as 5 precauções metodológicas de foucault exemplificadas no caso concreto

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Faculdade Ideal - Faci Curso de Bacharelado em Direito Disciplina: Filosofia do Direito Professor: Jorge Sarmento Turma: DIRNO3A Tarik Rajeh Ferreira

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Comentário exemplificativo sobre as 5 precauções metodológicas desenvolvidas por Foucault em sua obra "Microfísica do Poder", mostrando como as mesmas podem ser exemplificadas em uma situação concreta e atual. O exemplo concreto, sobre o qual se desenvolveu o comentário, foi a visita dos acadêmicos do 3º semestre do curso de Direito à Peninteciária Municipal PEN II, em Marituba-PA.

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Page 1: As 5 Precauções Metodológicas de Foucault Exemplificadas no Caso Concreto

Faculdade Ideal - FaciCurso de Bacharelado em DireitoDisciplina: Filosofia do DireitoProfessor: Jorge SarmentoTurma: DIRNO3A

Tarik Rajeh Ferreira

Comentário Exemplificativo sobre as cinco precauções metodológicas de Michel Foucault no capítulo XIV de sua obra Microfísica do Poder.

Belém

2014

Page 2: As 5 Precauções Metodológicas de Foucault Exemplificadas no Caso Concreto

Comando: Tomando por base as precauções metodológicas

desenvolvidas por Foucault na Microfísica do Poder, elabore um comentário

mostrando como as mesmas podem ser exemplificadas em uma situação

concreta como a nossa.

Antes de passar à exemplificação, é mister que se faça um pequeno

resumo das 5 Precauções Metodológicas com que nos advertiu Michel

Foucault antes de analisar a questão do poder. As advertências são as

seguintes:

1. O poder deve ser analisado pelos extremos e não pelo centro

institucionalizado do fenômeno.

2. O poder não deve ser compreendido a partir de sua intenção, mas

através de suas práticas efetivas. O poder é a sua prática e não o seu

discurso.

3. O poder não é algo que uns detém contra outros, numa relação binária.

O poder funciona como uma rede, implantando-se numa estrutura social,

na qual todos se encontram ao mesmo tempo na condição de

opressores e oprimidos. Cada indivíduo é um centro de transmissão do

poder. É nas cadeias das relações de opressão que se verifica o poder.

4. O funcionamento do poder nas regiões mais periféricas não deve ser

deduzido a partir de nossa visão de mundo e de conceitos

preconcebidos a partir de uma visão central. Deve ser verificado na

especificidade de suas relações, fazendo-se uma análise ascendente,

começando nas regiões mais distantes do centro, verificando

efetivamente como o poder funciona naquela relação, e, como aquela

relação funciona para o poder.

5. O poder não é uma ideologia ou visão de mundo. É muito mais e muito

menos do que isso. Para que o poder se exerça, deve formar, organizar

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e por em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber que não

são construções ideológicas, são técnicas e métodos e táticas que se

materializam nas relações de dominação.

Expostas as precauções, passemos à análise de um caso concreto.

Aliás, uma experiência de cunho pessoal, vivenciada no terceiro semestre do

curso de Direito da Faculdade Ideal, mais especificamente dentro da disciplina

de Direito Penal II. A Experiência foi visita à Peninteciária Municipal PEN II, em

Marituba.

Foi solicitado pelo professor, como parte da avaliação da disciplina, que

a turma, dividida em equipes, escolhesse cada uma um estabelecimento penal

para visitar, no qual deveriam conhecer suas instalações e entrevistar um dos

apenados.

Quando estudamos o Direito Penal, estamos diante do centro que

justifica o uso da força pelo Estado. Seu discurso é bem traçado pelas leis e

pela doutrina, explicitando os objetivos da pena e as maneiras e limites de sua

aplicação. Depois de, no bimestre anterior, termos discutido em sala o livro

Vigiar e Punir, também de Michel Foucault, o objetivo do professor era

justamente o de nos levar às periferias e ver como o poder punitivo do Estado

se manifesta na prática. Estávamos seguindo então, a primeira precaução

metodológica de Foucault, ao nos afastarmos um pouco da sala de aula para ir

onde o Direito Penal acontece na prática.

Ao chegar ao estabelecimento escolhido, fomos convidados a ter uma

conversa com o Diretor da casa penal, antes de iniciar a visita e a entrevista. O

Diretor explicou-nos todo o funcionamento da casa, o número de apenados, os

horários de banhos de Sol, da visita das famílias, falou sobre a alimentação dos

presos, de como ficavam divididos nos diferentes blocos, oportunidades de

trabalho oferecidas, cursos, tratamento odontológico, motéis para os internos

etc.

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Após isso, conversou com a pedagoga do estabelecimento sobre qual

interno selecionariam para a entrevista. Logo veio à mente dos dois,

simultaneamente, o nome escolhido. Era um rapaz novo, de boa aparência, de

comportamento exemplar, que terminou seu Ensino Médio naquela casa,

trabalhava e já tinha realizado lá outros cursos. Percebemos que se tratava de

um interno modelo, que como vimos depois era sempre usado em entrevistas e

matérias de jornais quando se falava da casa (da mesma forma que o Brasil

tem uma escola pública modelo, citada inclusive na constituição, usada como

parâmetro para falar de educação no Brasil a nível internacional).

Neste momento a equipe se deu conta de que se tratava da formação

de um discurso que nos estava sendo passado naquele momento, com o intuito

de nos fazer ter uma boa impressão daquela casa em relação ao sistema

penal. Insistimos então, que era chegada a hora de visitarmos as celas, no

intuito de tentar interagir com outros presos em diferentes situações, seguindo

então a segunda precaução metodológica.

Ao chegarmos às celas pudemos ter algum contato com pessoas com

perfis bem diferentes de nosso entrevistado. Pessoas que não trabalhavam ou

estudavam dentro da casa e que apresentavam comportamentos distintos. Uns

conformados com a sua situação, outros colocavam-se na posição de meras

vítimas da sociedade. Porém, pela terceira precaução de Foucault, sabemos

que nem o Diretor em sua posição de comando no presídio está na posição de

apenas exercer a dominação sobre os presos, nem tampouco os presos são

meros corpos submissos. O diretor de uma casa penal também cumpre ordens

e possui várias pessoas acima dele na estrutura hierárquica da Administração

Pública. Os presos também mantém relações de dominação entre si, portanto

também exercem um poder em certa medida, que muitas vezes ultrapassa os

limites das celas. O poder de fato opera em uma rede onde todos os indivíduos

funcionam como transmissores.

Observados discretamente pelos agentes carcerários (provavelmente

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não com bons olhos), conversamos informalmente com vários detentos, dentro

das celas e nos corredores – coisa que a estrutura em gaiolas do presídio nos

permitia fazer em total segurança. Nenhum deles se mostrou desrespeitoso,

nem mesmo com as alunas presentes. Foi um momento de quebra de

preconceitos, de desconstrução da imagem que tínhamos antes de adentrar o

local. A equipe já estava bem menos apreensiva, havendo substituído sua visão

“mítica” pela realidade nua do interior do presídio. Perguntamos como a prisão

havia afetado não só as suas vidas, mas a de seus familiares, descobrindo que

algumas tiveram inclusive que mudar de bairro ou mesmo de cidade, temendo

a represália da população, ainda que no Código Penal a vingança privada, ou

como está tipificado, o exercício arbitrário das próprias razões, seja algo

proibido e combatido. Neste momento, só posteriormente analisado, pudemos

nos descobrir seguindo os passos de Foucault em sua quarta precaução

metodológica: abandonando nossa visão de mundo preconcebida de como

funcionava o presídio e como deveria ser o comportamento do presidiário para

contemplar a realidade na própria periferia, nos atendo até mesmo ao olhar dos

próprios condenados.

Quando o diretor nos falou dos horários e do funcionamento do

presídio, e quando conversamos com alguns presos, tudo isso aliado à leitura

das duas obras de Michel Foucault, abriu-se o nosso olhar para muito além do

objetivo de Punir e Prevenir do Direito Penal. Pudemos perceber como o poder

de punir do Estado efetivamente se materializa em seus ramos mais distantes,

e as técnicas utilizadas na dominação e submissão dos “corpos dóceis”, as

regras materiais de disciplina, mas saímos ainda convictos de que tudo foi

apenas um pequeno vislumbre e que só quem se detém a fundo na quinta

precaução metodológica de Foucault, ou seja, quem decide conhecer o dia a

dia do cárcere, não só em uma visita, é que pode ter uma visão completa

destas técnicas, dos problemas, dos instrumentos e de tudo que

cuidadosamente nos é eufemizado, disfarçado e ocultado, ainda que diante da

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nossa vista.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16 ed. Rio de Janeiro: Graal. 2001

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 41 ed. Vozes. Petrópolis, RJ. 2013.

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 4 ed. São Paulo, Atlas, 2014.

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