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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1 SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 1 Bem-vindo ao curso Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial Créditos Maj PMDF Julian Rocha Pontes Cap PMDF Juvenildo dos Santos Carneiro 2º Ten PMESP Fem. Inaê Pereira Ramires

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

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Bem-vindo ao curso

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial

Créditos

Maj PMDF Julian Rocha Pontes

Cap PMDF Juvenildo dos Santos Carneiro

2º Ten PMESP Fem. Inaê Pereira Ramires

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Apresentação

O curso “Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial” é composto por três módulos. A

divisão dos assuntos foi elaborada para facilitar o aprendizado, os conhecimentos

serão apresentados gradativamente, mantendo correlação lógica entre suas aulas e

módulos. A todo o instante a proposta é buscar ligação entre os assuntos e as

experiências vivenciadas no cotidiano policial, possibilitando o desenvolvimento dos

objetivos gerais e específicos traçados.

Para que você tenha uma ideia do caminho a ser percorrido, observe os objetivos

estabelecidos para o curso, contudo, vale ressaltar que os mesmos foram traçados

com a percepção voltada para a sua aprendizagem.

Ao final do curso, você será capaz de:

● Identificar os direitos e garantias fundamentais do cidadão no ordenamento pátrio

e legislação internacional;

● Apontar os requisitos legais indispensáveis à realização da abordagem pessoal e

domiciliar;

● Identificar os principais delitos penais correlacionados ao tema;

● Reconhecer quais são os entendimentos jurisprudenciais dos principais tribunais

superiores do país;

● Aplicar corretamente os direitos e garantias fundamentais na abordagem policial;

● Apontar os principais ilícitos penais cometidos, em tese, pelo cidadão infrator

durante a abordagem policial;

● Reconhecer as consequências jurídicas da realização da abordagem pessoal ou

domiciliar alheia à legalidade, proporcionalidade e necessidade; e

● Reconhecer o valor e a importância dos direitos e garantias fundamentais da pessoa

humana, na atividade de Segurança Pública.

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Para alcançar os objetivos, você estudará os seguintes módulos:

Módulo 1 – Os principais aspectos das normas constitucionais e da legislação

internacional relacionadas à atuação policial no contexto do Estado Democrático de

Direito.

Módulo 2 – Aspectos jurídicos relacionados à abordagem policial.

Módulo 3 – Aspectos jurídicos que balizam a ação policial diante dos crimes de

constrangimento ilegal, corrupção passiva, resistência, desobediência, desacato e

corrupção ativa.

Antes de iniciar os estudos dos módulos, reflita sobre algumas questões pertinentes à

ação do profissional da área de Segurança Pública, lendo a contextualização.

Contextualizando

Antes de iniciar o estudo dos módulos, leia o texto a seguir e reflita sobre a questão que ele

apresenta.

O Estado Democrático de Direito idealizado e desejado pelo constituinte originário caminha a

passos firmes rumo à sua solidificação no Brasil. Não há quem não defenda a Lei Fundamental

de 1988. Nesse contexto, o Estado deixou de ser um fim em si mesmo e, gradativamente,

focou seus esforços na satisfação dos legítimos interesses da sociedade.

O cidadão passou a ter consciência de seu papel e importância no contexto social. Abandonou

as praxes passivas e, em postura ativa, exige, a todo instante, a concretização e preservação

de seus direitos e garantias, sejam individuais, coletivos ou difusos. Dessa situação,

imposições arbitrárias, apoiadas exclusivamente na vontade da autoridade, não são mais

aceitas como outrora. Toda e qualquer restrição a direitos deve encontrar fundamento na

legalidade, proporcionalidade, necessidade e adequação, caso contrário será combatida pelos

seus destinatários.

Essa nova relação construída entre o cidadão e o Estado exige do agente público (Conceito

adotado em seu sentido amplo) o desenvolvimento de seu labor (trabalho) com probidade,

impessoalidade, moralidade, eficiência, dentre outros. Tamanha a importância dessas

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qualidades que foram elevadas à condição de princípios, conforme se obtém da simples

leitura do caput do artigo 37, da Constituição Federal, permearem todos os aspectos

inerentes à Administração Pública.

Muito ainda há que se fazer para que o cidadão tenha serviços públicos condizentes com a sua

dignidade, porém, são explícitas as melhoras já alcançadas. Nesse contexto, importa salientar

que a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, as

diversas formas de controle da administração, o regramento da responsabilidade civil do

Estado, por exemplo, consolidam a democratização e a transparência vivenciadas

atualmente.

No entanto, em todo esse desenvolvimento experimentado, o certo é que a vida em

sociedade ainda clama pela presença do Estado. A sociedade para manter sua sobrevivência

impõe normas de condutas a serem seguidas. Ao ser humano não é permitida a livre e

incondicionada satisfação de seus interesses. Caso contrário, retornaríamos à barbárie, a um

estado de natureza, situação em que só os mais fortes encontrariam voz. E mais, por vezes, a

harmonia social é quebrada por conflitos de interesses. Diante disso, dependendo da natureza

do bem jurídico, o Estado deixa à vontade da parte sua solução ou intervém de modo brando.

Mas, quando os valores de maior relevo para a sociedade são violados, o Estado age de forma

mais enérgica, impondo punições mais graves, inclusive com a privação da liberdade aos seus

transgressores. A aplicação da sanção penal se for o caso, só atinge o cidadão infrator após

regular processo que, além de fornecer elementos de convicção ao julgador, destina-se a

fornecer ao denunciado a oportunidade de exercitar sua ampla defesa. Nesse âmbito estão

inseridos os órgãos componentes da Segurança Pública relacionados, juntamente com suas

atribuições, no artigo 144, da Constituição Federal.

Apesar da preservação da ordem pública e proteção das pessoas e do patrimônio ser

responsabilidade de todos, antes de tudo, é dever do Estado. Dentro desse aspecto, tem-se a

perseguição penal promovida pela polícia judiciária, tão importante quanto é o trabalho

desempenhado pela chamada polícia ostensiva na prevenção e repressão imediata do delito.

Para o desempenho de suas atividades, as polícias fazem uso do dever-poder de polícia, que

em resumida análise, é a limitação do exercício de direitos individuais em benefício do

interesse público.

Extrai-se como importante instrumento do dever-poder de polícia, a busca pessoal, ou seja, a

abordagem como prática comum no cotidiano policial. Em outras palavras, o policial ao

cumprir sua atribuição no sentido de prevenir ou reprimir delitos, exerce atividades que

interferem na rotina e nos direitos básicos das pessoas, seja para identificá-las, seja para

encontrar e apreender armas de fogo ou substâncias entorpecentes, dentre outras. Mas, vale

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ressaltar que existe uma limitação, mesmo que temporária, no gozo de alguns direitos

individuais. Essas ações encontram amparo no ordenamento jurídico pátrio, pois visam

proteção do interesse público, representado pela manutenção da ordem e da paz, e dos

próprios indivíduos.

IMPORTANTE!

A atividade policial, com nítida natureza de ato administrativo, encontra limites que buscam

tutelar (proteger) a dignidade humana, bem como a legitimidade da atuação estatal.

O profissional de Segurança Pública deverá agir dentro das balizas definidas em lei, alinhado

com o propósito firme de ser um agente defensor da dignidade da pessoa humana. O bom

policial é justamente aquele que defende a sociedade por meio da proteção de seus

indivíduos, e isso implica, obrigatoriamente, em enxergar o cidadão, mesmo que infrator,

como detentor de direitos e garantias fundamentais, inerentes à sua condição de pessoa

humana.

Você é um profissional da área de Segurança Pública, portanto, seu promotor.

Em sua corporação, seja militar ou civil, as pessoas, independentemente de suas

características, são tratadas e vistas como cidadãos? O infrator da lei, apesar da natureza do

delito perpetrado, é respeitado em sua dignidade?

Saiba que não é objetivo desse curso fornecer respostas exatas às indagações e, sim, em

conjunto com você, criar condições para que você possa construir conhecimentos condignos

com o Estado Democrático de Direito experimentado em nosso país.

Bom curso!

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Módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional

e atuação policial

Neste módulo, você estudará o enfoque do ordenamento constitucional e da

legislação internacional ligada aos direitos humanos. Por certo, é na Constituição de

1988 que se encontram os fundamentos da República Federativa do Brasil, com

ênfase para a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos e garantias

fundamentais. Além disso, você também discutirá os princípios da proporcionalidade

e razoabilidade, importantes balizas para o desenvolvimento das atividades da

Administração Pública, que de acordo com o § 6º, do artigo 37, da Constituição

Federal, responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros. Em consequência, a responsabilidade civil do Estado será tocada. Por fim,

analisará as atribuições dos diversos órgãos componentes do sistema de Segurança

Pública do país.

Ao final do módulo, você será capaz de:

● Identificar as normas constitucionais, além dos princípios e regras internacionais

relacionados aos direitos e garantias fundamentais;

● Descrever a importância dos direitos humanos e da cidadania dentro do contexto

atual, com ênfase nos movimentos sociais;

● Defender a necessidade da atuação estatal na efetivação do bem comum;

● Apontar as justificativas e as características dos direitos fundamentais e da

dignidade da pessoa humana;

● Delinear os elementos e características que configuram a dignidade da pessoa

humana na solução de problemas;

● Nomear as restrições e supressões legais aos direitos humanos fundamentais;

● Aplicar, no caso concreto, as habilidades e conhecimentos técnicos sem descuidar

das limitações jurídicas;

● Reconhecer o princípio da proporcionalidade como balizador da atividade policial;

e

● Reconhecer as limitações constitucionais da atuação policial e as consequências

dos desvios desses limites na extensão da responsabilidade.

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O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas:

Aula 1 – Principais conceitos

Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais

Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial

Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Aula 1 – Principais conceitos

O processo de conscientização de direitos e deveres fez com que os membros da

sociedade, considerando a evolução social, econômica e cultural, vivenciada no

mundo e, em especial no Brasil, exigissem a mudança de paradigmas (modelos) na

atuação do Estado, de seus poderes e de seus órgãos. Assim, os agentes públicos

devem estar aptos a absorverem essa realidade.

Esse contexto é nitidamente sentido na área de Segurança Pública, que inspira a

proposta do curso, de conduzir você, policial, a essa realidade, para que sua

atuação seja apta a produzir os efeitos esperados pelo cidadão, uma prestação de

serviço público adequada, eficiente e em consonância com direitos e garantias

fundamentais, propulsores da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos.

Nessa aula, você estudará:

● A concepção básica do que vem a ser uma Constituição, sua importância para a

estrutura, organização e competências do Estado; e

● Os princípios e regras internacionais que norteiam a atuação policial no exercício

da preservação da ordem pública e da incolumidade (proteção) das pessoas e do

patrimônio, como vetores da defesa do Estado e das instituições democráticas.

Reflita sobre estas questões antes de começar.

Como agente policial, você tem noção das finalidades, objetivos e fundamentos

do Estado brasileiro?

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Você sabe quem cria e como é criado o Estado?

E quais seriam as influências que ele pode sofrer nas relações internacionais

envolvendo as questões de direitos humanos?

Constituição Federal como norma de organização e estruturação do Estado e

disciplinadora de suas finalidades.

A Constituição Federal de 1988 constitui a Lei Fundamental que traça a estrutura

organizacional básica dos poderes e o funcionamento do Estado brasileiro, com o

objetivo único de atender as necessidades da coletividade, do povo. Também nela

se definem os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, como forma

de limitar o exercício dos poderes pelo Estado, com o intuito de evitar abusos e

arbitrariedades.

A Lei Fundamental é fruto do anseio de um povo organizado, que, em dado

momento, se reúne em um grupo de pessoas, com vínculo de origem étnica ou

cultural comum, para firmar a vontade das forças determinantes da sociedade,

estabelecendo os fundamentos de sua convivência e de seu destino.

Nessa órbita, o povo é o titular do poder constituinte originário, que diretamente

ou por meio de seus representantes (deputados e senadores), de forma soberana,

inicial, ilimitada e incondicionada, elabora a Constituição.

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Poder constituinte

O poder constituinte originário (PCO) é aquele capaz de criar uma nova ordem constitucional,

sendo inicial, ilimitado e incondicionado.

O titular do PCO é o povo (art. 1º, parágrafo único, CF/88).

O exercício do PCO é efetivado pelos representantes do povo, chamados de constituintes

(deputados e senadores).

É inicial porque inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem

antecedente.

É ilimitado porque não está sujeito a regras anteriores (Obs.: Os jusnaturalistas que

defendem a existência de um “direito natural” acima daquele estabelecido pelo homem

sustentam que o poder constituinte originário deve observância ao direito natural. Essa tese

não é adotada no Brasil).

É incondicionado porque não está submetido a regras procedimentais para elaboração da

nova ordem jurídica.

Enfim, o objetivo fundamental do poder constituinte originário é criar um novo Estado, uma

nova ordem jurídica, não importando que a nova Constituição ocorra de movimento

revolucionário ou de assembleia popular.

É importante dizer para você que a Constituição cria e estrutura o Estado como uma

instituição organizada política, social e juridicamente, com a responsabilidade de

constituir e estabelecer as bases do controle social e o desenvolvimento de um país,

de uma nação.

Isso tudo se resume, como já dito, no objetivo único de promover o bem comum,

proporcionando a toda a sociedade: saúde, emprego, moradia, educação,

previdência, segurança, etc.

Para compreender melhor essa questão é necessário entender a lição de Jean-

Jacques Rousseau (1762), cuida-se de um verdadeiro contrato social celebrado entre

a sociedade e o Estado, onde cada indivíduo cede uma parcela de sua liberdade em

benefício do todo, conferindo ao ente público os poderes necessários para que ele

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regule as relações sociais, defendendo e protegendo cada pessoa, e seu respectivo

patrimônio, de eventuais agressões e ameaças.

Por isso que se paga tributos ao Estado (impostos, taxas, contribuições, etc), e se

permite, por meio das leis, que seus agentes interfiram nos direitos e liberdades de

cada cidadão.

Avançando na ideia inicial, através da CF/88, o Brasil adotou como forma de governo

a República – organização política que visa a coisa pública, o interesse comum –,

como forma de Estado o federalismo – organização descentralizada, tanto

administrativa quanto politicamente, proporcionando a repartição de competências

entre o governo central e os estados-membros, que deliberam sobre os rumos da

nação – e constitui-se em um Estado democrático de direito, que é destinado,

através da proteção jurídica e material, a garantir o respeito das liberdades civis,

dos direitos humanos e garantias fundamentais. Para tanto sua estrutura tem por

fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho, a livre-iniciativa e o pluralismo político.

Em decorrência, percebe-se que os mandatários políticos (presidente,

parlamentares, prefeitos, etc), os integrantes dos poderes (Executivo – Que

administra e aplica as leis; Legislativo – Que edita as leis; e, Judiciário – Que julga os

conflitos e a inobservância das leis e da Constituição) e dos órgãos do Estado (ex.:

Segurança Pública) estão sujeitos às regras de direito, às leis, cumprindo-lhes, então,

proteger e respeitar as liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e

liberdades fundamentais.

Também não se deve esquecer os objetivos traçados para o Estado, quais sejam:

● De construir uma sociedade livre, justa e solidária;

● Garantir o desenvolvimento nacional;

● Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais; e

● Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

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Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

Dentro da concepção apresentada até aqui, cabe dizer que o Estado brasileiro é

regido nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos

humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao

racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

Assim, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou contidos em tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§2º, art. 5º, da

CF/88). Sendo possível, ainda, os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos, aprovados no Congresso Nacional, assumirem o status de emendas

constitucionais, i.e., acima das demais leis (§3º, art. 5º, da CF/88).

A questão dos direitos humanos, como se vê, assume relevância em nossa ordem

constitucional, pois que diz respeito a certas posições essenciais ao homem ao longo

de sua evolução histórica. Por assim dizer, suas bases assumem uma vocação

universalista, supranacional, razão pela qual são objeto de tratados ou convenções e

em outros documentos de direito internacional.

Nessa medida, sem ingressar nas discussões que são travadas entre autores, bem

como em nossos tribunais, no contexto atual, por conta das disposições

constitucionais já citadas, quando o Brasil celebra algum tratado internacional que

verse sobre direitos humanos, estes podem ingressar em nosso ordenamento jurídico

com status de normas constitucionais, merecendo especial tratamento pelo Poder

Público.

Você deve estar se perguntando: e se um tratado não alcançar o êxito de ser

aprovado como norma constitucional, à luz do art. 5º, §3º, qual será o seu status?

Cabe ressaltar que não será trabalhada a discussão travada na doutrina, mas sim na

tese firmada no Supremo Tribunal Federal – STF, no sentido de que os tratados sobre

direitos humanos que não forem aprovados de acordo com o §3º, do art. 5º, possuem

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status de norma infraconstitucional (abaixo da Constituição), porém, supralegal, ou

seja, acima da legislação interna.

Para compreender melhor essa questão, leia o HC 90172 / SP

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=90172&c

lasse=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M) Relator Ministro Gilmar Mendes

e o RE 466.343-1/SP

(http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=466343

&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M), Relator Ministro Cezar

Peluso, datado de 03/12/2008.

Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu

Protocolo Facultativo (assinados em Nova York, no dia 30/03/2007), foram os

primeiros a serem aprovados pelo Congresso Nacional em observância ao §3º do art.

5º da CF/88, consoante o Decreto Legislativo nº 186, de 09/07/08. Mas, somente em

25/08/2009, por meio do Decreto Federal nº 6.949, passaram a compor a ordem

jurídica pátria com status de norma constitucional (disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>).

De outro lado, existem alguns pactos que integram a ordem jurídica do Brasil, cujo

conteúdo versa sobre direitos humanos, constituindo verdadeiros limites da atuação

estatal, em especial para os órgãos policiais e jurisdicionais.

Com efeito, é possível citar dois pactos que estabelecem direitos individuais para

aqueles que se submetem à ação estatal, em face da sua atribuição de preservação

da ordem pública.

- O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), adotado pela

Resolução nº 2.200-A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1966, foi

aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12/12/1991, ratificado pelo Brasil em

24/01/1992. Entrou em vigor no Brasil em 24/04/1992 através do Decreto nº 592, de

06/07/1992.

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- Por sua vez, o Decreto nº 678/1992 promulgou a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 22/11/1969.

Em suma, tais pactos estabelecem regras e princípios em favor da pessoa que é

submetida “à apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra

ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil”, tais como:

● Presunção de inocência;

● Direito a um julgamento justo por autoridade competente e imparcial;

● Direito à privacidade;

● Direito a não ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes;

● Direito a não produzir prova contra si mesmo e o de permanecer calado;

● Direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada contra si;

● Direito de defender-se e de constituir defensor; e

● Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser

conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei

a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de

ser posta em liberdade, dentre outras.

Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais

Nesta aula, você estudará os direitos e garantais fundamentais da dignidade da

pessoa humana, como verdadeiros parâmetros de limitação dos agentes do Estado

na consecução de suas atribuições. É imprescindível que você leia o artigo 5º, da

Constituição Federal.

Reflita sobre as questões abaixo antes de começar esta aula.

Os excessos na atuação policial, frequentemente, são objetos de severas críticas

que, invariavelmente, vinculam-nos à falta de preparação. De outro lado,

empregando o provérbio “a polícia é uma presença que incomoda, mas,

principalmente, uma ausência sentida”, sabe-se que o uso da força, a abordagem, a

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efetivação de uma prisão, constituem procedimentos necessários para se alcançar os

objetivos dos órgãos da Segurança Pública.

Pensando na sua realidade e experiência profissional, qual sua ideia a respeito?

Você acredita que seja possível minimizar e até eliminar as críticas sobre a

legitimidade de uma intervenção policial?

Direitos e garantias fundamentais

Você estudou na aula passada que a Constituição Federal estabelece as normas de

organização e estruturação do Estado, de seus poderes (Executivo, Legislativo e

Judiciário) e de seus órgãos, para que possa atingir a finalidade pública e atender os

interesses da coletividade. Também foi dito que a Carta Magna traça os direitos e

garantias fundamentais com o intuito de limitar a atuação estatal, evitando as

arbitrariedades, próprias de quem ocupa o poder.

A partir de agora serão delineadas as bases do tema – direitos e garantias

fundamentais –, para que se possa entender a razão pela qual tanto se fala em

limitação de poderes e o porquê de sua existência.

O Estado, através dos representantes do povo, quando age no sentido de decidir os

rumos da nação, recebe poderes como verdadeiros instrumentos para atingir suas

finalidades. Como ensina Alexandre de Moraes (2007), tais poderes delegados pelo

povo não são absolutos, encontrando limitações nos direitos e garantias

fundamentais.

A concepção sobre o tema está vinculada à ideia básica de que o detentor do poder,

invariavelmente, pode exorbitar suas finalidades, agindo com arbitrariedade.Vale

lembrar que os poderes são os de editar leis (Legislativo), aplicá-las em favor e

sobre os cidadãos, disciplinando as relações em sociedade (Executivo) e resolver

as controvérsias decorrentes de conflitos nas relações sociais e a inobservância do

direito (Judiciário). É bom dizer, empregando os ensinamentos do professor Paulo

Gonet Branco (2008), que os direitos fundamentais constituem um núcleo, um

conjunto de regras e princípios que visam proteger a dignidade da pessoa

humana.

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Essa concepção é fruto de uma evolução histórica desde a origem do homem, ser

eminentemente gregário que se reúne em grupos a fim de aumentar sua força e

possibilidades para perpetuar sua existência, para que possa assegurar sua

sobrevivência.

Esse conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana

possui algumas características que devem ser observadas. Segundo Paulo Gonet

(2008), por maior que seja a dificuldade de se fixar as características desse instituto,

é possível elencar as principais. Veja estas características a seguir.

Características do conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da

pessoa humana

● Universais: Atingem a todos os seres humanos, independentemente de idade, sexo,

cor, escolaridade, posição socioeconômica.

● Absolutos: Estão situados no patamar máximo da hierarquia jurídica, gozando de

prioridade absoluta sobre qualquer interesse estatal ou coletivo.

● Inalienáveis: Não podem ser submetidos à transmissão, venda ou negociação.-

● Indisponíveis: Mesmo que o indivíduo renuncie o seu gozo, o Estado deve atuar no

sentido de respeitá-lo e de protegê-lo.

● Consagrados na ordem jurídica: Servem de traço distintivo em face dos direitos

humanos, fruto de uma evolução histórica, de lutas, de valores e princípios de índole

essenciais para o homem, ligados à sua existência, com bases jusnaturalistas, que

antecedem às leis escritas. Os direitos fundamentais constituem-se na inserção dos

direitos humanos na ordem jurídica concreta, que o Estado os reconhece como sendo

essenciais e fundamentais, motivo pelo qual os vincula no sentido de dar especial

proteção.

● Limitativos dos poderes constituídos: Serão trabalhados mais adiante.

● De aplicabilidade imediata: Não precisa de uma regulamentação

infraconstitucional, ou seja, uma vez inserido na norma constitucional, o Estado

deverá respeitá-lo.

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Diferença entre direitos e garantias fundamentais

De uma forma bem geral, os direitos representam por si bens, isto é, algo que está

inserido no patrimônio ou tem como objeto imediato um bem específico da

pessoa (vida, honra, liberdade, integridade física, etc.). Ao passo que as garantias

representam um instrumento posto à disposição dos indivíduos para assegurar os

direitos e limitar os poderes do Estado. Nessa medida, vários são os dispositivos

contidos no art. 5º, da Constituição, que comportam esse conceito.

Constituição - Art. 5º

III - Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

LVIII - O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo

nas hipóteses previstas em lei (vide Lei nº 10.054/2000);

LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão

militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados

imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer

calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial;

LXV - A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI - Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a

liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVIII - Conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,

não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela

ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no

exercício de atribuições do Poder Público;

LXX - O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) Partido político com representação no Congresso Nacional;

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 17

b) Organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e

em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros

ou associados;

LXXI - Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e

das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

LXXII - Conceder-se-á "habeas-data":

a) Para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,

constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de

caráter público;

b) Para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,

judicial ou administrativo;

LXXIII - Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular

ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à

moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da

sucumbência;

LXXIV - O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que

comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV - O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar

preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVII - São gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da

lei, os atos necessários ao exercício da cidadania;

LXXVIII - A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O artigo 5º, da Constituição, em um primeiro momento, dá a entender que os

destinatários da proteção jurídica e material são apenas os brasileiros e os

estrangeiros residentes no país. Porém, é bom que fique claro que os estrangeiros em

trânsito no território nacional também são beneficiados com a tutela estatal,

conforme descrito nos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição, onde fala da dignidade da

pessoa humana, construção de uma sociedade livre justa e solidária, promoção do

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação e a prevalência dos direitos humanos.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 18

Vinculação dos poderes públicos

A inserção de regras e princípios na Constituição tem sua razão de ser centrada na

magnitude (dimensão) dos valores mais caros da existência humana, que, por isso,

devem estar resguardados em um documento jurídico supremo e com força

vinculante máxima, tornando-se imune aos temperamentos ocasionais de quem ocupa

o centro de poder, bem como das instabilidades políticas, religiosas, econômicas e

sociais.

Com efeito, a previsão dos direitos fundamentais na Constituição vincula a atuação

do Estado, de seus poderes, de seus órgãos. Circunstância que impede a

interpretação de que constituem simples autolimitações dos poderes, passíveis de

serem alterados ou suprimidos ao talante desses, sob o mero argumento de vigorar o

interesse do Poder Público na consecução de seus fins.

Em razão disso é que esses valores recebem proteção especial do Estado, conhecida

também como “cláusulas pétreas”, isto é, não podem ser objeto de deliberação

sobre proposta de emenda à Constituição no sentido de lhes abolir (CF/88, art.

60, §4º).

Portanto, deve ficar claro que a informação contida avisa aos poderes constituídos,

bem como a seus órgãos, que seus atos devem conformidade aos direitos e garantias

fundamentais e se sujeitam à invalidação se os desprezarem, bem como à

responsabilização de seus agentes nas esferas administrativa, civil e criminal.

Constituição Federal 1988. Art. 60

§4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - A forma federativa de Estado;

II - O voto direto, secreto, universal e periódico;

III - A separação dos poderes; e

IV - Os direitos e garantias individuais.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

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Pode-se concluir que os órgãos públicos que constituem a Administração (dentre eles,

os da Segurança Pública) estão vinculados às normas de direitos e garantias

fundamentais, pelo que seus agentes devem agir, interpretar e aplicar as leis

segundo ao que se dita. Em outras palavras, a atividade da Administração Pública

não pode deixar de respeitar os limites que lhe acenam os direitos fundamentais.

Em especial, destacam-se as atividades discricionárias da administração, cuja

margem de liberdade abre um leque de possibilidades para atuação do agente

público, de acordo com a oportunidade e conveniência, como ocorre na abordagem

policial, pautada essencialmente na fundada suspeita.

Relatividade dos direitos e garantias fundamentais

Com a contextualização mencionada, uma pergunta não escapa.

Os direitos e garantias fundamentais assumem feição absoluta? São intangíveis ou

intocáveis a todo o momento?

A resposta evidente é que não. Isso porque, pelo Brasil ser um Estado de Direito,

todos os membros da sociedade se submetem à lei, não podendo, dessa feita, se

valer de direitos e garantias fundamentais para a prática de ilícitos, bem como se

esquivar de uma eventual responsabilidade pecuniária, civil ou penal. Do

contrário, os princípios estatuídos nas normas constitucionais estariam relevados à

extinção material, uma verdadeira ruína, de anos de evolução da história humana.

Pense na hipótese em que todas as pessoas viessem a praticar condutas sem limites,

como conduzir veículo aonde bem quisesse ou invadir a residência de qualquer

cidadão sem sua autorização. Uma reação em cadeia, sem precedentes, geraria a

extinção do próprio ser humano.

Entretanto, sabe-se que não é assim que funciona e, até hoje, o ser humano existe

porque o direito impõe limites na pratica de condutas, nas relações sociais, enfim,

no exercício de direitos. A isso Alexandre de Moraes (2007) chama de princípio da

relatividade ou convivência das liberdades públicas, traduzindo, em suma, a ideia

de que os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição de 1988 não

são ilimitados, encontrando restrições nos demais direitos estatuídos nessa Lei Maior.

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 20

Faça uma leitura do artigo 78, do Código Tributário Nacional – CTN, que, por mais

que seja subordinado aos tributos (impostos, taxas, contribuições, etc.) definindo

poder de polícia, traduz com clareza a possibilidade de se limitar direitos em

benefício da coletividade e, com isso, assegurar a estabilidade das relações em

sociedade. Veja:

Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que,

limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou

abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à

higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício

de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder

Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos

individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de

28.12.1966 http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=129072).

Essa noção é extraída da concepção comum de que o Estado deve cumprir suas

atribuições e de que o direito de cada pessoa acaba quando começa o de outra.

Assim, o Estado, por seus órgãos, pode intervir na liberdade das pessoas, desde

que seja para beneficiar a coletividade, para cumprir a sua finalidade.

Dignidade da pessoa humana

Não é preocupação aqui traçar a definição exata dessa expressão, no âmbito

científico, já que tal tarefa é controvertida inclusive na doutrina, onde muitos

autores travam discussões sobre o tema, expressando posicionamentos distintos uns

dos outros. Fica à sua vontade a leitura de textos de autores que se dedicaram a essa

aspiração. Mas, não se pode fugir da necessidade de ter uma noção geral e comum.

Ela cuida de um princípio base do sistema jurídico pátrio, contido na Constituição de

1988, onde todos os ramos do direito, o Estado e seus órgãos devem respeitar.

Em suma, sua ideia central consiste na possibilidade de se assegurar um mínimo

existencial à pessoa humana, sob o aspecto moral e material.

Então, quando se considera que o princípio da dignidade da pessoa humana foi

atendido?

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 21

Quando os valores morais e éticos, a liberdade, a intimidade forem respeitados,

bem como quando for garantida a assistência material mínima (moradia,

alimentação, educação, saúde, segurança, lazer) necessária à satisfação das

necessidades humanas. Essa é a ideia por trás dos dispositivos contidos no artigo

5º, da CF/88.

Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial

Limitações constitucionais na atuação policial

Até o presente momento, você estudou a razão de existir do Estado, qual seja, a de

atingir o bem comum, constituído, estruturado e organizado pela Constituição

Federal, a qual ainda estabelece os direitos e as garantias fundamentais.

Também estudou que o Estado, para alcançar o interesse de todos é composto por

poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e estruturado em órgãos, destacando-se

os da Segurança Pública.

É lícito dizer, na concepção específica do curso, que os direitos e garantias

fundamentais funcionam como verdadeiros limitadores da atuação policial, ou seja, é

com base nesse contexto jurídico que o membro de um órgão policial deve executar

as medidas cabíveis para a manutenção e restabelecimento da ordem pública, por

meio de técnicas e tecnologias policiais alinhadas com os direitos e garantias

fundamentais, cujo núcleo é vertido para a proteção da dignidade da pessoa humana.

Ainda que o cidadão seja o sujeito ativo de um crime hediondo, mesmo que o

aparato de segurança deva alcançar seus níveis máximos face às necessidades

concretas ao restabelecimento do status quo ante, a Constituição, através das

limitações impostas pelos direitos e garantias individuais, com suas características

indisponíveis, universais, absolutos, inalienáveis, assegura àquele, que é destinatário

dessa atuação estatal, um tratamento tal que o mínimo existencial deva ser

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 22

respeitado, protegendo a vida, a integridade física, moral, psicológica, etc. (vide os

dispositivos do artigo 5º ligados ao tema).

Direito de ir, vir e permanecer

Um dos direitos fundamentais mais afetados com a intervenção estatal, em especial

através da atuação dos órgãos de Segurança Pública durante uma busca pessoal, no

exercício do poder de polícia, é o direito de ir, vir e permanecer. Isso porque a

CF/88 em seu artigo 5º foi clara ao dizer que é garantindo aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à liberdade, ou seja,

esse direito fundamental decorre naturalmente do direito à liberdade da pessoa

humana no sentido de se locomover livremente por toda parte do território

nacional.

Você tem ideia da magnitude, da importância e do relevo que contorna esse

direito fundamental?

A resposta parece simples, mas na prática não o é. Perceba que com a liberdade a

pessoa pode desenvolver-se em várias dimensões (física, espiritual, educacional,

religiosa, política, etc.). E um dos aspectos dessa liberdade é o direito de locomoção

(direito de ir, vir e permanecer), que permite ao cidadão a possibilidade de

movimentar-se por todos os espaços públicos e privados na busca de integrar-se com

sua sociedade, com sua família, com o Poder Público, seja para emprego, educação,

saúde ou lazer. Vale lembrar que isso tudo faz parte da dignidade da pessoa, ponto

de partida de estudo, que contida na Constituição, ao Estado compete proteger e

estimular o seu pleno exercício, porque para isso foi concebido.

Princípio da proporcionalidade: ponderação de valores

A limitação do direito à liberdade para satisfazer uma necessidade pública, é, na

verdade, de forma ampla, uma projeção da proteção conferida ao cidadão no seu

relacionamento no meio social, com o fim legítimo de resguardar o bem comum,

através da fiel observância do que dita a lei, que representa a vontade popular,

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 23

titular do poder constituinte originário. Com isso, percebe-se que é enorme a

responsabilidade dos agentes públicos na consecução de suas atribuições.

Então, como fazer para adequar a atuação policial sem se descuidar dos direitos e

garantias fundamentais?

Qual é o momento ideal para limitar a liberdade do indivíduo e observar a sua

dignidade?

A resposta não é tranquila. O policial tem que estar bem preparado tecnicamente

para aplicar seus conhecimentos em uma busca pessoal (abordagem), que abrange

níveis que vão desde a emissão de comandos verbais até a efetivação da busca,

com o contato físico e imobilização, se for o caso.

Essa dinâmica não pode ser levada a efeito de qualquer forma, sobre qualquer

pessoa, em qualquer momento, a qualquer pretexto. O ordenamento jurídico traça

os parâmetros, que, ao lado das técnicas de busca pessoal, de abordagem, devem

fazer parte da conduta do agente.

A leitura e compreensão do texto constitucional, das leis e legislação que conduzem

os direitos e garantias fundamentais, são essenciais, assim como a verificação do

posicionamento dos juristas e do poder judiciário sobre os atos estatais e as

restrições impostas aos direitos individuais. Aliando a técnica policial com os

parâmetros jurídicos, o resultado será uma atuação legítima, adequada, necessária e

razoável.

Observe que está sendo discutida a ponderação de valores que, através do princípio

da proporcionalidade, constitui instrumento capaz de solucionar os problemas mais

cruciais ou triviais do dia-a-dia enfrentados pelos agentes estatais.

Lembra o professor Thiago André Pierobom de Ávila (2007) que essa concepção é

própria da estrutura das normas de direitos fundamentais, esculpida no Estado

constitucional contemporâneo. Com essas palavras ele apresenta os ensinamentos de

Robert Alexy, para quem o direito, que existe para disciplinar as relações sociais, se

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 24

expressa por meio de normas e essas, por sua vez, abrangem as regras e os

princípios.

As regras proíbem ou permitem algo em termos categóricos, são cumpridas na

lógica do tudo ou nada.

Os princípios constituem espécies normativas que traduzem valores da sociedade

inseridos na ordem jurídica (vida, honra, intimidade, liberdade, dignidade, moral,

etc.), que devem ser aplicados na medida do possível, de acordo com as

possibilidades fáticas e jurídicas. Em consequência, são considerados como

mandados de otimização. Lembrem que são esses valores que o Estado deve proteger

e respeitar. Mas, na consecução de suas atribuições esses valores podem ser

relativizados, como já foi dito anteriormente.

É nesse momento que entra a questão da ponderação. A questão é crucial. Tanto que

o professor Paulo Gonet (2008) indaga: O que acontece quando duas posições

protegidas como direitos fundamentais diferentes brigam por prevalecer numa

mesma situação? Pode uma prostituta invocar o direito de ir e vir para justificar

pedido de salvo conduto que lhe assegure fazer o trottoir?

Tendo por base a questão anterior, o agente do Estado, diante de eventual conflito

de direitos fundamentais, deve promover um juízo de valor, principalmente frente a

uma fundada suspeita, uma ponderação de valores que se assenta sobre o princípio

da proporcionalidade, que abrange três critérios: o da adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação exige que as medidas interventivas, adotadas pelo agente do Estado,

sejam aptas a atingir os objetivos pretendidos. A necessidade, também conhecida

por exigibilidade, diz respeito à escolha, dentre os vários meios existentes, do menos

gravoso para o indivíduo sujeito à atuação estatal. A proporcionalidade em sentido

estrito (também mencionada por alguns como razoabilidade) constitui um juízo

definitivo da medida sobre o resultado a ser alcançado, ponderando-se a intervenção

e os objetivos perseguidos, sobre o fundamento do equilíbrio entre um e outro.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 25

Imagine...

É irradiado pela central de operações a existência de um veículo automotor, com três

indivíduos em seu interior, portando entorpecentes e arma de fogo. Em dado

momento, uma viatura se depara com um veículo com as exatas características

transmitidas pela central. Diante disso, os agentes devem começar a promover juízos

de valor, ponderações para que possam atuar.

É necessário abordar?

Qual a técnica a ser utilizada na abordagem?

O número de policiais garante a segurança da guarnição, da população e dos

próprios indivíduos a serem submetidos à atuação estatal?

Dentre os meios disponíveis para a busca, qual é o menos gravoso?

A atuação técnica mostra-se suficiente e equilibrada para neutralizar qualquer

tipo de reação e atingir os objetivos?

As respostas a essas indagações, em observância aos requisitos da necessidade,

adequação e razoabilidade, representam a legítima atuação dos agentes policiais,

assegurando a todos os cidadãos um agir estatal eficiente no âmbito da Segurança

Pública, mostrando-se adequado com a dignidade da pessoa humana, com o devido

respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Nesta aula, você vai encontrar uma abordagem que traz as consequências pelas quais

o Estado e seus agentes se submetem a uma responsabilização quando os limites de

seus atos são extrapolados. Ao final, fechando este módulo, você terá a oportunidade

de conhecer as principais atribuições dos órgãos de Segurança Pública.

Antes de começar, reflita sobre as questões abaixo.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 26

Pela terceira teoria de Isaac Newton “para cada ação há sempre uma reação, oposta

e de mesma intensidade”. Diante dessa teoria, você teria condições de estabelecer

uma relação entre ela e a extrapolação de limites pelo Estado, quando atua através

de seus agentes públicos?Em outro contexto, considerando sua experiência

profissional, você consegue enxergar os contornos da atividade exercida em sua

instituição?

Responsabilidade civil do Estado decorrente da atuação policial

Na atuação estatal eventualmente o agente público se desvia de suas atribuições,

podendo gerar danos aos indivíduos, à população e à sociedade.

Quando não são observados os direitos e as garantias fundamentais, quando o juízo

de ponderação de valores (adequação, necessidade e razoabilidade) não se cumpre,

gerando danos morais e/ou materiais às pessoas, o Estado, por seu agente, pratica

ato ilícito.

No sistema jurídico, a prática de atos ilícitos enseja o dever de indenizar. Nesse

sentido, veja o que estabelece o Código Civil.

Código Civil

Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes.

Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 27

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Vale dizer que, em face do Estado, existem regras peculiares. Em outras palavras, o que se

pretende dizer é que a responsabilidade civil do Estado é objetiva. De acordo com o

estabelecido na Constituição Federal:

Art. 37 A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art3

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços

públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

No mesmo sentido, é o que define o Código Civil:

Art. 43 As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos

dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo

contra os causadores do dano, se houver, por parte desses, culpa ou dolo.

E o que significa responsabilidade objetiva?

É aquela na qual não se observa a existência de dolo (vontade) ou culpa

(inobservância do dever de cuidado objetivo, nas modalidades imperícia,

imprudência e negligência). O critério para sua observância decorre da análise da

existência de conduta, do dano e da lógica de causalidade entre esse e aquela.

A lógica dessa consequência é a de que se o dano foi causado pelo Estado, o qual foi

concebido para atuar em benefício e em nome da sociedade, com efeito, a

responsabilidade recairá sobre essa. Portanto, é a sociedade que suportará os custos

pelos prejuízos, os quais serão distribuídos de forma equitativa, igualitária e indireta

a cada membro.

Responsabilidade do agente público na prática de atos ilícitos

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 28

Das ideias discorridas na página anterior, uma indagação surge: Não seria injusto

para a sociedade suportar os prejuízos decorrentes de uma responsabilidade civil,

quando foi o agente público quem deu causa de forma intencional ou sem a

observância dos cuidados mínimos exigidos?

Sim, seria. Por isso que o artigo 37, §6º, da CF/88, garante o direito de regresso

sobre o servidor público, ou seja, se ele praticou ato ilícito de forma dolosa ou

culposa, resultando na responsabilidade civil do Poder Público, e esse venha a arcar

com os prejuízos, o Estado poderá buscar as medidas cabíveis para repassar esse

encargo àquele que deu causa, assegurando, assim, a justiça.

Cabe salientar que o direito de regresso não comporta prazo prescricional (perda da

possibilidade de se cobrar o prejuízo em face do decurso do tempo), conforme

entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ esposado no RESp. nº 328.391-DF,

julgado em 08.10.2002 e publicado no DJ de 02/12/2002.

É possível, ainda, que a responsabilidade civil estatal seja excluída quando os danos

originados decorrerem de caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.

Por fim, é possível ainda que o servidor público, além de responder diante de uma

ação regressiva, de natureza cível, venha a ser submetido a um processo

administrativo ou criminal, por ter excedido em suas atribuições, sem que isso

configure o bis in idem.

Atribuições dos organismos de Segurança Pública

Dentro da execução do contrato social, citado no início de nossos estudos, onde cada

indivíduo cede uma parcela de sua liberdade para que o Poder Público defenda e

proteja de toda a força comum a pessoa e os seus bens, há a Segurança Pública.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 29

Nas palavras do professor Álvaro Lazzarini (2003), a Segurança Pública constitui-se

como um aspecto da ordem pública, ao lado da tranquilidade e salubridade públicas.

Ela é causa da ordem pública, que se traduz em um estado antidelitual, livre,

portanto, da violação de bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica (vida, saúde,

integridade física, honra, patrimônio), ou seja, há ordem pública, e,

consequentemente, Segurança Pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão

tem a possibilidade de transitar nas vias públicas, a qualquer hora, e não ser

molestado por atos de roubo ou furto, ou mesmo, quando em viagem de férias, sua

residência não é alvo de vagabundos.

Enfim, na lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, lembrado por Álvaro Lazzarini

(2003), a Segurança Pública se perfaz em um conjunto de processos políticos e

jurídicos, destinados a garantir a ordem pública, sendo essa objeto daquela.

O tema guarda tanta relevância que tem reservado um capítulo (III) no título V, da

CF/88, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Nessa

medida, traz o artigo 144 a previsão de que o Poder Público, dentro de suas

atribuições, tem a incumbência de assegurar a preservação da ordem pública, a

incolumidade das pessoas e do patrimônio. Essa atividade une na Segurança Pública,

que é implementada através de órgãos:

Art. 144 A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,

é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - Polícia federal;

II - Polícia rodoviária federal;

III - Polícia ferroviária federal;

IV - Polícias civis; e

V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares.

As atividades desenvolvidas por esses órgãos possuem atributos peculiares, ligados a

instrumentos aptos a preservar a ordem pública, tais como os poderes-deveres

discricionários, de polícia, autoexecutoriedade, dentre outros. Portanto, conclui-se

que essas atividades exteriorizam-se como uma típica manifestação administrativa da

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

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Administração Pública. Na concretização das atividades em apreço, impõe salientar

que cada órgão possui sua atribuição bem definida.

A atividade de polícia judiciária é exercida pelas polícias federal e civil e se

conclui no sentido de apurar as infrações penais (crimes/delitos e contravenções) e

de cumprir as determinações das autoridades judiciárias (juiz de 1º grau,

desembargador de Tribunal de Justiça, ministros do STJ e STF), como por exemplo,

no mandado de prisão, na busca e apreensão de bens, na realização de perícias etc.

Seus atos, em regra, são documentados em inquéritos policiais que, encaminhados

para a Justiça, tem por finalidade subsidiar o exercício de ação penal por seus

titulares (Na ação penal pública, o Ministério Público, através da denúncia; na ação

penal privada, o ofendido/vítima ou representante legal, através da queixa-crime),

ao apontar indícios de autoria e materialidade. Portanto, a polícia judiciária exerce

suas atribuições após a ocorrência do fato-crime.

De outro lado, existe a denominada polícia administrativa que tem por objeto a

prevenção do ilícito penal e não penal (ex.; polícia de trânsito de veículos

terrestres, polícia das construções, polícia aduaneira, polícia fiscal, polícia do meio

ambiente, polícia sanitária, etc.). As atividades desenvolvidas aqui são atribuídas às

polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal e polícias militares.

A linha demarcatória da polícia administrativa e da polícia judiciária é a

ocorrência ou não do ilícito penal.

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Dentro desse âmbito, segundo Álvaro Lazzarini (2003) e Maria Silvya Zanela Di Pietro

(2007), destaca-se a polícia de Segurança Pública, que, na lição de José Cretella

Júnior (Apud, Álvaro Lazzarini, 2003), tem a atribuição de prevenir a criminalidade

em relação à vida, à incolumidade pessoal, à propriedade e à tranquilidade pública e

social, ou seja, é orientada para a proteção dos bens supremos da ordem pública,

da paz e da tranquilidade social. Essa atividade é exclusiva das policiais militares,

que também exercem a polícia judiciária militar, na esfera dos crimes militares

(artigo 144, §§1º e 2º, CF/88).

Conclusão

Neste primeiro módulo, você estudou os principais aspectos das normas

constitucionais e da legislação internacional ligados aos direitos humanos, voltados

para a atuação policial.

Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão

do conteúdo.

O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas

páginas anteriores.

1. Cite 4 (quatro) dos principais direitos e garantias fundamentais inseridos no

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e na Convenção

Americana de Direitos Humanos.

2. De que modo os direitos e garantias fundamentais exercem influência em uma

atuação policial?

3. Na atuação policial, como a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada?

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

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4. No que consiste as limitações constitucionais da atuação policial?

5. Qual é a distinção existente entre responsabilidade objetiva e subjetiva? Em

qual delas o agente policial poderá estar sujeito?

6. Você, como agente policial, se depara com um evento em que exige sua

atuação. Caso seja necessário promover uma busca pessoal, descreva, de acordo

com os ensinamentos discorridos aqui, os critérios para a formulação de um juízo

de ponderação, para que sua ação seja legítima e atinja sua finalidade.

7. Imagine que determinado indivíduo, proveniente de outro país, esteja no Brasil

com a finalidade de praticar ecoturismo. Um agente policial, ao ser acionado para

atender a ocorrência envolvendo essa pessoa, na qualidade de suposto autor de

infração penal, entende que os direitos e garantias fundamentais inseridos no

artigo 5º, da Constituição, apenas se destinam aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no país. Diante disso, avalie se o pensamento do referido policial está

de acordo com os dispositivos contidos na CF/88.

Este é o final do módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional e

atuação policial