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AS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO DA SOCIABILIZAÇÃO DA PESSOA CEGA1
Sônia Stefano2
RESUMO: Pessoas cegas congênitas apresentam dificuldade em expressar-se livremente, desinteresse por brincadeiras e socialização restrita. Verifica-se que a música pode ser uma rica possibilidade prática e lúdica de auxílio no desenvolvimento destas limitações acarretadas pela cegueira. Pensando na dificuldade encontrada por professores da rede regular de ensino, surge a problemática deste trabalho: quais as contribuições da música no processo de desenvolvimento social da pessoa cega? Assim, tem-se como objetivo identificar as contribuições que o ensino musical pode proporcionar para sociabilização do aluno cego, bem como, conhecer as características e as possíveis limitações que a condição da cegueira pode acarretar e proporcionar em experiências práticas e lúdicas a partir da música por meio de Métodos Ativos, a exploração dos princípios básicos da Musicografia Braille e a realização da Mostra Artística para a comunidade. Pensou-se em uma Produção Didática no formato de um Caderno Pedagógico, composto de quatro unidades, sendo executada em 34 horas aulas, utilizando-se de metodologias que oferecem um contato musical por meio da vivência e experimentação, com o corpo, a voz, e a criação musical, com enfoque especial para um dos precursores no Brasil do referido Métodos Ativos, Heitor Villa-Lobos. Ressalta-se que, além das práticas musicais, a proposta culminou em uma apresentação artística intitulada “Conto, Canto e Encanto de Tuhu”. Presenciou-se que, ao aproximar os alunos cegos da comunidade e mostrar suas potencialidades por meio da mostra artística, ocorreu a elevação da autoestima dos mesmos, por sentirem-se em destaque e inclusos na sociedade em que vivem. Desta forma, verificou-se a possibilidade de se desenvolver a sociabilização da pessoa cega por meio da música. Palavras chave: Cegueira. Música. Sociabilização. Inclusão.
Introdução
Considerando o valor da arte musical no contexto escolar, conhecendo as
diferentes possibilidades de oferta e contribuições positivas que esta pode
1 Artigo como produção da quarta etapa do Programa de Desenvolvimento do Estado do Paraná- PDE 2016/2017, sob a orientação da professora Flaviane Pelloso Molina Freitas. 2 Sônia Stefano Graduação em Licenciatura em Ciências - Habilitação em Matemática, Artes Visuais e atualmente concluindo uma Graduação em Música. Pós Graduação: Educação Especial, Arte e Inclusão. E-mail: [email protected]; [email protected].
proporcionar, surge a necessidade de aprofundar conhecimentos e levar a
professores e a outros que possam se interessar pelo assunto, subsídios teóricos
e práticos para realizar uma abordagem musical com alunos cegos de forma
significativa.
Muitas são as particularidades e os desafios para a adaptação social
desses indivíduos. As experiências positivas vivenciadas, sejam para cegos
congênitos ou para aquelas ocasionadas no decorrer de sua vida, contribuem para
que estabeleça uma relação com o mundo em que vive, e, principalmente,
desperte seu interesse para o aprendizado.
O educador se depara com uma oportunidade única, ou seja, mediar uma
abordagem pedagógica consciente utilizando como ferramentas as variadas
possibilidades de aproximação que o fazer musical pode proporcionar por meio
dos: jogos cantados, canto, prática instrumental e outras. Estas práticas podem
permitir um envolvimento com os vários saberes e serão ofertadas no momento
em que suas personalidades vão se moldando, auxiliando-os nessa caminhada e
procurando aos poucos prepará-los para enfrentar os desafios e superar suas
limitações na medida em que estas se apresentem.
Esse processo de socialização é de suma importância para acrescentar
valores na vida dos alunos cegos, principalmente em crianças em que estas
práticas de convívio social se dão naturalmente, e nesse público é imprescindível
uma intervenção.
Segundo Dias (1995) a criança cega deverá necessariamente percorrer as
mesmas etapas das outras crianças, ela se considera capaz ou incapaz na
medida em que o agir toma consciência de sua eficácia ou de sua ineficácia. Cabe
ao educador intervir e reforçar os aspectos positivos, corrigindo os negativos e
evitar, sobretudo, atitudes de superproteção.
O contato com a arte é capaz de proporcionar oportunidades de superação
de limites, uma vez que o processo de aprendizagem envolve um resgate histórico
e cultural, no qual é possível aliar a teoria à prática, despertando nos alunos a
curiosidade pelo assunto para que estes no mínimo sejam futuros formadores de
opiniões e propagadores da cultura brasileira.
Ao pensar em uma forma de intervir nesse processo, propor situações com
a perspectiva de diminuir as barreiras sociais voltadas principalmente à inclusão
desses alunos, este artigo aborda uma proposta musical fundamentada em
Métodos Ativos em Música. Esta abordagem foi desenvolvida e experimentada no
Brasil, a partir de meados do século XX, em que se estabelecem mudanças
significativas nos métodos tradicionais em Música que focalizavam no ensino para
poucos e, assim, ampliando a oferta em um ensino musical para todos.
Outras contribuições observadas indicam que o envolvimento com o fazer
musical desenvolve a percepção, a concentração, o raciocínio, as habilidades
motoras, a disciplina, a socialização, a interação, a criatividade, as capacidades
cognitivas, a elevação da autoestima, entre outras. Tais aspectos do
desenvolvimento a partir da Música acabam contribuindo para o desenvolvimento
global do aluno, favorecendo a adaptação social e a integração na sociedade.
Ainda dentro dessas considerações, leva-se em conta o amplo conhecimento
cultural, acadêmico, histórico e tantos outros a serem alcançados que estão
respaldados na arte musical, possibilitando ampliar o conhecimento de mundo dos
envolvidos.
A arte musical pode colaborar de forma significativa para o
desenvolvimento do aluno, sendo um meio facilitador na práxis pedagógica,
justificando-se, então, a presente investigação. Quando introduzida de forma
lúdica, ela oferece os subsídios necessários à aprendizagem e ao envolvimento
desses alunos com o mundo que os cerca.
A arte vivenciada e compartilhada pode aproximar e estabelecer uma
experiência com a pessoa que vivencia e com o outro com quem se compartilha
essas situações. Nessa perspectiva, vem à tona a problemática deste trabalho:
Quais as contribuições da música no processo de desenvolvimento social da
pessoa cega?
Na intenção de responder ao questionamento acima, elencou-se como
objetivo geral: identificar as contribuições da música para o desenvolvimento da
sociabilização do aluno cego.
E como objetivos específicos:
i) Conhecer algumas características de pessoas cegas e as possíveis
limitações que a condição pode acarretar ao desenvolvimento da sua
sociabilização.
ii) Proporcionar, aos alunos, experiências práticas e lúdicas através da
música, para que possam desenvolver suas potencialidades, além de promover a
interação social.
iii) Estabelecer relações entre os autores de princípios de Métodos Ativos
em música com os brinquedos cantados, a valorização da cultura e do folclore
brasileiro.
iv) Explorar princípios básicos da Musicografia Braille.
v) Compreender a função do trabalho musical e as contribuições para os
envolvidos.
vi) Realizar mostra artística para a comunidade, a partir das experiências
musicais adquiridas envolvendo alunos cegos com pessoas não pertencentes ao
seu convívio social.
E assim, considerando as particularidades de aprendizagem deste público-
alvo, é importante a formação do professor e o aprofundamento dos estudos na
área para que, dessa forma obtenha os subsídios teóricos e práticos, permitindo
uma real contribuição para o processo de ensino e aprendizagem.
Conceituando a Cegueira
Cada deficiência do público-alvo da Educação Especial renderia um estudo
à parte, entretanto nesta pesquisa o foco se volta em específico para pessoas
cegas que fazem parte da categoria de pessoas com deficiência visual, conforme
explicitado no Portal da Educação (2013).
A deficiência visual inclui dois grupos de condições distintas: cegueira e baixa visão. A cegueira é uma alteração grave ou total de uma ou mais das funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente. Baixa visão é a alteração da capacidade funcional da visão, decorrente de inúmeros fatores isolados ou associados, tais como, baixa acuidade visual significativa, redução importante do campo visual, alterações corticais e/ou de sensibilidade aos contrastes, que interferem ou que limitam o desempenho visual do indivíduo. Do ponto de vista Educacional: Cegos: são aquelas pessoas que apresentam “desde ausência total de visão até a perda da projeção de luz”. Seu processo de aprendizagem será através dos sentidos remanescentes (tato, audição, olfato, paladar) utilizando o sistema BRAILE como principal meio de comunicação escrita. Baixa visão: são aquelas pessoas que apresentam “desde condições de indicar projeção de luz até o grau em que a redução de acuidade interfere ou limita seu desempenho visual”. Seu processo educativo se desenvolverá, principalmente, por meios visuais ainda que com a utilização de recursos específicos como lupa, telelupa, escrita ampliada, entre outros (PORTAL
EDUCAÇÃO, 2013, s/p).
Assim detectada a condição física, é importante atentar para o
desenvolvimento da pessoa cega, que dependerá de muitos fatores, sendo
fundamental uma intervenção o mais cedo possível para que ela aprenda a
interagir com o mundo. Portanto,
Vygotsky (1934/1997) não nega as limitações da cegueira enquanto restrição biológica, mas afirma que, socialmente, não há limitações, porque o cego, por meio da palavra, pode se comunicar e apreender significados sociais. No entanto, a inter-relação do indivíduo cego com o ambiente não se dá sem conflitos (NUNES; LOMÔNACO, 2010, p. 59).
Pode-se então direcionar o trabalho, partindo da concepção de que
socialmente não há limitações, mas sim uma forma diferente de interação com o
mundo baseada na experimentação e que, necessariamente, vai exigir um
comprometimento por parte das pessoas envolvidas nesse processo, e que farão
toda a diferença na vida desses indivíduos.
Segundo Laplane e Batista (2008, p. 214) “[…] essas crianças podem
perder o interesse em explorar o mundo exterior por falta de estímulos tornando-
se apáticas e quietas”. Mas por outro lado,
A criança cega pode perfeitamente se apropriar das significações de seu meio e participar das práticas sociais, pois dispõe do instrumento necessário para isso – a linguagem. Além disso, a concepção de que,
com o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, o homem transforma sua relação com o mundo e nela introduz a dimensão semiótica, minimiza a dimensão da perda decorrente da cegueira (LIRA; SCHLINDWEIN, 2008, p. 187).
Dessa forma, o interesse pelo aprender da pessoa cega precisa ser
estimulado e a linguagem vai ser o meio pelo qual será proporcionada a
apropriação das significações. Diante disso, dentro do ambiente escolar, os
professores precisam estar atentos a essa realidade, pois:
Em decorrência do pouco conhecimento sobre a deficiência visual, os professores frequentemente têm baixa expectativa quanto à aprendizagem do aluno. A crença equivocada da pouca capacidade de aprendizagem do aluno cego prejudica-o muito, uma vez que tende a minimizar as propostas pedagógicas do professor. Outro ponto negativo quanto à educação do cego é a possibilidade do professor, por falta de preparo, adotar procedimentos educacionais tendo, como parâmetro, as formas de aprender do vidente. Em última instância, isso significa a recusa total do professor de encarar a deficiência e perceber suas possibilidades e limitações (NUNES; LOMÔNACO, 2010, p. 61).
Este trabalho considera que é possível contribuir para transformar essa
realidade. Essa mudança pode ser possibilitada por meio da arte musical, que
potencializará a interferência e o fazer das mediações necessárias para que os
alunos cegos possam ter a oportunidade de experimentar uma proposta musical
sem recortes, e que, ao final, essas apropriações possam interferir de forma
significativa para que a pessoa cega enfrente as barreiras sociais.
A arte musical e o desenvolvimento social dos alunos cegos
Em busca de experimentar diferentes metodologias que possam contribuir
na educação de alunos cegos, passou a se considerar proposta musical como
adequada aos objetivos pedagógicos elencados durante a vivência profissional.
Justifica-se essa percepção uma vez que a música é acessível em qualquer idade,
mesmo que estes sejam acometidos por quaisquer restrições físicas.
Parte-se da premissa que a proposta desenvolvida no ensino não tem por
finalidade formar músicos, mas sim apreciadores de arte. Portanto, escolheu-se
um caminho a seguir para que contribuísse não de forma isolada, simplesmente
ministrando aulas de arte, mas sim a partir de uma busca por desenvolver a
sociabilidade do aluno cego a fim de que ele possa integrar-se na sociedade.
Em recente debate sobre a importância do ensino de Arte algumas
colocações são bastante pertinentes e relevantes por ser também o aluno cego
parte da sociedade brasileira.
Uma das observações mais autênticas e verdadeiras sobre a gente brasileira é a que se refere à sensibilidade artística e à alegria, destacando o país entre muitos outros desse nosso mundo. Realmente, não há como não se encantar com nossa brava gente que, apesar dos problemas e das dificuldades, “segue em frente” fazendo do riso sua defesa e fazendo da música seu jeito especial de ser. Ensinar Artes, portanto, representa a vontade de dar estilo, estética, corpo e forma a essa maneira brasileira de se expressar pela dança, pela música, pelo teatro e pela imensa diversidade com que “fala” por meio de sua multicolorida arte visual (ANTUNES; SELBACH, 2010, p. 38).
Mais uma vez se evidencia a importância da música, que é a arte de
encantar a todos, e que esta pode trazer alegria e também pode ser trabalhada
com a pessoa cega, a fim de despertar seu potencial criativo, suas habilidades
rítmicas e favorecer seu desenvolvimento social.
Musicografia Braille
Pensando em oferecer ao aluno cego igualdade de oportunidades em
relação aos alunos videntes, propõe-se experimentar através da música uma
Introdução à Musicografia que foram levadas de forma lúdica, com
experimentações de jogos, registros de notas musicais, formas de compassos e
outros, para que os alunos começassem a familiarizar-se com esses recursos.
Deve salientar que como qualquer outra pessoa eles têm necessidade de ler, de
escrever ou mesmo de compartilhar seus conhecimentos. Portanto, seria
contrastante não oferecer também uma forma de independência com relação aos
estudos e registros musicais.
De acordo com Franco (2017) o hábito da leitura musical em Braille é capaz
de desenvolver as capacidades cognitivas. Vários são os benefícios na prática
desta modalidade, entre elas observa-se que para a assimilação do conteúdo faz-
se necessário realizar exercícios constantes, assimilar os sinais musicais e
significados sonoros, além de que memorizar uma partitura e organizar os sons, o
que proporciona na pessoa cega à estimulação da abstração, da percepção, da
concentração e de outras inteligências associadas.
Complementando essa abordagem inclusiva faz-se relevante uma
introdução ao método próprio para a escrita musical de pessoas cegas: a
Musicografia Braille. Assim,
A Musicografia Braille é a grafia utilizada para deficientes visuais lerem e escreverem partituras. O sistema de grafia Braille foi criado em 1825, por Louis Braille (1809 -1852), um francês que ficou cego devido a um acidente domestico na infância. Louis Braille estudou no Instituto Nacional para Jovens Cegos de Paris. Em 1829 tornou-se professor oficial de música, matemática, gramática e geografia neste mesmo Instituto. A partir do Sistema Barbier 3. Louis Braille fez adaptações até chegar ao próprio método para leitura e escrita: O Sistema Braille. Em seguida adaptou o mesmo Sistema para a leitura e escrita musical, dando origem à Musicografia Braille (TUDISSAKI; LIMA, 2012, p. 950-951).
Nesse mesmo sentido, tem-se que a,
Musicografia Braille ou código musical Braille. É um código Braille voltado para notação musical, o sistema de escrita musical. O código permite ao cego, assim como na partitura, definir a notação universalmente através das marcações de células com ponto em alto relevo, característico do Braille. Permite ao músico cego ensinar, compor, interpretar e aprender através de uma notação padrão. (TOMÉ, 2015, s/p).
Após muitos debates concretizou-se o Novo Manual Internacional de
Musicografia Braille que se respeitado pode permitir o intercâmbio de partituras
tornando a música uma linguagem universal também em Braille.
3 Sistema Barbier - Louis Braille, ainda jovem estudante, tomou conhecimento de uma invenção denominada sonografia ou código militar, desenvolvida por Charles Barbier, oficial do exército francês. O invento tinha como objetivo possibilitar a comunicação noturna entre oficiais nas campanhas de guerra. Baseava-se em doze sinais, compreendendo linhas e pontos salientes, representando sílabas na língua francesa. O invento de Barbier não logrou êxito no que se propunha, inicialmente. O bem intencionado oficial levou seu invento para ser experimentado entre as pessoas cegas do Instituto Real dos Jovens Cegos.
Métodos Ativos e Heitor Villa-Lobos
Segundo Figueiredo (2012), os Métodos Ativos são propostas que podem
ser identificadas como métodos de educação musical de crianças, jovens e
adultos em diversos contextos educacionais, que foram construídas por vários
educadores que buscaram levar a música a partir da experiência direta com os
diversos elementos musicais. Processos esses que oportunizam o contato com
várias dimensões do fazer musical.
Os Métodos Ativos em música surgem com as grandes mudanças ocorridas
na sociedade, alguns deles na verdade não são considerados métodos, mas sim
abordagens e propostas. Consideram-se como uma preparação para o ensino de
um instrumento, e no Brasil, foi iniciada nos grandes centros e em escolas de
música (FONTERRADA, 2008).
O ensino da música se mistura com a história da sociedade e em cada
período criança, jovem ou adulto é submetido ao ensino nos moldes de seu
momento histórico. A partir do século XX, educadores, comprometidos com o
ensino musical, aderem às propostas inovadoras com ideais construtivistas e
iniciam-se os chamados Métodos Ativos, pelos quais o aluno primeiro experimenta
e depois vai aprender a teoria musical (FONTERRADA, 2008).
Estes métodos chegaram ao Brasil por educadores que procuravam inovar e
introduzir metodologias apropriadas ao seu contexto. Essas metodologias
buscavam se embasar em nomes e modelos europeus, cujas propostas se
destacavam em seu país de origem e os incorporaram em suas práticas as
didáticas que por estes eram empregadas. Destacam-se aqui alguns precursores
com propostas pertinentes: Émile Jacques Dalcroze: (Suiça,1865-1950), Edgard
Willens, Zoltán Kodaly, Carl Orff, Shinichi Suzuki. (FONTERRADA, 2008;
MATEIRO; ILARI, 2012).
As propostas dos autores citados anteriormente trazem consigo a
importância da integração das linguagens artísticas ou focam no desenvolvimento
musical da criança, mas o fato é que abriram espaço a uma nova forma para o
fazer musical.
Na perspectiva de relevância desta integração e de desenvolvimento
musical, encontra-se também Heitor Villa-Lobos, que além de representante da
cultura brasileira, foi um compositor que valorizou o folclore. Segundo Fonterrada
(2008), Heitor Villa-Lobos deixou o seu marco na História do Brasil nas décadas
de 1930 e 1940 no Governo de Getúlio Vargas. O compositor quando apresentou
um revolucionário plano de educação musical com a finalidade de implantar e
democratizar o ensino de música nas escolas, em âmbito nacional, elevou a
música de forma acessível a um expressivo número de pessoas.
O maestro Heitor Villa-Lobos é considerado pelos musicólogos e pelos
historiadores um nacionalista, e fez de sua obra um tributo ao Brasil e ao seu
povo. Para Villa-Lobos a música era um meio eficiente de trabalho com a
formação das crianças já que elas são receptíveis. Segundo o Maestro:
Eu tenho uma grande fé nas crianças. Acho que delas tudo posso esperar. Por isso é tão essencial educa-las. É preciso dar-lhes uma educação primária de senso estético, como iniciação para uma futura vida artística. Temos mais necessidade de professores de senso estético do que de escolas ou cursos de humanidade. A minha receita é o canto orfeônico. Mas o meu canto orfeônico, na realidade, deveria se chamar-se educação social pela música (LOBOS s/a apud RIBEIRO, 1987, p.90).
O Maestro identificou na música folclórica a melhor forma de iniciar as
crianças na educação musical já que estas canções faziam parte do seu cotidiano.
Partindo da premissa de que a aprendizagem acontece a partir do que é
conhecido e, posteriormente, para o desconhecido, logo as crianças aprendiam a
cantar sem que precisassem saber as regras musicais, ou ler notas, aprendendo
pela prática. Dessa maneira, seria viável e conseguiria conscientizá-las sobre as
heranças culturais brasileiras.
O canto coletivo, com o seu poder de socialização, predispõe o indivíduo a perder no momento necessário a noção egoísta da individualidade excessiva, integrando-o na comunidade, valorizando no seu espírito a ideia da necessidade de renúncia e da disciplina ante os imperativos da coletividade social, favorecendo, em suma, essa noção de solidariedade humana, que requer da criatura uma participação anônima na construção das grandes nacionalidades (LOBOS s/a, apud RIBEIRO, 1987, p.90).
Em sua trajetória de formação musical conheceu na Europa o Método de
Kodály, que de acordo com Goulart e Fernandes (2000), este acreditava que a
música se destinava a desenvolver o intelecto, as emoções, e a base de seu
método eram as canções folclóricas, foi nesse ponto que Heitor Villa-Lobos se
identificou com os Métodos Ativos.
Ao ser convidado no Governo de Getúlio Vargas para assumir a
Superintendência de Educação Musical e Artística do Distrito Federal (SEMA),
criada por Anísio Teixeira e pode colocar em prática a seguinte proposta:
Com a implantação do Canto Orfeônico através do Decreto 19.890 em 18/04/31 e a consequente indicação de Villa-Lobos para as funções de orientador de Música e Canto Orfeônico - Distrito Federal, o compositor, dedica-se à Educação Musical e Artística brasileira. Em suas viagens à Europa, tinha conhecido os métodos ativos de Educação Musical e se encantara com a proposta de Kodaly, achando-a adequada as escolas brasileiras. Características do método de Kodaly: 1. o uso de material folclórico e popular da própria terra. 2. a ênfase no ensino de música por meio do canto coral. 3. o uso de manossolfa (PAZ, 2000, p.13).
O legado deixado por Villa-Lobos foi a valorização e a projeção da
música brasileira não apenas no território nacional como fora dele, e a partir de
sua admiração pelo Folclore e sua identificação com “os Métodos Ativos” em
especial de Zoltan Kodaly.
Nesse período, destaca-se o pensamento de Heitor Villa-Lobos da
socialização, uma das funções da música. E grandes apresentações foram
organizadas sob a regência do Maestro sendo o responsável pela orquestra,
banda, funcionários e professores de canto orfeônico. Em uma dessas ocasiões
chegou a reunir 40 mil vozes e 500 músicos de banda no Estádio São Jerônimo no
Rio de Janeiro para cantar hinos patrióticos (AMATO, 2015).
Suas obras foram projetadas a nível nacional e internacional com
composições de Choros, Sinfonias e Concertos, Óperas e Coral, e Obras para
Violão. Sua paixão pelo Brasil e as raízes nacionalistas se revertem em sua mais
importante obra “As Bachianas Brasileiras”, nelas se intencionavam construir uma
versão dos Concertos de Brandedsburgo de seu ídolo Johan Sebastian Bach.
Dentre estas composições a que se destacou é a nº 2 conhecida pelo 4º
movimento (Toccata) ou popularmente conhecida Trenzinho do Caipira
(MATEIRO; ILARI, 2012).
Procedimentos Metodológicos
O Projeto foi decidido após discussões com professores do Centro de
Atendimento Educacional Especializado – VISIAUDIO de Cornélio Procópio e
demais envolvidos na educação de alunos cegos, como também na observação
sobre a relevância da utilização da música como suporte educacional.
Com a definição do tema, elaboração de fundamentação teórica apropriada
e aval positivo da equipe pedagógica, deu-se continuidade às próximas etapas
desta pesquisa com o planejamento da prática pedagógica em sala de aula.
Tendo em vista uma proposta de envolver os Métodos Ativos em música e
o desenvolvimento social do aluno cego, pensou-se em uma Produção Didática no
formato de um Caderno Pedagógico, composto de quatro unidades.
Na Unidade I intitulada “Música e desenvolvimento social do aluno cego”, o
conteúdo dar-se-á em seis aulas. Nesta aula, inicialmente os alunos seriam
apresentados ao Projeto de forma sucinta para apreciação e a definição dos
sujeitos e envolvidos na execução prática do mesmo.
Em outro tópico desta Unidade, a Musicografia Braille, as ações serão
focadas no contato da Signografia Braille, inserida de forma lúdica utilizando-se de
jogos, prática de pulsação, solfejo e escrita musical em relevo. Os alunos além de
conhecer o projeto, entrarão em contato com a introdução à leitura e escrita
musical, utilizando-se para o aprendizado as Celas Braille, estas confeccionadas
pela professora PDE em materiais alternativos, uma vez que a escrita Braille é
bastante relevante para a independência musical de pessoas cegas.
Na Unidade II será abordada a “História da Música e os Precursores dos
Métodos Ativos em Música”, sendo que pelo planejamento distribui-se o conteúdo
em oito aulas.
Os alunos poderão ter um breve contato com a História da Música e
deparar-se com Métodos de ensino musical, que têm o objetivo de deixar de lado
o ensino tradicional e preocupar-se em levar propostas de forma lúdica e
prazerosa. E permitir ao experimentador a capacidade de associação tanto
espontânea como organizada de gestos e de sonoridades, na qual a musicalidade
se mistura em forma de jogo, de dança e de dramatização.
Durante as aulas, foi feita a opção pela utilização de práticas baseadas em
autores a partir do século XX que são denominados precursores dos Métodos
Ativos em Música, e suas metodologias oferecem um contato musical a partir da
vivência e da experimentação com o corpo, com a voz e com a criação musical.
Durante o processo os materiais pensados e necessários seriam:
instrumentos musicais como teclado, sanfona, violão, flauta doce. Instrumentos
de percussão: chocalho, pandeiro, atabaque, repique, surdo e outros. Além
destes, foi necessário o uso de equipamentos multimídia, como também recursos
variados para jogos musicais, materiais alternativos para produção sonora e
exploração do som, oportunizando contato musical acessível e inclusivo.
As atividades foram trabalhadas em forma de: jogos de copos, jogos de
mãos, exploração da percepção rítmica, jogos cantados e acuidade auditiva.
Esta Unidade foi ponderada com o objetivo de proporcionar uma
experiência que desenvolvesse em alunos cegos possibilidades diferenciadas do
fazer musical, além de estimular a percepção, o contato com o outro, a
autoestima, contribuindo assim no desenvolvimento da socialização.
A Unidade 3 recebe o título de “Conhecendo Heitor Villa-Lobos”, na qual o
conteúdo foi planejado para ser desenvolvido em vinte aulas, para aprofundar
conhecimentos da vida e Obra do autor que foi escolhido por estar diretamente
ligado ao Projeto.
Nas Unidades anteriores para realização de um trabalho lúdico necessitou-
se de seleção de um repertório musical que estivesse associado ao marco
histórico dos métodos ativos, oferecesse oportunidade do trabalho com a rítmica,
a criação musical e as expressões corporais, bem como os arranjos deveriam ser
simples adequado ao nível musical dos alunos e fazer parte do folclore nacional.
A escolha de Obras do Maestro Villa-Lobos vem de encontro com as
necessidades do projeto e será possível levar aos alunos cegos atividades
inclusivas unindo teoria e prática que são indissociáveis na música.
Após apresentar a Biografia do compositor os alunos poderão experimentar
jogos lúdicos com uso do computador, e participar de atividades desenvolvidas
especificamente para o projeto, constando de perguntas e respostas da vida e
obra do Maestro, bem como, conhecer sua relevante importância na História da
Música no Brasil.
As canções foram minuciosamente selecionadas para ser apresentadas
gradativamente aos alunos no decorrer das aulas e que ao final estas práticas
pudessem ser compartilhadas com a comunidade em forma de apresentação
artística e mais uma vez demonstrar que a utilização da música é pertinente para
desenvolver a socialização.
As Obras e composições de Heitor Villa-Lobos selecionadas são algumas
de sua própria autoria e outras que coletou em suas viagens pelo Brasil,
elaborando a partir da ideia vivenciada arranjo próprio e atribuindo a estas
canções folclóricas outrora repassadas culturalmente, um registro musical.
Estas canções folclóricas ganham popularidade em território nacional uma
vez que as utilizou em seu Programa de Educação Musical nas escolas de todo o
país.
Pensando na preparação da Mostra Artística, foram trabalhadas com as
canções: “Escravos de Jó”, “Carangueijo não é peixe”, “O cravo brigou com a
Rosa”, “Se esta rua fosse minha”, “Samba Lelê” e “O trenzinho do Caipira”. Outras
canções folclóricas contemporâneas e clássicas foram utilizadas no
desenvolvimento das aulas práticas para que os alunos possam apreciar
diferentes gêneros musicais.
As canções, selecionadas para o Musical, serão cuidadosamente
exploradas por meio de arranjos vocais e instrumentais, além de memorização e o
desenvolvimento de habilidades técnicas para execução instrumental, habilidades
sociais, ou seja, controle das emoções para apresentar-se no palco com domínio e
desenvoltura.
A Unidade 04 pauta-se na Mostra Artística propriamente dita, na qual os
alunos levaram ao público o Musical intitulado: “Conto, Canto e Encanto de Tuhu”.
A professora PDE, alunos do VISIAUDIO e convidados especiais
mostraram no palco em forma de Conto, as memórias de Heitor Villa-Lobos,
revivendo um pouco de sua vida, suas obras e poesias, inspiradas e coletadas em
suas viagens pelo Brasil.
Através da música, dança e teatro a plateia conheceu um pouco da
trajetória de Heitor Villa-Lobos, comprovar a relevância da experiência musical e
seus possíveis benefícios, assim como participar em momento muito significativo
dos alunos cegos, surdos e de outros que se apresentam no palco, com o intuito
de mostrar à comunidade que são capazes de enfrentar os desafios propostos
com garra e determinação.
Resultados e Discussões
Na aplicação da proposta pedagógica e implementação do Caderno
Pedagógico, foram selecionados dois alunos pré-adolescentes, com idade entre
11 e 12 anos, do Centro de Atendimento Educacional Especializado – VISIAUDIO
de Cornélio Procópio, sendo uma do sexo feminino, frequentando o
estabelecimento desde o primeiro mês de vida para um trabalho de estimulação
precoce, e outro do sexo masculino, que passou a frequentar a Instituição aos seis
anos de idade, ambos com cegueira congênita.
Os alunos cegos acima citados participaram em todas as etapas do projeto,
principalmente para dar respaldo e credibilidade à pesquisa, por encontrarem-se
em faixa etária de pleno desenvolvimento cognitivo, motor, sensorial, entre outros.
Contudo, visando à elaboração da mostra artística na última etapa, outros
alunos que frequentam o VISIAUDIO, nas Áreas Visual e Surdez, totalizando 57
envolvidos no projeto em momentos distintos, ou seja, durante a implementação, e
também, quando se fez necessário para as atividades práticas: jogos cantados,
rítmicos e de percepção. Ressalta-se que, posteriormente, estas ações foram
agregadas à Mostra Artística.
Definidos os sujeitos envolvidos iniciou-se a Unidade I, “Música e
desenvolvimento social do aluno cego”, que foi organizada em 06 aulas. A
conversa inicial foi definitiva para traçar ao lado dos dois alunos o que seria o
desenvolvimento do projeto, ficando explicito que as atividades práticas seriam
direcionadas com as Obras do Compositor Heitor Villa-Lobos e que o propósito
seria organizar um Musical e socializar com a comunidade, além de relatar a
importância do Projeto e oportunidades que seriam passíveis de exploração
durante o mesmo.
Estas aulas iniciais foram organizadas para trabalhar a Introdução à
Musicografia Braille, que de acordo com Franco (2017) é uma forma de notação
musical que faz uso do Sistema Braille. Possui linguagem própria, diferente da
linguagem verbal escrita, pela qual cada letra em tinta tem o seu caractere
correspondente em Braille.
Esta escrita em relevo é de fundamental importância para que a pessoa
cega se sinta independente ao realizar seus estudos. Os alunos foram iniciados
em conteúdos teóricos básicos como: figuras, pausas e compassos. O conteúdo
foi direcionado a partir de jogos que ofereciam possibilidades de utilização do
corpo nas marcações de compassos. Os dois alunos conseguiram realizar as
atividades, mas em ambos a expressão corporal se mostrou bastante limitada,
ficaram livres para saltar e movimentar-se pela sala e entre arcos, mas sempre se
mantinham próximos ao local onde iniciaram a atividade.
Ainda nesta Unidade os alunos foram introduzidos na Signografia Braille,
onde a fixação de conteúdo se baseava em associar marcações rítmicas à escrita
musical Braille. Para estas aulas confeccionou-se Celas Braille em E.V.A. em uma
quantidade suficiente para que os dois pudessem montar alguns compassos
binários, ternários ou quaternários e em seguida marcar estes ritmos em
instrumentos de percussão. Acredita-se que este foi o momento no qual os
alunos apresentaram grande dificuldade de assimilação, mesmo sendo usuários
da escrita Braille, para realizar a leitura musical nesta modalidade é necessário um
longo processo que inclui a associação entre teoria e prática musical e
memorização da Signografia ou escrita musical em relevo para cegos. Estas
aulas, entretanto, foram para introduzir a Musicografia Braille, e ressalta-se que
deverá ser desenvolvida ao longo dos anos em que os alunos permanecerem no
VISIAUDIO.
Imagem 1, 2 e 3: Atividades práticas realizadas na Unidade I
Fonte: Organizado pela autora
Na Unidade II que recebeu o título “História da Música no Brasil”, as aulas
foram conduzidas para levar os alunos a conhecerem mesmo que resumidamente
como a música foi introduzida no Brasil dando ênfase nos Métodos Ativos em
Música.
Segundo Figueiredo (2012) Métodos Ativos são propostas que podem ser
identificadas como métodos de educação musical de crianças, jovens e adultos
em diversos contextos educacionais, que foram propostas de vários educadores
que buscaram levar a música com a experiência direta a partir da vivência de
diversos elementos musicais. Processos esses que oportunizam o contato com
várias dimensões do fazer musical.
Alguns precursores destes Métodos utilizaram formas inovadoras para o
trabalho musical e neste projeto em que o foco são alunos cegos os Métodos
Ativos em Música se encaixaram perfeitamente na necessidade de desenvolver
habilidades motoras, sensoriais e corporais dos alunos.
De acordo com Amiralian (2007), estes alunos apresentam movimentos
sempre contidos, com dificuldade em expressar-se livremente, além de
apresentarem desinteresse por brincadeiras.
A Unidade II foi desenvolvida em 03 semanas, 02 aulas consecutivas por
semana, totalizando 06 aulas, com práticas de percepção rítmica, jogos de copos
e jogos de mãos. Os precursores selecionados para direcionar este momento
foram: Carl Orff, Dalcrozy e Kodály. Os alunos além de conhecer de forma sucinta
os referidos precursores, experimentaram algumas propostas que foram
desenvolvidas baseadas em seus métodos.
Nesta unidade houve a necessidade de participação de outros alunos da
Área Visual e Surdez, pois desta forma estariam realizando um trabalho em grupo,
uma vez que a socialização é o alvo principal desta pesquisa.
Os alunos cegos constantemente eram posicionados quanto à delimitação
do espaço a ser utilizado e localização dos objetos, sempre manuseando e
fazendo reconhecimento com orientações detalhadas dos passos a serem
seguidos. O aluno do sexo masculino apresentou mais dificuldade nestas
atividades, ressalta-se que este chegou no VISIAUDIO em idade escolar, sua
vivência em brincadeiras é bastante restrita, foi possível verificar que ao utilizar
baquetas ou objetos que necessitavam ser projetados para alguma direção ou
interagir com o outro, este realizou timidamente cada ação, dançar ou qualquer
outra forma de expressão corporal mantinham o aluno retraído. Ao final com muito
estímulo e incentivo dos colegas do grupo formado para realizar as práticas de
jogos musicais propostos conseguiu se soltar um pouco.
A aluna do sexo feminino frequenta o VISIAUDIO desde os primeiros
meses de vida, e a estimulação recebida até o presente momento fez toda a
diferença durante a pesquisa realizada e facilmente foi observada sua
desenvoltura se comparada ao aluno do sexo masculino. Ao utilizar o corpo no
início se mantinha na dependência dos demais alunos ou professora, mas ao
assimilar os jogos, as propostas de expressões corporais e dança, apresentou
considerável independência nos movimentos. A prática realizada pela aluna por
vezes apresenta restrições devido à cegueira, mas a aluna demonstrou grande
interesse e dedicação e enfrentou os desafios sempre com otimismo.
Conforme as aulas se seguiam várias adaptações se fizeram necessárias,
em algumas atividades os alunos não sabiam estalar os dedos, ou a orientação
espacial dificultava o desenvolvimento da tarefa, logo foi necessário substituir o
barulho por sons similares produzidos com a boca ou realizar os movimentos
corporais oferecendo apoio. Durante estas aulas foi possível a utilização de
músicas folclóricas e várias outras, executadas pela professora com instrumentos
musicais e, por vezes, com o uso de sons mecânicos.
A dificuldade observada quanto ao desenvolvimento das aulas acentuou-se
ao utilizar canções em compasso ternário. Para realização da mesma os arcos
foram dispostos em linha reta e em círculos, desenvolvendo jogos que envolviam
marcações rítmicas corporais e também de percussão. Os dois alunos
conseguiram marcar esses tempos com corpo em linha reta, mas não obtiveram o
mesmo sucesso com os arcos dispostos em círculo, foi necessário ajudá-los
segurando suas mãos ou mesmo realizar junto cada atividade.
As aulas da Unidade II foram bem aproveitadas e o uso da ludicidade
trouxe um clima muito descontraído tanto para os dois alunos envolvidos
diretamente na pesquisa como para os outros alunos que puderam divertir-se e
aprender ao mesmo tempo, tornando as aulas muito satisfatórias e comprovando
que as dificuldades diminuem com uma intervenção adequada.
A Unidade III “Conhecendo Heitor Villa-Lobos”, desenvolveu-se em 4
semanas sempre em duas aulas consecutivas. Na primeira aula desta Unidade
disponibilizaram-se para os alunos textos em Braille contendo a Biografia do
Maestro e Compositor Heitor Villa-Lobos. Foi realizada uma contextualização
histórica da Música no Brasil, desde o período do Brasil Império, com explicações
de como se deu a utilização dos Métodos Ativos em Música no país, chegando no
período do Governo Vargas, onde o Maestro atuou como Superintendente da
Educação Musical.
A aluna do sexo feminino realizou a leitura Braille de forma dinâmica e com
grande desenvoltura, enquanto lia, ambos questionavam muito sobre o assunto e
a participação dos alunos foi ótima.
Para esta Unidade foi desenvolvido um jogo de perguntas e respostas para
o uso no computador também por pessoas cegas, constando de perguntas e
respostas com áudio da vida e Obras do Maestro. O resultado foi que
praticamente acertaram todas as respostas e a atividade foi por eles bastante
apreciada.
Na continuidade da Unidade III, retomaram-se canções folclóricas já
utilizadas nas aulas anteriores e outras, porém agora com o objetivo de preparar a
Mostra Artística, que será tema de nossa Unidade IV. Estas aulas foram voltadas
para as práticas de arranjos instrumental e vocal, as músicas foram
minuciosamente preparadas para que cada um deles, sexo feminino no teclado e
sexo masculino no acordeom, pudessem aos poucos memorizar letras, divisão
vocal, contralto e soprano, e execução instrumental.
A aluna do sexo feminino é muito desenvolta para a expressão vocal e
social, mas suas habilidades e técnicas para a execução instrumental precisaram
ser aprimoradas. O aluno do sexo masculino é rápido nas habilidades musicais e
apropriou-se das vozes e dos arranjos sem maiores dificuldades, sua desenvoltura
para a execução instrumental auxiliou a colega no decorrer das aulas.
Direcionaram-se as aulas procurando um equilíbrio instrumental e vocal e
que trouxesse para os alunos a segurança para efetuar a Mostra Artística.
A Unidade IV “Mostra Artística” Arranjo vocal e instrumental - habilidades
técnicas musicais, foi desenvolvida em cinco semanas, 02 aulas consecutivas por
semana, totalizando 14 aulas.
Esta Unidade foi decisiva para organizar o Musical Heitor Villa-Lobos
“Conto, Canto e Encanto de Tuhu”, na qual a partir da música, da dança e do
teatro apresentando um pouco da trajetória do Maestro, as obras coletadas pelos
vários estados do Brasil, sendo algumas de sua própria autoria e outras que
atribuiu arranjo próprio.
Chegou-se até o presente momento do projeto com as letras das músicas
memorizadas pelos dois alunos responsáveis pela execução instrumental do
Musical, mas as habilidades técnicas vocais e instrumentais ainda sem definição.
Assim, necessitava-se de assimilação da divisão de vozes, e estas aulas
foram utilizadas para memorizar arranjo instrumental e vocal, uma prática não
comum entre os alunos, o que ocasionava esquecimentos das vozes de uma
semana para outra. O treino precisou tornar-se intenso com repetições
principalmente do contralto, utilizando um apoio instrumental para aquisição deste
conteúdo. O aluno do sexo masculino pela aptidão musical que apresenta
conseguiu memorizar o conteúdo durante as aulas, já a aluna do sexo feminino,
precisou praticar em sua casa, mas dentro de suas possibilidades ambos
conseguiram uma evolução muito satisfatória.
É de consenso entre alguns autores quanto à importância do aprendizado
musical de pessoas cegas. Existe uma ideia dominante de que todos os cegos são
excelentes músicos, o que muitas vezes não se confirma, pois “o sucesso de um
músico cego há de ser atribuído ao talento e esforço individuais, à competência
dos mestres, à eficácia do método empregado - nunca à cegueira em si mesma”
(GANZAROLI, 2002, apud BONILHA; CARRASCO, 2007, p. 2).
Paralelamente a este processo de assimilação vocal e instrumental,
iniciou-se a organização do teatro, que foi responsabilidade dos dois alunos, da
professora PDE, e um amigo e Professor PDE que gentilmente aceitou o convite
para o papel de Heitor Villa-Lobos. Desenvolveu-se um Roteiro do Musical e por
parte dos alunos houve memorização das locuções, da organização e da
entonação vocal, além da expressão corporal.
A aluna do sexo feminino demonstrou uma enorme desenvoltura para o
teatro, memorizou muito rápido suas locuções e incentivou constantemente o seu
colega que apresentou dificuldades para empostar a voz e excessiva timidez.
Como o intuito era desenvolver a sociabilização dos alunos cegos, utilizou-
se no musical das brincadeiras cantadas desenvolvidas durante o projeto que
contou com um número expressivo de alunos do VISIAUDIO. O Musical estava
praticamente organizado e estes alunos durante as aulas de Arte ministradas pela
professora PDE, prepararam-se para realizar coreografias, enquanto os alunos
alvo da pesquisa se voltavam para execução destas canções, ou mesmo
participando com outras canções para dar um toque especial à Mostra Artística.
Para a execução desta mostra, muitas outras ações colocaram-se em
prática, como a definição do local do Musical, decoração, ou seja, a organização
geral do evento. Incluindo o deslocamento dos alunos envolvidos no teatro até um
Studio, onde foi realizada a gravação oficial das locuções e das músicas em um
CD, pois durante o Musical as locuções seriam reproduzidas em equipamentos
multimídia enquanto as canções realizadas ao vivo.
Muito importante ressaltar que além destes alunos, agregou-se uma
participação especial da Fanfarra da APAE de Cornélio Procópio onde há 30 anos
a autora atua como Maestrina. Também se contou com amigos Músicos da cidade
que convidados somaram-se na importante decisão de tornar realidade a proposta
de socialização do aluno cego por meio da Mostra Artística dando um toque
especial ao executar, Baixo, Percussão e Instrumentos de Sopro.
A data do Musical foi estipulada para o mês de julho, entretanto neste ano
de 2017 comemoram-se os 25 anos do Centro de Atendimento Educacional
Especializado VISIAUDIO. Assim, chegou-se ao consenso, com aval da
orientadora deste trabalho e da Coordenadora do PDE no Núcleo Regional de
Educação de Cornélio Procópio, que o Musical seria apresentado no mês de
setembro, durante a Semana Ver e Ouvir. Dessa forma, a finalização da
implementação do Projeto, mais especificamente o Musical “Conto, Canto e
Encanto de Tuhu”, realizou-se homenageando à VISIAUDIO no ano em que
comemorou as Bodas de Prata. Expressa-se que o nome do Musical foi uma
forma carinhosa de prestar um tributo ao nosso Maestro Heitor Villa-Lobos, uma
vez que “Tuhu” é o seu apelido de infância.
Na reta final, por variados fatores, não foi possível organizar um ensaio
geral. Mas o papel de todos que trabalham na VISIAUDIO e dos alunos e demais
envolvidos foi decisivo para o sucesso do Musical. Sem nenhuma exceção, houve
colaboração e envolvimento de todos no Projeto, desde a confecção de roupas,
cenário, adereços, ensaios e outros. O clima foi de unir-se em torno de um
objetivo comum que era homenagear a escola.
Imagens 4 à 8: Gravação em Studio e Mostra Artística da Unidade IV
Fonte: Organizado pela autora
Finalizando este trabalho, relata-se outro momento muito significativo que
ocorreu paralelemente à Implementação do Projeto que foi o Grupo de Trabalho
em Rede – GTR, desenvolvido para contribuir na capacitação dos professores da
rede pública estadual, por meio de um ambiente virtual no qual foi possível
compartilhar com os 20 cursistas inscritos: Projeto, Produção Didático
Pedagógica, além de proporcionar um amplo debate e troca de experiências que
marcou de forma especial este período.
Em consonância, destacam-se aqui alguns comentários dos cursistas
realizados no GTR:
Cursista 1- Professora Sonia, com certeza o GTR, irá contribuir muito no desenvolvimento da nossa pratica pedagógica, muitas sugestões de atividades para adaptarmos a nossa realidade e assim atender as especificidades de cada aluno, dando oportunidade a todos de mostrar suas aptidões, superando desafio e assim sentir-se pertencente no meio escolar e social.
Cursista 2- Professora! Eu tenho muito a agradecer a você, por me abrir um novo horizonte, na atividade pedagógica e educacional. Neste processo eu puder apreender e adquirir uma sensibilidade maior frente ao problema da educação inclusiva. Tenha tudo de bom na sua jornada, porque a sua preocupação é verdadeira e imprescindível. Espero receber muitas notícias sua e do seu projeto tão humano e verdadeiro. Foi uma honra ter você como professora neste curso!
A partir dos comentários realizados pelos professores e colegas de
profissão no GTR, suas análises e críticas, foram proporcionadas contribuições
positivas diante da proposta didática desenvolvida com os alunos. Observou-se
uma grande receptividade com relação ao Projeto que gerou segurança e auxílio
no direcionamento desta pesquisa “As contribuições da música no processo de
desenvolvimento da sociabilização da pessoa cega”. Percebeu-se que o tema era
receptivo e sendo realizado paralelamente ao curso, colheram-se os frutos deste
trabalho desenvolvido.
Considerações Finais
A socialização para o aluno cego é necessária e inspira toda a atenção de
professores. Essa relevância é encontrada em um dos pilares da educação
“aprender a conviver” (DELORS et al., 1996). Dessa forma, uma das primeiras
atitudes de intervenção dentro do âmbito escolar para que a grande diversidade,
não apenas no que se refere às deficiências, mas tantas outras existentes, e
talvez bem mais comuns que se depara em nossa trajetória dentro da educação,
possam sentir-se parte de sua comunidade escolar. Neste pilar, o papel do
educador é fundamental e estas ações estão diretamente ligadas à nossa prática,
sendo que nesse projeto a realidade escolhida foi a música.
Nesta pesquisa identificou-se que música pode e deve ser utilizada no
planejamento para atingir os mais variados objetivos. Cabe aos docentes pensar
no indivíduo como um todo, pois este recurso proporciona um caminho eficaz e
torna o aprendizado mais envolvente.
As pessoas cegas, público selecionado para esta pesquisa, tendem à
introspecção, o que pode ressaltar as dificuldades do aprendizado. Ao utilizar a
música na educação pode-se atraí-los e apresentá-los ao mundo do conhecimento
de forma lúdica.
Durante todo o processo, apostou-se nas potencialidades dos alunos e na
eficácia do trabalho lúdico. Os aprofundamentos teóricos, as pesquisas e estudos
sobre o tema fizeram-se suporte para que a prática se efetivasse com sucesso.
Uma grande parcela de responsabilidade foi atribuída, principalmente, a
estes dois alunos, mas esta escolha justificou-se pela importância em socializar as
possibilidades de trabalho com alunos cegos. Uma vez que os professores da
rede regular de ensino e a comunidade em geral, na maioria das vezes
desconhecem ou mostram-se receosos no trato com pessoas cegas, e por vezes
buscam inovações e meios para tornar eficaz o trabalho a ser desenvolvido com
os mesmos.
Presenciou-se que ao aproximar os alunos cegos da comunidade e mostrar
suas potencialidades, por meio da mostra artística, tornou-se uma tentativa de
minimizar os mitos que sobre eles recaem, pois o que verdadeiramente
necessitam, não é um olhar de compaixão e sim igualdade de oportunidades.
O Musical foi uma forma de comprovar que todo o trabalho desenvolvido na
pesquisa, prático e teórico utilizando a música como recurso pedagógico, foi capaz
de despertar no aluno o interesse pelo aprendizado, além de aproximar família e
comunidade da escola. Os alunos sentiram-se orgulhosos em mostrar à plateia
uma arte totalmente desenvolvida por eles, cada um com suas respectivas
responsabilidades, respeito ao outro, capacidades individuais, trabalho em equipe,
espírito de cooperação e principalmente trouxe-lhes uma grande elevação da
autoestima por sentirem-se em destaque e inclusos na sociedade em que vivem.
Com esta pesquisa pode-se despertar ideias para trabalhos relacionados
com a música ou as artes, e que muitos outros possam ser desenvolvidos e
colocados em prática, beneficiando àqueles interessados em proporcionar novos
rumos para o trabalho na educação especial inclusiva. Apesar das dificuldades
encontradas, verificou-se a possibilidade de se desenvolver a sociabilização da
pessoa cega por meio da música.
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