as intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. a via de contorno norte-ilha -...

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rr.."\, J »< --'.' r<; r"""\ ~:. ,,", "', '""' ,~, "-" rr-; ~ ~l ~,' r'<.: ---.. rr> .) " " ~ ,\ r< - r--, ----.. ,o 51 que na década de 50, dos 107 loteamentos aprovados em Florianópolis, !"~./' 53% situava-se no Continente e 16% na península central na Ilha (40)0 A '~$~ 1 década de 40, por outro lado, havia apresentado índice de 46% do total dos loteamentos aprovados no Continente e 41% na área central, na Ilha. s Houve, entre a década de 40 e a de 50, uma inversão na localização dos loteamentos. No entanto, é preciso alertar que, na década de 40, com exceção de um loteamento próximo ao Estádio de Futebol, registrado em 1945, todos os demais loteamentos do Continente só apareceram nos registros da prefeitura de Florianópolis a partir de 1947, o que provavelmente reforçou a diferença entre os índices apresentados na IIJJae no Continente na década de 40 e na de 50. Deve- se considerar, ainda, que todos estes índices obtêm ainda maior peso se considerarmos que boa parte dos loteamentos, principalmente nas periferias, são executados clandestinamente (41). No caso dos bairros 40 _ Parte considerável dos loteamentos elaborados nas áreas urbanas, em especial nas, áreas periféricas, são tidos como "clandestinos", ou seja, são feitos à revelia dos registros ~ das exigências legais. Em função de sua execução clandestina, este grande número de loteamentos não está computado, evidentemente, nas Tabelas sobre Loteamentos e Desmernbramentos apresentadas, visto que estes se baseiam nos registros oficiais da Prefeitura. Portanto, estas tabelas não apresentam todo universo de loteamentos implantados em Florianópolis. No entanto, e é o que aqui nos interessa, estes dados representam excelentes indicadores dos movimentos e das mudanças de interesses dos setores imobiliários e fundiários, ao longo do últimos 50 anos em Florianópolis. 41 _ Quando surgiram os primeiros loteamentos, tanto em Florianópolis como em São José, praticamente não existiam exigências legais para a aprovação dos mesmos, ainda que, a partir da década de 40, tenha se tomado obrigatória a aprovação e o registro na administração municipal. As exigências legais surgiram a partir da década de 50, com a aprovação do Plano Diretor, Lei no246/55 e, posteriormente, pelá Lei no 1215/74, que regulamentou os Loteamentos, Arruamentos e Desrnembramentos em Florianópolis. O termo "clandestino", portanto, refere-se àoslotearnentos e desmembramentos efetuados sem a)icença concedida pela prefeitura e, a partir da década de 50, também sem obediência às exigências de diménsões, infra-estrutura e serviços públicos definidos pela legislação rnunicípaí. Deve-se atentar para a contingência desta clandestinidade, da mesma forma que há a "variação no grau da clandestinidade" em função do

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Maria Inês Sugai

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Page 1: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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que na década de 50, dos 107 loteamentos aprovados em Florianópolis,!"~./'

53% situava-se no Continente e 16% na península central na Ilha (40)0 A '~$~1

década de 40, por outro lado, havia apresentado índice de 46% do total

dos loteamentos aprovados no Continente e 41% na área central, na Ilha.

s

Houve, entre a década de 40 e a de 50, uma inversão na

localização dos loteamentos. No entanto, é preciso alertar que, na

década de 40, com exceção de um loteamento próximo ao Estádio de

Futebol, registrado em 1945, todos os demais loteamentos do Continente

só apareceram nos registros da prefeitura de Florianópolis a partir de

1947, o que provavelmente reforçou a diferença entre os índices

apresentados na IIJJae no Continente na década de 40 e na de 50. Deve-

se considerar, ainda, que todos estes índices obtêm ainda maior peso se

considerarmos que boa parte dos loteamentos, principalmente nas

periferias, são executados clandestinamente (41). No caso dos bairros

40 _ Parte considerável dos loteamentos elaborados nas áreas urbanas, emespecial nas, áreas periféricas, são tidos como "clandestinos", ou seja, são feitosà revelia dos registros ~ das exigências legais. Em função de sua execuçãoclandestina, este grande número de loteamentos não está computado,evidentemente, nas Tabelas sobre Loteamentos e Desmernbramentosapresentadas, visto que estes se baseiam nos registros oficiais da Prefeitura.Portanto, estas tabelas não apresentam todo universo de loteamentosimplantados em Florianópolis. No entanto, e é o que aqui nos interessa, estesdados representam excelentes indicadores dos movimentos e das mudançasde interesses dos setores imobiliários e fundiários, ao longo do últimos 50anos em Florianópolis.

41 _Quando surgiram os primeiros loteamentos, tanto em Florianópolis como emSão José, praticamente não existiam exigências legais para a aprovação dosmesmos, ainda que, a partir da década de 40, tenha se tomado obrigatória aaprovação e o registro na administração municipal. As exigências legais surgirama partir da década de 50, com a aprovação do Plano Diretor, Lei no246/55 e,posteriormente, pelá Lei no 1215/74, que regulamentou os Loteamentos,Arruamentos e Desrnembramentos em Florianópolis. O termo "clandestino",portanto, refere-se àoslotearnentos e desmembramentos efetuados sem a)icençaconcedida pela prefeitura e, a partir da década de 50, também sem obediência àsexigências de diménsões, infra-estrutura e serviços públicos definidos pelalegislação rnunicípaí. Deve-se atentar para a contingência desta clandestinidade,da mesma forma que há a "variação no grau da clandestinidade" em função do

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mais pobres do Continente, isto pôde ser evidenciado e, como em geral

ocorre nesses casos, sem o correspondente crescimento de infra-

estrutura e serviços urbanos, como depreende-se .do relato do padre

Baldessar:

':4 década de 1950 foi decisiva. O Estreito se expandiu emtodas as direções( ..) Não havia infra-estrutura preparada. Haviaum verdadeiro comércio imobiliário desenfreado que traçava ruasinviáveis e marcava terrenos muito pequenos. Os diversosloteadores não entravam em acordo, muitas vezes, nem mesmo noacerto das ruas que deveriam percorrer os diversos terrenosloteados. Água e esgoto eram desconhecidos do dicionário dosprimeiros moradores. As ruas eram traçadas mas nãoterraplanadas. Bueiros não havia (..) Luz elétrica chegava sempreatrasada. Não havia transformadores em quantidade suficiente e,por esta ratão, os últimos servidos recebiam uma voltagem muitobaixa ..." (In Soares, 1990: 44)

A população que vinha ocupando estas áreas no Continente

também foi sendo alterada' ao longo do tempo. No final da década de 40

havia no Continente duas áreas ocupadas pela população de maior

renda, que durante algumas décadas, mantiveram nesse local suas

casas de veraneio: uma voltada para a baía norte - Praia do Balneário e

entorno - e outra para a baía sul - Praia de Coqueiros em direção à orla

sul (Ver Figura 11). Estas áreas - Balneário e Coqueiros - que vinham

sendo ocupadas por alguns setores de maior renda situavam-se fora do

limite urbano então em vigor e também distantes da cabeceira da ponte,

embora com acesso direto a ela. Posteriormente, estas áreas passaram a

ser utilizadas como área residencial destas mesmas camadas sociais,

sendo também ocupadas, como veremos no próximo capítulo, outras"

município ou do loteamento abordado. Ver VALLADARES, Lícia. Repensando aHabitação no Brasif. RJ: Zahar ed, 1983, p.49.

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Page 3: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

53

praias vizinhas

paisagisticamente.

igualmente bastante privilegiadas física e

As camadas de baixa renda, no entanto, constituíam-se na maior

parte dos habitantes do Continente. Ocupavam, principalmente, as terras

no interior do sub-distrito do Estreito, dirigindo-se para oeste (Capoeiras

e Barreiros), ao longo dos caminhos que se direcionavam para a BR·59

(atual BR-101). A BR-101, que começou a ser implantada no início da

década de 40, efetuava a ligação litorânea com os de~ais estados ~

constituiu-se na mais importante via regional, ao mesmo tempo que

assentavam-se nas suas proximidades as camadas populacionais mais

pobres. Não se obteve mapeamentos que pudessem ajudar a localizar

as áreas ocupadas pelas camadas mais pobres com maior precisão, e

mesmo o IBGE, naquele período, não efetuava pesquisa por faixa de

renda. Para poder localizar estas áreas e organizar a Figura 11 foram

utilizados os relatos de geógrafos e depoimentos de fontes secundárias.

(42)

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42 _ Foram consultados especialmente: Wilmar Dias (1947), Armem Mamigonian(1958), Victor Pelu$o{1'981),'depoimentos contidos em Soares (1990) e mapas doDEGC de 1951.

Page 4: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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1.2.4 - Análise da integração Ilha-Continente e suas repercussões na

estruturação urbana e na distribuição' territorial das classes

sociais na Ilha.

A ligação rodoviária da Ilha com o Continente, ocorrida em 1926,

garantiu, como vimos, a rápida expansão e transformação das áreas

continentais próximas à Capital, permitindo o seu desenvolvimento

iniobiliário e, posteriormente, o interesse pela anexação deste território

continental a Florianópolis. No bojo deste processo ocorreram também

uma série de' repercussões em todo espaço urbano da península; na Ilha,

onde se concentrava o centro administrativo e comercial de

Florianópolis.

A primeira mudança ocorreu nodirecionamento do fluxo interno e

no eixo de crescimento comercial da cidade. Antes da construção da

ponte Hercílio Luz, as vias na área central direcionavam-se para os

trapiches da área portuária, na orla sul, próximos à Praça XV de-

Novembro. A área situada na extremidade oeste da península central,

I como foi visto, não havia interessado aos setores dominantes durante o

processo de expansão urbana, sendo por isto suporte das atividades

menos "nobres" como cemitério, fomo do lixo, fábricas, vila operária e, nor;

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percurso, a área de prostituição. Com a implantação da cabeceira da

ponte, na extremidade oeste da península, ocorreu uma mudança na

direção dofluxo de escoamento viário principal dentro da área urbana,

que agora privilegiava o eixo leste-oeste, próximo à orla sul. As vias.-'"

existentes torarnadensando-se no sentido oeste ,assim como as novas,:---- \;--:':«,:-\:-,.,~.:-, :<-,.;::,-.' '. ,: -" ~.~

viascomeçaram':a·s~ecdjrecionaciastambém no sentido da ponte Hercíli o

Luz. Aponte cd~~iitma?~e;agp(ª,nonovoacesso"paraa Ilha.

Page 5: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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A construção da ponte Hercílio Luz e sua localização a oeste da

península alterou completamente o mercado imobíüério de Florianópolis.

Valorizaram-se as áreas comerciais e residenciais com acessibilidade no

sentido leste-oeste e,em especial, toda área central próxima à baía sul,

onde localizavam-se as únicas ruas com acesso direto à ponte: -a Rua

Conselheiro Mafra e posteriormente, a Rua Felipe Schmidt AJ~oQ!~,

com<:)_vi~_os, abriu novas frentes para o capital imobiliário, tanto no

Continente como na área central da Ilha, gerando acesso rodoviário a

áreas antes desocupadas ou mesmo rarefeitas. Além disso, também

permitiu a retomada pelo setor imobiliário de áreas de ocupação mais

antigas, próximas à área central, que começaram a sofrer grande procura

(43).

o norte da península, por outro lado, continuava a. ser ocupado

pelas populações de mais alta renda, nas áreas antes ocupadas pelas

chácaras que, desd.e o final do século XIX, vinham sendo desmembradas.

Algumas destas chácaras, no final da década de 40, ainda conservavam--

se intactas, "contrastando ...com a feição geral das demais áreas

residenciais" (Dias, 1947:35). As chácaras que permaneceram inteiras,

muitas à espera de maior valorização fundiária e localizadas na área\

-mais central da península, constituíam imensos vazios dentro da malha

,.~ - Um caso que exemplifica a situação é o da Av. Hercílio Luz, situada a lesteda Praça XV de Novembro. Esta área foi, no século XIX e início deste, em funçãoda sujeira do Córreqo Fonte da Bulha ou rio da Fonte Grande (pó r onde passa aatual avenida), área bastante desprezada, onde localizavam-se, como foi vistoanteriormente, o bairro.da Toca e da Pedreira, local dos cortiços e das populações~,de baixa renda. Em 191-8;' o rio foi saneado e retificado, sendo aberta nas suaslaterais a avenida H~rcíH6 Luz. Os cortiços foram sendo retirados e seus " .habitantes foram impelidos a ocuparem os morros. Segundo Wilmar Dias, estaobra altercuevalórízeuá área.jjoentanto, somente a partir do final da década de30, "após a excessiva e brusca valorização imobiliária", as ruas sofreram _.pavimentação e os seus terrenos começaram a serem edificados. (Dias, 1947:36)

55

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urbana, dificultando a ocupação e a abertura de acessos de integração

entre o norte e o sul da península.

Ainexistência de uma integração viária direta e com dimensões

mais adequadas, da área residencial ao norte da península com a

cabeceira da ponte, interferiu no processo de crescimento da parte norte

da cidade. O fluxo entre esta parte norte e a cabeceira da ponte exigia,

até o início da década de 40, a passagem pelo centro da cidade, situada

ao sul, fato que, segundo Dias, interferiu no comércio da área norte: "...0

pequeno movimento comercial distribuído no lado norte, ao longo da rua

paralela ao mar, florescente antes da construção da ponte, entrou em

declínio logo depois que o tráfego terrestre substituiu o tráfego de lanchas

entre as duas penes da cidade." (Dias, 1947:32) A ligação da Avenida

Rio Branco (sentido leste-oeste) com a Rua Felipe Schmidt, próximo à

cabeceira da ponte, facilitou o acesso. No entanto, apenas a partir do

final da década de 50, com o início dos planos urbanos e das

intervenções nesta área da cidade, a situação começou a ser alterada.

~.. Os vazios urbanos nas 'áreas ao norte da península, a falta de

acessibilidade direta destas áreas com a ponte (que será solucionada

somente na década de ~O), o incremento do transporte rodoviário e,

ainda, a singularidade da cidade que, situada numa ilha, possuía uma

única ligação Ilha-Continente, produziram as seguintes conseqüências noI

espaço urbano de florianópolis:,C". ./~._~geraram a valoriz~ção das áreas centrais da Ilha que possuíam boa

acessibilidade à ponte;

(2: rnantíveramconcentradas as áreas comerciais em sua área urbana

central na baía sul;

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Page 7: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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3. incrementaram o desenvolvimento imobiliário no Continente e,

inclusive, a ocupação, inicialmente para veraneio, de algumas áreas

localizadas na orla norte continental por segmentos das elites;

4. incentivaram parte das camadas de mais alta renda a permanecerem

residindo próximo ao centro da cidade, na Ilha, num processo de

constante retomada, por parte dos setores imobiliários, de áreas já

ocupadas, demolindo e reerguendo edificações num mesmo lugar, ao

mesmo tempo em que a população de menor renda foi sendo "retirada"

da penínsuta.>"

'/ O .processo de refazer constantemente áreas urbanas já

constituídas é uma conhecida característica das cidades capitalistas,

onde o capital imobiliário busca, através das renovações ou

investimentos urbanos, urna constante atualização da renda fundiária. No

entanto, o que chama a atenção em Florianópolis é que, neste refazer da

primeira metade do século XX, não houve, com exceção da ponte (1926). A.fl".l/e da canalização do rio na Av. Hercílio Luz (1918), um processo Jfconstante de investimentos nestas áreas, o que só começará a ocorrer a

partir da década de 60. Este fato nos leva a acreditar que esta

permanência de parte das camadas de- alta renda próxima ao "centro"

tenha ocorrido, fundamentalmente, pela, ínrra-estrutura e serviços ali

existentes, pela proximidade do porto e,também, do único ponto de

escoamento rodoviário da IIha(.•....

As-camadas populacíonais de menor renda, ao longo da primeira

metade do século XX , como vimos, foram sendo obrigadas a ocupar os

morros a Ieste.da-península central da Ilha e, no Continente, os rnorros e- ~

:;·~,.),f.

áreas mais a o.este.-;,Jocias,estas.localidaciessitué,!vam-senas periferias

da .cidâde,"e:ió'ra do's"limites urbanos- de Florianópotis, definidos em 1943

57

Page 8: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

58

(Ver Figura 07). Este processo de deslocamento da população mais

pobre para as periferias, situação hoje comum nas cidades brasileiras,

pôde ocorrer apenas com a disseminação dos ôníbus (44), e resultou, em

Florianópolis, no contínuo afastamento destes setores populacionais da ,-"

área da península entre 1920 e 1940 (Peluso, 1981 :343). Houve.

portanto, neste período, um constante deslocamento e mudança das

áreas residenciais das populações de baixa renda em Florianópolis, ao

inverso do ocorrido com os setores populacionais de maior renda.

A dinâmica da ocupação do solo urbano de Florianópolis

obedeceu, principalmente, aos interesses dos setores sociais mais

influentes, muitos vinculados ao capital imobiliário, que mantiveram a

ocupação da .península pelas elites, apesar das dificuldades· de acesso

das áreas norte à ponte. Houve também, como foi visto, um interesse

destes setores das elites na ocupação dos balneários no Continente

(Praias do Balneário e de Coqueiros) a partir da década de 20,

inicialmente como área de veraneio. A acessibilidade gerada pela Ponte ,~

r-

ampliou este interesse, que culminou com a anexação à Capital daquelas

terras situadas no Continente.

Apesar dos Setores dominantes das elites terem mantido suas

áreas resídenctaisna IIha,na área da península, todos os indícios têm -"

44 - A importância de transporte coletivo para o desenvolvimento das periferiasurbanas; sejam linhas de ônibus ou estradas de ferro, tem sido demonstrada emdiversos estudos. No caso da evolução urbana de São Paulo, como mostra NabilBonduki, o surgimento do sistema de transporte baseado no ônibus, a partir dadécada de 20, foi fundamental para a ocupação dos loteamentos periféricos.BONDUKI, N. HaDitaçãóPopular:Contribuição para o Estudo da EvoluçãoUrbana de SãoPaulo,.1981.lnValadares, L., op,cit.,1983, p.119. Ver tambémLANGENBUCH;J.R: AEstruturaçao.dagrande São Paulo - estudo de,.geografia urbana ..Rio d~ Janeiro: IBGE, Depto. Docum. e Divulg. Geogr.Cartografica,1911.·; ., .• ,

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Page 9: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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59

demonstrado que, entre a década de 20 e a década de 40, ocorreu uma

"indecisão" das elites em relação à expansão de' suas áreas residenciais,

se deveria ocorrer na Ilha (ao norte e a nordeste da península) ou no

Continente (na orla norte e na sul). Contribuíram para esta hesitação,

como vimos, os seguintes aspectos: a .9Jfi~uldade de ocupação s- de

alguns trechos centrais da península devido à permanência de grandes

propriedades, . resquício das antigas chácaras; a__JQe~t~1~l}çia_...de..

acessibilidade viária direta entre a Ponte Hercílioluz e a área norte da

península; a disseminação e o incentivo ao transporte rodoviário; e a

redução das atividades portuárias. /._ ..../

Esta "indecisão" das elites entre as décadas de 20 e 40 pode ser

evidenciada pela distribuição e localização dos equipamentos e

instalações públicas no espaço urbano de Florianópolis, tanto pelo//

governo estadual como pelo municipal. Até o iníci?~~' '~éculo interessava

às elites, como foi visto, a preservação do norte da península e sua

exter1~ã~__.é!_._r1()rd~stepara localização e expansão de suas áreas

residen~iais, ocorrendo, por outro lado, o desinteresse pelo. oeste da

península. Entre as décadas de 20 e 40 ocorreram alterações nestes

interesses. Preservou-se, é certo, a península, que continuava a

concentrar as atividades administrativas, comerciais e qe serviço. No

entanto, as atividades menos "nobres", algumas retiradas da extremidade

oeste, começaram a ser implantadas a nordeste da península, no

caminho obrigatório para quem se dirigia, por terra, para as praias ao

norte da Ilha.'

Entre as intervenções mais significativas a nordeste da península,. ~

resultantes".cJ.~$,~;~;,;:P(3r.Í()do.de"lndeclsáo" das elites, deve-se citar: o

Cemitérfo' MunÚ~i~artransferido para o bairro doItacorubi em 1926; a

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Page 10: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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Penitenciária Estadual, cujo complexo começou a ser implantado na

Agronômica em 1930 (1ª etapa) e concluído em 1945; o despejo do lixo

urbano que começou a' ser jogado, na década de 40, no aterro sanitário

formado no mangue do Itacorubi, em frente ao cemitério (45); e ainda, o

b.brigo de Menores (Fucabem) que foi inaugurado em :1940 também na

Agronômica (Ver Figura 22). A Colônia Penal Agrícola foi instalada pelo

Estado, como vimos, em antigas áreas de uso comunal em Canasvieiras,

em 1937.

Uma série de motivos, a partir de meados da década de 40,

permitiram às elites uma definição das sua áreas prioritárias de expansão

residencial. São eles:,-;/,-,\

./ ,J!;' o crescimento das atividades administrativas, da máquina estatal e de

seu funcionalismo, que ocorreu paralelamente à redução do desempenho

econômico das atividades portuárias;

2. a ampliação das atividades da construção civil, impulsionadas pelo

aumentada demanda, pela melhoria do setor energético regional (Usina

Termoelétrica de Capivari) e pela mão de obra disponível, recém

chegada e em processo de integração com as atividades urbanas;

3. a ampliação do sistema de fornecimento de águas tratadas com a

construção da 1ª Adutora de Pilões (1946), solucionando o então precário

abastecimento d'água na área urbana da Ilha;

4. o início da construção da atual BR-1 01, que iria concentrar o trânsito

de cargas regional na área continental;

5. o potencial que a ampliação das classes médias urbanas

representavam para o desenvolvimento do turismo e o grande interesse

45 _ O forno de lixo foi implantado próximo à atual cabeceira da Ponte HerêitioLuz,em 1914, quando esta área não se constituía em área de interesse daselites. O forno, utilizado para incinerar o lixo urbano, foi desativado na década de50.

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Page 11: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

\61

que, conseqüentemente, passavam a ter as praias situadas ao norte da

Ilha.

--,,_,Na década de 50 a "indecisão" dos setores dominantes das elites "\

estava completamente superada. Começaram-se a estabelecer as áreas \\,

de interesse ou as áreas urbanas privilegiadas e prioritárias para \~

receberem benfeitorias, em especial, investimentos em acessibilidade. 1!

Solidificaram-se os antigos interesses de investimentos no norte da )

península e, principalmente, a intensificar-se as atenções do setor íimobiliário para um grande filão quase inexplorado - as praias ao norte da I

,Ilha e o desenvolvimento do turismo, em especial na região de j_.. --~--//

Canasvieiras.

Em decorrência das mudanças que começaram a se evidenciar,

foi etaboradorio início da década de 50, um Plano Diretor para a cidade,

que absorveu muitas das aspirações que surgiam, principalmente da

classe dominante, ao mesmo tempo que direcionou os primeiros passos

para a sua efetivação. As décadas seguintes foram marcadas por

diversas ações no espaço urbano, principalmente do Estado, que tiveram

importante papel na .evolução territorial das classes sociais em

Florianópolis. _f

Page 12: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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GAPÍTUL02

AS AÇÕES DO ESTADO SOBRE O ESPAÇO URBANO E SUA

REPERCUSSÃO NA ESTRUTURA URBANA E NA DINÂMICA

IMOBILIÁRIA.

A partir da década de 50, quando as elites redefiniram a primazia

da Ilha - área norte da península - para a localização de suas áreas

residenciais e para os investimentos imobiliários, começou a ocorrer uma

série de ações do Estado que reforçaram esta ocupação e repercutiram

na estruturação urbana de Florianópolis"Ao longo de trinta anos estas

ações vieram também a alterar e impulsionar a dinâmica imobiliária local.

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Neste período, o Estado, em sua esfera municipal, estadual e_\

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federal, elaborou planos urbanos, efetuou constantes alterações na \j</'<;.~/"""\4:r<--~-"·dr-'\

legislação de uso e ocupação do solo, ~mPlanto~ gran~,e~ eqUiP~mentos )- ~.~

urbanos e executou grandes obras e intervenções vianas, muitas d~ ~""'r"\

hquais exigiram alterações na legislação e nos planos existentes. A

exposição e análise destas -ªyQes.c:toEstado que precederam os grandes

investimentos .viários e que resultaram na implantação da Via de

Contorno Norte-Ilha irão nos ajudar a esclarecer a relação entre .aorganização territorial das classes sociais e a execução desta via.. ~

expressa nesta reqiâo.da cidade, assim como seu papel no processo de

produção do espaço urbano de Florianópolis.

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Page 13: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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63

AS DÉCADAS DE 50 E DE 60

2.1 - O Plano Diretor de Florianópolis. Lei n.246/55.

Em 1952 a Prefeitura Municipal de Florianópolis contratou a

equipe formada pelos arquitetos e urbanistas Edvaldo P. Paiva, Demétrio

Ribeiro e Edgar A. Graeff para elaborarem o primeiro Plano Diretor da

cidade. A equipe entregou à prefeitura um relatório explicativo do Estudo

Preliminar ainda em 1952, sendo a versão final aprovada na Câmara

Municipal em 1955, transformada na Lei n. 246/55.

Este Plano sofria influências das formulações definidas pelos

pesquisadores da Cepal, criada em 1948, e cujos preceitos refletiram-se

*em Planos Governamentais eem setores intelectuais, durante os anes

50 e 60. j\s orientações formuladas pela Cepal que influenciaram o Plano

propunham a superação do atraso econômico através do incentivo às-- - .. ... - - -"

atividades índustriais, consideradas dinâmicas e modernas. (')

------....O Plano adotava comoípremissa.que as dificuldades apresentadas

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pela cidade de Florianópolis advinham de seu fraco desenvolvimento:/

- econômico, do baixo poder aquisitivo de sua população e, por

conseguinte, também dos reduzidos recursos de sua administração

1 - Francisco de Oliveira efetua análise-crítica ao pensamento dualistaformulado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina-ONU) '."no texto: A Ecopomia.Brasileira: Crítica à Razão Dualista. In EstudosCebrap2. S.Paulo:;Ed,Cebrap/Ed.Brasileira de Ciências Ltda.,outl1972,p.1S:-24.

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municipal. Em vista disso, partia da idéia básica de que seria necessário

criar um "fator positivo" que pudesse transformar o desenvolvimento

econômico da cidade. O ~I~~~, definiu que este' "fator positivo", a

alavanca para o progresso econômico e urbano local, seria a

construção de um moderno porto em Florianópolis:

"Esse é o fato mais importante a considerar para uma justainterpretação do futuro desenvolvimento da cidade. O porto será umfator importante para o seu progresso econômico. Esse progresso,significando desenvolvimento lndu.stria.I,e comerciel, virá condicionarfundamentalmente a concepção do Plano." (2)

Ainda que considerassem outros dois fatores defendidos na cidade

como fundamentais ao desenvolvimento econômíco de Florianópolis, os

autores discordavam de sua eficácia. Um destes fatores, a função .-A

universitária deFlorianópolis, constituía-se "...para alguns, o fator

fundamental do progresso futuro da cidade." (Paiva, 1952: 7tJLQye, p~ra

os autores do plano, estariadeterminado p~lo crescimento econômico.2,§I

,cidade. Outro fator, o desenvolvimento turístico da região, não poderia vir

a ser a base de sustentação econômica da cidade, segundo o plano, mas

apenas uma "função acessória" que não iria sobressair-se em relação à-~._.- ... ..:'... ."

função portuária; ') f.::~.:/ .- ".",' '-~.~ :

Apoiando-se nestas premissas, o plano definiu uma Q~ypa~o e<.

uma utilização. do solo-que tratou e caracterizou de forma diferenciada a_.~-~--_._- ------'-- . .

ocupação da ,Uha e a do Contil1ente, tendo em vista os equipamentos e

as atividades previstas para cada uma das áreas.

2 - In PAIVA, Edvaldó;RIBEIR0; Demétrio;'GRAEFF,E. Plano Diretorde Florianópolis. EstudQsPrelimjn.ares. Relatório Explicativoapresentado à Prefeitúiá"Mynicipâl, agosto/1952,mfmeo.

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Na área continental, o plano deteve-se, praticamente, apenas no

bairro do Estreito. Propunha, na parte norte continental, entre a Ponta do

Leal e a ponte Hercílio Luz, um grande aterro de mais de 60 hectares

ande iriam localizar-se as novas instalações portuárias, as atividades

industriais e também, ao longo de uma avenida de ligação intermunicipal,

um centro comercial "mais moderno", única área da cidade onde permitiu-

.§e gabarito de até 12 pavimentos (Ver Figura 15-a e Figura 15-b). Ao

redor deste complexo portuário- e industrial teriam lugar áreas

residenciais e de expansão urbana No entanto, já previam que no

Estreito, nas proximidades do porto e das zonas industriais, e em função

das "facilidades oferecidas pela regulamentação das edificações de tipo

comerciar, estas iriam futuramente substituir as residências (Paiva, 1952:

14).

Na Ilha o plano deteve-se nos limites da área urbana em vigor, ou

seja, apenas na área da península. Propunha, na parte sul da península,

a implantação de uma Via-Tronco. Esta via, que se originava no

Continente, efetuava conexão com a ponte Hercílio Luz e, na Ilha,

contornava a orla sul da península. Ao longo desta Via-Tronco seriam

instalados um Centro Cívico, um centro religioso-comercial na área da

Praça XV e, no coroamento do eixo, sobre o aterro ali existente, a

"cidade-universitária" .

Na parte norte da península seriam localizadas as áreas

residenciais, que teriam como "requisito tndispenseve!' a existência de-- ._". - ---"-- _., •• - •• -_.-.-- .- "- •• "-- -"-' --'-"".- ,~ ••••• -_._-_._ •• _~-----_ •• -.- - - _.- ••• _. o _~ • - - _. ,. __ •••• ~

~_i_~~~~a~__~~:as v:rdes internas ao zoneamento. O Plano prQPunha a

ocupação das grandes glebas situadas ao norte na península, resquícios

das antigas chácaras, a partir da. ampliação do sistema viário que

Page 16: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

Deve-se evidenciar aqui' também os debates existentes na época

do Plano sobre a construção e a localização de uma futuravcidade .~

universitária". Os autores expõem em seu relatório as diversas áreas que

estavam sendo propostas, as suas discordâncias e, ainda, os motivos

que os íevararn ia situar as instalações da futura Universidade no aterro

existente pró~irpo ao centro da cidade, junto ao Morro d~~'Cruz: a

dimensão da área ea sua possibilidade de expansão através de aterro

sobre o mar; a sua boa acessibilidade; e a sua proximidade do centro, do.

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desmembraria essas glebas. A abertura destas novas ruas garantiria a

ocupação e a acessibilidade a essa área norte da península, fazendo sua

ligação a oeste, com a 'ponte, e com o centro administrativo-comercial

da cidade na parte sul da península.

Nos desmembramentos das glebas da área norte, o plano previa

loteamentos de ,.=t~"enos bem contormedos'; além das áreas verdes

públicas situadas num "recuo obrigatório do alinhamento de fundo das

edifícações" que formaria "uma área livre contfnua no fundo das casas,

com grande vantagem para a higiene, a comodidade e a estética do

conjunto" (Paiva, 1952: 13). Propunham, ainda, uma avenida Beira-Mar

contomandoa orla norte que, possuindo 30 metros de largura, seria

implantada sobre o fundo das propriedades existentes e em parte sobre

aterro (Ver Figura 16,?eFigura .19). Esta avenida seria conectada com a

avenida Tronco Sul, alcançando o centro administrativo-comercial da

cidade pela orla. O plano autorizava, ao longo desta nova avenida beira-

mar, edificações com gabarito de até 8 pavimentos. Esta nova avenida, -kconhecida posteriormente como Av. Beira-Mar Norte, foi implantada na

dér?r1a rlp- f;() e constituiu-se na intervenção viária precursora da atual

Via de Contorno Norte-Ilha.

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Page 17: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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Hospital de Caridade e do futuro Estádio Municipal. (Ver Figura 15-a e

Figura 15-b)

o que interessa ressaltar deste debate sobre a localização da

universidade é que, já no início da década de 50, intensificavam-se .os

interesses de ocupação da área situada à leste do Morro da Cruz, no

então longínquo bairro da Trindade. Havia o empenho de setores das

elites locais na implantação do futuro campus universitário na área da

Fazenda Estadual Assis Brasil, antigas terras comunais da Trindade,

proposição que tinha total discordância dos autores do Plano:

" ...abandonamos a suçestêo feita de um local para implantaçãodesse núcleo nes proximidades do subúrbio chamado Trindade,situado (..) á 8 qui/6metros do centro atual. Nessa zona o poderpúblico dispõe de áreas extensas, nas quais já se projeta aconstrução de quartéis, polígonos de tiro, ete. Tretendo-se delocalizar a' Universidade em maior união com a cidade (...) esteterreno (da Trindade) é completamente inadequado( ...) pelasseguintes razões: relativa grande distância do centro atual;tsotemento, devido à existência de um maciço montanhososeparador, e por sua posição geográfica, fora, completamente, dadireção real do crescimento urbano (a cidâde cresce na dià~ção tiocontinente e esse processo será acelerado pela construçáo;J!PJ20ftº ...A idéia de um oosstvet crescimentone direção da Trindqr;!'Rqqotemnenhuma base real, nenhuma possibilidade histórica de ~fetiváção)." ,

.(Paiva, 1952: 17)

Contrariandoestas proposições, nas décadas seguintes, o poder

público acabou implantando a cidade universitária na Trindade, j;expandindo, como veremos mais adiante, a área urbana também para

nordeste e leste.

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Page 18: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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Algumas das proposições deste Plano Diretor foram implantadas

na década seguinte, em especial as intervenções viárias na área norte da

península, como a Avenida Beira-Mar Norte. A proposta-eixo do Plano -\

. a implantação do porto - continuou durante muitos anos a ser objeto de ~

reivindicação pelos governos locais, s~nºo, inclusive, novamente

proposta no Plano de Desenvolvimento Integrado elaborado no final da

década de 60. ".

2.2 - As intervenções na área urbana da Ilha: a Avenida Beira-Mar

Norte e os demais equipamentos urbanos.

Ao mesmo tempo que, durante a década de 50 e início dos anos

60, polemizava-se sobre a localização do campus uníversítárto, o Estado

efetuava uma série de investimentos na Ilha, na área norte da península.

Vinham sende-dmplantados na região norte e a nordeste da

península, desde meados da década de 40, diversos equipamentos que

privilegiavam esta área da cidade. O Plano Diretor, aprovado em 195~,

coadunou-~~~ com estas intervenções que vinhamsendo ..efetivadas. O -'~1

Estado, portanto, havia suspenso a implantação, nas áreas a nordeste da

península, das .atlvldades "indesejáveis" que, como foi visto, ocorrera nas

três décadas anteriores. Dentre as intervenções mais significativas deve-

se citara inauguração, no ano de 1~q4" em ampla área, da casa oficial-": - ,,-. -' ~. -- . -, - -;- , ...-

do governador, o.cnamadoPalácio da Agronômica. Foram implantadas,

também ~~--dé~~~' d~~~9)e .próximo ao Palácio da Açronõrníca, as

dependências~05Q[)i~~ritoNaval. '.

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Page 19: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

69

A localização e a concentração dos equipamentos hospitalares,

que ali vinham sendo implantados, também evidenciam o privilégio

concedido à área norte. Nesta época existiam 9 hospitais no município de

Florianópolis. Deste total, 8 hospitais localizavam-se na Ilha, na área da

península e, apenas 1 no continente. Dos 8 hospitais localizados na

península, 5 hospitais, ou seja, mais que 50% do total, situavam-se

próximos à Av. Beira-Mar Norte, na orla norte: Hospital Celso Ramos.

(1966), Hospital Nereu Ramos "(1943), Maternidade Carmela Outra"'~(1955),' Casa de Saúde São Sebastião (1941) e Hospital Naval

(posteriormente transferido) (Ver Figura 22). O Hospital de Caridade e o

Hospital Militar, situados próximos à baía sul, foram erguidos,

respectivamente, no século XVIII e XIX. A Maternidade dr. Carlos Correa

foi implantada na península, em posição intermediária entre as duas

baías. Deve-se ainda evidenciar que os dois únicos hospitais construídos

na cidade na década de 70 - Hospital Infantil Joana de Gusmão e o

Hospital Universitário - e ainda, o Centro Hemoterápico, foram

localizados também neste mesmo eixo, onde seria implantada a futura

Via de Contorno Norte-Ilha.p)

3 - A inserção de grande número de Instituições Hospitalares nasproximidades das áreas residenciais da população de mais alta rendanão se constitui numa singularidade local: Há interesse por parte daselites em permanecer próximo ou ter acessibilidade a.estes '.equipamentos, Ocaso da Cidade de São Paulo é bem representativo,onde; ao longo do corredor viário na região daAv. Paulista concentram-se pelo menos uma dúzia de 'Instituições Hospitalares (Hospital das "',Clínicas, Hospital do Coração, Hospital Emílio Ribas, INCOR, HospitalSírio-Libanês, Hospital Matarazzo, Hospital Santa Catarina, HospitalOswaldo Cruz, Hospital Pró-Mater, Hospital 9 de-Julho, HospitalBrigadeiro, Hospital da Beneficência Portúguesa).

Page 20: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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2.2.1 - A Avenida Beira-Mar Norte.

Das proposições do Plano Diretor, foram implementadas, em

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especial, aquelas de caráter rodoviário, que garantiram acessibilidade àso~~

áreas ao norte da península. A principal avenida proposta pelo Plano

Diretor - a Via-Tronco - que ligaria a Ponte Hercíllo Luz, através da orla ~

sul, ao futuro Centro Cívico, ao centro administrativo e à futura

Universidade, não chegou a ser executada. Das proposições viárias mais

importantes definidas na península, apenas uma foi executada de acordo

com o Plano, a Avenida Beira-Mar Norte.

A abertura da Av. Beira-Mar Norte ao longo da orla da baía norte,

além de garantir a acessibilidade e a conseqüente valorização da área

norte da península, foi a intervenção viária que procurou diferenciare

definir a marca de modernidade a__~~!~setor residencial, Apesar de ser

uma avenida lntra-urbana, foi construída pelo governo estadual através

do DER-SC (Ver Figuras 16-a a 16-e). _A cons!~ç?_<?9~~_~~_~v~r1id~12i

iniciada em meados da década de 60, na gestão do governador Celso-~ - ~-'-'---"-"--' .....------" ..... - ._- ---- .. - - -" . ---_._----------, .... - ~-

~~~s, sendo concluída e pavimentada no início d~ ~é~~a <J.~70; pelo ~

governador Ivo Silveira. A Av. Beira-Mar Norte iniciava-se na Praça Celso

Ramos, divisa com o bairro Agronômica, beirava a orla em aterro sobre

a Praia de Fora e a Praia do Müller, até alcançar a cabeceira da ponte

Hercílio Luz. Possuía, aproximadamente, 2.300 metros de extensão. Não

foi feita, na época, a sua conexão com a avo Tronco, na baía sul,

conforme previa o Plano Diretor. No início dos, anos 70, começaram a

ser construídos os.prirneíros edifícios residenciais ao longo da orla da Av.0- •• 0.0 o • o .'. •• _.\

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Beira-Mar Norte, posteriormente denominada Av. Jornalista Rubens de

Arruda Ramos (Ver Fotos 02 a 06). (4)

Duas outras importantes avenidas, que efetuavam a ligação norte-

sul da península, foram abertas em 1958: a Avenida Othon Gama D'Eça e

a Avenida Prefeito Osmar Cunha. Estas duas avenidas e a sua conexão

não constavam do Plano Diretor, mas apoiavam-se no traçado de ruas

locals definidas pelo plano. Além de efetuarem -a ligação norte-sul no

centro da península, garantiram também o reloteamento das áreas

centrais da península, onde situavam-se - antigas chácaras ainda não de

desmembradas. A avenida Othon Gama D'Eça, iniciando-se na Av.

Beira-Mar Norte, atravessou a antiga chácara do Barão Wangenheim até

alcançar a Av. Rio Branco, que efetuava a ligação leste-oeste da cidade.

Em conexão com a Av. Othon Gama D'Eça, foi aberta, na direção sul, a

Av. Osmar Cunha, atravessando terras da antiga chácara da família

Línnares, para atingir o centro comercial e administrativo na '.baía sul.

Com estas duas avenidas criou-se uma maior acessibilidade dentro da

península, em especial na sua área norte. Este corredo~ viári~!l0rt~_~~~I,

que seccion~~L~!l10dificou as características do setor resid~nci~ler~vi~to_

no Plano, estimulou o desenvolvimento comercial- e a verticalização da

4 - Peluso (1981:16) observa que "A obra de maior importância para oplano urbano realizada nos.anos sessenta foi a construção da AvenidaRubens de Arruda Ramos, desde logo aproveitada pelas empresasincorporadoraspàrà-a construção de edifícios até doze andares-destinados a apartamentos. Essa avenida enriqueceu o plano urbanosem'alteré-tó, pois substituiu a praia da baía norte; mudou, porém a '\signifieaçãoda baía Norte no contexto urbano, eis que a Beira -MarNorte,comofreqüentemente-ã- cha.mada, -passou a constituir a área nobre dacidade, com fácil acesso ao centro comercial através das avenidas OthonGamà D'Eçae Osmar çl.Jnha."

Page 22: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

2.3 - A implantação do campus unlversltárlo da UFSC. A ocupação

da Trindade e dos balneários ao norte ea leste da Ilha.

Concomitante à execução dos investimentos urbanos na área norte

da península, desenvolviam-se pressões de frações da classe dominante

para que a implantação do campus da futura universidade não se

efetuasse na área central, como havia sido previsto pelo Plano Diretor,

Lei nO.246/55. Revigorava-se, no final da década de 50, a idéia de

implantar o campus universitário no bairro da Trindade. Deve-se~ ,

ressaltar que este debate, surgido durante a execução do Plano Diretor, '

ocorreu muito antes da formação da Universidade, tanto da estadual

como da federal.

A Tr~_rl~iJ~~, antiga freguesia situada a leste do Morro da Cruz,

constítuia-se, no início da década de 50, em um bairro periférico de

~~~~t~~í~~icassemi-rurais. Apesar de sua paróquia datar de H335,sendo, "7'f!

inclusive, transformada num suo-distrito do Distrito Sede em 1943, sua

ocupação na década de 50 era incipiente. A partir da praça da Igreja da~ . .,

Trindade, havia apenas quatro caminhos de terra: três destas "estradas"

faziam a ligação da Trindade com a península central, contornando o

Morro da Cruz pelo norte, outra contornando pelo sul e uma terceira

cruzando o morro; uma quarta via direcionava-se para o Córrego Grande

e para a Lagoa da Conceição, situada a leste da Ilha. Ao longo destes

quatro caminhos localizavam-se algumas casas, com ocupação ainda

bastante esparsas.

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Na área da Trindade, o Estado e a Igreja Católica possuíam

grandes extensões de terras, sobressaindo-se entre os proprietários

fundiários locais. As' terras pertencentes ao -qovemo estadual,

originavam-se de apropriações, efetuadas por volta de 1940, das áreas

de uso comum existentes nos campos da Trindade (Campos,1990:t33).

As terras comunais, como foi visto anteriormente, ocorreram em toda

extensão da Ilha, tendo sido apropriadas não apenas pelas camadas

sociais mais influentes, mas também pelo-Estado. Segundo relatou

Campos (1990), o Estado, através do Decreto Estadual N°.46 de

11/7/1934, pôde apropriar-se tanto das áreas públicas como das terras

de uso comum dos pequenos produtores, como ocorreu com as terras da

Trindade, transformadas, posteriormente, na Fazenda Assis Brasil:

"Por via direta, o Estado também se apoderou de terras de áreascomunais, desenvolvendo nelas fazendas de fomento e orientação àprodução do gado leiteiro, com o objetivo de desenvolver a' produçãoleiteira da Ilha. São exemplos importantes a FéJzendaRessacada e oposto Assis Brasil, as quais se especializavam na criação de gadoholandês e jersey, respectivamente." (Campo, 1991: 131)

Eram as terras da Fazenda Assis Brasil, somadas a mais algumas

propriedades em seu entorno, as áreas pleitea~as pelos defensores da

localização do campuâ universitário na Tríndade. Para entender estej • _." "'-

processo, é preciso que se esclareça a!~r~é!çã.o da universidade, como

definiu-se a ocupação destas áreas, o acirrado debate ocorrido nas

congregações e no Conselho Universitário e o interesse de setores,..

influentes da sociedade local sobre o assunto.

No mlcioda-década de 50 existiam duas correntes nos meios".', .

acadêmicos 'ro~r§:que se debatiam. 'pela 'formação da primeira "71',

73

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Page 24: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

universidade de Santa Catarina. As discussões iniciaram-se na

Faculdade de Direito de Santa Catarina, transformada, naquela década,

em estabelecimento federal. Um grupo, liderado pelo-professor Henrique

da Silva Fontes, lutava pela criação de uma Universidade Estadual e

outro grupo, liderado pelo professor João David Ferreira Lima, defendia a

formação de uma Universidade Federal. (5)

Estas disputas refletiam os embates políticos e as divergências de

interesses existentes entre as elites locais, representadas, depois de

1945, pelas duas maiores agremiações partidárias: o PSD e a UDN.

Nestes partidos aglutinavam-se os interesses das duas oligarquias

regionais, que tiveram uma maior estruturação após o movimento. de 30

(6) e eram constituídas por três famílias: a família Ramos (PSD) e as

famílias Konder e Bomhausen (UDN) (7).

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5 - 'In LIMA, João David Ferreira. UFSC: Sonho e Realidade.Florianópolis, UFSC, 1980, p.50-57.

6 - Segundo o historiador Carlos Humberto Corrêa, foi após a Revoluçãode 30, com nomeaçãodoslnterventores pelo poder central, que começoua consolidar-se a estrutura oligárquica catarinense, em especial a dafamília Ramos. In CORRÊA,C.H., OS govemantes de Santa Catarinade 1739 a 1982. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983.

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7- A família Rar;nos,<originária de propríetáríos rurais e pecuaristas deLages--'SC~'tévevarios de seus membros no poder legislativo e executivo,inclusive um - _Ner~u RaIl1Ps.:-'-esteve<quatromesesna Presidência daRepública (195Sfê, nop~:dódo dejüanos (1935-1945), foi interventor edepoisqovernadondo.Estado. Entre outros membros da tamüiaRamosdeve-se.citar: Aristides Ramos, Cândido Ramos; Vidal Ramos(govemadorentre1902.:.1906e 1910'-14), seus filhos, Nereu Ramos(1935-45) e Celso Ramos (gov. entre 1961-66) e o sobrinho 'destes,Aderbal Ramos da Silvá (gov. 1947-51), além de vários correligionários do"PSD, entre eles oex-govemador Ivo Silveira (1966-71). AsfamiliasKonder e Bomhausensâo'oriqináriasdc Vale do Itaiai, uniram-se.porlâÇôslamiflares edesenvolviam 'atividades' bancárias, empresariais etlnanceiras:/Eritreseusrriernbros, muitostoramqóvernaãores 'do Estado:Adolpho Konder(1~26130), o cunhado deste, lrineu Bornhausen (1951-56); seüfilhbJorgé'Konder Bornnaúsen (1979:'82), 'seu tióAntônio'CarlosKonder Reis (1975-"79), além de outrosgovemadores vinculados àfamília.

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Page 25: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

75

Estas disputas pelo poder refletiram-se, desde então, em todos os

níveis. Repercutiram, também, em função dos interesses fundiários e

imobiliários que envolviam estes grupos,.na organização do espaço

urbano de Florianópoli~,

Em conseqüência da correlação de forças políticas locais, o grupo

liderado pelo professor Henrique Fontes conseguiu que o então

governador Irineu Bornhausen criasse a "Fundação Universidade '1~7Estadual de Santa Catarina", através da Lei n..1362 de 29/10/1955.

Conseguiu também que o governo do Estado, então vinculado à UDN,

doasse a área da Fazenda Assis Brasil, na Trindade, onde pretendia

implantar o carnpus. Deve-se ressaltar que, nesta disputa entre a criação

de uma universidade federal ou estadual, havia membros dos dois

partidos em cada um dos grupos; e ainda, que os governadores

empossados i,posteriormente viam com reservas a criação da

universidade estadual, em função dos altos custos que esta Instituição

iria absorver dos cofres estaduais.

Em função disso, o grupo liderado pelo professor Ferreira Lima

continuou as articulações: para a formação da Universidade Federal. O

fato do professor Ferreira Lima ser secretário-geral do PSD local

favorecia as articulações, pois, naquele momento, o presidente do PSD

catarinense - Nereu Ramos - ocupava o posto de Ministro da Justiça. No

entanto, o memorial de solicitação foi assinado, em 4/7/1960, por

membros de diferentes posições p~r:tidárias: pelo então governador

Heriberto Hülse (UDN) e tam·b~~:>pelos diversos diret~res das.,">.";,;:.

Faculdades existentes (Direito, F;#rmácia e Odontologia, Ciências

Econômicas, Serviço Social, Filosqfia e Medicina). A Universidade

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76

Federal de Santa Catarina foi criada pelo então Presidente Juscelino ".... :ff,'>/

Kubitschek, através da Lei n. 3.849 de 18/12/1960, sendo designado seu ..

reitor o professor João David Ferreira Lima, que ficou no cargo durante

10 anos.

Assim que foi sancionada a nova Universidade pelo govemo

Federal e, tendo em vista que o então governador de Santa Catarina não ,~

apoiava a formação da universidade estadual, .o Governo do Estado

declarou extinta a "Fundação Universidade de Santa Catarina", e ainda,

"pela Lei n. 2.664 de 20/1/196t autorizou a doação à União, para

incorporação à nova Universidade Federal, dos terrenos da Trindade,

onde funcionava a Fazenda Modelo Assis Brasil." (Lima, 1980: 81)

A..if!1e.I_~~!~~Odo campus da Universidade Federal representava a

posstbihdade de mudanças na economia e na dinâmica imobiliária da_.--" -_.-'

~çal2!.!?l. Previa-se que seriam escoados para a cidade e, em especial,

para a área do futuro campus imensos investimentos federais. Conforme

comprovou-se posteriormente, havia fundamento nesta previsão.

Segundo o reitor Ferreira Lima, "nos primeiros 1 O anos de existência da .

Universidade Federal, o seuorçemento foi sempre, várias vezes maior do

que o daEr~leitura da Cepite!" (Lima, 1980: 54), situação que_

permanece até hoje. Estes fatos ajudam a esclarecer as grandes disputas

pela criação e localização do campus na Trindade,. e ainda, a extinção

da universidade pelo Governo Estadual e a doação de seu patrimônio

para a Universidade Federat.,

Transferido todo Patrimônio das faculdades estaduais, para a

UFSC, nomeadosos 300 professores e funcionários, empossados os

catedráticos,o reitor, os diretores das unidades, aprovado o Estatuto

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77

(Decreto n.50.580/61), composto o Conselho Universitário, entre outras

medidas de cunho administrativo, tiveram início os trabalhos da nova

universidade. Deu-se prosseguimento também, prolongando-se com

maior intensidade durante o ano de 1962, à grande polêmica sobre a

localização do campus da Unlversldade: se este permaneceria no centro,

na área aprovada pelo Plano Diretor Municipal ou se iria para a Trindade,

nos terrenos doados pelo governo do Estado. Havia ainda grupos sociais

que indicavam o Continente para sediar o campus, mas eram pouco

representativos.

Desde maio de 1962 as Congregações das diversas Faculdades

vinham discutindo o assunto - "Planejamento e Localização dos Prédios

das Unidades e demais dependências da Universidade" -, para que a

posição destas Congregações pudessem ser debatidas e votadas no\

Conselho Universitário (CUn). Houve~ três reuniões do CUn sobre o

assunto e somente na reunião de 27 de novembro conseguiu o Conselho,

após imensas polêmicas, deliberar o assunto (8). Além do reitor, dos

representantes das 7 faculdades e de seus diretores, estavam presentes,

sem direito a voto, representantes dos Docentes Livres e dos

representantes discentes.

8 - Os debates, ao longo de meses, foram extremamente polêmicos,como demonstra o pronunciamento do conselheiro João Bonassis, quesolicitava, no início da sessão, serenidade aos demais membros, porque"...os espíritos estão armados; o ambiente criado se tomou hostil; velhas"amizades ficarão estremeciaest. ..) Chegamos a um ponto onde a coaçãotolhe-nos até a liberdade de extemarmos o nosso ponto de vista. Osprocessos, as formas empregadas para se impôr uma idéia que talvez, "nem todos aceitem e que, também, talvez, não seja a melhor, é que nãosêotoleréveís" extraídbda Ata da Sessão Extraordinária do Ctln - 150sessão- 27/11/1962," In Livro de Atas docun, p.100. O professorBonassis votou pela transferência para a Trindade.

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78

A Universidade era composta por 7 Faculdades. As congregações

de 4 destas Faculdades deram pareceres favoráveis à permanência da

universidade no centro e 3 propuseram a transferência para a Trindade.

No entanto, a segunda proposição acabou tornando-se vitoriosa, tendo

.em vista que alguns representantes das faculdades não votaram de

acordo com a decisão de suas Unidades de Ensino.

o reitor, contrário à transferência para a Trindade e, inclusive, de

implantação de um campus, efetuou longo discurso onde levantava os

problemas que se evidenciavam na transferência para a Trindade. Entre

outros aspectos, comentava: a) os altos custos que significavam a

construção de um campus, considerando que outras universidades

federais mais antíqas, como as de Porto Alegre, Recife e mesmo a do

"Fundão" no Rio de Janeiro, apresentavam dificuldades para concluir

seus campi; b) a localização da Trindade, muito distante da área central

da cidade, com péssimas estradas, transportes coletivos precários, assim

como os serviços de água e luz e a inexistência de esgoto, cujos

problemas seriam ampliados com a concentração e transporte diário de

mais de 1.000 pessoas para a área, dificultando aos alunos, inclusive,

manterem vínculos de trabalho no centro; c) sobre a qualidade da área

da Fazenda evidenciava ser o terreno alagadiço, pois situava-se numa

"bacta hidrográfica cercada de morros", que exigiriam caras obras de

canalização e drenagem; d) relatou ainda que o Governo Estadual, além

de doar a Fazenda Assis Brasil, havia se comprometido a desapropriar

44 terrenos ao redor da Fazenda para doar à UFSC, mas destes apenas

dois terrenos foram pagos. (9)

9 - No discurso proferido em 27/11/1962, na 150 sessão do CUn, Livrode Atas do Clfn, PR: 101 a 105, frente e verso. Trecho entre aspas: Lima,op.cít., 1980: 160.', .

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79

Toda polêmica envolveu os setores mais influentes da cidade,

muitos dos quais enviaram ao Conselho Universitário telegramas de

congratulações e cumprimentos tão logo souberam da deliberação, entre,

eles, o então Presidente da Câmara Municipal de Ftortanópoüsu«).

Sabia-se que a implantação' do campus universitário na Trindade iria

interferir, a médio prazo, e dependendo dos investimentos urbanos

efetuados pelo Estado, na expansão e na estruturação urbana de

Florianópolis. Representava, sem dúvida nenhuma, uma imensa frente de

expansão e investimentos para o capital imobiliário.,,ç

A universidade federal dispunha, em 1962, de 100 hectares de

terras na Trindade, acrescidos depois de 232 hectares de áreas junto ao

mangue, pertencentes à União (Lima, 1980: 162). O processo de

construção do campus universitário ocorreu nos primeiros anos de forma

bastante lenta, ocupando inicialmente as edificações que já existiam nas

propriedades, em torno de 6.689,00 m2. As primeiras obras começaram a--, '

ser concluídas a partir de 1965; mantendo até o final da década de 70 um

acréscimo médio de 3.600,00/m2 de área construída ao ano. A partir do

fim da década de 70, coincidindo com o início das obras da Via de

Contorno Norte-Ilha, houve~, como veremos adiante, imensos

investimentos efetuados via PREMESU-MEC.

10 - Livro de Atas 'do eUn, 160 sessão, de 19112/1962,p. 108-frente.

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80

2.4 - Análise das repercussões das ações do Estado na dinâmica

imobiliária nas décadas de 50 e 60.

2.4.1 - O centro urbano e a área continental:

As principais proposições do primeiro Plano Diretor, Lei No.

246/55, como a implantação do porto e das áreas industriais, que :\_,

representariam alterações econômicas e espaciais em Florianópolis, não

foram concretizadas nos anos posteriores. No entanto, a expectativa de

implantação destas propostas, em especial das instalações portuárias,

repercutiram na dinâmica imobiliária da área continental na década de cld.

50.

As alterações nos interesses dos setores imobiliários podem ser

evidenciados também através da avaliação do número de loteamentos

aprovados numa parte da cidade em relação ao conjunto urbano (11).

Deve-se evidenciar ainda que, em função da dimensão variável nas áreas:. ,

dos loteamentos, e, também, das Leis de regulamentação de tJ".,-, '

loteamentos, surgidas durante a década de 70, .é importante que os

dados da Tabela 06, sobre os Loteamentos Aprovados, e ainda, os dados

das Tabelas 07 e 08, que indicam os Desmembramentos e Condomínios

aprovados em Florianópolis, entre 1959 e 1992, sejam confrontados com

as Figuras 21-a, 21-b e 21-c, que indicam a sua localização.

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11 - Estes indicadores, como já foi alertado anteriormente, por nãocontabilizarem os loteamentos clandestinos, não representam a suatotalidade, o quê, no entanfo,nãó reduz a sua importância para a análiseda dinâmica e das.aíterações ·ocorridas nos interesses dos setoresimobiliários numa área"urbân'àj7(

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Page 31: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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Na área continental, especialmente nas proximidades do Estreito,

continuou, por toda década de 50, o intenso desenvolvimento imobiliário.

Os empreendimentos na área do Estreito eram dirigidos, em sua maior

parte, para as classes médias. Na área continental situavam-se, como t>lvimos, 53% dos loteamentos aprovados no município no período 1950-59

(Ver Tabela 6 e Figura 21-a). A expectativa dos grandes investimentos

estatais previstos pelo Plano no bairro do Estreito (12), a perspectiva de

conctusãoda BR-101 localizada a 3 km de distância da área, e ainda, o

estabelecimento de gabaritos mais altos nas edificações próximas à

futura área portuária (Lei n. 246/55), ajudaram a gerar um grande

interesse do setor imobiliário em tomo daquelas terras.

Durante 'a década de 60 os interesses imobiliários na área

continental começaram a sofrer uma redução na intensidade inicial. Nas

adjacências do Estreito, em especial, esse processo tomou-se mais i

~evidente. Na década anterior, nestes bairros, situavam-se 41 % do total

dos loteamentosaprovados no município, reduzindo-se para 23,6% do

total, no período 1960-69. Apesar desta redução na região do Estreito, a

área continental manteve, no período, um expressivo interesse de

investimentos, localizando-se na área 39% dosloteamentos aprovados

na cidade.

A redução dos interesses de investimentos imobiliários no

continente resultou, também, das diversas intervenções urbanas que

privilegiavam e vinham sendo executadas pelo Estado na Ilha, abrindo ali

12 - Durante muitos-anos houve empenho dos diversos governosestaduais no sentido de se obter empréstimos externos para aimplantação do porto. Na década de 50, em função do-Plano Diretor,reivindicava-se o porto 'situado no Estreito 'e, no final da década de 60,proposto pelo Plano de Desenvolvimento Integrado de Florianópolis,pleiteava-se o Porto de Anhatomirim.

Page 32: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

82

" novas frentes de investimentos. Além disso, no final da década de 60,

ainda que se mantivesse o interesse pela implantação do porto, os

planos governamentais que vinham sendo elaborados não propunham

mais a implantação das instalações do porto na área do Estreito.

Previam-se as instalações do Porto de Anhatomirim na área continental,

mas situado a 30 km ao norte de Florianópolis. De qualquer forma, deve-

se ressaltar que o setor imobiliário no Continente ainda mostrava-se, na

década de 60, bastante dinâmico. "

o interesse especulativo na área continental talvez ajude a explicar

porque, apesar dos intensos problemas de infra-estrutura existentes no

Estreito, os setores da população de maior renda tenham mantido, até o

final da década de 60, propriedades próximas à Praia do Balneário no

Estreito, como mostra a Figura 12, que localiza a população segundo os

extremos de renda, em 1970. Essa situação foi totalmente alterada no

final da década de 70, como se vê na Figura 13-a, que localiza a

população de acordo com a renda familiar média (13) . No entanto,

devem, ser efetuadas importantes ressalvas em relação a Figura 12: "foi

selecionada uma faixa de renda muito ampla para indicar a população

com rendas mais elevadas, pois o autor considerou naquela" situação

toda população com rendimento mensal acima de 5 salários mínimos,

13 - A Figura 12 localiza a ocupação da área urbana de Florianópolissegundo os Extremos de Renda, indicando a localização dos habitantescom maior renda e aqueles de menor renda. Toma como base asinformações por setor censitário do Censo de 1970, In DIGIÁCOMO,Milton. Ecologia Fatorial da Aglomeração de Flortanópolis. Dissertaçãode Mestrado. UFRJ, 1979. As Figuras 13-a e 13-b localizamespacialmente todas as camadas populacionais deFlorianópolis segundoa Renda Média Familiar no ano de 1980." As informações; tendo porbase o salário mínimo, foram.divididasem quatrogrupos de renda (classe ...•alta, média, média baixa e baixa). Os dados brutos foram obtidos nolevantamentoporrendamédia familiar por setor censitárío do Censo de1980.·, "

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Page 33: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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equivalente na época a US$ 213,00 (14). Das cinco classes de rendimento

estratificadas pelo IBGE, o autor utilizou a população do último estrato

mais baixo (até 1s.rn.) de rendimento para localizar espacialmente as

populações mais pobres. Entretanto, utilizou-se dos dois estratos mais

.altos (de 5 a tos.m. e acima de tos.m.) para indicar a população; com

renda mais elevada. Portanto, as áreas' indicadas na Figura 12, situando

as populações de renda mais elevadas, absorvem, certamente, parcela

considerável dos setores populacionais de renda média (15). Outro

aspecto importante a ser observado e considerado nesta comparação é a

maior densidade populacional apresentada pela área urbana da Ilha em

relação ao Continente, conforme mostra a Figura 20.

Havia, sem dúvida, na década de 60, setores populacionais de alta

renda que ocupavam os bairros continentais, em especial, próxirnos.à

Praia do Balneário. Existia; inclusive, interesse dos setores imobiliários

pela formação de loteamentos residenciais de alta renda na orla sul da

Continente - nas praias de Itaguaçu, Coqueiros e Bom Abrigo (Figura 3-

b). Este interesse apoiava-se não apenas na belíssima paisagem e

14 - o IBGEutilizou, no Censo Demográfico de 1970, para estratificarem cinco classes de rendimento a população economicamente ativa(PEA), a seguinte classificação: até Cr$ 200,00 (1 salário mínimo); deCr$201,OOa Cr$400,OO; de.Cr~4Q1;QOétCf$,1;.OPO,OO; de Cr$ 1.001,00 aCr$ 2.000,00 (de 5 a 10s.m.) é mais de Cr$ 2.000,00. No caso deFlorianópo!is, na primeira classe.de rendatatéts.rns situavam-se 58,6%da PEA; na segunda, terceira, quarta e quinta classe de renda situavam-se, respectivamente, 24,7%; 11,9%, 3,7% e 1,7% da PEA, In OLIVEIRA,L. et alii. Indicadores Sociais para Áreas Urbanas. Rio de Janeiro:IBGE,1977.

15 - Em razão desproblernas apresentados-neste rnapearnento,pretendíamos reorqanízá-lo, utilizando os dados brutos do Censo. Noentanto, apesar dó intenso empenho junto àsàgênciasda FundaçãoIBGE, tanto em Flo~§mqp()lisc9mo po Ri() de Janeíro, não consequirnosobter os dados sobre'rendà pbpulacional ei'nFlonanópolis, por setorcensitário, dosC~I)~Ps9~.,;19.Zge,.1~6p, apenas os dados de H)80.As .'informações sobré''cl"rertda:medi<iNâhliliar, 'porsetor' censitáno, do Censode .1991, aindan~,QI?$t~g,di~P9J)íy~is p~rª.c()nsulta, impedindo, portanto,a execução destÉ{mâpe'âlT1(~ritõ\Jtiliza:haO::s~b"setor censitário.

Page 34: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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conformação natural desta orla sul, mas, também, na perspectiva de

implantação de uma nova ponte IIha-Continen'te situada naquela área da._-- ........•.

cidade e que vinha sendo qestada-nos setores governamentais.c,~)

É preciso ressaltar, no entanto, que não ocorria, na » área

continental, o processo que vinha se desenvolvendo na Ilha, de

concentração e expansão. das áreas residenciais das elites. Na Ilha, estas__ .••.. ------ ••. __ . ._ •. ------ .• , _ .. o.. _ . ', • ••

áreas residenciais impulsionavam-se no sentido norte-nordeste-teste qa_. ,_ ••• ---- -- .- -- - •• --.-_ - " __ '0 .••• •••• • ••• "

área central. As áreas residenciais de mais alta renda na parte

continental da cidade, inclusive os bairros de Itaguaçu e Coqueiros, que

mais tarde estruturaram-se, constituíam-se em bairros esparsos,

isolados.

A organização territorial que se estabelecia em F/orianópolis não

indicava que o crescimento das áreas residenciais de alta renda iria

expandir-se para os bairros continentais. Ao contrário, disseminava-se

nos bairros situados no interior da área continental - Monte Cristo,

Coloninha e parte de Capoeiras - a ocupação pela população de mais

baixa renda e, mais tarde, também de algumas favelas próximas à BR-

282. A ocupação territorial da população mais pobre desenvolvia-se,

principalmente, no eixos que se direcionavam para a BR-101 e para os

caminhos que levavam para os municípios de São José, Palhoça e

Biguaçu, em processo de conurbaçãocom a Capital.

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t.~.~~;~

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É interessante evidenciar, inclusive, que o município de São José,

situado na divisa com Florianópolis, começou a apresentar, a partir da

década de 60, um grande crescimento populacíonal. Este prQfesso foi

determinado, em .grande parte, pelos movimentos míçratórlos+des ...

populações vin,das. do interior do' estado e, inclusive, de Florianópolis,

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Page 35: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

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formadas por setores de mais baixa renda. O município de São José

apresentava, na década de 60, taxa de crescimento populacional de

6,38% a.a., portanto, o dobro da taxa de crescimento apresentada por

Florianópolis, de 3,13% a.a. no mesmo período (Tabela 01). A maior

parte da população migrante que se dirigia à Capital em busca de

trabalho acabava instalando-se, em função do alto custo das terras na

Ilha, na área continental de Florianópolis e nos municípios vizinhos, onde

também começavam a instalar-se as primeiras índústrías.p-)

/'/"7 A península da Ilha, por outro lado, em especial a sua área

residencial norte, foi extremamente privilegiada durante as décadas de 50

e de 60. O benefício ocorreu não apenas em função das proposições I

contidas no PJano Diretor mas, principalmente, pela execução de ~tbinvestimentos urbanos previstos e não previstos no Plano. Garantiu-se,(~

como foi visto, acessibilidade à área norte, privilegiou-se todo este setor

não apenas com definição de novo sistema viário, infra-estrutura,

equipamentos e áreas verdes mas, também, com o benefício de sua---~_ .•_.

qualificação e preservação, restringindo a ocupação das atividades

indesejáveis, como as atividades industriais e portuárias, através de

legislação urbana (Lei n.246/55). P'

/}/ Fortaleceu-se, nesse período, o processo de concentração das

áreas residenciais das elites no setor norte da península na Ilha que,

como procurou-se mostrar, vinha se delineando nesta área desde o final

do século XIX/ No final da década de 60 a área norte da península, .consagrava-se, em função dos investimentos ali efetuados, na principal

área residencial das camadas sociais de alta rendaem Florianóeolis ..'.. \ P16- Dados do IBGE.apontam que, em 1970,19,64% da população deSão José constituía-se de população migrante, contra 9,85% dapopulação de Florianópolis. In OLIVEIRA, Lúcia, IBGE, op.cit.

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86

__º~LlJ.y~-~-tjrnen~osd~.~~~~do, tanto na área norte da península como

a no~º~~t~.çI.~s~ª,~_º!? interesses imobiliários no Continente, repercutiram. .

em outras .áreas da cidade, Os bairros situados mais ao sul da península,

como o Saco dos Limões, a Costeira do Pirajubaé e a Ressacada,

tiveram, na década de 60, seu interesse de ocupação bastante reduzido.

Durante a década de 50,)havia ocorrido um repentino interesse imobiliário

por estes bairros, em especial a Ressacada, com empreendimentos

. voltados para os setores populares. Os loteamentos aprovados nesses

bairros, no período 1950-59, representaram 10% do total do município. ckPara efeito de comparação deve-se lembrar que na península central,

nesse mesmo período, localizavam-se 16% dos loteamentos aprovados

(ver Tabela 06). Tudo leva a crer que este interesse para os bairros ao

sul foi decorrente da construção e alargamento, em 1956, da estrada que

levava ao Aeroporto de Florianópolis e às instalações da Base Aérea,

situados na Ressacada. No entanto, essa procura pela área reduziu-se

também abruptamente nos anos subseqüentes, situando-se ali apenas

4% dos loteamentos aprovados no período 1960-69. (Ver Tabela 06)

2.4.2 - A Trindade e os balneários ao norte ~ a leste da Ilha.

Antes mesmo da decisão sobre a construção do campus

universitário, já começaram a ocorrer alguns loteamer:ttos na área da

Trindade. Estes empreendimentos foram surgindo lentamente: entre

1940-1959 foram aprovados 13 loteamentos próximos à área do campus,.~numa média de 1 loteamento a cada 1 ano e meio: após a formação da'

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UFSC, entre 1961-1967, foram aprovados próximos ao campus 8

loteamentos, evidenciando um ligeiro aumento de interesse pela área. (17)

Os dados sobre os loteamentos aprovados, como já se alertou,

indicam e nos ajudam a entender, fundamentalmente, os movimentos da

dinâmica imobiliária: a localização e as alterações nos interesses de

investimento do setor imobiliário, em relação ao conjunto da cidade, ao

longo de um determinado período.f\!0 caso enfocado, indicavam o

aumento do interesse pela área a leste do Morro da Cruz, a partir da ~

década de 50.

É preciso também ter claro que o interesse dos setores

imobiliários por uma determinada área da cidade não significa o imediato

loteamento eneqoclação da área; em geral, simplesmente é feita a

compra de glebas para especulação, à espera de benfeitorias urbanas,

ou ainda, implantado parte do loteamento para depois pressionar os

poderes públicos para investir na área e executar a sua intra-estrutura.j

Da mesma forma, a aprovação de um loteamento pela Prefeitura não

significa uma imediata ocupação da área. Muitos loteamentos,

dependendo do interesse do mercado pela área, podem ser ocupados

rapidamente ou mesmo permanecerem anos, ou até décadas, para

serem edificados ou comercializados./p(/

/ O que importa aqui ressaltar é que os fatos têm confirmado que o

interesse do capital imobiliário por uma determinada região da cidade é

17 - Levantamento efetuado junto à Prefeitura Municipal de Florianópolis "- SUSP, setor de aprovação de projetos. A localização dos loteamentosaprovados no período de ·1940-1992 estão indicados nas Figuras 21-a,21-b e 21-c. Os dados gerais sobre os loteamentos, desmembramentos econdomínios estão expostos, respectivamente, nas Tabelas 06,07 e 08.

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muito anterior à sua efetiva ocupação e aos investimentos públicos ali

implantados. Foi justamente esse o processo ocorrido nas áreas

situadas a leste do Morro da Cruz, nos bairros da Trindade e adjacências.

A idéia de localizar um campus universitário na Trindade já ocorria, como'

~vimos, pelo menos desde o início da década de 50 e intensificou-se

durante a elaboração e aprovação do Plano Diretor, portanto, muito antes

de ser criada uma universidade em. Florianópolis. Esses antiqos

interesses pela área da Trindade também evidenciam-se pelos

loteamentos que ali vinham sendo aprovados desde o final da década de

40.

Na década de 40 os loteamentos aprovados na Trindade e bairros -r-,+-,

adjacentes (1.8) representavam 11% do total de loteamentos aprovados na _~

cidade, passando na década de 50 para 15% do total (Ver Tabela 06). Os -r-,

fatos demonstram, portanto, que os acalorados debates registrados nos,* '""

meios universitários, em 1962, não eram simples desentendimentos -<.

acadêmicos e administrativos. Representavam, mesmo que

involuntariamente, as disputas que já vinham ocorrendo entre setores das

elites locais, em especial vinculadas ao capital imobiliário, na localização

dos equipamentos e na distribuição dos investimentos urbanos, ou seja,

no processo de produção do espaço urbano de Florianópolis.

A decisão de implantar o campus da UFSC na Trindade manteve,

na década de 60, em números absolutos, praticamente o mesmo número

de loteamentos aprovados na década anterior. Mas, proporcionalmente à

quantidade total de loteamentos aprovados, representou um aumento

18 - Os dados indicados no item "Ilha/Distrito Sede/Leste-Norte", naTabela 06, incluem os bairros da Trindade, Córrego Grande, Itacorubi,Saco Grande, Pantanal e Agronômica.

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89

expressivo que, na região da Trindade, passou de 15% para 27% do total

de loteamentos aprovados na cidade. (Tabela 06)

Este aumento relativo no número de loteamentos aprovados na

.reqiâo leste-nordeste não significou a imediata ocupação desta área. O. '"

desenvolvimento da região da Trindade ainda ocorreu de forma lenta

durante a década de 60. Deve-se considerar que, nesse período,

. houve;# poucos investimentos do Estado na área, principalmente

intervenções que melhorassem a acessibilidade à região do campus

universitário. Também não ocorreram grandes investimentos do Governo

Federal, na década de 1960, no espaço físico do campus universitário da

Trindade, permanecendo a maior parte dos Cursos nos antigos prédios

do centro da cidade até meados da década de 70. (Ver Tabela 09).e=----~

\\

O lento desenvolvimento da região da Trindade, decorrente \\

também dos ainda escassos investimentos urbanos na área. contribuiu ,III

Continente onde, como vimos, apesar de bastante inferior em relação Iàqueles expressos na década de 50, ainda representavam quase 40% do //0;1total dos loteamentos aprovados na década de 60 em FlorianóPolis.(Ve: . o

Tabela 06) »>

para que se mantivessem os interesses imobiliários na área do

Para se compreender os motivos que induziram à ampliação dos

interesses imobiliários pela região da Trindade, no eixo nordeste-leste,

deve-se considerar o crescente interesse das elites, do setor imobiliário e

do turístico pelos balneários situados ao norte (área de Canasvieiras) e a

leste (Lagoa da Conceição) da Ilha.

Page 40: As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contorno norte-ilha - parte 2

90

Esta atração pelos balneários situados ao norte e a leste da Ilha

impulsionava e direcionava o eixo de expansão das áreas residenciais

das camadas demais alta renda, qu~_~~ desenvolviam na área norte _d._ª-

península. Os bairros situados a nordeste-leste da área urbana central,

em especial a Agronômica e a Trindade, constituíam-se, portanto.. na

"passagem" para aqueles balneários e' no eixo "natural" de expansão

urbana. A implantação do campus universitário da UFSC na Trindade

constituiu-se, portanto, numa intervenção que procurava marcar a área

como futuro local para ocupação e expansão das elites, evitando

intervenções que viessem a desvalorizar a região, como aquelas

efetuadas ali em décadas anteriores (cemitério. penitenciária, aterro

sanitário, etc). Tratava-se, como procurou-se demonstrar, da abertura de

novas frentes para o capital imobiliário.

\, \.

(/No final da década de 60 este processo de expansão urbana nà,\

Ilha definiu a alteração dos limites urbanos", que até então ocupava \

praticamente apenas a península, central, Id~íi~;;~~~'-~~-~~rte-aoMõ~da cruz_no bairro da Agronômica--~-~~:~I no bairro de José Mend~

Através da Lei n.898/68, foi definido novo perímetro urbano de

Florianópolis que fixava os seguintes limites da zona urbana:

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"em direção ao Norte da Ilha, no Grupo Escolar "José do ValePereira", na localidade de Saco Grande; em direção ao centro-oesteda Ilha, no, Córrego Grande, quer via Itacorobi ou via Trindade; emdireção ao sul da Ilha até o aeroporto e fazenda Ressacada; no ladodo Continente o limite será mantido com o município de São José."(Ver Figura 08)

;--A região norte da Ilha que até as primeiras décadas deste século o 'r.,

era utilizada, fundamentalmente, para o desenvolvimento das atividades

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agrícolas e pesqueiras, começou, a partir da década de 50, a atrair a

atenção das elites para a sua utilização balneária. Deve-se lembrar a

apropriação, desde a década de 30, das grandes' glebas de terras

comunais ao norte da Ilha por setores influentes das elites,

principalmente por muitos membros da família Ramos:/y

A região do balneário de Canasvieiras (19), em especial, era

extremamente visada pois apresentava excelentes praias com águas

limpas e de temperatura amena, protegidas dos ventos constantes, além

de belíssimas paisagens e de conformação física bastante rica.

Canasvieiras, situada a 27 km do centro da cidade, possuía como única

barreira para o seu desenvolvimento o precário acesso rodoviário. As

estradas de acesso aos balneários norte, a SC-01 (atual SC-401),

originavam-se ainda dos antigos caminhos do século XVIII que levavam

ao Forte de São José da Ponta Grossa (Jurerê) e que, até a década de

60, ainda não haviam sido retificados e pavimentados.

A região da Lagoa da Conceição, situada a leste da Ilha, vinha

também despertando atenção dos setores imobiliários e turistlcos.

Apresentava a região, além da vila originária no século XVIII, situada à

beira da Lagoa, uma excepcional paisagem e uma imensa gama de

atrativos: as águas quentes e calmas da Lagoa, as dunas, as praias

voltadas para alto mar, como a Praia da Joaquina, uma exuberante

vegetação dos morros ao redor da Lagoa, a pesca do camarão, entre

outros. A estas qualidades somava-se a vantagem de sua proximidade

19 - Nessa orla norte, além da Praia de Canasvieiras, encontram-se aspraias de Jurerê, do Forte, da Daniela, Ponta das Canas, da Lagoinha eCachoeira do Bom Jesus. Na orla nordeste, com desenvolvimentoturístico mais recente, encontram-se as praias de Ingleses, Brava eSantinho. A partir' da década de70, em função de sua melhor infra-estrutura, a Praia de Canasvieiras vem polarizando toda a região.

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com a área de expansão da região da Trindade e, principalmente, do

centro da cidade, situado a apenas 12 km de distância.

É importante que se diga, também, que os balneários vinham

tornando-se focos de atenção e procura, paralelamente- ao

desenvolvimento turístico que começava a tornar-se mais acessível a

grandes parcelas da população. O turismo, segundo demonstra Luiz

Trigo, "nasceu e desenvolveu-se com o capitalismo,( ...) mas foi a partir de

1960 que o turismo explodiu como possibilidade de prazer para milhões

de pessoas e como fonte de lucros e investimentos, com "status"

garantido no mundo das finanças intemacionais. "(20)

--------

O desenvolvimento do turismo no Brasil também esteve vinculadc>,

ao enorme peso social que as classes médias começaram a ter dentro da \\

nova estruturação de classes do Brasil urbano, quando, a partir de sua Imaior influência na estrutura política e no aparelho de Estado, ampllararn-z"

se os investimentos do Estado para atender às suas demandas (21~

O crescimento do turismo começou a intensificar-se em

Florianópolis, principalmente a partir da década de 70. Neste período,~ .

com a conclusão da BR-101, foi implantado o complexo viário intra-

urbano, ampliando-se também a infra-estrutura urbana local. No entanto, ., i

já na década de 60 ocorriam os intercâmbios turísticos, tendo o Est~

20 - In TRIGO, Luiz G. Turismo e Qualidade: tendênciascontemporâneas. Campinas: Papirus, 1993, p.19. Este livro é baseadonas pesquisas desenvolvidas pelo autor na Dissertação de Mestrado emFilosofia Social pela Puccamp, 1991.

21 - Ver OLIVEIRA, Francisco de. "O Estado e o UrbancNo Brasil". !nRevista Espaço & Debates. São Paulo: 1982, n.6, junho/set1982,.p.50-53.

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93

promovido nesta época os primeiros contatos com agentes turísticos

argentinos. (22)

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"Durante as décadas de 50 e 60; portanto, além de definir a\

localização da mais importante área residencial das elites, situada no \\

norte da península, na Ilha, e dos investimentos urbanos ali efetuados tk,pelo Estado, iniciou-se, também, os interesses turísticos e imobiliários

pelos balneários ao norte e a leste da Ilha. A atração, principalmente I. !

Ipelos balneários norte, por parte do setor hegemônico das elites, ajudou /

Ia direcionar e estruturar o processo de expansão da área urbana, nçl

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sentido nordeste-leste da Ilha. ~-----

A DÉCADA DE 70

2.5 - A proposta de integração rodoviária: O Plano de

Desenvolvimento Integrado da Grande Florianópolis (1969-71).

As ações do Estado na década de 70, em especial aquelas

relativas ao sistema viário, foram fundamentais no processo de ocupação

territorial das classes sociais em Florianópolis. Para se entender o papel

dessas intervenções rodoviaristas na década de 70, as disputas que

envolveram e, principalmente, sua repercussão na organização territorial

22 - Em artigo publicado no Jornal "O Estado", o arquiteto ValmyBittencourt faz o seguinte depoimento: "Em 1966, o Prefeito Paulo Vieira

'\da Rosa, por sugestão minha traz até aqui mais de 30 agentes deviagens.doRio daPrata, começando então o fluxo de argentinos, até osufoco de hoje. n no artigo nA sina de Florianópolis-IX", InJomal "OEstado", 28/02/1993.

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urbana, é importante que se esclareça o Plano Urbano que precedeu e

fundamentou estas intervenções e a singularidade da conjuntura política

e econômica vigente. 'Este plano, semelhante a outros emergentes no

país na década de 60, refletia as condições econômicas e políticas do

.perlodo e dava sustentação ideológica àquelas intervenções.

2.5.1 - A conjuntura política e econômica do período.

A década de 60 foi marcada, politicamente, pelo golpe militar de

1964, que ocorreu num momento de crise da economia brasileira. O

regime, autoritário que se instalou evidenciava não apenas o poder

político militar, 'mas também o crescente poder da burguesia industrial

vinculada a setores mais influentes da tecnocracia estatal. Em linhas-'}'

gerais, sustentadas pela repressão política, desenvolveram-se uma série t *de medidas - entre elas um grande arrocho salarial e ações do Estado

,favoráveis ao fortalecimento do grande capital nacional e internacional, - :

que geraram-

grande acumulação de capitais e uma crescente

concentração de renda. Estas medidas, paralelamente à recuperação da i\

economia mundial a partir de 1967, garantiram a consolidação da Iexpansão capitalista no Brasil e o "boom" econômico do período 1968-73~

chamado de "milagre brasileiro".

, No período do "milagre", "...os bens duráveis (automóveis eeletrodomésticos) e a construção civil tomaram a liderança,veiendo-se inicialmente da capacidade ociosa existente (...) citou-se um mercado financeiro, captando-se poupanças voll{ntárias nopaís e recursos baratos no exterior. O Estado fortaleceu suacapacidad~ de controle de fluxos .ae investimentos (. ..) Os setores

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públicos e privados tomaram-se mais integrados; mais e mais oEstado dispunha-se a cobrir os riscos dos grandes investidores. Aeconomia voava mais alto do que nunca ... " (23)

Esse processo, que gerou o empobrecimento e a expropriação de

grande massa de trabalhadores, refletia-se a nível urbano. As áreas

urbanas passaram a receber fluxos de migração rural-urbana mais

intensos do que o crescimento do mercado de trabalho, gerando tensões

crescentes e intensificando-se os chamados problemas urbanos.r=)

Concomitante à reorganização do aparelho de Estado e às imensas

transformações que se operavam nas áreas urbanas, começaram a

fortalecer-se os discursos tecnocráticos, que atribuíam imensa eficácia ao

planejamento. A 'eficiência do planejamento e das soluções "técnicas e

racionais" permitiria, segundo esse discurso, resolver os problemas

sociais e urbanos emergentes. Nesse período, portanto, "...0 poder

federal tenta dominar o caos urbano através de imposições

administrativas, partindo do pressuposto que a ausência de um

planejamento local seria responsável pela má aplicação dos recursos

municipais( ..)Assim estabelece que todos os municípios devem elaborar

seus Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado (PDDI), sem os

23 - ANDRADE, Régis S.C. "Brasil: A economia do capitalismoselvagem". In KRISCHKE, Paulo (Org.) Brasil: do "milagre" à"abertura". S.Paulo: Cortez Editora; 1982, p.141 ..Ver também sobre o "milagre econômico" e o período que o antecede:SINGER, Paul. O "milagre econômico" causas e conseqüências.S.Paulo: Cebrap, 1972; OLIVEIRA, Francisco. A Economia daDependência Imperfeita. RJ: Ed. GraaJ, 1977; SKIDMORE, Thomas.Brasil: de Castelo a Tancredo. R. Janeiro: Paz e Terra, 1988.

" .24.:-;.As.pé~sirnas.condições urbanas da década de 70, expressão maisevidente do contraste entre acumulação e pobreza, são apresentadas deforma clara em: CAMARGO, Cândido et alii. São Paulo 1975.Crescimento e Pobreza. SoPaulo: Ed.Loyola, 1975.

95

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96

quais nenhum recurso de ordem federal ou estadual será concedido. "(25).

Foi o período de disseminação das empresas especialízadas em produzir

Planos Diretores.

todos centros urbanos do país.

As condições, gerais da economia e da sociedade brasileira

refletiram-se, evidentemente, na área urbana de Florianópolis e'

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municípios vizinhos, 'apesar do incipiente desenvolvimento industrial da

região e do crescimento das atividades do setor terciário em Florianópolis-,..•;.,-:i-

(27). Evidenciou-se, em especial, no aumento da especulação e das

25 - BLA.Y, EV8. "Planejar para quem?". In BLAY, Eva (Orq.). A lutapelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1978, p.171.

26 - Entre outros estudos, pode-se citar: CHAUí, Marilena. "Crítica eIdeologia", In CHAUí,M. Cultura e Democracia. S.Paulo: Ed.Modema,1981; REZENDE. Vera. Planejamento Urbano e Ideologia. R.Janeiro:Civil.Brasileira, 1982; LEVY, E Planejamento Urbano: do Populismo ,~ao Estado Autoritário. EAESP/FGV, Dissertação de Mestrado, 1984; ~VILLAÇA, Flávio. Sistematização Critica da Obra Escrita sobre EspaçoUrbano. FAU-USP, Tese de Livre-Docência, 1989.

27 - Segundo o Censo Populacional de 1970, a participação dapopulação economicamente ativa por setor de atividade em Florianópolis .\indicava 15,5% de participação no setor primário, 20% no setorsecundárioe- ;,6,4;6%'ri~:setór terciário. As aglomerações urbanas daregião sul do paístapfê§~ntava,m a média de participação de 19,1%,21;9% e de 58';9%; respectivamente, nas atividades do setor primário,

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97

atividades imobiliárias, na ampliação de órgãos da administração pública,

no afluxo de migrantes que se instalaram nas encostas dos morros da

Ilha e, principalmente; nas periferias urbanas da' área continental, e,

ainda, na intensificação da construção civil e nas diversas intervenções

urbanas efetuadas pelo Estado, a partir de 1970. "

2.5.2 - Plano de Desenvolvimento Integrado da Área Metropolitana de

Florianõpolis.

Justificado pelas transformações urbanas, pelas pressões por

investimentos viários e, em consonância com as determinações federais

acerca da obrigatoriedade do PDDI, começou a ser elabo~acro em

Florianópolis, na segunda metade da década de 60, o Plano de

Desenvolvimento Integrado da Área Metropolitana de Florianõpolis,

depois também denominado Plano de Desenvolvimento Integrado da

Micro-Região de Ftorlanõpolls.

o .Plano de Desenvolvimento Integrado de Florianópolis, à

semelhança dos planos urbanos que vinham sendo desenvolvidos no

país neste pertodot=), apoiava-se na nova ordem política-econômica e

também propunha uma nova organização viária intra e interurbana, parte

da política de consolidação do transporte rodoviário e da indústria

automobilística no Brasil. Da mesma forma que o PUB de São Paulo, o

secundário e terciário. In OLIVEIRA, L. et alii, Indicadores Sociais paraÁreas Urbanas. R.J.: ISGE, 1977.

28 -Entreeleso.Plano'Doxiadis doRio de Janeiro (1965); o PlanoUrbanístico Base de São Paulo -PUS (1967-68) eo Plano Diretor deDesenvolvnnenro'tnteqradc de São Paulo-PDDI (1972).

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\ Este Plano, ainda que efetuasse estudos de desenvolvimento!I integrado de 21 municíP~os (29) localizados próximos à Capítal.. estava

\ vinculado à administração municipal de Florianópolis. O grupo que.

elaborou o Plano Integrado surgiu a partir da formação, em 1967, de um

organismo denominado Conselho de Engenharia, Arquitetura e

Urbanismo da Prefeitura Municipal de Florianópolis (CEAU). O Conselho,:~\~

criado pela Câmara Municipal, era composto por quatro membros, que

possuíam a atribuição de efetuar parecer sobre projetos emtramitação na

Câmara, que envolvessem reformulações no antigo Plano Diretor de

r I 1955. A administração municipal solicitou, posteriormente, a elaboração

I I de um !l0vo Plano Diretor a membrosdo CEAU, que iniciaram a

\ \ montagem da equipe de trabalho coordenada por um de seus membros,I ,

\ \o arquiteto Luís Felipe Gama Lobo D'Eça (30).

Plano de Desenvolvimento Integrado de Florianópolis constituiu-se na

base de orientação das principais intervenções urbanas efetuadas, nas

décadas seguintes, na capital catarinense. Baseando-se nas proposições

que estavam sendo elaboradas no Plano de Desenvolvimento Integrado,

foram definidas algumas ações do Governo Ivo Silveira (1966-71),,,assim

como as intervenções rodoviárias constantes do programa da Ação

Catarinense de Desenvolvimento, plano de governo de Colombo Salles

(1971-75) e de governos posteriores.

29 - Os municípios abrangidos pelo Plano de Desenvolvimento Integradosão: Florianópoüs, São José, Palhoça, Biguaçu, Santo Amaro daImperatriz, Águas Mornas, Garopaba, Paulo Lopes, São Bonifácio,Anitápolis, Rancho Queimado, Angelina, Antônio Canos, GovernadorCelso Ramos, Tijucas, Canelinha, São João Batista, Nova Trento, MajorGercino e Leoberto Leal. Estes municípios situam-se dentro de 'um raioaproximado de 65 km de distância de Florianópolis. .

30:.. As íntormações-sobre-ostatos que originaram o Plano, a-estruturação das.equípes.fodo processo de trabalho desenvolvido e osconflitos de interesses durante e depois da elaboração do Plano, foram

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99

Com a criação do SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e

Urbanismo) e com o intuito de habilitar-se ao financiamento do plano

através do FIPLAN, foi necessário à equipe então formada organizar-se

nos padrões preconizados pelo SERFHAU. Constituíram então' o

Escritório Catarinense de Planejamento Integrado - ESPLAN, uma

entidade que, embora privada, funcionava no prédio da administração

. municipal. Todo trabalho inicial, de organização de equipes e estrutura de

pesquisas, foi orientado pelos técnicos do SERFHAU, segundo as

normas definidas pelo órgão. Foram formadas 4 equipes (Planejamento

Físico, Econômico, Social e Administrativo-Institucional), constituídas por

50 profissionais de nível universitário e 70 auxiliares técnico-

administrativos. Durante a organização inicial dos trabalhos,

desentendimentos com os técnicos do SERFHAU levaram ao rompimento

entre o SERFHAU e a Prefeitura de Florianópolis, determinando a não

concessão de empréstimos pelo FIPLAN. Este fato exigiu que os

trabalhos de elaboração do Plano fossem financiados pela administração

municipal.

A premissa básica do Plano de Desenvolvimento Integrado

apoiava-se na idéia de que o da região dedesenvolvimento

Florianópolis e e- do Estado de Santa Catarina só poderia ocorrer se

houvesse um esforço de integração e homogeneização das diversas

regiões do Estado. Este esforço iria "contribuir para o objetivo nacional

obtidas em entrevistas com o arquiteto Luís Felipe Gama D'Eça. Todasas demais informações obtidas sobre o Plano estão expressas nos 3volumes que compõem o estudo preliminar do "Plano deDesenvolvimentoedaÁreaMetropolitana de Florianópolis"(1967-71), nasdocumentações contidas nos 7 volumes de anexos (1969-71), no .~conjunto de plantas que compõem o Plano e nos 2 volumes sobre oestudocomplemeritâr'deste~Plano, o "Módulo Indutor - Setor OceânicoTurístico da Ilha de 'Santa Catarina"(1974}, todos elaborados peloESPLAN. .

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permanente da integração", em consonância com as determinações

ideológicas e políticas vigentes (31). Considerava ainda o Plano que cabia

a Florianópolis o papel de promover este processo de integração e

desenvolvimento.

e

o Plano de Desenvolvimento Integrado objetivava, portanto,

transformar Florianópolis num grande centro urbano. Propunha-se a criar

um "polo de desenvolvimento na área metropolitana' de Florianópolis( ...)

capaz de equilibrar a atração de São Paulo, de Curitiba e de Porto Alegre,

polarizando progressivamente o espaço catarinense e catalizando a

inteqrsçõo e o desenvolvimento harm6nico do Estado ..." (Plano, 1971 :5)

Para a vtabilizaçâo destes objetivos era necessário que houvesse

uma priorização de investimentos na região de Florianópolis, ou seja,

."uma concentração maciça de todos os recursos que o Estado pudesse

mobilizar" (Plano, 1971 :8). Os autores do Plano tinham consciência de

que esta priorização exigiria, como condição básica, um intenso trabalho

ideológico, onde pretendiam convencer a população catarinense de que,

sem este esforço, "estaria em risco a própria autonomia e integridade do

Estado"(32).

31 - Entre as epígrafes apresentadas no volume 1 do Plano deDesenvolvimento Integrado da Área Metropolitana de Florianópolis, háum trecho da "Doutrina difundida pela Escola Superior de Guerra" queevidencia o pensamento que norteou as diretrizes do Plano:"Uma das características do desenvolvimento é ahomogeneidade: asdisparidades regionais esetotieis, verticais ou horizontais não interessamao desenvolvimento. A homogeneidadeinteressa, também, à segurançanacional, porque atua no sentido de preservar ou ampliar as condiçõesde unidade e integração nacional." Apresenta ainda duas epígrafes, doex-presidente Emílio G. Médici e do coronel de reserva e arquiteto LF. daGama Lobo D'Eça.

32 - Entre as condições para consecução dos objetivos, o Plano definia anecessidade de.: '''Colaboração de todo o Estado no ingente esforço desalvação da autonomia catarinense, por um convencimento da população

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