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AS MULTIFACES DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE-SOCIEDADE: DIMENSÕES DA
TERCEIRA MISSÃO
ANA MARIA NUNES GIMENEZ1
MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI2
Resumo: O estudo da história da universidade permite concluir que esta possuiu três missões
básicas, que são: o ensino, a pesquisa e toda uma gama de relacionamentos e interações que
promovem a articulação das duas primeiras missões com o mundo exterior. Alguns estudiosos têm
chamado esse último conjunto de atividades de terceira missão, outros de extensão, entre outros
termos. Nota-se, portanto, que ainda não existe um entendimento consolidado a respeito do nome
que deve ser atribuído a esses envolvimentos e compromissos da universidade com as suas
comunidades ou com a sociedade em geral, nem quanto às atividades que devem ser eleitas como
suas representantes. Assim sendo, o artigo apresenta uma reflexão sobre a missão universitária que
liga a universidade à sociedade, para além das missões clássicas que são o ensino e a pesquisa. Além
da revisão de literatura, o estudo também apresenta os resultados parciais de um levantamento que
identificou algumas das iniciativas que têm contribuído para o aperfeiçoamento da compreensão de
aspectos mais específicos dessa temática. Conclui-se que as concepções e o alcance da terceira
missão devem ser compreendidos a partir de uma visão holística para que não se reduza o escopo de
atuação da universidade na sociedade.
Palavras-chave: Missões da Universidade; Transmissão de Conhecimento; Extensão; Sistema de
Inovação.
INTRODUÇÃO
Estudos provenientes de diferentes áreas do conhecimento têm discutido reiteradamente o
papel do ensino superior, especialmente da universidade, sob os mais variados enfoques, ora com
ênfase no ensino, ora na pesquisa ou em ambos, ora cobrando uma atuação mais ativa nos
Sistemas Nacionais de Inovação (SNI) e ressaltando a necessidade de envolvimento com a
sociedade, com a prestação de serviços, inovação, empreendedorismo e outros aspectos
relacionados com a terceira missão, em suas diversas manifestações.
Pesquisas realizadas em diferentes países têm revelado um aumento crescente da demanda
por atividades da terceira missão, especialmente no que diz respeito à transferência de tecnologia,
mas também quanto ao apoio à sociedade civil, em termos mais amplos de (GÖRANSSON;
MAHARAJH; SCHMOCH, 2009). Nesse sentido, Inzelt et al. (2006) afirmam que terceira
missão e universidade empreendedora não são expressões sinônimas, pelo contrário, pois a
1Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT).
Campinas (SP), Brasil. E-mail: [email protected]. 2Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT).
Campinas (SP), Brasil. E-mail: [email protected].
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primeira visão é muito mais ampla e envolve dimensões sociais e econômicas. A universidade
empreendedora expressa apenas a dimensão econômica, embora grande parte da literatura
concentre-se exclusivamente nessa dimensão.
Venditti, Reale e Leydesdorff (2013) sustentam que a grande maioria das pesquisas e
estudos se concentram em exemplos de “boas-práticas” de instituições norte-americanas, como o
MIT e Stanford e em algumas universidades europeias, mas essa postura somente serve para
estreitar o entendimento da real contribuição da terceira missão à sociedade. Isso talvez explique a
afirmação de Göransson, Maharajh e Schmoch (2009, p. 158, tradução nossa), que chamam
atenção para o seguinte: “o debate internacional sobre a terceira missão tem sido amplamente
dominado pelo modelo norte-americano, mas é preciso averiguar se tal modelo pode ser
transportado para outros países, especialmente para os em desenvolvimento”. Portanto, é
necessário considerar que a discussão sobre as atividades que devem ser incluídas na definição da
terceira missão variam consideravelmente entre os países, e em diferentes contextos.
A importância da terceira missão reside na possibilidade de estimular e orientar “a
aplicação e exploração de conhecimentos para o desenvolvimento social, cultural e econômico”,
beneficiando assim, a sociedade como um todo (HEFCW, 2004, p. 2, tradução nossa). No
entanto, considera-se que este é um assunto que gera muitas confusões, especialmente devido ao
desconhecimento, às abordagens restritivas, aos diversos entendimentos e nomes atribuídos3. Para
Lebeau e Cochrane (2015), debates em torno da terceira missão são importantes, pois permitem
pensar a universidade como um agente social ativo. Além disso, e compreensão das formas como
realiza essa missão, do seu nível de “imersão” nas demandas e necessidades das suas
comunidades, pode auxiliar na definição de estratégias e políticas institucionais que comportem a
vasta gama de possibilidades de ação.
Diante dessas evidências, o artigo representa uma tentativa de abordagem da terceira
missão que não esteja exclusivamente focada na relação universidade-empresa, como comumente
acontece, mas que parte de uma perspectiva mais ampla, para que se possa considerar as diversas
possibilidades de interação da universidade com o resto da sociedade, para a além das atividades
de transferência de tecnologia, sem, no entanto, desconsiderá-las. Apresenta-se, portanto, um
recorte conceitual que destacou, especialmente, os entendimentos que têm contribuído para
construção de abordagens holísticas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou o método
da revisão bibliográfica, cumulado com o da pesquisa documental. Os resultados permitiram
3 Identificou-se os seguintes termos: Third mission, third stream, viculación, extensão, community engagement,
civic engagement, outreach. Neste trabalho não foram abordadas as diferenças ou semelhanças entre os referidos
termos, questão a ser desenvolvida em trabalhos futuros.
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concluir que os esforços encetados desde o início dos anos 2000, para a construção de abordagens
holísticas, foram essenciais para a evolução dos debates em torno da terceira missão. Entretanto,
constata-se que é necessário aprimorar o entendimento dessa temática, que ainda tem sido
fortemente relacionada com as atividades de capitalização de conhecimento e congêneres, para
que não se reduza o escopo de atuação da universidade na sociedade. Em vista disso, é possível
afirmar que se trata de um conceito em construção.
MISSÕES DA UNIVERSIDADE: ORIGEM E EVOLUÇÃO
Afirma-se que a universidade surgiu espontaneamente na Idade Média, no final do século
XI e mais intensivamente a partir do século XIII, pois foi somente a partir desse período é que se
pode falar num tipo de ensino muito próximo daquilo que se conhece hoje. Entre as heranças que
as primeiras universidades nos deixaram estão: faculdades, currículos (com definição de assuntos,
programas e tempo de estudos), exames, graus acadêmicos (defesas públicas, qualificação),
escolha de reitores, etc. Isso tudo é uma herança direta, não de Atenas ou de Alexandria, mas de
Paris e Bolonha (HASKINS, 2004).
A Figura 1 apresenta as universidades pioneiras e as missões que inauguraram:
Figura 1 - Missões Primordiais da Universidade
Fonte: elaborado pelas autoras com base em Le Goff (2014); Haskins (2004); Humboldt (2003); Jones e
Garforth (1997); Durkheim (1995).
A primeira universidade do mundo ocidental surgiu em Bolonha (1088) e representou um
marco essencial para o desenvolvimento do Direito no Ocidente. A segunda desenvolveu-se em
Paris (entre 1150 e 1170) e notabilizou-se pelos estudos teológicos. O modelo inaugurado
inspirou a criação de instituições semelhantes ao redor do mundo. Foi somente no início do século
XIX, em Berlim, na Alemanha (1810), que surgiu um novo modelo, a universidade de pesquisa,
proposta que fazia parte de um plano mais amplo que envolvia questões políticas, econômicas e
culturais, e cujos traços dominantes eram “a afirmação do nacionalismo e a identificação com a
Missão Inicial
• Itália (1088): Universidade de Bolonha
• França (1150-1170): Universidade de Paris
• Conservação e transmissão do conhecimento: ensino
Segunda Missão
• Alemanda (1810): Universidade de Berlim
• Desenvolvimento máximo da ciência: busca da
verdade
• Ensino e pesquisa se completam, são
interdependentes
Terceira Missão
• Inglaterra (a partir de 1850) Universidade de Oxford
Universidade de Cambridge
• Extensionismo
• Ensino, pesquisa e extensão
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política prussiana de unificação da Alemanha, bem como a valorização da ciência e da
investigação empírico-indutiva como instrumentos de autossuperação” (RIBEIRO, 1982, p. 60).
A ideia de organizar uma terceira missão, por outro lado, data do século XIX, mesmo
século do surgimento da missão pesquisa e oito séculos após o surgimento da primeira
universidade. Suas primeiras manifestações e seu desenvolvimento ao longo do tempo
conformaram o que hoje conhecemos por extensão universitária. O uso da expressão “extensão
universitária” surgiu na Universidade de Oxford, durante as discussões sobre a necessidade da
realização de reformas, por volta dos anos 1850 e tornou-se corrente nos anos subsequentes
(MACKINDER; SADLER, 1891).
No entanto, as discussões a respeito de estender o ensino universitário a terceiros, não
estudantes, já ocorriam desde o ano de 1945, sendo que em 1950 o Conselho de Administração da
Universidade solicitou a um grupo de docentes que colaborassem com a ideia de tornar o ensino
superior acessível aos menos privilegiados. A primeira experiência de extensão em Oxford
ocorreu em setembro de 1878, com o oferecimento de uma palestra sobre a história da Inglaterra
no século XVII, ministrada pelo Reverendo Arthur Johnson numa escola da cidade de
Birmingham (GOLDMAN, 1995). Em Cambridge, o grande entusiasta do movimento
extensionista foi o escocês James Stuart, professor de matemática aplicada do Trinity College, que
encetou esforços para levar o ensino superior às mulheres, para a formação de engenheiros e para
o estabelecimento da educação de adultos. Stuart ansiava levar a universidade para além dos seus
muros, o que alguns acabaram por denominar de “Universidade Peripatética”, partindo da
convicção que professores itinerantes poderiam circular pelas localidades oferecendo cursos e
palestras, ampliando assim, as oportunidades de acesso à instrução. Entre os anos de 1867 e 1873
foram aprovadas diversas propostas de cursos e palestras para serem levados a institutos de
mecânica, cooperativas, escolas e outras agremiações, especialmente no norte da Inglaterra,
criando as bases para futuras escolas ou departamentos de extensão universitária e de educação de
adultos, não somente na Grã-Bretanha, mas no mundo todo (WELCH, 1973).
Nos EUA, a criação das universidades de concessão de terras foi o principal marco da
relação universidade-sociedade. A extensão universitária, na modalidade prestação de serviços,
surgiu com os Land-Grant Colleges4 para prestar assistência técnica aos agricultores. A expressão
extensão agrícola apareceu pela primeira em 1914, no Smith Lever Act (Lei Smith-Lever), que criou o
serviço de extensão cooperativa, associado às universidades de concessão de terras.
4 Nos EUA o grande impulso para a expansão das universidades se deu com a aprovação do Morrill Act (Lei
Morrill), de 1862 e de 1890, que instituíram a doação de terras, por parte da União, para que os estados
desenvolvessem universidades e faculdades voltadas à tecnologia e à agricultura. Um dos resultados foi o
surgimento de diversos programas de extensão, especialmente a agrícola (KERR, 2005).
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Embora a extensão tenha surgido nas duas mais elitistas universidades do Reino Unido,
considera-se que foram as universidades cívicas que promoveram um envolvimento mais ativo e
direto com o seu exterior, além de representarem uma alternativa àqueles que estavam fora do
“eixo” Oxford-Cambridge, ao oferecem cursos noturnos e estabelecerem contatos com o setor
produtivo etc. Na Inglaterra, foram criadas as primeiras universidades cívicas (também chamadas
de Redbricks)5 em seis importantes cidades industriais: Manchester (1824), Birmingham (1825),
Leeds (1831), Sheffield (1828), Bristol (1876) e Liverpool (1881) para aliar o ensino e a pesquisa
ao desenvolvimento socioeconômico local. Eram vistas como uma alternativa ao modelo
Oxbridge6, tradicional, elitista e fechado (BARNES, 1996). Essas e outras universidades cívicas,
criadas ao longo dos anos, além de oferecerem apoio à indústria (aconselhamento científico e mão
de obra qualificada) também mantinham algum tipo de serviço à população (GODDARD;
VALLANCE, 2011). Afirma-se que as Redbricks Universities, juntamente com a Universidade de
Londres (1836), constituem o berço do moderno sistema universitário Britânico (WHYTE, 2015).
A construção do pensamento extensionista latino-americano teve a sua origem no
Movimento de Córdoba, com o anseio pela abertura definitiva do “claustro”, para levar além-
murros os saberes acumulados e desenvolvidos internamente, ampliando o número de
beneficiados. Embora as questões levantadas em Córdoba e o próprio movimento tenham sido
extremamente importantes para a visão Latino-americana de uma universidade mais aberta à
sociedade, o conceito de extensão que predominou durante várias décadas, salvo exceções, foi o
da “entrega”, de difusão cultural, que vê a comunidade apenas como uma receptora, num
movimento unidirecional e acrítico. Além disso, não foram estruturados programas, com
objetivos bem definidos; a extensão praticamente ficou à margem das outras missões da
universidade, sem quase nenhuma ou nenhuma relação com o ensino e a pesquisa; os docentes
não demonstraram interesse no seu desenvolvimento; teve pouca projeção nas comunidades. Essa
visão assistencialista-paternalista somente iria mudar em 1972, com a Segunda Conferência
Latino-americana de Extensão, realizada no México, pela União de Universidades da América
Latina (UDUAL) (BERNHEIM, 1978).
5 O termo 'Redbrick' foi utilizado Professor de Estudos Hispânicos da Universidade de Liverpool, Edgar Allison
Peers (sob o pseudônimo de Bruce Trustcot), no livro Redbrick University, para descrever as modernas
universidades Britânicas. Essas instituições foram fundadas no século XIX em cidades emergentes da Inglaterra,
particularmente em locais de indústria e manufatura, a maioria dos quais podem ser identificadas pela arquitetura
similar, ou seja, pelos tijolos vermelhos (WHYTE, 2015). 6 O termo Oxbrigde é a aglutinação dos nomes das duas mais antigas prestigiosas universidades do Reino Unido
(Oxford e Cambridge), cujos modelos são muito parecidos (tradicional e elitista) e utilizado para contrastar com
as outras universidades do Reino Unido.
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A visão da universidade como um agente da inovação é fruto da construção teórica
iniciada a partir dos anos 1980, com os trabalhos de Lundvall, Freeman, Nelson e outros, que
defenderam a importância da criação de um quadro favorável à inovação e ao aproveitamento da
ciência acadêmica para a promoção de desenvolvimento econômico e social. Para a abordagem do
SNI, em decorrência do seu caráter sistêmico e da complexidade do processo de inovação,
especialmente devido à relevância crescente do conhecimento, são necessárias interações e trocas
que promovam aprendizado constante (LUNDVALL, 1992; FREEMAN, 1987; NELSON, 1993).
A abordagem da Hélice Tripla (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997), por outro lado,
encara a universidade como um ator-chave da inovação, devendo assumir um papel de
protagonista nesse processo, uma vez que o ambiente universitário é um criadouro em potencial
de inovações Etzkowitz (2003). O envolvimento de universidades norte-americanas com a
indústria, e com a capitalização do conhecimento são os casos paradigmáticos que subsidiam essa
abordagem. Finalmente, a expressão universidade empreendedora é aquela que se reinventa para
enfrentar novas realidades e novas demandas, revisa valores e crenças, promove inovações
curriculares, diversifica as fontes de financiamento, entre outros (CLARK, 1998; 1998b).
ABORDAGENS HOLÍSTICAS: DIMENSÕES DA TERCEIRA MISSÃO
O estudo possibilitou identificar cinco iniciativas que contribuíram para a evolução das
discussões sobre a terceira missão de um ponto de vista que englobe as múltiplas possibilidades
de interações da universidade com a sociedade. Nesta seção, aborda-se sucintamente as
abordagens desenvolvidas nos cinco estudos. O Quadro 1 apresenta, em ordem cronológica, os
principais estudos desenvolvidos, desde o início dos anos 2000, a respeito dessa temática.
Quadro 1 – Abordagens Holísticas da Terceira Missão
Fonte: elaborado pelas autoras com base em dados da pesquisa (2016).
Autores/Ano Título do Estudo
Molas-Gallart et al. (2002) Final Report to the Russell Group of Universities
Schoen et al. (2006) Strategic Management of University Research Activities, Methodological
Guide
E3M (2009- 2012) European Indicators and Ranking Methodology for University Third
Mission
D’este, Castro-Martínez e
Molas-Gallart (2009-2014)
Manual de Indicadores de Vinculación de la universidad con el entorno
socioeconómico: Manual de Valência
Mora e Vieira (2014) Documento de recomendaciones. El fomento de la «Tercera Misión» en
las Instituciones de Educación Superior en América Latina. Conclusiones
y recomendaciones para los distintos actores.
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O primeiro estudo foi encomendado pelo Grupo Russell ao Science and Technology
Policy Research (SPRU) da Universidade de Sussex. O Grupo é composto pelas 24 principais
universidades intensivas em pesquisa do Reino Unido e consideradas de classe mundial. Trata-se
do Final Report to the Russell Group of Universities, de Molas-Gallart et al. (2002), relatório que
tem servido de referência para diversos estudos que foram realizados nos anos subsequentes à sua
publicação, pois foi a primeira tentativa de realização de um quadro analítico-conceitual e
elaboração de um conjunto de indicadores para o rastreamento e gerenciamento das atividades da
terceira missão. Afirmou-se que o estabelecimento apenas de indicadores voltados às atividades
de comercialização é uma forma enviesada e pobre de captar as efetivas contribuições da
universidade, já que essas atividades representam apenas uma pequena parte das muitas relações
que podem ser estabelecidas entre as universidades e a sociedade, além de comumente estarem
concentradas num grupo restrito de disciplinas (MOLAS-GALLART et al., 2002).
No contexto da European Network of Excellence on Policies for Research and Innovation
in Europe (PRIME) realizou-se um projeto denominado “Observatório da Universidade
Europeia” (OUE), na tentativa de desenvolver instrumentos (dados quantitativos de IES, guias
etc.) que possibilitassem às universidades da região o monitoramento das suas atividades e
performances. Para tanto, foi elaborado o Strategic Management of University Research
Activities, Methodological Guide, resultado da primeira conferência de indicadores da Rede
Prima, realizada em Lugano (Suíça), em novembro de 2006. No Guia sustenta-se que, embora
mantenha forte relação com as outras duas missões, a terceira missão é multifacetada e determina
a forma como os recursos ou capacidades da universidade integram-se à economia e à sociedade
(SCHOEN; THÈVES, 2006; INZELT et al., 2006). As multifaces da terceira missão podem ser
agrupadas em duas dimensões e cada uma apresenta quatro subdimensões: (i) dimensão
econômica - 1) recursos humanos; 2) propriedade intelectual; 3) spin-offs; 4) contratos com a
indústria; (ii) dimensão social - 1) compreensão pública da ciência; 2) participação na vida social
e cultural; 3) participação na elaboração de políticas; 4) contratos com órgãos públicos (INZELT
et al., 2006).
O Projeto E3M - European Indicators and Ranking Methodology for University Third
Mission, cofinanciado pela Comissão Europeia, no âmbito do seu Programa de Aprendizagem ao
Longo da Vida, foi realizado entre os anos de 2009 e 2012. Nesse estudo afirmou-se que a terceira
missão diz respeito às atividades de produção, utilização, aplicação e exploração de
conhecimentos e de outras capacidades da universidade que alcançam o público externo. Sendo
assim, a terceira missão é constituída por três dimensões: (i) educação continuada; (ii)
transferência de tecnologia e inovação; e (iii) compromisso social, em consonância com o
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desenvolvimento regional/nacional. Entretanto, a grande variedade de atividades que pode
integrar as três dimensões da terceira missão abrange diferentes tipos de atores, diferentes
estruturas e mecanismos, entre outros fatores, o que torna complexa e difícil a sua identificação e
monitoramento (E3M, 2012).
O Manual de Valência7 é um projeto iniciado em 2009 e destinado à criação de
indicadores de vinculação da universidade com o ambiente socioeconômico, a partir do encontro
de especialistas realizado em Valência, na Espanha. Na ocasião foi elaborada a primeira versão do
Documento de base para un “Manual de Indicadores de Vinculación de la universidad con el
entorno socioeconómico” (revisado duas vezes; a primeira em 2011 e a segunda em 2014).
Inspirado principalmente nas definições e classificações estabelecidas por Molas-Gallart et al.,
(2002) (Final Report to the Russell Group of Universities), mas também em e Schoen et al.,
(2006) (Strategic Management of University Research Activities, Methodological Guide) e outras,
o Manual não apresenta inovações conceituais, pois adotou os conceitos desenvolvidos nos
estudos citados. Da mesma forma que as iniciativas apresentadas nos itens anteriores,
recomendou-se a utilização de uma abordagem holística para evitar uma cobertura parcial da
terceira missão. Definiu-se que a terceira missão representa o conjunto de atividades universitárias
relacionadas com a geração, utilização, aplicação e exploração das capacidades de conhecimento
e outras capacidades da universidade fora do ambiente acadêmico (D’ESTE, CASTRO-
MARTÍNEZ; MOLAS-GALLART).
A última iniciativa selecionada contou com a participação de universidades brasileiras, a
Unicamp, como sócia, a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e a Universidade Federal de
Viçosa (UFV), como colaboradoras. Trata-se do Projeto Vincula Entorno, cofinanciado pela
Comissão Europeia8 e pelas universidades participantes, iniciado em 2012 e finalizado em 2014,
teve como temática a terceira missão da universidade. O objetivo principal do Projeto foi o
seguinte: “Potenciar lãs relaciones de las universidades con el entorno socioeconómico mediante
la promoción de la 3ª misión y el desarrollo de estructuras específicas que permitan el desarrollo
sostenible a favor de los sectores más vulnerables” (MORA; VIEIRA, 2014, p. 3). Para o
Projeto, a terceira missão representa um amplo conjunto de atividades que estão ligadas à geração,
uso, aplicação e exploração do conhecimento e de outras capacidades geradas na universidade e
7 Uma das principais diferenças entre o projeto Manual de Valência e as outras iniciativas apresentadas é a
participação de universidades da América Latina. Os países envolvidos são: Argentina, Uruguai, Brasil, México
e Espanha. 8 O Programa ALFA da Comissão Europeia é voltado à cooperação entre instituições de ensino superior da
União Europeia e da América Latina, com o intuito de promover o intercâmbio acadêmico entre as duas regiões,
para aprimorar capacidades dos indivíduos e das instituições (universidades e outras organizações relevantes).
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direcionadas a públicos não acadêmicos. Estabeleceu-se que terceira missão envolve atividades
ligadas à pesquisa: transferência de tecnologia e inovação, entre outras; ao ensino: aprendizagem
ao longo da vida/educação continuada etc.; e compromisso social: acesso público a museus,
concertos, conferências/palestras e outras abertas ao público, trabalho voluntário, entre outras.
Entende-se que atualmente existe um entrelaçamento dos conceitos de extensão e de terceira
missão na América Latina, em que pese a resistência de alguns grupos ao envolvimento da
universidade com o setor produtivo (MORA; VIEIRA, 2014).
Finalmente, é importante observar que em todos os estudos/projetos foi possível
identificar diversos aspectos comuns, tais como: abordagens ampliativas da terceira missão; a
identificação dos elementos que concorrem para o seu sucesso (institucionalização,
estabelecimento de estruturas de apoio, engajamento da comunidade acadêmica, valorização dos
docentes, comunicação e outras); o estabelecimento de indicadores para a identificação e
mensuração das atividades da terceira missão e de seus impactos (somente no âmbito do Projeto
VINCULAENTORNO não foram apresentadas), entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os papeis da universidade e a compreensão da sua função social tem sido repensados,
especialmente devido às mudanças que se processaram na sociedade. Se antes esperava-se que
realizasse ensino e pesquisa de excelência, no século XXI espera-se que também se envolva mais
ativamente com o seu entorno, que interaja com diferentes públicos, coproduza, compartilhe e
difunda conhecimento; que contribua para o desenvolvimento social e econômico, especialmente
o local; promova inclusão; que se autofinancie etc. São muitas as cobranças e as responsabilidades
que a instituição universitária vem sendo premida a assumir, tanto para justificar o financiamento
público, como também para fazer-se mais visível e manter ou aumentar a sua reputação.
Sabe-se que ainda não existe um entendimento consolidado a respeito do nome que deve
ser atribuído a esse envolvimento da universidade com as suas comunidades ou com a sociedade
em geral, nem quanto às atividades que devem ser eleitas como representantes desse
envolvimento. Em vista dessas constatações, desde os anos 2000 vem sendo conduzidas
iniciativas para o estabelecimento de uma conceituação ampliativa da terceira missão, na tentativa
de alcançar o amplo conjunto de possibilidades de relacionamentos que não conseguem ser
captados pelas abordagens restritivas.
A terceira missão deve ser abordada de uma forma ampla, que abarque as inúmeras
possibilidades de atuação da universidade na sociedade, cabendo a cada instituição realizar as
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adaptações que forem necessárias. Portanto, conclui-se que a terceira missão envolve a
transferência de tecnologia, mas não somente; a terceira missão também engloba as atividades da
extensão universitária, em todas as suas manifestações e todos os possíveis envolvimentos que
possam ser pensados e efetivados no futuro, pois trata-se de um conceito em construção. É uma
expressão que a princípio denota amplitude, como afirmaram alguns estudiosos, mas somente será
genérica se não houver um esforço para a identificação das suas dimensões, e dentro destas, das
diversas possibilidades de ação. Sob essa perspectiva, pode ser vista como um grande “guarda-
chuva” sob o qual é possível agregar todos os tipos de relacionamentos da universidade com o seu
entorno e com sociedade em geral.
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