manufaturados brasileiros e reduzido a capacidade de competição dos produtos nacionais frente aos im-portados, produzindo uma veloz de-sindustrialização e commoditização da pauta de exportações da economia bra-sileira. Seu uso, entretanto, tem sido tolerado por conter a inflação causada por choques externos nos preços dos alimentos, metais e petróleo, mas, so-bretudo, por, comodamente, justificar a elevação desproporcional da rentabili-dade do capital financeiro.

O governo propõe a redução de tributos sobre a folha de salários, ao invés de optar por baixar a taxa de ju-ros para contornar o problema causado pelo desnivelamento do câmbio. O re-sultado desejado não será alcançado, enquanto tivermos a mais alta taxa de juros real do sistema mundial, o fluxo de capitais se dirigirá fartamente para o Brasil. A redução de tributos tem efei-to muito limitado para compensar as consequências nefastas dos juros altos e do câmbio valorizado. Uma política de incentivo à ciência e à tecnologia, de ampliação da infraestrutura de ener-gia e transporte e, sobretudo, de queda dos juros e de alinhamento do câmbio é que fariam a redução estrutural do custo-brasil. Um sistema tributário tem outros objetivos, entre eles aquele con-siderado “sagrado”, de reduzir desigual-dades sociais e aliviar as tensões sociais produzidas por uma economia monetá-ria. Numa sociedade com fortes traços de subdesenvolvimento, onde persistem problemas estruturais graves, esta fun-ção do sistema tributário torna-se im-prescindível. Seu uso para compensar uma política monetária deletéria e de

baixíssima eficácia para combater a in-flação torna-o disfuncional e revelador do poder das elites patrimonialistas na condução da política macroeconômica do país. 

Para reduzir a assimetria de po-der, os trabalhadores e os que recebem os mais baixos rendimentos deveriam ser os principais beneficiados por uma futura reforma tributária, com base no princípio da progressividade na taxação sobre rendas e propriedades, de forma a reverter o fluxo de renda e riqueza em favor dos mais necessitados. Um movi-mento dessa ordem só seria factível com o amplo envolvimento dos sindicatos e das centrais sindicais, os elos mais for-tes. É preocupante, entretanto, a posi-ção de defesa da desoneração da folha de alguns setores. Há a crença de que proporcionará maior contratação de tra-balhadores e reduzirá a carga sobre os assalariados, isso é uma ilusão.

A proposta é de redução da tribu-tação da parcela de contribuição social do empregador sobre a folha. Essa de-soneração provocará redução de custo e imediata elevação da margem de lucro, sem reduzir preços. Uma maior parcela de lucro não necessariamente implicará em mais contratação de trabalhadores nem em redução de carga tributária sobre assalariados. Não existe nenhu-ma ligação direta e imediata entre uma coisa e a outra. Primeiro, porque a taxa de juros, sendo muito elevada, pode desviar o adicional de lucro da apli-cação em investimentos produtivos e da contratação de trabalhadores, para direcioná-lo aos investimentos em títu-los públicos, que oferecem alta rentabi-lidade, segurança e liquidez. Segundo, é preciso compreender com clareza o que determina o crescimento do emprego formal. Não são os fatores do lado da oferta (como é o caso da redução de im-postos), mas os estímulos à demanda as variáveis principais a influenciar o nível de emprego.

O que determina a criação de empregos formais?

Entre 2003 e 2010 foram criados 15 milhões de empregos formais no

Brasil2. Quando a economia cresce, im-pulsionada pelo consumo e pelo inves-timento, o emprego formal dispara e o desemprego cai rápida e progressiva-mente. Isto se alcança por meio de polí-ticas macroeconômicas como o aumento do crédito, a política de recuperação do salário mínimo e o crescimento do gasto público. Essas políticas, por elevarem a demanda agregada, têm o poder de si-nalizar aos empresários que vale a pena contratar trabalhadores para produzir, porque as vendas serão quase certas. Do contrário, sem a produção de um cenário favorável, redutor de incertezas quanto à rentabilidade dos investimentos, a de-soneração da folha pode cair significati-vamente – ou qualquer outra redução de custo – sem causar impactos positivos sobre a produção e o nível de emprego.

O Brasil é um exemplo do uso de políticas bem sucedidas de estímulo à demanda para a superação do proble-ma do desemprego nos moldes da tra-dição keynesiana, ainda que a primazia da política monetária em curso limite as condições de expansão do mercado de trabalho. Como foi relatado acima, há efeitos perversos que produzem de-sânimo para novos investimentos e que reduzem o saldo exportador, dois dos motores mais importantes para uma es-tratégia de crescimento e formalização do mercado de trabalho. Entretanto, a presença de um arranjo favorável de política fiscal criou efeitos positivos que contrabalançaram a combinação adver-sa de juros e câmbio.

Podem ser apontados pelo menos quatro mecanismos propulsores do em-prego formal no recente ciclo de cresci-mento na economia brasileira:1. O aumento do gasto público social,

produzindo a expansão dos serviços básicos em saúde, educação, previ-dência, assistência social, seguro--desemprego e abono salarial. As transferências monetárias se ele-varam, em número e em valor, es-pecialmente àquelas vinculadas ao salário mínimo3. Como consequên-

2 Fonte: Boletim Observatório do Mercado de Trabalho, MTE, nº 11 - www.mte.gov.br.

3 Significativos foram também os gastos com os progra-mas de geração de trabalho e renda alavancados com recursos dos fundos públicos – Fundo de Amparo ao

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cia, ocorreu um aumento do número de empregados diretamente e indi-retamente pelo Estado. Conforme pesquisa realizada no IPEA, “no caso dos gastos que se convertem em ex-pansão das redes de serviços sociais, como em educação e saúde, há em geral um incremento direto do pes-soal ocupado com vinculação for-mal, cuja característica crucial para o mercado laboral é serem postos de trabalhos permanentes e cumulati-vos no tempo e [...] a renda nominal derivada dessas ocupações também possui a característica permanente e cumulativa, dois importantes fa-tores de sustentação dos segmentos privados do comércio e dos serviços locais”4 (IPEA, 2010, p. 353). No caso dos gastos com transferências mo-netárias diretas, o incremento desta renda, tem características de regula-ridade e previsibilidade no tempo, fa-tores importantes para sustentação da demanda. Além disso, são entre-gues a uma fatia da população com alta propensão a consumir o que ele-va o seu potencial de atração sobre as decisões empresariais privadas de investir e contratar trabalhadores. Somados os números de benefícios pagos em 2010 tem-se um total de aproximadamente 62,5 milhões de pessoas e/ou famílias através das quais o Estado teria injetado renda, que se converteu em consumo cor-rente de bens e serviços, provocan-do o surgimento de um significativo mercado de consumo de massa.5

2. A expansão das operações de crédi-to (de aproximadamente 23% para 46,6% do PIB entre 2003 e abril de 2011)6, foi um dos fatores determi-nante do crescimento econômico recente e da recuperação do nível

Trabalhador (FAT), FGTS, fundos constitucionais etc.

4 IPEA, “Macroeconomia para o Desenvolvimento: cres-cimento, estabilidade e emprego”. Brasília, Ipea, 2010.

5 Desse total, 27,8 milhões de benefícios foram emitidos pelo INSS (previdenciários mais assistenciais, dados de outubro de 2010), 22 milhões de benefícios temporários foram pagos pelo Ministério do Trabalho (dados dispo-níveis em 2008; provavelmente são maiores em 2010) e 12,7 milhões de família beneficiárias do Programa Bolsa Família em 2010 .

6 Segundo a série Indicadores econômicos – Operações de Crédito do Sistema Financeiro do Banco Central – www.bcb.gov.br.

geral de ocupação e do emprego formal. O crédito se dirigiu para se-tores com grande capacidade de ge-ração de emprego, como foi o caso do setor rural, setor habitacional e empresas estatais. Segundo infor-mações do IPEA (2010, op.cit.), há correlação positiva entre essa ex-pansão recente do crédito e o nível de ocupação da força de trabalho, porque os novos postos de traba-lho tiveram por trás, vetores da de-manda empresarial e pública e não aqueles imperativos de sobrevivên-cia que caracterizam a ocupação, por conta própria.

3. A formação bruta de capital fixo (FBCF) da economia brasileira como um todo vem crescendo, desde 2006. Sua elevação e sustentação num patamar mais alto que os verifica-dos nos anos 1990 e no início desta década, tem sido um dos grandes desafios para garantir que o cresci-mento recente seja sustentável. Em que pese, ainda, estar em um nível baixo – encerrou o ano de 2010 num patamar anual de 18,4% do PIB –, tem demonstrado uma perceptível aceleração no período recente. O investimento público teve uma cres-cente participação nesse agregado, tendo passado de 2,64%, em 2003, para 4,38% do PIB, em 2009 e esti-mava-se em 5% do PIB para 2010. Há uma contrastante intervenção estatal federal quando confrontada com a tradicional reação diante de crises internacionais – momentos em que os cortes no orçamento fe-deral eram tidos como instrumentos básicos de ajuste e os investimentos públicos, considerados a rubrica prioritária para a compressão de despesas. Uma nova fase de pos-tura fiscal anticíclica foi inaugura-da – com elevado peso das estatais federais (perto de 2% do PIB) e de ampliação dos repasses para esta-dos e municípios destinados a inves-timentos. Para se ter uma idéia do montante de investimentos já efe-tuados, as estatais federais inves-tiram R$18.665 milhões em 2003, enquanto em 2009, foi atingida a cifra de R$59.841 milhões, enquanto

a participação de Estados e Municí-pios passou, em 2003, de R$22.992 milhões para R$57.719 milhões em 2009, incluindo-se nesse montante as transferências federais a esses entes da federação destinadas a tal fim (pois cerca de um quinto de seus investimentos depende de recursos federais). A política anticíclica cen-trou esforços consideráveis no au-mento dos investimentos em obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

4. O cenário econômico internacional, favorável às exportações brasileiras de commodities, propiciou taxas de crescimento bem mais significati-vas a partir de 2006, o que favore-ceu a expansão das ocupações e o alargamento do emprego formal. O enorme dinamismo, sobretudo da economia chinesa, proporcionou o aumento de preços e quantidades das exportações de produtos primá-rios, dinamizando a economia na-cional e criando condições para que o país atravessasse a crise externa de 2008 com muito menor fragilida-de que em outros episódios de crise cambial do passado. Conforme es-tudo do IPEA (2010, op. cit.), embora setores agrícolas e agroindustriais de exportação tendam mais a de-sempregar que empregar trabalha-dores, é possível que a força de tra-balho remanescente esteja ficando empregada com carteira. Por outro lado, segundo o referido estudo, o crescimento das exportações tam-bém atingiu parte dos segmentos industrial e comercial, fazendo com que ocorressem rebatimentos posi-tivos no emprego formal.

E, finalmente, mas não menos im-portante, é preciso lembrar que o nível de emprego formal subiu consideravel-mente nos últimos oito anos, sem que nada mudasse nas regras de tributação sobre a folha de salários. Em função do bom dinamismo da economia bra-sileira, foi crescente a arrecadação das contribuições sobre a folha salarial de empregados e empregadores, o que sus-tentou um patamar também crescente de gastos com a seguridade social. É um circuito virtuoso que se retroalimenta.

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Os sindicatos e as centrais têm que ficar atentos para essa equação econômica que lhes favorece.

Entre 2004 e 2010, o dinamismo da economia brasileira desafiou as con-vicções dos economistas ortodoxos. O crescimento não foi acompanhado de pressão inflacionária. Os salários reais subiram, mas o nível de emprego tam-bém cresceu. A conquista de milhares de postos formais de trabalho ocorreu sem medidas de flexibilização no mer-cado de trabalho. O aumento no valor e no número de benefícios sociais (de pre-vidência e assistência social) coincidiu com fortes melhorias nos índices de po-breza e de desigualdade social. O gasto público e privado com o crescimento do salário mínimo, mantida a mesma es-trutura do sistema tributário atual, se converteu em maior crescimento eco-nômico e em elevação da arrecadação de impostos e contribuições sociais e não em desestímulo ao investimento privado como é suposto pelos manuais ortodoxos. Houve recordes de arreca-dação a cada ano e a situação fiscal do Brasil é uma das melhores do mundo. O superávit da Seguridade Social de 2010 está entre os maiores da história, à reve-lia das previsões de explosão do déficit da Previdência. Esta foi a lição deixada pelos anos de política macroeconômica dos anos 2000 e precisamos absorvê-la, abandonando definitivamente os equí-vocos do raciocínio liberal.

Com todos esses resultados fa-voráveis, sobram motivos para encarar com ceticismo e desconfiança os resul-tados de uma política de desoneração da folha de pagamentos. É necessário lembrar que a tributação do emprega-dor sobre a folha dirige-se, hoje, para gastos com a previdência social, pois é uma receita vinculada, que atende às necessidades dos trabalhadores. Se essa receita for reduzida e parcialmen-te substituída por outra fonte não vin-culada à seguridade social (e essa é a proposta de reforma), o destino desse recurso pode não ser os gastos em fa-vor dos assalariados, por mais bem in-tencionados que sejam os propositores – uma flexibilidade geradora de impre-visibilidade e insegurança, portanto.

É maior a probabilidade de a Pre-

vidência perder arrecadação própria de imediato e não ser compensada pro-porcionalmente, no futuro, com mais empregos e outras fontes de receita. Os trabalhadores terão muito a perder. Melhor seria que apostassem na defesa ferrenha de um arranjo de política ma-croeconômica que eleve as chances de crescimento do PIB e de intensificação do movimento de formalização do mer-cado de trabalho.

Na proposta de reforma tributária em tramitação na Câmara está prevista a criação do IVA - Imposto sobre Valor Adicionado - e consequentes mudanças no critério de financiamento da seguri-dade social. Resumidamente, pode-se dizer que seriam extintas a COFINS e o PIS, e a CSLL seria incorporada ao Im-posto de Renda das Pessoas Jurídicas. O salário educação também seria extinto e incorporado ao IVA. A proposta preten-de, portanto, acabar com a pluralidade das fontes de financiamento do orça-mento da Seguridade Social atribuídas pela Constituição Federal de 1988, per-maneceria apenas a contribuição sobre a folha de salários.

A tentativa é de substituir a tri-butação indireta por outras inciden-tes sobre a renda (IR) e sobre o valor adicionado (IPI e IVA-Federal). Haverá também, conforme mencionado ante-riormente, a desoneração progressiva da contribuição dos empregadores so-bre a folha, não foi considerada a repo-sição da perda de receita com a CPMF, extinta em dezembro de 2007. Com transformações de tal magnitude, pode

ser que, finalmente, os conservadores tornem viável um déficit nas contas da Seguridade Social por insuficiência de receitas. Finalmente, “o monstro” – o déficit – que sempre enxergaram para dar credibilidade a reformas privatizantes na previdência pública, estaria nascendo.

O Orçamento da Seguridade So-cial foi pensado em 1988 como um or-çamento isolado do resto dos recursos públicos pertencentes ao orçamento fiscal, exatamente para ser “intocável” – isto é, protegido da disputa política e das manipulações e arbitrariedades do jogo de poder sobre os recursos do orçamento público. As verbas desti-nadas à proteção social assegurariam condições mínimas de sobrevivência a uma vasta parcela da população. São recursos que amparariam os mais ne-cessitados, que têm menor poder de pressão sobre os aparelhos do Estado. Era necessário criar uma zona de pro-teção dentro do orçamento público. A realidade tem confirmado o sucesso desse arranjo. A PEC da reforma tribu-tária propõe flexibilizar essa proteção jurídica e institucional, lançando os di-reitos sociais no campo da disputa dos recursos do orçamento fiscal, onde a apropriação do excedente é feita pelos grupos com maior capacidade econô-mica e política de fazer prevalecer suas demandas e seus privilégios.

O Brasil passou, nos últimos anos, por um regime de crescimento com distribuição de renda e criação de um mercado de consumo de massas sem precedentes na história do país. A melhora na distribuição da renda foi, em grande medida, proporcionada por políticas fiscais de aumento do salário mínimo e das transferências sociais. Todas essas conquistas consolidaram o sucesso de determinadas opções de políticas econômicas que se tornaram consensuais e de vasta legitimidade so-cial. Melhor seria que continuássemos a explorar o potencial de crescimento do arranjo fiscal atual, procurando aper-feiçoá-lo, ao invés de colocá-lo em risco por uma opção de reforma que, nem de longe, está se propondo a fazer as ne-cessárias transformações estruturais no sistema tributário atual.

O Orçamento da Seguridade Social deve ser protegido da

disputa política

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Mercado de trabalho

Trabalhadores domésticos: avanços na Convenção da OIT 1

1 Artigo elaborado pela equipe técnica do Boletim “Tributação e Cidadania” baseado na Ata da 100ª Convenção da OIT: Conferencia Internacional del Trabajo (OIT). Actas Provisionales. 100ª reuni-ón, Ginebra, junio de 2011. Disponível em: <http://www.oit.org.br/topic/housework/doc/convencao_td_220.pdf> e em: <http://www.oit.org.br/topic/housework/doc/recomendacao_td_220.pdf>

Foi realizada no dia 16 de junho na cidade de Genebra a 100ª Conferência da Organização Interna-cional do Trabalho (OIT). O evento contou com a presença de represen-tantes de governos, empregadores e trabalhadores com o propósito de estabelecer normas internacionais destinadas a melhorar as condições de trabalho de dezenas de milhões de trabalhadoras e trabalhadores do-mésticos em todo o mundo.

Para que os termos da Con-venção (ver resumo) sejam imple-mentados é necessário que pelo menos dois países membros da OIT sigam as recomendações, ficando em experimento durante um ano. Passa-do esse tempo, com resultados sa-tisfatórios, em tese, todos os países membros deverão adotá-la.

Caso seja aprovada e o Bra-sil um dos países signatários, a me-dida somente entrará em vigor com mudanças na legislação. Em primei-ro lugar, será necessário alterar a Constituição Federal, via Projeto de Lei, com aprovação da Câmara, Se-nado e Presidência, concomitante a legislação trabalhista e previdenciá-ria específica.

A OIT não estipulou um prazo para que os países adotem a medida. Ela apenas determina que, os que as-sinarem o acordo deverão tomar as medidas necessárias para a aplicação da nova convenção.

De acordo com estimativas recentes da OIT com base em estudos ou pesquisas nacionais de 117 países, o número de trabalhadores domésti-cos no mundo é de pelo menos 53 mi-lhões de pessoas. Mas, especialistas acreditam que, como esse trabalho é feito de forma oculta e sem registros, o total pode chegar a 100 milhões de pessoas. Nos países em desenvolvi-mento, representam percentual entre 4% e 12% do trabalho assalariado.

As novas normas da OIT

preveem que os trabalhadores do-mésticos que cuidam das famílias e dos domicílios devam ter os mesmos direitos básicos alcançados por ou-tras categorias. No caso brasileiro, isso inclui a jornada de trabalho de 44 h/semana (ou 8h/dia) com direi-to a hora extra e adicional noturno, adicional por insalubridade, salário--família, afastamento por aciden-te de trabalho, seguro-desemprego obrigatório, descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas, informações claras sobre os termos e condições de emprego, bem como o respeito pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de associação, sindicali-zação e negociação coletiva.

A obrigatoriedade do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – também é um avanço. Comprovadamente, o pagamento do FGTS opcional para esse contingen-te, prática realizada no Brasil, resul-tou em um número insignificante de procedimentos, muito em virtude da burocracia que praticamente “obri-ga” o empregador a contratar um despachante.

Outro avanço para este seg-mento se deu em 2006, através da MP 284, com o objetivo de estimular o empregador doméstico, que não re-gistrava seu empregado em carteira, a recolher o INSS deste trabalhador, mediante um incentivo fiscal, dado pela dedução do valor recolhido do imposto de renda - a pagar no ano seguinte. Esse incentivo, contudo, só está previsto para o caso do empre-gador que declara rendimentos no formulário completo, o que reduz muito o seu alcance. É necessário fa-zer um estudo mais detalhado sobre essa MP, bem como sua renovação e seu aprimoramento.

A adesão do Brasil a Con-venção da OIT deve ser comemo-rada, principalmente devido a

precária situação do empregado doméstico no Brasil. No entanto, muitas ressalvas devem ser feitas e uma série de problemas equacio-nados para que haja uma perfeita harmonia entre teoria e prática.

Problemas à vista• Uma das maiores dificuldades na

implantação das normas da con-venção será a fiscalização. Atu-almente o número de AFT - Au-ditores-Fiscais do Trabalho - não chega a três mil, quando o reco-mendado pela OIT, para o Brasil, é no mínimo cinco mil AFTs. Exis-tem muitos candidatos aprovados em concurso público para o cargo de AFT que não foram nomeados devido à decisão do governo de paralisar as contratações de ser-vidores públicos em 2011. Esse é um problema que precisa ser resolvido rapidamente, principal-mente diante da iminente apo-sentadoria de um grande número de fiscais.

• Outra consideração importante é que em muitos países desenvolvi-dos, esse tipo de mão de obra é cara, pois é especializada. Se no Brasil ainda é barata, há de se in-vestir em qualificação e organiza-ção da categoria, pois o quantita-tivo de não registros em carteira ainda é assustador. Temos cerca de oito milhões de trabalhadores domésticos e, destes, 75% traba-lham sem carteira assinada.

• Tem que haver um amplo pro-cesso de desburocratização da contratação e do pagamento de tributos, de forma a incentivar definitivamente o registro e o vín-culo empregatício. Tais procedi-mentos serão fundamentais para redução da informalidade. Uma ação conjunta entre RFB e Minis-térios da Previdência e Trabalho e

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empregadores, houve um equilíbrio entre os votos favoráveis à adoção e as absten-ções; entre os governos, a grande maioria votou pela adoção dos instrumentos.

De acordo com os procedimentos da OIT, a nova Convenção estará em vigor após rati-

Convenção

Artigos Conteúdo

1 e 2 Definições e cobertura: Trabalho doméstico: aquele realizado em ou para domicílio (s); trabalhador: (sexo feminino ou masculino) quem realiza o trabalho doméstico no âmbito de uma relação de trabalho, estando excluídos aqueles/as que o fazem de maneira ocasional e sem que seja um meio de subsistência. A convenção se aplica a todos/as trabalhadores/as domésticos/as. Há possibilidade de exclusão de cate-gorias, desde que justificadas (outra proteção equivalente ou questões substantivas).

3 e 4 Direitos humanos e direitos fundamentais do trabalho: Implementação de medidas efetivas para garantir estes direitos. Trabalho Infantil Doméstico: Estabelecimento de idade mínima, em consonância com convenções associadas ao tema (nº 138 e 182), e adoção de medidas com relação a trabalhadores/as com menos de 18 anos.

5 Proteção contra abusos, assédio e violência: adoção de medidas nestes temas.

6 Condições de emprego equitativas e trabalho decente: adoção de me-didas efetivas nestes temas.

7 Informação sobre termos e condições, quando possível em contratos de trabalho.

8 Proteção às/aos trabalhadoras/es domésticas/os migrantes: oferta de emprego por escrito/contrato de trabalho com condições estabelecidas no artigo 7, ainda no país de origem.

9 Liberdade para decidir moradia, se acompanha ou não membros do do-micílio em suas férias e quanto a manter em posse seus documentos.

10 Jornada de trabalho: medidas para assegurar jornada, compensação de horas extras e períodos de descanso diários, semanais (24 horas con-secutivas) e férias. Tempo em que trabalhadores/as estão à disposição conta como horas de trabalho.

Resumo da Convenção (nº 189) e da Recomendação (nº 201) sobre as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, 2011

ficação por dois países. Muitos Membros, presentes à Conferência, já manifestaram comprometimento pela ratificação em seus países. A ratificação é um ato sobera-no dos países e deverá respeitar os proce-dimentos definidos em nível nacional.

Emprego poderá simplificar nor-mas e procedimento para o em-pregador, criando um cadastro nacional de empregados domés-ticos, com incentivos a qualifica-ção profissional, um sistema de referências pessoais, bem como uma campanha permanente junto a mídia sobre as vantagens e as obrigações legais de empregado-

res e empregados.• Além disso, no Brasil, existe uma

lei que diz que o domicílio é invio-lável. Só que, no caso da catego-ria das trabalhadoras domésticas, o domicílio é o local de trabalho. É preciso haver uma forma de fiscalizar as residências. No Uru-guai, por exemplo, o Ministério do Trabalho faz a fiscalização ave-

riguando os documentos e con-versando com o trabalhador e o empregador. No Chile, quando um empregador contrata um traba-lhador doméstico é obrigado a fa-zer um registro de contratação de empregado doméstico pela inter-net. Com essa medida o governo tem como saber quais casas em-pregam esse tipo de trabalhador.

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11 Estabelecimento de remuneração mínima.

12 Remunerações e proteção social: pagamentos em dinheiro, em inter-valos regulares e pelo menos uma vez ao mês. Possibilidade de paga-mento in natura, desde que estabelecidas condições para que não seja desfavorável.

13 e 14 Medidas de saúde e segurança no trabalho; proteção social e proteção à maternidade.

15 Agências de emprego privadas: condições de funcionamento; proteção contra abusos de agências de emprego mediante obrigações jurídicas.

16 Acesso a instâncias de resolução de conflitos.

17 Inspeção do Trabalho: adoção de medidas e possibilidade de acesso ao domicílio, com respeito à privacidade.

18 As disposições da Convenção deverão ser colocadas em prática por meio da legislação nacional, de acordos coletivos e de outras medidas adicionais com relação aos/às trabalhadores/as domésticos/as.

19 a 27 Procedimentos para adoção, ratificação e implementação da conven-ção.

Recomendação

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2 Liberdade de associação e direito à negociação coletiva: revisão da legislação nacional no sentido de tornar efetivos estes direitos. Direito dos/as trabalhadores/as domésticos/as e dos empregadores/as terem suas próprias organizações.

3 Exames médicos: princípio da confidencialidade; impedimento de exa-mes de HIV e gravidez e não-discriminação em função de exames.

4 Medidas com relação aos exames médicos: informação sobre saúde pública.

5 Identificação e proibição de trabalho doméstico insalubre para crian-ças, proteção para trabalhadores/as domésticos/as jovens: para estes últimos, limitação da jornada; proibição de trabalho noturno; restrição quanto a tarefas penosas e vigilância das condições de trabalho.

6 Informações sobre termos e condições de emprego; estabelecimento de informações em contratos.

7 Proteção contra abuso, assédio e violência: estabelecimento de meca-nismos de queixa; programas de reinserção e readaptação de trabalha-dores/as vítimas.

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8-13 Jornada de trabalho: registro exato das horas trabalhadas, das horas extras e dos períodos de disponibilidade imediata para o trabalho de fácil acesso para os/das trabalhadores/as; regulamentação do tempo em que o trabalhador/a está disponível para o trabalho; estabelecimen-to de medidas específicas para trabalho noturno; estabelecimento de pausas durante jornada diária; estabelecimento de descanso semanal de 24 horas, em comum acordo; compensação por trabalho em dia de descanso; acompanhamento dos membros do domicílio nos períodos de férias não deve ser considerado como férias do/a trabalhador/a.

14-15 Proteção quanto à remunerações e pagamento in natura: limitação de pagamento in natura; critérios objetivos para cálculo do valor; conside-rar somente questão de alimentação e alojamento; proibição de incluir artigos relacionados ao desempenho do trabalho; informações precisas quanto aos valores do pagamento.

17 Condições adequadas de acomodação e alimentação.

18 Prazo para busca de outro emprego e tempo livre durante o trabalho em casos de término do emprego por iniciativa do empregador/a para trabalhadores/as que moram nas residências.

19 Saúde e segurança: Medidas e dados sobre saúde e segurança no tra-balho; estabelecimento de sistema de inspeção.

20 Adoção de medidas para contribuição à previdência social.

21 e 22 Trabalhadores/as migrantes: sistema de visitas; rede de alojamento de urgência; linha telefônica de assistência; informações quanto às obriga-ções dos empregadores, legislação e direitos no caso dos trabalhado-res/as nos países de origem e destino; repatriação.

23 Agências de emprego privadas: promoção de boas práticas das agên-cias privadas de emprego com relação ao trabalho doméstico.

24 Inspeção do trabalho: estabelecimento de condições para a inspeção do trabalho.

25 Políticas e programas: para o desenvolvimento continuado de compe-tências e qualificação, incluindo alfabetização; para favorecer o equi-líbrio entre trabalho e família; formulação de dados estatísticos sobre trabalhadores/as domésticos/as.

26 Cooperação internacional para proteção dos trabalhdores/as domésti-cos/as.

Fonte: OIT

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reflexão

A MP 540 e a previdência

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Vilson Antonio Romero 1

O governo editou, em 2 de agosto (DOU de 3 de agosto) a Medida Provisória nº. 540 na qual, entre outras medidas, materializa uma das históri-cas cobranças do empresariado – a redução, mes-mo que temporariamente – até dezembro de 2012 -, de parte dos encargos previdenciários incidentes sobre a massa salarial decorrente do vinculo em-pregatício formalizado.

Ao desonerar a folha de pagamento das em-presas que prestam serviços de tecnologia da in-formação e comunicação (software), bem como das indústrias moveleiras, de confecções (têxteis) e de artefatos de couro (calçadista), o Planalto visa “in-crementar o registro dos empregos e fomentar as ati-vidades destes setores”.

A recuperação da competitividade nos merca-dos interno e internacional e a tentativa de coibir a burla à relação formal de trabalho, com a pseudo--terceirização, são elementos propulsores destas medidas integrantes do anunciado pomposamente Plano Brasil Maior.

Já há estimativas de que a substituição da con-tribuição previdenciária patronal (20%) sobre a folha de salários, bem como a incidente sobre a remunera-ção de contribuintes individuais (prestadores de ser-viço, diretores não-empregados, etc) por uma arreca-dação calculada sobre a receita bruta (2,5% para as empresas de software e 1,5% para as demais) gerará mais desequilíbrio no caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A diferença entre o que deve ser recolhido com a nova contribuição e a transformação em zero da atual alíquota previdenciária dos incisos I e III do artigo 22 da Lei no. 8.212, de 24 de julho de 1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social) chega a R$ 1,6 bilhão por ano.

Há previsão legal de reposição ao INSS pelo Tesouro Nacional, segundo anunciam as autoridades, até porque a contribuição previdenciária é a única que tem o gravame constitucional de ser destina-da exclusivamente para o pagamento de benefícios mantidos pelo Regime Geral de Previdência Social.

Mas o pior é o fato denunciado pelas centrais sindicais. Há este beneplácito, mas não é exigida ne-

1 - jornalista, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Rio-grandense de Imprensa, da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social e presidente do Sindifisco Nacional em Porto Alegre. [email protected]

nhuma contrapartida. O governo não cobrou manu-tenção ou aumento do número de emprego dos em-presários beneficiados.

Além disto, é inequívoco que os fatos gerado-res das contribuições tanto sobre a folha de paga-mentos quanto sobre a receita bruta têm, na maior parte das vezes, curvas de comportamento distintas. O exemplo mais flagrante é o ocorrido em plena crise de 2008/2009.

Enquanto a arrecadação das contribuições e demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil tiveram crescimento pífios ou reduções ex-pressivas no período, a contribuição previdenciária cresceu bem acima dos índices inflacionários.

Por mais que o governo reitere que vai monito-rar o que considerou como “projeto piloto” aplicado nesses quatro setores até o final de 2012, o resultado tende a comprimir os cofres previdenciários, agra-vando o seu já alardeado “rombo”.

Ao mesmo tempo, há também a possibilida-de de outros setores serem incluídos na medida até 2012. Comprometendo ainda mais as contas do se-guro social.

Apesar de setores beneficiados avaliarem como “um excelente começo” para melhorar a competitivi-dade nacional e combater a desindustrialização e a guerra fiscal, outros segmentos da sociedade, como as centrais sindicais, desautorizam referendar pura e simplesmente o Plano Brasil Maior.

Principalmente pelo fato de os trabalhadores, seus representados, principais afetados por eventuais insubsistências no sistema previdenciário, não terem sido ouvidos antes das propostas serem divulgadas.

Não obstante a constatação de um processo crescente de desindustrialização em determinados segmentos, o aumento da capacidade produtiva com redução dos ônus sobre a folha deve vir acompanha-do da restrição aos beneficiados de realizarem de-missões e, inequivocamente, sem que se transfiram para a população os eventuais ônus decorrentes das novas taxações instituídas.

O debate sobre o assunto deve ocorrer no Con-gresso, permitindo o detalhamento das projeções sobre perdas de arrecadação e aumento da forma-lização do emprego, de um lado, e, de outro, sobre os prejuízos para a previdência e, por conseguinte, sobressaltos para aposentados, pensionistas e, sem sombra de dúvidas, aos atuais trabalhadores da ini-ciativa privada.