aspectos de uma tradição jurídica romano-peninsular

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  • ESTEVAN LO R POUSADA

    ASPECTOS DE UMA TRADIO JURDICA ROMANO-

    PENINSULAR:

    DELINEAMENTOS SOBRE A HISTRIA DO MANDATO NO

    DIREITO LUSO-BRASILEIRO

    Tese de Doutorado realizada sob a orientao do Professor

    Titular IGNACIO MARIA POVEDA VELASCO,

    do Departamento de Direito Civil rea de Histria do

    Direito da Faculdade de Direito da Universidade de So

    Paulo.

    SO PAULO

    Janeiro de 2010

  • 2

    coragem de Secundino Pousada;

    e f de Felice Lo R.

  • 3

    NDICE

    Apresentao .................................................................................................................... p. 5

    Introduo ........................................................................................................................p. 12

    PARTE PRIMEIRA:

    HISTORIOGRAFIA GERAL

    (Quatro aspectos peculiares da evoluo do contrato de mandato e da representao

    negocial).

    Captulo I. Procuratio, contrato de mandato e admissibilidade excepcional da

    representao direta pelo direito romano ........................................................................p. 45

    Captulo II. O direito cannico e o desenvolvimento medieval da representao direta

    ..........................................................................................................................................p. 87

    Captulo III. A atividade notarial e o robustecimento da representao direta no mbito do

    direito comum ..................................................................................................................p. 97

    Captulo IV. O influxo iluminista e a essencializao da representao direta no contexto

    do contrato de mandato .................................................................................................p. 104

    PARTE SEGUNDA:

    HISTORIOGRAFIA LUSO-BRASILEIRA

    (A evoluo do contrato de mandato no direito luso-brasileiro).

    Captulo V. O contrato de mandato (e sua relao com a representao negocial direta)

    consoante as fontes do direito visigtico .......................................................................p. 122

    Captulo VI. A primeira etapa do renascimento do direito romano (justinianeu) e o contrato

    de mandato segundo as fontes castelhanas ....................................................................p. 145

    Captulo VII. Lineamentos sobre a eficcia da procurao segundo as fontes do direito

    lusitano ..........................................................................................................................p. 182

    Captulo VIII. A ascenso e o declnio do direito justinianeu no panorama das fontes

    jurdicas lusitanas: notas sobre a transio rumo a um mandato de contornos liberais

    ........................................................................................................................................p. 219

    Captulo IX. Uma historiografia interna exclusivamente portuguesa: instaurao e

    reformulao de um contrato de mandato de contornos liberais

    ........................................................................................................................................p. 257

    Captulo X. Historiografia exclusivamente brasileira: os contornos eficaciais do contrato de

    mandato anterior ao cdigo civil de 2002 .....................................................................p. 296

  • 4

    PARTE TERCEIRA:

    CONCLUSO.

    Captulo final. Consideraes conclusivas ....................................................................p. 403

    Bibliografia ....................................................................................................................p. 410

    Relao das fontes utilizadas .........................................................................................p. 451

    Anexo I - Tbua cronolgica de diplomas legais (sistema diploma/data) ....................p. 502

    Anexo II Tabela de correspondncia n I Direito castelhano ..................................p. 503

    Anexo III Tabela de correspondncia n II Direito lusitano (perodos medieval e

    moderno) .......................................................................................................................p. 510

    Anexo IV Tabela de correspondncia n III Direito portugus contemporneo .....p. 524

    Anexo V Tabela de correspondncia n IV Direito brasileiro contemporneo .......p. 531

    Anexo VI Documento: Anteprojeto de Parte Geral do Cdigo Civil (1970) de Jos

    Carlos Moreira Alves (extrato) ......................................................................................p. 551

    Resumo ..........................................................................................................................p. 554

    Riassunto .......................................................................................................................p. 555

    Abstract .........................................................................................................................p. 556

  • 5

    APRESENTAO.

    Esta apresentao corresponde ao elemento mais pessoal de todo este

    trabalho. Nela esto contidas algumas informaes que podem contribuir para tornar mais

    claras ao leitor algumas obscuridades do texto que se segue; nela, igualmente, pode ser

    entrevista a ponta de um novelo que evidencia as prprias fraquezas estruturais deste

    estudo. No entanto, no nos pareceria adequado compartilhar com o leitor o resultado final,

    sem que se fizesse preliminarmente um breve apontamento sobre a trajetria da

    pesquisa que nele redundou.

    Tudo se inicia com a admisso de nosso fracasso: buscvamos ao incio de

    nossos trabalhos produzir um ensaio de natureza dogmtica. vista da linha de pesquisa

    adotada pelo autor, por seu orientador e pelo grupo a que orgulhosamente pertence, a

    investigao haveria de apresentar um vis histrico: o prprio tema abordado o

    propiciava, uma vez que nos manuais mais elementares se afirmava que em Roma, a

    despeito da existncia do mandatum, no se admitia a representao direta. Tratava-se

    to somente de desenvolver tal assertiva, se possvel coordenando-a com o direito

    contemporneo; pois que, de incio, o pesquisador pretendia abordar a distino entre os

    institutos do mandato e da representao para tanto lanando mo, sobretudo, das

    fontes contemporneas brasileiras e aliengenas.

    No entanto, a primeira pedra que surgiu em nosso caminho foi aquela sobre

    a qual erigimos todo o nosso trabalho: imagine-se que o cientista, pretendendo separar duas

    substncias que integram uma mistura miscvel, se convence da existncia de uma terceira.

    Em lugar da destilao antes pretendida, sua ateno se volta, ento, descoberta

    acidentalmente realizada. Por mais que toda a comunidade cientfica conhecesse tal

    substncia, aquela novidade to somente relativa acabaria por tomar algumas noites

    de sono do referido pesquisador.

    E foi exatamente isso o que aconteceu com este autor. Algumas pessoas

    bolam teses. Outras as escrevem. Este investigador, no entanto, a viveu durante os

    ltimos mil dias e certamente durante as ltimas mil noites.

    Ao nos depararmos com o direito romano, buscvamos ali o fundamento

    histrico elegante ou mesmo o argumento de autoridade para uma dissociao entre o

    contrato de mandato e a representao negocial. Ora, conhecedores razoveis que

    ramos do direito contemporneo, espervamos encontrar o mandatum; e pretendamos

  • 6

    nos deparar com a ausncia de uma eficcia representativa direta. At a, tudo andou

    conforme o planejado. No entanto, eis que como fantasma nos exsurgiu a procuratio.

    Mas procurao no corresponde ao negcio jurdico unilateral de outorga

    de poderes representativos?. De fato, aquele instituto romano por sua simples existncia

    acabou por tumultuar todo o projeto de pesquisa que tnhamos em mente.

    Nossos estudos prosseguiram. At o ponto em que no se podia mais

    procrastinar uma escolha metodolgica fundamental. Usualmente, esta uma opo que se

    faz de incio, antes que se comecem as pesquisas mais acuradas; em nosso caso, assumiu

    uma feio francamente superveniente.

    Em reunio com nosso pai acadmico, tnhamos duas opes

    fundamentais: ou se abria mo da investigao histrica; ou se punha de lado a parte

    dogmtica do estudo. Com alegria dele recebemos a confirmao de que este segundo

    objeto poderia ser analisado em uma oportunidade futura.

    De fato, os aspectos gerais da relao mantida entre os institutos da

    procurao, do mandato e da representao j haviam sido analisados por inmeros

    autores inclusive em sua perspectiva histrica. No entanto, a gestao do mandato luso-

    brasileiro no havia merecido semelhante devoo. Certamente, muitos investigadores

    mais preparados poderiam ter se voltado a este tema. No entanto, este autor no tem

    conhecimento de nenhum que tenha dedicado uma pesquisa de mais largo flego a uma

    investigao historiogrfica sobre o tipo contratual objeto de nossas pesquisas.

    O panorama com que nos deparamos era muito amplo. Graas a Deus no

    sabamos quanto haveramos de caminhar quando iniciamos nossa tarefa; pois se

    soubssemos, acreditamos que nossa fraqueza de carter haveria de preponderar sobre a

    misso a ser desenvolvida. De todo modo por razes de ordem metodolgica buscamos

    nos concentrar em algumas premissas fundamentais. Exponhamo-las.

    O cerne de nossa pesquisa haveria de corresponder a uma investigao luso-

    brasileira; assim, a historiografia geral deveria atender a um propsito bastante especfico:

    evidenciar a relao mantida entre os institutos da procurao, do mandato e da

    representao pondo em relevo a essencializao moderna desta ltima na

    arquitetura do tipo contratual investigado.

    Alm disso, precisvamos eleger escrupulosamente as fontes do direito

    luso-brasileiro a serem pesquisadas. Assim, optamos pelo estudo das fontes primrias de

    nosso direito; em primeiro lugar porque, em tempos mais remotos, foram elas que alm

  • 7

    dos costumes chegaram inarredavelmente prtica quotidiana. Ademais, fomos

    impelidos a esta alternativa porque pareceu-nos que somente ela nos permitiria

    concatenar a tarefa abrangente a que nos havamos comprometido.

    Alis, se por um lado nossos objetivos nos impeliam a uma abordagem das

    fontes primrias, de outra banda no nos pudemos desvencilhar de um compromisso

    metodolgico fundamental: nossa investigao pretende contribuir Histria do Direito.

    Assim, o direito romano abordado pelo romanista no o mesmo que estudado pelo

    historiador: aquele pretende ter acesso s fontes e quilo que o direito romano foi em seu

    respectivo contexto histrico de produo; este, todavia, no pode se afastar de uma

    investigao que tenha em mira a maneira segundo a qual suas fontes foram transmitidas

    posteridade.

    Em termos prticos: dificilmente um romanista dedicado investigao de

    um especfico instituto lanaria mo, durante os seus trabalhos mais acurados, de manuais;

    ao contrrio, pretenderia se debruar quase que exclusivamente sobre monografias

    especficas. No entanto, ao historiador parece importante compreender a razo por que a

    obra de Ferdinand Mackeldey, por exemplo, destoa consideravelmente dos demais manuais

    de direito romano de sua poca. Observao semelhante, alis, deve ser feita quanto

    utilizao de obras contemporneas por parte do jurista dogmtico; da mesma forma, dele

    tivemos de nos distanciar metodologicamente em virtude dos estritos objetivos a que

    nos tnhamos proposto.

    Por tais razes, consideraes dogmticas mais profundas e o prprio

    estudo do direito comparado somente poderiam ser realizadas incidentalmente; caso

    contrrio, o desfecho de todo o trabalho poderia restar comprometido.

    A fim de que pudssemos cumprir nossos propsitos, elaboramos diversos

    quadros e tabelas, alguns dos quais se incorporam, nesta ocasio, sob a forma de anexos a

    este trabalho. Na verdade, os quadros comparativos se entrelaam, intimamente, com

    outros dois assuntos: o mtodo de exposio adotado e as notas de rodap que instruem o

    texto principal.

    Antes de iniciar a leitura do estudo, o leitor deve ter em mente uma premissa

    indispensvel ao seu prprio xito: toda a historiografia interna luso-brasileira

    exceo do fragmentrio direito visigtico foi fundada na prvia elaborao de tais

    quadros esquemticos. Eles corresponderam ao principal instrumento de trabalho deste

    autor. Por isso, ocupam uma posio importantssima em nossa investigao, pois

  • 8

    correspondem, em verdade, prpria tese em uma verso sinttica. Coube-nos, to

    somente, vert-los, cuidadosamente, em um texto dissertativo.

    Para tanto, lanamos mo de uma rigorosa estruturao da ordem expositiva.

    Podemos garantir ao leitor que nenhuma assertiva lanada no corpo do texto se repete

    noutra linha subseqente. Alis, tambm podemos assegurar que todas as afirmaes

    contidas no texto contam com respaldo comprobatrio em notas de rodap.

    Ciosos da boa metodologia de pesquisa, no pudemos, todavia, nos furtar a

    longas e por vezes fatigantes notas de rodap: certamente o esforo do leitor em l-las

    no menor do que aquele despendido pelo autor em sua confeco. No entanto, os

    objetivos da obra no nos permitiam articul-la metodologicamente noutra forma.

    Observe-se que excetuados esta apresentao e o captulo derradeiro,

    dedicado s consideraes conclusivas todos os pargrafos do texto so numerados e

    acompanhados de uma breve epgrafe denunciadora de seu contedo. A numerao atende

    ao propsito de tornar mais fcil o acesso aos diversos contedos abordados. J as

    epgrafes se voltam ao leitor que pretende efetuar uma segunda abordagem do estudo:

    delas lanando mo, ser possvel localizar qualquer assunto abordado no texto de maneira

    relativamente rpida. Alm disso, da coordenao entre ambos numerao e epgrafes

    deflui uma linha expositiva que talvez no se tornasse perceptvel ao leitor se no nos

    tivssemos utilizado de tais expedientes.

    Os quadros comparativos que integram este estudo sob a forma de anexos

    contm referncias a diversas fontes que guardam similitude quanto a alguns aspectos.

    Assim, quando desdobradas em nota de rodap, transcreveu-se to somente a mais antiga

    (dentro de cada um dos perodos analisados); as demais foram to somente referidas

    quando no implicassem mudana significativa de orientao (hiptese que nos compeliu,

    por vezes, transcrio destas outras).

    Alis, no foram poucas as transcries: as palavras de censura daquele que

    mais nos influenciou quanto a questes metodolgicas o Professor Titular Eduardo Csar

    Silveira Vita Marchi permanecem ecoando em nossa mente. No entanto, ao estimado

    mestre, temos apenas uma resposta: tentamos delas nos servir apenas quando isso nos

    pareceu estritamente necessrio.

    neste ponto, pois, que se encerra a apresentao deste estudo e se

    iniciam algumas palavras de agradecimento queles que tornaram possvel este trabalho.

  • 9

    Em primeiro lugar, devemos agradecer nossa famlia. Por sua

    compreenso, por seu carinho, por sua pacincia e sobretudo por sua confiana

    irrestrita. Em uma palavra, por todo o seu amor.

    Em segundo lugar, a Elaine Lavaissiere de Melo. Nenhuma pessoa no

    mundo consegue entender melhor do que ela como este pesquisador viveu esta tese

    durante estes ltimos anos de sua vida. A ela fica o reconhecimento por seu estmulo

    constante; por sua carinhosa palavra dura ou afvel nos momentos em que este autor

    quis fraquejar; e por sua inesgotvel pacincia quando de nossas freqentes

    instabilidades sbitas.

    Alm disso, devemos agradecer a diversos amigos que, uns mais prximos,

    outros mais distantes, contriburam com palavras e atos de estmulo dirigidos a este

    pesquisador.

    Assim, somos gratos ao Centro de Extenso Universitria (CEU) e

    Fundao Escola de Comrcio lvares Penteado (FECAP). Por intermdio destas

    instituies pudemos estreitar nossa amizade com os Professores Antonio Jorge Pereira

    Jnior, Paulo Restiffe Neto, Gilberto Haddad Jabur, Jos Osrio de Azevedo Jnior,

    Marcelo Vieira von Adamek, Andr L. Costa-Corra, Ana Paula Savia Bergamasco

    Diniz, Alexandre Multini Mihich, Fbio Pinheiro Gazzi, Rodrigo Fernandes Rebouas,

    Glauco Peres da Silva, Dcio Azevedo Marques de Saes e Pedro Proscurcin. Foi nestas

    instituies que tivemos o privilgio de conviver com Fabiana Rodrigues da Fonseca,

    Vera Lcia Viegas Liquidato, Alexandre Gaetano Nicola Liquidato e Marco Fbio

    Morsello.

    Agradecemos, ainda, Coordenadoria Geral de Especializao,

    Aperfeioamento e Extenso da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (COGEAE-

    PUC/SP) e Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas

    particularmente pela confiana demonstrada ao longo dos ltimos anos.

    Alis, sem o concurso destas ltimas quatro instituies no teria o

    pesquisador realizado sua tarefa tal como o pde fazer. Razo pela qual os agradecimentos,

    mais do que tudo, correspondem a um dever deste autor.

    Mas como nem s de po vive o pesquisador, agradecemos ainda aos

    Professores Joo Baptista Villela, Antnio Manuel Hespanha e Sandro Schipani pelo

    reconhecimento emprestado seriedade de nossas investigaes.

  • 10

    Palavras de carinho e de profunda admirao tambm devem ser

    dirigidas aos seguintes Professores da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo,

    os quais nos incentivaram, constantemente, em nossas pesquisas: Antonio Junqueira de

    Azevedo (in memoriam), Luiz Carlos de Azevedo, Joo Alberto Schtzer Del Nero, Jos

    Luiz Gavio de Almeida, lvaro Villaa Azevedo, Hlcio Maciel Frana Madeira e

    Bernardo Bissoto Queiroz de Moraes.

    Alm deles, outros professores e amigos tiveram conosco contato mais

    prximo, custa das constantes reunies do Grupo de Monitoria e Pesquisa da Cadeira de

    Histria do Direito: aos Professores Maria Cristina da Silva Carmignani, Eduardo

    Tomasevicius Filho, Ivan Nogueira Pinheiro, Ivan Jacopetti do Lago e Jlia Rosseti Picinin

    Arruda Vieira e aos amigos Renato Sedano Onofri e Rodrigo Srgio Meirelles Marchini

    nossa imensa gratido por toda a pacincia neste perodo turbulento de nossa vida.

    Somos muito gratos ao Servio de Biblioteca e Documentao da Faculdade

    de Direito da Universidade de So Paulo; pois foi graas ao seu acervo que esta pesquisa se

    fez seja ela, afinal, bem ou mal-sucedida.

    Agradecemos, ainda, aos funcionrios desta Casa, dos quais nos despedimos

    aps quatorze anos de convivncia por meio de uma saudao especial querida Lcia

    Aparecida Alves de Menezes.

    Pela amizade slida, agradecemos a Luciano de Camargo Penteado, Marcos

    Takaoka, Jaime Meira do Nascimento Jnior, ngelo Rigon Filho, Alessandra Maria

    Bosco e Andr Rebouas (in memoriam) alm da Dra. Lilian de Melo Silveira.

    Pela presena constante nestes ltimos tempos e pela palavra amiga que

    sempre nos dispensaram no temos palavras para agradecer a Alaor Dionisio da Silva,

    Raphael Blanco Cabello, Celso Bocatto e Manuel do Couto Fial. Suas imagens to

    queridas jamais se apagaro de nossa memria.

    Pela confiana depositada no jovem investigador, agradecemos novamente

    ao Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Titular da Faculdade de Direito da

    Universidade de So Paulo Jos Carlos Moreira Alves. Este autor espera, sinceramente, ter

    honrado o seu voto.

    Pela presena metodolgica permanente em meio a nossas investigaes,

    agradecimento especial dirigido ao j referido Professor Emrito da Faculdade de Direito

    da Universidade Federal de Minas Gerais Joo Baptista Villela. No entanto, agradecemos

  • 11

    mais por sua amizade, demonstrada em vrias das ocasies em que compareceu capital

    do Estado de So Paulo.

    Palavra de respeito e admirao sincera dirigida ainda ao Professor Doutor

    Alcides Tomasetti Jnior, nosso orientador durante o Curso de Graduao na Faculdade de

    Direito do Largo de So Francisco. Sua figura assim como a do Professor Titular

    Eduardo Csar Silveira Vita Marchi nos guiou, direta e indiretamente, durante toda a

    trajetria desta investigao.

    Finalmente, queremos e devemos agradecer a nosso orientador,

    Professor Titular Ignacio Maria Poveda Velasco. Um Mestre sereno, erudito, discreto,

    perspicaz e acima de tudo absolutamente ntegro. A um s tempo soube cobrar de seu

    discpulo toda a seriedade que ns pretendemos demontrar com este estudo; porm, se

    mostrou uma das poucas pessoas que, afora algumas das acima citadas, se preocuparam

    com o estado de sade e de esprito deste amigo. Extremamente ocupado, teve de

    constantemente ouvir os nossos choramingos, uma vez que sua misso de construir uma

    nova Facvldade de Direito tornou mais espaados os nossos contatos presenciais.

    Assim, que a nica oportunidade em que nos utilizamos da primeira pessoa

    do singular sirva para destacar: querido Professor Poveda, espero ter podido honr-lo,

    cumprindo adequadamente este mandato.

  • 12

    INTRODUO.

    1. A repercusso diversificada da Lei n 10.406/02 sobre os diversos

    meandros do sistema jurdico civil. O advento da Lei n 10.406/02 surtiu diferenciados

    efeitos quanto aos variados aspectos da vida civil de seus destinatrios: enquanto algumas

    matrias foram objeto de uma atuao acentuadamente inovadora do legislador, outras

    no experimentaram qualquer descontinuidade significativa. No entanto, a despeito de

    serem sempre mais evidentes ao intrprete a introduo e a revogao de dispositivos

    legais pontuais, propomo-nos nesta oportunidade a abordar, incidentalmente, uma

    eventual reformulao sistemtica da relao mantida entre dois institutos civis

    especficos: o contrato de mandato e a representao negocial. Alis, essa nossa

    investigao ser deliberadamente incidental; de fato, como teremos oportunidade de

    justificar mais adiante, nossos estudos necessariamente orientados pelo propsito de

    defender o presente trabalho sob a forma de uma tese de doutoramento estiveram sempre

    comprometidos metodologicamente to somente com a evoluo histrica daquele tipo

    contratual em meio s fontes primrias do direito luso-brasileiro1.

    Nota prvia: em cada uma das notas de rodap utilizadas neste estudo, toda aluso a obra anteriormente

    referida ser acompanhada de identificao quanto ao local em que foi pela primeira vez mencionada, ento

    acompanhada dos dados usuais de uma referncia bibliogrfica exaustiva. A meno aos autores, no corpo do

    texto e nas notas de rodap, ser feita mediante o emprego da inicial do prenome e do ltimo sobrenome,

    ressalvados os casos relacionados aos juristas espanhis (que ostentam regra de patronmico prpria) e luso-

    brasileiros, sendo estes ltimos referidos de acordo com a forma segundo a qual se mostram conhecidos pela

    comunidade acadmica brasileira. Assim embora conhecido por FREITAS em toda a Amrica Espanhola a

    referncia a Augusto TEIXEIRA DE FREITAS envolver seu sobrenome completo, uma vez que assim referido

    pela comunidade acadmica nacional.

    Os nomes sero grafados, no corpo do texto e nas notas de rodap, em sua forma moderna: Pascoal (e no

    Paschoal) Jos de MELLO FREIRE dos Reis; em caso de dissenso sobre a grafia de prenomes ou sobrenomes

    (MELLO FREIRE em lugar de MELO FREIRE), ser adotada a forma utilizada pelo prprio titular (ou

    predominantemente empregada pela doutrina). Caso a dvida persista, lanaremos mo da aluso nas obras

    de referncia respectivas; desta forma, quanto aos portugueses dos sculos XVIII e XIX por exemplo

    tomaremos por base a forma adotada pelo Dicionrio de Histria de Portugal de Joel Serro.

    Tendo em vista as finalidades e princpios especficos das regras metodolgicas adotadas neste estudo,

    necessrio observar que na bibliografia os nomes sero empregados na forma constante do frontispcio da

    obra respectiva, facilitando-se assim ao leitor o confronto direto com o exemplar referido no curso da

    presente exposio. Mencione-se, ainda, que a referncia a personagens histricas, inclusive juristas, ser

    feita em letras normais. Por sua vez, o emprego de maisculas pequenas (caixa alta ou versalete) ser feito

    somente quando se tratar de citaes de autores utilizados como tais. Por tal ordem de raciocnio, ora se ter

    Pascoal Jos de Mello Freire dos Reis, ora P. J. de MELLO FREIRE dos Reis; em algumas vezes Jos Carlos

    Moreira Alves, e em outras J. C. MOREIRA ALVES. Finalmente, em se tratando de personagem histrica

    notria, ser feita aluso ao modo como conhecida a partir da segunda meno no corpo do texto: Marqus

    de Pombal, por exemplo, em lugar de Sebastio Jos de Carvalho e Melo.

    A respeito das principais regras de metodologia cientfica adotadas neste trabalho, cf. E. C. SILVEIRA

    MARCHI, Guia de Metodologia Cientfica (Teses, Monografias e Artigos), Lecce, Edizioni del Grifo, 2002,

    passim.

    1 A respeito do significado do termo destinatrio no contexto da teoria da norma jurdica utilizamos a

    expresso, no texto, para nos referirmos aos sujeitos de direito que desenvolvem suas atividades sob a gide

    de uma determinada ordem jurdica; por tal ordem de idias, no nos referimos to somente aos rgos

  • 13

    2. As alteraes pouco expressivas quanto disciplina pontual do

    contrato de mandato. Uma anlise textual dos dispositivos do Cdigo Civil

    especificamente voltados disciplina do contrato de mandato nos revela que grande parte

    do acervo tcnico anteriormente disponvel foi aproveitada pelo legislador de 2002: dentre

    os quarenta artigos que atualmente disciplinam a matria, trs quintos correspondem, em

    larga medida, ao direito anterior seja literalmente, seja mediante singelas adaptaes

    (estilstico-redacionais ou de cunho sistemtico evidente). Necessrio destacar que pouco

    mais de quinze artigos revelam autntica reformulao de regras de fundo em meio aos

    quais to somente trs consagram regras que no encontram qualquer correspondncia no

    diploma de 19162.

    jurisdicionais, tal qual preconizado por um significativo setor da teoria imperativista do direito. Sobre as

    origens e manifestaes mais significativas deste ltimo modelo metodolgico, cf. R. von JHERING, Der

    Zweck im Recht I, 2 ed., Leipzig, Breitkopf & Hrtel, 1884, p. 336; H. KELSEN, Allgemeine Theorie der

    Normen, trad. it. de Mirella Torre, Teoria generale delle norme, Torino, Giulio Einaudi, 1985, pp. 11-22. Por

    um panorama relacionado teoria imperativista do direito e seu estgio ao incio da segunda metade do

    sculo XX, cf. N. BOBBIO, Teoria della norma giuridica, Torino, G. Giappichelli, 1958, pp. 142-149; U.

    ROCCO, Su la esistenza del problema dei destinatari delle norme giuridiche in Studi in onore di Enrico

    Redenti nel suo XL anno dinsegnamento II, Milano, Dott. A. Giuffr, 1951, pp. 281-303.

    Como pretendemos desenvolver uma anlise histrica, necessrio observar que toda a cautela parece

    oportuna quando se alude a alguma inovao introduzida por meio do Cdigo Civil de 2002; assim, por

    exemplo, nos parece historicamente questionvel uma atuao inovadora do legislador quanto regra

    estabelecida no art. 157 do Cdigo Civil que dispe a respeito da leso (defeito do negcio jurdico) a

    qual, embora sem correspondente no direito nacional imediatamente anterior, encontra antecedente histrico

    no apenas no direito das Ordenaes do Reino de Portugal (Ord. Af. IV, 45 pr.; Ord. Man. IV, 30 pr.; Ord.

    Fil. IV, 13 pr.), como no prprio direito romano (clssico e ps-clssico) [Diocl. et Max. C. 4, 44, 2 (285) e

    Diocl. et. Max. C. 4, 44, 8 (294-305)] em que as fontes portuguesas por reiteradas vezes se fundaram. A

    respeito desta especfica questo, quanto ao direito luso-brasileiro anterior codificao civil, cf. M. A.

    COELHO DA ROCHA, Instituies de Direito Civil Portuguez para uso dos seus discpulos, s. i. ed., Rio de

    Janeiro, H. Garnier, 1907, pp. 266-267 e 427-429; e quanto ao direito romano respectivo com especfica

    apreciao da atuao inovadora do legislador civil brasileiro cf. E. M. A. MADEIRA, Laesio enormis, Tese

    (Doutorado) Faculdade de Direito da U.S.P., So Paulo, 1998, pp. 129-135 (esp. p. 129).

    Por outro lado, tomando-se ainda em considerao o iter de construo de nosso direito civil atual, uma

    autntica atividade criadora do codificador deste incio de sculo XXI no mbito legislativo pode ser

    entrevista, por exemplo, na disciplina concernente aos direitos da personalidade, os quais, at o advento do

    Cdigo Civil de 2002, tinham suas linhas gerais estabelecidas exclusivamente pela doutrina e pela

    jurisprudncia. Nesse sentido, a disciplina estabelecida entre os arts. 11 e 21 (52) do Cdigo Civil vigente

    realmente parece no encontrar correspondncia em nosso direito positivo anterior.

    Conforme afirmamos no corpo do texto, algumas matrias foram objeto de uma disciplina que em nada se

    distingue daquela em vigor at o final de 2002, como se pode observar naquilo que concerne confuso (arts.

    381 a 384). Em contrapartida, uma anlise dos ttulos que integram o livro vigente sobre o Direito das Coisas

    comparados estruturao correspondente do Cdigo Civil anterior nos revela que o direito de

    propriedade perdeu a primazia sistemtica de que dispunha durante a vigncia do paradigma positivo

    anterior. Teremos oportunidade de destacar que um fenmeno semelhante embora menos evidente afetou

    de modo significativo o tema que constitui nosso objeto especfico de estudo.

    2 A partir de uma abordagem meramente textual dos dispositivos legais que atualmente disciplinam o

    contrato de mandato, podemos perceber que guardam exata correspondncia com regras do Cdigo Civil de

    1916 os seguintes preceitos: art. 653 (art. 1.288); art. 656 (art. 1.290); art. 659 (art. 1.292); art. 660 (art.

    1.294); art. 661 (art. 1.295); art. 668 (art. 1.301); art. 669 (art. 1.302); art. 674 (art. 1.308); art. 675 (art.

    1.309); art. 677 (art. 1.311); art. 680 (art. 1.314); art. 687 (art. 1.319); art. 690 (art. 1.322) e art. 691 (art.

    1.323). Por sua vez, observou-se mera adaptao redacional (sem qualquer reformulao de fundo) quanto

  • 14

    3. A insero na Parte Geral do Cdigo Civil de um captulo

    especificamente voltado disciplina da representao. Situao diversa se verifica naquilo

    que concerne disciplina da representao, com relao qual se observou a introduo

    de um tratamento sistemtico autnomo (completamente distinto daquele que lhe era

    atribudo pelo Cdigo Civil revogado); e para demonstrar o alegado basta observar que

    dentre os seis artigos do Cdigo Civil vigente que regulam a matria, to somente um

    encontra antecedente na legislao civil anterior: justamente o art. 118, correspondente ao

    art. 1.305 do diploma de 1916 situado este, por sua vez, em meio aos dispositivos

    voltados ao contrato de mandato3.

    aos seguintes dispositivos: art. 655 (art. 1.289, 2); art. 665 (art. 1.297); art. 670 (art. 1.303); art. 676 (art.

    1.310); art. 678 (art. 1.312); art. 679 (art. 1.313); art. 682 (art. 1.316) e art. 689 (art. 1.321). Finalmente,

    destacam-se como adaptaes sistemticas evidentes os arts. 666 (art. 1.298) e 673 (art. 1.306)

    respectivamente voltados compatibilizao do texto antigo com a reduo da maioridade civil e com o

    acolhimento legislativo da teoria do negcio jurdico.

    Sob a forma de alterao quanto orientao anteriormente adotada, inovaes relativas podem ser

    vislumbradas nos seguintes dispositivos: art. 654 (art. 1.289); art. 657 (art. 1.291); art. 658 (art. 1.290,

    nico); art. 662 (art. 1.296); art. 663 (art. 1.307); art. 664 (art. 1.315); art. 667 (art. 1.300); art. 672 (art.

    1.304); art. 681 (art. 1.315); art. 684 (art. 1.317, II); art. 685 (art. 1.317, I); art. 686 (arts. 1.318 e 1317, III) e

    art. 688 (art. 1.320). Por fim, diante da ausncia de qualquer correspondncia com os dispositivos do Cdigo

    Civil de 1916, merecem destaque as inovaes promovidas pelos arts. 671, 683 e 692 feita a devida

    ressalva quanto ao teor do art. 152 do Cdigo Comercial derrogado.

    Pelas abordagens mais genricas dedicadas ao estudo do contrato de mandato segundo o Cdigo Civil de

    2002, cf. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Curso de Direito Civil Direito das Obrigaes (2 parte)

    dos contratos em geral, das vrias espcies de contrato, dos atos unilaterais, da responsabilidade civil V, 34

    ed. (revista e atualizada por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva, de acordo com o

    novo Cdigo Civil, Lei n 10.406, de 10-1-2002), So Paulo, Saraiva, 2003, pp. 260-299; SILVIO RODRIGUES,

    Direito Civil Dos Contratos e das Declaraes Unilaterais da Vontade III, 29 ed., So Paulo, Saraiva,

    2003, pp. 285-307; CAIO MRIO da Silva Pereira, Instituies de Direito Civil Contratos, Declarao

    unilateral de vontade, Responsabilidade civil III, 12 ed. (revista e atualizada por Regis Fichtner, de acordo

    com o Cdigo Civil de 2002), Rio de Janeiro, Forense, 2006, pp. 397-420; MARIA HELENA DINIZ, Curso de

    Direito Civil Brasileiro Teoria das Obrigaes Contratuais e Extracontratuais, 20 ed., So Paulo,

    Saraiva, 2004, pp. 351-382; S. de S. VENOSA, Direito Civil Contratos em Espcie III, So Paulo, Atlas,

    2007, pp. 249-278; N. G. B. DOWER, Curso Moderno de Direito Civil Contratos e Responsabilidade Civil,

    3 ed., So Paulo, Nelpa, 2007, pp. 281-303; S. L. F. da ROCHA, Curso Avanado de Direito Civil

    Contratos III, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 295-316; FBIO ULHOA COELHO, Curso de

    Direito Civil III, So Paulo, Saraiva, 2005, pp. 311-328; C. A. BITTAR FILHO - M. S. BITTAR, Cdigo Civil

    2002 Inovaes, So Paulo, IOB Thomson, 2005, pp. 56-57; N. NERY JUNIOR - R. M. de ANDRADE NERY,

    Cdigo Civil Anotado e legislao extravagante, 2 ed., So Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, pp. 419-433;

    C. E. N. CAMILLO - G. M. TALAVERA - J. S. FUJITA - L. A. SCAVONE JR. (coords.), Comentrios ao Cdigo

    Civil artigo por artigo, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, pp. 584-601; R. FIUZA (coord.), Novo

    Cdigo Civil Comentado, 5 ed., So Paulo, Saraiva, 2006, pp. 533-570; A. VILLAA AZEVEDO - S. de S.

    VENOSA, Cdigo Civil Anotado e Legislao Complementar, So Paulo, Atlas, 2004, pp. 353-370; A. C. da

    COSTA MACHADO - JUAREZ DE OLIVEIRA - Z. BARRETO, Cdigo Civil de 2002 Comparado e Anotado, 2 ed.,

    So Paulo, Juarez de Oliveira, 2003, pp. 156-165; R. LOTUFO, Cdigo Civil Comentado I Parte Geral: arts.

    1 a 232, So Paulo, Saraiva, 2003, pp. 319-340 (a propsito de sua distino em relao representao

    negocial). Ressalte-se que teremos ocasio de efetuar em momento mais apropriado uma abordagem mais

    cuidadosa dos textos legais acima referidos, bem como da doutrina mencionada nesta oportunidade.

    3 Dos seis dispositivos voltados disciplina da representao, um deles concerne s suas fontes (art. 115),

    dois aos seus efeitos (arts. 116 e 118), dois a hipteses de anulabilidade do negcio concludo pelo

    representante (arts. 117 e 119) e um estabelece uma norma de reenvio (art. 120). Em estudo futuro, que

  • 15

    4. Uma regulamentao da representao na Parte Geral do Cdigo

    Civil de 2002 concernente suas variantes legal e negocial. No se pode esquecer, no

    entanto, que a referida disciplina da representao articulada entre os artigos 115 e 120

    do Cdigo Civil no se resume quele modelo j familiar aos estudiosos do contrato de

    mandato; no apenas se estabeleceu uma disciplina sobranceira (a abranger a um s tempo

    as suas variantes legal e negocial), como ainda se estendeu o mbito de aplicao da

    representao ex voluntate que passou a abarcar hipteses em que se verifica uma

    autntica representao sem mandato4.

    extrapola os limites metodolgicos da presente investigao, teremos oportunidade de observar que,

    exceo do disposto no art. 120, todas as demais regras revelam influncia dos direitos alemo (1896),

    italiano (1942) e portugus (1966); alis, especificamente no que concerne ao Cdigo Civil portugus,

    cumpre assinalar que muito clara se mostra sua influncia quanto disciplina pontual da representao;

    entretanto, no que toca conformao sistemtica eleita pelo legislador lusitano, houve como que uma

    espcie de adeso parcial ao modelo referido, fato esse que no passou despercebido oportuna crtica de J.

    C. MOREIRA ALVES: o Projeto, suprindo lacuna do Cdigo Civil brasileiro em vigor, reservou, na Parte

    Geral, um captulo para os preceitos gerais sobre a representao legal e a negocial. Ao contrrio, porm, do

    que ocorre no Cdigo Civil portugus de 1967 que regula a representao negocial na Parte Geral (arts.

    262 a 269) o Projeto, seguindo a orientao do Cdigo Civil brasileiro atual, disciplina essa matria no

    captulo concernente ao mandato, uma vez que, em nosso sistema jurdico, a representao da essncia

    desse contrato (A Parte Geral do Projeto de Cdigo Civil Brasileiro com anlise do texto aprovado pela

    Cmara dos Deputados, So Paulo, Saraiva, 1986, p. 105).

    Por ora, mencione-se apenas que a razo desta adeso parcial ser posta em evidncia logo adiante. De

    fato, observaremos que a promulgao do Cdigo Civil de 2002 parece denunciar uma reformulao

    sistemtica da relao mantida entre os institutos do contrato de mandato e da representao negocial;

    todavia, desde logo podemos assinalar que a terminologia empregada pelo legislador no art. 118 do Cdigo

    Civil vigente evidencia de modo singular uma situao de desconforto quanto relao promscua at

    ento mantida entre os referidos institutos: de fato, em lugar das expresses mandante, mandatrio e

    instrumento do mandato, encontramos uma terminologia diversa: art. 118. o representante obrigado a

    provar s pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extenso de seus poderes,

    sob pena de, no o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem. Pergunta-se: o que se poderia

    depreender de uma tal substituio? uma das questes incidentais que pretendemos analisar neste trabalho.

    4 A dissociao sistemtica entre a representao negocial e o contrato de mandato abriu espao para a

    produo de dois resultados potenciais: a representao (negocial) sem mandato e o mandato sem

    representao; embora, por razes metodolgicas, este ltimo seja abordado com maior freqncia neste

    trabalho, no podemos deixar de lembrar que a prpria representao sem mandato j encontrava

    acolhimento por parte da doutrina anterior ao Cdigo Civil vigente, a propsito, por exemplo, da hiptese de

    procurao em causa prpria em que o representante atua em nome alheio (embora em seu prprio

    interesse e sem acatar quaisquer instrues provenientes do mandante). A respeito da procurao em causa

    prpria no direito brasileiro anterior ao advento do Cdigo Civil de 2002, cf. D. R. FLORES, Notas sobre o

    Mandato em Causa Prpria o que tal mandato e como faze-lo, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1933; J.

    MIR JUNIOR, A procurao em causa prpria e seus efeitos, Curitiba, Tese (Livre-Docncia) Faculdade de

    Cincias Econmicas da Universidade do Paran, Curitiba, 1952; M. FERREIRA, Do mandato em causa

    prpria no direito civil brasileiro, So Paulo, Saraiva, 1933; M. M. da C. CRUZ, A procurao em causa

    prpria definida e aplicada pela jurisprudncia, So Paulo, Typ. Univeral, s.d.; D. S. B. de LIMA, Origem e

    evoluo da procurao em causa prpria, So Paulo, DIP, 1977.

    Com a representao (negocial) sem mandato no deve ser confundida a atuao orgnica que F. C.

    PONTES DE MIRANDA designa por presentao , tpica da hiptese de ao do rgo da pessoa jurdica, em

    que aquele manifesta a vontade desta, aplicando-se ao primeiro, por exemplo, a disciplina concernente aos

    defeitos do negcio jurdico (arts. 138 e seguintes do Cdigo Civil). Neste sentido, pois, a advertncia de F.

    C. PONTES DE MIRANDA: h podres de representao e de ao jurdica, desde o de praticar atos jurdicos

    unilaterais e de concluir contratos at o de administrar, que permitem que os atos de algum tenham eficcia

  • 16

    5. A remisso operada pelo art. 120 do Cdigo Civil. Haveria uma

    vinculao entre a disciplina concernente ao contrato de mandato e aquela afeta

    representao (negocial)? A despeito das diversas vicissitudes extra-jurdicas inerentes a

    uma fenomenologia da representao (que em princpio no sero por ns abordadas neste

    trabalho), cremos que incorreria em equvoco metodolgico grave o estudioso que se

    propusesse a analis-la sob uma perspectiva completamente apartada de suas respectivas

    na esfera jurdica de outrem, como se fssem atos dsse, ou, at, como atos dsse. Quem representa pratica

    atos que no so do representado, mas perfazem relaes jurdicas em que o representado figura. No o que

    se passa, certamente, com os rgos das pessoas jurdicas: sses presentam, no representam (F. C.

    PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado Parte Especial Direito das Obrigaes: Mandato.

    Gesto de negcios alheios sem outorga. Mediao. Comisso. Corretagem XLIII, 3 ed., Rio de Janeiro,

    Borsoi, 1972, p. 11, itlicos nossos); em idntico sentido, cf. E. BETTI, Teoria generale del negozio giuridico,

    2 ed., Torino, Unione Tiprografico-Editrice Torinese, 1960, p. 572. Entre ns, cf. M. G. MAIA JNIOR, A

    Representao no Negcio Jurdico, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 55-56; bem como A.

    VILLAA AZEVEDO, Cdigo Civil Comentado II Negcio Jurdico, Atos Jurdicos Lcitos, Atos Ilcitos, So

    Paulo, Atlas, 2003, pp. 86-87.

    necessrio destacar que da mesma forma como no se devem confundir representao e a presentao

    defeso baralhar representao e nunciatura: na primeira hiptese o representante declara, por si, em

    nome do representado; em outras palavras, por declarao negocial prpria percute a esfera jurdica do

    representado. J na nunciatura as coisas se do de modo diverso: o porta-voz no representa (declara por si

    em nome de outrem), mas simplesmente reproduz a declarao (que de outrem e sempre foi). Por tal ordem

    de idias que no se h de investigar jamais na pessoa do nncio a ocorrncia de vcios quanto

    manifestao de vontade; deve-se perquiri-los na esfera da pessoa que se utiliza do mensageiro. No mesmo

    sentido a manifestao de F. C. PONTES DE MIRANDA: se o mensageiro transmite outra manifestao de

    vontade que aquela de que foi incumbido, transmite a vontade do manifestante, erradamente. Da ter sse de

    anul-la. Tem, todavia, de reparar o intersse negativo. Tudo isso assaz diferente do que se passa com os

    procuradores. Da a necessidade de se saber de que figura se trata, se de representante, ou se de mensageiro.

    Se nenhuma liberdade tem no que transmite, trata-se de mensageiro (...) se recebe procurao escrita, ou pode

    assinar, ou verificar papis, impostos ou outros dados, procurador. Quanto ao rro, que mais ressalta, nos

    resultados, a diferena. Se B diz que A manda dizer, B mensageiro, porm, a, mais importam as

    circunstncias que as palavras; se entra em ajustes, exames de ofertas ou contra-ofertas, se toma parte em

    tratos preliminares, de procurador que se trata. So circunstncias que pesam: se B criado ou empregado

    domstico de A, e atua como comprador de objetos de uso pessoal, ou da casa, mensageiro; se B

    administrador e trata de assuntos de sua profisso, mandatrio (Tratado de Direito Privado Parte Geral

    Negcios Jurdicos. Representao. Contedo. Forma. Prova III, Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, pp. 316-

    317). Perceba-se, pela expresso final por ns destacada, que ao prprio autor ora referido as questes

    concernentes ao mandato e representao negocial parecem, por vezes, confusas. No mesmo sentido da

    diferenciao proposta, cf. M. A. D. de ANDRADE, Teoria Geral da Relao Jurdica Facto Jurdico, em

    especial Negcio Jurdico II, Coimbra, Almedina, pp. 291-292; M. G. MAIA JNIOR, A Representao cit.

    (nota 04), So Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 47-50; E. BETTI, Teoria generale cit. (nota 04), p. 572;

    L. ENNERCCERUS - T. KIPP - M. WOLFF, Lehrbuch des Brgerlichen Rechts Einleitung Allgemeiner Teil,

    trad. esp. de Blas Prez Gonzlez e Jos Alguer, Tratado de Derecho Civil Parte General nacimiento,

    extincin y modificacin de los derechos subjetivos, pretensiones y excepciones, ejercicio y aseguramiento

    de los derechos, Barcelona, Casa Editorial Bosch, 1935, pp. 231-234; F. GALGANO, Il negozio giuridico,

    Milano, Dott. A. Giuffr, 1988, pp. 352-354; A. GIOVENE, Negozio giuridico rispetto ai terzi, Torino, Unione

    Tipografico-Editrice Torinese, 1917, pp. 27-32; L. CARIOTA FERRARA, Il negozio giuridico nel diritto privato

    italiano, Napoli, Morano, 1956, pp. 678-679; V. SCIALOJA, Negozi giuridici corso di diritto romano nella r.

    Universit di Roma nellanno accademico 1892-1893 raccolto dai dottori Mapei e Giannini, pp. 216-219.

    Observe-se, finalmente, que embora as hipteses de representao sem mandato no tivessem a consagrao

    do Cdigo Civil anterior, j havia previso implcita de mandato sem representao a qual se pode

    depreender dos arts. 1.307, 1.297, 1.301 e 1.309 do aludido diploma legal (e que merecero, oportunamente,

    nossa especfica ateno).

  • 17

    manifestaes especiais; assim, nosso dever ressaltar que em nenhum momento

    consideramos inoportuna uma abordagem em que estivessem funcionalmente conjugados a

    representao negocial e o contrato de mandato (e por meio da qual se compreenda a

    primeira como instrumento indispensvel ao adimplemento de uma das figuras

    relacionadas ao segundo instituto). Bem ao contrrio, to somente preocupamo-nos em

    esclarecer, desde logo, nossa posio (no sentido de que uma eventual coordenao

    funcional no pode obscurecer a autonomia estrutural existente entre os dois institutos

    jurdicos); e de fato tendo-se em vista que o art. 120 do Cdigo Civil estabelece que os

    requisitos e os efeitos da representao legal so os estabelecidos nas normas respectivas;

    os da representao voluntria so os da Parte Especial deste Cdigo parece-nos que a

    vinculao funcional apontada foi expressamente determinada pelo prprio legislador

    redirecionando a ateno do intrprete para outros destinos (os quais sero abordados ao

    longo da exposio)5.

    5 Perceba-se, pois, que no negamos a existncia de um vnculo entre o instituto do contrato de mandato e

    a figura da representao negocial. Apenas afirmamos que nos parece imprescindvel realizar uma espcie

    de destilao jurdica por meio da qual se separem os elementos integrantes dessa mistura (levada a

    efeito pela realidade jurdica e corroborada pelo ordenamento jurdico positivo nacional) a fim de que se

    chegue quilo que poderamos designar por nota tpica do contrato de mandato por reiteradas vezes

    mencionada no presente estudo e que ser objeto de considerao mais detida no contexto de uma outra

    investigao, tambm filiada linha de pesquisa adotada por este investigador.

    Ora, como desde logo nos declaramos partidrios da possibilidade de dissociao entre mandato e

    representao (dotados de eficcias jurdicas inteiramente distintas), acreditamos que esta ltima no

    corresponde, pois, quilo que usualmente se tem designado por essncia do contrato de mandato; mesmo

    porque, como veremos ao longo da primeira parte da pesquisa, embora entre os romanos o mandatum fosse

    um contrato tpico, a representao direta no era admitida inicialmente pelo sistema. Certamente algum

    cogitar que, a despeito da identidade quanto ao nomen juris, no haveria uma maior correspondncia entre o

    mandatum romano e o seu correspondente moderno (e que o sistema jurdico brasileiro, alis, adotara um

    mandato essencialmente representativo). Nesse sentido preleciona F. C. de SAN TIAGO DANTAS: a

    caracterstica principal desse contrato [o mandato] essa incumbncia para celebrar um certo negcio, que o

    mandante confere ao mandatrio. Esta caracterstica (...) implica em que uma pessoa (representante),

    emitindo uma declarao de vontade, d vida a um negcio jurdico, que surge diretamente com referncia a

    uma outra pessoa (representado), de modo que a primeira s no interesse deste age (...) a representao ,

    portanto, a idia suprema do mandato, alm de s a ele pertencer entre todas as espcies de contrato (...) o

    mandato a maneira de fazer-se a representao direta negocial. esta representao que distingue o

    instituto em estudo de todas aquelas figuras que lhes so afins (Programa de Direito Civil II - aulas

    proferidas na Faculdade Nacional de Direito (fim de 1943- 1945) - Os Contratos, Rio de Janeiro, Editora

    Rio, 1978, pp. 369-370). Note-se que essa posio j podia ser entrevista em CLVIS BEVILQUA (o que

    caracteriza o mandato a representao, Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado V-2, 5

    ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1943, p. 29), J. M. de CARVALHO SANTOS (o mandato, como

    se v, justamente por envolver sempre uma representao, apresenta-se como uma figura inconfundivel,

    mesmo em face de outros contractos que com elle apresentam semelhanas, Codigo Civil Brasileiro

    Interpretado principalmente do ponto de vista pratico Direito das Obrigaes (arts. 1265-1362) XVIII, 2

    ed., Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1938, p. 109) e em JOO LUIZ ALVES: o que o

    caracteriza e distingue [contrato de mandato] de outros contractos a representao (Cdigo Civil da

    Repblica dos Estados Unidos do Brasil promulgado pela Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916 annotado II,

    2 ed., So Paulo, Saraiva, 1935, p. 348). No mesmo sentido, R. LIMONGI FRANA: a essncia do mandato

    est na idia de representao, de tal forma que, aqule que recebeu os podres, como se fsse o contraente

    que os outorgou (Manual de Direito Civil IV-2 Doutrina das obrigaes contratuais, Doutrina das

  • 18

    6. Sobre a necessidade de uma definio quanto aos limites da remisso

    Parte Especial operada pelo art. 120 do Cdigo Civil. Tais premissas ensejam, pois,

    algumas indagaes: qual seria o alcance hermenutico dos termos requisitos e efeitos,

    empregados pelo art. 120 do Cdigo Civil? Quais os obstculos que a estrutura peculiar ao

    contrato de mandato poderia oferecer a uma indiscriminada comutao de regras com a

    heterognea disciplina da representao negocial? Pretendemos, assim, oferecer as

    respectivas respostas ao longo do presente estudo para tanto lanando mo,

    freqentemente, da variante no representativa do tipo contratual mencionado6.

    obrigaes extracontratuais, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, p. 184); J. F. DE LIMA: tendo por

    contedo essencial o poder dado ao mandatrio de agir em nome do mandante, o carter do contrato de

    mandato a representao (Curso de Direito Civil Brasileiro II-2 Direito das Obrigaes Dos contratos

    e das Obrigaes por Declarao Unilateral de Vontade, 3 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 565); e F.

    R. LEITE FILHO (Curso de Direito Civil Parte Geral, Direito das Obrigaes, So Paulo, Edies Lael,

    1973). O prprio M. M. de SERPA LOPES no afasta a representao da essncia do contrato de mandato,

    conquanto j divisasse a necessidade sistemtica de uma considerao autnoma de tais institutos: embora,

    em nosso direito, a representao constitua elemento essencial do mandato, diferentemente do direito

    alemo, impe-se, contudo, manterem-se inconfundveis as duas figuras (Curso de Direito Civil Fontes

    das Obrigaes: Contratos IV, Rio de Janeiro-So Paulo, Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 240).

    J sob o contexto do Cdigo Civil de 2002, G. TEPEDINO observa que embora configurem institutos

    jurdicos autnomos, no direito brasileiro, por expressa opo legislativa, a representao compe a causa do

    contrato de mandato no cabendo, por isso mesmo, falar em mandato sem representao, ainda que

    ontologicamente seja possvel tal figura contratual (...) repugnava o esprito do Direito Romano a idia de

    que uma pessoa pudesse agir em nome de outra, uma vez que o carter personalssimo e solene dos atos era

    incompatvel com a idia de representao. Mas o Direito Cannico reagiu a isso, acolhendo o conceito de

    representao e posicionando-o ao lado do mandato, fazendo com que a representao passasse a ser

    elemento essencial do referido contrato (A tcnica da representao e os novos princpios contratuais in

    Direito Civil Direito Patrimonial e Direito Existencial: Estudo em homenagem professora Giselda Maria

    Fernandes Novaes Hironaka, So Paulo, Mtodo, 2006, pp. 79-80).

    De fato, os exemplos acima reproduzidos que nos parecem suficientes para evidenciar a concepo da

    maior parte da doutrina brasileira desconsideram a figura do mandato sem representao. Mas algumas

    consideraes nos parecem inevitveis: se o Cdigo Civil brasileiro alude possibilidade de que o

    mandatrio aja em seu prprio nome, devendo transferir ao mandante todas as vantagens provenientes do

    mandato, o qual tem no apenas uma ao adjudicatria especfica, como tambm o dever de satisfazer as

    obrigaes assumidas pelo mandatrio (arts. 663, 668, 671 e 675), nos parece com toda a honestidade

    cientfica possvel inteiramente invivel sustentar, no Brasil, o carter essencialmente representativo do

    contrato de mandato. Aludisse-se a um carter naturalmente representativo e nosso trabalho j estaria

    reduzido em grande parte; no teramos que provar que so dois aquilo que considerado pela doutrina como

    sendo um s. contra a essencialidade do elemento representativo que lutaremos na primeira parte deste

    estudo. E para tanto ser imprescindvel uma historiografia geral a respeito da relao entre o instituto do

    contrato de mandato e a figura da representao negocial.

    6 Observe-se que a redao conferida ao art. 120 do Cdigo Civil brasileiro (supra transcrito, 5)

    induvidosamente clara; no entanto, no se pode afirmar o mesmo quanto ao alcance do referido dispositivo

    jurdico; de fato, uma vez admitida a essncia representativa do contrato de mandato, pouco resta ao

    intrprete seno efetuar uma simples adio entre as regras sobre representao estabelecidas na Parte Geral

    (arts. 115 a 120) e as disposies referentes ao contrato de mandato, constantes da Parte Especial (arts. 653 a

    692) como se tudo concernisse a uma simples relao entre gnero (representao) e espcie

    (representao negocial = eficcia do contrato de mandato).

    Contudo, com isso no concordamos. Pergunta-se: quais assinaturas constam da procurao, instrumento do

    mandato, na terminologia adotada pelo legislador no art. 653 do CC/2002? Se na resposta oferecida se

    prescinde da meno ao mandatrio leia-se outorgado porque, em verdade, de contrato no estamos a

    tratar. Ou, margem de inequvoca disposio legislativa, pode haver contrato defluente unicamente de

  • 19

    um negcio jurdico unilateral? No nos parece razovel sustent-lo. Estaria a prtica a negar a realidade

    constante do Cdigo Civil, em uma manifestao de rebeldia ao carter contratual do ato jurdico

    consubstanciado no instrumento de procurao? Ou seria foroso reconhecer que na procurao estaria

    instrumentado outro negcio jurdico (unilateral), vizinho ao contrato de mandato, mas que com ele no se

    confunde? Aderimos, pois, a esta ltima posio. A este respeito, cf. E. A. SANCHEZ URITE, Mandato y

    representacion, Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1986, p. 25 (trecho que ser transcrito e melhor explorado em

    nota de rodap posterior).

    Dito isso, contudo, deparamo-nos com outras questes: ora, tudo que existe na Parte Geral do Cdigo Civil

    concerne exclusivamente representao (ainda que negocial)? Por sua volta, tudo o que existe em meio

    Parte Especial do Cdigo Civil respeita exclusivamente ao contrato de mandato? Parece-nos que s duas

    perguntas se deve responder negativamente. Com efeito, acreditamos que muito existe na Parte Especial, sob

    a rubrica do contrato de mandato, que em verdade respeita representao (negocial); da mesma forma, em

    alguns pontos do disposto entre os arts. 115 e 120 do Cdigo Civil, sentimos que estamos diante de preceitos

    que afetam, ainda que reflexamente, a disciplina do contrato de mandato. exatamente este, pois, um dos

    principais objetivos de nossa tarefa: para segregarmos da disciplina do contrato de mandato a matria

    concernente representao, teremos de avaliar aquilo que sobre a representao se diz quando se

    empregam na legislao civil codificada as expresses mandato, mandante, mandatrio, instrues e

    congneres. Por essa razo reputamos, portanto, indiscriminada a comutao promovida pela via do art.

    120 do Cdigo Civil de regras entre institutos que, a despeito de sua vinculao funcional, guardam uma

    autonomia estrutural que ser decisiva para a delimitao da eficcia jurdica de cada negcio decorrente.

    Um exemplo, pois, dessa comutao indiscriminada pode ser depreendido da obra de WASHINGTON DE

    BARROS MONTEIRO: convencionais so os representantes munidos de mandato, expresso ou tcito, verbal ou

    escrito, do representado, como os procuradores (no contrato de mandato) e o comissrio (no contrato de

    comisso mercantil) [Curso de Direito Civil Parte Geral I, 40 ed. (revista e atualizada por Ana Cristina

    de Barros Monteiro Frana Pinto), So Paulo, Saraiva, 2005, p. 220]; note-se que no entraremos, por ora, no

    mrito de uma anlise do art. 693 do Cdigo Civil, custa de cuja redao parece insustentvel a tese do

    comissrio representante, a menos que se empreste um sentido consideravelmente amplo a esta ltima

    expresso (para abranger a chamada representao indireta). No mesmo sentido por ns ora condenado no

    advertindo, portanto, quanto aos limites comutao entre as disposies legais referidas cf. SILVIO

    RODRIGUES, Direito Civil Parte Geral I, 34 ed., So Paulo, Saraiva, 2003, pp. 165-167; CAIO MRIO da

    Silva Pereira, Instituies de Direito Civil Introduo ao Direito Civil, Teoria Geral do Direito Civil I, 21

    ed. (revista e atualizada de acordo com o Cdigo Civil de 2002 por Maria Celina Bodin de Moraes), Rio de

    Janeiro, Forense, 2006, p. 625; MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral do

    Direito Civil I, 23 ed., So Paulo, Saraiva, 2006, pp. 445-447; S. de S. VENOSA, Direito Civil Parte Geral

    I, 7 ed., So Paulo, Atlas, 2007, pp. 335-342 (de onde extramos o trecho seguinte: o mandato a forma

    pela qual se torna conhecida a representao por vontade dos interessados (...) por isso se diz que o mandato,

    um contrato, que se instrumentaliza pela procurao, p. 338); N. G. B. DOWER, Curso Moderno de Direito

    Civil Parte Geral I, 4 ed., So Paulo, Nelpa, 2007, pp. 297-301; S. L. F. da ROCHA, Curso Avanado de

    Direito Civil Contratos III, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 295 (que em verdade nos pareceu

    pouco claro quanto s suas prprias concluses a respeito da questo); FBIO ULHOA COELHO, Curso de

    Direito Civil I, 2 ed., So Paulo, Saraiva, 2006, pp. 297-303 [de onde extramos que o negcio jurdico de

    outorga de poderes de representao pelo prprio representado o contrato de mandato, que se

    instrumentaliza na procurao (...) desse modo, o que recebe os poderes de representao (chamado

    mandatrio ou procurador) o representante investido nos seus poderes por vontade do prprio interessado,

    p. 299]; C. A. BITTAR FILHO - M. S. BITTAR, Cdigo Civil cit. (nota 02), p. 24; N. NERY JUNIOR - R. M. de

    ANDRADE NERY, Cdigo Civil cit. (nota 02), p. 66; C. E. N. CAMILLO - G. M. TALAVERA - J. S. FUJITA - L. A.

    SCAVONE JR. (coords.), Comentrios cit. (nota 02), p. 228; R. FIUZA (coord.), Novo Cdigo cit. (nota 02), p.

    109; A. VILLAA AZEVEDO - S. de S. VENOSA, Cdigo Civil cit. (nota 02), pp. 111-112; A. C. da COSTA

    MACHADO - JUAREZ DE OLIVEIRA - Z. BARRETO, Cdigo Civil cit. (nota 02), p. 44; F. TARTUCE, Direito Civil

    Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espcie III, 2 ed., So Paulo, Mtodo, 2007, p. 465; P. S.

    GAGLIANO - R. PAMPLONA FILHO, Novo Curso de Direito Civil Brasileiro Parte Geral I, 8 ed., So Paulo,

    Saraiva, 2006, p. 342; G. R. NICOLAU, Direito Civil Parte Geral, 2 ed., So Paulo, Atlas, 2006, p. 124.

    Em abono da posio por ns defendida, encontramos, no Brasil, as manifestaes de F. C. PONTES DE

    MIRANDA, Tratado III cit. (nota 04), pp. 235-236; F. M. DE MATTIA, Aparncia de Representao, So

    Paulo, CID, 1999, pp. 3-5; A. VILLAA AZEVEDO, Cdigo Civil cit. (nota 04), pp. 85-112; R. LOTUFO,

    Cdigo Civil cit. (nota 02), pp. 319-340; e M. G. MAIA JNIOR, A Representao cit. (nota 04), pp. 153-155

    dentre outros autores mais adiante devidamente referidos.

    Ou seja, como no negamos que exista um vnculo funcional entre os institutos jurdicos referidos, no

    seremos jamais contrrios naturalmente a um estudo que aborde conjugadamente as duas matrias.

  • 20

    7. O advento do Cdigo Civil de 2002 e a discrepncia entre as posies

    do relator do Anteprojeto parcial de 1970 e da Comisso Elaboradora e Revisora.

    Especificamente no que concerne representao negocial, devemos observar desde logo

    que a verso promulgada do Cdigo Civil de 2002 destoa consideravelmente do

    Anteprojeto da Parte Geral do Cdigo Civil de 1970; com efeito, este retomava uma

    premissa que, quase trinta anos antes, havia sido salientada por Orosimbo Nonato,

    Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimares, os quais na Exposio de Motivos do

    Anteprojeto da Parte Geral do Cdigo das Obrigaes de 1941 postulavam uma

    libertao do instituto da representao quanto sua subservincia ao contrato de

    mandato. No tendo sido integralmente acolhida pela Comisso Elaboradora e Revisora a

    proposta do autor do referido Anteprojeto parcial (Jos Carlos Moreira Alves), restou

    malograda a tentativa de se promover uma separao metodolgica plena entre os

    institutos; ainda assim impelidos pela dissociao pretendida pelo prprio legislador

    temos a convico de que so perfeitamente definveis os limites entre esses, cabendo

    doutrina a tarefa de precis-los, a partir de critrios que proporcionem suficiente segurana

    ao intrprete7.

    Nosso principal bice ao tratamento pretendido por grande parte da doutrina reside numa corriqueira mistura

    entre as respectivas estruturas jurdicas; o que acabar por produzir resultados significativos (ao ensejo da

    apreciao da eficcia concernente a cada uma delas).

    7 A respeito da tentativa de um apartamento pleno entre o instituto do contrato de mandato e a figura da

    representao negocial, oportuna se mostra a manifestao do prprio autor do Anteprojeto parcial (da Parte

    Geral), Jos Carlos Moreira Alves: ocupa-se o Captulo II com a representao. Nesse ponto, orientou-se o

    Anteprojeto no sentido de incluir, na Parte Geral, as regras referentes representao legal e convencional. E,

    quanto a esta ltima a fim de que no se fracionasse sua disciplina regulou-a sob todos os aspectos que,

    no Cdigo vigente, vm tratados no instituto do mandato. Se acolhida a idia, o futuro Cdigo Civil, em sua

    Parte Especial, ao tratar do mandato, dever estabelecer apenas as normas relativas ao contrato de mandato,

    no se ocupando com a representao (J. C. MOREIRA ALVES, A parte geral cit. (nota 03), p. 79).

    Como dissemos, a proposta articulada pelo relator do Anteprojeto reconduzia a uma iniciativa que j havia

    sido prestigiada pelo Anteprojeto de Parte Geral do Cdigo das Obrigaes de 1941 (elaborado por

    Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimares). Com efeito, em sua exposio de

    motivos a Comisso responsvel pela obra anterior foi categrica ao asseverar a imprescindibilidade de uma

    autntica libertao do instituto da representao (inclusive a sua variante negocial): o instituto da

    representao foi libertado da sua condio servil ao mandato, deixando-se disciplina deste contrato apenas

    as relaes entre as prprias partes contratantes. A representao, seja qual for a sua origem, legal ou

    convencional, obedecer a preceitos uniformes, que devem resguardar a boa-f de terceiros, obrigados a

    tratar com interposta pessoa (Exposio de motivos do Anteprojeto de Cdigo das Obrigaes Parte Geral

    (1941) in Cdigo Civil Anteprojetos I, Braslia, Senado Federal Subsecretaria de Edies Tcnicas, 1989,

    p. 59).

    Todavia, mister efetuar desde logo um imprescindvel reparo terminologia empregada em ambas as

    ocasies: alude-se representao convencional, quando cremos que seria adequada referncia

    representao voluntria (ou mais precisamente negocial). De fato, como teremos a oportunidade de

    evidenciar mais adiante, a representao manifestao da eficcia decorrente da celebrao de um negcio

    jurdico unilateral de outorga de poderes (dispensada a aceitao do outorgado para que produza seus

    respectivos efeitos perante este); assim, no nos parece possvel, portanto, sustentar a existncia de uma

    representao convencional, eis que despicienda a aceitao do representante para que a outorga pretendida

  • 21

    8. A atuao da Comisso Elaboradora e Revisora do Anteprojeto de

    Cdigo Civil. A Comisso Elaboradora e Revisora do Anteprojeto de Cdigo Civil

    deliberou por maioria no sentido da reformulao parcial do captulo da Parte Geral

    dedicado representao; entrevendo acertadamente uma unidade cimeira entre suas

    variantes legal e negocial, concluiu, todavia, pela oportunidade da manuteno da

    disciplina desta ltima em meio regulamentao do contrato de mandato. Ou seja, em

    lugar de se promover uma separao entre as modalidades representativas por meio de uma

    natural tripartio em sees (disposies gerais, da representao legal e da

    representao negocial), optou o legislador por uma cmoda remisso que acaba por

    turvar os limites entre as categorias acima referidas; e com isso, ficou-se a meio caminho

    da completa reestruturao sistemtica da matria8.

    surta efeitos. Nesse sentido, bastante elucidativa a manifestao de E. A. SANCHEZ URITE: la representacin,

    conforme a su origen, se la clasifica en voluntaria y en legal o necesaria. La representacin voluntaria ha

    sido tambin denominada errneamente convencional; debemos alertar sobre esta ltima denominacin, ya

    que la representacin, si bien en algunos casos puede nacer de una relacin contractual, la mayora de las

    veces ella tendr por origen el poder, que es un acto jurdico unilateral, que para configurarse no necesita de

    ninguna aceptacin de la persona a la que se lo ha conferido, de modo que de ninguna manera puede

    llamrsela convencional (Mandato y representacion, Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1986, p. 25). No

    podemos deixar de notar, ainda, que tal equvoco terminolgico nos parece, enfim, um resqucio daquela

    profunda imbricao estabelecida, no direito brasileiro, entre a outorga de poderes de representao e o

    contrato de mandato. Contudo, mesmo a expresso representao voluntria no nos parece imune a crticas

    uma vez que os efeitos representativos no derivaro da vontade do sujeito de direito representado, mas

    sim do negcio jurdico de outorga de poderes de representao (e da nossa predileo pela expresso

    representao negocial).

    Finalmente, observe-se que no nos parece que a posio adotada nas duas oportunidades Anteprojeto da

    Parte Geral do Cdigo das Obrigaes e Anteprojeto da Parte Geral do Cdigo Civil explicite uma

    consagrao do mandato sem representao entre ns. A bem da verdade, podemos depreender, to somente,

    um intuito evidente de destacar a autonomia tcnica da relao jurdica decorrente do negcio de outorga de

    poderes representativos (suscetvel de produzir efeitos perante terceiros) em relao relao jurdica afeta

    ao contrato de mandato (propriamente dito). Todavia, como teremos ocasio de abordar oportunamente, da

    prpria disciplina articulada pelo legislador (no que concerne ao contrato de mandato) que pretendemos

    depreender o acolhimento ainda que inconsciente daquela variante que corresponde a uma de nossas

    principais ferramentas de trabalho.

    8 Com efeito, pode-se depreender da prpria manifestao do relator do Anteprojeto de Parte Geral do

    Cdigo Civil que a maioria da Comisso Elaboradora e Revisora optou por trilhar um caminho diferente,

    como que a exato meio passo de um completo apartamento sistemtico entre os institutos jurdicos

    envolvidos (contrato de mandato e representao). Nas palavras do referido autor: a sugesto no foi

    acolhida pela maioria da Comisso Elaboradora e Revisora. Por isso, no captulo do Anteprojeto de 1972

    relativo representao, s se disciplinam alguns aspectos gerais da representao legal e da representao

    convencional, dispondo-se, no art. 120, que os requisitos e os efeitos da representao legal so os

    estabelecidos nas normas respectivas; e os da representao convencional, os da parte especial deste

    Cdigo (J. C. MOREIRA ALVES, A parte geral cit. (nota 03), p. 79).

    Assim, inicialmente, parece-nos existir quatro graus possveis de relao entre o instituto do contrato de

    mandato e a figura da representao negocial: a) juno metodolgica, tal qual pretendido pela doutrina que

    reputa a representao essencial ao contrato de mandato; b) autonomia parcial entre o contrato de mandato

    e a representao negocial (admitida apenas para que se abra caminho a um tratamento nico das

    representaes legal e negocial); c) apartamento pleno sem autonomia sistemtica da figura do mandato sem

    representao (embora se reconhea que o contrato de mandato e a representao negocial no se

    confundem, no se admite, expressa ou implicitamente, o mandato no representativo); e d) apartamento

  • 22

    9. A existncia de um vnculo indissocivel entre o contrato de mandato e

    a representao negocial: as experincias jurdicas estrangeiras. Tomando-se por base o

    panorama legislativo prevalecente no sistema jurdico de tradio romano-germano-

    cannica, podemos afirmar que preponderam duas orientaes a respeito da relao entre a

    representao negocial e o contrato de mandato: de um lado, filiados tradio

    derivada do Code Civil, posicionam-se os adeptos da indissociabilidade entre uma e outro;

    de outra banda, restam os partidrios da corrente germnica que defendem, por sua vez, a

    completa autonomia entre os dois institutos jurdicos ora considerados. Desta forma, ainda

    que a anlise do direito comparado no corresponda ao objeto deste estudo, parece-nos de

    todo evidente que tal dado h de ser levado em considerao ao menos como elemento

    informativo de nossa investigao9.

    pleno com autonomia sistemtica da figura do mandato sem representao (reconhece-se a independncia

    metodolgica entre o contrato de mandato e a representao negocial, com a admisso da figura do mandato

    sem representao). Acreditamos que as posies do autor do Anteprojeto Parcial (de Parte Geral) e da

    Comisso Elaboradora e Revisora correspondam, respectivamente, quilo que acima mencionamos sob os

    itens c e b. Defendemos, todavia, que a reformulao sistemtica promovida pelo legislador de 2002 d

    ensejo a uma concluso consentnea com o item d sem que se faa necessrio um esgaramento sistemtico

    por meio do apelo categoria dos contratos inominados (art. 425 do CC/2002).

    De todo modo, a se admitir a mais conservadora das hipteses a de que o intuito do legislador foi to

    somente o de abrir caminho a um tratamento nico das representaes legal e negocial (b) j resulta claro

    que se mostraria de todo conveniente uma diviso entre os preceitos comuns, os afetos representao legal

    e os concernentes representao negocial, sob a forma de sees autnomas tal como expressamente

    preceituado pela Lei Complementar n 95/98 (art. 10, V). No foi essa, todavia, a orientao adotada pelo

    legislador, que reputou adequado disciplinar de maneira idntica as duas modalidades representativas

    dominadas, no entanto, por princpios peculiares.

    9 Observe-se que o emprego da expresso tradio derivada do Code Civil revela o papel de extrema

    relevncia deste diploma, em particular no que respeita difuso de um paradigma estribado em uma

    autntica juno metodolgica entre os institutos do contrato de mandato e da representao como

    mencionamos na nota de rodap imediatamente anterior. Pelo acolhimento, em geral, do Cdigo Civil francs

    pelo mundo, cf. F. WIEACKER, Privatrechtgeschichte der neuzeit, trad. port. de Antnio Manuel Botelho

    Hespanha, Histria do Direito Privado Moderno, 2 ed., Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1993, pp.

    385-395; J. GILISSEN, Introduction Historique au Droit, 1979, trad. port. de Antnio Manuel Botelho

    Hespanha, Introduo Histrica ao Direito, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1988, pp. 448-460

    (especialmente pp. 456-457); R. DAVID, Les grands systmes de droit contemporains, 7 ed., Paris, Dalloz,

    1978, pp. 62-76; A. M. HESPANHA, Panorama histrico da cultura jurdica europia, 2 ed., Mira-Sintra,

    Publicaes Europa-Amrica, 1998, pp. 176-180; Cultura jurdica europia sntese de um milnio,

    Florianpolis, Fundao Boiteux, 2005, pp. 376-383; M. J. de ALMEIDA COSTA, Histria do Direito

    Portugus, 3 ed., Coimbra, Almedina, 2000, pp. 394-396; A. CASTANHEIRA NEVES, Digesta Escritos

    acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros, Coimbra, Coimbra Editora, 1995,

    pp. 181-191; M. R. MARQUES, Codificao e paradigmas da modernidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2003,

    passim; J. BONNECASE, La pense juridique franaise de 1804 a lheure prsente ses variations et ses traits

    essentiels I, Bordeaux, Delmas, 1933, passim.

    Como j observado, o mandato sem representao desempenhou, sob a perspectiva dogmtica, um papel de

    indiscutvel importncia no processo de dissociao entre o negcio jurdico unilateral de outorga de poderes

    representativos (procurao) e o contrato de mandato. Por tal razo, a bibliografia ao mesmo concernente nos

    parece extremamente elucidativa quanto s orientaes noticiadas no corpo do texto. A respeito, cf. F. de S.

    L. PESSOA JORGE, O mandato sem representao, Lisboa, Edies tica, 1961, pp. 89-95; F. A. P. LANDIN

    FILHO, O mandato civil sem representao, Campinas, Ag Juris, 2000, pp. 36-37; C. P. M. CRUZ E TUCCI,

  • 23

    10. A proposta de anlise dogmtica inerente ao presente estudo:

    afastamento preliminar da representao legal; necessidade de abordagem da relao

    entre o contrato de mandato e a representao negocial luz das imbricaes desta no

    regime jurdico daquele. O que pretendemos com este estudo? Obviamente que, em

    primeiro lugar, segregar os elementos indispensveis definio dos contornos histricos

    assumidos pelo mandato luso-brasileiro. No entanto, para que possamos nos desincumbir

    deste compromisso historiogrfico central, mostra-se oportuna uma anlise dogmtica de

    feio instrumental e circunscrita s mesmas fontes primrias voltada ao estudo da

    relao mantida entre o contrato de mandato e a representao negocial. Desta forma,

    afastamo-nos desde j e expressamente da temtica afeta representao legal (que

    poder ser tangenciada, excepcionalmente, em notas de rodap). Ora, feito este primeiro

    grande corte quanto ao objeto dogmtico de estudo, ainda outro se afigura necessrio: pois

    vista das grandes propores dos institutos a serem cotejados, parece-nos adequado evitar

    um enfrentamento direto de ambos os termos da relao em questo. Assim, em lugar de

    contemplar ex professo a representao negocial, pretenderemos analis-la unicamente em

    suas imbricaes sobre a disciplina do contrato de mandato10

    .

    Interposio de pessoa nos negcios jurdicos, Tese (Doutoramento) Faculdade de Direito da Universidade

    de So Paulo, So Paulo, 2004, pp. 127-146.

    Como teremos oportunidade de ressaltar mais adiante, a despeito do reconhecimento conferido ao contrato

    de mandato (tpico), os romanos no admitiam, inicialmente, a representao direta tal qual se verifica

    atualmente. Ao contrrio, em virtude de alguns fatores especficos (dentre os quais se destaca o carter

    personalssimo das obrigaes assumidas), havia uma completa dissociao entre estes dois institutos a ser

    analisada incidentalmente em meio parte primeira deste trabalho. Por uma apreciao geral da questo,

    entre ns, cf. A. CORREIA-G. SCIASCIA, Manual de Direito Romano e textos em correspondncia com os

    artigos do Cdigo Civil brasileiro I, 2 ed., So Paulo, Saraiva, 1953, pp. 292-294 (especialmente p. 293); J.

    C. MOREIRA ALVES, Direito romano I (Histria do direito romano instituies do direito romano: a) Parte

    Geral; b) Parte Especial: Direito das Coisas), Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 158-160; T. MARKY, Curso

    elementar de direito romano, 8 ed., So Paulo, Saraiva, 1995, pp. 60-62.

    Oportunamente, teremos ocasio de observar de que forma esta originria autonomia entre os institutos do

    mandato e da representao se obscureceu, dando lugar a uma verdadeira contaminao estrutural tal

    como aparentemente cristalizada nos Cdigos Civis de 1916 e 2002.

    10 A proximidade funcional entre o instituto do contrato de mandato e a figura da representao negocial

    tamanha que sobreleva a importncia metodolgica da variante do mandato desprovida de efeitos

    representativos diretos (mandato sem representao), pois nela no h sobreposio entre as respectivas

    eficcias jurdicas. Explicamo-nos: como pretendemos segregar aquilo que de especfico existe no contrato

    de mandato (abrangente a um s tempo de sua variante provida e daquela outra desprovida de

    representao), um considervel destaque haver de ser conferido s hipteses de representao sem

    mandato e de mandato sem representao.

    Ora, como pretendemos evidenciar as peculiaridades da relao entre mandante e mandatrio e que

    independem da existncia de um vnculo de representao por meio do qual este declare em nome daquele

    resulta evidente a ateno que deveramos dispensar a tais hipteses, ainda que empiricamente paream

    menos expressivas do que o paradigma representativo (do tipo contratual).

    Pelos sentidos em que se empregam, neste trabalho, os termos sistema, instituio, instituto jurdico, figura e

    categoria, cf. M. REALE, Lies preliminares de direito, 27 ed., So Paulo, Saraiva, 2002, pp. 190-192.

    Especificamente no que concerne aos termos instituto e figura, eis a distino efetuada pelo autor: as

  • 24

    11. Necessidade de abordagem da relao entre o contrato de mandato e a

    representao negocial luz das imbricaes desta no regime jurdico daquele: a

    importncia metodolgica do mandato sem representao e seu papel como instrumento

    decisivo de nossa pesquisa. Assim delimitado o objeto dogmtico de nosso estudo, para

    que depuremos a evoluo dos contornos eficaciais do mandato luso-brasileiro, ser

    necessrio ainda considerar com especial ateno a variante do instituto desprovida de

    efeitos representativos diretos; pois esta, ao lado da representao sem mandato, parece-

    nos ostentar uma importncia metodolgica indisfarvel uma vez que ambas contribuem

    discriminao entre os efeitos do negcio jurdico unilateral de outorga de poderes

    representativos e aqueles derivados do tipo contratual objeto de nossa anlise. Mas em que

    consistiria este instrumento to importante para nossas investigaes, designado pela

    expresso mandato sem representao11

    ?

    normas da mesma natureza, em virtude de uma comunho de fins, articulam-se em modelos que se

    denominam institutos, como, por exemplo, os institutos do penhor, da hipoteca, da letra de cmbio, da

    falncia, da apropriao indbita. Os institutos representam, por conseguinte, estruturas normativas

    complexas, mas homogneas, formadas pela subordinao de uma pluralidade de normas ou modelos

    jurdicos menores a determinadas exigncias comuns de ordem ou a certos princpios superiores, relativos a

    uma dada esfera da experincia jurdica (...) j o termo figura indica as vrias modalidades que pode assumir

    um instituto (a posse, por exemplo, pode ser de boa ou de m f etc.) (pp. 191-192).

    11 Dentre os diversos fatores que despertam a ateno do intrprete para o estudo do mandato sem

    representao, importa-nos sobretudo uma razo histrico-metodolgica, uma vez que em razo do

    carter secundrio da anlise dogmtica promovida neste estudo ainda que nos desperte interesse o cenrio

    atual da relao entre o instituto do contrato de mandato e a figura da representao negocial, deflagra-se

    uma oportunidade sem igual para que se delimite um quadro evolutivo evidenciador da maneira segundo a

    qual tal relao foi acentuadamente pervertida, ensejando-se, enfim, a transformao da representao

    negocial em essncia do contrato de mandato quando, em verdade, essa no teria sido sua misso em

    momentos diversificados do evolver histrico.

    Observe-se, no entanto, que no se confere neste trabalho a mesma ateno chamada representao

    (negocial) sem mandato: pois embora ostente aspectos importantes face autonomia sistemtica preconizada

    pelo Cdigo Civil de 2002, a delimitao de suas linhas gerais no pode prescindir vista do disposto no

    art. 120 do CC/2002 de um prvio exame da disciplina destinada ao tipo contratual objeto de nossas

    investigaes.

    Ademais, especificamente quanto representao sem mandato adstrita a uma causa-funo de alienao,

    farto material de anlise pode ser obtido a partir de uma generalizao dos princpios da procurao em

    causa prpria, j bastante estudada pela doutrina nacional. Alm das referncias constantes de notas

    anteriores (nota 04), cf., por todos, V. de S PEREIRA, Da clusula in rem propriam nas procuraes in

    Questes de Direito Civil, Criminal e Processual, 2 ed., Rio de Janeiro - So Paulo, Livraria Freitas Bastos,

    1958, pp. 102-116; LINO DE MORAES LEME, Mandato em causa prpria: da procurao in rem propria como

    ttulo hbil para a transmisso de direitos reais sobre imveis. Controvrsia na doutrina e na

    jurisprudncia. Aquisio de domnio pelo prprio mandatrio, mediante interveno em ao divisria.

    Inadmissibilidade, mormente tendo-se apoiado em instrumento pblico no levado a registro, sem perfeita

    individualizao do imvel e sem assinatura de testemunhas. Prevalncia do ttulo de quem adquiriu o

    mesmo bem diretamente do mandante, por meio de escritura pblica devidamente formalizada in Revista dos

    Tribunais 182/40.

    Deste modo, consideramos importante ter o mandato sem representao sempre nossa volta, a fim de que

    nos auxilie em nosso intento de obter, diretamente, o arcabouo afeto ao contrato de mandato; e

    indiretamente pela via negativa o material normativo concernente representao negocial.

  • 25

    12. A segregao estrutural entre o contrato de mandato e a

    representao negocial custa da anlise do mandato sem representao: um ganho de

    perspectiva inarredavelmente atrelado a um custo especulativo diretamente proporcional.

    Por ora, poderamos definir o mandato sem representao como o contrato por meio do

    qual uma das partes incumbe a outra da gesto de seus interesses, sem a outorga de

    quaisquer poderes de representao; vale dizer, hiptese em que o mandatrio age no

    interesse alheio e custa do mandante (atuando, todavia, em nome prprio). Pergunta-se:

    os negcios jurdicos praticados pelo mandatrio vinculam a esfera jurdica do mandante?

    Em relao a terceiros? Em relao quele? Qual a repercusso de um descumprimento das

    instrues recebidas quanto aos negcios jurdicos ultimados pelo mandatrio? Quais os

    efeitos da revogao do mandato sobre a esfera jurdica de terceiros de boa-f? Observe-

    se, neste ponto, que as respostas a tais questes dependem fundamentalmente de uma nica

    premissa: a ausncia de uma representao (negocial) a imbuir a execuo escorreita do

    contrato de mandato. Assim, a admisso da variante do instituto desprovida de efeitos

    representativos (diretos) apresenta reflexos dogmticos bastante significativos. No entanto,

    h que se observar que a segregao estrutural entre o contrato de mandato e a

    representao negocial pode resolver algumas questes, substituindo-as, todavia, por uma

    nica outra (de dificlima soluo): apartadas as estruturas jurdicas referidas, qual seria,

    enfim,