as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

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SILVIO GONÇALVES MOTA AS FRONTEIRAS DA FÉ NA CRIANÇA: DESCOBRINDO AS RELAÇÕES SOCIO-RELIGIOSAS DA ESPIRITUALIDADE INFANTIL Trabalho de Conclusão de Curso com vistas à obtenção de grau de Bacharel em Teologia, a- presentado ao Colegiado do Curso de Teologia da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista — Universidade Metodista de São Paulo. Universidade Metodista de São Paulo São Bernardo do Campo — outubro de 2005

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SILVIO GONÇALVES MOTA

AS FRONTEIRAS DA FÉ NA CRIANÇA:

DESCOBRINDO AS RELAÇÕES SOCIO-RELIGIOSAS

DA ESPIRITUALIDADE INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso com vistas àobtenção de grau de Bacharel em Teologia, a-presentado ao Colegiado do Curso de Teologiada Faculdade de Teologia da Igreja Metodista— Universidade Metodista de São Paulo.

Universidade Metodista de São Paulo

São Bernardo do Campo — outubro de 2005

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A Comissão tendo analisado o presente trabalho de conclusão de curso o considera

__________________________________

Orientadora: __________________________________

Profa. Dra. Débora Barbosa Agra Junker

Leitor: ___________________________________

Prof. Ms. Luiz Carlos Ramos

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3

DEDICATÓRIA

Não é bom que o homem esteja só... Gn 2.18

Não posso dizer que me senti só durante a caminhada na academia, e é

justamente aqueles e aquelas que estiveram comigo em todo o tempo que dedico

este trabalho:

À minha amada esposa Evanise, que soube me consolar nos momentos de

angústia com ternura e paciência, suportando por mim o insuportável... Vá, a ti

meu eterno amor, sem a tua presença e apoio certamente não seria o que sou...

Aos meus filhos Mariana e Felipe, motivadores desta pesquisa, por expres-

sarem uma fé tão convicta que balançou meus próprios conceitos. Mariana, ape-

sar dos seus 7 anos, você é o maior exemplo de como uma criança pode ser ao

mesmo tempo aprendiz e mestre. Felipe, seus 3 aninhos são símbolo da sede do

conhecimento de Deus e espero que suas perguntas complexas encontrem respos-

tas que forjem uma fé madura e produtiva no Reino de Deus.

À minha irmã, Luciana, que abriu mão de tudo para nos acompanhar nes-

te desafio e foi o esteio de muitas das nossas conquistas. Lu, onde quer que for-

mos tu irás dentro do nosso peito...

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4

AGRADECIMENTOS

A Deus, que foi insistente comigo não desistindo do chamado para servi-lo. Também por ter con-firmado, dia após dia, esta soberana vocação por meio de irmãos e irmãs queridos que se aproximaramnestes anos.

A minha primeira família: Silvio, pai amoroso, que foi, é e sempre será exemplo de caráter, integri-dade e fé. Julia, mãe que soube educar e mostrar o caminho da fé. Marcelo e Juliana, irmãos incentivado-res a assumir o chamado que estava diante de mim.

A minha segunda família: Olinto, sogro querido, que é exemplo do que é servir ao Reino por amor.Lorisa, sogra-mãe, que simboliza a força na fraqueza e sustenta a todos com seus joelhos dobrados.

À Segunda Região Eclesiástica, que apesar de todas as dificuldades enfrentadas nos sustentou emSão Paulo durante os quatro anos, sendo fiel ao compromisso que assumiu conosco antes de nossa partidado Rio Grande do Sul. Sua atitude demonstrou a importância da nossa vida para eles e firmou em nós odesejo do retorno, para que de alguma forma possamos contribuir para o desenvolvimento da Missão emsolo gaúcho. Ao Bispo Luiz Vergílio pelo apoio humano e fraterno.

À Igreja Metodista em Sant’Ana do Livramento, que reconheceu a vocação e me incentivou a en-frentar o desconhecido caminho do pastorado. Especialmente à Sra. Neiva Camargo, que durante os qua-tro anos de Faculdade manteve-se fiel em sua singela contribuição, o que em muitas vezes mostrou-secomo uma pequena luz nos momentos escuros de nossas finanças.

À Igreja Metodista em Rudge Ramos, que nos acolheu como filhos quer idos, que abriu suas portaspara o aprendizado, que orientou nossas atitudes, nos auxiliou nos momentos de dificuldade e reconheceuminha vocação.

Ao Pr. Edson Cezar e Ester, companheiros do início de nossa caminhada em São Bernardo do Cam-po. Pr. Edson, referência da força do carisma pastoral.

Ao Pastor Marcos Munhoz, Rosane e filhos, companheiros na nossa despedida. Pr. Marcos, refe-rência da seriedade e compromisso para com o ministério pastoral.

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À comunidade do Tamarutaca, em Santo André, que na sua singeleza revelou e ensinou muito sobreo que realmente é viver o Reino de Deus. Não seria possível nomear a todos porque certamente esquecerí-amos alguém, mas, temos a certeza de que todas as pessoas que lá encontramos foram cativadas por nós,assim como deixamos o nosso coração cativo, em amor, com eles.

À Revda. Ms. Margarida Ribeiro, minha tutora e conterrânea, que foi um anjo de Deus para mi-nha família. Generosa, companheira, orientadora, que conquistou nosso respeito e admiração. Obrigadopelos momentos saborosos da tutoria, pelos passeios que nos permitiram conhecer lugares até então distan-tes da nossa realidade e pela disponibilidade de estar sempre junto de nós em todos os momentos da nossapermanência em São Bernardo.

À Jaqueline, nossa eterna vizinha, amiga em todo o tempo, com a qual nosso coração se entrelaçou.Amizades verdadeiras se constroem com o tempo, porém não foi preciso muito para que descobríssemosalguém tão especial para dividir alegrias e tristezas. Obrigado pelo companheirismo que demonstrastepara com a Evanise e o amor que dedicaste ao guris.

À Carol, outra amiga e outro anjo em nossa vida, muitos abraços, muitas lágrimas, muitos conse-lhos... Que a distância só propicie a saudade e não diminua a amizade que construímos durante este tem-po. Cuida bem da Lu enquanto ela estiver por aqui.

À Faculdade de Teologia, representada por todo o seu quadro de professores/as e funcionários/a sque auxiliaram e orientaram a minha caminhada acadêmica. Espero sempre contar com a amizade e apoiode todos vocês...

Aos meus colegas que com suas particularidade s foram instrumentos de Deus no ensino da vida emcomunidade.

E ao Antônio Carlos, o Kal, vulgo “Zezinho”, que caminhou comigo durante este período, sendo oamigo verdadeiro que me ensinou a ver um pouco o lado poético da vida, temperando meu espírito prático.Hoje sei que ver apenas a realidade sem o sonho é estar fadado ao fracasso, mas ver só o sonho sem osmeios é viver da ilusão.

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SUMÁRIO

Folha de aprovação ________________________________________________________ 2

Dedicatória ______________________________________________________________ 3

Agradecimentos___________________________________________________________ 4

Introdução ______________________________________________________________ 10

Capítulo 1 a criança e seu desenvolvimento ______________________________ 13

1 A criança: um ser em plena transformação _________________________________ 13

1.1 Introdução _______________________________________________________ 13

1.2 A criança sob a ótica da Psicologia____________________________________ 14

1.3 A metodologia adotada: Fases ou Estágios ______________________________ 15

1.4 O desenvolvimento cognitivo da criança _______________________________ 17

1.4.1 A linguagem egocêntrica da criança _________________________________ 18

1.4.2 A linguagem socializada da criança __________________________________ 19

1.4.3 As fases do desenvolvimento cognitivo _______________________________ 21

1.5 A criança e os “Estágios da Fé” ______________________________________ 21

1.5.1 – Os estágios da fé de James Fowler _________________________________ 23

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1.6 - A naturalidade da fé para a criança ___________________________________ 27

Capítulo 2 a criança e as relações sociais na história ____________________________ 30

2 Relações sociais conflituosas ________________________________ ____________ 30

2.1 Introdução ________________________________ _______________________ 30

2.2 - A criança no Egito Antigo ________________________________ _________ 31

2.2.1 A figura da criança na religião do Egito Antigo ________________________ 32

2.2.2 - A criança egípcia e a educação religiosa _____________________________ 35

2.3 - A criança na Roma Antiga ________________________________ _________ 36

2.3.1 - A educação no mundo romano________________________________ _____ 37

2.3.2 - A imagem da criança e seu uso na religião romana_____________________ 38

2.4 - A criança na Grécia antiga ________________________________ _________ 38

2.4.1 - A educação no mundo grego ________________________________ ______ 39

2.4.2 - A imagem da criança e seu uso pelos gregos__________________________ 40

2.5 - A criança no mundo judaico ________________________________ ________ 41

2.5.1 - Educação e Religião no mundo judaico______________________________ 42

2.5.2 - Jesus e as crianças ________________________________ ______________ 43

2.6 - A criança na Idade Média ________________________________ __________ 44

2.6.1 - A criança na religião medieval ________________________________ ____ 46

2.6.2 - Da Idade Média a concepção de infância hoje_________________________ 47

Capítulo 3 a criança e as relações religiosas ___________________________________ 48

3 Direitos conquistados devem ser assegurados _______________________________ 48

3.1 Introdução ________________________________ _______________________ 48

3.2 - Direitos conquistados no Brasil ________________________________ _____ 49

3.2.1 – Direito à proteção integral________________________________ ________ 50

3.2.2 Direito à educação________________________________ _______________ 51

3.3 – A criança e a religião: relações pedagógicas ___________________________ 53

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3.3.1 - A pastoral da criança ________________________________ ____________ 54

3.3.2 – A criança na Igreja Metodista ________________________________ _____ 55

3.4 – A criança e Deus: relações naturais __________________________________ 56

3.4.1 – As imagens de Deus na criança________________________________ ____ 58

3.4.2 – A oração das crianças ___________________________________________ 59

3.5 – Entre teorias e práticas ________________________________ ____________ 61

3.5.1 – A criança e a comunidade ________________________________ ________ 61

3.5.2 – Deus no imaginário infantil________________________________ _______ 62

3.5.3 – Desenhos da criança sobre Deus ___________________________________ 63

3.6 – Subsídios para o trabalho com crianças _______________________________ 64

3.6.1 – Preparando a aula ________________________________ ______________ 64

3.6.2 – Deus como “conteúdo” da aula ________________________________ ____ 65

3.6.3 – Contando histórias ________________________________ ______________ 66

3.6.4 – Utilizando recursos manuais ________________________________ ______ 67

Conclusão ________________________________ ______________________________ 70

Referência bibliográfica ___________________________________________________ 73

Anexos________________________________ ________________________________ _ 77

Anexo 01 – entrevistas ________________________________ __________________ 77

Entrevista 01 ________________________________ ________________________ 77

Entrevista 02 ________________________________ ________________________ 79

Anexo 02 – questionários escolares ________________________________ ________ 81

Tabela 01 -Quem é Deus? ________________________________ ______________ 81

Tabela 02 -Onde Deus mora? ___________________________________________ 82

Tabela 03 - Como você conversa com Deus? _______________________________ 82

Anexo 03 – orações de crianças ___________________________________________ 83

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Anexo 04 – desenhos de crianças sobre Deus________________________________ _ 84

Desenhos sobre Deus e sua moradia ________________________________ ________ 85

Anexo 05 – modelo de história ________________________________ ____________ 86

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INTRODUÇÃO

O adágio “as crianças são o futuro do mundo” há muito já é criticada por colocar a

criança em um plano secundário, excluindo-a da participação no tempo presente de todos os

processos importantes que movem a sociedade e outorgando-lhe um papel de expectador da

própria vida. Contudo, existe a reformulação do adágio para “as crianças são o presente do

mundo” na tentativa de vencer esta mentalidade excludente e proporcionar a toda e qualquer

criança o seu devido lugar no ambiente social em que está inserida.

Porém, apenas a mudança de sentido em uma frase popularmente conhecida não é su-

ficiente para promover as mudanças reais e necessárias na mente e nas atitudes daqueles que

estão incumbidos de proporcionar a criança os meios vitais para o seu bom desenvolvimento

e para que esta ocupe o papel que lhe é devido nas esferas que compõe o complexo universo

das relações humanas.

O presente trabalho nasce da inquietação provocada pelo longo caminho entre teoria e

prática, isto é, entre a tomada de consciência da criança como participante ativa em uma

comunidade e da real situação em que se encontram as crianças hoje em nossa sociedade,

apesar dos avanços obtidos ao longo dos anos. Esta inquietação é agravada, mais especifi-

camente, quando voltamos nosso olhar para a comunidade de fé e notamos o mesmo distan-

ciamento entre o discurso defendido e a prática apresentada, no que se refere ao relaciona-

mento da igreja com aqueles apontados como “os primeiros no Reino dos Céus”.

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Para trazer um pouco de luz a esta problemática procuraremos apresentar o fascinante

universo das relações infantis, desde o seu desenvolvimento natural até o desconhecido po-

tencial da criança para os misteriosos assuntos da fé, com o objetivo de proporcionar ele-

mentos vitais que sirvam de fundamento para uma ação saudável e construtiva junto às cri-

anças de nossas comunidades.

Assim sendo, a primeira parte carrega a preocupação de apresentar a criança por meio

das ciências humanas, especialmente a Psicologia, com todas as suas contribuições acerca

do desenvolvimento infantil e da forma como a criança aprende e se relaciona com o mundo

a sua volta. Como a pesquisa aponta diferentes formas de compreensão do mundo pelas cri-

anças, geralmente vinculadas a sua idade cronológica, se faz necessário estabelecer uma

delimitação que respeite estas diferenças. Portanto, tomaremos como base desta pesquisa as

informações concernentes às crianças na faixa etária entre os 03 e 10 anos por apresentar

um bom desenvolvimento da linguagem, facilitando o processo de comunicação. Dentro

desta área será substancial a contribuição de Jean Piaget e seu estudo sobre as fases do de-

senvolvimento cognitivo da criança e de seu intelecto.

Em seguida procuraremos apresentar a criança e seu relacionamento com a fé dentro

da concepção etária do desenvolvimento, recorrendo para isso ao entrelaçamento realizado

por James Fowler entre as fases de Piaget e seus estudos sobre a espiritualidade humana.

A segunda etapa do trabalho ocupar-se-á em fazer uma análise sobre a concepção da

criança através da história, em diferentes culturas e diferentes épocas. O enfoque recairá

sobre as relações sociais entre adultos e crianças, tendo um acento nos campos da educação

e da religião, procurando montar um quadro que permita visualizar a influência que a con-

cepção que se tem sobre a criança exerce sobre as práticas pedagógicas e religiosas adotadas

em cada período histórico, até chegar aos nossos dias. Este pressuposto é fundamental para

entender as raízes históricas que alimentam a distância entre as conquistas obtidas na teoria

e a real implantação destas conquistas de forma prática e eficaz em nossos relacionamentos

sociais, incluindo as comunidades de fé.

A última parte do trabalho tem um caráter mais pastoral e será destinada a apresentar

os avanços alcançados no processo de amadurecimento da concepção da infância, além dos

desafios que se fazem emergentes para que os direitos alcançados não recuem diante de uma

realidade indiferente à criança. Tais desafios vão além da área da educação, abarcando tam-

bém os que se referem à atuação da igreja, tanto em suas relações internas como em sua

expressão e inserção na sociedade.

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Como subsídio para compreensão dos teóricos apresentados anteriormente serão apon-

tados dados concretos oriundos do trabalho com crianças, onde poderão ser observadas, na

prática, muitas das informações pesquisadas, por meio de depoimentos e trabalhos desen-

volvidos pelas próprias crianças.

Para estimular o envolvimento das pessoas, incluindo pastores e pastoras, com o fan-

tástico universo do aprendizado e da espiritualidade infantil o trabalho oferecerá orientações

fundamentais e simplificadas nas diferentes áreas de interesse da criança, desde a narração

de história de formas criativas até a utilização de recursos visuais e artesanato como forma

de estímulo da imaginação e da coordenação motora. A enumeração destas orientações fa-

vorecerá e auxiliará todos aqueles e aquelas que aceitarem o desafio de fazerem valer o di-

reito da criança de ser realmente o presente não só do mundo, mas também da própria igre-

ja.

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13

CAPÍTULO 1

A CRIANÇA E SEU DESENVOLVIMENTO

1 A criança: um ser em plena transformação

Para qualquer pessoa que desenvolve uma determinada atividade, independente da á-

rea de atuação, é imprescindível o mínimo de conhecimento sobre todos os elementos que

envolvem tal atividade. No que se refere ao campo das ciências humanas, em todas as suas

nuances e manifestações , não poderia ser diferente. Desta forma, ao abordarmos o tema da

criança e sua relação com a fé é lícito, e vital, que vasculhemos os conjuntos estruturais que

compõe o universo infantil, estabelecendo suas relações intrínsecas e clareando os conflitos

emergentes desta realidade.

1.1 Introdução

Iniciaremos pela visão da criança por meio da psicologia, seu universo relacional e seu

mundo de influência que contribuem para a formação da personalidade e da visão de mundo

em formação. Neste campo de estudo seria ilógico negar a importância do pensamento de

Jean Piaget e a contribuição da sua teoria do desenvolvimento cognitivo da criança e de seu

intelecto. A metodologia adotada por diversos pesquisadores , incluindo Piaget, sob a forma

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de “fases” ou “estágios”, apesar de apresentar algumas reservas, mostra-se eficaz para a

compreensão sistemática da criança e de seus relacionamentos.

Posteriormente, veremos como este “ser em desenvolvimento” manifesta e expressa

sua espiritualidade, ou sua fé, e a possível relação que pode existir entre este “fenômeno

humano” e as etapas apresentadas pelo pensamento piagetiano, sob a ótica de James Fowler.

Esta abordagem facilitará a descoberta da relação da criança com os misteriosos assuntos da

fé, revelando que muitas vezes o desconhecimento do potencial religioso que a criança car-

rega consigo é fator de indiferença dentro das celebrações em nossas igrejas.

1.2 A criança sob a ótica da Psicologia

Segundo a psicologia do desenvolvimento, a criança é conceituada como um “agru-

pamento de respostas e fontes de estímulos internos”.1 Os psicólogos que trabalham com a

psicologia do desenvolvimento apontam que o comportamento da criança não é determinado

pelas estruturas hipotéticas de pensamento, nem mesmo pela personalidade, mas por uma

série de características especiais, pelo processo biológico de maturação que ocorre com o

passar dos anos e seu envolvimento com um determinado tipo de ambiente desde o momen-

to do seu nascimento.

Assim, a criança não responde somente aos seus estímulos internos, mas também o faz

em relação aos estímulos que recebe do meio com o qual se relaciona, ou seja

as interações entre a criança e seu ambiente são contínuas, recíprocas e inde-pendentes. Nesta abordagem, não podemos analisar uma criança sem refe-rência ao seu meio, nem é possível analisar o ambiente sem referir-se a cri-ança. Ambos formam uma unidade inseparável, constituindo um conjunto in-terligado de variáveis, ou um campo de interação, que é o objeto de análise2

As respostas que as crianças buscam e fornecem acompanham não somente sua matu-

ridade física, mas também são reflexos do vasto campo de influência que as circundam. Al-

gumas variantes talvez interfiram com mais força do que outras, porém todo o universo ne-

cessita ser considerado. Todavia, isto não implica que a criança seja um sujeito passivo a

espera de um estímulo do meio, nem que esteja freneticamente em busca do mesmo.

1 BAER, Donald M.& BIJOU, Sidney William. O desenvolvimento da criança: uma análise comportamental.São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1980. p. 17.

2 Ibidem, p. 27.

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A psicologia comportamental , por sua vez, dedica-se ao estudo do comportamento ob-

servável da criança, ou seja, ocupa-se da análise das propriedades físicas e de suas funções.

Os produtos do comportamento podem ser expressos através da vocalização, da linguagem,

dos escritos ou desenhos entre outras manifestações do infante, porém não é uma tarefa fácil

de ser realizada.

Partindo dos pressupostos acima, a psicologia procurou desenvolver uma possível

metodologia que facilitasse o estudo e a compreensão do misterioso e fascinante “mundo

infantil”, procurando abordar todas as nuances da sua constituição, formação e desenvolvi-

mento, os quais veremos a seguir.

1.3 A metodologia adotada: Fases ou Estágios

Devida à complexidade do estudo da natureza humana pela psicologia foi necessário

encontrar um método, o mais plausível possível, que auxiliasse nesta tarefa. A metodologia

adotada por vários estudiosos do comportamento humano foi a classificação do seu desen-

volvimento por meio de “fases” ou “estágios” que seriam cumpridos sistematicamente pelo

indivíduo, desde a sua concepção, como Erik Erikson, Sigmund Freud, Jean Piaget, entre

outros. O psicólogo norte-americano James Fowler também adotou esta metodologia ao

abordar o tema da fé na vida humana, porém este será um assunto tratado posteriormente.

Erik Erikson que relacionou-se com a família Freud, muito especialmente com Anna

Freud, com quem iniciou psicanálise logo ganhou o gosto do estudo da infância. Começou a

preocupar-se com o estudo da forma como o Ego ou a consciência operam de forma criativa

em indivíduos considerados sãos. Propôs a Teoria Psicossocial do Desenvolvimento, onde

este evolui em 8 estágios. Os primeiros 4 estágios decorrem no período de bebê e da

infância, e os últimos 3 durante a idade adulta e a velhice.

Cada estágio contribui para a formação da personalidade total, sendo por isso todos

importantes mesmo depois de se os atravessar. Como cada criança tem um ritmo

cronológico específico, não se deve atribuir uma duração exata a cada estágio. A formação

da identidade inicia-se nos primeiros 4 estágios, e o senso desta negociado na adolescência

evolui e influencia os últimos 3 estágios. Apresentaremos, aqui, rapidamente, apenas os

estágios de Erikson que dizem respeito à infância:

1ª Idade: Confiança Básica Versus Desconfiança Básica: Este estágio é o da

ritualização da divindade, na medida que opera o senso do bebê da presença abençoada da

mãe, ao o olhar, tocar, no fundo em reconhecê-lo.

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2ª Idade: Autonomia Versus Vergonha e Dúvida: Durante este estágio a criança vai

aprender quais os seus privilégios, obrigações e limitações. Há por ela, uma necessidade de

auto-controle e de aceitação do controle por parte das outras pessoas, desenvolvendo-se um

senso de autonomia.

3ª Idade: Iniciativa Versus Culpa: Relativamente ao terceiro estágio estipulado por

Erikson, equivale ao estágio psicossexual genital-locomotor, é o da iniciativa. Uma era de

crescente destreza e responsabilidade. Nesta fase a criança encontra-se nitidamente mais

avançada e mais organizada, tanto em nível físico como mental.

4ª Idade: Diligência Versus Inferioridade: Nesta fase a criança necessita controlar a

sua imaginação exuberante e dedicar a sua atenção à educação formal. Ela não só

desenvolve um senso de aplicação como aprende as recompensas da perseverança e da

diligência.

Freud foi o responsável pela revolução no estudo da mente humana. Formado em

medicina e especializado em tratamentos para doentes mentais, ele criou uma nova teoria.

Esta estabelecia que as pessoas que ficavam com a mente doente eram aquelas que não

colocavam seus sentimentos para fora. Ao ajudar as pess oas expressarem seus

sentimentos “reprimidos”, Freud conseguir curar muitas doenças mentais. Segundo ele, o

sexo era um dos sentimentos reprimidos mais importantes. Naquela época essa afirmação

gerou um gra nde esc ândalo na soc ied ade , ent ret ant o, não demo rou muito para que

out ros psicólo gos aderiss em à idé ia de Freu d. Sua teoria ficou conhecida como Teoria do

Desenvolvimento Psicossexual sendo definida pelas fases a seguir:

1ª) Fase oral: Nos primeiros 18 meses de vida o prazer sexual, predominantemente

relacionado à excitação da cavidade oral e dos lábios, está associado à alimentação. Os

conflitos orais são expressos através de sintomas como inapetência, vômito, hábito de

ranger dentes, inibições da fala.Uma estrutura de caráter oral caracteriza-se por traços tais

como a ganância, dependência, intolerância, agitação e curiosidade.

2ª) Fase anal: Acompanhando a maturidade fisiológica para controlar os esfíncteres,

entre os 2 ou 3 anos de idade, a atenção da criança dirige-se da zona oral para a zona anal.

Excesso de ordem, parcimônia e obstinação são traços característicos do caráter anal.

Ambivalência, desmazelo, teimosia e tendências masoquistas representam conflitos

oriundos desse período.

3ª) Fase fálica: Definida entre os 3 e os 5 anos de idade e subseqüente às fases oral e

anal, que são organizações pré-genitais. Durante a fase fálica, a culminância do Complexo

de Édipo segue diferentes caminhos para ambos os sexos, no processo de sua dissolução:

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17

ameaça de castração nos meninos e o desejo de um bebê como um equivalente simbólico do

pênis nas meninas.

Período de Latência: Precede a Fase Genital que se instala na puberdade, e que não é

objeto deste trabalho. Vai dos 6 aos 12 anos de idade e tem sua origem na dissolução do

Complexo de Édipo. É uma pausa na evolução da sexualidade. O surgimento de sentimentos

de pudor e repugnância, a identificação com os pais, a intensificação das repressões e o

desenvolvimento de sublimações são características do período de latência.

Jean Piaget desenvolveu seu trabalho dividindo o desenvolvimento em fases intelec-

tuais denominadas por ele como sensório-motora, pré-operacional, de operações concretas e

de operações formais. Para Piaget a razão, e seu uso na inter-relação com os outros e com o

ambiente, necessita se desenvolver no decorrer da vida. Além disso, as estruturas que regem

o pensamento infantil divergem substancialmente das do adulto. A estrutura desenvolvida

por Piaget é relevante nesta pesquisa e será abordada com mais detalhes a seguir.

Esta metodologia de dividir o desenvolvimento humano por estágios, em quaisquer

de suas expressões, suscitou algumas críticas, pois

basear os estágios em teorias intelectuais ou de personalidade (e até mesmode idade) é uma perspectiva tentadora, mas não temos, até o momento, ummodelo com base empírica e suficientemente abrangente sobre o desenvol-vimento intelectual e da personalidade que sirva de guia seguro para a divi-são do desenvolvimento em estágios3.

A crítica lançada não exime a importância da metodologia adotada, mas aponta para

o cuidado no emprego da mesma, pois os estágios de desenvolvimento não devem ser con-

siderados como informação precisa ou prescritiva, mas sim como conceito analítico ou des-

critivo, uma vez que a passagem entre os estágios não se dá abruptamente, mas de forma

processual, respeitando a individualidade de cada criança e seu contexto sócio-cultural.

1.4 O desenvolvimento cognitivo da criança

No presente trabalho consideraremos a abordagem piagetiana, apresentando as divi-

sões propostas por esse autor sobre o desenvolvimento infantil e atentando para a orientação

quanto à linguagem empregada pela criança para manifestar e apresentar a realidade que a

circunda, tornando-se “capaz de reconstituir suas ações passadas sob forma de narrativas, e

3 BAER, Donald M.& BIJOU, Sidney William. O desenvolvimento da criança: uma análise comportamental.São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1980. p. 29.

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de antecipar suas ações futuras pela representação verbal”.4A importância da linguagem

reside no fato da mesma já apresentar uma elaboração social definida e conter um conjunto

de elementos cognitivos à disposição do pensamento e de suas necessidades, ao contrário de

outros instrumentos como a imagem ou outras representações simbólicas.

1.4.1 A linguagem egocêntrica da criança

Esta fase compreende crianças de 2 ou 3 anos até aproximadamente 6 ou 7 anos.5

egocentrismo surge como uma conduta que faz intermediação entre as regras sociais e as

condutas meramente individuais, ou seja, a natureza da relação entre a criança e o adulto

coloca a primeira em uma situação à parte, de tal modo que seu pensamento permanece iso-

lado. Assim, mesmo que a criança pense que partilha do mesmo ponto de vista de todos ao

seu redor, na realidade ela está fechada dentro de um ponto de vista que é só seu. Desta

forma, a linguagem egocêntrica da criança é uma verbalização que não tem a preocupação

de comunicar o que acontece no seu interior, pois

Ao pronunciar as frases, a criança não se preocupa em saber a quem falanem se é escutada. Ela fala seja a si mesma, seja pelo prazer de associarqualquer uma à sua ação imediata. Esta linguagem é egocêntrica, em primei-ro lugar porque a criança não fala a não ser de si mesma, e, em segundo lu-gar, porque não procura colocar-se no ponto de vista do interlocutor. O inter-locutor é o primeiro que aparece. A criança só lhe pede um interesse aparen-te, embora tenha a ilusão, evidentemente de ser ouvida e compreendida... Elanão sente a necessidade de agir sobre o interlocutor, de lhe dizer realmentealguma coisa: é quase como a conversa de certos salões, onde todos falam desi e ninguém escuta 6

Fica nítido que se de um lado a criança recebe a informação de um conjunto de re-

gras e exemplos que lhe é imposto do exterior, do outro, não podendo acompanhar de forma

igualitária os estímulos recebidos pelos mais velhos, utiliza para si o que conseguiu apren-

der da realidade social ambiente.

Esta característica vai acompanhar a criança ao longo de seu desenvolvimento e será

superada de forma paulatina, à medida que a mesma amadurece e traspassa respectivamente

as fases da teoria piagetiana.

4 PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária Ltda, 1989. p. 235 PIAGET, Jean. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. p. 127.6 PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 8.

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19

Entretanto, também aqui se mostra a complexidade em delimitar características es-

pecíficas e absolutas, por isso, Piaget também divide o egocentrismo infantil em 3 categor i-

as7:

1) A repetição (ecolalia): Trata-se apenas da repetição de sílabas ou de palavras. A

criança repete-as apenas pelo prazer de falar, sem nenhuma preocupação de dirigir-se a al-

guém, nem mesmo, às vezes, de pronunciar palavras que tenham sentido. É um resto do

balbucio dos bebês, que, evidentemente, ainda nada tem de socializado.

2) O monólogo: A criança fala para si mesma, como se pensasse em voz alta. Não se

dirige a ninguém.

3) O monólogo a dois ou coletivo: A contradição interna desta denominação evoca

bem o paradoxo das conversas de crianças nas quais uma associa a outra à sua ação ou ao

seu pensamento momentâneos, sem a preocupação realmente de ser ouvida ou compreendi-

da. O ponto de vista do interlocutor nunca intervém – o interlocutor é apenas um excitante.

O monólogo possui grande importância, principalmente entre os 6 e 7 anos, e

Em suma, é o mecanismo das brincadeiras solitárias, durante as quais, apóshaver pensado em voz alta a sua ação, a criança passa a dar ordem às coisase aos seres, por impulso verbal, ao mesmo tempo que por ilusão voluntária.Em conclusão, o caráter geral dos monólogos dessa categoria é a ausência defunção social das palavras. A palavra, em tais casos, não serve para comuni-car o pensamento, mas para acompanhar, reforçar ou suplantar a ação8.

1.4.2 A linguagem socializada da criança

Outro tipo característico de determinadas fases de desenvolvimento é a linguagem

socializada que se distingue categoricamente da linguagem egocêntrica.

A partir dos 7 anos, em média, a criança passa por uma mudança de atitudes e come-

ça a observar as regras estabelecidas . O que importa, agora, não é a imitação das crianças

maiores por si só, mas vence-las agindo exatamente como elas e preocupando-se com o res-

peito efetivo das obrigações estabelecidas , como as regras de um jogo, por exemplo. Este

estágio é caracterizado pela cooperação que favorecerá todo o processo de socialização da

criança.

7PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 9.8 Ibidem, p. 16.

Page 20: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

20

A divisão que Piaget enumera nesta linguagem é mais ampla devido a empregabilid a-

de da mesma9:

1) A informação adaptada: A criança troca realmente pensamento com os outros, seja

informando o interlocutor de qualquer coisa que possa interessar a ele e influir sobre a sua

conduta, seja havendo uma troca verdadeira, discussão, ou mesmo colaboração em busca de

um objetivo comum. Se a criança se coloca no ponto de vista do interlocutor, se esse inter-

locutor não pode ser indiferentemente substituído pelo primeiro que aparecer há informação

adaptada; se, pelo contrário, a criança somente fala de si, sem se preocupar com o ponto de

vista do interlocutor, sem nem mesmo se certificar de que este último a escuta e compreen-

de, há monólogo coletivo.

2) A crítica: Este grupo compreende todas as observações sobre o trabalho ou a con-

duta de alguém, tendo o mesmo caráter da informação adaptada, isto é, são específicas em

relação a determinado interlocutor. Mas estas observações são mais afetivas do que intelec-

tuais, isto é, afirmam a superioridade do eu e diminuem os outros. A nuance entre a crítica e

a informação adaptada é quase sempre sutil. Depende apenas do contexto.

3) As ordens, súplicas e ameaças: Há aqui, claramente, a ação de uma criança sobre a

outra, seja por meio enfático, por pedido insistente ou por ameaça ou “chantagem” em de-

terminada situação.

4) As perguntas: A maioria das perguntas de criança para criança exige uma resposta,

de modo que se podem classificá-las como linguagem socializada.

5) As respostas: São respostas dadas às perguntas propriamente ditas (com ponto de

interrogação) e às ordens, e não as respostas dadas no decorrer dos diálogos às proposições

que não são perguntas, mas que dependem da informação.

Desta forma, é a linguagem socializada que gera o diálogo e a troca de informações

entre a criança e o interlocutor ou educador, mas sem a pretensão de justificar sua argumen-

tação ou, até mesmo, propor explicações causais para estas. O motivo que conduz a criança

ao diálogo diverge do motivo do adulto, pois “não é com a finalidade de pensar e trocar re-

flexões que a criança se comunica com seus semelhantes. É para brincar”.10 Desta forma

admite-se, que até certa idade, as crianças pensam e agem de maneira mais egocêntrica do

que o adulto e que elas trocam menos informação entre si do que nós adultos.

9 PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 10.10 Ibidem, p. 26.

Page 21: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

21

1.4.3 As fases do desenvolvimento cognitivo

Piaget elaborou a organização da atividade mental da criança em fases seqüenciais e

as chamou de estágios cognitivos , adotando a seguinte divisão11:

1) Período sensório-motor: caracteriza a criança de 0 a 2 anos, equivalente ao perío-

do pré-verbal, tendo sua formação durante os primeiros 18 meses de vida, aproximadamen-

te. A inteligência da criança, neste período, se desenvolve por meio de sua ação sobre os

objetos do meio. Suas ações são motivadas por reflexos e não por planejamento racional.

2) Período pré-operatório: é próprio da criança entre os 2 anos até aproximadamente

7 anos. Nesta fase surge a linguagem oral, o que possibilita a formulação de esquemas re-

presentativos. Aqui nesta fase fica mais acentuada a linguagem egocêntrica na criança, sur-

gindo a dificuldade desta na percepção de seu semelhante. Outra característica do período

pré-operatório é a função simbólica existente. É mais fácil executar uma ação do que apre-

sentar o desfecho da mesma e os resultados que ela pode produzir.

3) Período de operações concretas: engloba as crianças na faixa dos 7 aos 12 anos. O

egocentrismo começa a entrar em declínio cedendo lugar ao pensamento lógico que passa a

predominar, porém a criança ainda opera sobre objetos e não sobre questões abstratas ou

hipóteses.

4) Período de operações formais: a partir dos 12 anos. Neste período o pensamento

vai superando as limitações do concreto, e a criança pode raciocinar sobre hipóteses e não

apenas sobre objetos. É um novo modo de raciocínio.

Para Piaget o desenvolvimento cognitivo brota primariamente do interior da criança,

ou seja, os processos são internalizados e só posteriormente externizados revelando a assi-

milação da realidade e o amadurecimento da estrutura de pensamento.

1.5 A criança e os “Estágios da Fé”

Antes de fazer referência à atitude da criança em relação à fé se faz necessária a pon-

tuação do significado desta palavra. Aqui pode haver, por parte de alguns, a confusão entre

fé e espiritualidade. Com a finalidade de evitar tal equívoco tomaremos, a princípio, a espi-

11 PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. p. 39

Page 22: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

22

ritualidade como sendo um conceito mais amplo que pode ter caráter individual ou não,

sendo de cunho religioso ou não. Assim,

A espiritualidade é religiosa quando a atenção se dirige para um Ser superi-or, pessoal ou cósmico, e procura, com cuidado, uma comunhão com esteser. Mas há espiritualidades não religiosas fundadas em outros absolutos: odesejo de chegar a uma harmonia perfeita com o conjunto do universo cós-mico, a aspiração de chegar a uma perfeita integridade do ser, o lento pro-cesso de desapego e de desinteresse de todo o desejo e de todo o ser, a pai-xão pela perfeição no domínio da criação artística, a sede de repelir semprepara mais longe, por uma via consagrada à busca, as fronteiras do conheci-mento ou os limites da capacidade humana de curar doenças12.

A fé por sua vez poderá ser mais pontual, sendo definida sempre em relação com seus

semelhantes ou com Deus e sempre de cunho religioso, segundo Paul-André Giguère

Grande número de cristãos partilha desta busca e destas grandes paixões e sereconhecem, eles também, espirituais. Mas são igualmente crentes, o que osinsere em um dinamismo relacional. Os cristãos procuram inscrever sua vidasob o signo da relação com Cristo, e portanto, com Deus. É esta experiênciarelacional que se chama fé...13

James Fowler diverge da opinião de que a fé tenha sempre um caráter religioso, pois

para ele

A fé não é sempre religiosa em seu conteúdo ou contexto. A fé é o modo emque uma pessoa ou grupo penetra no campo de força da vida...A fé é o modopelo qual uma pessoa vê a si mesma em relação aos outros, sobre um panode fundo de significados e propósitos partilhados.14

Fowler busca base para a sua argumentação sobre a fé nas definições de Niebuhr e

Tillich, traduzindo o fenômeno da fé para um campo tão amplo quanto ao da espiritualidade.

Por isso, ele afirma

A fé, dizem-nos Niebuhr e Tillich, é uma preocupação humana universal.Antes de sermos religiosos ou irreligiosos... já estamos engajados em ques-tões de fé... estamos preocupados com as formas pelas quais ordenamos anossa vida e com o que torna a vida digna de ser vivida. Além disso, procu-ramos algo para amar, e que nos ame; algo para valorizar, e que nos dê valor;algo para honrar e respeitar, e que tenha o poder de sustentar o nosso ser.15

Nas duas reflexões fica nítido o ponto de convergência entre os autores: a fé é sem-

pre relacional e serve de fundamento, “uma rocha sólida sobre a qual podemos edificar nos-

12 GIGUÈRE, Paul-André. Uma fé de adulto. São Paulo: Edições Paulinas, 1999. p. 25.13 Ibidem, p. 25.14 FOWLER, James W. Estágios da fé.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1992.p. 15.15 Ibidem, p. 16.

Page 23: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

23

sa vida e nosso universo de sentidos”. 16 Assim, a fé parece exigir certa estabilidade no cen-

tro da vida humana, ao mesmo tempo em que mantém certas características externas ao in-

divíduo, além de apresentar-se como uma realidade dinâmica, que sofre mudanças na forma

de ser compreendida e expressada durante o processo de desenvolvimento do ser humano.

O psicólogo, pastor e professor Josias Pereira sintetiza tal pensamento sob a seguinte

ótica:

Podemos entender que a fé não é resultado do meio, nem coisa meramenteaprendida. O entendimento de que a fé não é algo próprio do indivíduo, masque foi simplesmente aprendida, não pode ser aceito como verdadeiro, poistal compreensão relaciona-se muito mais com a forma do que com a essênciade tal conceito.17

Juntamente com o Dr. Josias podemos concluir que “a fé é inseparável do ser huma-

no, pois se constitui em atributo essencial da existência”.18

1.5.1 – Os estágios da fé de James Fowler

A mudança na fé do adulto acompanha a tomada de consciência do plano de fundo

histórico do texto bíblico, com seus contextos particulares, refletindo sobre a cultura que lê

estes textos e vive esta fé. Também a própria experiência de vida contribui para o abandono

de uma fé infantil e para o direcionamento da busca de uma nova visão sobre a realidade e a

fé. Contudo, a fé da criança não alcança este nível de mudança uma vez que sua estrutura de

pensamento entre 2 a 10 anos não é capaz de elaborar racionalmente e criticamente a mes-

ma, e as experiências infantis com o meio são mais concretas do que abstratas.

Para tornar a tarefa de entender a fé da criança mais compreensível recorreremos ao

trabalho de James Fowler, que adotou uma metodologia semelhante à de Erikson e Piaget,

dividindo a fé em estágios sucessivos que possuem uma certa relação com a idade cronoló-

gica. O próprio Fowler faz a relação do seu trabalho com as teorias de Piaget, e a defesa

desta metodologia, revelando que

Os estágios da fé têm a ver com os domínios de conhecimentos diferentesdos estágios cognitivos de Piaget... Os estágios da fé surgem da integraçãode modos de conhecer e avaliar o que as teorias de estágio de Piaget evitampropositalmente. Os estágios da fé não são idênticos aos estágios cognitivose não podem ser reduzidos a eles. Porém achamos importante mostrar as cor-

16 GIGUÈRE, Paul-André. Uma fé de adulto. São Paulo: Edições Paulinas, 1999. p. 26.17 PEREIRA, Josias. A fé como fenômeno psicológico. São Paulo: Escrituras Editora, 2003. p. 44.18 Ibidem, p. 23.

Page 24: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

24

relações que encontramos entre os estágios de Piaget e as formas de conhe-cer e avaliar que compõe um estágio da fé. Além disso, cremos que os está-gios da fé correspondem aos critérios estrutural-desenvolvimentais para es-tágios. Eles proporcionam descrições formais, generalizáveis de conjuntosintegrados de operações de conhecer e valorar. Essas posições semelhantes aestágios estão relacionados em uma seqüência que cremos ser invariável.Cada novo estágio integra e leva adiante as operações de todos os estágiosanteriores.19

Cabe, porém, ressaltar que a crítica levantada a esta metodologia, anteriormente apre-

sentada, também se aplica ao trabalho de Fowler. Além do cuidado de não usar a metodolo-

gia como algo prescritivo, é necessário atentar que em termos da fé e da espiritualidade do

ser humano deve existir a noção de que os estágios propostos não trazem consigo o valor

“qualitativo”, isto é, a pertença a um estágio primário da fé não desqualifica alguém em

relação a outrem que se encontre em um estágio respectivamente posterior. Assim, os está-

gios da fé não definem o grau de perfeição, santidade, nem maturidade de uma pessoa, ape-

nas revelam as características de uma forma de compreender e expressar a fé.

Ao abordarmos a teoria de Fowler, incidiremos maior atenção aos estágios que se re-

lacionam à fé da criança. Os estágios da fé foram classificados da seguinte forma20:

a) Estágio 1: Fé intuitivo-projetiva

A criança intuitivo-projetiva, cuja idade vai dos 2 aos 6 ou 7 anos, usa novas ferra-

mentas de fala e representação simbólica para organizar a sua experiência sensória trans-

formando-a em unidades de sentido. Com palavras e nomes, a criança explora e classifica

um mundo de novidades, defrontando-se diariamente com novos elementos para os quais

não tem categorias ou estruturas desenvolvidas previamente. Nesta era, as infindáveis per-

guntas sobre “que” ou “por que” feitas por crianças de 2 e 3 anos podem, em certos dias,

acabar com a paciência de seus responsivos pais. A observação atenta da interação pais-

criança nos ajuda a compreender que muitas vezes a lógica que formula as perguntas fun-

ciona de forma bem diferente da lógica que produz as respostas. Dessa forma, as questões

freqüentemente não são respondidas de modo satisfatório. O pensamento da criança ainda

não é reversível. As relações causa-efeito ainda são mal compreendidas. A compreensão

infantil de como as coisas operam e do que elas significam é dominada por percepções rela-

tivamente inexperimentadas e pelos sentimentos suscitados por essas percepções.

19 FOWLER, James W. Estágios da fé.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1992.p. 89.20 Ibidem, p. 108.

Page 25: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

25

As crianças desta fase apresentam o egocentrismo cognitivo e são incapazes de coor-

denar e comparar duas perspectivas diferentes a respeito do mesmo objeto, elas simples-

mente supõem, sem questionamento , que as experiências e percepções que têm dos fenôme-

nos representam a única perspectiva disponível. O pensamento da criança é fluído e mágico.

Falta-lhe a lógica indutiva e dedutiva.

Fowler acrescenta

Crianças pré-escolares, tipicamente ainda não geram narrativas que possamordenar e fornecer uma espécie de conexão causal ao seu conjunto de ima-gens. Elas gostam de estórias longas e seguem os seus detalhes, mas possu-em capacidade limitada para reconta-las...somente símbolos e imagens con-cretas dirigem-se realmente às formas de conhecer da criança.21

De acordo com a estruturação do estágio podemos concluir que a fantasia tem grande

liberdade no pensamento infantil, produzindo imagens que a acompanharão até que sejam

trabalhadas mais tarde no amadurecimento do intelecto.

Devida à dificuldade da criança, neste estágio, em separar o real do imaginário ou

fantástico pode ocorrer a supervalorização de aspectos negativos em determinadas estórias

que fomentarão uma imagem errônea ou distorcida da realidade e até mesmo de sua percep-

ção de Deus. Aliás, a própria percepção de Deus passa por uma representação antropomór-

fica oriunda das expressões de fé das pessoas mais queridas e próximas da criança neste

estágio.

Porém, com a crescente maturação do intelecto e de sua percepção de mundo a cri-

ança vai avançando também no desenvolvimento de sua fé. Um dos fatores que contribuem

para este processo e para a transição entre os estágios é o surgimento do pensamento opera-

cional concreto, onde “no cerne da transição está a crescente preocupação da criança em

saber como as coisas são e em esclarecer para ela mesma as bases de distinção entre o que é

real e o que apenas aparenta ser”. 22

b) Estágio 2: Fé Mítico-literal

A criança mítico-literal encontra-se no período pré-escolar até 10 anos, aproximada-

mente. Nesta fase inicia-se a construção mais ordenada da visão de mundo e da noção de

tempo, proporcionando mais confiança para a criança. Desta forma, ela procura cada vez

mais a distinção entre a realidade e o mundo imaginário do estágio anterior. Isto não signifi-

ca que a imaginação perca a sua força, apenas há um re-direcionamento da mesma ao campo

21 FOWLER, James W. Estágios da fé.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1992.p. 113.22 Ibidem, p. 117.

Page 26: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

26

da brincadeira, de onde mais tarde seus produtos serão avaliados pelas formas mais lógicas

de avaliação antes de integrarem o conjunto do conhecimento da criança.

O egocentrismo típico do estágio anterior, e natural do desenvolvimento da criança,

passa a perder espaço para a capacidade de relacionar a sua ótica com a de outras pessoas e

crianças. Esta ligação se dá por intermédio de estórias que formam um certo sentido de uni-

dade entre as diferentes experiências do grupo ao qual a criança pertence. Desenvolve -se a

capacidade de narração e o interesse por estórias que tragam sentido ou lembrem o convívio

familiar ou da comunidade à qual a criança está inserida. Este interesse por estórias acom-

panhará o indivíduo por toda a sua vida.

No campo da fé, existe a tendência de reforçar o antropomorfismo vinculado a ima-

gem de Deus, ou seja, Ele será visto cada vez mais como alguém que se parece muito com a

criança, seus pais ou pessoas próximas com as quais se relaciona. Com base nesta observa-

ção alguns autores, como Klein, Streck e Wachs, concluem que

As primeiras imagens refletem um Deus com características bem humanas.Deus dorme, come, xinga, brinca, etc. A sua bondade e justiça são percebi-das através da bondade e justiça do pai, da mãe e de outras pessoas que estãocom a criança.23

E,

A presença de Deus também é sentida nos fenômenos naturais, como o tro-vão e o vento. È comum as crianças pensarem, por exemplo, que o relâmpa-go é uma manifestação de que Deus está zangado. Devemos lembrar que pa-ra crianças antes da idade escolar tudo tem vida. As nuvens choram, o sol selevanta e dorme, a lua fica triste ou contente...24

Em síntese, nos dois primeiros estágios da fé propostos por Fowler, a criança não vive

sua fé de forma pessoal, mas recebe influências da família e do meio que a rodeia. Mesmo

que a criança não viva em um ambiente familiar religioso ela terá contato com a religiosida-

de em seu contexto social e desenvolverá mecanismos de relacionamento com a realidade

obtida. Ela toma para si, sem questionamentos racionais todas as crenças e valores que lhe

são propostos, principalmente pelas pessoas que lhe são chegadas e estimadas.

As estórias que ouve, sejam bíblicas ou não, são levadas ao pé da letra como reais até

que seu amadurecimento intelectual se desenvolva e comece a apresentar novos parâmetros

23 KLEIN, Remi; STRECK, Danilo & WACHS, Manfredo. Deus mora no céu: a criança e sua fé. 4ª edição. SãoLeopoldo – RS: Editora Sinodal, 1996. p. 11.

24 Ibidem, p. 13.

Page 27: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

27

de pensamento. As narrativas bíblicas são assimiladas sem a real compreensão da realidade

factual e até mesmo do simbolismo existente nos textos apresentados.

1.6 - A naturalidade da fé para a criança

Após examinarmos a criança sob o olhar da psicologia, seu desenvolvimento cogniti-

vo e sua maneira de expressar a fé, passaremos a explorar a profundidade das relações do

binômio criança-fé.

A princípio, parece ser difícil enxergar um relacionamento claro entre a fé, como ele-

mento abstrato, e a criança, como um ser concreto em desenvolvimento. Porém, não só exis-

tem tais relações, como também estas se expressam de forma muito natural na vida dos pe-

queninos. Como vimos anteriormente , a fé é inseparável do ser humano e um atributo da

própria existência. Desta forma a criança participa de todas as esferas da vida humana em

todas as suas ramificações e não seria indiferente no campo da fé. Portanto, uma vez que as

crianças possuem a capacidade de ouvirem falar de Deus elas também refletem a mesma

capacidade de poderem falar de Deus da forma como elas O vêem.

Betty Cloyd, em seu estudo da oração infantil, com base em estudiosos do potencial

religioso da criança afirma

... reconhecemos que as crianças experimentam o contato com Deus. Se nãofosse assim, não haveria a possibilidade de a criança ter uma comunicação eum relacionamento permanentes e abertos com Deus. Ela pode é não ser ca-paz de articular bem esta experiência, ou poderia, por medo do ridículo, re-cusar-se a falar sobre isto. Em alguns casos as crianças não se referem às su-as experiências sem serem motivadas. No entanto, a conclusão é a de que elaé capaz de ter – e na verdade tem – experiências reais com Deus. Estas expe-riências são espontâneas, e não acontecem por indução de um adulto. Elassão experiências autênticas com Deus, como muitos outros estudos defen-dem. Tais estudos mostram que a criança é capaz de ter experiências religio-sas tão típicas e válidas quanto aquelas vividas por adolescentes e adultos. Enão são imitações das experiências dos outros, mas genuínas e de profundasignificação para a criança. 25

Além disso, como vimos anteriormente , a fé implica em relacionamento, e, o relacio-

namento quando é estabelecido em relação a Deus implica em resposta de amor. Assim sen-

do, esta premissa vem ao encontro da maior necessidade da criança: um relacionamento de

amor.

25 CLOYD, Betty Shannon. Papai do céu…Ensinando às crianças o valor da oração. São Paulo: Eclésia, 2000.p. 27.

Page 28: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

28

Aprofundando-nos no pensamento de Sofia Cavalletti, podemos aclarar tal pressupos-

to

A experiência religiosa é fundamentalmente uma experiência de amor, e oamor é, para o ser humano essencial à vida. O homem não se satisfaz apenasvivendo, mas vivendo amado e amando. Portanto, nos perguntamos se a cri-ança não encontra no fato religioso a satisfação de uma exigência existenciala ponto de influir sobre a formação harmônica de sua personalidade e, se au-sente, a ponto de incidir negativamente. 26

Certamente, todo ser humano necessita amar e ser amado e sentir isto concretamente

em seus relacionamentos, quanto mais as crianças que possuem imenso potencial para amar

e igual carência deste sentimento. Ao olharmos para o relacionamento da criança com Deus,

sob esta ótica, pode-se quase notar uma co-naturalidade entre ela e Deus, que é amor.27 Esta

afirmação de Cavaletti não advém meramente de uma conclusão lógica, mas está embasada

na observação cautelosa do comportamento infantil e sua resposta em direção a Deus, du-

rante vários anos de pesquisas realizadas em diferentes partes do globo. A justificativa é

resultado de uma uniformidade constatada nas respostas das crianças que estabelecem uma

relação com Deus, por mais simples que esta seja.

Não é, portanto, na procura de uma compensação que a criança se volta paraDeus, mas numa profunda exigência de natureza. A criança tem necessidadede um amor global, infinito, tal que nenhum ser humano é capaz de lhe dar.O amor é para a criança mais necessário do que o alimento...No contato comDeus ela experimenta um indefectível amor e, ao mesmo tempo, encontra aalimentação que o seu ser requer e do qual tem necessidade, para desenvol-ver-se em harmonia. Deus – que é amor – e a criança, que pede o amor maisque o leite materno, se encontram, portanto, em uma correspondência especí-fica de natureza; e a criança, no encontro com Deus, tem prazer pela satisfa-ção de uma exigência profunda de sua pessoa, de uma autêntica exigência davida.28

Não é, portanto, uma simples satisfação de necessidades humanas, mas sim um mer-

gulho nas entranhas das preocupações universais e a penetração no campo de força da vida,

segundo a definição de fé de James Fowler, vista anteriormente.

Sendo a experiência religiosa vinculada a maior necessidade da criança podemos con-

siderar que a relação da criança com a fé é relevantemente estreita e tão natural quanto a sua

capacidade de amar.

26 CAVALLETTI, Sofia. O potencial religioso da criança. São Paulo: Edições Loyola, 1985. p. 15.27 Ibidem, p. 15.28 Ibidem, p. 38.

Page 29: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

29

O fato da naturalidade da fé infantil encontra apoio em vários autores que trabalham

com o desenvolvimento cognitivo e com o relacionamento da criança na comunidade de fé.

Para alguns “Deus dá à criança uma sensibilidade especial quanto a Sua presença e Sua obra

na criação”29 que permite a mesma entender a existência de Deus e a desejar um relaciona-

mento com Ele. É claro que este entendimento está diretamente vinculado ao estágio de de-

senvolvimento intelectual e respeitando todas as características do estágio atingido.

A naturalidade da fé da criança é apresentada por outros autores de tal maneira que a

mesma independe de um contato prévio com assuntos ou questões religiosas, ou seja, crian-

ças que não possuem em seus relacionamentos ninguém que as influencie em assuntos reli-

giosos também revelam consciência destes e interesse nesta área, além de uma abertura sem

precedentes para ouvir sobre as coisas de Deus. Assim, o interesse, consciência e abertura

espirituais ou religiosos “não surgem somente quando a criança vive num ambiente de fé,

que lhe oferece um mínimo de instrução religiosa; podem aparecer também em ambientes

completamente indiferentes” 30.

Portanto, esse interesse religioso e a abertura da criança para a fé são constatados

mesmo em famílias atéias em que os pais negam a existência de Deus e não mantém ne-

nhuma prática ou vivência religiosa em seu ambiente familiar. Independente do ateísmo

existente no seu núcleo principal de relacionamentos a criança apresenta uma necessidade

de aproximar-se de Deus e desenvolver com Ele um relacionamento de confiança e amor.

A resposta que as crianças dão à experiência religiosa é tal que parece en-volvê-las no íntimo, em uma satisfação total. A facilidade e a espontaneidadeda expressão religiosa e da oração da criança fazem pensar em algo que sur-ge do íntimo, quase como se fosse inerente à própria criança. 31

Assim, os assuntos da fé e as coisas concernentes a Deus não devem ser considera-

dos alheios ao universo infantil e fora da compreensão da criança, pois ela saberá reconhe-

cer e valorizar a dimensão religiosa tanto quanto, ou até de melhor maneira, do que os adul-

tos que compõe sua esfera de relacionamento. Além disso, elas possuem uma espontaneida-

de própria para revelar sua fé ou espiritualidade de maneira que esta seja sentida com pro-

fundidade na sua expressão.

29 DRESCHER, John M. Sete necessidades básicas da criança. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2000. p. 98.30 GALIMARD, Pierre. A criança de 6 a 11 anos. São Paulo: Paulinas, 1993. P. 56.31 CAVALLETTI, Sofia. O potencial religioso da criança. São Paulo: Edições Loyola, 1985. p. 35.

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30

CAPÍTULO 2

A CRIANÇA E AS RELAÇÕES SOCIAIS NA HISTÓRIA

2 Relações sociais conflituosas

No presente capítulo procuraremos fazer um levantamento da situação da criança em

determinados momentos da história, apresentando a visão que diferentes culturas possuíram,

em diferentes épocas e em diferentes sociedades. Esta prerrogativa visa levantar um conjun-

to de dados que nos orientem sobre a realidade da criança moderna e sobre algumas visões

“centenárias” que ainda hoje insistem em existir, mesmo de modo atenuado ou maquiado, e

influenciam o comportamento e as relações entre adultos e crianças, tanto na educação co-

mo no convívio da igreja.

2.1 Introdução

Um dos pontos levantados será como os processos educacionais desenvolveram suas

metodologias e quais as possíveis relações existentes entre estes com a cultura e a religiosi-

dade da época abordada.

Além da situação da criança propriamente dita, poderemos notar como a religião se

insere na vida dos infantes e como esta se utilizou da imagem que a infância possuía para

Page 31: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

31

criar mitos e lendas que aproximassem o cotidiano humano à divindade de determinado po-

vo.

Estes “saltos” históricos iniciarão pela civilização egípcia da antiguidade, na época de

Ramsés, passando pelo apogeu greco-romano e pela cultura judaica que sobreviveu ao con-

tato nem sempre amistoso com estas potências imperiais do passado. O último período que

será abordado é a Idade Média, onde a influência da religião cristã era forte e muitas vezes

determinante do comportamento social vigente.

2.2 - A criança no Egito Antigo

A história da criança no Egito Antigo, entre 1300 a.C. e 1100 a.C., goza de certa visi-

bilidade e inclusão. Os egípcios gostavam muito de suas crianças. Os filhos sempre acom-

panhavam seus pais ou responsáveis em suas tarefas diárias. As crianças possuíam livre

acesso a todos os lugares onde os adultos se encontravam, fossem estes as áreas de passeio

do faraó, a sala onde se desenrolava uma discussão de assuntos de Estado ou o labor em

uma oficina de um artesão onde os filhos destes procuravam ser úteis. Os meninos acompa-

nhavam os pais e as meninas aprendiam as tarefas diárias com as mães.

A demonstração de carinho e afeto era abundante da parte dos pais e da própria crian-

ça. Desde o nascimento ela encontrava aceitação na família e na sociedade egípcia. Havia

fatores econômicos e culturais que favoreciam este sentimento para com os pequeninos,

pois

os egípcios tinham o costume de criar todas as crianças que lhes nasciam.Cuidar delas era relativamente fácil, pois não custavam muito aos seus paisdevida a abundancia do país. Enquanto pequenas, andavam descalças e semroupas, os meninos ornados de um colar e as meninas de um pente e um cin-to 32

A produção de alimento era suficiente, existia uma boa localização geográfica com

recursos naturais que incluíam as nascentes do rio Nilo, além do prestígio político do Egito

Antigo propiciavam à criança e sua família certa estabilidade social que se sedimentava no

desempenho das profissões existentes. Os ofícios passavam de pai para filho. Assim, um

sacerdote era sempre filho de um outro sacerdote e o filho de um artesão também desempe-

32 MONTET, Pierre. O Egito no tempo de Ramsés: 1300 a.C. a 1100 a.C. São Paulo: Companhia das Letras,1989, p. 63.

Page 32: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

32

nharia o ofício do pai. O clima quente dispensava o uso e o gasto com vestuário que se limi-

tava a pequenos adereços para as crianças.

Os meninos ocupavam-se com jogos de grupo que nem sempre acabavam bem. Quem

trapaceava era punido sendo amarrado e fustigado com vara. Já as meninas eram obrigadas

a aprender a dançar, mesmo que não fossem fazê-lo de forma profissional.

Se todos os filhos eram bem recebidos, o desejo de ter um menino era universal. O

papel de um filho era perpetuar o nome do pai e sua tradição. Os egípcios não possuíam

nomes de família, porém era vital que a tradição e o ofício desempenhado permanecessem a

serviço do faraó e do Egito e contribuíssem para a estabilidade da sociedade antiga. A maior

parte dos templos compreendia escolas em seu recinto. Não apenas escolas para ler e escre-

ver, mas para formar desenhistas, escultores e gravadores que empregari am seus talentos

para glorificar o faraó e os deuses.

2.2.1 A figura da criança na religião do Egito Antigo

Como vimos a criança fazia parte do cotidiano egípcio, na antiguidade, conforme os

relatos históricos apresentados acima. Apesar desta consideração, são extremamente escas-

sos os recursos históricos que relacionam a criança à religiosidade egípcia, ficando a maio-

ria destes restritos aos cultos e rituais praticados pelos adultos. Porém, se considerarmos

como verdadeiro o conteúdo apresentado pelos estudiosos do Egito Antigo não seria dife-

rente a participação da criança no campo religioso da época.

Partindo desta dificuldade encontrada na pesquisa, adotaremos uma fonte histórica se-

cundária, nos passos de Philippe Airès ao analisar obras de arte para reconstruir a história da

família na Idade Média. Assim, partiremos da análise da literatura egípcia que circunda a

figura dos deuses, procurando encontrar nos relatos selecionados o cotidiano religioso e a

participação da criança neste universo específico.

Adotando esta metodologia podemos notar a presença da criança nas reuniões do povo

onde a história dos deuses era contada para os adultos. Como alguém que goza do mereci-

mento e da participação na cultura religiosa do povo, sua figura pode ser notada na introdu-

ção do conto egípcio sobre o Príncipe predestinado:

O velho sorriu para a criança que estava diante dele, franziu os olhos e olhouà sua volta. Homens e mulheres esperavam, instalados em almofadas, tambo-retes e esteiras. O velho pigarreou e todos fizeram silêncio. Depois, sorrindo

Page 33: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

33

de novo para a criança, o velho, que falava havia mais de cem anos, faloumais uma vez...33

E o ancião passa a narrar a história do referido príncipe. Por meio da introdução deste

conto podemos notar uma antiga forma de transmissão da cultura e das tradições de um po-

vo: a tradição oral que precedeu a escrita. Um ancião com mais de cem anos é o responsável

por esta função e se alegra com a presença e com a atenção que a criança lhe destina, mere-

cendo ser mencionada sua figura no momento em que o povo aprende sobre suas divinda-

des.

Embora os cultos fossem oferecidos, geralmente, por homens e mulheres, foi a ima-

gem da criança que marcou fortemente as histórias que eram contadas sobre os deuses. Em

muitas delas os deuses, além de assumirem características antropomórficas e bizarras, têm

sua gênese marcada pelo mesmo processo que traz as crianças à vida, como podemos cons-

tatar no nascimento de Osíris e seus irmãos:

Nut deu à luz cinco vezes seguidas. Osíris veio ao mundo na primeira manhãdos cinco dias adicionais... No segundo dia nasceu Haroéris, criança divinacom cabeça de Falcão... No terceiro dia, Nut deu um grito de dor. Era Setque estava nascendo... Mas, Ísis veio ao mundo tranqüilamente. Finalmente,ao amanhecer do último dia adicional, Néftis veio se juntar aos três irmãos eà irmã 34

Os deuses, apesar de sua natureza divina, passam por todos os processos de desenvol-

vimento que os seres humanos, incluindo a infância. Geralmente nesta fase a natureza divi-

na ganha força e os acontecimentos deste período se refletirão nas atitudes da maturidade do

deus que protagoniza a história.

No conto mitológico sobre Rá, o primeiro rei do Egito , fica notória a inclusão e a im-

portância da criança no universo religioso egípcio:

As crianças ainda estão dormindo, homens e mulheres também. A terra doEgito está imóvel e silenciosa. Mas no Palácio do Príncipe , os criados já seagitam, conversando em voz baixa...As crianças começaram a acordar, oshomens e mulheres também. Aos poucos a terra do Egito se ilumina e se a-nima. Rá sai do Palácio do Príncipe, escoltado pelos deuses e deusas queformam sua corte...Rá compartilha as preocupações de seu povo, distribuiterras, tenta aliviar o sofrimento. Se uma criança aparece chorando de medoda terrível víbora de cauda preta, Rá lhe ensina a fórmula para espantar o a-

33 FÉRON, José. As mais belas lendas da mitologia: Contos e lendas do Egito Antigo. São Paulo: Martins Fon-tes, 2000. p. 61.

34 Ibidem, p. 25.

Page 34: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

34

nimal... Agora as crianças voltaram a dormir, os homens e as mulheres tam-bém. A terra do Egito mergulhou na escuridão...35

A criança é o primeiro personagem que surge no conto e introduz cada uma das fases

que o deus Rá, materializado na figura do sol, protagoniza cumprindo seu trajeto no céu, no

decurso de um dia. A narrativa revela o cuidado que o deus egípcio tem com as necessida-

des do seu povo, providenciando a terra para o cultivo e para a sobrevivência e o alívio do

sofrimento que os egípcios carregam consigo. Neste cuidado, novamente a criança parece

ter a primazia tendo seu pranto escutado e seus temores acalmados quando Rá se chega até

ela e lhe ensina como afastar o ser que a assombra. A história parece sugerir uma aborda-

gem do medo infantil da escuridão e de como esse medo é vencido quando o sol ressurge,

afugentando as trevas da noite.

O conto prossegue fazendo alusão a um eclipse como sendo uma luta entre Rá e a ter-

rível serpente:

A tripulação do barco de Rá luta valentemente, mas o céu escurece e o sol seapaga. Então, homens, mulheres e crianças de todo Egito gritam, se agitam,batem no peito, tocam seus instrumentos de música, batem nos utensílios demetal para assustar a serpente com o barulho. Finalmente, o pássaro-sol rea-parece com todo o seu brilho. É o fim do eclipse.36

O deus egípcio alcança a vitória graças ao auxílio do seu povo que faz grande alvo-

roço para afugentar o monstro negro que ofusca o pássaro-sol. O ritual egípcio praticado

durante o fenômeno do eclipse solar, sugerido no conto, é extensivo a todo o povo egípcio e

as crianças participam com o mesmo afinco, como se também lutassem valentemente contra

o ser maligno que desafia o poder do deus-sol.

Não é de se estranhar que a figura da criança, presente nas histórias dos deuses do

Egito Antigo, culmina-se na elaboração da história sobre uma criança sagrada que assegura-

ria a grandeza do Império e tornaria célebre a memória do Egito:

Apesar de apreciar seu ofício, Satni não se sentia totalmente feliz. Mahi, suaesposa que ele tanto amava, não lhe dera nenhum filho... Certo dia, Mahi foiao templo de Ptah, pedir ao deus que lhe desse um filho. Enquanto fazia suaspreces, ela adormeceu. No mesmo instante Satni ouviu uma voz sem bocanem rosto: “Dentro de alguns meses terás um filho. Tu o chamarás Senosíris.O Egito levará na lembrança os milagres que ele fará”. O menino nasceu, emuito cedo manifestou dons excepcionais. Aos quatro anos já era uma crian-

35 FÉRON, José. As mais belas lendas da mitologia: Contos e lendas do Egito Antigo. São Paulo: Martins Fon-tes, 2000. p. 14.

36 Ibidem, p. 14.

Page 35: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

35

ça grande e forte e se expressava com uma desenvoltura admirável. Tinhaum raciocínio correto e era capaz de manter uma conversa com os adultosmais instruídos...37

2.2.2 - A criança egípcia e a educação religiosa

Após vermos a figura da criança presente nos contos sobre os deuses egípcios, passa-

remos a pontuar mais concretamente a inserção da criança no mundo religioso deste Impé-

rio.

A astrologia era muito forte no Egito Antigo. Como os egípcios eram ansiosos por co-

nhecer o futuro, recorriam a divindades para saber qual seria a sorte dos recém-nascidos.

Até mesmo a forma de sua morte seria revelada e esta revelação não poderia ser evitada na

idade adulta. Qualquer pai de família tinha condições de estabelecer o horóscopo do filho. O

dia do nascimento era decisivo no conhecimento da forma de morte e do tempo de vida que

teria a criança.

As pessoas que conheciam sua religião sabiam que Osíris, transportado paraa margem de Biblos, fora absorvido por um pinheiro miraculoso. Um gritode criança que evoca o gemido dos pinheiros, familiar àqueles que haviamviajado pela Síria, não podia ser um bom presságio.38

Com medo da má sorte para o recém-nascido, do qual o choro se aproximasse ao som

dos pinheiros da Síria, imediatamente os pais apressavam-se em dar um nome à criança, já

que os egípcios não possuíam nomes de família para serem herdados, como mencionamos

anteriormente.

Devido ao fato de que os ofícios passavam de pai para filho, um sacerdote era filho

de um outro sacerdote e seus estudos iniciavam muito cedo, por volta dos 5 anos de idade

com a finalidade de entrar mais tarde no clero egípcio. Os escolares que se destinavam à

função religiosa aprendiam como todas as crianças a gramática e a escrita, mas tinham mui-

tas outras coisas a aprender. Tinham que conhecer as imagens de seus deuses, seus títulos,

epítetos, atributos, sua lenda, tudo que dizia respeito à liturgia, o que não era pouco. Subme-

tiam-se a um exame no fim de seus estudos.

37 FÉRON, José. As mais belas lendas da mitologia: Contos e lendas do Egito Antigo. São Paulo: Martins Fon-tes, 2000. p. 88.

38 MONTET, Pierre. O Egito no tempo de Ramsés: 1300 a.C. a 1100 a.C. São Paulo: Companhia das Letras,1989, p. 64.

Page 36: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

36

2.3 - A criança na Roma Antiga

A história da criança no mundo romano da antiguidade diverge profundamente da in-

fância no Egito antigo. Entre os antigos romanos os pais tinham o direito de decidir se a

criança deveria viver ou não. Isto acontecia logo após o nascimento, onde a criança era co-

locada no chão pela parteira a espera que o pai a reconhecesse erguendo-a nos braços e de-

cidindo pela vida do bebê. Caso o pai não a reconhecesse esta seria exposta diante da casa

ou de um monturo público, para ser recolhida por alguém ou definhar ao relento.39

As pessoas pobres também praticavam o abandono dos filhos, porém suas razões di-

vergiam das da elite romana. Geralmente o abandono praticado pelos pobres derivava da

falta de condições para criarem os filhos ou simplesmente pela falta de ter o que dar a eles o

que comer. As crianças muitas vezes eram recolhidas quando abandonadas, porém nem

sempre gozavam de boa sorte neste ato. Muitas eram vendidas em mercados de escravos,

com a finalidade de serem mascotes dos adultos, ou simplesmente para diverti-los. Aqueles

que não morriam se tornavam gladiadores, se meninos, ou prostitutas, se meninas, além de

correrem o risco de sofrerem mutilações por parte de mendigos “profissionais” que os utili-

zavam para arrecadar esmolas. 40

Existiam dois costumes para se dar nome às crianças e isso era feito quando elas

possuíam poucos dias de vida. Um típico da elite romana, era dar três nomes ao menino,

servindo o primeiro de marco, o segundo representando o clã e o terceiro era o nome da

família. Além disso, cada um recebia um amuleto chamado bulla, sendo registrada esta ce-

rimônia nos livros de registro. O outro costume, pertencente às classes menos favorecidas,

era o de numerar os filhos e filhas a partir do terceiro ou quinto nascimento em uma famí-

lia.41

Apesar do pouco apreço que a criança apresentava no mundo romano, é interessante

apontar o fato de que existia na legislação romana um estatuto específico para ela. As fases

da vida variam de sociedade a sociedade, de época a época, e em Roma não era diferente:

O direito romano distinguia três categorias de crianças e jovens, de acordocom a idade, as crianças, os impúberes e os menores de vinte e cinco anos.A criança é aquela que não fala, o que nós chamaríamos de bebê. O impúbe-

39 ARIÉS, Philippe & DUBY, Georges. História da vida privada: Do Império Romano ao ano mil. São Paulo:Companhia das Letras, 1991. p. 24.

40 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 11.41 Ibidem, p. 10.

Page 37: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

37

re, antes da puberdade ou do nascimento dos pêlos. A partir daí até os vinte ecinco anos era quase um adulto.42

Como se nota no direito romano, se nem mesmo os jovens até 25 anos possuíam al-

gum destaque mediante a lei, pois não eram considerados adultos de forma integral, o que

ficava reservado em termos de legislação para as duas classes anteriores, sendo que uma

delas, a criança propriamente dita, estava sob a decisão de vida ou morte após o nascimento,

como vimos acima.

2.3.1 - A educação no mundo romano

Não poderíamos abordar o tema da criança na área de educação cristã sem nos ater-

mos ao processo educacional aplicado no berçário do ensino ocidental.

No mundo romano as crianças eram consideradas matéria-prima a ser moldada para

um determinado fim proveitoso ao Estado. A educação ocorria na família onde as crianças

eram educadas para satisfazer as obrigações da sociedade no que se refere ao culto aos deu-

ses, ao Estado e à família.

Só as crianças ricas iam à escola. Os professores eram geralmente de origem grega e,

não raro, impingiam aos alunos algumas formas de castigo pouco condizentes com os dias

atuais. Assim, “bater fazia parte da educação antiga”. 43 Também é levantado o fato de que

alguns mestres das escolas primárias eram muitas vezes uns miseráveis mal pagos e de mo-

ralidade duvidosa, porém até entre os professores gregos da elite esse costume era comum.

Rapazes e meninas freqüentavam escolas diferentes, onde aprendiam a ler e escrever e

a aritmética, porém de forma rudimentar. A aula começava cedo e acabava no meio da tar-

de. Além disso, as crianças podiam freqüentar banhos públicos e praticar determinados jo-

gos.

42 FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma: vida pública e vida privada, cultura, pensamento e mitologia, amor esexualidade. São Paulo: Contexto, 2004. P. 101.

43 COMBY, Jean. Vida e religioes no Imperio Romano: no tempo das primeiras comunidades cristãs. Sao Pau-lo: Ed. Paulinas, 1988, p. 76.

Page 38: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

38

2.3.2 - A imagem da criança e seu uso na religião romana

A antiguidade e os vários séculos que se seguiram não se interessaram pela criança

como tal. A infância era apenas uma etapa que conduzia à idade adulta. A criança era, em

primeiro lugar, um ser a educar para que se libertasse o mais cedo possível da condição in-

fantil e entrasse na vida adulta.

O maior destaque da infância no mundo romano foi no campo religioso. Pensava-se na

antiguidade que as crianças estivessem mais perto dos deuses por causa de sua inocência,

especialmente na área da sexualidade, como veremos adiante ao abordarmos as relações da

infância no mundo grego. Por isso as crianças passaram a desempenhar um papel particular

em algumas cerimônias religiosas praticadas, em companhia das virgens.

2.4 - A criança na Grécia antiga

É difícil falar do mundo grego separando as relações existentes entre essa cultura e o

mundo romano. Muitas das afirmações relatadas no tópico anterior fazem parte também do

modo de pensar dos gregos. Essas duas culturas influenciaram -se mutuamente, especialmen-

te nas artes e na religião. Portanto, em determinados momentos nos referiremos a uma cul-

tura própria dos gregos e em outros a uma cultura greco-romana, acrescentando informações

sobre a criança que não foram ainda expostas até aqui.

Os relatos da criança no mundo grego, em geral, também se remetem ao baixíssimo

apreço que elas possuíam nesta sociedade. As crianças não possuíam valor algum e não ha-

via preocupação com a sua formação.44 Por muito tempo, crianças eram representadas na

arte greco-romana como adultos em miniatura, pois a infância era caracterizada como uma

fase frágil, insignificante, algo assim como um prólogo para a idade adulta.

Muito contava na civilização grega, o meio, a classificação social em que ocorria o

nascimento de uma pessoa. A existência da criança, por si só, tinha pouca validade fora de

um grupo no qual era integrada por filiação e assim permaneceria pelo resto da vida. Tam-

bém existia a tendência de limitar o número de filhos para que houvesse menos bocas para

alimentar e menos partilha nos bens de uma família. Um fator considerável na abordagem

do tema da infância é a legalização do aborto na cultura helênica, que somada ao costume

de enjeitar recém-nascidos, disponibilizava ao chefe da família livrar-se da prole incômoda

44 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 11.

Page 39: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

39

sem sofrer nenhuma sanção na sociedade. As crianças eram “descartáveis” no sentido literal

da palavra.

Para os espartanos a decisão de aceitar ou não um filho não cabia ao pai, mas sim

aos anciãos das tribos que a examinavam oficialmente e decidiam se ela seria ou não útil ao

Estado. Como já não bastasse a desvalorização geral da criança ainda existia a agravante do

gênero e das condições físicas, onde as meninas e aquelas portadoras de deficiência ou do-

enças possuíam primazia na cultura comum de rejeição: “os bebês indesejados que nasciam,

especialmente as meninas, eram colocados em vasos de argila para morrerem nos campos

ou nas ruas”.45

2.4.1 - A educação no mundo grego

Os gregos também seguiam a filosofia educacional que considerava a criança como

matéria-prima que necessitava ser moldada com a finalidade de servir ao Estado e a socie-

dade, como os romanos, porém a meta de alguns se concentrava na guerra onde eram trei-

nados desde de cedo obedecer a ordens e morrer em combate com heroísmo. Esta filosofia

culminou no brutal sistema educacional da antiga Esparta, onde nos primeiros sete anos a

criança era ensinada a vencer seus medos básicos, sem reclamar das condições impostas.

Aos 7 anos o Estado assumia a educação dos meninos e meninas e os fortalecia com jogos

de guerra. O único objetivo aceitável era a vitória em combate, sofrendo flagelação em caso

de fracasso.

Já em Atenas o foco não era a guerra, mas sim a cultura, onde os meninos, filhos de

homens livres, aprendiam um oficio aos pés de um mestre sendo educados no caráter e no

senso de discernimento. As meninas atenienses não freqüentavam a escola como as meninas

de Esparta, por isso possuíam pouco estudo.46

As crianças se encontravam num estado bruto de que tinham que ser lapidados seres

humanos ideais, seja um soldado calejado, um cidadão responsável, um sábio isento de to-

das as paixões ou um erudito, que dispunha de respostas prontas para qualquer pergunta.

Valorizavam-se as crianças apenas como produtos em potencial da arte da educação.

45 CROSHER, Judith. Povos do passado: Os gregos. São Paulo: Melhoramentos, 1974. p. 20.46 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 36.

Page 40: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

40

Porém, havia uma particularidade que cabe ressaltar na educação grega dos meninos: a

existência de relações íntimas entre os professores adultos com seus alunos, na maioria,

crianças antes da puberdade:

Desde os tempos antigos... já existia entre os gregos o conceito de “amor no-bre”, aquele entre homens. Isso mesmo, “nobre”, porque baseado nas afini-dades de idéias, nas relações de aprendizado, a chamada pederastia. Essenome indica que se tratava de uma relação “pedagógica”, ou seja, de educa-ção, de uma relação de professor com o aluno. Em grego, menino é paidos,palavra da qual se derivam pederastia e pedagogia. Havia, pois, relações se-xuais e amorosas entre adultos e meninos imberbes, sem que no entantohouvesse a culpa (originária do cristianismo) ou a homossexualidade, nosentido de relação exclusiva entre homens. Esses homens, em primeiro lugar,eram considerados homens, não eram classificados como outra categoria,como hoje seriam os gays. Em segundo lugar, esse tipo de comportamentoera generalizado entre a elite grega e não era exceção, era regra.47

Os gregos não sentiam culpa neste tipo de “comportamento”, pois para eles o sexo não

consistia em algo que se analisasse pela ciência, mas como algo que estava ligado à nature-

za das coisas e, portanto, às forças divinas. Não é à toa que acreditassem em diversos deuses

ligados à sexualidade e ao amor: Afrodite, a Vênus dos romanos, era sem dúvida, conside-

rada a deusa mais importante. Por isso mesmo, a palavra usada para designar as relações

amorosos era aphrodisia , “o que está sob o domínio de Afrodite”.

Contudo, nem todos se comportavam sexualmente do mesmo modo. A imensa maioria

dos camponeses não participava da cultura sexual da elite, embora, entre eles, não havia

qualquer reprovação moral às eventuais relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, já

que como disse, o desejo sexual era tido como algo divino.

2.4.2 - A imagem da criança e seu uso pelos gregos

Porém, surge um paradoxo no mundo greco-romano em torno da criança, pois ao

mesmo tempo em que não eram consideradas como participantes da sociedade houve tam-

bém uma redescoberta da mesma no campo das artes, especialmente a escultura.

Contudo foi no plano religioso que a criança obteve maior destaque por ser con-

siderada uma importante fonte de mediação entre os deuses devida a sua inocência e pureza

sexuais. Acreditava-se que por sua natureza sexual inocente os deuses as amassem mais e

concederiam os pedidos que se fizessem quando as usavam em seus ritos e práticas religio-

47 FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma: vida pública e vida privada, cultura, pensamento e mitologia, amor esexualidade. São Paulo: Contexto, 2004. p. 55.

Page 41: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

41

sas. Até mesmo eram comercializadas em mercados de escravos como mascotes para adul-

tos com destino de divertimento nas festas que proporcionavam. Uma procissão infantil era

considerada particularmente eficaz quando se tratava de apresentar pedidos especiais aos

deuses. Crianças também atuavam como médiuns em práticas mágicas. 48 A importância

religiosa das crianças levou a criação de histórias sobre uma criança divina e alguns deuses

eram retratados por poetas e artistas em forma de criança, como Dionísio e Eros.

Em relatos nos livros históricos, podemos constatar sacrifício de crianças pelo

próprio Estado:

O rei Menelau de Esparta, ofereceu aos deuses, para colaboração a favor deeventos para sua navegação, duas crianças egípcias, capturadas em uma desuas conquistas. Era costume oferecer sacrifícios humanos antes de empre-enderem uma expedição ou uma guerra. No templo da deusa Diana eram sa-crificados a cada ano crianças e adultos.49

As crianças que eram oferecidas em sacrifícios religiosos eram escravas, prisioneiras

de guerra ou faziam parte dos enjeitados.

2.5 - A criança no mundo judaico

As crianças são consideradas um presente valioso concedido por Deus. Longe de se-

rem descartáveis como no mundo greco-romano, elas são consideradas uma bênção. Gerar e

dar a luz a filhos é um dos mandamentos de Deus e implica em uma bênção especial de sua

parte. A fertilidade se constitui em uma parte essencial da promessa de Deus ao povo de

Israel.

Como membros escolhidos da aliança, os judeus se sentiam na obrigação de assegurar

sua presença sobre a terra. Sobre eles pairava a promessa de uma terra, e por isso era neces-

sário salvaguardar sua futura descendência para que a mesma fosse cultivada. Por este mo-

tivo os filhos podem ser tomados na tradição judaica como um “símbolo de status”50 social,

especialmente os do sexo masculino. Assim, todos os casais desejavam ter filhos e caso a

esposa não tivesse possibilidade de tê-los a lei judaica assegurava -lhe o direito de tomar

uma de suas escravas e a “disponibilizava” para o marido com a função de gerar descendên-

48 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 12.49 SCOTT, B. As catacumbas de Roma. Porto: Tipografia progresso, 1923, pp. 11-12.50 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes biblicos. Venda Nova: Betânia, 1991, p. 34.

Page 42: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

42

cia à família. Esta atitude contribuía também para que o patrimônio de uma família continu-

asse com ela ao invés de ser distribuída pela falta de herdeiros legítimos.

Fora deste contexto da promessa e do mandamento da Torá, as crianças perdiam esta

importância especial. Os israelitas não criaram ideais em torno da criança, nem prestavam

muita atenção à sua individualidade, pois eram parte do povo e só assumiriam a devida fun-

ção no futuro.

A criança, independente da nacionalidade do pai, seria judia se a mãe fosse judia.

Com 8 dias de vida os meninos eram circuncidados para evidenciar a participação do bebê

na aliança com Deus, sendo proclamado o nome do menino neste ritual.

Nos primeiros anos de vida a criança ficava sob a tutela da mãe e já um pouco maior

acompanhava o pai, se fosse menino, aprendendo com este um ofício. Já a menina era ins-

truída nas tarefas do lar desde cedo pela mãe.

2.5.1 - Educação e Religião no mundo judaico

É impossível tentar separar a educação da religião no mundo judaico, como fizemos

com as culturas egípcia e greco-romana. Especialmente nesta última, o viés da educação

trilhou os caminhos do antropocentri smo, enquanto para os judeus a educação para a vida

estava baseada no teocentrismo, onde as crianças eram disciplinadas e ensinadas a serem

tementes a Deus. Desta forma, Deus era ao mesmo tempo o maior mestre e o principal obje-

to de estudo. Contudo, mesmo sendo exclusivamente religiosa, a educação judaica abarcava

toda a vida, iniciando com a criança, mas desenrolando-se como um processo contínuo na

vida adulta:

As crianças aprendiam a disciplina da Torá e o temer a Deus simplesmentepor um tipo de osmose, por força do hábito. Conheciam a Deus ajudando aseus pais na lide do campo e no trato do gado, pois o trabalho tinha relaçãoíntima com a Torá, sendo as três principais festas ligadas à agricultura – Pás-coa e início da colheita; Pentecostes na colheita do trigo; Tabernáculos como fim da colheita.51

A religiosidade dos judeus era, e ainda é, algo tão arraigado ao cotidiano que torna i-

neficaz qualquer tentativa de separar a fé no Deus da promessa das dimensões que circun-

dam a vida humana, incluindo a educação.

51 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 39.

Page 43: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

43

A observação da Tora não era exigida da criança por esta ser considera da inapta à in-

terpretação da mesma e de poder desenvolver um relacionamento com Deus:

Conforme a sabedoria bíblica e judaica, a criança não era considerada, espe-cialmente, inocente. Os rabinos se interessavam pelas crianças porque viamnelas o futuro de Israel, seus futuros alunos e futuros sujeitos da lei. Mas,enquanto menor de doze anos (qatan), a criança pertencia a uma categoria in-ferior, incapaz em matéria religiosa. Os textos a colocam na mesma catego-ria dos surdos, dos mudos, dos cegos, dos deficientes mentais, dos pagãos,das mulheres e dos escravos. Um rabino colocava entre as causas que acele-ram a perda de um homem o sono da manhã, o vinho do meio-dia, a perma-nência nas sinagogas de gente vulgar e a tagarelice com as crianças.52

Por esta razão o único mandamento que determinava toda a vida das crianças era

“honra a teu pai e tua mãe” e isto deveria ser assegurado nem que para isso fosse necessário

o uso da vara como meio de disciplina e correção.

A partir da mais tenra idade as crianças já participavam dos rituais religiosos familia-

res e das grandes celebrações da aliança, porém, a tendência era dar escolaridade aos meni-

nos e não as meninas.53 No período anterior ao exílio babilônico, não havia ainda escolas ou

qualquer educação religiosa desenvolvida ou adaptada de forma especial para crianças. Es-

tas aprendiam na convivência com os adultos, repetindo seus costumes, orando e trabalhan-

do com seus pais. Crianças fora do ambiente escolar, onde a prioridade era aprender a Lei,

eram consideradas insignificantes.

2.5.2 - Jesus e as crianças

Mesmo carregando em si a cultura judaica Jesus insere algo novo para esta cultura no

que diz respeito ao tratamento às crianças. Suas palavras e gestos demonstram isso clara-

mente deixando até os próprios discípulos sem reação e sem compreensão de sua ação que

desafiava as diretrizes da educação e do relacionamento com os pequeninos que vigoravam

na sua época:

Durante o tempo de Jesus, tanto no mundo greco-romano como no mundojudaico o ensino era unidirecional: do adulto para a criança. Compreendendoa criança como matéria-prima que tinha que ser moldada para se tornar umser humano integral ou concebendo-a como um membro pequeno e imaturodo povo da aliança, que tinha que ser disciplinado pelo conhecimento e te-

52 MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: edições Paulinas, 1982. p. 60.53 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes biblicos. Venda Nova: Betânia, 1991, p. 132.

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44

mor ao Senhor: em ambos os casos a criança era um receptor passivo e tinhaimportância apenas na medida que representava um aprendiz em potencial.54

Em Jesus uma criança torna-se o elemento central, não como alguém que recebe ins-

trução, mas como alguém cuja mera presença se torna um indício para repensar valores e

reinventar a ordem. A nova proposta foge da idéia unilateral adulto-criança e do seu rever-

so, colocando o aprendizado de forma nivelada, onde a criança aprende com o adulto sobre

o relacionamento com Deus, mas o adulto também reconhece a revelação de Deus através

da criança. Tal foi o impacto da relação de Jesus com as crianças que o fato foi perpetuado

pela tradição oral até ser registrado nos Sinóticos.

Esta é uma nova realidade proposta: a inserção dos marginalizados à sociedade com

seus direitos respeitados. Jesus estava comprometido com a abrangência e a inclusividade,

enquanto seus discípulos e a sociedade judaica com a exclusividade. Ele condiciona a apro-

ximação de Deus ao amor, ao respeito e ao serviço daqueles que estavam à margem, como

as crianças. Neste resgate, Jesus tira a criança da condição de objeto passivo, e reprodutor

futuro de uma cultura, e o insere como um agente ativo e capaz de ensinar por meio de sua

simples presença sobre os mistérios do Reino de Deus.

2.6 - A criança na Idade Média

Na era medieval não havia separação entre o mundo infanto-juvenil e o mundo dos

adultos, assim como não havia a separação do mundo familiar do mundo social. As crianças

se vestiam como os adultos e participavam das atividades deles, incluindo o trabalho desde

que alcançasse algum desenvolvimento físico. Somente no século XVII foi que a criança

começou a ser reconhecida como alguém que se diferenciava do adulto e como tal deveria

ser observada.

A obra de Philippe Airès, intitulada “História social da criança e da família” é uma

análise da infância dentro dos registros da época, principalmente das artes, especialmente da

pintura, como uma tentativa de desvendar o universo infantil e o tratamento que era dispen-

sado às crianças no decorrer da história da humanidade. Ela aponta o surgimento da figura

da criança como algo progressivo, sendo muito escasso por volta do século XII e mais acen-

tuado em torno do Século XIV, devido à mudança no pensamento através do tempo. Assim,

54 WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças.São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1986. p. 42.

Page 45: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

45

...as cenas de gênero em geral não se consagravam à descrição exclusiva dainfância, mas muitas vezes tinham nas crianças suas protagonistas principaisou secundárias. Isso nos sugere duas idéias: primeiro, a de que na vida quo-tidiana as crianças estavam misturadas com os adultos, e toda a reunião parao trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos...55

Mesmo em cenas em que crianças protagonizavam determinada atividade, esta esta-

va centrada no cotidiano adulto típico da Idade Média e não em momentos de lazer ou lúdi-

co, natural da criança.

Outro fator considerável que contribui, na época medieval, para que a criança não

fosse vista como alguém que possuía características e necessidades diferenciadas das do

adulto foi o contexto sócio-econômico deste período. Existiam muitas guerras pela conquis-

ta de territórios que devastavam muitas populações. O surgimento do sistema feudal acentu-

ou a necessidade das famílias de buscarem proteção em troca do trabalho para o senhor das

terras que as acolhia. Com a obrigação do trabalho pesando sobre si, todos os membros da

família, incluindo as crianças, precisavam dirigir -se às lavouras e dedicar-se ao cultivo da

terra para poder sobreviver. Como se isso não bastasse, a saúde era ameaçada pelas pestes

que levavam ao óbito muitas pessoas, atingindo principalmente idosos (uma pessoa que

chegasse aos 40 anos já era considerada velha) e crianças, independente da condição social

que possuíssem:

Ninguém pensava em conservar o retrato de uma criança que tivesse sobre-vivido e se tornado adulta ou que tivesse morrido pequena. No primeiro ca-so, a infância era apenas uma fase sem importância, que não fazia sentido fi-xar na lembrança; no segundo, o da criança morta, não se considerava queessa coisinha desaparecida tão cedo fosse digna de lembrança: havia tantascrianças, cuja sobrevivência era tão problemática. O sentimento de que sefaziam muitas crianças para conservar apenas algumas era e durante muitotempo permaneceu muito forte.56

Segundo Ariès, como se nota nesta afirmação, existia um forte sentimento de descaso

pela infância que havia passado e indiferença diante da morte infantil que atingia índices

altíssimos. A indiferença, neste caso, não é sinônima de falta de sentimentos ou afeto pelas

crianças que morriam, haja vista o sofrimento relatado por alguns escritores da época de

pais que perderam seus filhos, mas sim que a mortalidade infantil era tão comum que já não

causava espanto.

55 ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Edito-ra S.A., 1981. p. 21.

56 Ibidem, p. 21.

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46

Podemos afirmar que a criança carregava a imagem de “objeto” do qual não se devia

ter muito apreço, pois eventualmente estava destinada à morte e ao desaparecimento social.

Esta indiferença, criada pelo contexto medieval, perdurou até meados do século XIX, porém

com maior acento nas áreas rurais.

2.6.1 - A criança na religião medieval

Dentro da visão religiosa, no início da era medieval, a criança não possuía significa-

ção uma vez que o pensamento comum era de que a mesma ainda não possuía alma. Assim,

uma criança que mal tinha entrado no circulo da vida não era temida ao morrer, pois não

poderia voltar para importunar os vivos.57 Porém, no período que vai do século XII ao sécu-

lo XIV desenvolveu-se uma iconografia infantil e religiosa em torno de episódios de pesso-

as significativas no meio cristão como a imagem do menino Jesus, da infância de “santos”

da igreja, da representação dos anjos em forma de crianças, bem como tendo a alma a forma

de uma delas.

Um relato interessante que envolve a criança e a religiosidade medieval é a narrativa

de uma cruzada realizada por crianças, por volta do ano 1212, onde existe a informação de

que 20.000 meninos franceses marcharam em direção à Jerusalém para livrá-la da mão dos

infiéis, no tempo do Papa Inocêncio III, contra a vontade das autoridades e dos sacerdotes.

O líder da cruzada era um menino de apenas 10 anos, chamado Nicolau de Colônia, que

movido pela fé de que Deus libertaria a cidade santa por meio das crianças guiou o grupo

para um fim lastimável, onde muitos pereceram por naufrágio, pela fome e frio ou foram

capturados para serem escravos.58 A peculiaridade deste registro reside em dois fatos mar-

cantes: de um lado o alto número de crianças, já que vimos o alto grau de mortalidade infan-

til da Idade Média; e do outro, o envolvimento religioso de uma criança que conseguiu jun-

tar outros infantes para uma missão tão arriscada.

O certo é que na Idade Média, não existiam festas religiosas da infância que favore-

cessem o fervor dos pequeninos, além das grandes festas sazonais, geralmente mais pagãs

do que cristãs. O evento religioso da criança que surgiu e começou a se desenvolver foi a

“Primeira Comunhão” que iria se tornar progressivamente a grande festa religiosa da infân-

57 ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Edi-tora S.A., 1981. p. 22.

58 BIHLMEYER, K e TUECHLE, H. História da Igreja. São Paulo: Edições Paulinas, 1964. p. 86.

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47

cia, por volta do século XVII, e continuaria a sê-lo até os dias atuais. A cerimônia da pri-

meira comunhão tornou-se a manifestação mais visível do sentimento da infância entre o

século XVII e XIX: ela celebrava ao mesmo tempo seus dois aspectos contraditórios , a ino-

cência da infância e sua apreciação racional dos mistérios sagrados.

2.6.2 - Da Idade Média a concepção de infância hoje

Com a descoberta da criança no campo das artes, especialmente na iconografia relig i-

osa, a criança começou a despertar o interesse em torno de si:

a idéia de que os pintores gostavam especialmente de representar a criançapor sua graça ou por seu pitoresco (o gosto do pitoresco anedótico desenvol-veu-se nos séculos XV e XVI e coincidiu com o sentimento da infância “en-graçadinha”), e se compraziam em sublinhar a presença da criança dentro dogrupo ou da multidão. Dessas duas idéias, uma nos parece arcaica: temos ho-je, assim como no fim do século XIX, uma tendência de separar o mundodas crianças do mundo dos adultos. A outra idéia, ao contrário, anuncia osentimento moderno da infância.59

Desta forma, embora não tenha existido muita mudança no cenário demográfico da

Idade Média, entre os séculos XIII e XVII, a mortalidade infantil continuou em níveis altos,

surgiu uma nova sensibilidade que possibilitou a mudança de olhar na direção da criança: a

visão de que a alma da criança também era imortal. É certo que essa importância dada à

personalidade da criança estava ligada ao processo de cristianização dos costumes e à influ-

ência da religião na sociedade medieval.

59 ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Edito-ra S.A., 1981. p. 21.

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48

CAPÍTULO 3

A CRIANÇA E AS RELAÇÕES RELIGIOSAS

3 Direitos conquistados devem ser assegurados

Após termos vistos as relações existentes entre a criança, a educação e a religião, em

diferentes sociedades, e em diferentes períodos históricos, daremos um “salto” até os dias

atuais para apresentarmos as mudanças sofridas na concepção da infância e nestas relações,

especialmente no Brasil.

3.1 Introdução

Em primeiro lugar veremos a concretização das mudanças na concepção da criança

por meio da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente e na defesa dos direitos

destes como cidadãos dignos de atenção e respeito, no mundo moderno.

Logo após, serão apresentadas as relações existentes entre a criança e a religião, que

não raro, assumem uma ênfase pedagógica neste processo. Ainda na esfera religiosa será

destacada a importância do trabalho da Pastoral da Criança, uma entidade ecumênica que

busca legitimar os direitos da criança na sociedade. Também veremos uma amostra da pre-

sença da criança nos documentos e na prática da Igreja Metodista, especificamente.

Page 49: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

49

De forma pontual iremos fazer uma busca pelas fontes das idéias de Deus e da ima-

gem dele que está inserida no imaginário infantil, o que revelará profunda ligação entre es-

tes tópicos com as fases de desenvolvimento, apresentadas no primeiro capítulo. A referida

ligação revelar-se-á também na abordagem da oração realizada com, e, pelas crianças, po-

dendo também ser sentida nas análises de entrevistas e desenhos das crianças.

Por fim, o trabalho procurou agrupar subsídios práticos para o trabalho com as crian-

ças, desde a preparação de uma aula, seu andamento e os recursos disponíveis para que esta

tarefa se torne produtiva e agradável para todos.

3.2 - Direitos conquistados no Brasil

Vimos no capítulo anterior a situação da criança em períodos determinados da história

da civilização, sua formação e seu envolvimento com a religiosidade de cada cultura. O que

fica claro na abordagem realizada é que existe um processo histórico que sofreu alterações

com o passar dos séculos em relação à criança e da visão que se possuía dela. Situações a-

ceitas como normais, outrora, dentro de uma sociedade específica, sofreram alterações com

o tempo e com os avanços na área do saber científico proporcionando à criança uma atenção

especial como ser humano que merece reconhecimento e respeito de suas limitações e po-

tenciais.

De forma pontual, na sociedade brasileira, uma conquista que merece destaque foi a

elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que serviu como um marco

concreto da preocupação social com o bem-estar infantil.

Quarenta e dois anos após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Ho-

mem, pela Organização das Nações Unidas, em 1948, e após muito sofrimento por parte das

crianças e adolescentes no Brasil, chegou-se a uma grande conquista em relação à infância

com a elaboração do Estatuto, sob a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, regulamentando

os preceitos da Constituição Brasileira de 1988. O ECA traz a concepção da criança e do

adolescente como cidadãos passíveis de proteção dos direitos que carregam em tal condição,

onde são assegurados seu desenvolvimento físico, intelectual, afetivo, social e cultural.

Veremos aqui apenas os artigos do Estatuto que fazem referência à percepção da cri-

ança como cidadão e as relações existentes na área da educação e da religião. Com esta fina-

lidade pontuaremos os dispositivos a seguir:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adoles-cente.

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50

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa atédoze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e de-zoito anos de idade.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentaisinerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata es-ta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidadese facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Po-der Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos re-ferentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi-vência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, pu-nido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direi-tos fundamentais.

Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a queela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuaise coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoasem desenvolvimento.

Tais artigos constituem as disposições preliminares do ECA e procuram definir a con-

cepção da criança dentro da sociedade atual. A concepção vista em tais artigos é uma cons-

trução social gerada pelo amadurecimento do pensamento e pelo avanço das ciências ligadas

à área de humanas como a antropologia, sociologia e psicologia, entre outras. Esta visão

representa um ganho considerável em comparação com as idéias da infância vistas no capí-

tulo II do presente trabalho.

3.2.1 – Direito à proteção integral

O avanço na concepção da infância não ficou restrito a esta esfera, mas ramificou-se

em todas as dimensões necessárias e vitais ao bom desenvolvimento da criança. A utilização

do trabalho infantil praticado nos tempos passados e a exploração sexual da criança merece-

ram, e ainda merecem, destaque no ECA:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade físi-ca, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservaçãoda imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dosespaços e objetos pessoais.

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51

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,vexatório ou constrangedor.

Além do ECA, existem também organizações mundiais que procuram fazer cumprir a

legislação que protege os direitos infantis, como o Unicef que em suas orientações sobre

prevenção e combate ao trabalho infantil e exploração sexual afirma que

Para reduzir o trabalho infantil é preciso ter uma abordagem integrada queidentifique as crianças que trabalham, sensibilize a sociedade sobre os danosmorais, físicos e intelectuais do trabalho infantil, adapte as escolas para re-ceber essas crianças, ofereça atividades culturais, esportivas, educativas e delazer às crianças e compense a redução da renda familiar... Na área da explo-ração sexual, o UNICEF apóia a realização de pesquisas e estudos que per-mitam entender a gravidade do problema e definir programas a serem im-plementados. Trabalha para que todo município e estado desenvolva seupróprio Plano Integrado de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças eAdolescentes através de ações concretas de investigação, prevenção, atendi-mento e repressão. 60

3.2.2 Direito à educação

No que se refere à área educacional o ECA é bastante específico, preocupando-se

com a abrangência integral e inclusiva de todas as crianças no acesso à educação:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao plenodesenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qua-lificação para o trabalho, assegurando-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instânciasescolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processopedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

60 http://www.unicef.org/brazil/prevencaoecombate.htm

Page 52: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

52

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele nãotiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos deidade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação ar-tística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescentetrabalhador;

VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementa-res de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência saúde.

§ 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º. O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou suaoferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º. Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino funda-mental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela fre-qüência à escola.

Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos oupupilos na rede regular de ensino.

Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunica-rão ao Conselho Tutelar os casos de:

I - maus-tratos envolvendo seus alunos;

II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recur-sos escolares;

III - elevados níveis de repetência.

Art. 57. O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propos-tas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avalia-ção, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensinofundamental obrigatório.

Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísti-cos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, ga-rantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura.

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53

Art. 59. Os Municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e fa-cilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, es-portivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade,salvo na condição de aprendiz.

O Unicef especifica ainda mais este direito visando uma educação que rompa com

qualquer forma de exclusão da criança ao processo de aprendizado escolar:

Para a segunda fase de vida, entre 7 e 14 anos, o UNICEF promove educa-ção e saúde de qualidade para todas crianças e adolescentes em idade escolarindependentemente do lugar onde eles morem, do gênero, da raça, ou etnia,das condições econômicas dos pais ou de terem alguma deficiência. 61

Apesar da conquista legislativa dos direitos da infância e da elaboração de uma con-

cepção da criança que procura contemplar todas as dimensões do seu ser ainda existe um

grande vácuo para que estes direitos sejam validados na experiência concreta de muitas cri-

anças no Brasil, ou seja, “a conquista desta regulamentação não garante por si só a concreti-

zação dos direitos das crianças, e, é necessário que a cada dia mais um passo seja dado a fim

de consolidar esses direitos”.62

3.3 – A criança e a religião: relações pedagógicas

A relação entre a criança e a religião existe desde os tempos antigos, ora de forma

positiva, ora de forma negativa, mas sempre com natureza pedagógica. O manual de orien-

tações da igreja cristã primitiva conhecida como Didaqué já apontava para este tipo de rela-

ção: “Não se descuide de seu filho ou de sua filha; pelo contrário, instrua-os desde a infân-

cia no temor de Deus”63. É relevante a inclusão observada em tal orientação do século pri-

meiro fazendo menção da necessidade da instrução tanto para os meninos como para as me-

ninas, mas acima disto, aponta para o fato de que viver em comunidade supõe educação

para isto. Já dentro do olhar da fé cristã o ponto fundamental é a instrução no temor de

Deus.

A criança vem ao mundo e torna-se parte do ambiente social e culturalde determinado grupo humano. A religião é ordinariamente parte desta cultu-

61 http://www.unicef.org/brazil/educacao.htm62 JUNKER, Débora Barbosa Agra. A criança na comunidade de fé. Dissertação de mestrado, São Bernardo do

Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996, p. 66.63 DIDAQUÉ. O catecismo dos primeiros cristãos para as comunidades de hoje. 4ª edição. São Paulo: Paulus,

1989. p. 15.

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54

ra a que a criança pertence. Normalmente, a criança assimila valores religio-sos de sua cultura, da mesma forma que assimila os valores éticos e sociais.64

Klein, Streck & Wachs confirmam esta relação pedagógica ao atrelarem o envolvi-

mento da criança com a religião ao processo de aprendizado da cultura a qual esta pertence,

bem como o modo como são assimiladas e interiorizadas as diretrizes sociais do ambiente

em que a criança está inserida.

Albino Aresi, em sua obra “Pode-se educar sem Deus?”, afirma que

A história mostra claramente que o homem é um ser religioso. Não se encon-tra um povo a quem a idéia do divino seja estranha. Os povos, mesmo osmais primitivos, deixam sempre sinais de sua tendência religiosa. A coloca-ção de cadáveres nos sarcófagos, em posição de feto, como se nota nos mu-seus antigos do Oriente, é sinal de adoração à divindade.65

E conclui seu pensamento aliando a educação aos valores fundamentais da fé e seu ob-

jetivo último, ou seja, “toda a educação, nas mais variadas disciplinas, deve levar o educan-

do ao amor e ao encontro com Deus e, como conseqüência, ao amor e ao encontro com o

próximo, seu irmão”.66

Partindo da importância do desenvolvimento espiritual da criança e do adolescente o

ECA prevê em seu artigo 16, que trata sobre o direito à liberdade, em sua alínea III, o pleno

direito de crença religiosa e expressão cúltica, como elementos benéficos ao desenvolvi-

mento e formação do ser humano desde à infância.

3.3.1 - A pastoral da criança

Diante da relevante relação da criança com a religião, em especial a fé cristã ociden-

tal, não poderíamos deixar de mencionar o surgimento da Pastoral da Criança como forma

da igreja inserir-se pontualmente na defesa do cumprimento dos direitos infantis. A Pastoral

da Criança nasceu de um sonho: salvar a vida de milhares de crianças. Sua história teve iní-

cio em 1983, quando a CNBB confiou à Dra. Zilda Arns Neumann e ao Arcebispo Dom

Geraldo Majella Agnelo a tarefa de criar uma entidade para trazer vida em abundância para

as crianças pobres do país.

64 KLEIN, Remi; STRECK, Danilo & WACHS, Manfredo. Deus mora no céu: a criança e sua fé. São Leopoldo– RS: Editora Sinodal, 1996. p. 16.

65 ARESI, Albino. Pode-se educar sem Deus? São Paulo: Paulinas, 1980. p. 121.66 Idem, p. 123.

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55

A Pastoral da Criança atua nas áreas de pobreza de todo o Brasil com ações Básicas de

saúde, nutrição, educação, cidadania e controle social. Com a missão de promover o desen-

volvimento das crianças e, em função delas, de suas famílias e comunidades, sem distinção

de raça, religião, sexo ou nacionalidade, tornou-se um exemplo para o mundo. A Pastoral da

Criança é ecumênica e não faz nenhum tipo de discriminação de cor, raça, credo religioso

ou opção política. Seus líderes e as famílias acompanhadas pertencem a distintas Igrejas e

denominações cristãs, todas com a mesma missão: Evangelizar.67

O resultado do trabalho da Pastoral fica registrado nos números apresentados pelas es-

tatísticas, nas áreas de sua atuação, como a redução em até 60 % da mortalidade infantil,

redução da violência e da marginalidade por meio do trabalho com diversas famílias em

cima da reflexão de valores éticos que estimulam o que há de melhor na vida comunitária.

3.3.2 – A criança na Igreja Metodista

Dentro da estrutura da Igreja Metodista não existe uma Pastoral nos moldes da CNBB.

Existe, sim, um departamento voltado para a infância e vinculado à área de educação que

atua nos níveis nacional e regional da mesma. Vale ressaltar, aqui, a orientação sobre o esti-

lo de vida comunitária e serviço adotados pela Igreja Metodista, sob a forma de Dons e Mi-

nistérios, que toma para si o Reino de Deus como modelo insubstituível de toda a prática

comunitária, com a finalidade de ser fermento, sal, bênção e luz na sociedade. Porém, nos

documentos oficiais da Igreja Metodista não podemos constatar uma menção específica e

direcional sobre o valor e sentido da criança na, e para, a vida da comunidade de fé. A pon-

tuação da figura da criança é escassa ou feita de forma geral, ficando subentendida sua pre-

sença e participação no conjunto comunitário maior apresentado nos documentos.

Contudo, saindo da esfera teórica e voltando a atenção para a vivência cotidiana na

comunidade local, podemos notar um reflexo deste pensar onde parece existir um vácuo

entre a teoria e a prática. Pode-se notar na grande maioria das comunidades metodistas uma

grande dificuldade em relação à inserção da criança na vida comunitária, mesmo sendo ela

sinalizada por Jesus Cristo como padrão para o ingresso no Reino de Deus. A maior expres-

são, teórica e prática, é a aceitação do batismo infantil, porém após o ato batismal a criança,

geralmente lactante, passa a ser um participante qualquer que só merecerá a devida atenção

67 http://www.pastoraldacrianca.org.br/htmltonuke.php?filnavn=missao/missao.html

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56

quando tiver idade suficiente para contribuir com as necessidades da própria comunidade ou

tornar-se membro oficial da mesma.

Desta forma, é necessária uma reavaliação sobre as ações e a visão que se tem da cri-

ança dentro das comunidades metodistas de modo que elas venham a ser ampliadas para que

a igreja realmente reconheça na criança, também, um instrumento ativo de Deus na constru-

ção do seu Reino. A comunidade precisa aprender a acompanhar, encorajar e orientar o de-

senvolvimento da vocação infantil respeitando e incentivando sua presença e autonomia,

como considera a Dra. em Educação Cristã, Débora Junker:

Na comunidade de fé os espaços ocupados pela criança são restritos, assimcomo é restrita sua participação nas atividades e celebrações comunitárias. Éevidente que não se pode negar a existência de atividades e programas espe-cíficos para as crianças, porém se percebe que pouca importância é dada àriqueza do universo comunitário como espaço educativo, que se nutre dastrocas estabelecidas entre todas as pessoas. A criança na comunidade de fénecessita, portanto, do máximo de oportunidades que permitam aflorar todoo seu potencial criativo.68

Ao tomar para si a tarefa de aprender a ensinar, a igreja torna-se também aprendiz do

caminho de construção do Reino de Deus, onde a lógica muitas vezes sofre inversões peda-

gógicas, na qual o discípulo torna-se mestre sem deixar de ser discípulo.

Assim sendo, as relações pedagógicas entre a religião e a criança se manifestam não

só na concepção da criança como um ser necessitado de educação e cuidado, mas também

como um agente pedagógico de Deus que aponta o caminho que conduz para o estabeleci-

mento do seu Reino.

3.4 – A criança e Deus: relações naturais

Como vimos na conclusão do capítulo I, a fé é algo natural do ser humano e não seria

diferente com a criança. Mesmo que inexista o contato prévio com assuntos ou questões

religiosas explicitamente , elas estão presentes na vida da criança despertando o interesse

nesta área e revelando uma abertura sem precedentes para ouvir sobre as coisas de Deus.

a despeito de nossa secularização e fragmentação religiosa, a linguagem e ossímbolos religiosos estão presentes de modo tão amplo nesta sociedade que

68 JUNKER, Débora Barbosa Agra. A criança na comunidade de fé. Dissertação de mestrado, São Bernardo doCampo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996, p. 74.

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57

virtualmente nenhuma criança atinge a idade escolar sem ter constituído –com ou sem instrução religiosa – uma ou mais imagens de Deus. 69

Apesar da fé ser considerada algo natural do ser humano o mesmo não se aplica para a

concepção que carregamos de Deus. A fé por ser natural pode ser desenvolvida ou ameniza-

da com o tempo. A concepção, ou imagem, de Deus é uma construção que surge do proces-

so de amadurecimento que culmina em dar à fé um sentido e um lugar para se desenvolver.

Assim, a fé não pode ser ensinada, por ser natural, mas a visão de Deus sim, por ser cons-

trução. Isto não significa que Deus é uma construção, mas sim a imagem que cada um car-

rega dele. Uma vez que este conceito é entendido, podemos avançar na busca da compreen-

são do relacionamento da criança com Deus.

Partindo do pressuposto acima, as idéias que a criança construirá sobre a pessoa de

Deus tendem a seguir o caminho natural de seu desenvolvimento, ou seja, serão construídas

pelas informações e experiências que ela receberá durante o seu crescimento.

As conversas e atitudes, não somente dos adultos, mas das crianças com asquais ela brinca e trabalha, tem uma grande influência sobre o pensamentoreligioso da criança. Poucos são os amigos ou companheiros da criança quedeixam de entrar em contato com seus problemas religiosos. Um registro dasdiscussões entre crianças a respeito de Deus, Jesus, imortalidade, céu, bon-dade, mal, castigos presentes e futuros revelaria muito mais das idéias religi-osas das crianças do que respostas que elas dão às perguntas do professor.Elas compartilham das informações e referências sobre os costumes religio-sos de cada uma. As festas religiosas dos judeus e dos cristãos são discutidascom detalhes e grande interesse.70

Se a fé busca caminhos naturais para se desenvolver, o mais correto é procurar estes

caminhos nos círculos sociais mais próximos da criança. Desta maneira, o núcleo principal

para o desenvolvimento da fé e concepção de Deus seria a família ou seus responsáveis ,

segundo Fowler

muito antes da criança ser capaz de discernir claramente os valores e crençasdos pais, ela sente uma estrutura de sentido e começa a formar imagens nas-centes dos centros de valor e poder que animam a fé de seus pais. À medidaque o amor, a vinculação e a dependência ligam o recém-nascido à família,ele começa a formar uma disposição de confiança e lealdade compartilhadasao etos da fé familiar.71

69 KLEIN, Remi; STRECK, Danilo & WACHS, Manfredo. Deus mora no céu: a criança e sua fé. São Leopoldo– RS: Editora Sinodal, 1996. p. 113.

70 LEWIS, Hazel A. Conhecendo melhor as crianças. São Paulo: Imprensa Metodista, 1949. p. 69.71 FOWLER, James W. Estágios da fé. São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1992. p. 25.

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58

Portanto, a fé da criança encontra terreno fértil para se desenvolver quando os pais, ou

responsáveis , possuem alguma forma de espiritualidade no seu cotidiano particular ou soci-

al. Da mesma maneira, ampliando um pouco mais a área de desenvolvimento da fé infantil

encontramos a comunidade de fé em que a criança está inserida, com todas as suas exten-

sões relacionais, pois “a comunidade cristã é o espaço privilegiado onde a fé se encontra e

se nutre. Aí se encontram todas as etapas da idade, todas as situações da vida. É igualmente

um espaço de suporte, de ajuda mútua”.72

Além dos círculos sociais que envolvem a criança auxiliando o desenvolvimento da

imagem de Deus e da fé, existe um outro componente que se soma naturalmente a este pro-

cesso, proporcionando às crianças experiências religiosas autênticas:

A natureza toda fala às crianças numa linguagem que elas compreendemgradativamente, de acordo com sua natureza original e suas crescentes expe-riências. Para uma criança a tempestade, com relâmpagos e trovões, pode seruma experiência atemorizante, enquanto que para outra pode ser uma ocasi-ão de assombro e maravilha.73

Não apenas as forças da natureza em ação causam o despertar contemplativo em dire-

ção ao sagrado, mas também situações cotidianas como um pôr-do-sol, o balanço das ondas,

um campo florido entre tantos aspectos naturais, proporcionam este tipo de encantamento

religioso. Assim, não somente a dimensão da fé surge como elemento natural, mas também

o universo de relações naturais estabelecidas , seja com pessoas ou com o meio ambiente,

contribui para o despertar religioso da criança em direção a Deus.

3.4.1 – As imagens de Deus na criança

Para as crianças, compreender a natureza espiritual de Deus é um processo que parece

estar diretamente relacionado com sua idade e seu estágio de desenvolvimento.Uma das

idéias sobre Deus que mais permeia o imaginário infantil é o antropomorfismo, isto é, a

projeção de características humanas na figura de Deus. Talvez a concepção de Deus como

um homem, do sexo masculino, seja a imagem mais forte. A tendência da criança ao pensar

Deus antropomorficamente parece ser uma tendência natural do desenvolvimento infantil.

Esta idéia de Deus como um homem... é considerada funesta e causa gravespreocupações em muitos adultos. Mas, é uma idéia difícil de ser evitada. Os

72 GIGUÈRE, Paul-André. Uma fé de adulto. São Paulo: Edições Paulinas, 1999. p. 153.73 LEWIS, Hazel A. Conhecendo melhor as crianças. São Paulo: Imprensa Metodista, 1949. p. 69.

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59

atributos de Deus, tais como amor, bondade, ajuda, perdão, são também pró-prios das pessoas humanas. O fato de que tais virtudes são evidências deDeus em nós é muito difícil de ser de ser compreendido pelas crianças, noprincípio, e assim, elas pensam em Deus numa forma humana. Ao ouvir falarem Deus como um Pai, a criança chega a imagina-lo como tal.74

Não há como evitar a associação da figura de Deus com a imagem humana, que é mais

concreta para a criança, de fácil aceitação e enquadra-se na estrutura de pensamento que lê o

mundo de forma literal. Com o desenvolvimento posterior e gradativo do pensamento abs-

trato a concepção de Deus como Espírito vai assumindo o lugar do antropomorfismo sem

maiores dificuldades.

Outras idéias sobre Deus são aquelas em que ele é alguém que concede pedidos espe-

ciais quando solicitado ou então como alguém que está sempre nos vigiando para ver se

fazemos coisas boas ou más. Estas tendências não são naturais como o antropomorfismo,

mas sim adquiridas especialmente por meio das informações recebidas via relações sociais,

com forte motivação para causar frustração ou o afastamento de Deus, ao invés de aproxi-

mação dele.

Assim, em primeiro momento, as imagens de Deus que a criança carrega são naturais

por serem construídas a partir da sua estrutura particular de raciocínio, respeitando o seu

desenvolvimento cognitivo, e, em segundo momento, são adquiridas das informações que

recebem do convívio comunitário, podendo ser estas transmissoras de conceitos positivos ou

negativos sobre Deus.

3.4.2 – A oração das crianças

O meio mais conhecido pela criança de manter o contato com Deus é a oração, que al-

gumas vezes é mencionado como “reza”, dependendo da expressão religiosa que a circunda.

O que se pode constatar, por meio da observação da oração infantil, é que existe uma certa

“confusão” no pensamento da criança sobre “a quem” se deve orar, se a Deus ou a Jesus,

principalmente entre os 03 até os 07 anos, justamente por não haver um conhecimento for-

mado sobre a natureza espiritual de Deus. Esta confusão pode ser aclarada no aprendizado

sobre a vida de Jesus e em situações que o mostram buscando a Deus em oração. Desta ma-

74 LEWIS, Hazel A. Conhecendo melhor as crianças. São Paulo: Imprensa Metodista, 1949. p. 71.

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60

neira, a figura de Jesus passa a ser um elo de ligação entre a criança e Deus, no momento da

oração.

Uma dúvida freqüente nos adultos que trabalham a fé da criança é quanto à freqüência

deste hábito. Para os adultos fica clara a importância de uma vida diária de oração como

fortalecimento e desenvolvimento da sua espiritualidade, porém ao se tratar de crianças sur-

ge esta incógnita. Hazel Lewis, em seus estudos sobre a oração infantil, aponta para o pres-

suposto de que

a iniciação da criança na prática da oração está ligada diretamente com o va-lor que os próprios adultos dão à oração. As crianças captam com facilidadeo sentimento que está por trás dos gestos, palavras e atitudes dos adultos. Porisso elas observam a tonalidade da voz e a expressão do rosto com que sãoditas as palavras, e interpretam muito mais o sentimento do que as palavras.Verificam assim que valor o adulto atribui à oração e com que seriedade atrata. A partir desta observação, elas também dão a mesma importância.

E conclui que

especialmente no caso de crianças pequenas, o mais importante para a valo-rização da oração não é a freqüência da prática, mas a qualidade da experi-ência. As crianças podem sentir a oração como uma carga e, a médio prazo,ganharem aversão a ela se acompanham e realizam uma prática diária da o-ração sob pressão e num clima de tensão e brigas. É preferível que elas pos-suam experiências menos freqüentes, mas positivas, do que intensivas, po-rém negativas.75

Acompanhando o pensamento de Lewis nota-se que o gesto, na oração com crianças,

enriquece esta prática e pode transmitir a mensagem mais que as palavras, sendo ele um

elemento importante por envolver o corpo e estabelecer uma relação entre a fé e a vida. Por-

tanto, dar as mãos ou uni-las, curvar a cabeça, fechar os olhos, não representam mero ceri-

monialismo, mas contribuem para que a criança capte a importância da reverência, humil-

dade e desenvolva concentração e respeito no momento da oração.

Um dado apresentado pelo estudo dos estágios do desenvolvimento infantil que é ob-

servado na oração da criança é o egocentrismo. Assim, a criança se sente o centro do mun-

do, pensando até mesmo que seus pensamentos podem influenciar de alguma forma o mun-

do que a cerca. O egocentrismo pode reivindicar a imagem do Deus que concede todos os

pedidos que lhe são feitos, geralmente em seu benefício, ou refletir no agradecimento pelas

suas próprias coisas (ver orações de crianças no Anexo 03). Nesta ocasião é importante a

75 LEWIS, Hazel A. Conhecendo melhor as crianças. São Paulo: Imprensa Metodista, 1949. p. 31.

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61

orientação, aos poucos, para que haja a observação do mundo que nos cerca e também inter-

ceder por outras pessoas.

O pensamento concreto também revela a sua força na oração das crianças que se sen-

tem à vontade para pedir por favores considerados absurdos pelos adultos (Anexo 03). Isto

não significa que a criança está fazendo pouco caso da oração ou brincando, mas que ela

está usando sua estrutura de pensamento e se comunicando da forma como ela percebe a

realidade a sua volta, seja ela religiosa ou não.

3.5 – Entre teorias e práticas

Após um longo processo descritivo, onde foram apresentados argumentos sobre o de-

senvolvimento da criança, sua presença na vida social e religiosa, se faz necessário um cru-

zamento desta densa bagagem teórica com a realidade concreta apresentada pelas crianças

hoje. Para fazer este cruzamento entre teorias e práticas vamos lançar mão de estudos reali-

zados anteriormente a este trabalho. Serão utilizados aqui, além do próprio material colhido,

os dados obtidos nas pesquisas de Helena Maria Vieira Borges Aredes, em sua dissertação

de mestrado, na qual a autora pesquisa o espaço ocupado pela criança dentro da celebração

cúltica na Igreja Metodista, especificamente, e os dados fornecidos pela Tese de doutorado

de Vera Lúcia Lins Sant’Anna, que trabalha a influência do sobrenatural no imaginário in-

fantil, procurando apresentar uma visão de Deus sobre a ótica infantil.

3.5.1 – A criança e a comunidade

Dos dados levantados por Aredes vale destacar o resultado obtido na pesquisa: as cri-

anças só participam do culto no momento em que são chamadas para saírem do templo e

participarem de uma atividade específica para elas, no momento da palavra pastoral. No

momento de saudação comunitária apenas os adultos são cumprimentados , ficando a pre-

sença das crianças na obscura indiferença. Em geral, elas ficam quase todo o tempo dese-

nhando, conversando, dormindo no colo dos responsáveis ou brincando fora do lugar de

culto.

Este tipo de atitude diante da criança, no lugar que deveria servir para comunhão e de-

senvolvimento dos valores da fé, só poderia resultar também em indiferença por parte desta

para com a comunidade como podemos notar na entrevista realizada com uma criança de 10

anos, que freqüenta a Igreja Metodista desde seus 04 anos (Ver Anexo 01). Nesta entrevista

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62

a criança revela a idéia de que todas as igrejas são iguais, ou seja, agem do mesmo jeito, e o

melhor “atrativo” é a Escola Dominical, talvez por ter uma linguagem mais próxima do seu

estágio de desenvolvimento e atividades que estimulam ou facilitam o mesmo. A reação

observada na entrevista é que a linguagem do culto e daqueles que o presidem é monótona,

vazia e distante do universo de compreensão da criança. A sugestão apresentada pela pró-

pria criança é uma participação mais ativa das crianças na elaboração e condução do culto,

pois elas são capazes de executar muitas das tarefas que existem durante a celebração. A

constatação derradeira é que a participação da criança no culto traz um sentimento de inclu-

são e felicidade, porém quando não há esta sensibilidade por parte da comunidade a mesma

não possui nenhuma graça.

Aredes conclui que

A criança é um ser social. Seu desenvolvimento não ocorre apenas com ope-rações individualistas, mas também cooperativistas. São agentes da própriaeducação. Ou seja, as idéias discrepantes de que eram produtos da educaçãoe ambiente do qual tinham acesso, e que eram acima de tudo egoístas, sópermanecem para aqueles que não acompanharam seu desenvolvimento eprocedimento.76

Infelizmente a concepção da criança como um mero agente passivo da educação e da

sociedade ainda resiste às agruras do tempo e parte desta mentalidade obsoleta ainda encon-

tra espaços em nossas comunidades de fé.

3.5.2 – Deus no imaginário infantil

Deixando as relações sociais levantadas por Aredes à parte, passaremos a enfocar a re-

lação da criança com Deus, dentro do seu imaginário próprio, segundo os dados obtidos por

Sant’Anna, na consulta a crianças de escolas públicas e particulares, cursando entre a 2ª e 4ª

séries do ensino fundamental. Daremos destaque a apenas 03 tópicos de sua análise: Quem é

Deus?, onde Ele mora? E como as pessoas se relacionam com Ele?

Sobre o questionamento “quem é Deus?” no imaginário infantil confirma-se, nas res-

postas proporcionadas , a tendência do antropomorfismo como sendo a imagem mais forte e

presente nas crianças (ver Anexo 01 – entrevista 02 e Anexo 2 -Tabela 01). Em maior grau,

Deus aparece como uma pessoa carregada de bons adjetivos, conhecidos da criança, e vin-

76 AREDES, Helena Maria Vieira Borges. A criança como agente da ação de Deus no culto cristão. São Bernar-do do Campo. Instituto Metodista de Ensino Superior, 1997. p. 181.

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63

culado à figura paterna de forma positiva. Em menor grau, é descrito como uma pessoa co-

mum, porém que possui algum grau de parentesco com a criança. Em um segundo momen-

to, o antropomorfismo cede lugar ao transcendente . Surgem características metafísicas como

sendo Deus um ser superior, não humano e com forte ênfase religiosa. Só em menor escala

surge a resposta da inexistência de Deus ou da sua associação com a natureza. As respostas

revelam uma continuidade no pensamento infantil que vai dos 06 anos até os 10 anos, apro-

ximadamente, sem apresentar grandes alterações na concepção da criança sobre Deus.

Comparando estas repostas com o questionamento sobre a moradia de Deus (ver Ane-

xo 01 – entrevista 02 e Anexo 02 – Tabela 02) podemos notar uma grande dissonância no

pensamento infantil. A maioria das respostas aponta para o céu, ou algo semelhante, como

sendo o lugar onde Deus mora. O pensamento infantil concreto evoca características huma-

nas sobre Deus e até o considera como uma pessoa física, porém revela traços da percepção

da sua divindade reconhecendo que, de alguma forma, Ele está além das informações rece-

bidas pelos sentidos, em algum lugar que lhe é imperceptível.

A resposta mais linear obtida diz respeito à forma de relacionamento das pessoas com

Deus (Anexo 02 - Tabela 03). A oração, ou reza, desponta como sendo a primeira forma de

comunicação entre as pessoas e Deus. Esta resposta traz uma indicação da influência relig i-

osa que a criança recebe do ambiente social em que está inserida, pois as escolas pesquisa-

das por Sant’Anna não possuíam confissão religiosa e só um número determinado de crian-

ças pertencia a famílias com credo professo. Apesar disto, é relevante que a grande maioria

desse respostas tão firmes em relação a Deus, a sua habitação e como ele se relaciona co-

nosco.

3.5.3 – Desenhos da criança sobre Deus

Ao nos referirmos ao desenho da criança recorremos à menção de Piaget ao realismo

lógico ou intelectual, especialmente em crianças entre os 03 anos e 07 anos:

A criança, como sabemos, começa por desenhar unicamente o que a rodeia:homens, casas, etc. Neste sentido ela é realista. Mas, em lugar de desenha-los como os vê, completa-os pelo pensamento, aproxima-os de um tipo únicoe esquemático, em suma, desenha-os como os conhece: nesse sentido, seurealismo não é visual, mas intelectual... Ora, esse realismo intelectual... tem

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64

uma significação que ultrapassa, de muito, o domínio do desenho: a criançapensa e vê, com efeito, como desenha.77

A menção de Piaget pode ser constatada na observação dos desenhos das crianças so-

bre Deus (Anexo 04) e sobre o lugar de sua habitação, onde a criança não possui percepção

visual, mas relaciona ambos racionalmente , concluindo que Deus mora no lugar onde se fala

dele e que ela conhece, ou seja, na igreja (figura 04). Porém, na maior parte do tempo, Deus

está mesmo situado no céu, cercado por nuvens, anjos, ou sentado em um trono e distante

dos sentidos (figuras 05, 06 e 07). Por volta dos 09 ou 10 anos a percepção de um Deus dis-

tante começa a perder força e ceder lugar para uma idéia de Deus mais próximo, embora

não haja perda da visão que a moradia primeira dele é o céu (figuras 08 e 09). Em suma,

podemos constatar que as imagens de Deus estão associadas à vivência concreta das crian-

ças, respeitando à faixa etária em que a criança se encontra.

3.6 – Subsídios para o trabalho com crianças

A partir deste ponto procuraremos apresentar algumas “dicas” e subsídios para aque-

les que se aventuram na compensatória tarefa de acompanharem o desenvolvimento da espi-

ritualidade na criança. Uma vez que existe uma relação pedagógica que une a criança à reli-

gião, não podemos deixar de lançar mão dos recursos que a própria pedagogia oferece para

fortalecer este laço tão importante.

3.6.1 – Preparando a aula

A criança é hábil na percepção dos sentimentos, por isso é imprescindível que aquele

que está à frente de uma classe com crianças esteja seguro das atividades que serão desen-

volvidas e respeite o nível de compreensão de cada faixa etária. A preparação de uma aula

eficaz requer tempo e dedicação. As orientações a seguir servem de base para a preparação

de uma aula com crianças, independente da faixa etária abordada:

Antecipe a aula – leia o texto que será apresentado alguns dias antes da aula ser real i-

zada, por várias vezes seguidas. Este exercício tende a fixar o conteúdo possibil itando ao

77 PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 222.

Page 65: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

65

professor maior liberdade em sala. Prepare um roteiro antecipadamente, assim haverá tempo

para providenciar e preparar todo o material que será necessário durante a aula.

Comunicação – Se existem pessoas auxiliando o trabalho em sala elas devem estar c i-

entes do conteúdo que será apresentado. A comunicação prévia permite que cada um possa

desenvolver a tarefa que mais esteja de acordo com suas aptidões.

O roteiro da aula – Deve conter alguns passos: 1) Qual a mensagem que está sendo

transmitida? 2) Qual a passagem bíblica utilizada para esta mensagem? 3) Que material de

apoio pode ser utilizado? 4) Quais atividades de fixação são mais adequadas? 5) Que tempo

está disponível para cada etapa? 6) Quem fará o que? Após respondidas estas perguntas bá-

sicas, revisar se tudo está de acordo com a mensagem que se quer transmitir.

Simulação – Pode-se fazer uma simulação da aula passando o texto, verificando a se-

qüência dos acontecimentos, manuseando o material de apoio (figuras, bonecos, objetos...)

para criar intimidade com o uso e ter segurança e maior liberdade durante a apresentação da

aula. A utilização de um espelho poderá dar a noção de como a mensagem será transmitida

para criança, pois simula o campo visual da criança. Este recurso poderá parecer “ridículo”,

porém os resultados obtidos revelarão a sua eficiência.

Material de fixação – A técnica deve ser testada pelo professor, pois será ele quem o-

rientará o procedimento. Durante o teste talvez surjam surpresas desagradáveis que podem

cultivar um sentimento de rejeição por determinada atividade. O teste revelará se o material

utilizado está ou não adequado a determinada faixa etária, medindo o grau de dificuldade da

tarefa ou sugerindo a troca do material. Alguns exemplos concretos são a resistência de um

papel à tinta, o tempo de secagem, o nível de sujeira, entre outros.

3.6.2 – Deus como “conteúdo” da aula

Ao selecionarmos “Deus” como “o conteúdo” de uma aula devemos ter em mente,

de forma clara, o nível de compreensão de determinada faixa etária, pois, geralmente, a ten-

dência natural é produzir respostas utilizando as estruturas de linguagem adulta para res-

ponder a questionamentos infantis.

A criança de 03 anos até, aproximadamente, os 10 anos ainda possui o pensamento

concreto como forma de relacionar-se com o mundo a sua volta, sentindo -se muitas vezes o

centro dele. Por isso, ao apresentar Deus para a criança o melhor caminho parece ser aquilo

que ela conhece e percebe de forma concreta. Temas como a criação do mundo, os animais,

o meio ambiente, as relações familiares e outros semelhantes, que fazem menção à experi-

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66

ência da criança, são muito bem aceitos e contribuem para a aceitação natural da existência

de Deus, mesmo que os sentidos que percebem o mundo natural não o acusem.

Deus também pode ser apresentado em histórias que revelam o seu amor e cuidado

por meio de pessoas que andavam com Ele, na Bíblia ou fora dela, tendo a cautela de verifi-

car se de fato a narrativa comunica a imagem de um Deus de amor que se importa com as

pessoas e com o mundo. Não são explicações longas e detalhadas que levarão a mensagem à

criança, mas sim o enfoque dado durante a narração.

3.6.3 – Contando histórias

Como recurso psicopedagógico a história cria espaço para momentos de alegria e sen-

timento de prazer na leitura, além de auxiliar a compreender a si próprio e ao mundo a sua

volta. Contar histórias era uma maneira de divertir, de estimular a união e principalmente

uma forma muito eficiente de ajudar o ser humano em sua busca de autoconhecimento.

Um dos principais objetivos de se contar histórias para crianças é o da recreação. Mas

sua importância não se restringe apenas a isto. Por meio delas podemos enriquecer as expe-

riências infantis, desenvolvendo diversas formas de linguagem, ampliando o vocabulário,

formando o caráter, desenvolvendo a confiança na força do bem e proporcionando às crian-

ças o exercício da imaginação e da criatividade. Além disso, as histórias estimulam o de-

senvolvimento de funções cognitivas importantes para o pensamento, como a comparação,

relações temporais e espaciais, entre outros, e, estimulam a construção de valores éticos que

fundamentam a cidadania nas crianças.

Como subsídio elementar para o trabalho com crianças, passaremos a apresentar al-

gumas “dicas” que auxiliarão a narração de histórias para crianças:

1) Entenda a história, seu enredo, sua mensagem, isto facilitará a narração, produzindo

segurança. Uma vez assimilada, a história poderá ser contada com palavras próprias, facili-

tando a adequação da linguagem ao nível de compreensão do auditório. A narração de histó-

rias deverá ser feita na ordem direta. Quanto mais conseguirmos faze-lo, tanto melhor será a

nossa comunicação com as crianças. Quanto mais apresentarmos as narrações em forma de

diálogo, mais atrativas serão as histórias.

2) A introdução da história é crucial. É necessário captar a atenção das crianças indi-

cando que coisas excitantes irão acontecer, incitando a curiosidade. Em uma audiência mista

o nível da narração deve ser adequada para a menor idade. Também é importante manter um

certo grau de mistério e surpresa durante a narração.

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67

3) Se der “branco”, improvise. Descreva detalhes de cores e lugares ou crie um sus-

pense, olhando todos nos olhos e siga para o ponto que recordar.

4) Atente para os recursos vocais e visuais. A criança capta facilmente os sentimentos

expressos na narração. Pode-se alterar o timbre para identificar a mudança de personagem

ou utilizar um acessório que o caracterize. Crianças aprendem com seus sentidos. Elas ado-

ram sentir, cheirar, tocar, escutar e ver. Descreva personagens e locais vividamente, ajudan-

do-os a solidarizar-se com os personagens. Estes recursos facilitam o envolvimento das cri-

anças com a história, em seus conflitos, de tal maneira que passam a sentir os mesmos peri-

gos ou dificuldades dos personagens. Porém, a narração deve ser prazerosa para quem conta

a história.

5) Coloque algum drama ou suspense na história. Deve haver uma situação que dirija

ao clímax e ao final da história. O conflito pode ser introduzido imediatamente ou aos pou-

cos para aumentar o suspense e a intriga. Tente levar os ouvintes a se preocupar junto com

os personagens e se envolver com o que acontece.

6) Sempre que possível sente-se no nível das crianças.

7) Cuide o tempo de narração, pois as crianças não conseguem manter a concentração

ou o interesse por uma história além de 10 minutos.

8) Uma vez terminada a história, não fique completando ou corrigindo. Deixe os pen-

samentos das crianças presos no ponto da história, na mensagem central dela.

9) Teste diferentes métodos, seja criativo. Sempre se aprende com as próprias experi-

ências. Não seja extremamente tímido ou preocupado "com o que os outros irão dizer se...".

A formalidade só levantará uma barreira na comunicação entre o narrador e as crianças.

3.6.4 – Utilizando recursos manuais

Os recursos manuais são excelentes ferramentas de fixação de uma história ou men-

sagem que foi transmitida. Eles auxiliam o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimen-

to motor da criança, possibilitando a ela a exploração de outras formas de percepção e ex-

pressão da realidade.

Desta forma, os recursos manuais servem também como uma ferramenta de diagnós-

tico do aprendizado ou do ambiente social da criança, isto é, podem ser um meio de expres-

são da criança, de situações interiores e particulares que muitas vezes não seriam expressas

em palavras, em um primeiro momento.

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68

Além disso, o acesso a técnicas e materiais diversificados estimula a criatividade e a

imaginação tão naturais e necessárias no desenvolvimento da criança, em qualquer idade ou

realidade em que esta se encontre. Apresentamos alguns benefícios que este acesso propor-

ciona à criança:

Descoberta - das possibilidades de transformação do material e do potencial criativo

de suas mãos.

Coordenação - aos poucos, de acordo com o seu desenvolvimento e com o material a

criança melhora sua coordenação motora fina, essencial para a escrita.

Livre expressão - a criança tem possibilidade de explorar seus valores intelectuais e

exercitar a memória; desenvolve a originalidade e com o tempo amplia o número de figuras

reconhecíveis que é capaz de representar; aprende a ordenar logicamente sua obra, até ser

capaz de compor cenas.

Expressão de Sentimentos – a arte serve de alívio a frustrações e ansiedades ou para

manifestar situações conflituosas do interior, contribuindo para o equilíbrio e fomentando o

gosto pela estética.

Concentração e persistência – estes são elementos necessários para a vida toda que

podem ser trabalhados com a criança, porém exigem mais tempo e mais dedicação.

Colaboração - trabalhos coletivos e materiais compartilhados desenvolvem noções de

grupo e ser parte de um todo.

Os benefícios da utilização de recursos manuais são inegáveis. Contudo, nem todas as

pessoas que trabalham com crianças lançam mão destes recursos. Alguns se consideram

inaptos para as artes, considerando ser necessário “o dom” para isso, mas a grande maioria

não os utiliza apenas por desconhecimento das técnicas. Para amenizar tais preocupações

listaremos algumas considerações significativas no emprego destes recursos:

1) Estude a técnica de arte e saiba como empregá-la antes de oferecê-la às crianças.

Geralmente as orientações de revistas específicas são fáceis de serem compreendidas, ge-

ralmente acompanhadas com um passo a passo ilustrado. Faça testes em casa, execute a

tarefa antes de apresentá-la às crianças.

2) Lembre que a experiência criadora da criança é mais importante para o seu desen-

volvimento que o resultado final. Deixe as crianças livres durante o processo de criação.

3) Não espere realismos ou alguma coisa compreensível, nem julgue o trabalho de

uma criança por meio do padrão estético dos adultos.

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69

4) Lembre-se que a criança pequena representa em tamanho maior o que é mais im-

portante para ela, independente se o recurso for um desenho, modelagem, pintura ou outra

forma qualquer de representação da sua realidade.

5) Incentive, encoraje e saiba apreciar o resultado do esforço infantil. Não fique pro-

curando “coisas erradas”, apontando para elas ou tentando consertá-las. Não interfira ou

modifique o trabalho da criança.

6) Chame a atenção das crianças para o seu dia a dia, incentive-as a serem observado-

ras e proporcione a elas vivências interessantes . Assim enriquecerá a expressão gráfica e

oral delas.

7) Exponha sempre os trabalhos de todas as crianças. Se o número for grande pode ser

estabelecido um rodízio, mas é importante que todos sejam expostos, a menos que a criança

não o queira fazer.

8) Apoio afetivo é indispensável à expressão criadora. Mantenha sempre uma relação

de amizade com suas crianças.

A utilização do material apresentado até aqui, de forma cuidadosa, amorosa e respon-

sável auxiliará as pessoas que se aventurarem a participar do fascinante universo infantil,

navegando pelas fronteiras da espiritualidade da criança e cavalgando pelas relações sociais

através do tempo, a desempenharem de forma mais segura e eficaz a difícil tarefa de ensinar

acerca de Deus e de suas manifestações na vida humana, para os pequeninos.

A síntese do sentimento derradeiro deste trabalho encontra corpo nas palavras de Re-

mi Klein, Danilo Streck e ManfredoWachs, ao desbravarem as fronteiras da criança e sua fé:

Na nossa vivencia como pais e educadores, notamos que orar com crianças,contar-lhes histórias bíblicas e dialogar com elas sobre a fé tem enriquecidoa nossa própria fé... Esse tipo de relacionamento nos ajuda a compreender atarefa de pais e educadores como instrumentos de Deus. Descobrimos assimque não estamos sozinhos na tarefa da educação cristã dos filhos e de outrascrianças. Os pais são os melhores e mais legítimos instrumentos da educaçãocristã das crianças. Contudo, jamais poderão dar a fé à criança. Na verdade, éDeus quem faz crescer a semente da fé. Nós como pais queremos nos colo-car diante de Deus em oração, numa atitude de humildade e impotência, mastambém em confiança e na certeza de sermos ouvidos por ele. Esta mesmaatitude queremos despertar nas crianças.78

78 KLEIN, Remi; STRECK, Danilo & WACHS, Manfredo. Deus mora no céu: a criança e sua fé. São Leopoldo– RS: Editora Sinodal, 1996. p. 36.

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70

CONCLUSÃO

É impressionante como o universo sócio-religioso infantil é “fascinantemente” desco-

nhecido para os adultos, uma vez que todos já foram crianças um dia. Deixar a segurança de

um mundo racionalmente estruturado para aproximar-se das incômodas inquietações infan-

tis parece mexer com as dúvidas elementares da vida que ameaçam a própria estabilidade

criada pela razão. Falar de Deus à criança, então, pode mexer com a própria fé dos adultos e

coloca-los diante do fato de que eles têm mais dúvidas em sua espiritualidade do que res-

postas certas e concretas a oferecer aos pequeninos.

Contudo, como visto, a fé é um elemento natural na criança justamente por ser um a-

tributo da própria existência e da busca pelo sentido da vida. A criança como participante

ativo de todas as esferas da vida humana não é indiferente no campo da espiritualidade ou

da religião. A grande diferença surge por meio da sua própria compreensão do mundo, que

está vinculada ao seu desenvolvimento cognitivo ou intelectual, porém, isto não diminui em

nada o seu potencial de relacionamento com o transcendente.

Não são as fases ou estágios que direcionam o surgimento da fé ou da curiosidade so-

bre os assuntos religiosos, eles apenas apresentam indicativos de como as crianças compre-

endem o mundo, passando todas as informações recebidas, incluindo as religiosas, por esta

compreensão. Além disso, como visto, a fé implica em relacionamento amoroso que se de-

senvolve tanto no convívio social como na percepção de Deus que a criança absorve da pró-

pria criação. Assim como a criança passa por um processo de amadurecimento do corpo e

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71

do intelecto ela também carrega consigo um grande potencial religioso para desenvolver a

sua espiritualidade, e isto não pode ser negligenciado por aqueles e aquelas que acomp a-

nham o seu desenvolvimento , seja no lar, na escola ou na igreja.

Apesar destas considerações notamos que a visão centenária, ou até mesmo milenar,

de ver a criança como um sujeito passivo das relações sociais persiste através da história,

não de forma teórica, mas ainda de forma concreta. A igreja, como movimento divino, preo-

cupa-se em apontar o lugar de primazia da criança no Reino de Deus, porém, como organi-

zação social, sujeita-se à visão histórica dominante não tendo preocupação com a particip a-

ção das crianças em suas atividades celebrativas cotidianas, ou com a adaptação da lingua-

gem do culto para que favoreça a edificação de todos os participantes, incluindo as crianças.

O descuido nesta área favorece uma geração de crianças que ao invés de terem seu potencial

religioso desenvolvido, passam a ter aversão ou desencanto pelos assuntos religiosos.

Os avanços conquistados até o momento, sejam por meio do Estatuto da Criança e

do Adolescente, sejam por meio da organização de uma entidade ecumênica em prol da in-

fância como a Pastoral da Criança, ainda são passos iniciais no processo de estabelecer um

relacionamento justo nas esferas sociais e na validação dos direitos adquiridos pela atual

concepção da infância, com todas as suas necessidades, dificuldades e potenciais.

Dentro destas relações justas a igreja precisa assumir seu caráter profético na prática

reconhecendo sua importância pedagógica na orientação do desenvolvimento da espiritual i-

dade da criança para que esta possa construir uma visão positiva de Deus, lembrando que a

fé não pode ser ensinada, por ser parte da natureza humana, mas o caminho para a constru-

ção da imagem e do relacionamento com Deus sim.

Mesmo sem terem a capacidade de outorgar a fé a seus filhos, os pais são os prime i-

ros instrumentos da educação cristã das crianças, sendo seguidos pela comunidade ou pela

própria natureza. O antropomorfismo característico da infância pode sofrer influência destes

referenciais de forma positiva ou negativa, mas isto não deve ser tomado como regra, e sim

como uma informação que merece atenção em alguns casos. Por isso, a escolha do material

mais apropriado para cada faixa etária, da linguagem a ser empregada, da forma como será

elaborada e conduzida a aula com as crianças são fundamentais para o bom aproveitamento

e absorção das informações por parte dos pequeninos e para que a tarefa de auxiliar o de-

senvolvimento da fé nas crianças seja agradável para o educador cristão.

Assim sendo, negligenciar o potencial religioso que a criança carrega consigo é um

erro que pode se tornar irreparável. Negligenciar nossa função de educadores cristãos diante

das crianças, dentro ou fora de uma sala de aula, é negligenciar a nossa própria fé. Assumir

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72

corajosamente este desafio é tornar nossa fé madura diante dos questionamentos infantis,

que na sua maioria expressam os nossos questionamentos mais íntimos em relação a Deus.

Ao nos aproximarmos das crianças, e da sua fé pura e simples, nos aproximamos dos senti-

mentos e desejos mais profundos da nossa existência: a necessidade de dar e receber amor e

encontramos na relação com Deus a plena satisfação desta necessidade humana.

A relação existente entre os extremos da vida, encarnados na figura dos netos e avós,

exala conjuntamente pedagogia e sabedoria, porque crianças e idosos são parecidos. As cri-

anças têm um mundo a descobrir e muitas coisas a aprender até serem idosos. Já os idosos...

por já terem descoberto o mundo... aprenderam que o que mais importa é ser eternamente

criança.

Page 73: as fronteiras da fé na criança: descobrindo as relações socio

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ANEXOS

Anexo 01 – entrevistas

Entrevista 01

Fonte: AREDES, Helena Maria Vieira Borges. A criança como agente da ação de Deus no

culto cristão. Dissertação de mestrado. Curso: Pós-Graduação em Ciências da Religião. São Bernar-

do do Campo. Instituto Metodista de Ensino Superior, 1997.

V. tem 10 anos e freqüenta a Igreja Metodista desde os 4 anos.

Entrevistadora: O que você acha da Igreja Metodista?

V. Ah! Eu acho como qualquer outra.

E. Não tem diferença de outras igrejas? Você costuma ir em outras igrejas?

V. Só quando eu estou de férias.

E. O que você acha do pessoal da igreja?

V. o G...(citando o nome do zelador), eu...oresto são legal. É, só o G. e a I., eu acho que é bom.

Eles são bons.

E. Que você mais gosta na igreja?

V . Na escola é... Escola Dominical.

E. Por que você acha a Escola Dominical mais legal?

V. É porque não fico escutando o que o pastor fica falando.. .no nosso ouvido. A gente fica fa-

zendo, o que, as coisas, é desenho, recortes...

E. Você costuma vir no culto, na Igreja à noite, no domingo?

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V. Não. Só quando é assim, dia de festa. Porque... e quando eu não tenho aula (explica que es-

tuda de manhã e costuma dormir cedo para acordar cedo)

E. Por que? Você mora longe?

V. Eu moro lá no... eu moro um pouco longe.

E. Mas você já veio então em alguns cultos à noite?

V. Ahan! (afirmação)

E. E o que você achou dos cultos?

V. Olha, do culto eu acho que o pastor fala muito. Num gosto muito de ouvir. Só depois que

tem festa. Depois quando tem a festa... daí que é melhor.

E. Você lembra de alguma coisa de algum culto que o pastor falou, que ficou assim bem marcado para

você, que você lembra sempre?

V. Ah! Eu não , não lembro...

E. Você já participou de algum culto? Não só ouvindo, mas de uma outra... de um outro jeito? Partic i-

pou de alguma forma?

V. (responde sorrindo) De pé... De joelho.. .

E. Ficou de pé, de joelho, sentado. Mas assim... participou de alguma forma assim: lendo, cantando,

uma apresentação sozinho, alguma coisa assim?

V. Só cantando.

E. Só cantando juntamente com o resto do pessoal?

V. Ahan! (afirmação)

E. Você acha que poderia ter mais participação da criança no culto?

V. Eu acho, porque sem criança não tem graça. É a criança dá mais felicidade.

E. Dá mais vida no culto?

V. Dá mais alegria. Mais alegria. ..

E. Você acha de que jeito? O que as crianças poderiam fazer para ficar um culto mais al egre?

V. Elas fazerem o culto.

E. Então... você tem algumas idéias do que as crianças poderiam fazer no culto?

V. A maioria das formas é cantando. Porque é melhor.

E. Porque é mais gostoso. Você acha que as crianças podem ler, podem falar sobre textos bíblicos e

fazer oração?

V. Eu acho que podem.

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Entrevista 02

Dinâmica com crianças entre 03 e 10 anos em uma reunião informal, durante um culto com

crianças. Simulação de uma entrevista sobre Deus para ser publicada em um jornal:

Entrevistador (E): Eu tenho uma matéria para fazer sobre Deus e eu não sei nada sobre Ele. Alguém

poderia me dizer alguma coisa sobre Ele?

Menina, 9 anos: Deus mora no céu.

E: Legal, eu não sabia disso. Vocês concordam com ela?

Todos (T): Sim!

E: E onde fica esse céu?

T: Fica longe... Lá em cima...

E: Mas se o céu fica longe, então Deus não está aqui, certo?

Menino, 8 anos: Ele tá no céu, mas tá aqui com a gente também.

E: Isso é muito interessante. .. Mas... como é esse céu?

Menino, 8 anos: É azul!

E: É azul!

Menina, 6 anos: É azul, mas de vez em quando fica preto.

E: Quer dizer que o céu pode ser azul ou preto?

Menino, 3 anos: É preto porque é de noite. Olha lá fora...

E: É mesmo.. . Então quer dizer que a casa de Deus pode ser azul ou preta? Por que será? Será que Ele troca

de cortina?

T: Não (risos).. .

Menino, 8 anos: Ele faz ficar de noite.

Menino, 3 anos: Quando fica de noite... é... fica... Ele fica de dia.

Menina, 10 anos: (rindo) Não troca de cortina. Só fica de noite.

E: Mas como fica de noite?

Menino, 8 anos: Deus faz ficar de noite.

E: Eu já descobri um montão de coisas com vocês... Deus mora no céu... É Ele que muda o dia prá noite...

Menina, 10 anos: Ele não mora só no céu. Ele mora no nosso coração.

E: Mora no coração? Ele mora no coração de vocês?

T: Siiiimmm...

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E: Puxa! Que coisa legal! Mas me digam uma coisa... Eu nunca vi Deus... Com que será que ele se parece?

Como Ele é?

Menino, 8 anos: Não sei...

Menina, 7 anos: Eu só sei que o cabelo dele é marrom.

E: O cabelo é marrom?

Menina, 8 anos: E a barba dele também é marrom.

E: Ele tem cabelo e barba marrom! Que mais?

Menina, 3 anos: Ele tem um cantinho pro menino sentar.

E: Tem um cantinho pro menino sentar! Que barato! Eu já descobri um monte de coisas sobre Deus: Ele

mora no céu, mora no nosso coração, tem cabelo e barba marrom...

Menina, 9 anos: (interrompendo) E os olhos dele são castanhos.

E: Olha... eu nunca fui lá no céu. Como será o céu?

T: É um lugar bonito... É bonito...

Menina, 7 anos: Também tem estrela. ..

E: Mas eu já vi o céu ficar preto, e ficar como se fosse chover muito forte...

Menina, 9 anos: Aí não é bonito...

Menina, 3 anos: Olha a lua que eu fiz... Ela tá na casa dele...

E: Que legal! Olha... Eu quero agradecer esta entrevista que vocês deram porque foi muito legal para mim.

Eu já aprendi muita coisa sobre Deus e vou colocar tudo no meu jornal, pra todo saber quem é Deus, onde

Ele mora... Mas peraí... Agora eu fiquei confuso... Como Deus pode morar no nosso coração?

Menina, 9 anos: É do fato da gente gostar dEle.

Menina, 3 anos: Ele mora no coração do vovô e da vovó.

Menino, 3 anos: É que no coração tem um nome...

E: Tem um nome? Que nome?

Menina, 7 anos: Deus e Jesus...

Menino, 3 anos: É... O Jesus tá no nosso coração.. .

E: Olha galerinha... muito obrigado mesmo pela entrevista. Ela vai ser um sucesso e muita gente vai apren-

der sobre Deus por meio de tudo o que vocês me ensinaram.

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Anexo 02 – questionários escolares

Fonte: SANT’ANNA, Vera Lucia Lins. A influência do sobrenatural no imaginário infantil.

Tese de doutorado. Curso de pós-Graduação em Ciências da Religião. São Bernardo do campo,São

Paulo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. (p. 192 até p. 201)

Tabela 01 -Quem é Deus?

Quem é Deus? Quem é Deus?Escola Pública - 7 e 8 anos Escola Particular A - 7 e 8 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemPai de todas as pessoas 31% Pai 38%Deus de bondade 13% Pessoa que ajuda todos / bonito 13%Pessoa gentil e boa 12% Amigo 6,3%Alegria e amor 11% Luz 6,3%Salvador 9% Ser bom 6,3%Pai amigo, irmão, primo 6% Santo 6,3%Tudo que puder imaginar 6% Homem bom / velho / sem poderes 6,3%homem bom e corajoso 4% Poderoso / homem forte 6,3%Nosso coração / vida 4% Morreu na cruz por nossos pecados 6,3%Herói e rei 2% Legal / grande 6,3%Jesus 2% Total 100%Total 100%

Quem é Deus? Quem é Deus?Escola Particular B - 9 A 11 anos Escola Particular C - 9 a 11 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemDeus é tudo 22% Pessoa boa 22%Pessoa importante, criador do

mundo 22% Senhor majestoso / pai 19%Força superior 5,6% Criador 16%Pessoa normal, honesta 5,6% É espírito / guardião / alma 9%Grande, feliz, barbudo 5,6% Pessoa que fica ao lado de Jesus / Maria 6%Velho alto, pessoa boa e mandona 5,6% Não acredito, não é nada para mim 6%pessoa de cabelo branco e feliz 5,6% Existe na mente de quem acredita 3%Grande, bonito, alto e magro 5,6% É a natureza 3%Fica ao lado de Jesus 5,6% É uma força maior 3%Pai de todos / Poderoso 5,6% Pessoa que usa os poderes para o bem 3%Humilde cidadão, irmão amigo 5,6% Rei que tem magias, poderoso, anjo 3%Minha vida 5,6% Deus é sol, ser superior 3%Total 100% Criador, bonito e feio, poderoso e humilde 3%

Total 100%

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Tabela 02 -Onde Deus mora?

Tabela 03 - Como você conversa com Deus?

Como você conversa com Deus? Como você conversa com Deus?Escola Pública - 7 e 8 anos Escola Particular A - 7 e 8 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemRezando 49% Rezando 88%Orando 43% Orando 12%Com o coração 3% Total 100%Pela imaginação/sonhos 5%Total 100%

Como você conversa com Deus? Como você conversa com Deus?Escola Particular B - 9 A 11 anos Escola Particular C - 9 a 11 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemRezando 61% Rezando 44%Orando 22% Orando 25%Na igreja 11% Meditando 9%Através da Bíblia 5% Não converso com Deus, mas com a mente 6%Total 100% Quando morre 3%

Conversando com as plantas e animais 3%Natureza 3%para mim ele não existe 3%Pelo pensamento, vejo a resposta no ar 3%Total 100%

Onde Deus mora? Onde Deus mora?Escola Pública - 7 e 8 anos Escola Particular A - 7 e 8 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemNo céu 82% No céu 87%No coração 9% No oração 13%Nas nuvens 3% Total 100%No paraíso 3%Na terra, pensamento 3%Total 100%

Onde Deus mora? Onde Deus mora?Escola Particular B - 9 A 11 anos Escola Particular C - 9 a 11 anosRespostas Porcentagem Respostas PorcentagemNo céu 89% No céu 50%No coração do mundo 11% No coração 19%Total 100% No infinito 9%

Em todo o lugar 6%Lugar nenhum 6%Na terra 3%Em tudo o que vive, em todos nós 3%Somos parte de Deus 3%Total 100%

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Anexo 03 – orações de crianças

Menino, 3 anos

Jesus, obrigado pelo dia, abençoa o meu pai, a mãe, minha irmã, eu, meu avô, minha avó, o

cachorro e a coleira do cachorro. Amém.

Menina, 5 anos

Querido Deus obrigada por este dia maravilhoso que temos e obrigada por responder nossas

orações. Em nome de Jesus, amém.

Menina, 7 anos

Papai do céu, olhe por minha família e cuide dela. Obrigada pela comida que eu como. Obri-

gado por tudo que você me dá. Me perdoa por todas as coisas erradas que fiz. Obrigada por seu Fi-

lho, amém!

Menina, 7 anos

Senhor Jesus, obrigado pelo dia que tivemos, pela comida. Abençoa as crianças pobres para

que elas possam ser iguais a nós. Põem os teus anjos ao redor da nossa cama e amanhã quando a

gente acordar poder tirar eles de volta da nossa cama. Em nome de Jesus amém.

Menino, 8 anos

Querido Deus, nós te agradecemos pelo alimento que comemos, pelas roupas que vestimos e

pelo teto sob o qual vivemos. Oramos pelas pessoas que não tem lar para que elas encontrem um lar.

E oramos por todas as pessoas no hospital para que fiquem boas.

Menino, 8 anos

Querido Deus, obrigado por fazer chover para as flores. Por favor, perdoe-me por tudo o que

tenho feito. Por favor, ajude as pessoas que estão doentes. Por favor, ajude as pessoas que precisam

de alimento.

Menino, 9 anos

Querido Deus, obrigado por tudo o que eu tenho. Por favor, faça o meu gato ficar melhor por-

que minha mãe o atropelou com o carro ontem à noite. Estou contente que ele não tenha quebrado

nenhum osso. Amém!

Menina, 9 anos

Obrigada pelo alimento e abrigo e minha família e outras coisas. Obrigada pelos amigos. O-

brigada principalmente pela minha família.

Menino, 10 anos

Querido Deus, obrigado pelas muitas bênçãos que você tem nos dado. Por favor, me ajude a

usar estas bênçãos para ajudar outras pessoas. Perdoe-me por todas as coisas más que tenho feito,

amém.

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Anexo 04 – desenhos de crianças sobre Deus

Fonte: SANT’ANNA, Vera Lucia Lins. A influência do sobrenatural no imaginário infan-

til. Tese de doutorado. Curso de pós-Graduação em Ciências da Religião. São Bernardo do cam-

po,São Paulo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001.

(Figura 01 – p. 206) (Figura 02 – p. 206)

Deus é pai, irmão, amigo, salvador, criador - 8 anos Deus é um homem bom velho e não tem poderes, 8 anos

(Figura 03 – p. 208)

Deus é a natureza pois não tenho religião – 10 anos

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Desenhos sobre Deus e sua moradia

Fonte: Dinâmica com crianças entre 03 e 10 anos em uma reunião informal, durante

um culto com crianças.

(Figura 04 - Menina, 6 anos) (Figura 05 – Menina, 7 anos)

(Figura 06 – Menino, 8 anos) (Figura 07 – Menina, 9 anos)

(Figura 08 – Menina, 9 anos) (Figura 09 – Menina, 10 anos)

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Anexo 05 – modelo de história

Esta história esta baseada em uma publicação da Revista Bem-te-vi e foi adaptada pa-

ra ser contada no culto infantil, para crianças entre 03 e 09 anos, em setembro de 2005, por

motivo da entrada da primavera. A solicitação inicial é que as crianças acompanhem todos

os movimentos da história, interagindo como se cada uma delas fossem as personagens da

narração. O tempo estimado da história é de 10 minutos.

A SEMENTINHA QUE APRENDEU A SER SOLIDÁRIA

Era uma vez uma sementinha que gostava muito, mas muito mesmo de brincar sozinha. Elaachava que nunca precisaria de ninguém e adorava rolar pela terra carregada pelo vento....

(distribuir uma sementinha para cada criança colocando-a na palmada mão e pedindo para que as crianças a balançassem de um lado pa-ra o outro como se ela estivesse brincando)

Porém, um dia, houve um vento muito forte, mas muito forte mesmo que assustou muito a se-mentinha...

(pedir para que as crianças soprem com toda a força para cima)

O vento foi tão forte que começou a levantar a terra. E a terra começou a cobrir a sementinha...(soprar levemente fechando a mão como se a terra tivesse cobrindo asementinha)

A sementinha que gostava tanto de brincar sozinha estava agora presa, bem apertada naquelelugar escuro e frio....

(espiar a sementinha no escuro)Ela começou a ficar com muito medo e só chorava... Mas, o tempo foi passando e um belo diaa sementinha escutou um barulho muito forte. Era a dona chuva que estava chegando.- Bom dia, sementinha. Por que você não rompe esta casquinha e vem brincar comigo aqui fo-ra?- Eu não consigo... Ela é muito dura!- Então eu vou aí te ajudar... E a dona chuva foi chegando...

(fazer uma nuvem de cartolina e colar tiras de celofane. Passar achuva na mão de cada criança)

A sementinha sentiu uma coisinha gelada nas suas costas. Era a água da dona chuva que tinhapassado pela terra e agora estava ajudando a sementinha nascer. O tempo foi passando e a do-na chuva foi embora dizendo que voltaria outro dia para brincar com a sementinha. Mas, a á-gua da chuva ajudou mesmo a sementinha a nascer...

(colocar um raminho entre os dedos de cada criança)

Agora a sementinha estava livre e novamente poderia brincar com o vento. Porém, o que elanão esperava era que o vento soprasse com força novamente...

(todos devem soprar o raminho)

A jovem arvorezinha, que um dia tinha sido semente, sentiu muito medo a princípio, mas derepente sentiu que ela estava muito firme na terra. Ela agora tinha raízes... Não poderia mais

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andar por aí com o vento, porém nunca mais seria enterrada naquele lugar escuro, embaixo daterra. A dona chuva como prometeu voltou para brincar com a sementinha...

(passar a chuva nos raminhos)

De tanto em tanto tempo a dona chuva vinha brincar com a jovem plantinha que foi crescen-do... crescendo...

(trocar os raminhos por um galho que simbolize uma árvore)

O tempo passou e chegou a primavera. Novamente a dona chuva veio brincar com sua ami-guinha, porém não a reconheceu. Sabem por quê? Por que ela estava enfeitada com uma lindaflor...

(distribuir uma florzinha para cada galho)

- Você está muito bonita minha amiguinha! Quase não a reconheci!- Obrigada, dona chuva. Não apenas pelo elogio, mas por toda a ajuda que a senhora me o-

fereceu nos momento difíceis e alegres pelos quais passei. Hoje eu sou bonita, forte e tam-bém posso oferecer ajuda a todos os que se chegam até mim. Acolho passarinhos em meusgalhos, minhas flores se transformarão em frutas saborosas para as crianças e minha som-bra refresca os viajantes cansados que passam por aqui.

O tempo passou e a amizade da chuva com a sementinha que virou árvore ficou tão forte quenunca mais elas deixaram de brincar uma com a outra. Mas o mais importante foi a grande li-ção que a chuva ensinou para a sementinha: ter um amigo de verdade é muito melhor do queviver sozinho.

(terminar com uma atividade de desenho sobre a história ou plantan-do a sementinha em um vasinho)