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2. A maturidade da nova arquitetura brasileira: unidade e diversidade 2.1 Arquitetura nova e tradição local Começa por volta de 1944 e 1945 uma nova fase para a Arquitetura Brasileira. Mesmo que a expressão “nova fase” implique uma ideia de ruptura, o autor deixa claro que o que aconteceu nessa transição não foi uma interrupção das ideias modernistas que havia até então e nem uma mudança nos atores. Os arquitetos em destaque até então permaneciam os mesmos. O que mudou nos anos de 44 e 45 foi o ritmo de produção, o desenvolvimento da arquitetura sofreu uma brusca aceleração. Outra mudança substancial do período foi a adição de características tipicamente brasileiras aos princípios modernos. Houve uma tentativa de conciliar as características da arquitetura trazida pelos colonizadores portugueses no séculos XVI e XVII e as novas vertentes surgidas com o Modernismo. A grande personalidade e o pioneiro desse período é Lúcio Costa. 2.1.1 A obra de Lúcio Costa 2.1.1.1 Contribuição teórica -Grande ator do campo de projeto e também do campo teórico; teoria simples e clara, ideal para o que a classe dos arquitetos almejava na época (precisavam de fundamentação, mas eram muito mais ligados à prática); -Sua obra não tentou criar novos postulados para a Arquitetura Moderna: ele aceitou o que havia sido proposto pelos europeus (Le Corbusier, Gropius), fazendo apenas pequenas adaptações para a realidade nacional e corrigindo alguns excessos. Sua obra foi mais focada nas reflexões de ordem estética. -A escolha pela defesa de Le Corbusier foi motivada pela importância dada de forma semelhante aos três problemas fundamentais da arquitetura: o técnico, o social e o plástico. Em Le Corbusier os três problemas eram tratados como um só. -A novidade que Lúcio Costa poderia conceder ao Modernismo brasileiro eram as inovações plásticas “””inspiradas””” pela arquitetura neocolonial. Para ele, o período neocolonial foi uma tentativa de renovar uma arquitetura decadente, mesmo que focando só em questões formais, o que diminuía a credibilidade do movimento. -Para ele, “a arquitetura, apesar de sua atual complexidade de realização, ‘continuava sendo fundamentalmente uma arte plástica”. -Tentativa de divisão da concepção arquitetônica em orgânica-funcional e plástica-ideal. A primeira seria uma resposta aos aspectos de ordem funcional atendendo também ao caráter plástico de forma rigorosa. A segunda teria a resposta aos aspectos funcionais como premissa essencial, deixando o resultado plástico a cargo dessas decisões. O resultado plástico é geométrico, praticamente puro. -A libertação desse tabu veio com o desenvolvimento de técnicas construtivas: a estrutura independente foi responsável pelo conceito de arquitetura como organismo vivo, o que soltou as amarras da concepção

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2. A maturidade da nova arquitetura brasileira: unidade e diversidade

2.1 Arquitetura nova e tradição local

Começa por volta de 1944 e 1945 uma nova fase para a Arquitetura Brasileira. Mesmo que a expressão “nova

fase” implique uma ideia de ruptura, o autor deixa claro que o que aconteceu nessa transição não foi uma

interrupção das ideias modernistas que havia até então e nem uma mudança nos atores. Os arquitetos em

destaque até então permaneciam os mesmos. O que mudou nos anos de 44 e 45 foi o ritmo de produção, o

desenvolvimento da arquitetura sofreu uma brusca aceleração.

Outra mudança substancial do período foi a adição de características tipicamente brasileiras aos princípios

modernos. Houve uma tentativa de conciliar as características da arquitetura trazida pelos colonizadores

portugueses no séculos XVI e XVII e as novas vertentes surgidas com o Modernismo. A grande personalidade e

o pioneiro desse período é Lúcio Costa.

2.1.1 A obra de Lúcio Costa

2.1.1.1 Contribuição teórica

-Grande ator do campo de projeto e também do campo teórico; teoria simples e clara, ideal para o que a

classe dos arquitetos almejava na época (precisavam de fundamentação, mas eram muito mais ligados à

prática);

-Sua obra não tentou criar novos postulados para a Arquitetura Moderna: ele aceitou o que havia sido

proposto pelos europeus (Le Corbusier, Gropius), fazendo apenas pequenas adaptações para a realidade

nacional e corrigindo alguns excessos. Sua obra foi mais focada nas reflexões de ordem estética.

-A escolha pela defesa de Le Corbusier foi motivada pela importância dada de forma semelhante aos três

problemas fundamentais da arquitetura: o técnico, o social e o plástico. Em Le Corbusier os três problemas

eram tratados como um só.

-A novidade que Lúcio Costa poderia conceder ao Modernismo brasileiro eram as inovações plásticas

“””inspiradas””” pela arquitetura neocolonial. Para ele, o período neocolonial foi uma tentativa de renovar

uma arquitetura decadente, mesmo que focando só em questões formais, o que diminuía a credibilidade do

movimento.

-Para ele, “a arquitetura, apesar de sua atual complexidade de realização, ‘continuava sendo

fundamentalmente uma arte plástica”. 

-Tentativa de divisão da concepção arquitetônica em orgânica-funcional e plástica-ideal. A primeira seria

uma resposta aos aspectos de ordem funcional atendendo também ao caráter plástico de forma rigorosa. A

segunda teria a resposta aos aspectos funcionais como premissa essencial, deixando o resultado plástico a

cargo dessas decisões. O resultado plástico é geométrico, praticamente puro.

-A libertação desse tabu veio com o desenvolvimento de técnicas construtivas: a estrutura independente

foi responsável pelo conceito de arquitetura como organismo vivo, o que soltou as amarras da concepção

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plástica. (autor do livro questiona, dizendo que é dar muita importância ao aspecto técnico atribuir a ele esse

papel).

-Obra de Lúcio Costa se alinha à tendência da pureza formal. Mas, principalmente nas residências,

encontram-se características que podem (mas não devem) ser confundidas com aspectos orgânicos. Entre

eles, estão a integração e continuidade entre interior e exterior e liberdade na organização do espaço.

-Diferença entre Lúcio Costa e Le Corbusier: o segundo negou o passado e não encontrava nele nenhum

tipo de atração ou inspiração. Já o primeiro, era profundamente ligado ao patrimônio e buscava

constantemente referências anteriores. Em um primeiro momento, chega ser quase contraditório seu apego a

arquitetura luso-brasileira, que teoricamente é vinculada ao movimento barroco, corrente “repudiada” pelos

modernistas e pelo próprio arquiteto. Mas o autor ressalta que essa associação da arquitetura neocolonial ao

barroco é puramente sistemática, não correspondente à realidade. Os pouco traços barrocos existentes nas

igrejas e na arquitetura civil do século XVII eram exatamente a parte que não interessava tanto a Lúcio Costa.

-6 pontos da arquitetura neocolonial destacados por Lúcio Costa como admiráveis e passíveis de adaptaçãopara o estilo contemporâneo:

  Sistemas e processos construtivos; 

  Soluções adotadas para as plantas e suas variações de acordo com mudança de região, de

programa e de problemas de ordem técnica; 

  Telhados simples e “flexíveis”, englobando varandas e demais dependências; 

  Telhados com angulação obtusa (menos inclinados), que eram mais longos e lançavam a água o

mais longe possível das paredes; 

  As rótulas e as janelas (venezianas e guilhotina); 

  O mobiliário. 

2.1.1.2 A arquitetura de Lúcio Costa

a) Casas e Mansões 

-Uso das características neocoloniais de maneira muito coerente com cada programa; no projeto de

residências era onde tinha mais liberdade, porque tinha uma clientela interessada pelo modernismo, mas

pouco disposta a romper completamente com a tradição formal do neocolonialismo. Preocupava-se sempre

com a integração dos elementos tradicionais com uma arquitetura que jamais renega se caráter

contemporâneo.

- Preocupação com a continuidade interior-exterior sem que a privacidade se perdesse (muito pelo contrário);

casas concebidas a partir do jardim; pátio interno (casas Roberto Marinho e Argemiro Hungria Machado);

treliças, pérgolas e muxarabis como proteção do sol e da invasão de privacidade; varandas; pilotis; combinação

de materiais tipicamente modernistas, como o concreto e o vidro, e materiais tradicionais (madeira e pedras);

telhados com telha canal, mais horizontalizado, destacando esse caráter já existente em sua obra;

-Exemplos: Casa de Roberto Marinho (http://zip.net/bwk6mZ  e http://zip.net/bwk6m0), Casa Hungria

Machado (http://zip.net/bgk6Hj  e http://zip.net/blk58R  e http://zip.net/bdk6M8), Casa Saavedra

(http://zip.net/byk6Vd e http://zip.net/bhk6Rr) 

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b) O Hotel do Parque em Nova Friburgo

-Grande exemplo do uso de materiais tradicionais aliados aos princípios do modernismo. Estrutura

independente, térreo erguido por pilotis, planta funcional, grandes superfícies envidraçadas, hierarquia entre

blocos principais e secundárias através dos materiais e dos cheios e vazios.

-Uso da madeira como sistema estrutural: garante economia (matéria-prima abundante na região), inserção

delicada no terreno, sem criar ruptura, efeito estético de simplicidade, apreciado pelos turistas que

usufruiriam do local.

-Características modernas estão mais estampadas no primeiro pavimentos, com os pilotis, o vidro, a planta

integrada; as características luso-brasileiras se concentram mais no segundo pavimento, onde está a varanda

circundada pelo telhado, as treliças de madeira, a pedra. Essa diferenciação, no entanto, não se dá de forma

rígida, engessada.

c) O conjunto residencial do Parque Eduardo Guinle

http://zip.net/bqk66J 

-Proposta de implantação de 6 edifícios residenciais em parque já existe (Parque Guinle). Apenas 3 foram

projeto de Lucio Costa (o empreendimento não trouxe o retorno financeiro desejado e o dono resolveu

entregar o projeto dos outros 3 edifícios para os irmãos Roberto, que, segundo o autor, o fizerem sem o

mínimo critério);

-A dificuldade de conciliar a melhor orientação solar com a vista do parque foi a responsável pelo uso dos

brises e cobogós, marca registrada do conjunto. Nesse quesito, Lucio Costa mostra mais uma vez a vontade de

misturar o moderno ao neocolonial brasileiro, utilizando tanto os brises verticais de concreto quanto cobogóscom desenho de inspiração portuguesa. Esses elementos dão unidade visual ao conjunto.

-O projeto pode ser tranquilamente inserido na escola racionalista, por ter pureza volumétrica, modulação,

equilíbrio e uso de diversas soluções funcionais.

d) Os projetos monumentais

-Lucio Costa não utilizava da tendência de mesclar o novo ao antigo como dogma. Em situações em que

acreditava que o contexto não era próprio, abandonava a inspiração luso-brasileira e se aproximava ainda mais

dos princípios de Le Corbusier. Isso pode ser visto nos projetos monumentais;

-Edifício UNESCO: participação de Lucio Costa na comissão internacional do projeto. 3 grandes contribuições

que foram decisivas: rejeição de todas as propostas ligadas ao classicismo francês, adoção de curva flexível

para a fachada e elemento escultórico para sala de convenções.

e) Conclusão 

Para o autor, os três grandes méritos de Lucio Costa são a busca pelo equilíbrio (atingido através da simetria),

a clareza e a simplicidade das composições (formas puras, apurados tratamentos de fachada) e o jogo pictórico

das superfícies. Além disso, ele ressalta a constante mistura entre os estilos moderno e neocolonial nas obras

do arquiteto.

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2.1.2 A influência de Lucio Costa e as pesquisas paralelas dos outros arquitetos

-Nenhuma corrente e nenhum arquiteto da época fugiu à influência de Lucio Costa. Apesar disso, não criou-se

uma estereotipagem, muito pelo contrário. Os maiores polos de influência foram Rio de Janeiro, São Paulo,

Belo Horizonte e Recife.

2.1.2.1 A Região Centro-Sul

-Um dos arquitetos influenciados foi Francisco Bolonha. Herdou de Lucio Costa a integração com a natureza

circundante, o uso de materiais rústicos como a madeira e a pedra, o telhado de telhas-canal de uma só água,

a horizontalidade, entre outros. Havia diferenças, no entanto, quanto à disposição dos espaços: as plantas de

Bolonha eram mais complicadas, composta por blocos ligados através de elementos como passarelas,

corredores, etc.

-Carlos Frederico Ferreira projetou para si uma casa nas montanhas de nova Friburgo que se assemelhavam ao

Park Hotel no quesito dos materiais. As semelhanças param por aí, pois não havia na casa de Carlos o requinte

aristocrático típico do Hotel, já que a casa tinha sido feita com o menor orçamento possível e utilizada da

simplicidade dos materiais rústicos como estratégia de barateamento.

-No caso dos Irmãos Roberto, não houve influência direta, mas sim uma pesquisa paralela bastante

semelhante à de Lucio Costa. A “Colônia de férias”, situada na Tijuca, também apresenta características

bastante semelhantes ao Park Hotel, principalmente na disposição da planta e das elevações, na

horizontalidade, a mesma forma do telhado, o mesmo jogo de cheios e vazios.

-“Pode-se perguntar se uma aproximação entre a arquitetura contemporânea e a tradição local, mesmo

baseada em critérios diferentes dos critérios apenas formais, não iria chegar, no fundo, a um beco sem saída;

não se trataria de um movimento um pouco nostálgico, que reflete um estado passageiro da sociedade e da

economia brasileiras? Não se opõe ele aos problemas que a arquitetura de hoje iria ter de resolver, num

futuro próximo, com as transformações rápidas que sofria o país? Seria ele capaz de se adaptar à era da

construção industrial (...)?” Autor responde essas perguntas dizendo que isso já era pensado pelos arquitetos

da época e exemplifica com o caso dos elementos vazados de Lucio Costa já serem pré-fabricados e

industrializados, com a casa de Sérgio Rodrigues, totalmente modularizada e desmontável, e também com o

caso da Agência do Banco da Bahia, construída em São Paulo, onde a estrutura metálica era predominante e

onde podia se acessar o caixa sem sair do carro.

2.1.2.2 A Região Nordeste

Por mais que uma região tão rica em arquitetura neocolonial como o Nordeste fosse o terreno ideal para a

implantação de uma nova arquitetura que era inspirada pelo passado, foi somente em Recife que ela ganhou

terreno. Por sua localização geográfica, estabelecia mais vínculos com Europa e Portugal do que com o

Sudeste do Brasil, e por causa de seu clima totalmente diferenciado, possibilitou novos recursos e linguagens

arquitetônicas. Dois arquitetos se destacam nesse cenário: Acácio Gil Borsoi e Delfim Amorim.

-Delfim Amorim: chegou de Portugal como grande discípulo do racionalismo puro de Le Corbusier, mas

desenvolveu durante a sua morada no Brasil um estilo adaptado ao nosso clima e relevo. Passou a utilizar os

telhados de telha canal e a revestir suas fachadas com azulejos (não decorativos, lisos), já que os terraços

descobertos e as fachadas “sem revestimento” não resistiam ao calor e à umidade do Recife.

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-Resumo das contribuições luso-brasileiras à Arquitetura Moderna:

  Os de telhados de telha-canal com grandes beirais

  As venezianas e muzarabis

  As varandas e galerias de circulação externa

  Os revestimentos de azulejo

Autor aponta que a contribuição de Lucio Costa e dos empréstimos da arquitetura neocolonial deram força ao

movimento moderno, mostrando que o estilo tinha chegado à maioridade e estava bastante segura de si

mesma para não se entregar a complexos juvenis frente às gerações anteriores. O movimento foi bastante

criticado, no entanto.

2.1 O triunfo da plástica

Arquitetura brasileira ganha força internacional por causa da habilidade dos nossos arquitetos no campo da

plástica. Oscar Niemeyer encabeça esse movimento por ter extensa pesquisa formal, apesar de não ter sidoum grande teórico da arquitetura.

2.1.1 Pesquisas estruturais e forma livre: a obra de Niemeyer antes de 1955

A arquitetura de Niemeyer antes de 1955 é marcada pela produção sem trégua, em busca de experiências

novas e de criação de linguagem. A partir de 1955, depois de uma viagem a Europa, seus horizontes se

alargaram e ele passou então a produzir alguns escritos e a aumentar o caráter plástico em suas obras. As

ideias de Niemeyer a partir desse momento podem se resumir a:

  Recusa de se deixar prender por preocupações de ordem social: o arquiteto não está encarregado

de transformar a sociedade;

  Rejeição de todo o tradicionalismo: novas técnicas também deviam gerar novas estéticas;

  Valorização da arquitetura como arte plástica: arquiteto precisa ser artista; é isso o que o separa do

engenheiro (técnico).

2.1.1.1 Desenvolvimento das pesquisas estruturais

a) Pilotis: desejo por estruturas mais leves e graciosas, que não ocupassem tanto o solo e nem se parecesse

com uma plantação de “colunas”. Busca por independência dos pilotis (externos) em relação ao resto dos

pilares internos. Surgem então as primeiras experiências com os pilares em V (Palácio da Agricultura, SP) e W

(Conjunto Kubitschek em BH), sendo esse último altamente criticado e abandonado pelo próprio arquiteto.

b) Arcos, abóbadas e rampas: busca pela quebra da rigidez, que ora se devia às pesquisas estruturas, ora ao

desejo de renovação plástica. Pode ser percebido, de início, nas obras da Pampulha e na proposta para a casa

de Oswald de Andrade, mas se transformou realmente em linguagem por volta de 1950, quando foi feita

proposta de acréscimo de auditório ao edifício do MEC, que teria diversos arcos e feixes oblíquos e que acabou

não sendo construído. Aparecem logo depois, já mais amadurecidos, nas obras para a fábrica de Duchen e no

Clube Diamantina. O autor aponta que a influência de Niemeyer para essas pesquisas estruturais pode ter sido

do engenheiro Robert Maillart, que tinha ganhado destaque por suas pontes em concreto armado.

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As rampas também aparecem por causa da busca por dinamismo e flexibilidade (Pavilhões Parque do

Ibirapuera, Palácio da Indústria, Palácio das Artes).

2.1.1.2 A exploração da forma livre

A forma livre foi muito utilizada pelo arquiteto, mas raramente era tido como elemento principal do projeto.Um dos primeiros exemplos é o Banco Boavista no RJ, que tem uma das paredes laterais toda em tijolo de

vidro serpenteando entre os pilotis. Em outra tentativa do uso da forma livre, o resultado não foi tão

satisfatório: o Edifício Califórnia foi duramente criticado por ter lojas com vitrines curvas que não eram nem

um pouco ideais. Outros exemplos de utilização da forma livre são: Edifício Liberdade, em BH; Restaurante da

Pampulha; Projeto de Marquises para o Parque do Ibirapuera, entre outros.

A maioria das obras que apresentavam a forma livre não foi construída ou foi transformada para abrigar novos

usos, o que releva o fracasso da experiência puramente prática de Niemeyer. O que o autor aponta como falha

nesse primeiro período de Niemeyer é a escala e o deslocamento equivocado do ponto de vista: o projeto não

era pensando-se no observador pedestre.

O autor aponta como fim dessa era “plástica” a construção da Casa das Canoas, que recebeu muitas críticas

internacionais por ser tão inserida na natureza, por sua laje dotada de forma livre e “sem função” e pelos

extensos panos de vidro. A partir desse momento (1955), Niemeyer praticamente elimina a forma livre de seus

projetos e aprofunda a pesquisa estrutural.

2.1.1.3 O tratamento dos volumes

Apesar de todo o desejo pela forma livre, nos projetos de arranha-céus e outros edifícios com mais

pavimentos, o prisma se impunha, às vezes pela necessidade (terrenos pequenos, legislação), às vezes pelo

próprio desejo plástico. O autor considera o arquiteto como especialista na composição das massa,

conseguindo criar aspecto de leveza mesmo em edifício retangulares. Em destaque estão o Hospital Sul-

américa e o Conjunto do Parque do Ibirapuera. Entre os “fracassos” volumétricos, está o Conjunto Kubitschek,

em BH. Há também casos de quebra do prisma através de paredes inclinadas, como no Centro Técnico da

Aeronáutica, e também de inversão do trapézio, com a laje superior maior e a base menor (Hotel em

Diamantina e Escola Julia Kubitschek).

Aos poucos, Niemeyer evolui de uma combinação de massas a uma interpenetração de volumes complexos e

equilibrados. Isso, no entanto, não exclui a sua habilidade anterior de pensar espaços internos e externos, de

combinar a paisagem com o interior, de fazer jogos de luz e sombra, cheios e vazior.

2.1.1.4 Conclusão

A fase que vai de 1944 a 1955 pode ser definida pela busca da plasticidade nova e se alterna entre sucessos

brilhantes e fracassos indiscutíveis. Como é usual, a ousadia formal de Niemeyer foi imitada por muitos

arquitetos sem talento, o que gerou centenas de formas horríveis e arbitrárias. Ao mesmo tempo, a

“tendência” foi seguida por grandes arquitetos brasileiros, como os irmãos Roberto, Reiydy, Moreira, Bolonha

e até mesmo Lucio Costa. A influência também contagiou a Europa, que se encontrava em estado de

monotonia, através de inúmeras publicações em revistas. No cenário internacional, havia duas correntes: a

orgânica, de Frank Loyd e Aalto, e a racionalista, que mantinha sua posição de eliminação do que não fosse

funcional.

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2.1.2 A procura do movimento: MMM Roberto

Os irmãos Roberto, apesar de não irem tão fundo na plasticidade como Niemeyer, passaram por um período

de transformação que os levou da rigidez característica do Aeroporto Santos Dumont e do prédio da ABI ao

edifício de fachada móvel Marquês de Herva

2.1.2.1 Dinamismo das estruturas

Os Roberto quebraram poucas vezes a tradição estrutural através de pesquisas de inovação, mas as poucas

vezes que o fizeram, obtiveram resultado brilhante (Edifício da empresa Sotreq). Houve também, durante

algum tempo, a influência direta de Niemeyer na procura por formas livres, como é o caso do projeto para a

igreja de Vicente de Carvalho e a casa Arthur Monteiro Coimbra. Este último era muito próximo da Casa das

Canoas, tento apenas algumas distinções de ordem funcional, como a inclinação da laje e a transformação

desta em jardim. Mas a influência parava por aí, já que as plantas eram estritamente ortogonais e a forma livre

era encontrada apenas em algumas partes.

Uma das obras mais aclamadas dos irmãos foi o escritório de venda de loteamentos de Plantação Samambaia,

marcado pela simplicidade das formas e pelo uso de materiais naturais, como a pedra. A obra se aproximava

da corrente organicista de Frank Loyd, mas com o romantismo característico do movimento substituído por

uma simplicidade ofuscante.

2.1.2.2 A procura de movimento na fachada

Evidenciado no Edificio Seguradoras, a busca pelo movimento da fachada é marca registrada do irmãos

Roberto. A obra, implantada em terreno de esquina, possui vários elementos de movimento, como as

persianas, a parede cega e as paredes internas das lojas e da recepção em curva. Esse mesmo tipo de solução

apareceria mais tarde em diversos outros edifícios, mas expandida, com a quebra da linha reta e a presença de

persianas em paredes “não cheias” (Edifício Guanabara, prédios Finusa e Dona Fátima). A tendência atinge seu

ápice no edifício Marquês de Herval, onde o movimento é dado pelo tratamento de fachada e não pelos

cheios.

Depois da morte de Milton Roberto, há poucas obras que se destacaram. A partir de 55, no entanto, os irmãos

Marcelo e Maurício partiram para o campo do urbanismo, onde o senso de organização levou a resultados

muito interessantes. Para o autor, as grandes características dos irmãos são a elegância, a segurança das

proporções, a cor e a preocupação com o tratamento das fachadas.

2.1.3 O apogeu de Niemeyer: Brasília

Após viagem a Europa, Niemeyer reviu diversos posicionamentos e mudou radicalmente a sua arquitetura. Se

desvinculou dos projetos comerciais e passou a se dedicar a outras tipologias, o que foi permitido pela

construção de Brasília em 1956. Manteve os princípios que norteavam a sua arquitetura (uso de materiais

novos, aproveitamento da flexibilidade do concreto armado, imaginação plástica) mas aceitou a clareza e a

lógica dos estilos, a procura por simplicidade e equilíbrio.

O projeto inaugural dessa etapa foi o Museu de Arte Moderna de Caracas (1955), que serviu de inspiração

também para o projeto do auditório do Ibirapuera. Niemeyer não se preocupava mais com o caráter arbitrário

do volume. O foco agora era em uma forma única, original e de extrema clareza, o que representa umamudança drástica de estilo.

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Os projetos de Brasília já foram dotados dessa nova lógica. A escolha de Niemeyer, conhecido pelo enorme

senso plástico, foi proposital, já que previa-se a criação de arquiteturas-símbolo na nova capital do país. A

vitória de Lucio Costa para o plano urbanístico foi muito conveniente devido a afinidade de estilo.

Os edifícios de Niemeyer em Brasília podem ser classificados em 3:

2.3.1.1 Palácios de Pórtico

“Retomada” do templo grego, por mais que o movimento moderno negasse essa referência ao passado.

Constituem as mais brilhantes obras de Niemeyer.

a) Palácio da Alvorada (56-57): definido pelas estruturas, nobre, monumental. Sofreu diversas modificações

em relação a suas primeiras propostas, envolvendo a parte das divisões internas, a inclusão de varanda entre a

parede envidraçada e a colunata, remoção de cobertura recortada, integração da capela, entre outras. Todas

as modificações, segundo Niemeyer, foram feitas por considerações visuais, visando a integração do conjunto

e aprimoramento plástico. Função não determina a forma, mas a forma dá origem a bem sucedidas funções

mesmo tendo sido definida a priori. Apesar disso, não pode-se falar em quebra total com o racionalismo,

apesar do desejo por um certo decorativismo há muito adormecido.

b) Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal

Há diversas semelhanças entre o primeiro Palácio e o Palácio do Planalto. A fórmula do primeiro foi utilizada

no segundo com algumas alterações. Entre as semelhanças estão a presença da “varanda”, através do

prolongamento das lajes em relação aos panos de vidro, os elementos estruturais ressaltados na fachada,

apesar de serem colocados em sentido diferente no Planalto.

O Supremo Tribunal também guarda diversas semelhanças com o Palácio da Alvorada, mas foi invertida alógica da fachada principal (entrada fica na porção da largura e não do comprimento) e da disposição da

estrutura (dada no comprimento, de forma perpendicular à visão do espectador).

c) Palácio dos Arcos

Difere dos outros palácios pela volta do uso do concreto aparente. Niemeyer, mesmo relutante por ser uma

“volta ao estilo passado” e por se tratar de um edifício aristocrático, utilizou o concreto sem perder a leveza e

a elegância pretendida nas obras de Brasília. Algumas adaptações, como a coloração de cor ocre e o projeto de

formas elaborado, deram ao material a aparência de acolhimento e refinamento desejados. Outros recursos

fortalecem essa ideia ao edifício, como o enorme espelho d’água que circunda o e difício e o desprende do

solo, as varandas que estão em todas as fachadas dos edifícios, o pavimento superior sem fechamento lateral

e com abertura no teto para a iluminação de um jardim.

2.3.1.2 Combinações e jogos de volumes simples

A concepção dos palácios em pórtico se restringiu apenas a algumas obras. Em outras, voltou a sua

característica inicial de jogos volumétricos, como se pode ver, por exemplo, no Palácio do Congresso.

a) Palácio do Congresso:

Difere dos outros palácios por sua localização de destaque no plano urbanístico de Lucio Costa e por abrigar

duas assembleias distintas. Marcado tanto pela horizontalidade, como pela verticalidade das torres, o edifício

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tem um jogo equilibrado de massas, marcado por uma simetria não absoluta (cúpulas de tamanhos e em

posições diferentes). A inspiração para essa obra deve ser encontrada na própria obra de Niemeyer. Para o

autor, as críticas feitas em relação a qualidade dos escritórios das torres e a falta de iluminação natural nas

salas do plenário não são suficientes para a abater a importância plástica do edifício.

b) A praça dos Três Poderes e o Eixo Monumental:

Não se sabe de fato se o projeto da Praça dos Três Poderes foi esboçado por Le Corbusier, mas para o autor,

foi a destreza de Niemeyer para trabalhar com os volumes que deu à praça o caráter monumental e

harmônico que ela tem. A ideia de uma praça dominada e dominante ao mesmo tempo foi francamente

inspirada nas praças que conheceu na Europa.

Seu desenho triangular só pode ser visto em planta. Para o observador, as laterais agudas pouco se destacam e

o que ganha força são os quadrantes criados entre os edifícios. Outros equipamentos, como o museu da

capital, o pombal, a escultura “Os Guerreiro”, foram sendo acrescentados à praça e chegaram a ser discutidos

em relação ao bloqueio da vista dos palácios e à mudança do caráter da praça, debates sem nenhumaimportância segundo o autor.

O Eixo Monumental tem a sua monumentalidade “quebrada” também por alguns equipamentos, como os

prédios idênticos dos Ministérios (que originalmente seriam sobre pilotis), a catedral, o edifício do Teatro

Nacional (monolítico e fechado, abrigando duas salas).

c) O Hotel e os setores residenciais

O hotel que abrigaria o Presidente e os hóspedes importantes foi feito de modo absolutamente livre, sem

limitações de programa ou terreno. Todos os cômodos puderam ser dispostos com a melhor orientação, a

volumetria pôde ser alongada.

Como o volume de projetos era enorme, Niemeyer contou com diversos colaboradores, mas nunca deixou de

supervisionar cada proposta. No caso dos edifícios de apartamentos, teve especial cuidado com os da

superquadra 108, que projetou baseando-se no Conjunto habitacional de Marselha.

2.3.1.3 Capelas e Catedrais

a) A Capela do Palácio da Alvorada: inspirada livremente na Capela de Ronchamps, de Le Corbusier, que era

pesada e ao mesmo tempo informal, visualmente contrastante com a leveza do Palácio da Alvorada. Niemeyer

buscou em Ronchamps a disposição do altar fora do eixo, mas não adotou todo o sentimento de

desorientação proposto por Le Corbusier. O percurso dentro da Capela presidencial é cheio de surpresas, mas

claramente direcionado, orientado.

b) A Capela de Nossa Senhora de Fátima: igreja de bairro, sem o caráter aristocrático da capela presidencial. A

cobertura triangular repousa levemente nos apoios também triangulares e cria um incrível efeito estético. O

interior foi marcado pelos afrescos de Volpi, que já não mais existem, e o exterior pelos finos azulejos de Athos

Bulcão.

c) A Catedral: diferia-se das outras por sua planta radiocêntrica e por seu desafio à técnica da época. Niemeyer

havia proposto mais paraboloides e dois anéis concêntricos que iriam unir as estruturas verticais no chão e no

topo. A impossibilidade de execução gerou ajustes que definiram a forma como ela está hoje. Outra

dificuldade foi a colocação dos painéis envidraçados, que teve que ser feita sobre uma rede fina metálica.

7/27/2019 Arquitetura Contemporânea no Brasil - 2

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2.3.1.4 Conclusão

Apesar da diferenciação da carreira de Niemeyer em duas fases, o sentido plástico, as preocupações formais, a

exploração das possibilidades do concreto, o amor pela curva límpida e a procura da leveza são caracerísticas

inerentes aos dois períodos. Na segunda fase, porém, é impossível não perceber uma transcendência na

questão da forma, que supera as exigências programáticas a todo momento e cria um caráter escultórico às

obras da Capital, por exemplo.

Niemeyer foi acusado por alguns críticos de ter retomado os dogmas impostos por Le Corbusier na década de

20 e 30, o que não é totalmente mentira. O que deve-se observar é que essa regressão não foi pura e simples:

havia um desejo de enriquecer plasticamente os preceitos que tinham sido idealizados em meio a uma

arquitetura de combate. Havia sempre a preocupação em evitar a monotonia e o tédio.

O autor ressalta que é no campo plástico que as obras de Niemeyer devem ser analisadas. As críticas feitas

somente no plano funcional ou no da gratuidade formal não podem ser levadas em consideração, pois o

mérito das obras de Niemeyer pertence mais ao campo das artes plásticas.

2.1.4 José Bina Fonyat e a plástica das coberturas

Até então, Niemeyer tinha trabalho apenas um dos elementos fundamentais das estruturas: os suportes

verticais. E José Bina Fonyat que inicia a exploração dos elementos horizontais, principalmente as coberturas.

Sua primeira obra de destaque foi o teatro Castro Alves, em Salvador, que empresta a forma triangular do

Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. A forma, apesar de atender bem à disposição de um auditório, é

predominantemente plástica, escultórica, como afirma o próprio autor.

Sua obra mais proeminente, no entanto, é o posto de serviços de Brasília, composto por um motel, um

restaurante e um posto da Petrobrás. A inovação das coberturas é evidente no “cogumelo” que encima o

posto e na cobertura com seção de losangos do motel. Essa inovação contagiou outras obras do arquiteto e

influenciou também outros arquitetos, como o próprio Niemeyer, que utilizam o seu senso plástico para a

elaboração de coberturas diferentes, mesmo que em alguns casos a qualidade das mesmas seja questionável.