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AS MULTIFACES DA VELHICE
Ms. Ângela Roberta Lucas Leite (1); Dra. Maria do Socorro Sousa de Araújo(2)
1(Autora, mestre em Politicas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão, UFMA, e-mail:
[email protected]); 2(Co-autora, doutora em Politicas Públicas pela Universidade Federal do
Maranhão, UFMA, e-mail:[email protected])
Resumo: envelhecer é um processo heterogêneo do desenvolvimento humano, sendo que cada pessoa
o vivencia de uma forma, de acordo com sua história particular, advinda da sua condição de classe,
gênero, etnia, saúde e educação. Diante dessa compreensão, faz-se necessário uma análise sobre como
os velhos e velhas percebem suas velhices. Buscamos analisar as representações sociais acionadas
sobre velhices por aposentados (as) do serviço público estadual do Maranhão, integrantes do Programa
de Ação Integrada para o Aposentado (PAI) em São Luís/MA. Na pesquisa, utilizamos as ferramentas
teórico-metodológicas de Pierre Bourdieu (2010, 2013) para compreensão das representações sociais.
Os dados foram coletados através de observação direta e de entrevistas semiestruturadas realizadas
com quatorze (14) aposentados (as). Observamos nos resultados que as representações sociais de
velhices acionadas pelos entrevistados são legitimadas conforme as vivências de cada um, bem como
os critérios que determinam ser velho são acionados a partir das dimensões do tempo e do corpo, das
dimensões emocionais, afetivos e pessoais e das dimensões socioculturais.
Palavras-chave: Velhice, Velho, Representações Sociais, PAI.
Introdução
Entender como a velhice é percebida e divulgada pela sociedade é uma maneira de
compreender as ações, comportamentos e sentimentos para com a(s) mesma(s) por parte dos
indivíduos que compõem essa estrutura social. Desta maneira, os aspectos sociais, culturais,
políticos e econômicos, que permeiam as relações sociais dos indivíduos em uma sociedade,
em um determinado momento histórico, são capazes de definir o olhar que essa sociedade
assume perante o velho e, consequentemente, o tipo de relação estabelecida entre eles.
Nesse sentido, assumimos nossa posição perante a utilização dos termos velho e
velhice. Baseada em autores como Hillman (2001), Beauvoir (1990), Zimerman (2000) e
Serra (2014; 2005), acreditamos que o termo mais apropriado para designar as pessoas
envelhecidas seja velho, pois, para nós, ser velho é o resultado de envelhecer; ser velho é estar
em processo contínuo de transformação. A concepção de velha e velho adotada nesta pesquisa
não remete simplesmente a causa do envelhecimento humano, mas por apresentar o seu valor
associado às imagens de velhice, ou seja, o que define o que é ser velha e velho, são os
critérios acionados para definir a velhice. Assim, substituir o termo velho por outros como
‘melhor idade’ ou ‘terceira idade’ não mudará por si mesmo os critérios acionados para
classificar a velhice, tampouco diminuirá os
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preconceitos e os estereótipos que necessitam ser superados na construção da identidade de
velhas e velhos e na perspectiva de valorização desses homens e mulheres em nossa
sociedade. A nossa opção está, portanto, referenciada na perspectiva de construção de uma
prática de organização que possibilite às velhas e aos velhos assumirem uma nova identidade
política, rompendo com os estigmas usualmente a eles atribuídos.
As categorias velhice e velho tornam-se construções históricas e sociais, à medida
que situa esse indivíduo velho na estrutura social e determina a posição que ele irá ocupar
dentro dela, principalmente, em proveito da ordem social e do poder. A posição social por ele
ocupada é definida pelos capitais objetivados (o econômico, o cultural e o social) e o sistema
de disposições incorporado e interiorizado (habitus1) que constituem as práticas que
classificam as distinções sociais (região2).
O habitus, como um sistema de disposições interiorizado e incorporado pelas
práticas sociais, fundamenta as condutas regulares, que levam a distintos estilos de vida.
Bourdieu (2007) enfatiza que o habitus tem sua origem no comportamento, nas preferências e
gostos das pessoas, e, portanto, refletem em suas práticas. Essas práticas são transferidas para
o campo e podem vir a ser compartilhadas por todo o grupo, constituindo assim os estilos de
vida. O autor ainda enfatiza que as preferências manifestadas – o gosto3 – são responsáveis
pela distinção que une e separa as pessoas em grupos sociais, ou seja, une todos aqueles que
são produtos de condições semelhantes ao mesmo tempo que os separa daqueles que não
compartilham das mesmas condições, uma vez que são o “princípio de tudo o que se tem,
pessoas e coisas, e de tudo o que se é para os outros, daquilo que serve de base para se
classificar a si mesmo e pelo qual se é classificado” (BOURDIEU, 2007, p. 56).
Diante da análise que Bourdieu (2007) sobre distinção, é possível explicar e
justificar o comportamento das pessoas em defenderem ou repudiarem as categorias velhice e
velho. Quando um determinado grupo toma para si uma verdade, tende-se a justificá-la pela
1 O habitus são sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações
que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente de fins e o domínio
expresso das operações necessárias para alcançá-los” (BOURDIEU, 2013, p. 87). 2 Região é concebida como: um “acto da magia social que consiste em tentar trazer à existência a coisa nomeada
pode resultar se aquele que o realiza for capaz de fazer reconhecer à sua palavra o poder que ela se arroga por
uma usurpação provisória ou definitiva, o de impor uma nova visão a uma nova divisão do mundo social: regere
fines, regere sacra, consagra um novo limite” (BOURDIEU, 2010, p. 116). 3 Para Bourdieu (2007, p. 216) a definição de gosto remete ao “sistema de classificação constituído pelos
condicionamentos associados a uma condição situada em determinada posição no espaço das condições
diferentes - rege as relações com o capital objetivado, com este mundo de objetos hierarquizados e
hierarquizantes que contribuem para defini-lo, permitindo-lhe sua realização ao especificar-se”.
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afirmação de suas preferências e gostos e pela negação e recusa de outros gostos, ao gosto dos
outros.
É neste embate de e pela legitimação de um ponto de vista, de uma visão de
mundo, entre aqueles que buscam impor um novo sistema de classificação e os defensores do
antigo, que as representações trazem consigo a classificação dos indivíduos como uma forma
de operação que consiste em hierarquizar as coisas do mundo. Nesse caso, a velhice torna-se
uma categoria socialmente construída na história das sociedades à medida que se apoia em
critérios de classificação social, de di-visão que permite determinar em que momento as
pessoas podem ser consideradas velhas (ou não).
Nessa perspectiva, a proposta desta pesquisa visa trabalhar as distintas concepções
de velhice (s), cuja finalidade pauta-se em responder os seguintes questionamentos: O que é
velhice? Quando ela começa? Quais os critérios que demarcam esse início? Quais critérios
são acionados para classificação da velhice? Assim, buscamos identificar e analisar que
concepções de velhice são acionadas a partir dos discursos (re) produzidos por velhas (os)
integrantes do Programa de Ação Integrada para o Aposentado (PAI), em São Luís/MA, tendo
em vista contribuir para a compreensão do processo de construção dos sentidos e significados
políticos, econômicos, sociais e culturais da velhice.
Diante dessas exposições, não se pode considerar a existência de uma única
velhice, mas a de várias velhices: a velhice do homem, da mulher, dos ricos, dos pobres, do
intelectual, do trabalhador braçal (BEAUVOIR, 1990), pois a representação do velho torna-se
uma abstração à medida que estes são compreendidos como uma massa de iguais, dotados das
mesmas qualidades, dos mesmos atributos, das mesmas potencialidades e não distintos uns
dos outros, únicos, singulares. Portanto, existem diversos velhos e diferentes possibilidades de
viver a velhice. A velhice não é uma situação homogênea e os velhos não são iguais
(MERCADANTE, 2004).
Metodologia
Neste artigo, que faz parte da pesquisa de mestrado intitulada “VELHICE(S) E
LAZER(ES): a representação do lazer por velhos (as) integrantes do Programa de Ação
Integrada para o Aposentado (PAI) em São Luís/MA”, buscamos identificar e analisar as
representações sociais (re) produzidas de velhas (os) participantes do Programa de Ação
Integrada para o Aposentado (PAI), em São Luís –
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MA, sobre a categoria velhice a partir dos critérios de classificação social.
A pesquisa de cunho qualitativo, foi realizada durante o período de março de 2014
a março de 2016, cujo referencial empírico foi o Programa de Ação Integrada para o
Aposentado, o PAI, no município de São Luís/MA. A escolha pelo PAI ocorreu pelo fato de
que ser um programa que presta serviços nas áreas jurídicas, de saúde, sociais e culturais há
mais de 25 anos, ao público de aposentados e pensionistas do Governo do Estado do
Maranhão, as pessoas dos Clubes da Melhor Idade Raio de Sol e Renascer e da AAGEN
(Associação dos Amigos do GEN - Gerenciamento do Envelhecimento Natural).
Diante do significativo número de informantes, determinamos como critério de
inclusão para participação nas entrevistas, mulheres e homens aposentados da administração
pública Pública Estadual que frequentavam as atividades de lazer do PAI há, no mínimo, 1
(um) ano sem interrupções. Foram entrevistadas 14 pessoas sendo, na sua maioria, com idade
entre 70 e 79 anos, solteiros, com nível de formação superior e renda mensal de um salário-
mínimo. A definição do número de entrevistas deu-se pela saturação qualitativa, ou seja,
quando “o incremento de novas observações não conduz a um aumento significativo de
informações” (GIL, 2002, p. 140).
O sigilo e o anonimato foram garantidos aos participantes e não houve recusa de
participação. A concordância de cada participante ficou consignada pela assinatura no Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Na perspectiva de preservação da identidade do(a)s
entrevistado(a)s adotamos nomes fictícios, que correspondem a nome de estrelas (astros que
possuem luz e brilho próprios), fazendo analogia ao brilho que reluz de algumas pessoas
velhas, que por sua vez, refletem a vontade de viver esta fase da vida em sua plenitude, bem
como de estar na companhia de outras pessoas da mesma idade ou de outras gerações. Deste
modo, a analogia proposta remete o brilho de uma estrela à energia e a força existencial que
emanam de alguns dos velhos e velhas frequentadores do PAI, isto significa que brilho estaria
relacionado à condição de ser velho ou velha.
O passo seguinte foi a análise e tratamento do material empírico e documental. O
tratamento dos materiais recolhidos em campo foram ordenados, classificados e analisados. A
fim de desvendar os significados produzidos a respeito das distintas concepções de velhice,
analisamos os dados advindos dos depoimentos dos entrevistados, da observação direta, da
revisão bibliográfica e documental, possibilitando assim uma tessitura entre a teoria e a
empiria.
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Resultados e discussão
Procuramos investigar as concepções que velhas e velhos aposentados
apresentaram sobre suas velhices e a do outro. Diante disso, ao serem questionados sobre o
que pensam de velhice, como se autodenominam e como percebem sua velhice e a do outro,
alguns entrevistados negaram a denominação de velhice, por acreditar estar carregada de
sentidos pejorativos e depreciativos. O Sr. Achenar4 relata sua preferência pela denominação
idoso, repudiando a ideia de velho.
“Sou um idoso experiente pelo tempo. Não gosto de ser chamado de velho. Velho é
mais cansativo, dá ideia de não poder mais fazer as coisas”. (Sr. Achernar).
A negação da ideia de velhice está relacionada aos preconceitos e estereótipos
gerados acerca da velhice nas sociedades no decorrer dos tempos, as quais tendem a
massificar a negação da velhice. Essa visão negativa nos remete a ideia produzida pela
sociedade urbano-industrial, em que o velho era considerado danoso, isso porque “perdendo a
força do trabalho ele já não é produtor nem reprodutor” (BOSI, 2001, p. 77).
A própria instituição onde a pesquisa foi realizada retrata essa negação do termo
velho, subsistindo a expressão velho pelo termo idoso (Figura 1).
Figura 1 - Cartaz sobre velho e idoso
Fonte: Acervo das pesquisadoras.
4 74anos, viúvo, mora com seu filho, nora e 3 netos. Estudou até o ensino médio e vive com uma renda de 20
salários mínimos.
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Ser velho, conforme destacado, está associado à ideia de tristeza e infelicidade,
representando uma pessoa que “reclama de tudo”, “amargurada”, que “fica esperando a
morte” e “vive com saudades do passado”. Esses modos de pensar refletem o estereótipo
negativo sobre velhice e velhos em prol da supervalorização do ser idoso, como uma pessoa
que “curte a vida”, “adora viver” e “busca sempre a felicidade”. No Brasil, observamos que a
partir dos anos de 1960, os termos velhice e velho foram paulatinamente substituídos pelo
termo idoso (PEIXOTO, 2007), tornando-se legítimos na visão estereotipada. Essa
substituição de deu em virtude do termo velho está relacionado à ideia daquele sem status
social, sem trabalho e desassistido pelo Estado (PEIXOTO, 2007). Já a imagem criada da
velhice, a partir do termo idoso, expressa uma visão positiva, respeitosa e ativa, contrapondo-
se à de velho.
O Sr. Alfa Centauri5 comprova esta visão estereotipada ao dizer que já passou da
condição de ser velho e explica o motivo, fazendo uma distinção entre ser velho e ser idoso.
“Velho é aquele que perdeu o prazer de viver, que espera apenas pela morte. [..]
Hoje eu não sou velho, eu sou idoso! Sou aquele que quer continuar vivendo a cada
minuto das 24 horas do dia. A pior coisa é ficar pensando na morte, porque não
adianta pensa na morte, porque ela naturalmente vem no dia certo. Se ficar
pensando vai perder muito tempo da vida que lhe resta”. (Sr. Alfa Centauri).
No trecho extraído da entrevista com esse participante, pudemos inferir as
termologias velhice e velho à negatividade, pois ao se autodenominar como não velho, busca
desvencilhar a sua condição - de velho - dos marcadores estigmatizantes. Os preconceitos
associados ao envelhecer se constituem como um conjunto de representações formado e
atribuído a esse envelhecer, os quais exercem papel significativo na configuração da velhice
(DEBERT, 2004).
No entanto, os resultados da pesquisa demonstram que os termos velhice e velho
são também apreendidos positivamente e aceitos pelos entrevistados, conforme explicita a
fala da Sra. Capela6:
“Eu sou velha! eu visto a camisa e digo que sou velha!”. (Sra. Capela).
O reconhecimento de si, da sua condição de velha, já é o primeiro passo para
desnaturalizar essas ideias preconcebidas e estereotipadas acerca da velhice. “A pior coisa é
5 92 anos, viúvo, mora com seus funcionários. Cursou até o ensino médio e vive com a renda de um salário
mínimo. 6 71 anos, mora com marido, 8 filhos, 3 netos e um enteado. Cursou até ensino superior e vive com a renda de 4
salários mínimos.
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renegar o que você é”, conforme palavras do entrevistado Sr. Spica7. Não existe defeito em
ser o que é, ser velho é uma forma de empoderamento, de resistência às mudanças impostas
pela sociedade arraigada por concepções pejorativas e preconceituosas.
Outro aspecto relevante diz respeito aos eufemismos da velhice e do ser velho. No
depoimento da Sra. Vega8, observa-se que a divisão supostamente existente entre ser velho e
ser idoso é desconsiderada, superando os eufemismos criados para mascarar a velhice:
“Essa história de ser idoso, ser velho... me dê um sinônimo de idoso de que não seja
velho?” (Sra. Vega).
Nesse sentido, os termos idoso, melhor idade, terceira idade são representações
sociais criadas para naturalizar a negação e repulsa aos termos velhice e ser velho. Conforme
já referenciado, as representações sociais da velhice surgem como expressões classificatórias
do ser velho, ou seja, o que faz uma pessoa ser considerada velha são as várias interpretações
associadas à velhice. Logo, estas representações tornam-se generalizadas e naturalizadas, à
medida que os velhos são compreendidos com uma massa homogênea, dotados das mesmas
características.
São apontados nos discursos de velhos e velhas entrevistados os critérios
cronológicos, biológicos, psicológicos e pessoais, como condições determinantes da velhice.
O Sr. Spica, compreende a velhice a partir da sua própria vivência, e para defini-la utiliza o
critério da idade biológica:
“A velhice é determinada pela idade. No dia que completei 65 anos, no dia do meu
aniversário, eu dei entrada na minha carteira. Hoje eu sou oficialmente idoso”. (Sr.
Spica).
O Sr. Spica percebeu-se como velho quando completou 65 anos de idade, já que
esta data ficou marcada pela possibilidade de acesso à carteira de idoso, permitindo assim a
retirada de sua carteira de passe-livre, que possibilita gratuidade nos transportes públicos de
São Luís. Dessa forma, o critério utilizado pelo Sr. Spica é o cronológico: que caracteriza a
idade da pessoa a partir dos dias, meses e anos de vida que possui (SCHNEIDER;
IRIGARAY, 2008). Na maioria dos casos, as instituições governamentais elaboraram
políticas públicas levando em consideração este critério. No Brasil, por exemplo, o Estatuto
do Idoso estabelece a idade de 60 anos como um marco cronológico para a velhice. Já o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), que integra a Proteção Social Básica no âmbito do
7 65 anos, solteiro, mora com a namorada. Estudou até ensino superior e vive com renda de 2 salários mínimos.
8 68 anos, solteira, mora sozinha. Estudou até ensino superior e vive com renda de 7 salários mínimos.
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Sistema Único de Assistência Social (SUAS), estabelece como critério de garantia para esse
benefício à idade mínima de 65 anos.
Contudo, o critério cronológico não é visto por todos os entrevistados como
marcador da velhice. O Sr. Antares9 não se reconhecia como velho, ainda que apresentasse a
idade de 69 anos. Entretanto, ao ser reconhecido na condição de velho, a partir dos olhos de
outra pessoa, percebeu-se como alguém que estaria em processo de envelhecimento, conforme
explicita:
“Eu estava em uma fila do banco, quando uma pessoa chegou perto de mim, pegou
na minha mão e me levou pra fila de idosos. Eu já tinha 69 anos. Foi ai que eu
disse: eu já ‘tô’ ficando velho mesmo”. (Sr. Antares).
O depoimento dele nega e ao mesmo tempo afirma a idade que o seu corpo
assume em função do tempo. Nega porque ele, mesmo com 69 anos, até então não se sentia
velho, tanto que não estava na fila para o atendimento preferencial; porém, só se deu conta
quando alguém o conduziu para a fila, o que fez com que se reconhecesse como alguém que
estaria ficando velho através da idade que lembrou ter. Diante deste episódio, observamos
que o critério biológico fora acionado a partir do momento que a idade é determinada pela
aparência física que o corpo demonstra. Os aspectos físicos e biológicos como critérios de
identificação da velhice são ressaltados pelo entrevistado Sr. Antares, ao mencionar que a sua
aparência despertou na atendente de uma agência bancária a noção de que estava velho.
Outro critério observado para determinar as pessoas velhas é o critério
psicológico. A entrevistada, Sra. Aldebaran, ressaltou que a velhice começa no momento em a
pessoa desiste de viver e se entrega a solidão:
“Acredito que é quando uma pessoa desiste de viver a vida, de viver os momentos e
se enclausura na sua própria solidão”. (Sra. Aldebaran).
A solidão pode vir a ser um fator desencadeador para várias alterações
psicológicas, como lapso de memória, diminuição de rendimento intelectual, depressões,
obsessões e um possível quadro de demência (COSTA, 1998; GATTO, 2005; HALES;
YUDOFSKY; GABBARD, 2012).
Entretanto, não existe uma forma exata de determinar quando começa a velhice,
através de aspectos psicológicos, pois tais “marcadores” são ineficazes para delimitar o
processo de envelhecimento. Há ainda de se considerar a influência da subjetividade do velho
e sua relação com a velhice, ou seja, a avaliação que cada um faz de seu envelhecimento em
comparação a outros indivíduos de mesma idade (NETTO; BORGONOVI, 2005).
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A Sra. Aldebaran, ressalta, em sua fala, que a idade que tem, assim como o fato
de ser denominada de velha ou idosa, não a incomoda, pois o importante é como ela se sente:
“Eu não me incomodo de ser chamada de velha, idosa ou da terceira idade, o que é
importante é o que eu sinto”. (Sra. Aldebaran).
Neste caso, a idade da Sra. Aldebaran está ligada às suas vivências internas, isto é,
refere-se à idade que a pessoa sente no seu interior, é a sensação íntima de ser e estar com
menos ou mais idade do que a real, ou seja, “é aquela que a própria pessoa determina, que o
seu espírito sente, em que a sensação de estar com idade respectiva é mais forte do que
qualquer ruga na face” (COSTA, 1998, p. 33).
O critério social diz respeito à avaliação do grau de adequação de um indivíduo ao
desempenho dos papéis e dos comportamentos esperados para as pessoas de sua idade, num
dado momento da história de cada sociedade (NERI, 2001). Os papéis sociais adotados pelo
indivíduo, impostos pela sociedade em que vive, direcionam seu lugar na sociedade de acordo
com o dado momento histórico. Com isso, tornam-se mutáveis à medida que se envelhece.
Assim, é na velhice, por exemplo, que muitos velhos assumem os papéis de aposentados. A
aposentadoria pode representar desde um sentimento de perda, de início da velhice e de
aproximação da finitude, até uma nova fase da vida, na qual as atividades de lazer são
consideradas centrais pelo velho aposentado e ocupam um lugar importante em sua vida e no
uso do seu tempo (SANTOS, 1990). O Sr. Antares destaca que a aposentadoria não foi
considerada uma conquista e sim uma perda na sua vida:
“Me obrigaram a aposentar. Perdi muito do meu salário. A idade chegou e o tempo
de trabalho ficou para trás. Eu não ganhava mal, mas dava pra viver. Eu acho ruim
essa palavra aposentado!”. (Sr. Antares).
Esse depoimento também nos remete à aposentadoria como um critério
socialmente reconhecido da velhice, apontada assim por mudanças de papéis sociais e sendo o
marco definidor da velhice. Desta maneira, ao falar em aposentadoria, não podemos deixar de
associá-la às mudanças (reais e concretas) na vida do indivíduo velho, principalmente quando
há ruptura formal com o mundo do trabalho.
Conclusões
Diante das perspectivas apresentadas, pensamos que a melhor maneira de concluir
este artigo é apontando o que apreendemos sobre as concepções de velhices, acionadas nas
falas de velhas e velhos aposentados do serviço
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público estadual do Maranhão e integrantes do Programa de Ação Integrada para o
Aposentado (PAI).
No intuito de encontrar respostas para as inquietações sobre as formas de
vivenciar suas velhices, acreditamos que compreender como o(a) velho(a) se reconhece e
reconhece o seu próximo, foi um dos grandes desafios encontrados no decorrer da pesquisa.
Como parte desse processo, o objetivo desse artigo foi o de analisar como são acionados os
critérios definidores da velhice(s) a partir das falas de velhas e velhos aposentados do serviço
público estadual do Maranhão, integrantes do Programa de Ação Integrada para o Aposentado
(PAI).
Os relatos demonstram que os termos velhice, velho, idoso e terceira idade
referem-se a certos valores sociais pelos quais são legitimados e consequentemente
percebidos nas práticas dos entrevistados. Os velhos tornam-se produtos e produtores das
classificações da velhice no PAI. Nesse caso, o que se percebe é que, embora não se busque
explicitamente a distinção, ela existe, a partir do momento que o aposentado se dirige ao que
Bourdieu (2007, p. 164) denomina de estilo de vida.
Ao assumirem a categoria idoso, muitos associaram a ideia de respeito em
oposição a imagem negativa do velho. O velho, para eles, representa um ser improdutivo,
incapaz de trabalhar, cansado, relaxado, sem prazer de viver e que está à espera da morte.
Cumpre ressaltar que a visão negativa, compartilhada por um determinado grupo social,
justifica-se no comportamento das pessoas em repudiarem a categoria velho, pois, quando um
determinado grupo toma para si uma verdade, tende a justificá-la pela afirmação de suas
preferências e gostos e pela negação e recusa de outros gostos, ao gosto dos outros
(BOURDIEU, 2007). Assim, nos trechos extraídos das entrevistas com os aposentados,
pudemos inferir que nos termos velho e velhice há negatividade, e que os mesmos buscam
desvencilhar sua condição de velho dos marcadores estigmatizantes. Isso revela também que,
a concepção que esses entrevistados apresentam vão de encontro ao que o próprio Programa
concebe sobre velhice e ser velho.
Os resultados também mostraram que a concepção de velhice e ser velho são
aceitas positivamente no imaginário de algumas pessoas velhas. No ponto de vista desses
entrevistados, a velhice é um motivo de orgulho, uma forma de empoderamento e de
reconhecimento da sua condição de velho. São essas visões que se aproximam do que
propomos em toda a tessitura do trabalho: o reconhecimento de si como velho como o
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primeiro passo para desnaturalizar e desmistificar as ideias preconceituosas e estereotipadas
da velhice.
Assim, as concepções de velhice(s) acionada(s) pelo(a)s entrevistado(a)s estão
carregado de sentidos positivos e negativos, a depender das condições nas quais estes vivem e
vivenciam suas velhices. Neste sentido, os relatos demonstraram que os termos velhice, velho
e idoso referem-se a certos valores sociais dos quais são incorporados no decorrer de vida dos
entrevistados.
É neste embate de e pela legitimação de um ponto de vista, de uma visão de
mundo entre aqueles que buscam impor um novo sistema de classificação e os defensores do
antigo, que as representações de velhice trazem consigo a classificação dos indivíduos. Assim,
a concepção de velhice deve ser estudada e entendida na ótica da pluralidade, tomando para
análise os vários conceitos produzidos a partir dos critérios cronológicos, biológicos,
psicológicos, pessoais e socioculturais.
É pertinente ressaltar que os relatos demonstraram que o modo como cada
entrevistado se reconhece e reconhece o outro como velho (ou idoso) influencia no modo de
vivenciar a sua velhice. Assim, os velhos, são produtos e reprodutores das classificações de
velhice no PAI, isso significa dizer, a grosso modo, que eles mesmos se classificam e são
classificados como indicativo do que são, do que fazem, como fazem, porque fazem e quando
fazem.’’
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