assistencia a saude em londrina

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Trata-se de uma publicação do LEDI, volume 06 da coleção História na Comunidade.

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ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM LONDRINAprimeiros anos

Coleção História na Comunidadevolume 6

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ReitoraProfa. Dra. Berenice Quinzani Jordão

Vice-ReitorProf. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoProf. Dr. Amauri Alcindo Alfieri

Pró-Reitor de ExtensãoProf. Dr. Sergio de Mello Arruda

Pró-Reitora de GraduaçãoProfa. Dra. Angela Maria de Sousa Lima

Diretora do Centro de Letras e Ciências HumanasProfa. Dra. Mirian Donat

Chefe do Departamento de HistóriaProfa. Dra. Angelita Marques Visalli

Coordenador do LEDIOrganizador da Coleção História na ComunidadeProf. Dr. Alberto Gawryszewski

Agradecemos:

• Aos funcionários do Museu Histórico de Londrina e do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da UEL;• Aos funcionários do Museu Histórico de Cambé e a Secretaria de Cultura de Cambé;• Aos entrevistados pela disponibilidade e atenção: – Mario Canuto – Sebastião Carmagnari – Dr. João Henrique Steffen Junior – Padre Sassaki – Mãe Omim, terreiro O Ilê Axé Opô Omin

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Alberto Gawryszewski(Org.)

ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM LONDRINAprimeiros anos

Coleção História na Comunidadevolume 6

Universidade Estadual de Londrina

Londrina • 2014

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Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina

Copyright © dos autores

Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral

Imagem da capa: Londrina 1932. Fotografia de George Craig Smith. Acervo do Museu Histórico de Londrina.

Tiragem: 1000 exemplares

Distribuição gratuita. Venda proibida.

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Feito depósito legal na Biblioteca Nacional

A629 Assistência à saúde em Londrina : primeiros anos / Organizador: Alberto Gawryszewski. – Londrina : UEL, 2014.

90 p. : il. – (História na comunidade ; v. 6)

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-281-9

1. Saúde – Londrina (PR) – História. 2. Médicos – Londrina (PR) – História. 3. Benzedeiras – Londrina (PR) – História. I. Gawryszewski, Alberto. II. Série.

CDU 614.2(091)

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Apresentação6

9 Os Primórdios da Assistência à Saúde em LondrinaAlberto Gawryszewski

SUMÁRIO

74 Outras Formas de Lidar com Doenças: as práticas das benzedeiras em LondrinaGabriela Cristina Maceda Rubert

90 Referências Bibliográficas

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APRESENTAÇÃO

A publicação deste sexto livro, da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI). É possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade.

Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/extensão), o LEDI. Em sete anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes. Entre elas, podemos apontar: a realização do ENEIMAGEM (Encontro Nacional de Estudos da Imagem, 2007/9/11/13); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem; exposições e cursos de extensão.

Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008 – Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF), o que possibilitou o início da coleção História na Comunidade, a realização de exposições e produção de vídeos.

Em 2008 tivemos a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho Nacional Científico Nacional (CNPq) no edital Difusão científica. É com este que daremos a continuidade à coleção História na Comunidade, às exposições e à produção de vídeos. Para este projeto partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica, que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes

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Apresentação

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etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico.

Os documentos possibilitam a reflexão e a construção de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos a imagem como importante instrumento/documento para a formulação do conhecimento histórico. Na realidade, ela pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionar ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como meras ilustrações, mas ricas de conceitos e interpretações; segunda, ajudar o professor a trabalhar com a imagem como instrumento de ensino, como fruto de uma criação humana repleta de significados.

Este livro, diverso dos demais da presente coleção, está acompanhado de outro, cujo nome é o mesmo que acompanha a exposição. Esta, intitulada “Cuidar, curar e Lembrar – memória da saúde em Londrina”, foi pensada, confeccionada e realizada no e pelo Museu Histórico de Londrina e contou com a apoio o LEDI, via CNPq. Este foi concebido como mais um instrumento nas mãos dos professores na tarefa de dialogar com os alunos. Organizado por mim, conta com dois textos. O primeiro, de minha autoria, busca analisar a assistência à saúde em Londrina, da medicina legal à medicina alternativa na primeira década da cidade, passando pelo primeiro hospital, o hospital da Companhia de Terras do Norte do Paraná, pelos consultórios médicos, até chegar à atuação das parteiras. Por meio das memórias dos médicos de então e das notícias de jornais, procurou-se relacionar as condições de vida com as doenças (acidentes) às de assistência médica, bem como a luta por melhores condições de saúde por parte da população em busca de um hospital digno para as suas necessidades. O outro texto, de autoria de Gabriela Cristina Maceda Rubert intitulado, “Outras formas de lidar com doenças: As práticas das benzedeiras em Londrina”, discorre

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sobre a ação das chamadas “benzedeiras” em prol do bem-estar das consulentes, trabalhando os conceitos populares, a visão de fé e crença das benzedeiras, e não esquecendo seu possível enquadramento no Código Penal. Mesmo tendo no passado um papel importante na assistência à saúde da população Londrinense, as benzedeiras locais não mereceram dos guardiões da história um interesse, o que ocasionou a perde de grande perda dessa memória local. Para seu trabalho de pesquisa, Gabriela Rupert teve que contar com a história oral, entrevistando as benzedeiras remanescentes na cidade de Cambé.

Espero que este livro, da coleção História na Comunidade (composta por nove livros), contribua para o debate e o ensino de História, bem como, especialmente, possa ajudar no resgate de uma importante fonte de pesquisa: as fotografias familiares.

Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http://www.uel.br/cch/his/ledi/), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição. O livro do Museu Histórico de Londrina, acima referenciado, por ser consultado e copiado pelo site do mesmo (http://www.uel.br/portal/frm/frmOpcao.php?opcao=http://www.uel.br/museu).

Alberto GawryszewskiCoordenador do LEDI

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Os Primórdios da Assistência à Saúde em Londrina

Alberto Gawryszewski

O objetivo deste capítulo é mostrar uma visão do que foi a assistência à saúde em Londrina e região na primeira década de sua história. O que era a cidade de Londrina na década de 30 e 40 será tratado de duas maneiras: uma por meio da imprensa (jornal e propaganda da Companhia de Terras do Norte do Paraná), outra por meio da memória dos médicos que aqui chegaram nesse período.

Não se busca trazer nenhuma novidade ao que já foi escrito ou estudado na questão da saúde pública em Londrina e região, mas como a dimensão deste livro é mais ampla, pela sua tiragem, distribuição e alcance, em especial se se pensar na sua disponibilidade de acesso, consulta e reprodução via internet, este trabalho se torna ponto de referência na questão proposta.

Sua construção foi pensada de uma maneira diversa dos trabalhos realizados sobre esse tema de pesquisa. A narrativa passa pela memória e pelas reportagens e imagens (propagandas, fotografias da imprensa ou de família, etc.), no sentido de perceber as contradições, divergências e permanências de passado.

O texto foi dividido em quatro partes que se somam. A primeira trata da construção do discurso da cidade ilusão, dos diversos “títulos” recebidos pela cidade de Londrina e, por outro lado, das memórias narradas pelos médicos de outrora. A segunda se refere à existência de uma medicina oficial, ou seja, aquela exercida por médicos qualificados e credenciados para tal

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exercício. Narra as condições de trabalho, as dificuldades, a forte demanda popular por assistência médica e a luta da população por essa conquista, seja por meio de protesto, organização em prol de um hospital social, a importância da caridade e da doação. A terceira parte trata do papel das farmácias e dos farmacêuticos na assistência à saúde, seja fazendo atendimentos, seja produzindo e comercializando os médicos necessários aos doentes. Por fim, a última parte busca vislumbrar o papel realizado pelas parteiras em seu papel solidário em uma hora de risco à saúde tanto da parturiente como do nascituro.

Como foi escrito acima, muito há ainda para se pesquisar e escrever sobre a assistência médica em Londrina.

Londrina: A Cidade Ilusão Na edição do dia 15 de setembro de

1935, o jornal Paraná Norte comunicou a passagem pela cidade de Londrina de dois viajantes, que ele denominou como “andarilhos”, pois já teriam percorrido várias cidades brasileiras. Um deles, chamado Albino de Boni, deixou, em artigo publicado no mesmo, sua impressão da cidade. Seu texto se intitulava “A voz da floresta” e iniciava chamando a cidade de Londrina de “terra de flores e de frutos”. Paulatinamente, conforme as machadadas que iam recebendo dos pioneiros do progresso, as florestas caíam. O clima local era sublime e as colheitas seriam de ouro e prata, conforme refletiu Boni. Também afirmou: “Tenho em mim que, em poucos anos, Londrina será o coração das riquezas paranaenses” (“A voz da Floresta”, 15/09/1935. p.03).

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Nada mais animador e estimulante para aquele que buscava um lugar ao sol que as palavras de Boni. Londrina era um local promissor, de um futuro tranquilo, onde o progresso (palavra mágica!) ia se construindo a cada vitória (machadada) sobre a floresta de então.

Artigos descrevendo a beleza das verdejantes florestas, da esplêndida natureza, a fertilidade, a existência de imensos cafezais, milhares de algodoeiros, as plantações de trigo e outras espécies do rincão pátrio da região norte do Paraná foram inúmeros. A própria propaganda da Companhia de Terras dava destaque, como se verá adiante.

Mas não apenas a natureza era motivo de engrandecimento: seu povo, trabalhador, construtor do progresso era a chave do sucesso e do porvir glorioso da cidade, conforme as palavras de AMG em seu artigo:

Aqui tudo é labor. A população só cuida do trabalho, do progresso local e, assim, beneficiando-se cada um de per si, beneficia a coletividade em geral. Londrina, a pérola do norte do Paraná, engasgada no seio de esmeraldina mata virgem, tem um porvir invejável, tem um fado promissor, tem um destino grandioso! Salve Londrina! (“Do sul de Mato Grosso ao norte do Paraná”, 22/09/1935, p. 01).

Em outro artigo, de autoria de H. Puiggari, mais uma vez o povo trabalhador de Londrina era lembrado:

“O Estado do Paraná tem, na parte norte, um povo obreiro de seu progresso, construtor e crente, que se ergue como um gigante, carregando nos braços possantes a glória de haver desvendado um sertão bruto, transformando-o num renque de cidades e de fartas searas, onde se atesta a independência econômica do trabalhador agrícola, pela enorme alegria reinante no meio ambiente.” (“Trabalhando por Paraná”, 29/09/1935, p. 01).

Em Londrina e região as mudanças eram visíveis,

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transformando mata nativa em terras produtivas, possibilitando ao trabalhador agrícola a riqueza financeira. Mas, o diferencial deste artigo é a inclusão da ferrovia como fator de progresso e integração desta parte de terra ao resto do país. O autor destacou que a estrada de ferro São Paulo-Paraná ia levando seus trilhos sertão adentro, oferecendo condução fácil e barata aos produtos da lavoura, ou seja, mais que um meio de transporte para a vinda dos trabalhadores, a estrada de ferro era a saída garantida da mercadoria para os mercados consumidores. Mas também era fator de valorização das terras e de sua ocupação (e derrubada das matas). Entretanto, o principal era levar a civilização aonde até então existiam os índios. Estes, símbolos do atraso, prejudicavam o progresso, portanto, a necessidade de serem expulsos para áreas mais longínquas, áreas ainda fora do interesse do “progresso”. Assim, a região de Londrina possuía todas as condições de proporcionar uma vida tranquila. Concluiu o articulista:

“Quem trabalha no norte paranaense adquire a certeza de um futuro compensador, porque tem a seu favor a vantagem das ótimas terras, aliadas das certezas de estradas perfeitas, condução ferroviária, agua esplêndida e clima salubérrimo. Tudo isso encerro o segredo do progresso que é a admiração de todos que visitam qualquer recanto desta terra incomparável.” (“Trabalhando por Paraná”, 29/09/1935, p. 01).

Ora, não muito diferente era a propaganda oficial da Companhia de Terras do Norte do Paraná, a loteadora e proprietária destas terras, publicada em página inteira do mesmo jornal dos articulistas acima citados, conforme se pode constatar:

“[...] o trecho Jatahy-Londrina facilitou o transporte dos produtos agrícolas para os centros consumidores e valorizou grandemente os lotes já vendidos, dando lucros imediatos aos seus adquirentes.” (Paraná Norte, 22/09/1935, p. 01).

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Destacava a propaganda que na região não havia saúvas, que os lotes eram proporcionais às posses do comprador e que havia facilidade no pagamento. Mas outro aspecto ressaltado era a existência de estradas de rodagem e o preço do algodão, que, em alta, junto com outros cereais, garantiria o pagamento da compra do imóvel em sua primeira colheita, ou seja, “é adquiri-lo de graça ”.

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Por fim, advertiu: “Só não colhe com abundância quem não planta. ” Qualquer semelhança com a carta de Caminha (1500) não é mera coincidência.

Quatro anos depois, o mesmo jornal publicava outro artigo, agora de autoria de Manoel Pedro de Macedo. Fazendo uma comparação com a cidade do Rio de Janeiro, a “cidade maravilhosa”, o autor do artigo afirmou que em Londrina não havia os arranha-céus, os dotes naturais, o progresso febril dos mais variados setores econômicos. Mas, lembrava que Londrina tinha o epíteto de “cidade menina” pela rapidez com que nasceu e cresceu. Descreveu a beleza das matas e florestas da região e a atração que exercia sobre as pessoas, trazendo-as de várias regiões do país. Por fim, concluiu com uma nova denominação para Londrina: “cidade prodígio”. Leiamos: “Podemos, por isso, ante um surto econômico tão vertiginoso, como este que nossas gerações atuais estão contemplando, qualificar Londrina de cidade prodígio...E quem não acreditar que venha ver...” (“Londrina, a cidade prodígio...”, 22/10/1939, s/p).

As propagandas da CTNP não poderiam deixar de trazer mensagens alvissareiras, com expressões e adjetivos que atingiam os anseios de vários grupos, desde pequenos agricultores, investidores, desempregados e até grandes latifundiários em

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busca de sua expansão territorial. As palavras mágicas sempre estavam presentes: “progresso”, “futuro”, “rumo”, avançar”, “progressista”, segurança”, “vida melhor”, “propriedade” entre outras.

Sem dúvida, a propaganda abaixo sintetiza as vantagens de se adquirir um lote de terras no norte do Paraná oferecido pela CTNP: terras férteis, clima saudável, água de qualidade e abundante, títulos de propriedade garantidos pelo governo, estradas de rodagem e de ferro, facilidade de pagamento, entre outras. Todas essas vantagens proporcionavam a garantia de produtividade sem grandes gastos, madeiras diversas para o uso em construção, combustível etc., ausência de doenças, facilidade de escoamento da produção e recebimento de material de consumo, bem como para o deslocamento de pessoal, entre outras vantagens. Lembrando que as propagandas davam destaque de que não havia na região uma praga nacional, ou seja, a saúva. Enfim, um conjunto de propagandas que ajudavam a construir uma imagem promissora para o norte do Paraná.

Quando da comemoração do quarto ano do jornal Paraná Norte, a edição de novembro de 1938 relembrava que no ano de 1934 Londrina não possuía estradas de ferro, coletoria federal, estadual, prefeitura, delegado de polícia, juiz de paz, juiz de

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direito, escrivães, agência dos correios, campo de aviação, estação rodoviária etc. De uma cidade com apenas 554 casas, Londrina passou a contar com 1600 casas, ou seja, um acréscimo de 1046 (“1934-1938”, 09/10/1938, p.01). Portanto, o artigo buscava, mais uma vez, mostrar o crescimento e o potencial de Londrina. Se passarmos para um cálculo básico de cinco pessoas por casa, percebe-se um aumento de 2.770 para 8.000 pessoas. Os dados oficiais do IBGE apontam para a confirmação destes números, pois indica a existência de 600 edifícios na área urbana em 1934, com 3.000 moradores, e de 1.623 edifícios com 8.640 moradores em 1938 (TOMAZI, 1985, p.37). Visualiza-se, portanto, uma maior densidade de moradores por edifício no início da colonização em 1934. Destaca-se que esses dados se referem aos moradores urbanos, que representavam cerca de 1/6 da população total.

Destaca-se, de passagem, que o problema de moradia foi uma constante na vida do morador na Londrina de então. Em novembro de 1938, por exemplo, o jornal Paraná Norte publicava pequena nota intitulada “Falta de casas”, de onde se pode ler: “Londrina luta contra a falta de casas de aluguel. Diariamente chegam à cidade de mudança de outros estados uma ou duas famílias cujos chefes desejam empregar aqui as suas atividades, e ficam dias e dias nos hotéis e pensões por que não há casa vazia” (27/11/1938, p.01). Paralela, entretanto, ao problema da falta de casas para aluguel, a especulação tomava lugar no espaço urbano, onde se podiam encontrar diversos terrenos vazios, sem construção. Isso não passou despercebido pela imprensa local:

“Já estamos no momento de se tomar uma providência enérgica contra os terrenos que enfeiam horrivelmente a cidade, apresentando soluções de continuidade nas fileiras das construções urbanas. Gente há, e gente de dinheiro, que não quer construir e guardam avaramente os terrenos; uns por luxo e outros por especulação, aguardando preços astronômicos numa

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usura de causar lástima para eles e prejuízos para a coletividade, atrasando lamentavelmente o progresso, a estética da cidade. [...] É preciso terminar com essa modalidade de usura.” (“Terrenos Baldios”, 25/02/1939, p.2).

Essa reportagem citou o caso da rua Sergipe, onde havia vários terrenos sem construção, de propriedade de bancos e outros “endinheirados” que não vendiam seus lotes nem construíam. Sugeriu, como solução para essa situação, a criação de pesados impostos da prefeitura para imóveis no centro urbano não edificados.

Mas, o novo ordenamento urbano também estava a sugerir mudanças em atividades poucos familiares. Em setembro de 1939 o jornal Paraná Norte relacionava o progresso da cidade com a inconveniência da localização do meretrício (denominado como “pensões alegres” e “casas de tolerância”), situado na rua Rio Grande do Norte. Indicava o jornal a necessidade de sua transferência para região mais afastada das casas de família, dando um prazo para essa mudança. A sugestão de transferência dessa atividade para outra região da cidade estava relacionada às reclamações de moradores vizinhos à região (“Localização do meretrício”, 07/09/1939, p.01).

Passada quase uma década, em 1947 e em 1949 o mesmo jornal noticiava o problema da moradia em Londrina. Na primeira reportagem lemos: “É generalizado o mal-estar dos londrinenses em face da crise de habitação, em que seus moradores, há longos anos, se debatem” (“O problema da habitação”, 20/03/1947, p. 01). Já na reportagem de 1949 lemos: “O eterno problema da falta de habitação domiciliar continua e insolúvel através dos tempos” (“A falta de Habitação”, por C. CAMPOS, 30/06/1949, p. 01). Vê-se, portanto, que as administrações municipais não se preparavam para as mudanças que advinham das levas de pessoas que chegavam em busca de soluções para seus problemas e/ou realizações de sonhos, isso somado com o problema da

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especulação imobiliária. Esta nunca atacada de frente pelos poderes públicos constituídos.

Mas apesar desses e outros problemas presentes na imprensa local, os epítetos para a cidade de Londrina, tais como “cidade menina”, “cidade prodígio”, “Eldorado”, “Canãa”, foram uma constante na construção do discurso e da imagem de Londrina e região.

Quando o médico Adolfo Barbosa Góis chegou em 1936 a Londrina, que havia conhecido pelos panfletos da CTNP como a nova Canaã, ficou surpreso, pois encontrou um aglomerado de casas de madeira modestas e algumas poucas de alvenaria. Seu entusiasmo tomou um banho de água fria. Mas o pior ainda estava por vir, já que não conseguia casa para alugar, o que, como foi apresentado, não era fácil. Após três semanas, conseguiu alugar uma “modesta” sala para montar seu

consultório (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.17). Pela propaganda ao lado, vê-se que logo ao chegar à cidade o médico se preocupou em se fazer conhecido por meio da imprensa, informando que fazia

partos, tratava de problemas nas vias urinárias e também atendia doentes variados. Apresentava-se como médico diplomado pela Faculdade de Medicina de Bahia. Como na região havia um bom número de alemães, preocupou-se em alertar que falava alemão. Ainda morando no hotel, os clientes deveriam procurá-lo lá, onde estava à disposição 24 horas por dia.

Caso semelhante ocorreu com o médico pediatra Afonso Nacle Haikal, que recebeu a indicação para ir para uma cidade “progressista”, que, com certeza, não se arrependeria de morar em Londrina. Chegando em 1940, pensava em encontrar uma cidade colossal, mas, à medida que o trem ia se aproximando, a surpresa ia aumentando e, quando chegou: “confesso, ela também não era lá essas coisas” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.28).

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Chegando à Londrina, no ano de 1938, o médico Caio de Moura Rangel, que ouvia comentários positivos sobre a cidade, descreveu-a, após conhece-la pessoalmente: “pior do que esperávamos”. As ruas eram de terra, sem calçadas, a lama se alternava com a poeira, e só uma pequena parte tinha luz elétrica (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.61). A fotografia ao lado, de autoria de C. Stenders, do ano de 1938, confirma as palavras do referido médico.

Já o médico Eulalino Ignácio de Andrade, que chegou a Londrina em 1940, ouviu falar de Londrina e região quando estava sentado em banco de praça de sua cidade, Franca, norte de São Paulo. Só ouviu maravilhas: produção abundante de feijão, milho e café, uma cidade fantástica! (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p. 22). A propaganda impressa da Companhia de Terras Norte do Paraná sinalizava da mesma maneira, como se pode constatar abaixo (Paraná Norte, 15/12/1935, p.01). Entretanto, as lembranças desses tempos do referido médico é de uma Londrina das galochas grudadas no barro, ou seja, muito semelhantes às de seu colega médico Caio Rangel.

Mas, passados tantos anos, a propaganda de uma Londrina progressista ainda perdura.

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Medicina Oficial, uma versão histórica

Segundo o pesquisador Oberdiek, visando possibilitar a sobrevivência da população que se dirigia à região, a companhia loteadora Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) foi obrigada a criar um serviço médico, no caso um hospital (OBERDIEK, 2001, p.89). Constando de obrigação contratual junto ao governo do estado do Paraná, a CTNP teria de dispor de assistência médica aos funcionários e população (TOMAZI, 1985, p. 34). O autor acima qualificou de “modesto” esse hospital, pois também modesta era a cidade. Para os dados populacionais de 1935, a população total de Londrina chegava a 15 mil moradores, três anos depois a 25 mil, aumentando sempre de maneira vigorosa.

O hospital da CTNP foi criado em 1932 (fotografia de George Craig Smith, MHL), e dispunha de dois médicos, Kurt Müller e Ramada, com 12 leitos. Era de uso exclusivo aos médicos da empresa, ou seja, outros não podiam utilizar suas instalações, o que limitava o atendimento de saúde de qualidade. Segundo depoimento do médico Adolfo Barbosa Góes o hospital era uma casa com três quartos e duas camas cada (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 11). Entretanto, na mesma publicação do referido depoimento, o dr. João Figueiredo, seu diretor no início dos anos 30, afirmou que o “prédio era rústico,

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de madeira, com capacidade para 14 leitos” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 09). Independentemente das diferenças apontadas, sua dimensão era reduzida para as demandas da cidade e, creio, para a própria companhia.

Relatório da diretoria da CTNP referente ao ano de 1937 informou que: “O hospital que a Companhia mantém em Londrina permaneceu sob a proveta direção do Dr. Anísio Figueiredo, continuando a atender a grande número de pessoas, não só dessa cidade como das localidades vizinhas e de toda a nossa zona de colonização” (Paraná Norte, “Relatório da Diretoria”, 05/07/1938, Suplemento). Ora, essa informação aponta para um atendimento superior aos 29 mil moradores do município de Londrina para o ano de 1937 (incluindo área rural).

Segundo publicação da Associação Médica de Londrina de 1991, era o diretor da CTNP, o senhor Arthur Thomas, que cuidava diretamente da contratação dos médicos para o hospital. Vários médicos teriam passado pela cidade nos seus primeiros cinco anos, mas poucos ficaram: “era preciso ser artista para ser médico num lugar assim: o hospital mal tinha instrumentos, com uma pobre farmácia, e laboratórios não havia: o que havia era bastante tifo e malária” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 08).

Pode-se aferir que o hospital da CTNP não era “modesto”, mas insuficiente, precário, desse o início da colonização, apenas piorando com o decorrer do tempo. O médico Kurt Müller foi substituído pelo dr. Ramada, e este por dr. Anísio Figueiredo, em 1936 (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 09). O irmão deste, João Figueiredo, foi diretor do hospital da CTNP, chegando a Londrina em 1934. Como a grande maioria das pessoas, tinha ouvido falar das possibilidades de enriquecimento em Londrina. Teria encontrado com ex-colega de pensão e curso, dr. Vilela, que juntamente com o outro colega, dr. Gerson, havia se retirado de Londrina, onde clinicavam, para buscar melhores

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oportunidades na cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo. Antes deles, havia estado em Londrina o dr. Lauro Pessoa. Estes últimos se tornaram “médicos ciganos”, como eram conhecidos os médicos que chegavam, abriam consultório e, depois, iam embora de Londrina.

Sobre esse ponto é curiosa a descrição da chegada do médico Orlando Vicentini em Londrina, no início dos anos 40: “Ele já sabia que teria de passar em frente ao Bar Líder, ponto de encontro dos homens da cidade, um grande salão de várias portas onde sempre havia uma plateia aguardando os tombos e escorregões dos forasteiros.” O casal Vicentini, carregando suas malas, em pleno atoleiro, teriam ouvido o povo exclamar: “mais um que volta logo, aqui só fica médico solteiro. ” Conforme seu depoimento, o desconforto era tanto que novos médicos chegavam e partiam em poucos dias (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 24).

Uma das características da assistência médica em Londrina foi o atendimento domiciliar, e um dos fatores foi a própria precariedade ou, praticamente, a inexistência de leitos hospitalares na cidade. Os médicos se deslocavam para os sítios e fazendas da região para atender aos chamados urgentes. Muitos doentes, por ausência de leitos, hospedavam-se e eram atendidos nas pensões e hotéis da cidade (fotografia de Matsuda, Álbum de Londrina, 1941). Os que moravam ou tinham residência na cidade tinham a sorte de poderem contar com o apoio de sua própria família e da visita mais assídua do médico.

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Outra característica vinculada à doença e à saúde em Londrina e região é a existência de surtos, tais como de Malária, febre amarela e tifo, bem como as vinculadas ao meio ambiente (ataques de animais e picadas de cobras), a acidente de trabalho, problemas na gestação e no parto (complicações, grande perda de sangue etc.) e doenças de contágio direto, como sífilis, tuberculose (esta, muito ligada às condições de vida) etc. Segundo o médico Jonas Filho, a maioria dos casos atendidos na

clínica de seu pai, nos anos 30, referia-se a apendicites, cesárias, tifo, malária, acidentes no desmatamento da floresta e no trânsito dos caminhões de toras até as serrarias, além de traumatismo craniano. Nesta página podemos ver três imagens: uma, de um acidente grave de um caminhão que perdeu o

controle e teve a carga de toras de madeira arremessada para fora; a segunda de outro acidente de caminhão que transportava uma sacaria (fotografia de George Craig Smith, MHL); a terceira, por fim, uma página de um processo criminal do ano de 1939, que descreveu a morte de um passageiro de um caminhão que transportava toras de madeira e que teve o corpo ferido pelas toras que se soltaram (CDPH/UEL, Notação 3484, Fórum da Comarca de Londrina, AC-06/39). Deve-se destacar a grande mortalidade infantil.

Quanto ao primeiro aspecto, em Londrina, ocorreu um surto de febre amarela no ano de 1936, o que demonstrou a precariedade da assistência médica em

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caso como esse, pois o número de leitos era irrisório diante da demanda. Outro aspecto interessante vinculado a essa epidemia foi a pressão que o Delegado de Higiene, o médico Oswaldo Dias, sofreu da CTNP, de políticos e de comerciantes para não notificar o governo federal da existência desta, uma vez que exporia ao público, em especial ao potencial comprador de terras na região, o perigo que ali existia. Deve-se destacar que a propaganda da CTNP alardeava o clima salubre da região. Notificado o governo federal, a Fundação Rockfeller, com quem aquele tinha acordo de cooperação deste 1918, veio atuar em Londrina. O médico Góes é enfático em homenagear a correção do colega diante das primeiras mortes de febre amarela silvestre: “[...] teve o desassombro e a correção profissional de notificá-los [...]. Tinha se espalhado rapidamente a notícia dessa grave epidemia, que causou pânico e matou muita gente no sertão” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 20).

FEBRE AMARELA – uma doença infecciosa febril aguda, de curta duração (no máximo 10 dias) e de gravidade variável. No caso da cidade de Londrina nas dé-cadas de 30 e 40 ocorria a do tipo o silvestre (que ocorre entre primatas não humanos, onde o vírus é transmitido por mosquitos silvestres). Portanto, antes de atacar a população humana, o aparecimento de casos é geralmente precedido de epizootias em primatas não humanos. Variando com a gravidade do caso, a pessoa pode sentir febre, dor de cabeça, calafrios, náuseas, vômito, dores no cor-po, icterícia (a pele e os olhos ficam amarelos) e hemorragias (de gengivas, nariz, estômago, intestino e urina).

Os dados do Relatório da diretoria da CTNP, referente ao ano de 1937, parece apontar que a empresa tinha razão no prejuízo da divulgação da existência da doença, pois houve queda nas vendas de lotes urbanos e rurais, conforme se pode constatar:

“A Companhia vendeu, em 1937, 903 lotes agrícolas, com área global de 9.465.161 alqueires, tendo efetuado 15 estornos,

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ficando assim reduzido o número das vendas a 753, com a área de 7.250.809 alqueires, perfazendo-se o total de 4.355 lotes desde seu início de seus trabalhos de colonização, com área total de 51.095.447 alqueires. A extensão média das vendas foi de 10.481 alqueires. No ano anterior havíamos vendido 1.193 lotes. As datas vendidas foram 363, havendo 45 estornos, ficando assim reduzido o número de vendas a 318. Além disso, foram doadas 82 datas, destinadas aos serviços da utilidade pública ou social”. (Paraná Norte, “Relatório da Diretoria”, 05/07/1938, Suplemento).

O pesquisador Oberdiek informou que a epidemia foi controlada em 1937 e que a prefeitura organizou uma festa para comemorar esse fato e agradecer a atuação da Fundação Rockfelller (OBERDIEK, 2001, p.95). Esses surtos de febre amarela silvestre ocorreriam até 1942, quando uma forte geada, em junho desse ano, teria causado uma grande mortalidade de macacos portadores do vírus (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 20).

Curiosamente, o jornalista H. Puiggari Coutinho, contemporâneo e ex-diretor do jornal Paraná Norte, ao escrever em 1959, deu uma versão muito diferente, pois afirmou que em 1934 ou 1935, o prefeito recebeu a visita de um médico da Fundação Rockfeller dizendo que Londrina estava na rota da febre amarela e que deveria ocorrer uma epidemia em breve. Em fins de 1935, morreu um suíço morador em Rolândia com um aspecto amarelado. Foi-lhe extraído o fígado pelo médico e o mesmo enviado, por ordem do diretor Arthur Thomas, junto com o médico Clímaco, para a cidade do Rio de Janeiro. Como o resultado dera positivo, Arthur Thomas, juntamente com o prefeito da cidade, telegrafou ao Diretor da Saúde Pública do Estado e demais autoridades pedindo uma providência para o grave problema de saúde. Diante da resposta de que a providência teria que esperar o carnaval passar, o próprio Arthur Thomas (“com sua costumada previdência”, como disse H. Puiggari Coutinho) seguiu para São Paulo e conseguiu que viesse

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para Londrina uma missão da Fundação Rockfeller, chefiada pelo médico Edgar Cruz, acompanhado de mais dois colegas. Estes procederam a exames de fígado, de sangue, e vacinas foram aplicadas. Outros perseguiam e matavam os macacos, propagadores da doença: “Assim a epidemia foi jugulada com presteza, graças à Missão Rockfeller e seus esforços, tenacidade no exercício da vacina obrigatória e mesmo à força”. Depois do carnaval, chegaram os médicos enviados pelo governo estadual, mas não havia mais a doença, segundo o autor (COUTINHO, 1959, p. 37).

Em 1937/38, entretanto, ocorreu um surto de febre tifoide, quando dezenas de pessoas foram ao óbito por peritonite (perfuração intestinal) (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 20). Em 1938, o jornal Paraná Norte noticiava a vacinação em massa contra o tifo e os paratifos pelo médico da Higiene Municipal, dr. Gabriel Martins (16/10/1938, p.04). A febre tifoide está diretamente ligada a baixos níveis socioeconômicos, relacionando-se, principalmente, com precárias condições de saneamento e de higiene pessoal e ambiental. Sobre essa questão, pode-se apresentar dois pontos: o primeiro é que, para o ano de 1938, 897 casas das 1.600 existentes recebiam, satisfatoriamente (conforme relatório da

FEBRE TIFÓIDE – doença associada a baixos níveis sócio-econômicos, situação precária de saneamento básico, higiene pessoal e ambiental. Portanto, a contaminação pode se dar pelo contado indireto, ingestão de água ou alimento contaminado, ou direto, pelas mãos (via oral) contaminadas. Causada pela bactéria chamada Salmonella enterica sorotipo Typhi. Seus sintomas são: Febre alta, dores de cabeça, mal-estar geral, falta de apetite, retardamento do ritmo cardíaco, aumento do volume do baço, manchas rosadas no tronco, prisão de ventre ou diarreia e tosse seca.

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própria CTNP), o serviço de abastecimento de água, ou seja, um pouco mais de 50% das casas urbanas; o segundo, a precariedade ou inexistência de serviço de esgotos na cidade. Curiosamente, a mesma notícia acima afirmava que: “as condições sanitárias de Londrina sejam inteiramente normais...”. Outra notícia desse mesmo jornal, mas datada do ano de 1939, intitulada “fossas assépticas”, dá-nos mais um panorama sobre isso:

“O mau cheiro que está empestando o ambiente em alguns pontos da cidade, necessita de uma providência pronta e eficaz por parte da Prefeitura. E, essa providência, pode muito bem se concretizar num decreto, obrigando a construção de fossas assépticas em todos os prédios[...]”. (11/06/1939, p. 01).

A própria existência de fossas não significa uma solução, pois, além de transbordarem quando repletas, elas afetam o subsolo, contaminando os poços, de onde era retirada água para consumo. No mesmo ano de 1939, havia na imprensa uma reclamação da falta de filtros para água, nas escolas públicas (“Reclamações ao prefeito”, 08/09/1939, s/p.).

Em depoimento, o médico Jonas de Faria Castro Filho afirmou que os terrenos na Vila Nova mediam 10 metros de frente por 40 de fundos. No fundo do terreno, ficavam as fossas negras, que tinham de quatro a cinco metros de profundidade, e não muito longe, os poços de água (cerca de 15 metros). Com tal proximidade, as fossas contaminavam o lençol freático, causando muitas doenças. Dizia: “E a nossa única defesa era mandar ferver a água” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, pp.122/3).

Diferentemente dos depoimentos dos médicos que chegaram na década de 30 a Londrina, como vimos acima, Justiniano Clímaco da Silva, que teve acesso à propaganda da CTNP na Bahia, onde morava, veio por saber que o norte do Paraná era uma região doentia, onde ocorria febre amarela e outras enfermidades. Teria dito: “Está para mim, é para lá que

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eu vou” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.147). Uma de suas primeiras atividades na cidade de Londrina foi a de furar os cadáveres e tirar um pedaço do fígado para fazer exame em laboratório e saber se o óbito teria sido decorrente da febre amarela. Esse trabalho era feito no próprio cemitério, após 15 a 20 dias da morte do doente (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p. 123/149).

O médico Adolfo Góes, ao chegar a Londrina em 1936 passou seus primeiros dias na cidade pensando se ficaria em um lugar “sem água encanada nem esgoto, onde a Saúde Pública não existia e proliferavam doenças como febre tifoide, malária, disenteria, desidratação, leishmaniose, pneumonia” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 11). Na mesma direção apontou o depoimento do médico Afonso Nacle Haikal, que afirmou que as doenças que mais afetavam as crianças estavam relacionadas à falta de higiene, à falta de saneamento da cidade. Sem esquecer, é claro, a Malária, que era endêmica (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.30). Na imagem ao lado (autor desconhecido, acervo do MHL), defronte a farmácia Maria Izabel, localizada na rua Avenida Paraná, da década de 40, vêem-se duas crianças descalças, sendo a mais próxima sem calças. A rua era de terra, onde transitavam animais (cães, gatos e cavalos) que aí defecavam. Essas fezes poderiam transmitir parasitas e doenças das mais variadas e mortais.

Uma notícia sobre a necessidade de um melhor hospital em Londrina, trouxe uma informação expressiva: “Quanta criança morre na primeira idade porque os pais não lhes pode dar uma dieta conveniente...” (“Pelo Hospital de Londrina, 08/01/1939, p.01). Não muito diferente era a situação dos “necessitados descritos no jornal em setembro de 1939:

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“[...] vimos mais uma vez implorar mesmo em nome dos necessitados, dos desfavorecidos da sorte, das criancinhas enfermas e sofredoras, das parturientes desamparadas, de todos os que esmolam uma receita médica, dos infantes que nascem no desconforto e morrem à mingua de recursos, envoltos nos trapos da miséria, exaustos de sugar inutilmente o seio materno que a indigência secou...” (“O hospital de Londrina”, 24/09/1939. p. 01).

Outro artigo publicado na época, um ano depois do citado acima, é muito ilustrativo na ambiguidade vencedores/vencidos, sucesso/fracasso, saúde/doença, atendimento médico/remédio. Vejamos:

Atraída pela justa fama de Londrina muita gente humilde de poucos recursos pecuniários, aqui chega na visão de um futuro melhor, de uma maior fatia de pão para a prole sem abastança. E essa gente luta, mourejando na gleba portentosa. Luta e vence. Mas há exceções dolorosas. Na gleba ou nas atividades da urbs, há os vencidos. Há os que foram surpreendidos pelas enfermidades traiçoeiras e que tombaram exaustos com o coração amargurado ao lado da esposa soluçante, dos filhinhos famintos[...] Pois bem para esses vencidos, enfermos, desvalidos, não há médicos nem remédios na cidade rumorosa, mesmo porque, onde não há possibilidade de remédios, a presença do médico se torna inútil. (07/07/1940, p.01).

Curiosa, portanto, é a descrição da ausência de médicos para os que não podiam pagar por eles. Não se tratava apenas de ausência de dinheiro, do sucesso financeiro, mas de uma solução, não apenas hospitalar, mas de assistência social aos desvalidos. Em uma visão mais crítica, não se tratava de “sorte”, como escrito no artigo anterior, mas de um sistema que criava e mantinha uma estrutura de carentes e carências. Aos famintos e desvalidos, a doença atingia com mais vigor, pois o corpo combalido ficava sujeito às diversas doenças de outrora, em especial nos períodos de surtos.

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Portanto, o quadro de doenças na cidade de Londrina estava distante da visão de uma nova Canaã, visto que muitos não puderam realizar seus sonhos de progresso ao enfrentar a morte. Mas como eram os tratamentos realizados pelos médicos que exerciam suas atividades em Londrina?

Como descrito anteriormente, a maioria dos atendimentos eram realizados nos sítios e fazendas, nos domicílios dos pacientes ou em hotéis e pensões onde estes se hospedavam quando não moradores da cidade. Uma frase expressiva do médico Adolfo Góes sintetiza o atendimento de então: “As atividades de assistência médica, como as que eu desenvolvia na época, eram feitas no próprio consultório ou no domicílio do paciente com as limitações inerentes” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.19). Logo abaixo, em outra frase do mesmo médico, ficarão claras essas limitações.

A maioria dos médicos, mesmo aqueles que possuíam especialidade, tinha que se dedicar à clínica geral, em especial nos casos de emergência: “Éramos praticamente obrigados a atender casos de todas as especialidades, principalmente os de emergência” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.63). Assim, praticamente atendiam todos os tipos de doenças, de adultos e crianças, de homens e mulheres: disenteria por diarreia, doenças cardíacas ou circulatórias, ginecologia e obstetrícia, leishmaniose

TUBERCULOSE (TB) – doença infectocontagiosa transmitida pelas vias aéreas e provocada em grande parte dos casos pela bactéria Mycobacterium tuberculosis (também conhecida como bacilo de Koch). Esta enfermidade está associada às péssimas condições de alimentação, moradia e trabalho. Seus principais sintomas são: emagrecimento acentuado; tosse com ou sem secreção por mais de três semanas; febre baixa geralmente à tarde; sudorese noturna; cansaço excessivo; falta de apetite; palidez e rouquidão. A doença atinge principalmente os pulmões e pode afetar outros órgãos do corpo como rins, meninges e ossos.

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cutânea ou nasal, sífilis, traumatismos causados por acidentes, pneumonia, tuberculose, surtos endêmicos etc. Em depoimento, o médico Jonas de Faria Castro Filho, ainda acrescentou as doenças de bócio e hipertireoidismo, que “aqui havia muito” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.122).

O médico Adolfo Góes definiu muito bem a assistência médica em Londrina na década de 30 e também de 40: “Éramos como veterinários nos recursos e no material. Era preciso ter coragem – e olho clínico. [...] Vi gente morrer de engolir osso de galinha. Até a inauguração da Santa Casa, foram oito anos de Medicina ‘no olhômetro’, com conhecimento de Patologia e argúcia, mais nada” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 11). O médico Justiniano Clímaco, no caso da febre tifoide, narrou que o tratamento durava semanas, na base de dieta rigorosa e quimioterapia “das antigas”, que ocupava o dia e a noite (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 17).

O médico Anísio certamente descreveu um fato comum naqueles dias de energia elétrica deficitária, a falta de luz durante uma operação já iniciada e o paciente com a incisão realizada: “Bom, agora, Irmã, pra operar no escuro só Deus mesmo” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 14).

O médico Caio Rangel assim descreveu o início da medicina em Londrina: “Estávamos numa época em que improvisação era frequentemente necessária” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.63). Aqui se entende em todos os sentidos, seja no tratamento, seja no atendimento.

Em 1937, o médico Jonas de Faria Castro, ao perceber as dificuldades de acesso ao hospital da CTNP, resolveu fundar um hospital, que ficou conhecido como “Hospitalzinho do Dr. Jonas”, localizado atrás das lojas Pernambucanas e que contava com 16 leitos e uma sala de cirurgia (OBERDIEK, 2001, p.116). O filho, Jonas Filho, descreveu a precariedade do hospital:

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“Não tínhamos anestesista. Quem dava anestesia era o farmacêutico Pedro Nolasco Gomes da Silva ou o enfermeiro japonês Komatsu, que aprendeu a ser enfermeiro ali mesmo no hospital, cuidando da mulher que tinha caído de um caminhão. Tudo era improviso, com tanta boa vontade que funcionava.” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 34).

O curioso é não só a inexistência de anestesista, especialista importante na segurança da realização da cirurgia, mas a formação profissional do enfermeiro, ou seja, era um profissional que aprendeu na prática, sem qualquer formação acadêmica.

O farmacêutico Segantin relembrou, em uma reportagem para a imprensa local, um fato ocorrido com ele nos anos 30 ou 40. Segurou um lampião, durante uma queda de energia, para que um acidentado em um desmatamento, que tivera a perna esmagada por uma árvore, tivesse-a amputada. Esse caso teria ocorrido, ao que tudo indica, no hospital do dr. Jonas: “Isso é para ver como funcionavam as coisas”, afirmou (“Nos tempos das pharmácias”, Folha de Londrina, Caderno Cidades, 09/09/1997, p. 01).

No caso das doenças de crianças, muitos eram os casos de desidratação e gastrenterite com desidratação. Como no início da colonização de Londrina não se dispunha de soro via parenteral (aplicação na veia), o uso era do soro via oral, nas palavras do médico Afonso Nacle Haikal (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.30).

A morte de mulheres na hora do parto e/ou complicações pós-parto, no início da colonização de Londrina, não passou despercebida na memória dos médicos, que não eram especialistas em obstetrícia e ginecologia: “Eram comuns atendimentos a complicações de parto. Não raras vezes, a Medicina praticada como descrevi colocou-me frente a frente com quadro de placenta retida, lesão de colo uterino pós-parto, obrigando-me a proceder a curetagem uterina sem condições de higiene e à luz de vela ou

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farolete em casebres de chão batido” (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 20).

O médico Justiniano Clímaco da Silva também narrou as desventuras na hora dos partos: “Cansei de usar fórceps fervido em lata de querosene no fogão a lenha.” A lata de querosene, em realidade, tal qual a lata de banha de porco industrializada, foi um importante utensílio no ambiente doméstico e fora dele. Nas grandes cidades, era usada para transportar água para as casas, como panelas, cadeira ou como fogão adaptado, para manter quente o produto à venda (muito comum nos saquinhos de amendoim salgado).

As imagens acima (fotografias de Amauri Ramos da Silva, acervo MHL), de equipamentos médicos e farmacêuticos que compõem o acervo do Museu Histórico de Londrina, apresentam duas formas de esterilização de agulhas de seringa, bisturi, facas e outros equipamentos usados pelos profissionais citados em atendimento domiciliar. A imagem da esquerda é de um produto importado dos EUA, fabricado pela Pionner, de Nova Iorque.

O Hospitalzinho

Como foi descrito anteriormente, era precário o serviço médico oferecido pela CTNP, com seu hospital, diante do tamanho da população de Londrina e região. O serviço prestado por esse hospital, além de ser diminuto, era pago. Assim, com a fama de

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“Eldorado”, “Canaã” e outros epítetos, a cidade de Londrina atraía muitas pessoas sem qualificação profissional e sem renda para se manter durante sua estada na cidade. Mesmo os que tinham emprego fixo ou precário, não dispunham, às vezes, de dinheiro para pagar um tratamento ou mesmo internação, medicamentos e atendimento médicos.

As epidemias, que grassavam periodicamente a região do norte paranaense, pioravam a situação de atendimento médico. Muitas pessoas ficavam à mercê da sorte. Diante desse quadro grave de saúde pública, a comunidade londrinense começou a pensar e solicitar uma solução. Coincidência ou não, em 1936, ano de uma epidemia de febre amarela, o jornal Paraná Norte noticiou que um grupo de pessoas “relevantes da sociedade” se reuniu com o presidente da CTNP, Arthur Thomas, para solicitar a doação de um terreno para a construção de um hospital maior, que deveria atender os doentes desprovidos de recursos financeiros. Esse hospital seria um hospital de caridade.

“Um grupo de pessoas de relevante conceito social reuniu-se a semana passada e, sob a presidência do Sr. Arthur Thomas, assentou a fundação de um hospital de caridade nesta cidade. Para tão humanitário quão oportuno desideratum, ficou resolvido, na citada reunião, se realizasse uma assembleia preliminar, a fim de eleger-se uma diretoria provisória que tomasse a seu cargo o estudo sobre o assunto, planos, organização e quadro social, etc. Uma vez que o quadro social esteja organizado, e pagas as respectivas contribuições do primeiro mês e a consequente jóia de entreada, será imediatamente convocada uma assembleia geral dos sócios para eleição da diretoria definitiva e confecção de estatutos.” (Paraná Norte, 16/02/1936, p.01).

Até 1938 nada havia sido resolvido. Nesse ano, ocorreu uma epidemia de tifo, mostrando que o quadro da saúde em Londrina estava insustentável. O médico Gabriel Martins, que havia chegado em 1936 para substituir o dr. Oswaldo Dias, diante desse

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surto de tifo, com ajuda de diversas pessoas e colegas, resolveu criar, emergencialmente, um local para atender essa nova demanda por saúde. De provisório esse estabelecimento tornou-se permanente e passou a ser conhecido como “Hospitalzinho dos Indigentes”. Estava instalado em uma casa de madeira, com uma cozinha, uma sala e dois quartos, sendo um para doentes com doenças contagiosas, e o outro mais a sala, com camas para abrigar outros doentes. Segundo o pesquisador Oberdiek, o dr. Gabriel Martins não exerceu apenas funções públicas, pois havia propagandas suas apresentando-o como experiente cirurgião e clínico geral. Mas foi como diretor do “Hospitalzinho dos Indigentes” que se fez merecedor de uma relação mais afetuosa com a população londrinense. Da criação deste até sua morte, ocorrida em 1944, esteve à frente do hospital. Este ficava situado onde é hoje a rua Benjamin Constant, esquina com Mato Grosso, de propriedade do sr. Alexandre Razgulaeffe, engenheiro da CTNP, que bondosamente cedeu o lugar, e contava com 15 leitos, sempre lotados.

“Era o tal do “Hospitalzinho de Indigentes”, que havia sido montado às pressas para atender as vítimas de uma epidemia de tifo, cujo foco se localizava em Orle, onde hoje está a cidade de Rolândia.[...].A cena era horrível. Vi muito sofrimento e a precariedade dava medo. Alguém precisava fazer algo.Como eu estava ali, presenciando tudo, não podia omitir-me. [...] Quando a epidemia de tifo foi controlada passamos a atender outros tipos de pacientes como trabalhadores acidentados na derrubada das matas, pessoas com doenças contagiosas, como tuberculose, hanseníase e fogo selvagem. Com isso, os 15 leitos do Hospitalzinho viviam sempre lotados e as despesas aumentavam muito.Para piorar, não havia auxílio financeiro dos poderes públicos. Os recursos vinham dos donativos de comerciantes e da população

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em geral. O material cirúrgico esterilizado era trazido do Hospital da CTNp”. (Entrevista citada por ALVES, 2002. p. 398).

A fala acima é da senhora Nina Bonifácio, esposa de um importante cerealista que havia se instalado em Londrina no ano de 1937. O armazém do senhor José Bonifácio ficava bem em frente ao “hospitalzinho” (fotografia do Álbum Londrina 1941), o que facilitou o estabelecimento da amizade entre sua família e o dr. Gabriel Martins. Ela apontou questões pertinentes para se entender a saúde em Londrina nos primeiros tempos. Um aspecto importante, que podemos perceber nas três primeiras décadas da história da cidade e da região, é a caridade frente às demandas dos mais necessitados. Comerciantes, empresas, agricultores, pessoas comuns faziam suas doações de diversas formas, isto é, em dinheiro (muitas vezes em quantias com significado mais simbólico que prático), na forma de alimentos ou em espécie, inclusive galinhas, frangos e porcos vivos, além de material de construção (areia, tijolos etc.) e serviços especializados (carpintaria, marcenaria etc.)

Mas a doação também era na forma de ajudar na organização e no atendimento aos doentes, e esse foi o papel da senhora Nina Bonifácio, entre outras senhoras e senhores e de vários médicos, tais como Anísio Figueiredo, Adolfo Barbosa Góes, Nelson Rosário e Ricardo Sckowroneck.

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Em março de 1941, ocorreu mais um surto de doença, agora de malária. O “hospitalzinho”, que já vivia em dificuldades, teve agravada sua situação e, por conseguinte, de seus internados e médicos.

“Os rios que circundam e correm nesta zona, espalham a malária nas populações rurais. A gente pobre, a gente produtiva da gleba, morre sem recursos desamparada, numa miséria comovente. As crianças, os pequeninos entes indefesos, sucumbem de fome quando os seios maternos secam, se esterilizam pela ardência escaldante da febre.E nós, cuja função pública é essa de denunciar ao governo os males que infelicitam o povo, vimos denunciar esse, afirmando ao benemérito sr. Presidente da república, ao sr. Interventor federal, que nesta região há gente que morre de miséria, crianças que morrem de fome, todos flagelados pela malária....O chamado hospitalzinho de Londrina, não tem mais medicamentos, nem dieta, nem cousa alguma. Dali são dispensados diariamente inúmeros flagelados sem o menor socorro, de mãos vazias. Só lhes acompanham a comiseração do médico e uma lágrima furtiva da enfermeira” (“Malária”, 02/03/1941).

Nota-se que não passou despercebida pela imprensa a grave situação de saúde pública a que estava submetida a população de Londrina e região. O grito pela saúde foi do interventor do estado ao presidente da república. A demanda era por remédios, médicos e comida! Mas como uma “terra de

Malária – doença infecciosa, febril, potencialmente grave, causada pelo parasita do gênero Plasmodium, transmitido ao homem, na maioria das vezes pela picada de mosquitos infectados. Os sintomas são: calafrios, febre alta (no início, contínua, e depois com frequência de três em três dias), sudorese e dor de cabeça. Mas, também, podem ocorrer também dor muscular, taquicardia, aumento do baço e, por vezes, delírios. Esses sintomas podem variar conforme o parasita causador.

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fartura”, a nova “Canãa” poderia ter crianças morrendo de fome e doentes morrendo sem assistência ou remédios?

Os donativos para o hospitalzinho tiveram que ser ampliados por campanhas e, segundo a pesquisadora Alves, a senhora Nina Bonifácio e demais companheiras tomaram a frente dessas campanhas, organizando bailes, que eram abastecidos com prensas, doces e salgados de diversas famílias colaboradoras (ALVES, 2002. p. 404).

Em 1942, o jornal Paraná Norte voltou a pedir ajuda ao “Hospitalzinho”, uma “entidade particular que, sob a égide da abnegação e do desprendimento de d. Leoni e d. Nina, tem lutado contra os males que existem em redor de nós, dos quais é a sífilis o mais temível...”. Afirmou que era única casa de assistência que tinha minorado a dor e o sofrimento da classe miserável de Londrina e pediu que a população desta cidade saísse de sua mórbida apatia e fosse em ajuda deste hospital e desse povo. Por fim, concluiu: “Façamos, pois, alguma cousa para que não venha a perecer o HOSPITALZINHO...” (“Hospitalzinho”, 01/11/1942, p. 01).

Mas, paralelemente às doações ao “hospitalzinho” (que pelo escrito acima, estava aquém de suas necessidades), ações outras eram realizadas para a construção do hospital de caridade, ou seja, uma Santa Casa em Londrina, visto que o “hospitalzinho” deveria ser desativado, por já ter cumprindo, há muito, sua missão inicial. Esse será o ponto do próximo tópico.

A Santa Casa de MisericÓRdia de Londrina ou o Hospital de Caridade

Conforme nos informou o pesquisador Oberdiek, desde 1936 campanhas eram realizadas para arrecadar fundos para a construção de um hospital a ser constituído como irmandade (Santa Casa da Misericórdia) (OBERDIEK, 2001, p.136).

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Curiosamente, o fotógrafo José Juliani datou como sendo do dia 09 de novembro de 1935 a fotografia abaixo, da Campanha Pró-hospital. Mas, muito provavelmente, ao fazê-lo, comete o erro de grifar o ano de 1935, e não, como seria correto, 1936.

Segundo o referido pesquisador, no mês de março de 1936, foi criada uma comissão para pensar e concretizar a construção de um grande hospital para a cidade de Londrina. Sob o comando do prefeito e diretor da CTNP, Arthur Thomas, e com a participação de pessoas formadoras de opinião, teria essa comissão organizado uma série de festas com o objetivo de arrecadar fundos (OBERDIEK, 2001, p.138). De fato, não só festas foram organizadas, mas doações em dinheiro, que iam de “significativas somas de dinheiro, até pessoas que contribuíam com uma dúzia de ovos” (OBERDIEK, 2001, p.139). A CTNP, pelo mesmo pesquisador, nesse ano de 1936, teria doado uma quadra para o Hospital. Destaca-se que era uma quadra ainda coberta com mata nativa, ou seja, ainda afastada do centro da cidade. Não se pode negar que a abertura de importante hospital em área ainda pouco habitada iria valorizar as quadras em volta e obrigaria a prefeitura a fazer investimento de abertura de rua, abastecimento de água e fornecimento de energia. Rapidamente a CTNP teria recuperado sua aplicação. Em janeiro de 1939, Arthur Thomas ofereceu os serviços de desmatamento, destocamento e

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nivelamento do terreno, o que equivaleria a uma doação, segundo o jornal Paraná Norte de três contos de réis (para se ter uma ideia desse valor, informa-se que a CTNP estaria vendendo uma casa de madeira na rua Tupy esquina com Higienópolis pelo valor de seis contos de réis) (“Pelo hospital de Londrina”, 29/01/1939, p.01).

Entretanto, um longo período de pausa se fez. Em reportagem chamada “O Hospital de Londrina”, do dia 13 de novembro do ano de 1938, o articulista afirmou que, havia muito, não se ouvia falar do projeto de instituição de um Hospital em Londrina. Afirmou que, depois de um início entusiástico, com reuniões, formação de comissões etc., nada havia sido resolvido até então. Afirmou:

“Não se faz nada, não se moveu uma palha.” Indignado, o articulista solicitou ação da Diretoria: “Vamos senhores da comissão, ressurjam no entusiasmo de antes. Avante![...] Façam alguma coisa. [...] A Comissão, pela sua Diretoria assumiu um compromisso muito sério. Convoque ela uma assembleia e... avante!” (13/11/1938, p.01).

Uma semana depois volta a pedir pelo hospital, agora acusando diretamente o presidente da comissão pela omissão diante de seus afazeres particulares: “Assim, da primitiva comissão, só resta o presidente e este, ausente como está, tem todos os seus esforços anulados pela paralisação das atividades da campanha pelo simples motivo de não terem quem o substitua em suas faltas e impedimentos.” Afirmou que uma nova comissão deveria ser instituída. Pediu ao prefeito para convocar uma reunião e promover quermesses e festas para levantar o prédio (“Pelo hospital de Londrina”, 20/11/1938, p.01).

O jornal Paraná Norte, de 04 de dezembro de 1938, publicou uma carta do senhor Arthur Thomas com o título “Pelo Hospital de Londrina”, e com o subtítulo “Uma carta do

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presidente à comissão diretora – Apelo aos que têm dinheiro”, e que foi bem direta em sua explicação do fracasso do movimento (não explicou) e no pedido de ajuda para os fundos do referido hospital:

“A Campanha iniciada com tantas esperanças de êxito em 1936, não alcançou, infelizmente, o resultado desejado – fracassou – e fracassou por motivo que não será lícito especificar e discutir agora. [...] O Banco Noroeste, a Caixa Econômica, Casas Pernambucanas, Casas Catharinenses, Siam Ltda, Mesquita & Davids, G.A. Scheber & Comp. Ltda, E F S Paulo – Paraná, dr. Mabio Palhano, Garcia & Garcia e outros de recursos avultados, bem poderiam fazer, cada um, um presente de Natal ao Hospital de Londrina iniciando (?) a nova Campanha pró-Hospital.” (04/12/1938, p. 01)

Parece que essa carta teria sido uma resposta à crítica do próprio jornal à inoperância da comissão instituída com o fim de erguer o Hospital. A resposta da empresa Garcia & Garcia não se fez esperar, pois, na edição seguinte, de 11 de dezembro, noticiou a doação da Viação Garcia de cinquenta metros cúbicos de areia, na

obra, o equivalente a um conto e setecentos e cinquenta mil réis. Noticiou também que uma dotação orçamentária do governo estadual foi conquistada por intermédio do prefeito da cidade. Concluiu: “Vamos, gente de Londrina, um presente de Natal para o Hospital” (“Pelo hospital de Londrina”, 11/12/1938, p.03).

No dia de Natal, o jornal volta à carga:

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“O ano de 1938 está terminando e nada se fez em benefício do Hospital [...] Debalde temos, nesta folha, gritado aos quatro ventos a necessidade de se tomar providência para que se reiniciem os trabalhos da campanha pró-Hospital. Não há quem se apresente para dirigir o movimento”. (“Pelo hospital de Londrina”, 25/12/1938, p.01).

Ao que tudo indica, as reclamações do jornal surtiram efeito de maneira mais consistente, no ano seguinte. Na edição do dia 29 de janeiro de 1939, em sua primeira página, está estampada a notícia “Pelo Hospital de Londrina”, onde se descreveu a assembleia realizada para a reorganização da Diretoria em relação às Campanha Pró-Hospital de Londrina, em 22 de janeiro. Qualificou esta como “Esplêndida e altamente prometedora”. Afirmou que compareceram cavalheiros dispostos ao ingresso na Irmandade da Santa Casa de Londrina (“Pelo hospital de Londrina”, 29/01/1939, p.01). Veja-se, portanto, que ocorreu a definição de que realmente seria uma irmandade de caridade, sob a qualificação de Santa Casa de Londrina.

Finda a reunião, foram distribuídos os cargos, conforme se vê: Arthur Thomas, provedor; Jonas de Faria Castro, 1º. Vice-Provedor; Alexandre Beltrão, 2º. Vice-Provedor; Antonio de

Camargo Corrêa Ferraz, procurador; H. Puiggari Coutinho, 1º. Secretário; José Bonifácio, 2º. Secretário; David Dequech, 1º. Tesoureiro. Ao prefeito da cidade foi dado o cargo de assistente, com direito ao voto.

Pela reportagem ao lado, pode-se constatar que cada irmão deverá contribuir com 20$000 de jóia e 10$000 de mensalidade. O mandato da mesa duraria um ano. O projeto do edifício seria aprovado pelo Conselho fiscal, mas deveriam ser ouvidos engenheiros e médicos locais. O sr. Adriano Marino Gomes fez a entrega

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de 1:605$400 (um conto, seiscentos e cinco mil e quatrocentos réis) referente à importância arrecadada para os festejos em homenagem ao prefeito Willie Davids. O produto das entradas da Feira Brasileira de Amostras foi doado para a Irmandade da Santa Casa de Londrina (“Pelo hospital de Londrina”, 29/01/1939, p.01).

O certo é que, a partir desse momento, doações e donativos começaram a ser noticiados quase em todos os números do Paraná Norte, demonstrando a capacidade de mobilização da imprensa londrinense e a necessidade visualizada por todos da construção de um hospital capaz de atender às demandas da população, seja abastada, seja humilde. Construtores ofereciam mão de obra gratuit; lojas material de construção a preço de custo; outros, como na imagem ao lado, doavam dinheiro em espécie ou quantia restante de uma festa de solidariedade às crianças pobres de Rolândia. Este último caso dá a dimensão regional da importância de um hospital em Londrina (“Pelo hospital de Londrina”, 01/01/1939, p.01).

Um fato curioso foi a notícia veiculada no dia 07 de setembro de 1939 sobre a decisão do prefeito da cidade de Londrina, Willie Davids, de a prefeitura da cidade assumir a construção do Hospital, recebendo os donativos e o terreno que haviam sido doados para a Campanha Pró-Hospital e pela implantada Irmandade Santa Casa de Londrina (“Uma pergunta que todo mundo faz”, 07/09/1939. p. 01).

Duas semanas depois, na edição do dia 24 de setembro, saiu uma notícia intitulada “O Hospital de Londrina”. O jornal pediu que o prefeito assumisse a iniciativa da fundação “do hospital”. Este deveria se aliar às associações de classe, de senhoras ilustres e conhecidas pelos gestos de generosidade que eram públicos,

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pois assim teria a garantia da construção do hospital tão desejado pela população: “Dê o impulso inicial e o Hospital surgirá como um deslumbramento nesta terra de deslumbramentos”. Entretanto, o mais surpreendente nessa notícia foi a informação de que a prefeitura municipal de Londrina gastava, anualmente, em média, a quantia de quarenta e oito contos de réis, com médicos e casas de saúde particulares para o atendimento de indigentes (“O hospital de Londrina”, 24/09/1939, p.01). O pesquisador Oberdiek informou que o Hospital da Companhia (CTNP) recebia recursos da Prefeitura para atender “indigentes” (OBERDIEK, 2001, p.109). Da mesma forma, a pesquisadora ALVES apresentou dados para a esfera municipal, referentes aos orçamentos públicos arquivados pela Câmara Municipal, para os anos 1936-1938, da gestão do prefeito Willie Davids, onde as rubricas “Auxílio e Subvenção”, “Auxílio a hospitais”, “Amparo à maternidade e infância” e “Hospitalização de Indigentes” acarretaram um gasto total para os referidos anos de 8.001$600, 31.255$400 e 46.720$400, respectivamente (ALVES, 2002, p.261). Vê-se que, em apenas três anos, foram gastos cerca de 86 contos de réis em assistência social para dois hospitais que tinham, ao todo cerca de 30 leitos, além outros pequenos consultórios médicos particulares. Esses dados deveriam ser mais bem pesquisados para se ter uma dimensão exata da relação pacientes atendidos “versus” pagamento público. Ou seja, se já existia esse pagamento, qual a razão para a prefeitura municipal não ter construído um hospital próprio? Diga-se que a Santa Casa, conforme o pesquisador Oberdiek, passou a receber da prefeitura por cada atendimento vinculado à prefeitura.

Para a pesquisadora Alves, foi no mês de setembro do ano de 1940, ainda na gestão do prefeito Willie Davids, que se resolveu, de maneira definitiva, que a construção para atender os necessitados e indigentes seria na forma de uma irmandade, no caso a Santa Casa de Misericórdia. Portanto, o prefeito resolveu

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que a prefeitura desistiria da construção de um hospital municipal e, assim, continuaria a bancar o atendimento médico aos que não poderiam pagar (moradores ou não de Londrina?). Uma publicação oficial da Santa Casa de Misericórdia de Londrina do ano de 1959 narrou que em 15 de setembro de 1949 foi fundada oficialmente a Irmandade, sendo eleita a seguinte diretoria:

“Presidentes Honorários: Arthur Thomas e Willie Davids. Presidente, Antonio de Camargo Corrêa Ferraz. Vices-Presidentes, Carlos de Almeida e José de Oliveira Rocha. Secretários, Mario Castanheira de Miranda e José Bonifácio e Silva. Tesoureiros, Orestes de Medeiros Pullin e Claudino Ferreira dos Santos. Oradores, José Hosken de Novais e Licinio Maragliano. Conselheiro Fiscal: Presidente, David Dequech, secretário, João Alfredo de Menezes. Membros Manuel Barbosa Filho, João Batista Gurgel Pismel, Fioravante Bordin e Miguel Holzmann. Conselho de Sindicância: Presidente, Ulisses de Medeiros; secreário, Rubens Santa Rita; membros; Ernesto Rosenberg, Alexandre Rasgulaeff, Humberto Puiggari Coutinho e Antonio Fava.” (SANTA CASA DE LONDRINA, 1959, p. 03).

No mesmo documento, há a afirmação de que, eleita uma comissão composta por três membros, teria o prazo de 40 dias para confeccionar e ser posto em votação o estatuto da irmandade. No dia 24 de março de 1941, foram nomeados os agora denominados “irmãos” Humberto Puiggari Coutinho, Licinio Maragliano e Orestes de Medeiros Pullin, com a função de registrar e tornar públicos os estatutos da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Londrina, tornando-a personalidade jurídica. Isso foi feito, estando registrado no Cartório de Títulos e Documentos pelo oficial Claudino Ferreira dos Santos, em 30 de março de 1941 (Livro 13, folha 28) (SANTA CASA DE LONDRINA, 1959, p. 04).

Curiosamente, o pesquisador Oberdiek apresentou um novo personagem nessa história em meados de 1940: “Os escoteiros (Associação de Escoteiros e de Bandeirantes de

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Londrina) tomaram a iniciativa da construção do Hospital de Londrina” (OBERDIEK, 2001, p.148).

Deve-se destacar a não presença das mulheres em cargos da Santa Casa de Misericórdia de Londrina. Entretanto, no decorrer de quase uma década, elas estiveram presentes na imprensa, denominadas de “gentis senhoritas”, “almas caridosas”, “generosas”, organizando quermesses e festas, doando bolos, comidas, animais, ovos etc. Na referida publicação da Santa Casa, de 1959, foi citado um espaço de propriedade da CTNP, conhecido como “Redondo”, em razão de sua forma circular, onde eram organizados eventos sociais: “Com o resultado das entradas das bilheterias, do movimento do bar, quermesses e tômbolas, o numerário necessário à realidade do investimento ia se acumulando” (SANTA CASA DE LONDRINA, 1959, p. 04).

Responsáveis pelas entradas estavam as senhoras Elizabeth Thomas e Carlota Davids. Logo após, destacaram-se alguns nomes de senhoras que deram importante contribuição à causa: Maria Gonzales Vicente, Sebastiana Gonzales Vicente, Maria Frohlich, Margarida Estrela, Mercedes Camargo Martins, Nair Coutinho, Eulália Gomes, Nina Bonifácio e Silva, Guiomar Petraglia, Dora de Camargo Ferraz, Margarida Frohlich e Frieda Rotmann (SANTA CASA DE LONDRINA, 1959, p. 04).

Mas, além de comporem os cargos na Irmandade, os homens eram elogiados pela dedicação e abnegação. Além de alguns já listados, temos: Celso Garcia Cid, Luis Estrela, Caetano Otranto, Adriano Marino Gomes e outros.

Por fim, o referido texto relembrou que, a Mesa da Irmandade, reunida em julho de 1943, foram reconhecidos como sócios benfeitores as senhoras Carlota Davids e Rosina Veiga Lopes, além dos senhores Arthur Thomas, João de Oliveira Franco e tenente Luis dos Santos. Este último era o responsável pela Associação de Escoteiros e de Bandeirantes de Londrina, que, como citado acima, teve papel importante na retomada da Campanha em 1940 (SANTA CASA DE LONDRINA, 1959, p. 04/05).

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Apesar das lacunas nessa história, o certo é que o hospital tão desejado e aclamado pela imprensa e população foi construído como Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Londrina e inaugurado no dia sete de setembro de 1944. Com essa inauguração, esse hospital ficou responsável pelo atendimento caritativo da cidade. Assim, o “hospitalzinho dos indigentes” foi fechado.

Assim a imprensa narrou seu fim:

Hospital de Indigentes de LondrinaOntem, ás 14 hs. sob a presidência do sr Dr José Munhoz de Melo, juiz de direito da comarca, realizou-se uma reunião da sociedade de indigentes de Londrina com o fim especial de fazer o encerramento do funcionamento do conhecido Hospitalzinho, fundado em 1939, durante a gestão do dr Wilie Davids e que inestimáveis serviços prestou à população pobre desta e das cidades vizinhas.Desta reunião foi lavrada a ata que transcrevemos a seguir:A referida reunião, datada de 06/09/1944, realizou-se no prédio do Hospitalzinho, à rua Mato Grosso, convocada pela então presidente da Sociedade de Indigentes de Londrina, Da. Leoni Fonseca Xavier e pelo diretor do Hospitalzinho de indigentes, Dr Ricardo Skowroneck que passaram a presidência ao juiz de Direito da Comarca.Esteve presente à referida reunião o Dr Anísio Figueiredo, médico que prestou serviços profissionais voluntários ao Hospitalzinho de Indigentes desde a sua criação, que fez uso da palavra para lembrar alguns nomes das pessoas responsáveis pela grande obra desenvolvida por aquela “Casa de Caridade.O sr. Dr. Presidente deu a palavra a quem dela quisesse fazer uso, tendo se levantado o dr. Anísio Figueiredo que, em palavras repassadas de profundo pesar, referiu-se à vida e obra de Gabriel Martins e Willie Davids; o primeiro médico que foi, desde a fundação, desta casa de caridade, até 27 de abril de 1943, véspera de seu falecimento; o segundo fundador que foi do Hospitalzinho, em seu exercício no Governo municipal londrinense.Referiu-se ainda o dr. Anísio Figueiredo à primeira Comissão encarregada de angariar donativos e administrar o referido

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Hospitalzinho, que era constituída das seguintes senhoras: Da. Carlota Davids, presidente; D. Ruth F. Santos, vice-presidente; D. Adail Pizzato, tesoureira, e D. Neusa Maragliano, secretária. À essa comissão, sucedeu, há 2 anos, a seguinte: D. Leoni Xavier, presidente; D. Evangelina Rodrigues e Silva, vice-presidente; D. Adail Pizzato, tesoureira, e D. Neusa Maragliano, secretária. Prestou ainda o dr. Anísio Figueiredo uma homenagem particular aos drs. Adolfo Barboza Góis, Nelson Rosário e Ricardo Sckowroneck, respectivamente segundo, terceiro e quarto diretores que foram em épocas diferentes, do Hospital de Caridade que neste momento cerra suas portas, depois de tantos anos de serviços prestados à pobreza desta região do norte do Paraná. Não esqueceu também o dr. Anísio de se referir ao gesto caritativo e desinteressado do dr. Alexandre Rasgulaef, proprietário de prédio, que não somente cedeu gratuitamente, como cooperou particularmente. Ata da reunião de encerramento do Hospitalzinho de indigentes.”(Ata da Sociedade de Indigentes, 06/09/1944 in : Paraná Norte, “Hospital de Indigentes de Londrina”, 01/09/1944. p. 01).

A mesma Ata informou que foram transferidos, para a Santa Casa, 27 doentes do Hospitalzinho de Indigentes, o que demonstra a sua superlotação na época. O prédio foi devolvido ao seu proprietário, Dr Alexandre Resgulaef.

Consultórios, Clínicas Médicas e Parteiras

Em item anterior, pôde-se verificar a precariedade com que o atendimento médico era realizado, ou seja, na maioria das vezes na área rural (já que a maioria da população morava nesta área), nas casas dos doentes ou parturientes. Na área urbana, não foi muito diferente, pois o atendimento médico era concretizado nas pensões, hotéis ou nas residências. Evidentemente, essa regra estava vinculada à própria inexistência de hospitais de porte na cidade.

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Tratar de crianças e adultos desnutridos, ensinar os elementos básicos de higiene e educação, criar formas de atendimento e medicação com o que se tinha em mãos no momento do tratamento era outra situação comum enfrentada pelos médicos visitadores.

Vencer estradas de pura lama, transpor pilhas de toras de madeira, esperar o rio reduzir a cheia para poder cruzá-lo, voltar em um cavalo do que não soubesse o dono depois de atender várias famílias e vencer vários obstáculos era o dia a dia do médico e de seu estafante atendimento, conforme vários depoimentos colhidos por pesquisadores do tema.

Mas, a realidade é que os médicos, os não “ciganos”, foram se instalando e ficando, fundando consultórios, clínicas e laboratórios. O uso da propaganda no periódico local Paraná Norte foi um importante instrumento de se fazer conhecer. O curioso é que, vendo os exemplares desse jornal no decorrer de duas décadas, os médicos e clínicas ainda continuavam a anunciar sua presença. Esse fato nos chamou à atenção em função de a cidade não parar de crescer e o número de médicos, mesmo crescendo, nunca ter sido suficiente para atender à demanda por saúde. Em tópico anterior, já foi permitido conhecer alguns tipos desses anúncios.

Por eles se pode verificar as especialidades dos médicos, bem como as doenças que mais atacavam a população (sem mencionar as vinculadas aos surtos). Assim, parte-se para apresentar os anúncios e fazer uma análise dos mesmos.

O primeiro anúncio que se apresenta é do dr. João Figueiredo, em que deixava claro que era médico e que atendia adultos, crianças e também fazia partos (Paraná Norte, 29/09/1935, p.01). Percebe-se que sua clínica é geral, atendendo da criança antes de nascer até a hora de sua morte na idade

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mais afastada. Atende, pelo que se entende, qualquer chamado médico, mesmo fora da cidade. Como as necessidades de saúde eram imperiosas e de todos os tipos e como o médico precisava de clientes, não se podia dar-se ao luxo de escolher tal doença ou qual paciente. João Figueiredo se formou médico pela Faculdade Nacional de Medicina (atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) no ano de 1932. Chegou a Londrina em junho de 1935. Foi médico do hospital da CTNP, chegando a ser seu diretor, eleito vereador na primeira legislatura da Câmara Municipal de Londrina. Também foi responsável pela vinda do médico Anísio Figueiredo, seu irmão, para vir trabalhar no mesmo hospital. Esse médico também atendia em consultório particular e participou de importantes fatos vinculados à saúde em Londrina.

O médico Caio de Moura Rangel chegou a Londrina em maio do ano de 1938 e era formado pela Faculdade de Medicina da USp. Tal como relatado anteriormente, esse médico atendia

todos os pacientes que chegavam ou o chamavam. Tal qual o seu colega João Figueiredo, em sua propaganda, explicava que era médico e sua Clínica era Geral e fazia operações. Não atendia homens, apenas crianças e mulheres. Seu consultório estava localizado junto à sua residência, o que não era incomum. Também se dispunha a atender em qualquer hora do dia, provavelmente em qualquer lugar, como seu colega citado, embora não especificasse no anúncio.

Em anúncio publicado na imprensa, anos mais tarde (1947), passou a atender apenas doenças de senhoras. Além disso, incluiu os horários das consultas, dando a entender que tinha reduzido ou parado

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de atender fora da cidade ou em residências. Na medida em que se fazia conhecido, pôde começar a fazer escolhas entre doentes e doenças. Destaca-se que essa propaganda tinha o objetivo de anunciar o seu retorno dos Estados Unidos, ou seja, que após se ausentar da cidade estaria de volta para atender sua clientela e que esta poderia (deveria) procurá-lo novamente se assim necessitasse.

Um médico, já citado, que anunciou um consultório particular, mesmo sendo chefe do serviço de

higiene, foi Gabriel Martins. Esse anúncio é do ano de 1937, ou seja, um ano antes do funcionamento do “hospitalzinho dos indigentes”. Mais um médico que atendia em sua residência, próxima às farmácias, propunha atender doenças em geral, mas com destaque para os problemas de vias urinárias, doenças venéreas e infantis. Esse médico, como alguns outros, na década de 30, atuava também na perícia médica para a justiça, fazendo atestados de necrópsia.

Outro médico que fez história em Londrina, que atuou como perito médico junto com Gabriel Martins e se prontificou a gastar dinheiro em propaganda, foi

Justiniano Clímaco da Silva. Além de afirmar que era médico, marcou a Faculdade de Medicina da Bahia como sua base. Atendia adultos e crianças e deu destaque, em seu anúncio, para uma doença que atingia uma parcela considerável da população adulta, a sífilis. Seu consultório ficava localizado onde era sua residência e possuía aparelhos de raios ultravioleta e infravermelhos (ou apenas trabalhava com eles em outro lugar). Curiosamente se deu ao trabalho de anunciar que o seu consultório ficava defronte ao Grupo Escolar, o que deveria ser uma importante referência na época. Esse médico chegou a

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Londrina no ano de 1933, tendo uma carreira política e médica. Foi deputado estadual e constituinte em 1947, médico pessoal do governo Manuel Ribas e agricultor. Junto com o dr. Eulalino de Andrade e dr. Caio de Moura Rangel, fazia operações na Casa de Saúde do dr. Jonas (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.63). Também fazia cirurgia comum em seu consultório onde possuía “ferramentinhas, que tinha que flambar, ferver [...]. E nesse intervalo, acabava a luz e, então, tinha que esperar” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.148).

Inicialmente, como muitos migrantes recém-chegados à cidade (desembarcou em 1940), o médico Affonso Haikal foi

morar em um hotel e, com ajuda, conseguiu dividir um espaço com outro médico e com um advogado. Morou nesse local junto com a família de seu colega médico por um certo período. Na propaganda ao lado, do ano de 1941, vê-se que já estava estabelecido, mas

seu consultório ficava em sua residência. Propôs-se a trabalhar em sua especialidade, ou seja, pediatria, mas só com crianças menores de doze anos.

O médico Eulalino Ignácio de Andrade chegou a Londrina em 1940 e este anúncio, do ano de 1941, demonstra que atendia crianças, mulheres e homens e fazia partos. Não escolhia hora para atender os pacientes e seu consultório era bem localizado, no início da rua Rio de Janeiro. Seu colega Caio de Moura Rangel afirmou que ele era conhecido como o “Médico dos Pobres”, pela sua caridade (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.63). Muitas vezes, seu pagamento era em espécie vegetal, ou seja, milho, feijão, entre outros, ou animal, ou seja, frango, porco, entre outros (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 22).

O médico Newton Leopoldo da Câmara chegou a Londrina no mês de julho de 1940. No anúncio desse mesmo ano, declarou-

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se “especialista” (doenças de olhos, ouvidos, nariz, garganta e boca). Outro médico que se fez anunciar na mesma especialidade do dr. Câmara foi o médico Abílio N. Soares (olhos, nariz, ouvidos e garganta), só que este havia chegado a Londrina dois anos antes, em 1938.

A propaganda da Clínica do Jonas de Faria e Castro é de chamar a atenção: “Clínica Médico-Cirúrgica”. Inegavelmente soa como uma instituição séria, qualificada. Indicou a sua especialidade (moléstia de senhoras), mas a clínica recebia doentes (ou seja, não necessariamente senhoras) para o tratamento e ainda dispunha de auxiliar habilitado. Esse auxiliar seria aquele enfermeiro que aprendeu o que sabia ajudando a esposa doente que ali ficou internada ou seria outro? Distinguiu a Casa de Saúde do consultório, ou seja, eram independentes, pois a primeira seria onde eram internados doentes e feitas operações, e era aberta aos outros médicos da cidade, como vimos no caso dos médicos Caio Rangel e Justiniano Clímaco da Silva. A referência de sua localização era estar junto ao prédio das Casas Pernambucanas, uma imponente loja da época. O médico Jonas de Faria Castro, chegou em Londrina no ano de 1936 e logo fundou seu hospital. Com a morte do dr. Jonas de Castro, assumiu a direção do estabelecimento o seu filho, também médico, dr. Joninhas, mas com a inauguração as Santa Casa de Misericórdia de Londrina, em 1944, onde formou dupla em plantões com o médico Adolfo Góes, resolveu fechar o hospital (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE LONDRINA, 1991, p. 34).

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Uma importante aquisição para a cidade de Londrina, ainda na década de 30, foi a chegada de um aparelho de Raio X, em especial se levarmos em conta o grande número de acidentes com o desmatamento.

Conforme se pode ler no anúncio publicado na imprensa local no ano de 1938, onde a palavra “Raio X” adquiriu grande importância. Foi trazido pelo médico Ernesto Cavalcanti, que tratava de moléstias de senhoras e crianças, doenças de pele, sífilis e vias urinárias. Portanto, esse médico atendia praticamente todo tipo de doença, de homens, mulheres e crianças. Segundo seu colega, o médico Justiniano Clímaco, “não entendia nada, a chapa ficava toda queimada. Então, era o Caio (médico Caio M. Rangel) que tirava a chapa para ele [...]” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.148).

Segundo o pesquisador Oberdiek, a Clínica Médica Cirúrgica e de Partos foi fundada em 1937 pelo médico Ernesto Cavalcanti e trouxe importante contribuição para o campo da saúde de Londrina:

“A criação do laboratório de análises anexo ao Hospitalzinho do Dr. Jonas, como o laboratório de Raio X, na clínica-hospital de Ernesto Cavalcante, significaram uma relativa equiparação dos serviços de atendimento médicos da cidade ao nível dos atendimentos que o denominado campo médico brasileiro já realizava nos grandes centros urbanos”. (OBERDIEK, 2001, p.116/117).

Em notícia paga ou não, o jornal Paraná Norte publicou que acabava se ser instalado excelente aparelho de Raio X ao anexo do consultório do dr. Ernesto Cavalcanti, elogiando-o pelo esforço realizado pelo melhoramento de Londrina:

“Graças à feliz instalação de um moderno e possante aparelho de Raios X em Londrina, os trabalhos clínicos e cirúrgicos que

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dependem destes recusros radiológicos, podem ser executados aqui mesmo, sem necessidades de dispêndios e sacrifícios maiores com viagens para os centros mais adiantados do país.” (“Raio X”, 17/09/1938, p.06).

Vê-se, portanto, que o pesquisador Oberdiek acompanhou a reportagem do jornal citado.

O referido laboratório de análises foi criado em 1939 pelo farmacêutico Quimíco Arnaldo Pereira Braga, que no anúncio se apresentou como ex- chefe do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital da Santa Casa de Londrina e ex-perito químico

oficial, entre outras atividades profissionais. Curiosamente não ou o endereço do mesmo foi citado, mas destacou os exames que fazia e os procedimentos de análise e conhecimento.

O pesquisador Oberdiek também descreveu a existência/surgimentro de mais duas clínicas na cidade de Londrina. A primeira, sem grandes descrições, do médico Ângelo Dacâneo, que construiu a Casa de Saúde Santa Cecília, em 1940, localizada na rua Belo Horizonte, depois Hospital Modelo e, por fim, Hospital Santa Cruz (Ver também NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.20). Pelo anúncio, o dr. Angelo se apresentava como diretor e operador do hospital. Tal qual o hospital do dr. Jonas, abria seu espaço para os outros médicos da cidade para operar e internar os seus pacientes. A segunda clínica er a dos irmãos Rocha Loures, que fundaram a Casa de Saúde e Maternidade Rocha Loures, então localizada na Rua Mato Grosso. Em associação com o Dr Jonas Castro Filho, que havia fechado o hospital de seu papel, foi transformada em Casa de Saúde São Leopoldo que, por fim, virou CLAM (atualmente fechado).

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O médico Josino Rocha Loures produzia anúncios isolados ou com a Casa de Saúde Rocha Loures (Paraná Norte, 30/08/1947, p. 02). Seu consultório ficara no dito hospital e sua especialidade era olhos, ouvidos e garganta. No anúncio da casa de saúde, pode-se ver que a havia o setor de moléstias nervosas

e mentais a cargo do Prof. Anibal Alves de Rocha Loures. Essa Casa de Saúde foi inaugurada em abril de 1949 e, curiosamente, o jornal Paraná Norte intitulou a notícia como “Londrina não tem complexos” (21/04/1949, p. 01). A referida casa de saúde também fazia cirugias, partos, atendia doentes com hemorróidas e moléstia de senhoras. Mais ainda, atuava no grande campo da maternidade, ou seja, além do parto normal, fazia cesarianas e havia o internamento da parturiente.

Outros médicos usaram a propaganda em jornais para se fazerem conhecidos e divulgar suas especialidades, que como se pôde verificar, na medida em que o tempo passava e o médico ficava conhecido, a possibilidade de atuar em sua especialidade aumentava. Assim, a partir da década de 40, além dos médicos já citados, outros chegam a cidde de Londrina e iniciam suas propagandas por meio de anúncios nos jornais: dr. M. Tourinho (clinica geral, com especialidade em vias urinárias e sífilis); dr. Ricardo E. Skrowonek (Operador, fraturas, partos, doenças de estomago, fígado, rins, pulmões etc.); dra. Yolanda Skowronek (doenças de senhoras e de crianças); dr. Jary Gomes, com diploma da, hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com passagens em vários hospitais do Rio de Janeiro, atendia senhoras, homens e crianças, partos, vias urinárias e doenças do coração e pulmão); e dr. Orlando Vicentini, especialista em crianças.

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A leitura desses anúncios demonstra a necessidade de sua existência para a conquista de clientela, para fazer-se conhecido. Percebe-se a necessidade de citar um ponto de referência, mesmo a cidade sendo pequena. Talvez isso se deva ao fato de pessoas vindas das áreas rurais ou mesmo de outras cidades não conhecerem Londrina (vindo pela primeira vez ou com pouca frequência). As referências são bancos, lojas, associações, farmácias, cinemas, escolas, praças, prédios públicos entre outros. Um bom dado dessa perspectiva é o fato de sempre aparecer a cidade de Londrina nos anúncios. Outro aspecto é que grande parte atendia senhoras e fazia parto, deixando claro que esse era o melhor mercado de atuação. Outras doenças que aparecem referenciadas em muitos anúncios são as venéreas, em especial a sífilis. Por fim, pode-se citar que hemorroidas (em homens e senhoras) era um problema crônico na cidade (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.17).

Concluindo, a título de ilustração, cita-se o Dr. Mendes Araújo, um médico itinerante: “AVISA que dará consultas em LONDRINA, à rua Baía, 762, somente do dia 5 a 20 de agosto próximo”. Apresentava-se como médico especialista em hemorroidas,

colites, diarreias, varizes e úlceras. Tudo isso sem sujeitar o paciente ao procedimento operatório. Seus anúncios, para dar mais segurança ao leitor e confiabilidade ao tratamento a ser executado, traziam mensagens de ex-clientes satisfeitos com os

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resultados alcançados pelo médico Mendes Araújo. Afirmou o senhor José Fedátto, da cidade de Curitiba, em carta datada de 10 de novembro de 1927 (!), com firma reconhecida, que por nove anos teve hemorroidas e, após experimentar quase tudo e sem esperança de cura, encontrou o dr. Mendes de Araújo e, após um período de tratamento, curou-se, adquirindo melhor disposição para o trabalho (Paraná Norte)

Farmácias, Ervas e Medicamentos

É sabido por todos que a automedicação é um costume antigo e um grave problema de saúde pública. Basta ir a uma farmácia e ficar esperando que aparece um cliente comprando um remédio que um amigo ou parente indicou, ou ver uma pessoa descrevendo seus sintomas ou mostrando suas feridas ao balconista da farmácia para que ele indique um medicamento que solucione o problema apontado. A origem talvez esteja no espaço ocupado pelos farmacêuticos e pelas farmácias pela ausência mais sistemática do poder médico instituído. Farmacêutico formado, prático de farmácia, com curso ou não, atendente experiente com anos de casa, enfim, todos com sua prática e com sua clientela conquistada pelos sucessos na assistência à saúde podem ajudar a entender a manutenção desse costume. Cabe destacar que, no início Farmácia Gomes, s/d, autor

desconhecido. MHL. Fragmento.

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do século XX, era comum o aluno de medicina ou um médico recém-formado usar o balcão da farmácia para formar clientela.

Neste tópico do texto, a intenção é apresentar o papel importante das farmácias e dos práticos farmacêuticos para a saúde pública no início da formação da cidade de Londrina.

Formados em instituições acadêmicas ou com treinamento para práticos repassados através do cotidiano da farmácia, esses profissionais foram, em vários aspectos, referências sociais positivas para a sociedade da época. Muitos deles iniciaram as atividades como aprendizes de farmacêuticos e, mais tarde, tornaram-se práticos e farmacêuticos provisionados. Porém, inspiraram confiança pela precisão na manipulação das fórmulas e na orientação dada à clientela no balcão.

Pesquisa realizada pela então acadêmica de História, Maria das Graças dos Santos, e publicada no Jornal Folha de Londrina apresentou, como primeiros farmacêuticos da cidade de Londrina: Pedro Nolasco da Silva, Daniel Gomes Leme, Edgar Paes de Melo, Eduardo Benjamin Hosken, Orestes Medeiros Pullin, Constantino Igoroff, Luis Francisconi e Alceno Segantim (“Farmácias e Drogarias”, Coluna “Memória e Cotidiano”, S/D). A CTNP mantinha junto ao seu hospital uma farmácia para atender seus doentes e clientes de fora. Seu administrador seria o senhor Hilário Scharf, farmacêutico que foi, posteriormente, proprietário da farmácia Paraná. Por sua vez, segundo Omeletino Benatto, a primeira pessoa a exercer a função de farmacêutico em Londrina foi o sr. Priciano Macedo, falecido em 1938 (BONI et al., 2013).

Pelo jornal Paraná Norte, podem-se acompanhar notícias sobre o surgimento das farmácias, sua localização, as que estavam de plantão aos domingos e, mesmo, as propagandas pagas por elas.

Para a pesquisadora acima citada, a farmácia São João, localizada na avenida Paraná, de propriedade de Pedro Nolasco, teria sido a primeira da cidade, sendo a segunda, Farmácia Gomes. O Jornal Paraná Norte, de 9 de outubro de 1934, publicou

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uma notícia sobre os plantões das farmácias aos domingos, que nos apresentou uma informação importante, a existência da farmácia Cianorte: “Os proprietários das farmácias Gomes, São João e Cianorte acabam de combinar, entre si, o descanso dominical de dois dos três estabelecimentos, ficando, assim, uma única farmácia aberta aos domingos, após o fechamento do comércio na hora regular.”

As farmácias produziam em seus laboratórios, xaropes, poções, pomadas, pílulas, cápsulas, supositórios, colírios, fortificantes entre outros. Segundo o sr. Segantim, proprietário da antiga farmácia Central, até a década de 40, cerca de 80% dos produtos eram feitos nas farmácias. A indústria farmacêutica brasileira produziu uma pequena quantidade e variedade de medicamentos. Para se ter uma ideia da importância das farmácias para a saúde dos moradores da cidade, basta lembrar, por exemplo, que em um surto de malária, no ano de 1942, o farmacêutico Segantin preparou em uma única noite, cerca de duas mil cápsulas de quinino (“Nos tempos da pharmácias”, Folha de Londrina, Caderno Cidades, 09/09/1997, p. 01).

Em setembro de 1938, por exemplo, o jornal Paraná Norte noticiou a “Pharmacia Brasil”. Não há certeza se foi uma notícia ou se foi uma propaganda (uma notícia paga). Nela se pode ler: “Acaba de ser instalado nesta cidade o importante estabelecimento comercial denominado farmácia Brasil, de propriedade da firma Chocair & Comp., sob a responsabilidade do farmacêutico sr Pedro Santiago Chocair, antigo proprietário da farmácia Chocair e nosso colega de imprensa” (17/03/1938, p. 03). Percebe-se que o proprietário já é conhecido e, mais, amigo de imprensa. O estabelecimento comercial é denominado como “importante”, ou seja, um grande destaque, uma palavra que

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chama a atenção do leitor. Seguindo a “reportagem”: “A farmácia Brasil, com um belíssimo estoque de drogas e preparados, mantém ainda, como sua sucessora, um rico e variado sortimento de perfumarias e novas instalações para o serviço de laboratório. Funciona no prédio novo da avenida Paraná, junto à Casa Emma, de propriedade do sr. Benjamin Litvinoff.” Veja-se que a nova farmácia estava localizada em prédio novo, em área privilegiada, seu espaço laboratorial também era novo, o que sinalizava como higiênico, seguro e possibilitava agilidade na manipulação das substâncias; possuía ainda uma variedade de produtos de perfumaria, ou seja, além do remédio, o cliente (em especial, a mulher) poderia comprar sabonetes, perfumes, talcos etc.

Ao lado, a propaganda efetiva da empresa, publicada no jornal Paraná Norte, em 21 de agosto de 1938, na primeira página. A farmácia Chocair trocou o nome para farmácia Brasil, que

estaria em novo prédio, especialmente construído para tal fim. Se auto-intitulava “uma farmácia digna de sua denominação”. Portanto, além de não destoar da “reportagem”, a propaganda estimulava ainda mais uma “visitinha” ao novo estabelecimento comercial da cidade.

Na coluna “De plantão...”, do jornal Paraná Norte, informou-se que, todos os dias e a todos os momentos, estaria a farmácia Brasil em defesa da economia do povo, aviando receitas e vendendo drogas, preparados e perfumarias por preços excessivamente módicos, razão pela qual teria conquistado a simpatia e a confiança do povo londrinense. E mais: “PREÇOS BAIXOS – PREÇOS PARA DOENTES” (24/09/1938. p.02).

Quando da inauguração da farmácia Gomes, em novembro de 1938, o mesmo jornal foi mais econômico na escrita e na

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descrição da empresa: “Mais uma farmácia” (mais uma no sentido positivo ou negativo? Depende da entonação da leitura). Informou que o sr. Daniel Gomes Leme, antigo farmacêutico de Londrina, voltou a sê-lo,

abrindo a Farmácia Gomes na avenida Paraná, 59. Portanto, o proprietário da segunda farmácia de Londrina reabriu sua empresa em 1939 (13/11/1938, p. 01).

Constantino W. Egoroff (muitas vezes escrito erroneamente como Igoroff) teria sido proprietário da farmácia Brasil, nos anos 40. Faleceu em 1946 e, no seu túmulo, localizado no cemitério São Pedro, a família fez questão de destacar a sua profissão, ou seja, esta causaria no visitante do cemitério uma reverência maior ao morto ali sepultado, já que era uma profissão respeitada.

Uma “notícia” veiculada na primeira página do segundo Caderno do Paraná-Norte, intitulada “Um pharmacêutico de valor” (01/01/1940, p. 1b), sobre o proprietário da farmácia Cruzeiro, dá uma ideia da posição do farmacêutico na sociedade londrinense. O que mais chama à atenção é a fotografia do farmacêutico, formalmente vestido, em sua beca e com o símbolo da farmácia no capelo (uma taça entrelaçada por uma serpente). Seu

olhar não direcionado ao leitor, como era o padrão, apresenta uma fronte séria, transparecendo respeito. O texto elogia a farmácia Cruzeiro, pois era bem montada, tendo o seu proprietário um

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bom conceito junto à população, por sua cultura e honestidade. Descreveu a formação do noticiado: formado em 1927 pela Faculdade de Leopoldina, estado de Minas Gerais, onde exerceu com êxito sua profissão e foi também professor de física, Química e História Natural.

Portanto, a “notícia” foi inteligentemente pensada para valorizar a farmácia por meio do fortalecimento da imagem de seu proprietário, proporcionando uma visão serena, madura e profissional do mesmo.

Certamente, entre tantas farmácias que existiram em Londrina nos seus primeiros anos, a farmácia Maria Izabel merece destaque. Durante 43 anos funcionou em Londrina. Suas portas foram abertas no ano de 1939 por Orestes Medeiros Pullin e José Schietti. Localizada, em todo esse tempo, na avenida Paraná, na época um quarteirão comercial, com lojas e armazéns. “Na cidade, já havia quatro farmácias, mas a Maria Izabel não veio perturbar, veio somar atendimento, pois incontáveis vezes os dois sócios eram acordados de madrugada para atender até ca,os de urgência”. Esta frase é curiosa, pois deixa entender que, mais que vender remédios, os proprietários prestavam “consultas”, isto é, diante dos sintomas e queixas do cliente, faziam o curativo e preparavam e/ou vendiam o produto farmacêutico. “Em caso de maleita, era comum os farmacêuticos aviarem receitas de Paludan injetável e quinino em cápsulas”, afirmou a reportagem. Embora na década de 40 já existissem muitos remédios industrializados, outros tantos eram manipulados e produzidos na própria farmácia. No caso da farmácia Maria Izabel, os medicamentos vinham da Drogasil, de Ourinhos, ou diretamente comprados em São Paulo, vindos de trem ou sendo buscados pelo sócio Schietti (MORAES, Dulcinéia, “Phármacia”, Folha de Londrina, 06/02/1982, p. 13). O negócio prosperou e partiram para um novo prédio, agora próprio, em 1944, para, no fim, se estabelecerem na avenida São Paulo, onde fecharam no ano de 1982.

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Pela imagem acima, pode-se ter uma visão da farmácia Maria Izabel, que tinha o formato padrão, ou seja, mobiliário em madeira, com os produtos à mostra protegidos por vidros, a tradicional balança, a caixa registradora e os empregados. O acesso aos remédios e produtos da parte de cima do armário se dava por escada deslizante, um dos charmes das farmácias de então. Chama à atenção o grande número de empregados, demonstrando uma forte demanda por remédios, manipulados ou não. Percebe-se a presença de crianças, o que era comum naqueles

tempos. Muitas delas cresceram na farmácia, em idade e profissionalmente, aprendendo a profissão de prático de farmácia e a manipular as receitas e as drogas. Ao lado há duas imagens: uma é

de um compressor de rolhas, no formato de jacaré, sendo sua função facilitar a entrada das rolhas nas garrafas e vidros dos medicamentos; a outra, de um pequeno vidro, com o rótulo da drogaria e farmácia Maria Izabel. Nesse rótulo era datilografado o nome

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do medicamento que estava dentro do recipiente (fotografias de Amauri Ramos da Silva, acervo MHL)

Sebastião Carmagnani, outro farmacêutico provisionado, relatou em seu depoimento, que o médico solicitava o produto manipulado e o farmacêutico seguia as orientações prescritas. Não podia ocorrer erro. O preparo da dosagem da aspirina em forma de pó era feito em papeizinhos de celofane transparente. Neles eram colocadas as dosagens prescritas, quaisquer que fossem os sais. A dosagem do medicamento era feita em balança de precisão, e depois de fechados, os papeizinhos eram entregues aos clientes. Abaixo há mais duas imagens vinculadas ao exercício da profissão de farmacêutico. Uma, com papel timbrado da farmácia Gomes, do ano de 1941, onde há a composição de um xarope (fica a dúvida de quem prescreveu esta receita); a outra é de uma folha caderno de receitas de remédios que pertenceu à farmácia Vianna, recentemente fechada (2014) após mais de 50 anos em funcionamento no mesmo lugar, na rua Duque de Caxias.

Em 1938, Alceno Segatin, por exemplo, foi um dos jovens que começou na farmácia como ajudante e acabou se tornando proprietário. Começou a trabalhar com 14 anos na Farmácia Nossa Senhora Aparecida, de Edgar Paes de Melo, então localizada na avenida Rio de Janeiro com a Maranhão, onde hoje está o Edifício América. Em 1940, transferiu-se para outra farmácia tradicional

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da cidade, farmácia São João, de Benjamin Hosken e Pedro Nolasco. Em 1951, em sociedade com Ivo Ferreira Leite, abriram a Farmácia Central na Rua Minas Gerais, na esquina com a Rua Goiás, atual Rua Senador Souza Naves, onde permaneceu até o ano de 1953, quando comprou a parte do seu sócio e se instalou em outro local na mesma rua (SCHWARTZ, “Despede-se um recordista em farmácia”, Folha de Londrina, Caderno Cidade, 24/03/2003, p. 8-A).

Mas não só médicos e farmacêuticos prestaram assistência à saúde em Londrina. Outros personagens também atuaram, tais como os fornecedores de ervas, tradicional forma de atender à saúde no norte e nordeste do país, e as parteiras. Estes serão apresentados mais adiante. Antes será apresentado outro personagem, mas este prestava desassistência à saúde: o trambiqueiro.

Evidentemente, pouco há de registro dessas pessoas que abusavam das dificuldades alheias e de sua credulidade. Será citado apenas um caso, cujo nome será omitido. O fato ocorreu em ano pouco distante do período proposto, mas serve como referência para fatos similares que ocorreram em tempo anterior. O ano era de 1948, o dia 23 de dezembro e a hora mais ou menos 20 horas. Um “dito” que se dizia “curador e benzedor” adentrou a residência de seu vizinho e locador para dar assistência à saúde de sua família. Imediatamente, passou duas receitas: uma para o vizinho e outra para a esposa deste. Depois sugeriu benzer a filha do locador, no que foi atendido. Iniciou o benzimento na cozinha, depois indo para a sala. Ficou na casa por quatro horas, quando saiu dizendo que tinha que fazer outros serviços “espirituais”. Ao

amanhecer, o locador percebeu o sumiço de quinze mil cruzeiros do bolso de seu paletó que estava na sala. Logo após, soube que o “dito” havia feito as malas e viajado. Nos autos findos criminais há as duas receitas prescritas pelo “dito”. Uma delas, indicada ao locador, está ao lado deste texto. O curioso

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é a semelhança com uma receita médica verdadeira, pois se preocupou em escrever “uso interno”, o nome do paciente, além de indicar a forma de uso. Mas, será que o farmacêutico não teria curiosidade de perguntar quem prescrevera a receita ou isso era normal naqueles tempos? Infelizmente, os dados não respondem a esta questão. Bem o dito foi processado por roubo e exercício ilegal de profissão. No momento do processo, encontrava-se em cidade de Minas Gerais, preso em delegacia (CDPH/UEL, Notação 3200, Forum da Comarca de Londrina, AC-914/49).

Agora passemos para a próximo tópico.

Ervas e Plantas Medicinais

Até hoje se encontram pela cidade de Londrina lojas que comercializam ervas (aqui em seu mais amplo espectro), ou seja, cascas de árvores, raízes de plantas, folhas, chás etc. Costume muito presente nas feiras do norte, em especial, e do nordeste do país, há de se imaginar que foram esses migrantes que trouxeram o hábito para a cidade de Londrina e região ainda nos primeiros anos de colonização do norte do Paraná e que tenha tido uma grande importância no atendimento dos males de saúde da população.

Infelizmente, para os limites desta pesquisa, não foi possível localizar maiores informações sobre as atividades de pessoas conhecedoras dos benefícios das ervas, nem suas atividades nos anos 30 e 40. Como era uma atividade realizada nos meios populares, distante da cultura oficial da medicina acadêmica, suas histórias e lembranças foram se apagando com um tempo.

Mas, não é permitido nos furtar de citar um importante divulgador dos benefícios das plantas medicinais na assistência à saúde em Londrina, mesmo em período posterior ao objeto deste trabalho: Meton Araújo de Souza.

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Meton Araújo de Souza chegou a Londrina no ano de 1935 e pensava em abrir uma farmácia homeopática, mas não haveria clientela. Passou a vender sabão por ele mesmo fabricado até se estabelecer, com a ajuda do prefeito Willie Davids, em uma lojinha de engraxate e de venda jornais na rodoviária de Londrina Quando esta foi demolida passou para a venda exclusiva de jornais, atividade que perduraria até 1975, quando abriu sua farmácia homeopática. Seu conhecimento de plantas começou com seu pai. Em 1930, foi para o Rio de Janeiro fazer um curso de homeopatia com o dr. Adolpho Corrêa Araújo. Mesmo com suas obrigações com o comércio e distribuição de jornais e revistas, nunca abandonou os estudos sobre as plantas. Sua farmácia teve reconhecimento nacional, atendendo pessoas de várias cidades brasileiras (“Meton pôs a ‘vila’ a ler jornais”, FOLHA DE LONDRINA, Caderno Cidade, 05/06/1996, p.8-A).

Mas, antes de tudo, alertava que não era curandeiro, não era administrador de chazinhos e raízes; “muita gente acredita mais em curandagem do que em Medicina. ” Meton, também não se considerava médico, mas era “doutor em homeopatia”, frente aos anos de pesquisa que realizou. Segundo ele existem mais de 300 mil ervas que poderiam ser usadas para fins homeopáticos, bem como para a medicina caseira (“Meton Araújo de Souza: Há 39 anos fazendo remédio sem química”, FOLHA DE LONDRINA, 12/08/1980, p.29).

A preocupação de Meton em não ser confundido com curandeiro revela um problema importante, qual seja a prática de um crime previsto no Código Penal, conforme vimos ter ocorrido em Londrina, e que acabou na acusação de roubo. Mas, a mensagem também pode transparecer um preconceito contra as pessoas que apenas vendiam as ervas e plantas sem nenhum conhecimento. Talvez sua preocupação fosse pela manipulação das ervas e plantas e seu comércio por pessoas que tivessem conhecimento mais apurado das mesmas. De certo modo, foi

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desconsiderado todo um conhecimento passado pela oralidade e pela experiência pessoal. Tudo isso ajuda a entender a falta de memória para com aqueles que transmitiam e/ou vendiam as ervas, raízes e plantas medicinais em Londrina e região.

Por fim, reafirmamos a necessidade de maiores estudos sobre as ervas e as plantas no uso cotidiano da população de Londrina em tempos de outrora.

Parteiras

Se os farmacêuticos atuaram como importantes aliados em prol da saúde do Londrina, sendo conselheiros do cliente ou apenas fornecedores/aviadores de remédios, as parteiras tiveram também uma grande importância no atendimento da parturiente na hora do parto.

Em item anterior, pôde-se notar que uma grande parte dos médicos da década de 30 que chegaram à cidade de Londrina se dispunham a fazer partos. Certamente era uma importante fonte de renda dentro dos vários atendimentos que realizavam.

Segundo a pesquisadora Glicério, o crescimento econômico e populacional da cidade de Londrina e região atraiu não apenas

médicos, mas também parteiras, no caso obstetrizes: “Estas eram as profissionais que realizavam partos e tinham concluído cursos nas faculdades de medicina que as habilitavam para a prática” (MENDONÇA, 2004, p. 65). Uma destas foi a senhora Maria Shimyo Tan (fotografia ao lado), que na realidade tinha a formação de enfermeira pela Faculdade de Kyoto no ano de 1921 (a reportagem da folha escreveu Faculdade de Medicina de Tókio). Casada, veio para o Brasil se instalando, inicialmente, em Sorocaba, estado de São

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Paulo. Depois, deslocou-se e se estabeleceu em 1934 na cidade de Londrina, da qual nunca mais saiu. Fez mais de 10 mil partos e afirmou: “eu sou parteira de casa” (“Profissão: parteira”, PANORAMA, 20/04/1975, p. 18).

Outra famosa parteira de Londrina foi a dona Lídia Wassilevski, que teria realizado cerca de 3 mil partos na cidade. Nasceu o Rio Grande do Sul e, ainda criança, mudou para a cidade de Irati. As moças desta cidade,

após o colegial, na década de 30, eram convidadas para fazer um curso na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, hoje vinculada à Universidade Federal do Paraná. Essa maternidade oferecia cursos de obstetrícia. Dona Lídia se formou parteira-ginecologista, em puericultura e em enfermagem. Chegou em Londrina em 1951 e virou uma parteira respeitada: “Só em Londrina fiz, nas épocas boas, 42 partos por mês” (“Profissão: parteira”, PANORAMA, 20/04/1975, p. 18).

Não há precisão de quantas obstetrizes chegaram a Londrina, o certo é que se pode afirmar que a maioria dos partos, na década de 30, em Londrina, foram realizados pelas parteiras tradicionais, ou seja, mulheres com prática e conhecimento rudimentar de fazer partos, também conhecidas como “curiosas” ou “aparadeiras”. Tristemente, a memória dessas “mães” de Londrina e região foi perdida.

Para ajudar na formação das parteiras, livros eram publicados, seja para a venda ou para a distribuição. Não se dimensiona a capacidade desses livros na atuação na prática das parteiras. Podem-se citar dois títulos que foram lançados no início da década de 40: “O livro da parteira”, de Affonso Henriques Furtado, editado pela editora Nacional (228 páginas), e outro, “Guia prático da parteira”, totalmente ilustrado, com as etapas do

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antes, durante e depois do parto, ou seja, da preparação da mãe ao cuidado com o bebê, com 25 páginas, editado pelo Exército Brasileiro (uma contribuição da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército). Enfim, esse livro era bem prático propriamente dito, direto no ponto!

“A maioria dos partos era feita por curiosas e algumas parteiras muito famosas. Quando havia alguma complicação, não traziam os pacientes para o hospital; mas, sim chamavam primeiro o profissional para ir até o local, que depois precisava explicar perante a família que a parteira tinha feito tudo que era possível, mas que as coisas não podiam ser resolvidas lá, era preciso ir para o hospital. Só então concordava, ainda assim, às vezes, em situações dramáticas.” (citado por NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.115).

A frase acima, do médico João Henrique Steffen Junior, para a década de 50, é muito elucidativa do “status” estabelecido e os padrões de comportamento. Em primeiro lugar, aparece a “curiosa”, ou seja, uma parteira, que aparentemente não tinha muita experiência ou ainda não tinha fama. Em segundo, a “parteira” propriamente dita, ou seja, é aquela que já era reconhecida como “profissional”, em quem as parturientes e seus familiares poderiam confiar. Por fim, o médico, o único capaz de resolver um parto complicado, cuja palavra seria a última, aquele em quem a família poderia acreditar. Mas a tradição do nascimento no lar, a viagem cansativa e o gasto com a hospitalização gerava uma resistência que só era quebrada em casos gravíssimos (Entrevista com o autor, 22/08/2012).

A parteira tradicional era uma pessoa solidária, colocando-se à disposição da parturiente no auxílio na hora do parto. Então, era estabelecida uma rede de solidariedade e de fama entre as mulheres (citadinas e rurais), de apoio e de construção do reconhecimento e de responsabilidade de uma parteira. Quanto maior a fama, mais segurança tinha a família em chamar essa

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parteira.Segundo a pesquisadora Glicério: “A parteira era uma pessoa

preocupada com o bem-estar de sua comunidade. Ela era muitas vezes, em situações como as de Londrina em seus primeiros anos de existência, o único auxílio próximo” (MENDONÇA, 2004, p. 66). Dois fatores devem ser destacados para entender a atuação da parteira, em especial no meio rural, onde morava a maioria das famílias: o alto custo em contratar um médico, que tinha que se deslocar para o campo, o que naquele momento poderia significar horas de viagem, enfrentando cheias de rios, lama, árvore caída ou a própria distância; a própria disponibilidade de uma parteira no meio rural, que rapidamente atenderia a parturiente no momento em que mais precisaria. Destaca-se a frase acima do médico Steffen, que os médicos eram chamados, em geral, em momentos de complicação, de emergência.

Como explicou o médico Caio de Moura Rangel: “Éramos praticamente obrigados a atender casos de todas as especialidades, principalmente os de emergência” (NOGUEIRA & FRANCISCO, S/D, p.63). Complicação no parto seria uma destas.

Mas a profissão de parteira possuía seus riscos, pois as ditas tradicionais tinham que arcar com a responsabilidade ao que aconteceria com a criança e com a mãe. Um erro poderia acarretar a acusação de prática ilegal da profissão, curandeirismo, homicídio entre outros.

Como exemplo, cita-se o caso ocorrido no ano de 1938. O fato ocorreu no dia 15 de março, quando a parteira foi procurada pelo marido da parturiente, falando-lhe que esta já sentia as dores do parto. Após isso, a parturiente teve uma hemorragia muito grande, o que a deixou muita abatida. Os vizinhos e amigos alertaram a parteira sobre o estado da mãe, para os quais respondia que não era nada e que se deveria chamar um curandeiro. Dias após o parto, todos souberam da morte da mãe causada por hemorragia externa, conforme atestado de óbito.

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Os Primórdios da Assistência à Saúde em Londrina

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Segundo o exame cadavérico, a paciente, ao chegar ao hospital, teve constatado seu estado gravíssimo, com anemia aguda, quadro que não foi revertido, causando a morte da mesma. Diante desses fatos, a parteira foi enquadrada no artigo 156 (exercício ilegal da medicina sem estar regularmente habilitado), combinado com o artigo 297 (cometer, por imperícia, involuntariamente, direta ou indiretamente homicídio) da Consolidação das Leis Penais.

Em sua defesa, a parteira informou que foi procurada pelo marido da parturiente, o qual, com muita insistência, convidou-a para fazer o parto de sua esposa, que já sentia as dores. Que já havia realizado vários partos com sucesso e os fazia com a finalidade de ser útil e servir às pessoas pobres, nada cobrando por seus serviços, apenas aceitando o que lhe davam. No caso em questão, teria sido, conforme declarou, uma fatalidade, na qual não teria tido nenhuma contribuição.

Em novembro de 1940, o promotor público sugeriu ao excelentíssimo juiz do caso a declaração de nulidade do mesmo frente ao erro da denúncia, já que esta não atribuía à pessoa denunciada qualquer ato criminoso, pois “ter sido chamada para prestar serviço não é ato púnivel”. Não se sabe se houve nova investigação sobre o fato ocorrido, mas podem-se apontar duas questões: primeira, que exercer a profissão de parteira poderia incorrer em sanção penal; segunda, o despacho do promotor pode indicar que o exercício de parteira era tão corriqueiro (talvez tanto quanto possíveis erros), que não caberia enquadrar esse serviço como crime (CDPH/UEL, Notação 2958, Forum da Comarca de Londrina, AC-38/40).

Há de se destacar que muitas parteiras também eram benzedeiras, pois a fé religiosa possibilitava fazer essa ligação. Portanto, a relação da parteira com a criança e com a mãe precedia o momento do parto, indo até as maiores idades com os benzimentos para as doenças e para as agruras da vida. Mas, o tema da “benzedeira” ficará para o próximo capítulo desta obra.

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Outras Formas de Lidar com Doenças:

as práticas das benzedeiras em Londrina

Gabriela Cristina Maceda Rubert

Introdução

Quem nunca ouviu falar em benzedeira? Ou quando criança não foi levado para ser benzido por suas mãos experientes? Elas fazem parte do cotidiano brasileiro, e desempenham um papel importantíssimo junto à comunidade. Em Londrina, assim como em outras cidades do Brasil1, as benzedeiras se fazem presente, todavia, ativas em suas atividades, e atendendo pessoas de diferentes grupos sociais. A crença na eficácia do benzimento, é comprovada pelo grande número de pessoas que frequentam as casas dessas senhoras em busca da solução para os seus problemas, tanto emocionais e espirituais, como materiais.

Mas para compreendermos melhor quem são essas senhoras e que relações mantém com a sociedade, precisamos entender um pouco da história de formação dessa prática popular: o benzimento.

A cultura brasileira é formada pelas práticas culturais de

1 Para maiores informações sobre a prática de benzimento em outras localidades, ver: BRAGA, Geslline Giovana. A fotografia no imaginário das benzedeiras de Campo Largo. Revista Discursos fotográficos, vol. 1, Londrina, 2005, p. 253-280; BORGES, Moema da Silva. Incorporação do saber de parteiras e benzedeiras às práticas de saúde. Revista Com Ciências Saúde, vol. 4, n° 19, 2008, p. 323-332; MACIEL, Márcia Regina Antunes. Um olhar sobre as benzedeiras de Juruena (Mato Grosso, Brasil) e as plantas usadas para benzer e curar. Revista Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas, v.1, n° 3, 2006, p. 61-77; HOROCHOVSKI, Marisete T. Hoffmann. Velhas Benzedeiras. Revista Mediações, v. 17, n° 2, Londrina, 2012, p. 126-140; GIL, Lorena Almeida. Benzedeiros em Pelotas (RS): Entre o dom, a tradição e a religião. In: X Encontro Estadual de História, 2010, Santa Maria (RS); SILVA, Victor Augustus Graciotto. Benza Deus! Benzedeiras em Curitiba: Modernidade e Tradição. Curitiba: Ed. do Autor, 2009. AGUIAR, Gilberto Orácio. As benzedeiras do Rio de Contas e os desafios às Ciências Sociais. Revista Nures, n° 13, São Paulo, 2009; SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Ramos, rezas e raízes – A benzedura em Vitória da Conquista-BA. Dissertação de Mestrado, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1999; OLIVEIRA, Elda Rizzo de. O que é benzeção. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.

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diferentes etnias e temporalidades. Através das relações sociais, europeus, indígenas e africanos, compartilharam símbolos e manifestações culturais em um mesmo território, o Brasil2.

Isso não significa que as trocas culturais foram pacíficas, em muitos casos houve a imposição e a marginalização de algumas práticas3.

Esse emaranhado cultural que se formou desde os tempos coloniais, gerou uma cultura, portanto muito pluralizada, encontramos símbolos e signos característicos de vários períodos e formações históricas nas práticas culturais atuais, e neste caso específico na prática de benzer. Foram encontrados registros históricos, em Portugal do século XV, condenando a prática de benzimento em animais, do mesmo modo que, alguns rituais católicos são compostos pelo ato de benzer4. Além disso, na pajelança indígena e nas religiões afro-brasileiras é comum a utilização de bênçãos. Dessa forma, o benzimento é um signo

2 Posteriormente, nos séculos que seguiram a colonização portuguesa, grupos de imigrantes do mundo todo vieram para o Brasil, e também influenciaram e foram influenciados pela cultura brasileira.3 Houve a imposição principalmente da cultura ocidental cristã eurocêntrica sobre as práticas africanas e indígenas, consideradas pelos colonizadores primitivas, vulgares e diabólicas. A catequização dos indígenas, por exemplo, buscava gerar a cristianização dos nativos, substituindo os rituais e as crenças ancestrais das diversas etnias indígenas brasileiras pela fé em um deus único.4 O benzimento de ramos, no domingo de ramos, ou por exemplo, o benzimento do padre em algum espaço físico (estabelecimentos comerciais, moradias, espaços públicos).

Há muitos estudos sobre o conceito “cultura brasileira”, mas a reflexão que sempre se coloca é: O que é afinal a cultura brasileira? São definidas também subdivisões e diferenciações dentro desse conceito, como por exemplo, a “cultura popular”, conceito também de complexa definição. Durante muito tempo o termo “popular” foi relacionado á práticas primárias e rústicas, sendo visto de forma pejorativa por grupos intelectuais. Outras análises fazem a relação do conceito com a condição de classe, antagonizando com o que seria de origem elitista. A cultura popular brasileira não está isolada em uma redoma, ela influencia e é influenciada pelas múltiplas práticas culturais. Assim como aponta Michel de Certeau ela não se apresenta no singular, é plural, é constituída pela “inumerável variante que germina, tal como um mofo, nos interstícios das ordens micro e macrofísicas” (CERTEAU, 1995, p. 245). Do mesmo modo, que aponta Thompson “na verdade o próprio termo ‘cultura’, como invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto” (1998, p. 17).

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comum para muitas culturas, sendo praticamente inevitável a apropriação da população desse signo em suas práticas populares.

Em todas essas crenças religiosas o benzimento tem como função combater/prevenir as forças do mau5. Sendo assim, a religiosidade popular brasileira6, incorporou esse significado, criando e, todavia, recriando novos símbolos e rituais dentro da prática de benzimento. A religiosidade nesse caso, está intrinsicamente ligada as formas de viver do homem comum, as suas necessidades e possibilidades. Dessa forma, a utilização de orações e a manipulação de plantas naturais nos rituais apresenta um sentido histórico e local. O conhecimento e o contato com as formas de combater as doenças é herdada pelas senhoras benzedeiras de suas ancestrais, aprendem assim, no seio familiar a lidar com as dificuldades e adversidades do cotidiano.

Nos séculos antecessores, os praticantes do benzimento, muitas vezes sem recursos materiais e conhecimento sobre outras formas de remediar problemas, realizavam orações para solucionar empecilhos, desde um animal doente, até para encontrar objetos perdidos e solucionar conflitos familiares. As orações foram modificando-se e ao longo do tempo e ao mesmo tempo sendo herdadas, assim como complementadas com gestuais, simpatias e simbologias.

5 Existe também o benzimento tradicional familiar, em que os mais novos pedem a benção aos integrantes mais velhos da família. Nos ensinamentos católicos, o benzimento é também o sinal de cruz no rosto, esse gestual é feito antes de iniciar uma oração e no término da mesma. Além disso, é comum ver pessoas se benzendo ao passarem por uma Igreja ou cemitério, ou antes de enfrentar uma situação difícil (por exemplo, atletas antes de uma prova de muita dificuldade e importância). Desse modo, o benzimento ritual, seja o gestual de fazer o sinal da cruz, ou o de pedir a benção com as mãos fechadas aos mais velhos, ou a benção concedida pelos padres e pastores nas Igrejas, ou no caso analisado, o benzimento das benzedeiras, visa a proteção, a interseção sagrada para um momento mundano.6 Mais precisamente podemos pensar em catolicismo tradicional popular. A descrição do termo de Janaína Azevedo é interessante para refletirmos os objetos do presente estudo. Para ela “nesse catolicismo, a fé é construída sobre alguns princípios bastante diferentes da Igreja Católica canônica. Em primeiro lugar, é o homem leigo quem ocupa papel central; o especialista, isto é, o sacerdote ordenado tem um papel secundário, o que faz com que surjam as benzedeiras, os milagreiros e outros tantos personagens da cultura popular do sertão; há uma perda relativa de importância sacramental frente ao devocional; a fé é mais importante que o rito e passa-se a perceber certa manipulação do sagrado com finalidades do cotidiano [...] Enfim, revela-se notável o caráter protetor da religiosidade popular: ela visa a solução prática dos problemas do cotidiano e oferece uma segurança adicional frente ao esforço material.” (2010, p. 113)

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Portanto, compreender as dinâmicas e a simbologia do benzimento, exige o olhar para o tempo passado, e a observação do tempo presente. Não precisamos esmiuçar todas as nuances e origens simbólicas do benzimento, mas sim, entender o porquê dessa prática ser tão frequente em nossa sociedade, e o sentido que atravessa sua existência e as relações que estabelece com o social.

Compreender hoje a prática de benzimento, é analisa-lá não mais como a última alternativa diante da falta de recursos médicos e financeiros, mas atentando principalmente para a crença e a confiança que as pessoas depositam nas benzedeiras. Está para além da falta de escolha, é pelo contrario uma opção consciente.

As senhoras benzedeiras de Londrina

A história de vida dessas senhoras, por vezes, se confundem com a história do município, pois suas vivências ao mesmo tempo em que são particulares estão inseridas no processo histórico do lugar7. Muitas das transformações e dos marcos constantemente

7 Sugiro a leitura da reportagem sobre a história de uma benzedeira específica de Londrina, http://www.planetasercomtel.com.br/boas-historias/95544/com-crucifixo-e-responsos-dona-efigenia-ja-afastou-muitos-maus-olhados.html. Publicada em 24/11/2010

- Gestuais: são gestos simbólicos realizados pelos movimentos das mãos, normalmente representando algum símbolo religioso, como o caso mais comum o gesto da cruz, e da benção pelo passar das mãos fechadas pelo ar próximo ao corpo. Exprimem desse modo, assim como a oração uma mensagem.- Simpatias: é um ritual para que pedidos sejam atendidos, (não apenas ligados à cura de doenças, mas também para alcançar algum anseio ou solucionar problemas financeiros e emocionais), podem ser intermediadas pelas benzedeiras, ou em alguns casos, podem ser realizadas sem a interseção de um especialista. - Simbologias: Representam o conjunto de signos e símbolos presentes nas práticas sociais e culturais. Nesse caso específico, podemos pensar a simbologia como todo o conjunto de imagens, gestuais, rituais e orações que compõe a prática do benzimento, e que representam o

significado e a formação desta prática.

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citados nos estudos sobre a história da região, aparecem na memória das senhoras relacionados às mudanças de suas vidas.

Essas senhoras assim como tantos outros, migraram para a região de Londrina na década de 1940 e 1950 em busca de uma melhor condição de vida. Oriundas principalmente do interior de Minas Gerais e São Paulo, trabalhadores rurais, que após a crise do café na região sudeste, encontraram a possibilidade de continuar trabalhando com essa cultura agrícola no norte do Paraná. Além deles, outras levas de migrantes vieram de diferentes lugares do Brasil e em alguns casos de outros países. Neste território então, uma população muito plural irá conviver, mutuamente aderindo e influenciando costumes, trazem tradições de seus lugares de origem e reelaboram práticas no novo lugar de moradia.

As mulheres, nessa época, enfrentavam largas horas de jornada de trabalho, principalmente aquelas que viviam no campo. Revezavam-se entre as tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e o trabalho na roça. A falta de estrutura da área rural, nesse momento, condicionou essas senhoras a enfrentarem as dificuldades com os poucos recursos à disposição. Desse modo, um dos aliados mais presente, era o hábito alimentar. Ter o conhecimento de qual alimento e/ou planta previnem ou curam determinadas doenças, era uma necessidade. Assim como suas ancestrais essas senhoras, estavam em permanente contato com a terra, e herdaram através da transmissão de saberes a habilidade com o manuseio medicinal das ervas e plantas. Esse saber passado de geração para geração foi perpetuado através das práticas dessas senhoras no ambiente familiar. Nas entrevistas com as benzedeiras, é comum a fala de que começaram a realizar benzimentos, em um momento de extrema necessidade, quando um filho ou outro parente próximo ficava doente. Além disso, em alguns casos, elas afirmam nunca terem sido ensinadas a benzer ou realizar orações e manusear remédios caseiros. Mas que observando as mulheres mais velhas da família, adquiriram

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o conhecimento, e quando passaram por uma dificuldade grande descobriram-se naturalmente como perpetuadoras da prática.

Nesse momento histórico, a saúde pública e até mesmo a privada em Londrina, era extremamente precária e inacessível. O deslocamento da área rural para a cidade, era difícil, e, portanto, em casos de emergência o atendimento médico tornava-se quase impossível. Nesse cenário, os índices de mortalidade infantil eram muito elevados, era comum famílias perderem crianças recém-nascidas e em alguns casos o falecimento da mãe e da criança em trabalho de parto. Buscando amenizar essa situação, as benzedeiras e parteiras8 atendiam as outras mulheres da comunidade, precavendo sobre determinadas restrições após e antes do parto, auxiliando no trabalho de parto e acompanhando o crescimento das crianças.

É pertinente observar, também, que na situação em que essas senhoras encontravam-se, muitas doenças que consideramos hoje banais e de fácil tratamento podiam levar à morte, como, por exemplo, doenças virais – que hoje já tem vacinas de prevenção obrigatoriamente gratuitas na rede pública de saúde – e infecções através de ferimentos. Tendo em vista a precariedade da assistência médica pública em Londrina até hoje, sem postos públicos de saúde, todavia, em algumas áreas rurais, compreendemos a necessidade que essas mulheres tinham em desenvolver outras formas de remediar os problemas emergentes.

Na década de 1970, o êxodo rural na região de Londrina aumenta, devido a remodelagens na economia agrária brasileira9, e a crise da agricultura cafeeira após a geada de 1975 na região norte do Paraná. As condições de vida para o pequeno

8 As parteiras eram mulheres que realizavam partos, hoje estão em escassez devido às normatizações da medicina científica e a maior facilidade de acesso a hospitais. No entanto, essas mulheres foram durante muito tempo as únicas especialistas em auxiliar o parto. As benzedeiras também desempenhavam o papel de parteiras em muitos casos.9 Houve um incentivo por parte dos governantes desse período, para a produção agrícola voltada para exportação (“cultura branca”: soja, milho e trigo), gerando facilidades para a mecanização das terras e a concentração fundiária.

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agricultor ficaram muito precárias no campo, e a cidade tornou-se atrativa pela oportunidade de melhores condições financeiras e estruturais. Desse modo, houve o processo de esvaziamento do campo, em que muitas pessoas migraram para as cidades, deixando de exercer as atividades de agricultores para tornarem-se trabalhadores urbanos (em muitos casos nas indústrias). A maioria das benzedeiras passou por esses processos de mudança, inicialmente a migração de outros estados para Londrina, e depois do campo para a cidade. Isso teve uma representatividade muito grande na vida dessas senhoras, que constantemente relembram as diferenças da vida no campo, da vida na cidade.

A relação dessas senhoras com o benzimento, mudou, não em sua essência e significado, mas foi reelaborada, readaptada as novas dinâmicas da vida urbana. Na cidade elas encontraram um maior espaço para suas atividades, a vida no campo limitava as horas de atendimento à comunidade, além disso modificaram seus ofícios, buscando trabalhos para além do espaço doméstico. Mas foi depois da aposentadoria que a maioria começou a desenvolver as atividades de benzimento em tempo integral.

Hoje a relação dessas senhoras com a comunidade também é diferente. As pessoas não procuram mais seus serviços devido a um caso extremo de emergência sem outra escolha. Muito pelo contrário em muitos casos o benzimento é uma espécie de complemento dos tratamentos médicos científicos. A pessoa procura o médico, utiliza medicação para remediar o problema, mas sente mais segurança se também receber o benzimento, pois em muitos casos, a fé religiosa é tão presente quanto seu conhecimento sobre a eficácia da ciência médica.

A incorporação de outros recursos e linguagens é uma característica também dessa remodelagem do benzimento ao seu tempo e lugar. Essas senhoras nasceram em um período em que as relações eram muito diferentes, as famílias já não tem a estrutura hierárquica de outrora, as vivências na comunidade

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hoje são outras, as dinâmicas e a relação com o tempo também. Nesse sentido, as benzedeiras através de mudanças inseriram-se nessa dinâmica social atual. Uma prática que exemplifica bem claramente isso, é a realização do benzimento pelo telefone. As pessoas não precisam mais se deslocar até a casa da benzedeira para pedir oração; a pessoa passa o nome de quem precisa de benzimento e o endereço, a benzedeira anota, realiza a oração em cima do papel e com o nome informado, e coloca o papel junto à suas imagens religiosas. Os pedidos mudaram também, os problemas sociais de nosso tempo estão presentes na lista de pedidos das benzedeiras: encontrar um emprego, ter uma casa própria, superar problemas com drogas e álcool, sair da depressão, encontrar objetos materiais roubados, passar em algum concurso ou vestibular, etc.

Por outro lado, várias práticas tradicionais permanecem: os rituais, todavia muito próximo dos praticados pelas ancestrais; o manuseio das ervas medicinais; as devoções religiosas e a organização do espaço sagrado doméstico. No ambiente onde são realizados os benzimentos, comumente encontram-se presentes altares domésticos, com imagens religiosas doadas por pessoas que após alcançarem a graça através da benção retribuem a benzedeira com uma imagem10. Como nestes das fotografias abaixo11.

10 Essas imagens nem sempre são religiosas, em alguns casos, podemos encontrar imagens de políticos ou personagens históricos. 11 Não iremos referenciar as fotografias, para preservar a identidade das benzedeiras, assim como durante o texto não citaremos nomes nem outros dados pessoais.

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O altar gera a reafirmação da sacralidade do ambiente de benzimento, assim como, constantemente rememora os casos de cura, agregando maior credibilidade e força às atividades das benzedeiras. Através desses altares, podemos perceber o quanto o público que frequenta essas casas é religiosamente plural, encontram-se neles imagens de diversos credos religiosos e muitas imagens de santos populares.

Além dos altares, em alguns casos, são organizados espaços para receber as doações, pois as benzedeiras não cobram pelo serviço, mas aceitam doações de comidas e mantimentos. Gerando assim maiores laços de proximidade e intimidade com as pessoas, realizando o trabalho através da total doação, dispondo de tempo e espaço para receber as pessoas necessitadas das suas habilidades. A liberdade do ofício de benzer é muito grande, e consequência da naturalidade como essas senhoras incorporaram os conhecimentos, através das vivências e necessidades do cotidiano. Dessa forma, as benzedeiras apresentam especificidades em suas práticas, aplicando de maneira independente rezas e saberes memorizados. Cada uma delas especializa-se em um problema específico, algumas costumam benzer mais crianças, outras são mais procuradas para resolverem problemas emocionais, há aquelas que têm força

Santos populares: são considerados santos consagrados pela população, que não foram canonizados pela Igreja Católica, mas que tem uma força de devoção popular muito forte. Em cada região existe um santo popular de maior força devocional, como por exemplo, o Padre Cícero no Nordeste brasileiro e o Monge João Maria de Jesus em Santa Catarina. Na maior parte dos casos foram pessoas que estiveram junto com a população em determinado momento, e que, portanto, compartilharam da vida mundana e de problemas comuns à população como um todo. Os santos populares são diferentes dos santos com popularidade, que são aqueles consagrados pela Igreja, mas de grande devoção também, como por exemplo, Santo Antônio e São Francisco.

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na oração do responso12. O que legitima essas classificações, são os bons testemunhos13, pois as benzedeiras só existem através da comunidade que atribui sua importância e valor ao creditar confiança e fé em suas práticas.

A ciência humanizada do cotidiano

A prática de benzimento, desde que se tem registro foi estigmatizada. Inicialmente relacionada a práticas de magia e heresia, foi perseguida pela Inquisição14. Posteriormente, ao destoar da medicina científica, é relacionada à curandeirismo e charlatanismo15, inclusive tendo respaldo de condenação perante a lei, através da constituição de 1988, em que o artigo 284 prevê o curandeirismo como crime.

Até meados do século XX muitas pessoas foram punidas por práticas de curandeirismo, incluindo praticantes de benzimentos. Essa perseguição e a forma generalizante como o artigo 284 trata das práticas populares, gerou muitos receios para as benzedeiras.

12 O responso é uma oração específica realizada para Santo Antônio, que tem por finalidade encontrar coisas perdidas. Portanto, quando uma pessoa perde algum objeto, ou até mesmo é assaltada, pede que a benzedeira reze o responso e o problema seja solucionado a partir da interseção com Santo Antônio.13 Os bons testemunhos, são os casos em que o benzimento teve o efeito desejado: a doença curada, o pedido alcançado, o objeto encontrado, o vício superado, etc.14 Antigo tribunal eclesiástico instituído para investigar e punir crimes contra a fé católica.15 Segundo o dicionário Aurélio, charlatão é: ”vendedor público de drogas, que exagera ao apregoar-lhes as virtudes; indivíduo que exerce a profissão médica de forma enganosa; embusteiro; trapaceiro”.

Vejamos o que o artigo 284 classifica como curandeirismo:Art. 284 - Exercer o curandeirismo:I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;III - fazendo diagnósticos:Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado median-te remuneração, o agente fica também sujeito à multa. É ainda considerado crime contra a Saúde Pública, contra a Incolumidade Pública, posterior aos crimes de Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica.

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Mas o difícil controle de todas as práticas – enquadradas como curandeirismo – e as brechas da constituição, atenuam a possibilidade de condenação por curandeirismo. A lei adverte, se for ato de fé não caracteriza delito16, desse modo, o benzimento pode ser considerado um ato de fé e descriminalizado. Apesar, da escassez hoje de processos jurídicos punindo as práticas de benzimento, a forma como a constituição trata do assunto aumenta os estereótipos em torno das atividades das benzedeiras. Principalmente, quando o discurso médico científico utiliza essa constituição como respaldo para julgamentos.

Para além da criminalização, o benzimento é caracterizado pela sociedade racionalizada como uma prática retrógrada, vestígio de uma cultura ignorante e muitas vezes relacionado às camadas menos abastadas da população. Essas são características apresentadas em alguns discursos que combatem as práticas de cura fora do padrão científico instituído. Mas quem faz parte dessa ciência e o que foi instituído como ciência? É uma questão importante para pensarmos a medicina ocidental hoje, como ela se relaciona com a sociedade. O filósofo Gerard Fourez questiona se o atual padrão científico médico é a única forma para alcançar métodos de cura e tratamento, apontando as fragilidades sociais da medicina atual. Segundo ele, há um distanciamento muito grande das necessidades da sociedade das práticas médicas, estas não visam o bem-estar como um todo, mas atendem as demandas de um estrato social privilegiado. Além disso, a medicina ocidental tradicionalmente aplica os conhecimentos para remediar doenças, trabalhando muito menos nos métodos de prevenção e conscientização da população.

Há uma distância muito grande, portanto, entre a população e os médicos, uma carência de identificação e confiança, gerada por esse vazio humanitário da medicina atualmente. Para constatar isso, não é preciso muitos estudos filosóficos, basta

16 Além disso, a lei considera a intencionalidade da ação, julgando a priori se havia a má ou boa fé no ato, para julgar a intenção deve-se analisar as relações do praticante com a religião e a comunidade.

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frequentarmos algum centro de atendimento público17. A frieza e a relação automatizada18 dos minutos limitados de atendimento geram o desconforto do paciente, isso sem contar as condições estruturais e desumanas dos centros de atendimento no Brasil19. A falta de diálogo e a objetividade impessoal dos exames médicos (em alguns casos realizados por máquinas), faz com que o indivíduo não consiga expressar sintomas e angústias pessoais e até mesmo espirituais. Desse modo doenças ligadas ao emocional dificilmente serão compreendidas e diagnosticadas pelos médicos através dos métodos atuais empregados no atendimento público de saúde.

A ciência médica democratizou-se, mas até que ponto e de que maneira? Há sim uma grande diferença estrutural entre os recursos disponíveis na década de 1950, por exemplo, e hoje. Mas isso não significa, todavia, um atendimento igualitário e socialmente praticado. É exatamente nas fissuras desse sistema que as benzedeiras20 atuam, preenchendo lacunas e atribuindo sentido ao incompreensível21, contudo não desempenha resistência perante a medicina científica.

Diferentemente do centro médico, na casa da benzedeira há uma liberdade muito grande de tempo, as consultas podem levar horas. Para elas é necessário o diálogo, saber o que afligi a pessoa a ser benzida, investigar os problemas espirituais, as relações sociais que mantém, quais dores sente e com que frequência, que medicamentos já ingeriu. Além disso, comumente são realizados rituais, tanto para descobrir o mal como para realizar

17 O problema da saúde pública não é tema desse presente texto, mas faz-se necessário especificar sua atual condição para compreendermos o significado das benzedeiras nesse cenário.18 No sentido de ser automática e não individual, particular, específica, pessoal.19 Na maioria dos centros médicos há uma aglomeração humana muito grande, pessoas levam horas e em alguns casos até mais de um dia para serem atendidas, inclusive em postos de emergências. A constituição dos espaços também é extremamente impessoal, na maioria dos lugares o paciente precisa retirar uma senha e irá aguardar ser chamado, as pessoas desse modo, se transformam em números e estatísticas. Da mesma forma, elas são atendidas, dispõem de alguns minutos do médico, mesmo que o tempo não seja suficiente para resolver os problemas. O tempo neste caso comanda a relação e não a necessidade.20 Segundo Elda Rizzo de Oliveira o benzimento é “uma expressão verdadeira de parte das necessidades, dos sentimentos culturalmente definidos e historicamente possíveis da cultura popular” (1985, p. 72).21 Como observa José de Souza Martins ao trabalhar com as relações do homem simples no tempo presente “As situações de anomia e desordem são resolvidas pelo próprio homem comum justamente porque ele dispõe de um meio para interpretar situações (e ações) sem sentido, podendo, em questão de segundos, remendar as fraturas da situação social” (2011, p. 55)

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o tratamento22. Ao diagnosticar a pessoa, ela automaticamente significa o problema, pois cada doença tem um motivo, a maioria delas é causada pelo mau-olhado.

A medicina apenas remedia as doenças e, por vezes, adia o momento da morte, mas não significa e denota sentido a elas. Isso gera um sentimento de medo e insegurança no ser humano, que não percebe a causa de estar passando por esses sofrimentos. Desse modo, as práticas religiosas, e neste caso, específico o benzimento atribuem sentidos, causas e razões ao incompreensível e à realidade.

Ao determinar a causa da doença a benzedeira cria a esperança e a credibilidade da cura. A função de benzer, não parte de uma fórmula pronta, cada consulta, e cada pessoa exige um atendimento diferente, decorrente da particularidade de problemas iminentes em cada indivíduo. Neste processo de humanização do paciente, há uma aproximação com a cura, a própria ciência já comprovou que o psicológico e sentimental estão estritamente relacionados às doenças físicas, além disso, em alguns casos os problemas apresentados podem ser resolvidos apenas com a utilização de ervas medicinais23. O fato de muitas doenças não terem uma causa direta, e nem cura, apenas

22 Em alguns casos, através do ritual ao detectar a doença simultaneamente é realizado o próprio benzimento, como por exemplo, no caso do “Ar”. Ao colocar o copo com água na testa da pessoa se ferver a pessoa está com ar, aquela água que vai evaporando vai eliminando o ar da cabeça, realizando assim o ritual de benzimento. O ritual que detecta o que está atormentando o corpo, é importante para gerar credibilidade na cura e um efeito psicológico maior nos sintomas de melhora.23 Como por exemplo, problemas digestivos, vermes, dificuldade em dormir, etc.

Mau-olhado: Segundo as benzedeiras e a tradição é causado pela inveja, raiva e pelo olhar carregado. O mau-olhado está ligado à maior parte das “doenças de benzedeiras”, espirituais, e gera inúmeros sintomas, desde problemas físicos, falta de apetite, insônia, dores, indisposição à eventos cotidianos que sempre dão errado, azar contínuo, problemas familiares e amorosos, crises financeiras, etc. Elas afirmam que não é sempre que existe a intenção do mau-olhado, muitas vezes a criança está carregada, mas é apenas pelo olhar do adulto admirado da beleza infantil, assim ela já fica carregada de mau-olhado, por isso, para elas as pessoas devem sempre se benzer, para descarregar esse acúmulo de mau-olhado.

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controle através de remédios, também abre a possiblidade de busca da benzedeira, isso não quer dizer que as pessoas buscam a benzedeira apenas depois de procurarem a ajuda médica. A mentalidade popular já classifica muitas vezes, esses problemas como designados às benzedeiras.

Não há contradição no fato de uma pessoa procurar a benzedeira e o médico, pois eles atendem dimensões diferentes de cura. Todas elas alegam existir a doença para o médico tratar e a doença para a benzedeira curar. A doença para o médico é visualmente materializada no corpo, já a doença para benzedeiras é invisível e está ligada ao lado espiritual. Os próprios clientes já separam os problemas que podem ser resolvidos pelas benzedeiras, e aqueles que carecem de outras medidas. Neste caso, as benzedeiras realizam a separação de conhecimentos e possibilidades entre os dois campos, quebrando, portanto, o paradigma de oposição entre suas práticas e a medicina oficial. Em alguns casos específicos, elas contam com médicos formados na família, e convivem normalmente com as diferenças, em seus relatos a relação com os médicos é constante, tanto da parte deles procurando seus serviços, como delas procurando os serviços deles. Além disso, explicam que se perceberem que não conseguem curar a doença, indicam ao enfermo para procurar uma farmácia ou um médico, normalmente que já conhecem.

A crença em remédios naturais aparece hoje como uma alternativa à agressividade do excesso de uso de remédios farmacêuticos24, diante disso, as benzedeiras são legitimadas pela comunidade como as grandes conhecedoras da medicina natural. Inclusive em Londrina, houve a tentativa da implantação da fitoterapia na rede municipal de saúde, a partir da elaboração em coletivo de um projeto25, em que dialogavam senhoras com conhecimento popular de cura e biomédicos26.

24 A intoxicação com remédios é um problema contemporâneo muito frequente, reflexo de um padrão de vida baseado em uma rotina frenética e da popularização dos medicamentos farmacêuticos.25 Na gestão municipal de 1993-1996.26 Ver o livro de Melvina Araújo, Das ervas medicinais à fitoterapia, em que é problematizado a tentativa da implantação desse projeto em Londrina.

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Assistência à Saúde em Londrina: primeiros anos

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Mas o projeto não foi aplicado na rede municipal, pois o grupo científico começou a entrar em conflito com as senhoras das comunidades, gerando uma discordância de sentidos para o projeto. Elas desempenhavam já a assistência nas comunidades, na maioria das vezes realizando benzimentos e receitando remédios caseiros, elaborados a partir de seus saberes sobre manipulação de ervas. Os biomédicos apresentavam uma visão das ervas oriundas da academia, e significavam, portanto, as ervas de outras formas27. A intenção inicial do projeto era justamente considerar as interpretações e maneiras de curar da população, gerando uma relação mais próxima entre médico e paciente, a partir da manipulação de ervas naturais, mas segundo o grupo de fitoterapia da comunidade, houve um distanciamento nos diagnósticos dos biomédicos do emocional e da análise do corpo integrado (mente-corpo), de modo que, os biomédicos apresentaram o mesmo discurso e as mesmas procedências da medicina científica tradicional.

A escassez de projetos que trabalham com o saber medicinal popular, que realmente valorizem o saber e a cultura dos sujeitos históricos, demonstra a dificuldade de nossa sociedade racionalizada em perceber as subjetividades e sentimentos que fogem à interpretações científicas. Um caso a parte no Brasil, foi o reconhecimento das benzedeiras em duas cidades do Paraná: Rebouças e São João do Triunfo28. A partir de um mapeamento, foi implementado um projeto de lei, posteriormente aprovado reconhecendo a atividade das benzedeiras como legítimas. 27 Segundo Melvina Araújo, os biomédicos não faziam uso de ervas em estado natural, a planta só era recomendada depois do princípio ativo ter sido testado cientificamente (2002, p. 144).28 Ver reportagem sobre o assunto em http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1250174. Consulta em 27/05/2014.

Fitoterapia: A fitoterapia é o recurso de prevenção e tratamento de doenças através das plantas medicinais, e a forma mais antiga e fundamental de medicina da Terra. Tendo sido, muito empregada também, nas culturas indígenas e africanas.

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Essa lei permite que as benzedeiras tenham e manipulem ervas medicinais, além da participação nas políticas públicas de saúde dos municípios.29

Assim como o mapeamento realizado nessas duas cidades demonstraram, o ofício de benzer está presente, e em grande quantidade em nossa sociedade, ao contrário do que muitos imaginam, ele é intenso e engloba um fluxo muito grande de pessoas. Em Londrina não é diferente, elas se fazem presente, adaptando-se ao lugar e ao tempo, relacionando-se com outras práticas de cura, rememorando antigas fórmulas de remédios e orações, dedicando a maior parte de suas horas à comunidade. A preocupação de todas elas é: quem irá permanecer com os benzimentos? Os jovens da família, não estão demonstrando interesse em aprender as práticas das ancestrais. Não podemos determinar uma solução para esse problema, mas podemos afirmar sim, que a fé e a confiança nos benzimentos permanecem vivas em nossa sociedade.

29 Apesar do reconhecimento, na reportagem citada acima, dois médicos pronunciam-se preocupados com as novas medidas, observando os problemas que elas podem causar para a saúde pública.

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Sobre os autores

Alberto GawryszewskiDoutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.

Gabriela Cristina Maceda RubertMestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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