arranjos produtivos locais no brasil pÓs-1990 td

Upload: natalia-dias

Post on 12-Jul-2015

75 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

SAMUEL CRUZ DOS SANTOS

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO BRASIL PS-1990: PRXIS POLISSMICAS E DESENVOLVIMENTO

Rio de Janeiro 2009

SAMUEL CRUZ DOS SANTOS

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO BRASIL PS-1990:

prxis polissmicas e desenvolvimento

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de PsGraduao em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal

Rio de Janeiro 2009

S237a

Santos, Samuel Cruz dos. Arranjos produtivos locais no Brasil ps-1990 : prxis polissmicas e desenvolvimento / Samuel Cruz dos Santos. 2009. 282 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Jorge Luiz Alves Natal. Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009. Bibliografia: f. 235-252. 1. Desenvolvimento econmico. 2. Poltica industrial Brasil. 3. Poltica de desenvolvimento. 4. Arranjos produtivos locais. I. Natal, Jorge Luiz Alves. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Ttulo. CDD: 338.9

SAMUEL CRUZ DOS SANTOS

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO BRASIL PS-1990:

prxis polissmicas e desenvolvimentoTese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de PsGraduao em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional UFRJ

Profa. Dra. Cludia Ribeiro Pfeiffer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional UFRJ ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Alberto de Oliveira Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ

Prof. Dr. Czar Miranda Guedes Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ

Prof.Dr. Edson Peterli Guimares Instituto de Economia UFRJ

Prof. Dr. Helcio Medeiros Jnior Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

Ao Professor Jorge Natal, pela orientao, pela incomensurvel pacincia e inabalvel crena na possibilidade de concretizao deste trabalho apesar de todas as dificuldades encontradas pelo autor. minha famlia: Augusta, Alessandra, Bernardo, Leo por, embora nem sempre compreendendo, terem aceitado as ausncias na busca do ato solitrio de escrever. Em especial, a minha me, incondicionalmente apoiadora de tudo o que fao, e a meu pai (in memoriam), sempre presente em meus pensamentos. s minhas queridas amigas Vania Alcntara e Edione pelo incentivo e pela mo amiga na hora certa, Nair Muls, pelo constante apoio, Sandra Gulminetti que, literalmente, deu-me foras para prosseguir e Simone Jacomo (in memoriam) que, repentinamente, foi-me subtrada pelo tempo.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho no teria sido possvel sem a contribuio da equipe da Secretaria de Ensino do IPPUR/UFRJ, a quem agradeo nas pessoas de Zuleika Alves da Cruz e Andr Lus, sempre prontos a ajudar e resolver nossas pendncias. Da mesma forma, agradeo a colaborao de Ana Lcia Gonalves e da equipe da Biblioteca do IPPUR, fundamental na formatao e na concepo deste projeto. Agradeo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e ao SEBRAE que me possibilitaram ver in locu o desenvolvimento de um programa de apoio a distritos industriais. Impossvel no agradecer a Maria do Carmo Bica, engenheira e vicepresidente da ANIMAR, Associao Portuguesa para o Desenvolvimento Local, e ao Padre Joo Rodrigues, tambm da ANIMAR, que me receberam em Portugal e abriram as portas dos programas de desenvolvimento em territrio portugus. Agradeo a minha amiga Carla Goia Vasco que, quando tudo parece ruim, empresta a todos o seu sorriso. Agradeo a Maria Jos Wehling, brava reitora e mulher admirvel, que, mesmo pouco me conhecendo, apostou em meu trabalho e a Paulo Alcntara Gomes por sempre me apoiar, estar disponvel e me ter permitido cursar o doutorado ao mesmo tempo em que exercia minhas atividades profissionais. Agradeo a Jaqueline Blasek, amiga querida que sempre tem a soluo para problemas que parecem insolveis e mesmo sem saber ajudou-me a abrir portas para pesquisas institucionais. Por fim, agradeo a todos os professores do Programa de Doutorado do IPPUR/UFRJ que contriburam para a construo desta tese com suas aulas inesquecveis e a meus queridos amigos Oscar Alfonso Roa, Sebastio Raulino, Ledilson Lopes, Betnia Alfonsn, que representam todos os que me ajudaram na reflexo e na luta diria desta etapa da vida.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas to fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra (Carlos Drummond de Andrade)

RESUMO Este trabalho tem um duplo objetivo: examinar os resultados do desenvolvimento local luz de um projeto especfico realizado no Brasil pelo Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas (PNUD), pelo Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e pela Cmara de Comrcio e Indstria de Milo (PROMOS). Buscamos, ainda, a reflexo terica sobre a viabilidade de um programa de desenvolvimento local ancorado em arranjos produtivos como base de polticas de desenvolvimento, particularmente de polticas industriais. A partir do exame de documentos e de pesquisas de campo realizadas pela equipe do projeto e por este autor nos arranjos estudados, questiona-se a lgica do estabelecimento de arranjos produtivos locais como elementos-chaves de reduo de desigualdades regionais na poltica industrial brasileira. Questiona-se o papel do Estado no estabelecimento de polticas de desenvolvimento, concluindo-se pela necessidade de sua atuao como principal agente planejador, promotor, indutor de aes nesse sentido. Busca-se, atravs de categorias analticas de leitura, evidenciar a ausncia da clara ideia do que efetivamente o Estado brasileiro, ao longo do perodo psguerra/dcada de 2000, pretendeu com o estabelecimento de objetivos de reduo de desigualdades. Para alcanar os objetivos do trabalho, percorrem-se os conceitos de desenvolvimento e de polticas de desenvolvimento na cincia econmica, as dificuldades de trabalho com distintas escalas territoriais e as noes de territrio, tempo e espao adotadas na literatura. Adicionalmente, questiona-se a lgica do debate global/local, destacando-se pontos fundamentais na dialtica do discurso que ora ope ora torna complementares o territrio local e o territrio global. Conclui-se que a histria scio-econmica pr-condio para o estabelecimento de qualquer projeto que pretenda replicar, quando muito, a ideia da Terceira Itlia, do Vale do Silcio ou dos Millieux-Innovateurs alhures. Os resultados apontam que a concepo de projetos pelos organismos multilaterais de fomento acabam, por vezes, a servirem mais manuteno do status quo, valorizao do capital, a uma lgica de potencial fragmentao territorial do que ao que explicitamente se procura: o desenvolvimento local/regional.

Palavras-chave: Arranjos Produtivos Locais, Desenvolvimento Econmico, Poltica Industrial, Territrio, Estado.

ABSTRACT

This study aims to examin the results of a specific local development project conducted by brazilian service for small and medium industries, Sebrae, in partnership with UNDP, the United Nations Development Program, and Promos, the Italian Trade Chamber in Milan. After an exaustive documents examination and researches in the local productive systems chosen as targets to be developed by UNDP and brazilian government funds, we question the logic of establishing industrial districts as key elements for unequality reduction in brazilian industrial policy. Four districts were studied: the production of men and women underware in Nova Friburgo, in the state of Rio de Janeiro, the production of leather shoes in Campina Grande, in the state of Paraba, the production of bed linen and bathin costumes in Tobias Barreto, in the state of Sergipe, and the production of wood furniture in Paragominas, in the state of Par. The main results question the role of the State in establishing development policies and conclude for the necessity of a planning and inducting role for governments in those issues. The study also uses economic concepts of development and development policy, the difficulties of working with different scales when speaking of territory, and the concepts of time and space adopted by some authors. We also question the logic of the opposition between global and local scales in literature and conclude that socioeconomic history is the basis for any project to be successfull in development of territories and in reducing regions inequality . Finally, we believe that local experiences such as the Third Italy, The Silicon Valley and the Millieux-Innovateurs are land-based experiences, historical and socially determined. As a result, no reproduction must be conceived in other territories without a carefull adjustment.

Key words: Industrial Districts; Marshallian Districts; Economic Development; Industrial Policy; State.

LISTA DE ILUSTRAES

QUADROS

. PG.

Quadro 1

Configuraes Produtivas: a Viso do IPEA

90

Quadro 2

APLs por Unidade da Federao: Regio Norte

93

Quadro 3

APLs por Unidade da Federao: Regio Centro-Oeste

94

Quadro 4

APLs por Unidade da Federao: Regio Nordeste

95

Quadro 5

APLs por Unidade da Federao: Regio Sul

97

Quadro 6

APLs por Unidade da Federao: Regio Sudeste

98

Quadro 7

Categorias Analticas

125

Quadro 8

Matriz Lgica

151

Quadro 9

Matriz de Oportunidades: Nova Friburgo

160

Quadro 10 Matriz de Oportunidades: Tobias Barreto

166

Quadro 11 Matriz de Oportunidades: Campina Grande

162

Quadro 12 Matriz de Oportunidades: Paragominas

170

FIGURAS PG. Figura 1 rvore de Possibilidades de um Arranjo Produtivo 112

Figura 2

Eixos de Formao/Evoluo do APL

133

PG. Figura 3 Relaes Estruturantes 135

Figura 4

IDH Estado do Rio de Janeiro

157

Figura 5

IDH-2000, Sergipe

164

Figura 6

IDH-2000, Paraba

169

Figura 7

IDH-2000, Par

174

Figura 8

Emprego no setor de confeco de artigos do vesturio para uso domstico Ano 2001 198

Figura 9

Emprego no setor de confeco de artigos do vesturio para uso domstico Ano 2006 199

Figura 10

Distribuio do emprego formal Municpios do Rio de Janeiro, 2002 218

Figura 11

Distribuio do emprego formal Municpios do Rio de Janeiro, 2006 218

Figura 12

Distribuio do emprego formal Municpios da Paraba, 2002

220

Figura 13

Distribuio do emprego formal Municpios da Paraba, 2006

220

Figura 14

Distribuio do emprego formal Municpios de Sergipe, 2002

222

Figura 15

Distribuio do emprego formal Municpios de Sergipe, 2006

222

Figura 16

Distribuio do emprego formal Municpios do Par, 2002

224

PG. Figura 17 Distribuio do emprego formal Municpios do Par, 2006 224

Figura 18

Tenses e Contratenses na Hegemonia do Pensamento Globalizante 229

GRFICOS PG. Grfico 1 PIB: Estados Selecionados em R$ de 2000 146

Grfico 2

Renda Per Capita dos Estados Selecionados - 2002

149

Grfico 3

Dados Oramentrios: Nova Friburgo, Rio de Janeiro Capital e Estado do Rio de Janeiro 155

Grfico 4

Evoluo da participao de impostos selecionados na receita prpria e na receita de transferncias de Nova Friburgo 155

Grfico 5

IDH-2000: Nova Friburgo, Microrregio e reas Selecionadas

156

Grfico 6

Participao % das Receitas Correntes de Tobias Barreto e Aracaju na Receita Corrente Total de Sergipe 2002 162

Grfico 7

Distribuio da Receita Municipal por Origem 2002

163

Grfico 8

Distribuio da Receita Tributria Municipal (em %) Ano 2002

163

Grfico 9

IDH-2000, Tobias Barreto, Microrregio e reas Selecionadas

164

Grfico 10

Dados Oramentrios: Campina Grande, Joo Pessoa e Paraba, 2002 e 2006 168

PG. Grfico 11 IDH-2000 Campina Grande, Paraba e reas Selecionadas 169

Grfico 12

Dados Oramentrios: Paragominas, Belm e Par, 2002 e 2006 171

Grfico 13

IDH-2000: Paragominas, Par e reas Selecionadas

173

Grfico 14

Taxa de Crescimento do PIB Nominal: Nova Friburgo, Municpio do Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro (20042006) 186

Grfico 15

Taxa Mdia de Crescimento do PIB Nominal: Nova Friburgo, Microrregio, Estado do RJ e Municpio do RJ, 2003-2006 187

Grfico 16

Taxa de Crescimento do PIB Nominal: Campina Grande, Microrregio, Joo Pessoa e Paraba (2004-2006) 188

Grfico 17

Taxa Mdia de Crescimento do PIB Nominal: Campina Grande, Microrregio, Joo Pessoa e Paraba, 2003-2006 189

Grfico 18

Taxa de Crescimento do PIB Nominal: Tobias Barreto, Aracaju, Microrregio e Sergipe (2004-2006) 191

Grfico 19

Taxa Mdia de Crescimento do PIB Nominal: Tobias Barreto, Aracaju, Microrregio e Sergipe, 2003-2006 191

Grfico 20

Taxa de Crescimento do PIB Nominal: Paragominas, Belm, Microrregio e Par (2004-2006) 193

Grfico 21

Taxa Mdia de Crescimento do PIB Nominal: Paragominas, Belm, Microrregio e Par, 2003-2006 193

PG. Grfico 22 Taxa de Crescimento do Emprego no Setor de Produo de Calados de Couro Campina Grande, Joo Pessoa e Paraba 202

Grfico 23

Quociente Locacional Nova Friburgo, 2000-2006

217

Grfico 24

Quociente Locacional Campina Grande, 2000-2006

219

Grfico 25

Quociente Locacional Tobias Barreto, 2000-2006

221

Grfico 26

Quociente Locacional Paragominas, 2000-2006

223

LISTA DE TABELAS

PG. Tabela 1 Participao Regional no PIB 73

Tabela 2

Arranjos Produtivos na Regio Norte

83

Tabela 3

Arranjos Produtivos na Regio Nordeste

84

Tabela 4

Arranjos Produtivos na Regio Centro-Oeste

85

Tabela 5

Arranjos Produtivos na Regio Sudeste

86

Tabela 6

Arranjos Produtivos na Regio Sul

86

Tabela 7

Critrios de Avaliao

137

Tabela 8

Probabilidades de No Cumprimento de Objetivos

137

Tabela 9

Participao Percentual no PIB Regional (R$ de 2000)

147

Tabela 10

Participao Populacional das Microrregies dos APLs Selecionados no Total das Populaes dos Estados (2002) 147

Tabela 11

Participao da Populao das Capitais e das Regies Metropolitanas na Populao Total do Estado - 2002 148

Tabela 12

Renda Per Capita Estados Brasileiros, 2000-2006 (Em Mil R$ de 2000) 150

Tabela 13

Percepo da Produo em Tobias Barreto

159

PG. Tabela 14 Anlise de Eficcia, Efetividade e Sustentabilidade. Eixo 1: Fortalecimento da Dinmica de Distrito 177

Tabela 15

Anlise de Eficcia, Efetividade e Sustentabilidade. Eixo 2: Informao e Acesso ao Mercado, Internacionalizao e Modernizao Tecnolgica 178

Tabela 16

Anlise de Eficcia, Efetividade e Sustentabilidade. Eixo 3: Organizao da Produo 181

Tabela 17

Matriz de Avaliao

182

Tabela 18

Matriz de Probabilidades Mdias de No Cumprimento

183

Tabela 19

Taxas Anuais e Mdias de Crescimento do PIB a Preos Correntes, 2004-2006 187

Tabela 20

Taxas Anuais e Mdias de Crescimento do PIB a Preos Correntes, 2004-2006 190

Tabela 21

Taxas Anuais e Mdias de Crescimento do PIB a Preos Correntes, 2004-2006 191

Tabela 22

Taxas Anuais e Mdias de Crescimento do PIB a Preos Correntes, 2004-2006 194

Tabela 23

Atividades Principais dos APLs Estudados CNAE 1.0

195

Tabela 24

Atividades Principais dos APLs Estudados CNAE 2.0

195

Tabela 25

Emprego no Setor de Confeces de Moda ntima

196

PG. Tabela 26 Participao do Emprego no APL de Nova Friburgo no Emprego Total do Setor de Moda ntima do Estado do Rio de Janeiro (Em %) 197

Tabela 27

Mdia de Emprego no Polo de Tobias Barreto

197

Tabela 28

Participao do Emprego no APL de Tobias Barreto no Emprego Total da Atividade do APL em Sergipe (Em %) 197

Tabela 29

Mdia de Emprego no Polo de Paragominas

200

Tabela 30

Participao do Emprego no APL de Paragominas no Emprego Total do Setor de Fabricao de Mveis de Madeira do Estado do Par (Em %) 200

Tabela 31

Mdia de Emprego no Polo de Campina Grande

201

Tabela 32

Participao do Emprego no APL de Campina Grande no Emprego Total do Setor de Fabricao de Calados de Couro do Estado da Paraba (Em %) 201

Tabela 33

Adensamento da Cadeia Produtiva a Montante Crescimento Emprego Total por Microrregio: Nova Friburgo, 2005/2002

204

Tabela 34

Adensamento da Cadeia Produtiva Colateral: Nova Friburgo

205

Tabela 35

Adensamento da Cadeia Produtiva Derivada: Nova Friburgo

206

Tabela 36

Adensamento da Cadeia Produtiva a Montante Campina Grande Crescimento do Emprego Total por Microrregio (2005/2002) 208

PG. Tabela 37 Adensamento da Cadeia Produtiva Colateral Campina Grande

208

Tabela 38

Adensamento da Cadeia Produtiva Derivada Campina Grande

209

Tabela 39

Adensamento da Cadeia Produtiva a Montante: Tobias Barreto Crescimento do Emprego Total por Microrregio (2005/2002)

211

Tabela 40

Adensamento da Cadeia Produtiva Colateral Tobias Barreto

211

Tabela 41

Adensamento da Cadeia Produtiva Derivada Tobias Barreto

212

Tabela 42

Adensamento da Cadeia Produtiva a Montante - Paragominas Crescimento do Emprego Total por Microrregio (2005/2002)

213

Tabela 43

Adensamento da Cadeia Produtiva Colateral - Paragominas

214

Tabela 44

Adensamento da Cadeia Produtiva Derivada - Paragominas

215

SUMRIO PG. 1 1.1 INTRODUO DESENVOLVIMENTO, ESTADO, REGIO E LOCAL: CONTRIBUIES AO DEBATE ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO E POLTICA INDUSTRIAL Questes tericas e tenses histricas PLANEJAMENTO, POLTICAS PBLICAS E POLTICA INDUSTRIAL Progresso, Alocao de Mercados e Polticas: para uma reflexo inicial Planejamento Econmico e Poltica Industrial SCHUMPETER E NEOSCHUMPETERIANOS: UMA ALTERAO NO FOCO DA CONCORRNCIA ORGANIZAO E OBJETIVOS O LOCAL, A ECONOMIA E O DESENVOLVIMENTO O PROTAGONISMO DO LOCAL Tipologia das Aglomeraes Produtivas A especializao flexvel e a nova ortodoxia O arranjo flexvel e os sistemas produtivos Krugman e a Nova Geografia Econmica O Desenvolvimento Endgeno A Vertente Neoschumpeteriana Os Millieux-Innovateurs O Neoinstitucionalismo O Associativismo 23

24 28

1.2

1.2.1 1.3

28

37

1.3.1

39 42

1.3.2 1.4

44 46 49 49 53 53 53 54 55 56 57 57 58

1.5 2 2.1 2.1.1. 2.1.1.1 2.1.1.2 2.1.1.3 2.1.1.4 2.1.1.5 2.1.1.6 2.1.1.7 2.1.1.8

PG. 2.2 2.3 ESCALAS, TERRITRIO E CAPITAL PLANEJAMENTO E REDUO DE DESIGUALDADES OS PLANOS BRASILEIROS DE ESTABILIZAO E AS QUESTES REGIONAIS O Plano de Metas O Plano Trienal O Programa de Ao Econmica do Governo (Paeg) e o Plano Estratgico de Desenvolvimento (PED) O Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) A POLTICA INDUSTRIAL E DE DESENVOLVIMENTO NO PERODO PS-ESTABILIZAO Os Planos Plurianuais e o Desenvolvimento Territorial As Polticas Industriais no Perodo Ps-Real e o Recorte Espacial A Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior A POLISSEMIA DISCURSIVA NO BRASIL A POLTICA INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO DE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO BRASIL DOS ANOS 2000 UM CASO EUROPEU PARA ALM DA TERCEIRA ITLIA: POLISSEMIA OU ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL ASPECTOS METODOLGICOS METODOLOGIA E OBJETIVOS DA TESE OS ARRANJOS COMO FENMENOS SOCIAIS A TRADIO DE APRESENTAO DOS ARRANJOS A IDENTIFICAO DE UM ARRANJO O REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO 60

67 68 70

2.3.1 2.3.2 2.3.3

70 72 73 74

2.3.4 2.3.5 2.4

2.4.1 2.4.2

74 76

2.4.2.1 2.5 2.6

76 80

91

2.7

100 105 105 110 116

3 3.1 3.2 3.3 3.4

118

PG. 3.5 PREMISSAS E METODOLOGIA PARA A IDENTIFICAO DE ARRANJOS PRODUTIVOS NO PROJETO BID/PROMOS/SEBRAE A CONSTRUO DA ESTRATGIA DE POLTICA INDUSTRIAL O Sistema de Indicadores O Projeto, as premissas e algumas contribuies crticas Categorias analticas para uma leitura crtica do 125

121 121 123

3.5.1 3.5.2 3.5.3

Documento de Projeto, o Documento-Base 3.5.4 3.6 Os Eixos Metodolgicos do Projeto A Matriz Lgica e uma Avaliao dos Resultados do Projeto A POLTICA DOS ARRANJOS E A ESCOLHA DA POLTICA OS ARRANJOS ESCOLHIDOS: O ESTADO, A MICRORREGIO E O MUNICPIO-SEDE O territrio estadual: alguns indicadores Nova Friburgo Tobias Barreto Campina Grande Paragominas ANLISE DE OBJETIVOS DO PROJETO LUZ DA AVALIAO INTERMEDIRIA Matriz de Avaliao e Probabilidades OS IMPACTOS DO PROJETO NA GERAO DE EMPREGO E RENDA Impactos no PIB Impactos no Emprego ECONOMIAS DE AGLOMERAO: OS EFEITOS NAS CADEIAS PRODUTIVAS

129 136

4

144

4.1

146 146 151 157 165 169

4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.2

174 175

4.2.1 4.3

183 185 194

4.3.1 4.3.2 4.4

202

PG. 4.5 4.5.1 4.5.2 4.5.3 4.5.4 5 6 ANLISE DO QUOCIENTE LOCACIONAL Nova Friburgo Campina Grande Tobias Barreto Paragominas CONCLUSO REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS APNDICE A Entrevista com a ANIMAR APNDICE B Pesquisa de percepo sobre a atividade do Arranjo de Tobias Barreto ANEXO A Plano Plurianual: Texto Constitucional ANEXO B - Sistema de Indicadores do Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais ANEXO C Questionrio 216 217 219 220 223 225 235 253

256 258 264

275

23

1

INTRODUO

Naturalmente, o sistema do capital no surgiu a partir de alguma predestinao mtica nem das determinaes decisivas e das exigncias autorregulveis da chamada natureza humana (ISTVN MSZAROS).

A inquietao com os caminhos do desenvolvimento econmico no perodo que sucedeu fuso do estado do Rio de Janeiro com o estado da Guanabara e com a posterior perda relativa de participao do novo estado do Rio de Janeiro no PIB nacional at o final da dcada de 1980 e a inflexo positiva da economia fluminense nos anos 1990 motivaram a elaborao desta tese. Aps muitos anos trabalhando com projetos de investimentos industriais considerados de carter estruturante no sentido de serem agregadores de outros investimentos em suas cadeias produtivas, por volta do final da dcada de 1990 surge, no estado fluminense, um possvel modelo a ser seguido para o desenvolvimento local, a saber: a Terceira Itlia1. Acrescentando ao pargrafo anterior, uma experincia pessoal na tentativa de aproximar demandantes de crdito produtivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social, BNDES, o principal ofertante de recursos de longo prazo na economia brasileira, percebeu-se a necessidade de investigar todas as possibilidades (ou as que conhecamos) de crescimento e desenvolvimento econmico que se apresentavam na dcada de 1990. A procura por crdito do BNDES por pequenas e mdias empresas corroborava a viso que tnhamos poca: tratava-se muito mais de necessidade de novas prticas gerenciais que variavam desde a capacitao da mo de obra empresarial e/ou de trabalhadores a questes de manejo ambiental, de reestruturao estratgica de mercados, entre outras, do que de aporte de novos recursos aos empreendimentos. Ao encontrar uma discusso j consolidada em Minas Gerais, algo no parecia correto: no estado mineiro e em outras unidades da federao tinham sido identificados vrios arranjos produtivos locais potenciais e maduros. A primeira pergunta que aflorou foi: por que no estado do Rio de Janeiro no houve aglomeraes identificadas se sabamos, ento, da existncia de vrias configuraes produtivas locais em territrio fluminense? Pode ter sido um produto do critrio utilizado; pode ter sido a ausncia de informaes para a consultoria

1

Termo cunhado por Bagnasco no final da dcada de 1970 para designar a via alternativa do desenvolvimento italiano, historicamente mais dinmico no norte (Primeira Itlia) e sem dinamismo no sul. Voltaremos ao tema no prximo captulo desta tese.

24

que realizou o trabalho sob encomenda da indstria mineira ou pode ter sido por qualquer outra razo. A razo da excluso fluminense no era importante; importante era a verificao de que os arranjos produtivos locais ou clusters estavam assumindo papel central na discusso de polticas de desenvolvimento no Brasil. E qual era a importncia de tal discusso? Como eram escolhidos os arranjos? O que eram, precisamente, arranjos? Essas perguntas fizeram com que esta tese fosse desenvolvida na linha da discusso da prxis polissmica, pois, passados alguns anos do incio das acaloradas discusses acadmicas e empresariais, o termo continua sob o efeito da definio que se lhe confira.

1.1

DESENVOLVIMENTO, ESTADO, REGIO E LOCAL: CONTRIBUIES AO DEBATE

Este trabalho trata de um tema que vem provocando debates quase sempre inconclusivos na literatura econmica nas ltimas dcadas: o do desenvolvimento. Mais que isso, ele pretende emaranhar-se na teia de questes que tratam de assunto talvez ainda mais polmico: a poltica industrial. Para no fugir ao desafio do debate cientfico acalorado, vai buscar o desenvolvimento local como base analtica para a compreenso de pontos importantes entre economistas, socilogos, gegrafos e demais cientistas sociais na atualidade. Algumas destas questes j foram suficientemente tratadas na literatura, no cabendo uma exposio exaustiva, mas apenas a sua recuperao e sntese, at porque esses movimentos ajudam na compreenso do estgio atual em que se encontram; outras, no entanto, ainda que tratadas, mostram-se distantes de qualquer possibilidade de consenso que permita concluses capazes de levar o cientista a caminhos pacficos sobre o tema em tela, o do desenvolvimento. Entre as principais questes aqui abordadas esto:

a) o papel do Estado na construo de um modelo de desenvolvimento; b) as escalas subnacionais e seus lugares como protagonistas de polticas de desenvolvimento; c) a poltica industrial, suas correntes analticas e sua relao com o desenvolvimento local; d) o local, o regional, o global (as escalas uma vez mais) e as polticas de desenvolvimento como indutoras ou no de reduo de desigualdades.

25

Pretende-se, em linhas gerais, questionar, teoricamente e luz de evidncias empricas, a validade da conduo de polticas industriais e estratgias de desenvolvimento que tenham em seu receiturio a reduo de desigualdades regionais como corolrio de polticas localizadas. A comear pela dificuldade da definio de regio, de local, muito se deve (ainda) debater a questo. Esta pesquisa iniciou-se com a inquietao sobre o desenvolvimento local, particularmente com os arranjos produtivos locais, tantas vezes exaltados na literatura brasileira e internacional como objetos de interesse cientfico que poderiam, inclusive, constituir o novo locus de acumulao capitalista, substituindo, ento, a acumulao fordista e suas estruturas hierarquizadas e padronizadas de produo que teriam resultado em concentrao de renda nos pases em desenvolvimento, estruturas sociais rgidas e em uma sucesso de crises endgenas que trariam em si mesmas as sementes ou da destruio do modo de produo ou de sua constante reinveno. A partir da investigao emprica de alguns arranjos produtivos locais2, entretanto, a questo passou a se colocar por si mesma e em direo totalmente diversa da que pretendamos inicialmente. Se no incio da pesquisa o objeto de estudo eram os arranjos produtivos locais e sua viabilidade como nova forma de produo/acumulao capitalista, o conselho de Henri Lfbvre, em sua Lgica Formal/Lgica Dialtica3, fez com que nos dirigssemos coisa e a ela perguntssemos: essencialmente, o que voc?. Neste ponto, vale lembrar que partimos do conhecimento prtico, do que, ainda nos termos de Lfbvre, comea pela experincia, pela prtica.4 Metodologicamente, pautamos a pesquisa, em resumo, pelas consideraes de que, alm do conhecimento prtico:

1. o sujeito e o objeto esto em interao constante na pesquisa, afastando-nos da neutralidade cientfica positivista, mas no nos permitindo o afastamento da vigilncia epistemolgica nos termos de Bourdieu5, dizer, no aceitando uma separao metafsica sujeito-objeto; 2. a verdade no est dada previamente e no se predestina um momento para o seu

2

Principalmente, mas no somente, os arranjos de: Nova Friburgo-RJ (moda ntima); Campina Grande-PB (calados); Paragominas-PA (mveis); Tobias Barreto-SE (confeces e artesanato). 3 LFBVRE, Henri. Lgica formal, lgica dialtica. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1969. 4 Ibid., p. 49. 5 BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON; Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofcio de Socilogo. Petrpolis: Vozes, 2004.

26

encontro (LFBVRE, 1969).

A compreenso do que era a coisa tratou de nos desviar para outro plano analtico. Se queramos entender o arranjo local seria necessrio compreender onde estavam inseridos a sua proposta, a sua concepo poltico-ideolgica, a sua lgica econmico-social, o seu carter simblico. Foi da imerso na lgica particular da realidade dos arranjos que brotou a convico de que tratvamos de um tema abrangente, o tema do desenvolvimento scioeconmico que, de to abrangente e de tanto avanar e sofrer aportes de diversas reas, incorporou, entre outras faces, o carter da sustentabilidade6. , assim, o desenvolvimento um conceito em avano constante e gerador de considervel polissemia discursiva. Nossa preocupao, no entanto, caminha em um sentido: dadas as concepes sobre o desenvolvimento presentes nas atuais propostas de poltica industrial, o arranjo local, de fato, o lugar a partir do qual sero possveis as redues de desigualdade regional ou o arranjo algo que, em funo da dinmica do capital relacional 7 ou de sua velocidade de circulao, muda tanto que no cabe em si mesmo e, portanto, no categoria suficientemente segura para figurar como mecanismo de reduo de desigualdades? Com tantos ngulos possveis para tratar o desenvolvimento, fomos obrigados a restringir o escopo da pesquisa. Trataremos das dimenses scio-econmicas do desenvolvimento, privilegiando, por defeito de formao, mais as de natureza econmica. Consideramos que o objeto de estudo, o arranjo produtivo local, por ser tal como , no ficar tal como est, tomando emprestado uma mxima dialtica. Dizer isto significa reconhecer a dinmica das relaes scio-econmicas intertemporalmente e entender que qualquer interveno no tecido social ter efeitos desconsiderados inicialmente posto que a realidade dinmica e mutvel. A mudana indiscutvel, no entanto, no significa o engessamento da poltica pblica ou da atuao do setor privado. Ao contrrio, coloca-se como desafio constante a todas as instncias definidoras de polticas de desenvolvimento. A base terica deste trabalho est na aceitao que, ao contrrio do que prope o mainstream, o mercado no capaz de levar a economia ao timo alocativo paretiano 8. Alm

6

No trataremos do tema sustentabilidade ou do conceito de desenvolvimento sustentvel neste trabalho. 7 Capital relacional corresponde ao conjunto de relaes fortes e fracas estabelecido entre os membros de uma localidade e seu exterior (VALE, 2007). 8 Uma situao econmica tima no sentido de Pareto se no for possvel melhor-la sem piorar a situao de qualquer outro agente econmico. Para ser Pareto-eficiente, trs condies devem ser

27

disso, recusamos a ideia que aponta o Estado como mero espectador das foras de mercado, foras estas que no configuram mais que fices incapazes de aderir ao prprio objeto que tratam. O objeto e os agentes so sociais e existe grande afastamento entre a ideia de que o mercado precifica todas as variveis fundamentais do comportamento de tais agentes e o resultado da precificao que, certamente, no traduz a sociedade em que esto inseridos os homens. No fosse assim, o ajuste automtico no necessitaria jamais de ajuste a posteriori e, por si mesmo, corrigiria as falhas alocativas. Como no verdadeira tal afirmao, os mesmos autores que defendem os mecanismos de mercado como nica alternativa para a alocao, tambm defendem a atuao do Estado nas falhas alocativas. Acreditamos na necessidade de um Estado que formule, planeje polticas pblicas, incentive, conduza o desenvolvimento. Tal posio, entretanto, est distante da defesa de um Estado interventor mximo, da atuao que gera ineficincias alocativas to problemticas quanto as que surgem da interao dos mercados ao sabor de suas prprias foras. , portanto, no contexto de que existe espao para a atuao do Estado, de que existe mtodo para a aferio e a correo de atuaes indesejveis deste mesmo ente, que desenvolvemos o presente trabalho. a tentativa de apanhar o invariante na varivel observada (BOURDIEU, 2004), de buscar a possibilidade do estabelecimento de polticas pblicas de desenvolvimento e de verificar se as que foram definidas nos ltimos anos, de fato conseguiram ou conseguiro alcanar os objetivos declarados de reduo de desigualdades regionais/locais, o que nos permite caminhar entre os diversos momentos da histria econmica brasileira a partir do segundo Ps-Guerra para chegar aos dias atuais. O recorte histrico foi definido em funo da presena crescente das discusses sobre desenvolvimento a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A partir deste momento, vrios planos de estabilizao e/ou de desenvolvimento foram definidos no cenrio nacional. So estes planos os panos de fundo para a nossa anlise sobre a presena da questo regional no desenvolvimento brasileiro. No escopo desta tese a discusso da questo regional como tal, mas apenas a sua considerao nos planos de desenvolvimento ao longo do tempo, assim como a verificao do aparecimento do local como categoria de anlise.satisfeitas, a saber: 1. as trocas devem ser eficientes, ou seja, a produo distribuda de forma eficiente pelos agentes econmicos no sendo necessrias trocas adicionais entre indivduos (taxa marginal de substituio igual para todos os indivduos; 2. a produo deve ser eficiente, isto , no possvel produzir mais de um tipo de bem sem reduzir a produo de outros (a economia encontra-se em sua cruva de possibilidade de produo) e os bens produzidos numa economia devem reflectir as preferncias dos agentes econmicos. Vale lembrar que um timo de Pareto no necessariamente um timo social no sentido de ser uma situao socialmente desejvel, j que a concentrao de renda em um nico agente pode ser tima no sentido de Pareto.

28

Os movimentos do Estado brasileiro, portanto, sero destacados no que diz respeito s polticas de desenvolvimento regional, o que nos remeter aos debates existentes em torno da participao deste Estado poca de concepo/implementao dos planos. Todas estas consideraes nos levam ao campo da economia do desenvolvimento, rea tantas vezes negada como campo necessrio de estudos pelo mainstream e tantas vezes defendida pelos que acreditam na existncia de uma economia do desenvolvimento, de uma economia poltica e no compreendem a essncia da cincia econmica apenas a partir dos equilbrios de mercado.

1.2

ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO E A POLTICA INDUSTRIAL

1.2.1 Questes Tericas e Tenses Histricas

No se pretende aqui fazer resenha das abordagens sobre economia do desenvolvimento, pois, alm de desnecessria em funo do tratamento exaustivo do tema na literatura9, fugiria ao essencial de nosso propsito, que tratar, principalmente, as tenses decorrentes do Estado mnimo neoliberal e de suas consequncias sobre as prescries para o desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento econmico10 ganhou enorme popularidade no ps-guerra, principalmente com o pensamento keynesiano, que atribuiu aos gastos do governo papel importante na determinao da demanda efetiva e dos nveis de produto e renda. Mais ainda, Keynes trouxe um contraponto ao pensamento ortodoxo ao decodificar a lgica decisria dos detentores de riqueza em uma economia monetria de produo, centralizando o papel das expectativas e sua relao com a demanda efetiva (SICS; VIDOTTO, 2008). Desde ento, (in)tenso debate vem sendo travado entre ortodoxia e heterodoxia sobre o receiturio adequado manuteno do crescimento e desenvolvimento econmicos. A eterna necessidade9

Para referncia, ver SICS, Joo; VIDOTTO, Carlos. (Org.). Economia do Desenvolvimento: Teoria e Polticas Keynesianas. Rio de Janeiro: Campus, 2008. Para questes adicionais sobre modelos de crescimento e introduo de perspectivas alternativas na anlise neoclssica, ver JONES, Hywel G. Modernas teorias do crescimento econmico: uma introduo. 2. ed. So Paulo: Atlas, 1979. Ampla literatura sobre as contribuies de Schumpeter, de Myrdal e de Kaldor tambm facilmente encontrada, sugerindo-se comear pela leitura das obras de referncia dos autores citados, alm da leitura de Giovanni Dosi e Nelson & Winter no campo dos neoschumpeterianos e de Lnin e Steindl para uma referncia de eventuais contrapontos. 10 Permito-me, aqui, certo reducionismo em funo da poca a que se refere o captulo: trato da teoria do desenvolvimento econmico, porm consciente de que esta apenas uma dimenso entre tantas outras a considerar em matria do tema desenvolvimento.

29

de conquista do corao do Prncipe (FRANCO, 2004) tem sido um dos motores da riqueza do debate. por este vis que do intrincado jogo entre economia e poltica surgem as dimenses mais fundamentais e nem sempre visveis para as definies dos caminhos do desenvolvimento. O amor do Prncipe inconstante e sujeito a humores diversos. No Brasil das ltimas dcadas do sculo XX e do incio do sculo XXI, entretanto, este amor tem cores ntidas e marcado pela ntima relao com o mainstream do pensamento econmico neoliberal e, por decorrncia, por polticas ortodoxas ou, quando se permite algum afastamento do receiturio, por uma ortodoxia em dinmica heterodoxa, isto , prticas ortodoxas que convivem e acomodam aes heterodoxas11. Apesar dos elementos heterodoxos presentes na poltica econmica dos ltimos anos, os Prncipes brasileiros dos ltimos 25 anos gestaram um desenvolvimento ancorado na aplicao de prescries de rgos multilaterais de fomento, financiamento ou desenvolvimento. Exemplos dessa relao ntima podem ser encontrados na adoo de polticas de desregulamentao do mercado de trabalho e nas agendas de reformas preconizadas por organismos como o Fundo Monetrio Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento que, via de regra, caminharam no sentido da reduo da presena do Estado na economia dos pases em desenvolvimento e na consolidao progressiva deste Estado como regulador e garantidor do livre fluxo de capitais. Mais que isso, a aceitao de receiturios externos veio, na dcada de 1980, ao encontro da tese, de certo modo atualmente anacrnica, de que a poupana determina o crescimento. Embora fundamental, sabe-se, at por observao do crescimento do leste asitico, que a poupana pode vir na esteira do crescimento, no sendo para ele pr-condio. Por outro lado, a tese da insuficincia de poupana interna e da consequente necessidade de atrao de capital externo predominou nos anos 1980 e 1990 como fato consumado, quase atingindo o status de incriticvel12 em matria de poltica econmica. Talvez refletindo a carncia de produo no campo da economia do desenvolvimento nos pases subdesenvolvidos, como destacou Gunnar Myrdal ao ser agraciado com o Nobel de economia em 1974, talvez resultando de um consciente alinhamento ideolgico com o mainstream, o fato que os pases em desenvolvimento e, entre eles, o Brasil, adotaram a agenda do Consenso de Washington.

11

A eventual nebulosidade das aes do ponto de vista da teoria econmica permite anlises inversas, a saber: prticas heterodoxas que acomodam aes ortodoxas. 12 Atingem o status de incriticveis prticas, concepes e polticas que so avalisadas por organismos internacionais como best practices. Deste modo, crticas e desvios em relao ao recomendado causam espanto e, por vezes, perplexidade. O incriticvel o principal ingrediente do discurso nico.

30

Embora a lgica das prescries do Estado mnimo seja, aparentemente, plena de sentido, ela esconde uma questo muito mais fundamental que a do tamanho ou do prprio papel do Estado em si: trata-se no de uma discusso ideolgica sobre a eficcia que se pretende do setor pblico e a eficincia necessria em suas aes, mas, principalmente, e esta a essncia do fenmeno e das prescries, da subordinao de qualquer valor13 ao capital. Tambm nada de revolucionrio ou antirrevolucionrio est presente nesta afirmao: a subordinao necessria ao funcionamento do sistema que, de outro modo, no encontra escoamento para uma gama de ativos financeiros e derivativos que cada vez mais se descolam do setor real da economia. Trata-se, portanto, de uma subordinao necessria, funcional, imprescindvel ao movimento capitalista, dado o estado das artes. Se o raciocnio for acusado de economicista, j se considera, de antemo, culpado. A lgica de valorizao do capital subordina as extraeconmicas que, apresentando-se como as questes fundamentais, no so mais que epifenmenos de um movimento essencial que lhes d a substncia: o do capital que se autovaloriza. este movimento que implode modelos nacionais de desenvolvimento e reifica modelos gerais, por vezes travestidos com vieses scio-histricos locais. neste movimento que o desenvolvimento brasileiro vem transitando nas ltimas dcadas. Foi ao longo dos anos 1980 que os pases em desenvolvimento, com altos nveis de endividamento, assistiram ao recuo de trajetrias de crescimento. Foi tambm neste perodo (mais precisamente, com incio nos anos 1970), que os pases desenvolvidos viram as polticas social-democratas rurem e transformarem o desenvolvimento capitalista em desenvolvimento desregrado. Acrescentem-se a isso as alteraes nos ento pases socialistas e o estabelecimento de relaes capitalistas de produo em seus territrios e teremos um caldo que borbulha e dirige a investigao para um questionamento fundamental (DUNFORD, 1994): mudam as relaes sociais capitalistas em sua essncia? Refazendo a questo e reduzindo seu escopo: a crise do capitalismo medida pela reverso do crescimento nos anos 1980 apontaria para transformaes estruturais que alterariam a eficcia do receiturio social-democrata onde ele fosse aplicado ou que solicitavam novas intervenes neoliberais ou, ainda, que justificavam a reinterpretao do desenvolvimento econmico capitalista luz das vrias correntes econmicas, da geografia ou da sociologia? Para responder a tais questes, a economia passa a tratar do territrio, do espao, como nunca havia ousado.13

Valor aqui entendido genericamente, inclusive a prpria teoria do valor econmico em todas as suas dimenses.

31

Do ponto de vista do espao, mais que do tempo, as alteraes se tornaram intensas desde os anos 1970. Em primeiro lugar, o territrio ganha, ao longo do tempo, dimenso de maior importncia que a que desempenhava na anlise capitalista na literatura de ento. O tempo, paradoxalmente, passa a figurar como varivel de controle, algo que confere dinmica perceptvel ao analista comum, mas que no capta as dinmicas prprias das interaes que se do no espao. O territrio passa a se apresentar como varivel-chave em anlises das novas possibilidades produtivas e de expanso da produo dos excedentes econmicos. Aydalot (1984), Pecqueur (1987) e os seguidores de uma nova escola regulacionista sugerem o espao-territrio em oposio ao espao-lugar como categoria fundante de uma nova anlise espacial (COURLET; PECQUEUR, 1994). Mais importante, os regulacionistas franceses e outros autores de fora da Escola da Regulao reposicionam as pequenas empresas no centro das atenes sobre a dinmica capitalista, notadamente sobre a capacidade de expanso de variveis macroeconmicas do sistema em nveis sustentveis e sob modelos espaciais com configuraes at ento no questionadas. Estaramos diante de um referencial capaz de suportar as intervenes de polticas industriais abrangentes to rechaadas pelos autores de matiz ortodoxa? Neste campo analtico, a resposta afirmativa. Consideraes mais aprofundadas sobre o espao e o territrio na anlise econmica sero apresentadas no segundo captulo desta tese, mas vale ressaltar que, partindo da anlise regulacionista, o territrio-rede que abriga as relaes entre os atores sociais de desenvolvimento, que d densidade ao produto e ao trabalho das pequenas empresas e aos sistemas de inovao que se facilitariam com os aglomerados produtivos locais e as redes formadas a partir deles. A produo, mais que nunca, assume contornos territorialmente delimitados. Se pode parecer bvio ao analista conjuntural, no o ao que se debrua sobre os movimentos de longo prazo da economia. Basta lembrar que estamos falando da possibilidade de negao, em tese, do espao-mundo fordista em favor de um espao-rede em que prevaleceriam os territrios locais, e no as escalas globais, como importantes para a produo. Se assim ou no, nossa discusso ainda no permite concluir; entretanto, a tenso presente no debate o torna profundo. Isto est fora de dvida. Em um mundo com tamanha diversidade produtiva, por outro lado, pode ser simplista assumir que o local , em si mesmo, o foco analtico fundamental. Se o territrio sciohistrico confere valor seja por sua dimenso de custo relativo do trabalho mais baixo seja por caractersticas peculiares de sua evoluo, fato que, a depender da cadeia produtiva que se considera, o cenltro decisrio pode estar muito alm do territrio local. Embora a rede

32

prevalea, importa saber quem se encontra nos ns da rede e, mais importante, quem habita o centro da deciso. Analiticamente, entendemos que o movimento do desenvolvimento, a construo do discurso em torno dele e o rebatimento nas polticas de desenvolvimento e seus desdobramentos territoriais devem ser compreendidos luz da insero nacional na diviso internacional do trabalho, mediada pela lgica de valorizao do capital. no contexto da gerao de excedentes do capitalismo que se pode melhor entender a coisificao do local e a essncia da paisagem. Dito de outro modo, apenas no processo de gerao e de eventuais absores ou desvalorizaes de excedentes de capitais (de toda a ordem), notadamente na esfera da circulao, que se inscreve a essncia da transformao do local tal como o vemos. Esta moldura capaz de abrigar e explicar o movimento, essncia do processo de valorizao do capital e, portanto, a que nos parece mais adequada para dar o necessrio entendimento do territrio como portador de valor e de sua importncia no desenvolvimento mundial. No seno por causa do esgotamento de um modelo que se baseava no trip planejamento econmico-harmonizao de classes-normas regulatrias adequadas ao desenvolvimento do estado social, que os anos 1970 e 1980 encontram, alm de entraves conjunturais, a estagnao e a mudana de orientao sobre o desenvolvimento. a busca de mercados lucrativos em meio a crises, que leva produo de excedentes que precisam encontrar seu escoamento. Acrescentando-se o acirramento da luta de classes a partir da dcada de 1960 e elevaes considerveis nos preos das commodities, tem-se um marco histrico propcio para a reduo tendencial da taxa de lucro. Suficientemente analisado na literatura, o perodo destacado traz a marca da adoo de prticas neoliberais que, por seu turno, dificultaram enormemente a adoo de um padro de acumulao que privilegie as organizaes como portadoras de interesses legitimamente organizados. So, quando muito, rudos a serem tratados no modelo de equilbrio de mercado. A lgica de mutao do espao-lugar em espao-territrio responde lgica de mutao do capital-real em capital-fictcio e capaz de abrigar quaisquer tentativas de explicao via regulao, instituies, sistemas de inovao ou de outra natureza que se proponha. A razo simples: ainda que com vestimenta macroeconmica, todas as anlises prescindem do elemento que d movimento essencial ao sistema, a saber: o capital-processo em constante valorizao ou em movimento de valorizao-desvalorizao de seus ativos com o fim ltimo de maximizar o seu prprio valor. o casamento explosivo entre gerao de excedentes e descolamento entre setor financeiro (com seus instrumentos derivativos e com securitizaes com bases duvidosas) e setor real que leva a mais crises potenciais. Nas

33

prescries do mainstream do Estado mnimo e da desregulamentao geral esto importantes referncias para este raciocnio: a busca do espao para as poupanas excedentes e para a produo excedente, alinhada busca do menor custo unitrio de produo d substncia ideia de absoro de poupana para financiar o desenvolvimento de pases em desenvolvimento e consequente expanso de seus mercados [dos pases em desenvolvimento, mas tambm dos desenvolvidos]. Neste complexo sistema de freios e contra-freios do capital que se autovaloriza h um percurso analtico e de alternncias ideolgicas que precisa ser compreendido para que se perceba a inscrio do local como um dos centros das atenes do desenvolvimento capitalista. Adam Smith em suas consideraes sobre a ao humana e a consequente reduo da lgica condutora razo econmica fornece o solo para o caminhar do pensamento liberal e para o posterior resgate neoliberal. A reduo da anlise ao clculo do ganho econmico permite saltar da maximizao do bem-estar individual ao coletivo como agregao simples. O livre mercado que tudo ajusta o elemento da mediao smithiana para que o bem-estar social seja atingido de modo agregativo. Este bem-estar resulta, por outro lado, no somente da agregao como tambm da racionalidade implcita no agir do homem econmico. Neste sentido, reduz-se o desejo humano a uma de suas parcelas, a saber: o desejo econmico. A reduo dos desejos humanos ao desejo econmico pasteuriza as causas do agir, tornando-as refns da racionalidade paramtrica, o que empobrece e nubla a representao do real. O mercado com ajuste automtico, a mo invisvel smithiana que conduz a economia ao pleno emprego ou conduz os mercados ao ponto de equilbrio , para usar a terminologia keynesiana, uma fantasia doutrinria. Haver, caso o analista assim o deseje, um ponto qualquer de equilbrio em um mercado: um equilbrio dinmico em virtude do movimento e das tenses capitalistas e quase sempre indeterminvel teoricamente por ser fruto de um sistema em constante mutao. Paradoxalmente (uma vez que o equilbrio somente poderia ser dinmico), a determinao de equilbrios em mercados ser sempre derivada de uma perspectiva esttica, incompatvel com um objeto que nasce morto e que se transforma a cada instante. Assim como tudo o que slido, todo equilbrio desmancha no ar. Os ajustes, por sua vez, so feitos por autores visveis e resultam distantes da eficincia alocativa quando se consideram necessidades sociais mais concretas como gerao e distribuio de renda e riqueza e suas consequncias em termos de desenvolvimento humano tanto para o capital como para o trabalho. Tambm fato que o welfare state sucumbiu realidade de Estados deficitrios e de

34

necessidades dinamicamente diferentes do seu motor gerador inicial. Conclusivamente, e de modo geral, nem os mercados se ajustam automaticamente nem um modelo estatizante que engesse as estruturas capitalistas em qualquer de suas esferas sobrevive em seus marcos inicialmente estabelecidos. A explicao est na dinmica do capital: como processo, o capital germina e produz riqueza e crise posterior, crise que lhe confere a ruptura e o flego necessrios para ir adiante (HARVEY, 2007). Os processos e contradies do que se convencionou chamar de capital social 14 so resultados da forma como a sociedade se organiza, instrumentaliza seus recursos e regula seus conflitos. bem verdade que a linha metodolgica pode fazer supor que as escolhas so racionalmente feitas pelos formuladores de polticas, mas no desse vis que aqui se trata. Se racionais do ponto de vista paramtrico ou do ponto de vista estratgico, as escolhas existem e so feitas. Sendo ou no funcionais, tendo ou no um leque de alternativas, escolhas so realizadas e ignorar tal fato perder a noo que tomadores de deciso ocupam tais posies exatamente para faz-las. A presena das escolhas, no entanto, est plena da dinmica do capital e de suas contradies. Como em todas as questes analticas, encontra-se no papel do Estado um elemento de tenso, de divergncia entre as diferentes correntes de pensamento. Um mercado autorregulvel, pilar bsico do pensamento liberal, est fora de qualquer considerao possvel de promoo de desenvolvimento, pois no h possibilidade de sobrevivncia da autorregulao dos mercados sem consequncias graves sobre a sobrevivncia humana e sobre a manuteno da sociedade (POLANYI, 2000). Na linha bsica do Estado mnimo est a concepo, tambm j destacada, de que os vrios motivos que animam os homens so traduzidos no desejo do ganho econmico. Smith acrescenta a isso que a maximizao do bem coletivo est garantida quando cada indivduo age em seu prprio interesse (CARNOY, 2004). Vale lembrar que Smith no fala em ao14

No pacfica a origem do termo capital social como categoria analtica. Alguns atribuem sua origem ao sculo XVIII ou XIX. Os escritos de Alexis de Tocqueville, J.S.Mill, Durkheim, Simmel, Max Weber e Adam Smith j conteriam a ideia de capital social. Um marco no uso do termo, no entanto, pode ser o ano 1916, quando Lyda Judson Hanifan, ento supervisora das escolas rurais do estado norteamericano da Virginia, identificou os bons resultados dos alunos da regio com a participao e o envolvimento da comunidade local. Hanifan conferiu ao termo capital social a definio de coisas intangveis que so importantes para o cotidiano das pessoas. O uso moderno do termo atribudo a Jane Jacobs na dcada de 1960 e ao cientista poltico Robert Salisbury no final da mesma dcada. O uso contemporneo do termo atribudo, entre outros autores, a Pierre Bourdieu e Robert Putnam. Na dcada de 1990, o Banco Mundial usou o conceito como foco de um programa de investigao e o termo ganhou popularidade. Em termos gerais, capital social est relacionado s externalidades positivas geradas pela interao entre as pessoas. Esta ideia, no entanto, est muito distante de qualquer consenso, ficando dependente de que autor o leitor elege como referncia.

35

consciente no sentido da maximizao, mas no resultado da maximizao do bem comum, do bem coletivo, a partir das consequnciass no conscientes das aes individuais. Por razes metodolgicas, questionar o conceito de bem comum e sua existncia no preocupao deste tabalho e tal questionamento, presente nos debates sobre a viso de Estado de Rousseau e Locke, por exemplo, no central no Estado liberal de Smith, dado que sua definio precisa no se torna necessria, a nosso ver, porque seja o que for o bem comum, ser atingido para ele inconscientemente pelas aes individuais que buscam a maximizao (inconsciente ou no) da satisfao econmica. Smith parte do pressuposto que o indivduo tem amor pela sociedade e pela ordem social dela derivada e tal ordem se torna possvel exatamente pelas aes positivas, pelas interaes positivas que so geradas pelas aes individuais. Quase chegamos a uma tica aristotlica, uma potica do viver, para justificar o bem comum. A estaria, ento, uma justificativa do equilbrio: embora os indivduos possam no implementar aes positivas, Smith considera que, no agregado, as aes positivas mais que compensam as demais, conduzindo ao pensamento da sociedade do livre mercado como produtora da melhor de todas as sociedades (CARNOY, 2004). No entanto, Smith no defende a ausncia do Estado, mas destaca a potencial m gesto de indivduos e de poderes pblicos como causas do empobrecimento das naes. Se o Estado beneficia os homens, vale destacar, Smith confere lealdade dos homens para com o mesmo o status de virtude elevada. Continuamos na seara do individualismo metodolgico, trao marcante em Smith15. Benefcio e lealdade so, claramente, conceitos vagos e escorregam em vrios sentidos de acordo com o que se queira, mas bom destacar a presena deste elemento no pensamento fundante do liberalismo. Neste trabalho, partimos da considerao da inexistncia de uma liberdade natural prescritiva nas atividades econmicas dos indivduos, uma considerao eminentemente keynesiana na crtica do economista ingls crena liberal:

No verdade que os indivduos possuem uma liberdade natural prescritiva em suas atividades econmicas. No existe um contrato que confira direitos perptuos aos que j os tm ou aos que os adquirem. O mundo no de forma alguma governado pela Providncia de modo que sempre coincidam o interesse particular e o social. No correto deduzir dos princpios da Economia Poltica que o autointeresse esclarecido atue sempre15

Para ilustrar, um trecho clssico da obra de Smith sobre a diviso do trabalho diz o seguinte: no da benevolncia do aougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da considerao que eles tm pelo seu prprio interesse. Dirigimo-nos no sua humanidade, mas sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas prprias necessidades, mas das vantagens que adviro para eles (SMITH, 1988, p. 25).

36

a favor do interesse pblico. Nem verdade que o autointeresse seja em geral esclarecido. A experincia no demonstra que os indivduos, quando integram um todo social, sejam sempre menos esclarecidos do que quando agem isoladamente (KEYNES, 1972, p. 287-288 apud GARLIPP, 2006, p. 12).

Assim, no parece razovel, seja pela incapacidade dos mecanismos de mercado em promover pleno emprego e distribuio de renda e riqueza seja pela dificuldade em aceitar a hiptese agregativa, que a soma dos bens individuais signifique o bem coletivo e o mercado livre (aqui entendido como totalmente livre de controle de qualquer tipo) seja o alocador timo de recursos da economia e promova o desenvolvimento. De volta a Smith, destaque-se que sua crtica se dirige ao Estado intervencionista e, considerando a experincia histrica por ele vivenciada, o mercantilismo estava na base de tal crtica. Traando um paralelo com consideraes atuais sobre o papel do Estado a partir de vises neoliberais, tratava-se de pedir a interveno para que o Estado passasse a no intervir, ou seja, um Estado forte para romper com as barreiras mercantilistas e viabilizar um Estado mnimo para garantir o livre funcionamento do mercado, uma espcie de lema intervir para no intervir ou ser forte para ser fraco. Eficincia, produtividade e eficcia so conceitos que instrumentalizam as aes relacionadas ao desenvolvimento. A produtividade ao mesmo tempo condio necessria e sntese analtica do desenvolvimento. A mundializao sua tese. Os Estados Nacionais, facilitadores na aplicao dos instrumentos desregulamentadores, so elementos mais aderentes que antitticos ao movimento mundial e serviriam funcionalmente como fragmentadores de seus prprios espaos nesta dinmica que autovaloriza o capital e permite que ele (o capital) encontre sempre seus prprios caminhos para se reproduzir. A fragmentao dos Estados Nacionais aparece, ento, como possibilidade de contraparte de um novo modelo de acumulao capitalista 16. Regies ao invs de Estados Nacionais seria um caminho possvel nesta trajetria. Do lado da produo, a fragmentao pode ser encarada como uma necessidade do refreamento de tenses decorrentes de lutas entre capital e trabalho, culminadas em extrema tenso de classes. Trata-se, obviamente, de uma face da questo: a fragmentao estaria relacionada acumulao flexvel, neste momento tratada como um modelo que se apresenta com a necessria adaptabilidade s condies e demanda de mercado. O local, o locus de16

Temos conscincia de que o raciocnio aqui desenvolvido no linear do ponto de vista da histria econmica. Entretanto, neste momento, importam-nos mais os movimentos do capital que a cronologia dos mesmos.

37

acumulao flexvel serviria, ao mesmo tempo, para destensionar as relaes local-global e para viabilizar desregulamentaes necessrias ao desenvolvimento do capital. A explicao inequvoca neoliberal do mundo culminou em um modelo que alguns chamam de TINA (there is no alternative), ou seja, o pensamento nico. Curiosamente, uma sutileza da nova ortodoxia traz seu prprio contraditrio: o Estado mximo deve garantir o Estado mnimo. O Estado, portanto, deve ser forte para se manter afastado do mercado. A cada problema de equilbrio de mercado, chama-se o Estado para garantir o retorno ao timo; a cada entrada do Estado, em outros momentos, demanda-se sua ausncia ou seu papel de suposta neutralidade. As consequncias para a poltica de desenvolvimento so bvias: a prescrio trazida pelo Consenso de Washington, doutrina constituda no sentido da liberalizao dos mercados e consequente reduo da participao do Estado na economia, promove a regulao de bens pblicos ou, para usar o termo clssico, a elevao da eficincia econmica (CAMPANRIO; SILVA, 2004). Pelo receiturio, portanto, cabe ao Estado a garantia da concorrncia, da estabilidade de preos via mercados e, portanto, a existncia de uma poltica especfica para o desenvolvimento passa a ser questionvel em virtude da ao governamental introduzir potencialmente elementos polticos que geram imperfeio na alocao de recursos.

1.3

PLANEJAMENTO, POLTICAS PBLICAS E POLTICA INDUSTRIAL

Planejar implica pensar e implementar aes em dada realidade. O planejamento , portanto, ato discricionrio que no se prende a noes de foras naturais a que supostamente se submeteria um fenmeno qualquer. Planejamento , portanto, interveno. No campo das polticas pblicas, vrias so as possibilidades de interveno, mas poucas geram tanta polmica quanto a elaborao de polticas industriais. Aceitar a discusso de poltica industrial significa admitir a possibilidade de interveno do Estado nos rumos da economia. No centro da polmica, posies ideolgicas divergentes: em linhas gerais, quanto mais prximo estivermos do pensamento liberal, menor ser o grau de aceitao desta interveno e quanto mais prximos da extrema heterodoxia, maior propenso a aceitar uma poltica industrial. Por outro lado, tambm de acordo com a posio terica aceita, a interveno ser direcionada a aspectos microeconmicos, a mercados especficos, ou a aspectos mais gerais, transversais, chegando, ainda, a um conjunto de proposies prximas de polticas macroeconmicas.

38

Antes de prosseguirmos na explicitao das possibilidades de poltica industrial e de suas vertentes analticas e desdobramentos nas polticas pblicas, vale ressaltar a importncia da definio clara do objeto de estudo que se pretende destacar. Schumpeter, em sua Teoria da Dinmica Capitalista, destacava a importncia de se definir o campo da economia: de que se fala? Da produo? Do conjunto de relaes sociais que a produo engendra? Para o autor, trata-se da produo em si e de seus desdobramentos. da produo que parte a viso dinmica schumpeteriana:

A atividade econmica pode ter qualquer motivo, at mesmo espiritual, mas seu significado sempre a satisfao de necessidades. [...]. A produo segue as necessidades; , por assim dizer, puxada por elas. (...) faz dela [da produo], desde o incio, um problema econmico (SCHUMPETER, 1988, p. 15-16).

Apenas para registro, a viso schumpeteriana quase sempre identificada com um alinhamento Lei de Say. Embora no seja nosso propsito neste trabalho, vale destacar que Schumpeter vai muito alm da Lei de Say para analisar a dinmica inovativa e o desenvolvimento. Ao contrrio do que se advoga com freqncia, o fato do autor atribuir importncia s necessidades como determinantes da produo o colocaria, no mnimo, em categoria isolada da ortodoxia. Para nossos propsitos, no entanto, a definio de economia que importa est alm da produo em si, mas mister reconhecer produo o carter de essncia do sistema: dela dependem os fluxos de renda, trabalho, a prpria esfera de acumulao e, portanto, toda a gerao de riqueza real. Isso no quer dizer que estamos ignorando quem determina a produo, ou seja, no estamos estabelecendo aqui uma negao do princpio da demanda efetiva17. Apenas queremos ressaltar que a coisa que nos importa a produo induzida em funo de decises de poltica industrial ou de estratgias de desenvolvimento, no estando em questo o cerne da dinmica capitalista. Nosso interesse, ao abordar a poltica industrial ou de desenvolvimento, radica na identificao das n consequncias possveis da interveno proposta, ou seja, mais que na discusso terica sobre a poltica em si, interessam-nos, uma vez adotada com o vis que for, as consequnciass

17

Princpio da demanda efetiva: patamar que determina o nvel de produto agregado e, consequentemente, determina o patamar da renda. No captulo 3 de sua Teoria Geral, Keynes destaca que a quantidade de mo de obra N que os empresrios resolvem empregar depende da soma (D) de duas quantidades, a saber: D1, o montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo, e D2, o montante que se espera seja aplicado em novos investimentos. D o que chamamos antes de demanda efetiva (1988, p. 36).

39

scio-espaciais da poltica de desenvolvimento.

1.3.1 Progresso, Alocao de Mercados e Polticas: para uma reflexo inicial

O livre mercado e o sistema de preos so suficientes para os ajustes necessrios quando existem eventuais desequilbrios alocativos. Predominante no mainstream, este pensamento se apoia na ideia de que a eficincia alocativa do sistema de preos permitir a distribuio ideal dos recursos entre as mltiplas possibilidades de uso (PEREIRA, 1996). Se o mercado regula com perfeio os desequilbrios e se, no longo prazo18, a economia tende ao pleno emprego dos fatores, a poltica industrial ou qualquer poltica que tenha como objetivo a interveno no domnio econmico sero dispensveis, inteis, totalmente desnecessrias. Na verdade, ajustes de curto prazo so possveis, para os tericos destas correntes, via instrumentos de poltica macroeconmica; o progresso scio-econmico, por outro lado, est determinado pela livre atuao das foras de mercado. No se pode imputar falsidade teoria sob a alegao simples de que a mesma no adere realidade emprica. necessrio compreender as hipteses adotadas pelos pensadores liberais para que se lhes faam qualquer crtica que se pretenda sria. Adicionalmente, a juno de pensadores distintos como os da escola austraca, os neoliberais e mesmo a base liberal leva a equvocos que fazem com que se homogeinize o que , em essncia, heterogneo. Assim, a no ser pela defesa do mercado como mecanismo de coordenao e alocao de recursos, as especificidades levam a duvidar de anlises que tratem sob o mesmo signo Malcolm Sawyer, Adam Smith e o Consenso de Washington, entre outros. Ter como denominador comum do pensamento liberal a ideia de que o Estado no intervenha na economia para a correo de desequilbrios implica empobrecer as consideraes (neo)liberais, pois alguns defensores das livres foras do mercado defendem a interveno nos casos de externalidades e imperfeies que gerem impedimentos ao progresso econmico. O progresso econmico, por sinal, como ideia-fora, a base de todas as controvrsias sobre a conduo das polticas pblicas. Heidemann e Salm (2009) apresentam de modo preciso a dicotomia estabelecida nos fundamentos da interveno estatal para questes de progresso econmico:

18

No estamos preocupados, no momento, com a definio de longo prazo.

40

At a terceira dcada do sculo 20, o sonho do progresso era alavancado de forma dominante pelo sistema de mercado autorregulado. Quando este falhou, o Estado passou a regular a economia, e o desenvolvimento foi de ento em diante alavancado por um mercado politicamente regulado, ou seja, pela iniciativa conjunta do Estado e do mercado, ainda que para muitos pensadores nascia ento um novo mito, o mito do desenvolvimento (HEIDEMANN; SALM, 2009, p. 21).

A ideia de mito, por sinal, percorreu o iderio dos pensadores do mainstream por longas dcadas. Afinal, a promoo do desenvolvimento era algo contraditrio com a crena no alcance do equilbrio a longo prazo. O crescimento e o desenvolvimento, portanto, seriam residualmente definidos posto que alcanados a partir da correta implementao das polticas clssicas disposio da Teoria Econmica: fiscal e monetria, basicamente. A eventual heresia derivada da construo de uma poltica de desenvolvimento derivaria no somente da corrupo do ideal do livre mercado, mas tambm da concepo de poltica econmica. Para alguns autores, no h sentido em pensar poltica industrial como algo abrangente uma vez que se trataria de agregar vrias parcelas de polticas econmicas (de juros, de crdito, etc) que, por consequncia, traria um conceito fluido de poltica econmica, transformando-a, basicamente, em poltica pblica compreendida como todas as polticas passveis de adoo pelo Estado. Uma vez mais tratam-se aqui a questo polissmica e a necessidade de definio precisa do que se considera poltica pblica. Temos, em primeiro lugar, a definio aristotlica do homem poltico que influencia e se influencia pelos demais. A poltica, neste sentido, traz um carter mais reduzido, de esfera de atuao mais limitada. Para ampliar o alcance do termo, podemos buscar Maquiavel e tratar a poltica como sendo os mtodos e processos utilizados por grupos para a conquista do poder. Trata-se, agora, da possibilidade de corrupo do interesse comum por interesses particulares. Partimos, ento, para a poltica como ato de governar e realizar o bem pblico (HEIDEMANN; SALM, 2009). Usamos o conceito da tica da sociedade como uma totalidade e somos levados a pensar o desenvolvimento ou o crescimento como algo a ser levado adiante como bem pblico. Requer definir que dimenses do desenvolvimento so relevantes para esta totalidade social a que ele se destina: para que grupos, com que sacrifcios, etc, se faz o crescimento/desenvolvimento. Como acepo operacional, tambm apresentada em Heidemann e Salm (2009), a poltica se confunde com aes prticas, como funo do Estado, legitimadas pelo marco legal para solucionar questes de interesse da sociedade. Tem o Estado papel mais importante, notadamente no planejamento de sua poltica. neste momento que somos levados a outra

41

dicotomia terico-conceitual: a poltica de desenvolvimento deve ser setorial ou horizontal, isto , perpassar todos os setores da economia? Deve solucionar gargalos microeconmicos, setoriais, ou ser abrangente, concedendo benefcios a qualquer setor que se desenvolva no pas? Por ltimo, a poltica concebida como a teoria poltica ou o conhecimento dos fenmenos ligados regulamentao e ao controle da vida humana em sociedade (HEIDEMANN; SALM, 2009, p. 29). neste momento que surgem questes como diviso poltico-administrativa e controle da vida humana em sociedade. No menos polissmica a noo de poltica pblica, que pode assumir desde o conceito de alocao de determinados valores para uma dada sociedade, definidor de metas e objetivos para a mesma, at a definio de Thomas Dye, para quem poltica pblica tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer. Para os nossos propsitos, poltica pblica fruto da ao governamental sobre o tecido social (setor, economia, etc) que traz em si uma inteno manifestada. Deste modo, poltica industrial aqui entendida como o conjunto de aes de planejamento governamental (com ou sem a participao do setor privado) que visam a promover o crescimento e o desenvolvimento de uma dada sociedade. Trata-se, portanto, de uma poltica de desenvolvimento, termo talvez mais apropriado para alargar a compreenso de que os encadeamentos econmicos existem para alm da produo em si, para alm dos efeitos intersetoriais e para muito alm de efeitos que se poderiam classificar como estritamente econmicos. No confundimos desenvolvimento com desenvolvimento industrial necessariamente. Tambm no queremos confundir a definio de poltica industrial e de desenvolvimento com os elementos da seara que se criou exclusiva para as polticas monetria, fiscal e cambial. A parcelizao da economia fez com que a cincia padecesse do mesmo mal experimentado pelo trabalho parcelizado nos primrdios taylor-fordistas. A economia, como cincia, no pode ser compartimentalizada de modo a dar ao leitor a falsa sensao de que o formulador de poltica fiscal um ser totalmente dissociado dos demais formuladores de polticas econmicas. Por outro lado, no vemos qualquer problema em tratar o termo poltica industrial como poltica de desenvolvimento desde que se saiba o alcance do mesmo. No h confuso com a poltica macroeconmica e nem com seus instrumentos, isto , no se faz a confuso de criador com criatura, pois, do ponto de vista formal, importa o objetivo da poltica macroeconmica de qualquer pas que ser, via de regra, de desenvolvimento com sustentabilidade. A poltica macroeconmica ser sempre maior, ser

42

sempre criadora: ora da estabilizao somente, ora tambm criadora do desenvolvimento. Por ser dinmica, ela sofre influncias reversas de suas criaturas e, portanto, o processo de desenvolvimento retroage, gerando, eventualmente, a necessidade de ao especfica de uma poltica macroeconmica. Diro, por outro lado, outros, que esta poltica industrial fruto de aes setoriais e, portanto, estaramos no no campo da macroeconomia, mas na rea microeconmica. Retornamos, assim, a uma definio de poltica industrial estrita, aquela que busca aes em setores econmicos escolhidos para, via de regra, promover exportaes, aumentar contedo tecnolgico, tratar desajustes de mercado ou simplesmente corrigir falhas alocativas.

1.3.2 Planejamento Econmico e Poltica Industrial

Para sistematizar a reflexo, a seguir apresenta-se uma tentativa de resumo das consideraes tericas sobre poltica industrial e planejamento. Como todo resumo, admite-se a incompletude do mesmo pela bvia impossibilidade de considerar o conjunto das vertentes tericas existentes sobre o tema. O resumo a seguir est baseado no artigo de Campanrio e Silva (2004).

a) Poltica industrial corresponde ao controle estratgico de instrumentos que garantam condies sustentveis de concorrncia interna e externa para a indstria. A poltica industrial teria, portanto, carter eminentemente microeconmico, basicamente setorial. Quando muito, admitem-se intervenes horizontais em setores fundamentais para a garantia da competitividade (crdito, transportes, energia, etc). No se ignora, obviamente, que tais medidas estariam inseridas em contexto macroeconmico mais amplo, mas o foco setorial. b) Poltica industrial deve ser uma poltica de corte apenas horizontal, no setorial, devendo seus instrumentos atuar apenas em questes que constitutem gargalos ao desenvolvimento. Seriam elementos de poltica industrial, ento, intervenes para desonerar tributariamente uma estrutura produtiva ou de comercializao. c) Poltica industrial um conjunto de medidas que busca corrigir falhas de mercado, ou seja, existiria a necessidade de interveno do Estado quando da presena de

43

bens pblicos, de externalidades19, falhas concorrenciais como monoplios e prticas desleais, assimetria de informaes e a prpria correo de desequilbrios macroeconmicos. d) Poltica industrial, em seu enfoque mais abrangente, seriam na verdade polticas que, combinadas a polticas pblicas mais gerais, atuariam na atividade econmica estimulando inovaes tecnolgicas e o atingimento de vantagens comparativas dinmicas. Aqui, prevalece a influncia de Schumpeter e de seus seguidores, pois trata-se de introduzir um elemento de busca de eficincia dinmica ao invs de eficincia alocativa. esta eficincia dinmica que faz com que os efeitos multiplicadores atuem na economia e gerem maiores nveis de emprego e renda e maior desenvolvimento social.

O enfoque abrangente de poltica industrial traz, ainda, consideraes sobre a economia do conhecimento, deixando, uma vez mais, o carter da organizao da produo em evidncia e mostrando uma face dbia do processo de mundializao do capital: ao mesmo tempo em que amplia e integra os mercados, a inovao, essncia da dinmica globalizante, aponta a espacializao como seu fator estratgico fundamental. O carter nodifuso da gerao do conhecimento induz especializaes produtivas e cadeias de produo especficas de acordo com o que se analisa. Se tratamos de mercados locais, a produo de bens e servios pode ser dispersa; se tratamos de indstrias que atendem ao mercado global com produtos locais ou com partes e produtos passveis de produo com insumos e mo de obra locais, as regies, ou melhor, o territrio local20 o fator estratgico (DINIZ; GONALVES, 2005).

19

importante notar que as externalidades no se reduzem a questes como poluio, gargalos urbanos e outras externalidades negativas. Seriam tambm externalidades passveis de ao do Estado a prpria aglomerao espacial de atividades econmicas. 20 Territrio local aqui entendido como o lugar em que se instala a produo de bens ou servios. Deste modo, o municpio, por exemplo, pode ser a escala a analisar quando o tema valor que o lugar agrega produo de bens e servios. Valor aparece aqui de modo genrico, podendo ser tanto tangvel como intangvel, de uso ou mesmo o valor-trabalho, visto que a agregao de valor pode se dar via reduo de custos de mo de obra ao mesmo tempo em que pode ocorrer na adio de valor intangvel derivado da expertise da mo de obra local.

44

1.4 SCHUMPETER E NEOSHCUMPETERIANOS: UMA ALTERAO NO FOCO DA CONCORRNCIA

A importncia da economia do conhecimento conforme destacado anteriormente e sua relao estreita com temas de espacialidade nos faz destacar a contribuio

neoschumpeteriana para o tema de polticas de desenvolvimento. Uma entre as muitas observaes fundamentais de Schumpeter refere-se concorrncia e constatao de que a mesma no se d via preos, mas, fundamentalmente, via inovao. A inovao, neste caso, tratada lato sensu, mas neste conceito schumpeteriano amplo que estaria a base do progresso econmico. Este aporte schumpeteriano nos remete considerao da acumulao de capital e dinmica do modo de produo capitalista, tratada anteriormente ao mencionarmos o processo de autovalorizao do capital. No caso schumpeteriano, no fugimos ao raciocnio: as assimetrias produtivas geradas pela inovao, base de um sistema com informaes imperfeitas, garantem vantagens absolutas de preo e/ou qualidade, gerando ampliao de espao de atuao e eventuais perdas aos concorrentes (BAPTISTA, 2000). A busca da inovao confere, ento, dinmica ao sistema ao possibilitar a ampliao da fronteira de produo, ao viabilizar a criao e a recriao de assimetrias entre agentes, assimetrias essas que resultam de incertezas associadas ao processo inovativo e a quem assume tais incertezas ou no, e que geram a possibilidade de apropriao de lucros extraordinrios uma vez que a inovao gera as imperfeies de mercado, vistas em Schumpeter no como anomalias a serem reduzidas pelo Estado, mas como endgenas, fruto da prpria dinmica capitalista centrada na inovao. Em termos de poltica industrial ou de desenvolvimento, fica clara a ao necessria no sentido de um sistema que promova a inovao e que a firma uma formuladora de estratgias, dados a estrutura de mercado em que se encontra, os ativos, as capacidades que possui, e a concorrncia. As estratgias, para serem temporalmente vlidas, devem permitir a conservao da posio da firma no mercado. Como o mercado se constitui no locus no de alocao tima de preos, mas de rivalidade entre agentes, os padres de concorrncia setoriais so definidores dos processos decisrios. Chega-se, ento, concluso da inviabilidade das hipteses ortodoxas de estabilidade das funes de produo entre empresas e da simetria informacional, para citar apenas duas. Ao mesmo tempo, conclui-se pela necessidade de polticas setorialmente diferentes, uma vez que o foco, a base da dinmica a

45

inovao. Chegaramos, estendendo o raciocnio, a um vis de poltica industrial que traz os sistemas de inovao para o centro da discusso, sejam eles setoriais ou nacionais. Os neoschumpeterinaos, mantendo a ideia da inovao como elemento fundamental da dinmica, chegam ao progresso tcnico endgeno a partir do Princpio de Causao Circular e Cumulativa21 de Kaldor-Myrdal associado ao aporte terico schumpeteriano. Para compreender a anlise neoschumpeteriana e as possveis aberturas de polticas de desenvolvimento neste ponto, faz-se necessrio abrir a economia e considerar os elementos de insero da mesma na diviso internacional do trabalho. Kaldor defendia, basicamente, a existncia de diferenciais entre as elasticidades-renda da demanda entre setores (ou produtos), o que contraria a hiptese de funes de produo homogneas entre setores. Adicionalmente, para o autor, h retornos crescentes de escala na produo que levam polarizao do comrcio internacional (BAPTISTA, 2000).22 Assim, os pases desenvolvidos so os que apresentam altas elasticidades-renda das exportaes e baixas elasticidades-renda das importaes, o que traduz a vantagem em termos inovativos, em tecnologia de ponta. Para no desvirtuar este trabalho de seu propsito, bastar lembrar uma nica questo adicional tratada em Kaldor e incorporada pelos neoschumpeterianos: o mercado mecanismo de transmisso de mudanas, mudanas estas que se relacionam diretamente ao processo inovativo e a suas caractersticas de gerao de economias dinmicas, estticas e de aprendizado de escala, fundamentais para entender o mercado como o lugar de gerao/apropriao de renda.

21

O sucesso gera mais sucesso e o fracasso gera mais fracasso: em resumo, regies mais pobres tendem a aprofundar a pobreza em funo da ao de foras centrpetas ou efeitos regressivos, que no somente fazem com que as regies mais ricas atraiam os melhores profissionais, como fazem com que as mais pobres, com menor poder de atrao de empresas e pessoas, tendam estagnao. Ou seja: as regies mais dinmicas contribuiriam para tornar as mais pobres cada vez menos dinmicas. Myrdal parte do pressuposto de que a dinmica de um polo se origina de um fato histrico determinado. Migraes, comrcio e o movimento do capital tenderiam a aprofundar os efeitos nos dois extremos do desenvolvimento: nas regies dinmicas, a causao assume o efeito positivo de gerar maior dinamismo, enquanto nas regies deprimidas, a causao opera no sentido contrrio. O processo cumulativo e o mercado, por consequncia da anlise dinmica, opera no sentido de aprofundar as desigualdades. 22 Em relao primeira destas teses, Kaldor estabelece uma relao causal entre a insero setorial de cada economia e seu potencial de gerao de renda e emprego recuperando a verso dinamizada do multiplicador de comrcio exterior de Harrod [....]. Neste sentido, e atravs da operao dos efeitos multiplicador e acelerador neokeynesianos, a elasticidade de renda das exportaes aparece, neste referencial terico, como a varivel-chave que vincula a demanda (neste caso o seu componente externo) gerao de renda.[...] Kaldor enfatiza [...] a elasticidade-renda das exportaes como elemento fundamental na explicao do crescimento das exportaes e a habilidade inovativa como fator bsico na definio destas elasticidades-renda (BAPTISTA, 2000, p. 24-26).

46

1.5

ORGANIZAO E OBJETIVOS

Este trabalho est dividido em quatro captulos - alm desta Introduo, aqui tratada como o primeiro captulo da tese. O segundo captulo traz a discusso do protagonismo do local e o binmio espao-tempo na anlise econmica, evidenciando, assim, a nossa viso de territrio e sobre aglomeraes produtivas e suas tipologias. Recupera, ainda, momentos da histria econmica brasileira atravs de seus planos de estabilizao e/ou de desenvolvimento, com foco especfico no que h de regional, local ou reduo de desigualdades em tais planos. O terceiro captulo traz as consideraes metodolgicas sobre o tratamento dado anlise do Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais e sobre algumas medidas utilizadas nesta tese. Vale advertir o leitor sobre nosso entendimento de que a metodologia, como estudo do mtodo, est presente em todos os captulos ainda que exista um captulo dedicado formalmente a tratar o tema. Tal existncia justifica-se mais pela formalidade da prtica do que pela necessidade do discurso e, para no relegar sua importncia a um grau inferior (o que no nosso objetivo), o captulo traz uma importante distino: como tratamos de duas questes paralelas nesta tese, a anlise de um projeto de interveno no tecido social e o questionamento metodolgico da concepo terica desse projeto e de todos os que se assentam na mesma ideia de reprodutibilidade no espao de experincias temporal e espacialmente diversas, didaticamente importante que o leitor tenha em mente este duplo movimento terico. De um lado, uma pequena anlise de resultados produzidos a partir da empiria; de outro, o movimento de questionamento do objeto que d substncia empiria (ou lhe deveria dar): a tese de que os arranjos produtivos locais so o caminho ideal para a reduo de desigualdades regionais atravs da poltica industrial. tambm prudente advertir o leitor sobre o captulo metodolgico trazer anlises com concluses sobre o tema tratado. Optamos por esta abordagem a fim de deixar o captulo seguinte totalmente ou em grande parte dedicado ao objeto emprico. O quarto captulo traz os resultados da anlise dos arranjos produtivos locais brasileiros estudados. Tais arranjos foram escolhidos, conforme destacado, em funo da implementao de polticas de desenvolvimento emanadas de instituies que tentaram reproduzir o modelo italiano em territrio brasileiro. Assim como no captulo anterior, misturamos mtodo e resultados da anlise em funo das razes j expostas. Conclumos, por fim, com recomendaes para as polticas pblicas de desenvolvimento

47

luz da dinmica capitalista que se apresenta, uma dinmica que incorpora um arranjo produtivo ao mesmo tempo mutante e estvel; funcional ao sistema e/ou ao espao que ocupa. Capital e mudana esto, sem grande surpresa analtica, imbricados. A surpresa analtica est no papel do espao, este, mais do que o tempo, assume o seu territrio na anlise econmica. Esta organizao pretende apresentar, em resumo, as seguintes questes:

a) o resgate da discusso local-global e da importncia das escalas intermedirias no processo de autovalorizao do capital. Este resgate, no campo terico, objetiva a verificao da hiptese de que as representaes espaciais do capitalismo ps-1990 no Brasil e no mundo, consolidadas em arranjos produtivos locais, no so seno produtos da lgica de reproduo capitalista do espao (HARVEY, 2007), nada trazendo de novo do ponto de vista da teoria econmica para a anlise capitalista e nada contribuindo para o avano da teoria de planejamento de espao urbano e regional. Os arranjos, embora possam cumprir funes sociais e representar, eventualmente, solues emanadas da base de uma comunidade local, teoricamente no trazem avanos ao capitalismo como modo de produo e, principalmente, no se configuram em um novo espao de acumulao como defendem alguns tericos da ortodoxia; b) a anlise do Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais. O projeto23, desenvolvido no perodo 2003-2006 em parceria entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Servio Brasileiro de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas (SEBRAE) e a Cmara de Comrcio e Indstria de Milo (Itlia), pretendeu materializar em territrio brasileiro a experincia italiana de sucesso no desenvolvimento de arranjos produtivos. Duas sero as linhas analticas desenvolvidas nesta tese no que diz respeito anlise do Projeto:

i.

a partir de categorias analticas, sero avaliados os documentos que deram origem ao Projeto;

23

A partir deste ponto, faremos referncia ao Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais com o termo Projeto, sempre com inicial maiscula a fim de estabelecer a distino com o termo projeto, utilizado para referncia a qualquer projeto de desenvolvimento.

48

ii.

a partir de indicadores de evoluo de renda e emprego e de efeitos de encadeamento e extrapolao, sero avaliados os efetivos impactos do Projeto nas regies escolhidas para abrig-lo;

iii.

resultados sobre sinergia e coeso obtidos pelo consrcio que avaliou os primeiros anos do Projeto so comentados para que se perceba o efeito de aportes financeiros e intelectuais de instituies nacionais e multilaterais de fomento sobre o territrio. Os indicadores,

infelizmente, esto disponveis apenas para a fase inicial do Projeto, mas so capazes de refletir os efeitos que queremos medir.

c) a indicao de novos estudos que possam contribuir para o desenvolvimento de projetos eficazes para o desenvolvimento local;

d) a comprovao ou no de que os arranjos produtivos so o caminho para a reduo de desigualdades regionais. Tal questo, central para nossos propsitos, emana da presena da relao entre arranjos produtivos locais e reduo de desigualdades regionais nas polticas industriais e de desenvolvimento brasileiras no perodo psestabilizao.

49

2

O LOCAL, A ECONOMIA E O DESENVOLVIMENTO

2.1

O PROTAGONISMO DO LOCAL

O capital existe e somente pode existir como muitos capitais; por conseguinte, sua autodeterminao se apresenta como ao