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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA GIOVANNA MARIA CANONICO SOTTILE A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL Araranguá 2019

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

GIOVANNA MARIA CANONICO SOTTILE

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL

Araranguá

2019

GIOVANNA MARIA CANONICO SOTTILE

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Graduação em Direito da

Universidade do Sul de Santa Catarina, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Nádila da Silva Hassan, Esp.

Araranguá

2019

À minha mãe Rosa e meu pai Alessandro que

sempre me deram apoio em todos os momentos,

amor incondicional e sempre acreditaram em

mim. Ao meu lindo noivo, e quase esposo, Lu,

por todo companheirismo, incentivo, amor e

conselhos que me dá todos os dias. Ao meu

irmão Lucas por toda confiança e risadas. Aos

meus amigos, principalmente à minha amiga

Lúcia, que me acompanhou e me incentivou

durante todo trabalho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus e aos meus pais por todo apoio e amor que me dão

todos os dias, e que mesmo com a distância estão sempre comigo.

Ao meu, em breve, marido que em todos os momentos está ao meu lado, me

ajudando e aconselhando, além de todo amor, carinho, alegria e incentivo que me dá todos os dias.

Ao meu irmão pela confiança e risadas que me proporciona.

A todos os meus familiares, de sangue ou de coração, que me trouxeram momentos

de alegria e muito companheirismo.

À minha orientadora Prof. Nádila Hassan, que sempre esteve disposta a me ajudar,

buscando o melhor desempenho possível, com muita paciência, conhecimento e compreensão.

“Deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não

tem chances.” (Renato Russo).

RESUMO

A presente monografia possui o objetivo de estudar o que é considerado escravidão

contemporânea no Brasil, suas principais causas, quem são as vítimas atingidas e como essas

condições violam as normas inseridas na legislação brasileira, dando destaque aos princípios

constitucionais. Inicialmente é feita uma breve análise histórica da escravidão. Seguindo com

a apresentação de alguns conceitos, analisando o perfil das vítimas do trabalho escravo e

destacando as características da escravidão na contemporaneidade brasileira. Posteriormente,

procede-se à observância de alguns tratados e convenções internacionais, importantes na luta

contra o trabalho escravo, seguindo ao estudo das normas constitucionais do trabalho e da

legislação infraconstitucional infringidos com a presença de condições análogas à de escravo.

Por fim, são identificadas as mais relevantes medidas de combate ao trabalho escravo, tanto

governamentais, quanto sociais e aponta-se os principais desafios enfrentados na busca da

erradicação da escravidão contemporânea no Brasil. O estudo de todo o trabalho é baseado em

pesquisas bibliográficas e legislativas. Conclui-se que para se alcançar o objetivo de extinguir

o trabalho escravo no país, se torna necessário a concretização das normas e fundamentos

contidos na Constituição Federal, além do respeito e aplicação, de fato, das leis previstas

infraconstitucionalmente, por meio de medidas públicas dirigidas à diminuição das

desigualdades socias, levando em consideração que a falta de educação, conhecimento, a

miséria e o desemprego são os principais contribuintes para a submissão do indivíduo à

escravidão.

Palavras-chave: Trabalho escravo. Escravidão contemporânea. Condições análogas à de

escravo.

ABSTRACT

The present monograph aims to identify what is considered contemporary slavery in Brazil,

its main causes, who are the victims affected and how these conditions violate the norms

inserted in the Brazilian legislation, highlighting the constitutional principles. Initially a brief

historical analysis of slavery is made. Following with the presentation of some concepts,

analyzing the profile of the victims of slave labor and highlighting the characteristics of

slavery in the Brazilian contemporary. Subsequently, some international treaties and

conventions that are important in the struggle against slave labor are followed, following the

study of constitutional labor standards and insfraconstitutional legislation infringed by

conditions similar to slave conditions. Finally, the most relevant measures to combat slave

labor, both governmental and social, are identified and the main challenges faced in the search

for the eradication of contemporary slavery in Brazil are identified. The study of all the work

is based on bibliographical and legislative research. It is concluded that in order to achieve the

objective of extinguishing slave labor in the country, it is necessary to implement the norms

and foundations contained in the Federal Constitution, in addition to the respect and

application, in fact, of the laws envisaged infraconstitucionalmente, through public measures

directed to the reduction of social inequalities, taking into account that lack of education,

knowledge, misery and unemployment are the main contributors to the subjection of the

individual to slavery.

Keywords: Slavery. Contemporary Slavery. Same conditions as slave.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART- Artigo

CF- Constituição Federal

CP – Código Penal

CC- Código Civil

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CONAETE - Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo

CPT - Comissão Pastoral da Terra

CTPS - Carteira de Trabalho e Previdência Social

CUT- Central Única dos Trabalhadores

DUDH- Declaração Universal dos Direitos Humanos

GEFM - Grupo de Especialização de Fiscalização Móvel

GERTRAF - Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado

IOS - Instituto Observatório Digital

IN - Instrução Normativa

MPT- Ministério Público do Trabalho

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

MPF - Ministério Público Federal

ONG - Organizações Não Governamentais

OIT - Organização Internacional do Trabalho

SDN - Sociedade das Nações

SIT - Secretaria de Inspeção do Trabalho

STF - Supremo Tribunal Federal

ONU – Organização das Nações Unidas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 10

2 O TRABALHO ESCRAVO NO TEMPO ...................................................................... 12

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA ESCRAVIDÃO ........................................................... 12

2.1.1 Da escravidão na antiguidade .................................................................................... 12

2.1.2 Breve histórico da escravidão no Brasil .................................................................... 13

2.1.3 O período abolicionista ............................................................................................... 15

2.2 A ESCRAVIDÃO NA CONTEMPORANIEDADE BRASILEIRA .............................. 16

2.2.1 Conceitos sobre a escravidão contemporânea .......................................................... 16

2.2.2 As vítimas da escravidão contemporânea ................................................................. 18

2.2.3 As condições análogas à escravidão ........................................................................... 20

2.2.4 Restrição de locomoção em razão de dívida e Retenção no local de trabalho ....... 21

2.2.5 Trabalho forçado ......................................................................................................... 24

2.2.6 Jornada exaustiva ........................................................................................................ 25

2.2.7 Condições degradantes ............................................................................................... 26

3 A ESCRAVIDÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL E

INTERNACIONAL ................................................................................................................ 28

3.1 NORMAS INTERNACIONAIS ...................................................................................... 28

3.1.1 Principais Convenções e Tratados Internacionais ................................................... 28

3.2 ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................................................... 32

3.2.1 Os valores socias do trabalho e a livre iniciativa ...................................................... 32

3.2.2 A função social da propriedade.................................................................................. 33

3.2.3 O direito à igualdade ................................................................................................... 35

3.2.4 O direito à liberdade ................................................................................................... 36

3.2.5 A dignidade da pessoa humana .................................................................................. 37

3.2.6 Legislação infraconstitucional – Código Penal ......................................................... 39

4 AS MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO .................................... 42

4.1.1 Os principais mecanismos governamentais de fiscalização e combate................... 43

4.1.2 As organizações não governamentais ........................................................................ 45

4.1.3 A assistência e inclusão do trabalhador na sociedade .............................................. 48

4.1.4 Os desafios da erradicação da escravidão contemporânea ..................................... 49

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 52

ANEXO A – LISTA SUJA ..................................................................................................... 62

10

1 INTRODUÇÃO

Este estudo possui a proposta primordial de analisar o trabalho escravo

contemporâneo na realidade brasileira, uma vez que, atualmente, o número de trabalhadores

encontrados em situações análogas à de escravo no país, infelizmente, ainda é bastante

expressivo.

Diante do fato, nasceu o anseio por estudar o referido tema um pouco mais a

fundo, visando conhecer as características dessa nova forma de escravidão e quais atitudes

estão sendo tomadas para prevenir o surgimento de novos casos.

A escravidão contemporânea carrega consigo um enorme retrocesso social. Além

disso, menospreza os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana, tida como

princípio basilar da norma constitucional.

O cidadão que se encontra em uma situação de vulnerabilidade, buscando

satisfazer as necessidades básicas de seus familiares, ou por falta de conhecimento, acaba

deixando-se escravizar, na esperança da conquista de uma vida digna.

Importante ressaltar que o trabalho em condições degradantes não conflita apenas

com os princípios fundamentais citados, mas também com vários outros direitos essenciais,

além dos objetivos fundamentais do Estado.

Neste contexto, busca-se esclarecer o que configura o trabalho escravo hoje em

dia, quais as principais normas norteadoras e quais medidas estão sendo tomadas para seu

combate e fiscalização. No mesmo sentido, como questões secundárias, ainda se torna

necessário expor o perfil das vítimas atingidas pela escravidão, quais atitudes tomadas após a

libertação do trabalhador e porque essas condições desumanas de trabalho são tão difíceis de

serem combatidas de uma forma efetiva.

A temática será desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e documental,

através de leituras, observação de documentários, análise da legislação e jurisprudência, além

do estudo de vídeos relacionados ao tema.

O presente trabalho foi elaborado em três capítulos. O primeiro trata da evolução

histórica do trabalho escravo; abordando a escravidão na antiguidade, no Brasil colonial, o

período pós abolição, até chegar nos conceitos sobre a escravidão contemporânea. Segue com

a apresentação das vítimas do trabalho escravo e a classificação das condições análogas à

escravidão. No segundo momento, abrange a escravidão no ordenamento jurídico

internacional e nacional, trazendo as principais Convenções e Tratados Internacionais, em

especial os ratificados pelo Estado brasileiro, os princípios básicos do trabalho presentes na

11

Constituição Federal e o Código Penal como dispositivo infraconstitucional essencial contra a

escravatura moderna. Posteriormente, passamos a estudar os mecanismos de fiscalização e

combate à escravatura no Brasil contemporâneo, quais ações tomadas pelo Estado e

organizações sociais para auxiliar e inserir os trabalhadores libertados no mercado de

trabalho, e quais as maiores dificuldades existentes na atualidade para concretizar a

erradicação da escravidão contemporânea no país.

12

2 O TRABALHO ESCRAVO NO TEMPO

O presente capítulo possui como principal objetivo esclarecer acerca do trabalho

escravo, desde seu início até a atualidade. Traremos aqui as principais características da

escravidão no passado, seus conceitos contemporâneos, quem são as vítimas atuais e suas

diferentes formas.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA ESCRAVIDÃO

Iniciaremos com uma breve apresentação sobre o desenvolvimento da escravidão

na história. A princípio será abordado aspectos da escravidão na antiguidade. Posteriormente,

faz-se menção à servidão no Brasil colonial, relacionada a submissão de negros e indígenas, e

em seguinte, esclarecimentos sobre o período abolicionista.

2.1.1 Da escravidão na antiguidade

A doutrina não é unânime considerando o momento em que surgiu a escravidão

no mundo. O que se sabe é que a escravidão é um processo antigo e está contida na história da

humanidade, conforme afirma Mello (2003, p. 15) “a origem da escravidão se perde na

escuridão dos tempos, e que vestígios de cultura escravagistas se encontram nos mais remotos

tempos da pré-história e em toda parte onde o homem passou”.

Na mesma ótica, Queiroz (1987, p. 5-6) diz que

a escravidão é instituição tão antiga quanto o gênero humano e de amplitude

universal, pois, legitimada pelo direito do mais forte, ocorreu em todos os tempos e

em todas as sociedades. Basta a leitura da Bíblia ou de outros livros que também

tratem de épocas remotas para se ter uma idéia [sic] de sua antiguidade. No Egito,

por exemplo, foram os escravos que ergueram as pirâmides destinadas a perpetuar a

glória dos faraós. Da Babilônia de Hamurabi à Fenícia, da Grécia clássica à Roma

também clássica, a grande maioria dos povos antigos conheceu a escravidão.

Em todo momento histórico, até mesmo na pré-história, idade antiga e idade

média, faziam-se uso da mão de obra escrava; tanto na antiguidade oriental como na clássica,

cada qual com suas próprias características. Na Mesopotâmia e no Egito recrutavam

trabalhadores para executarem obras públicas ou construírem templos. Esses trabalhadores

tornavam-se propriedade de seus governantes, os quais lhes atribuíam tarefas de forma

autoritária. A tarefa aqui era habitual, diferente do que era proposto na Grécia e Roma, onde o

trabalho escravo era a principal forma de prestações de serviço (PINSKY, 2011, p. 13).

13

Silva (2002, p. 79) expõe que o surgimento da história escravista pode ser

associada à domesticação de animais no período Neolítico. Com o desenvolvimento da

agricultura e o início de conflitos entre povos, certos grupos passaram a aplicar em seus

prisioneiros de combate os mesmos processos e instrumentos que utilizavam em animais,

como a coleira, o curral, a chibata e até mesmo a marcação com ferro em brasa para se

distinguir a posse. No entanto, o autor também sugere a inversão do argumento, dizendo que

seria provável o homem ter tomado a servidão primeiramente de outro ser humano, ao invés

de colocar a seu serviço um animal, excluindo-se talvez o cão.

No Império Romano, os escravos marcaram presença por todo período, “todos

aqueles que pertencessem a cidades hostis eram moralmente indignos, agiam injustamente e

logo eram passíveis de serem derrotados e escravizados” (JOLY, 2005, p. 41).

O escravo não era considerado um cidadão. A população romana possuía a ideia

de que portavam superioridade aos trabalhadores dominados. A superioridade significava o

poder de ter o indivíduo como bem e usar do mesmo como propriedade: “Meu pai, escreve

Galeno, “sempre me ensinou a não encarar tragicamente as perdas materiais; se me morre um

boi, um cavalo ou um escravo não faço disso um drama” (DUBY, 2006, p. 61).

Na época, era considerado natural a existência de homens dispostos a mandar,

como também naturalmente haviam homens que nasceram para obedecer (ARISTÓTELES,

1997 apud TOSI, 2003, p. 80), era algo comum e fazia parte da rotina dos moradores.

Independentemente do local em que a escravidão ocorria, o indivíduo sempre foi

excluído da comunidade cidadã, não possuindo liberdade e o mínimo de direitos. Seu papel

era apenas o de servir de acordo com a vontade de seu senhor.

2.1.2 Breve histórico da escravidão no Brasil

No Brasil, os primeiros sinais da escravidão surgiram com os povos indígenas

nativos, após a chegada das embarcações portuguesas em 1500.

Inicialmente, a relação entre os portugueses e os índios se deu pelo escambo. Em

troca de objetos banais, desconhecidos pelos nativos, os mesmos transportavam os produtos

da extração do pau-brasil e forneciam alimentos para os colonizadores. Eles recebiam

espelhos, apitos, colares, em troca de seu trabalho, dando início, assim, a escravatura, sendo

algo “regulamentado pela coroa portuguesa e que atingiu caráter amplo no espaço e no

tempo” (PINSKY, 2011, p. 17).

14

Com a queda na produção do pau-brasil, como consequência de sua exploração

excessiva, tornou-se necessário realizar outra atividade econômica para que se obtivesse

lucro. Com isto, Portugal implementa no solo da colônia brasileira o plantio de cana de

açúcar, trazendo consigo os escravos negros vindos da África, sendo mão de obra

fundamental para o desenvolvimento da agricultura, já que a população indígena diminuía,

devido a guerras de conquistas e doenças trazidas pelos europeus. Além disso, a igreja lutava

pela proibição da escravidão deste povo, argumentando que o índio possuía uma boa alma e

apenas precisaria conhecer o Deus cristão (A ESCRAVIDÃO..., 2016, p. 1).

Os negros eram trazidos da África acorrentados nos porões dos navios

portugueses e grande parte acabava por não sobreviver ao trajeto. Os que sobreviviam, logo

ao chegarem no Brasil, eram vendidos aos grandes proprietários de terras que não se

importavam em separar familiares, como pais e filhos, caso não fosse de seu interesse possuir

toda família. Restando claro o domínio e poder que o indivíduo tinha sobre o outro, sem

qualquer preocupação ou respeito a natureza humana (PINSKY, 2011, p. 44-45).

A escravidão africana se tornou uma das principais fontes de renda da Coroa

Portuguesa devido ao fato dos escravos produzirem mercadorias e ao mesmo tempo serem a

própria mercadoria, pois eram vendidos como produtos para outras regiões, gerando baixo

custo aos processos.

Os mesmos eram tratados da pior maneira possível. Trabalhavam demais, debaixo

chuva ou sol, sem qualquer intervalo, recebendo míseros trapos de roupas e comida de

péssima qualidade (A ESCRAVIDÃO..., 2016, p. 1). A violência também fazia parte da rotina

de todos. Seus proprietários praticavam livremente diversas formas de coações físicas para

que as obrigações fossem cumpridas pelos trabalhadores:

Correntes, gargalheira, tronco, algemas, peia, máscara, anjinho, bacalhau,

palmatória, golilha, ferro para marcar figuram em listas de castigos aplicados a

escravos e que foram classificados pelo antropólogo Artur Ramos em instrumentos

de suplício e instrumentos de aviltamento. (RAMOS apud PINSKY, 2011, p. 72).

Pinsky (2011, p. 76) ainda complementa ao dizer que também haviam surras

programadas e públicas que ocorriam muitas vezes sem nenhuma razão, sendo proibida

qualquer manifestação de rebeldia. A tortura era avisada antecipadamente, gerando uma

aglomeração de pessoas nas praças, que buscavam encontrar o melhor lugar para assistir o

sofrimento alheio.

A condição era tão degradante que muitos escravos se suicidavam. Algumas

mulheres, quando engravidavam, provocavam abortos para que seus descendentes não

passassem pelo mal da escravidão quando nascessem. (A ESCRAVIDÃO..., 2016, p. 1).

15

Não demorou muito para os escravos reagirem aos maus tratos e passassem a lutar

contra a dominação dos senhores brancos através de rebeliões, fugas e criação de quilombos,

“localidade povoada por negros que haviam fugido do cativeiro, sendo dividida e organizada

internamente; geralmente, também havia índios ou brancos” (QUILOMBO, 2019, p. 1).

Segundo Mattoso (1988, p. 176), um dos quilombos mais conhecidos na história

foi o Quilombo dos Palmares, que chegou a ter cerca de vinte mil refugiados, sob os cuidados

de Zumbi, chefe dessa república. Os escravos que conseguiam permanecer ali eram

considerados livres e montavam grupos de resgate para salvar outros escravos. Essas pessoas

viviam de pesca e de alimentos ali cultivados.

Contudo, mesmo após diversos movimentos de resistência, o primeiro ato

abolicionista de fato ocorreu apenas em 1826.

2.1.3 O período abolicionista

A abolição da escravatura no Brasil foi fruto de um longo processo envolvendo

intensa manifestação popular e pressão à monarquia.

Em 1827, o Brasil legitimou o acordo feito com a Inglaterra em 1826, no qual se

comprometia pôr fim ao tráfico de escravos africanos no período de três anos, porém apenas

no ano 1831, o país de fato promulgou a lei que proibiu o tráfico de pessoas e declarou livre

os prisioneiros que desembarcassem nos portos posteriormente àquela data. A Lei nº 581, de 4

de setembro de 1850, veio para proibir de vez a entrada de escravos negros no Brasil. Mais

tarde, em 1871 foi criada a Lei do Ventre Livre (Lei nº 2040), considerando livre todos os

filhos de mulher escravas nascidos a partir da criação da mesma. Os idosos receberam a Lei

dos Sexagenários, em 1885, concedendo a liberdade aos escravos com idade superior a

sessenta anos. Enfim, no dia 13 de maio de 1888, princesa Isabel assina a Lei nº 3.353,

ficando conhecida como Lei Áurea, concedendo, teoricamente, a liberdade para todos os

escravos do país (SILVA, 2009, p. 27-32).

A realidade é que a concessão do direito fundamental ocorreu muito mais em

razão de motivos econômicos do que por pura consciência humanitária, pois devido ao

desenvolvimento do mercado financeiro e o crescimento das indústrias, passou-se a necessitar

de trabalhadores assalariados. A instituição do trabalho livre serviu para o início da

construção do mercado interno brasileiro (SIMÓN, 2007, p. 107).

Além disso, os abolicionistas não consideraram a inserção dos recém libertos na

sociedade e muito menos garantiram que seriam aceitos por ela, fazendo com que muitos

16

ainda continuassem nas fazendas em que eram escravizados por falta de escolha,

conhecimento e oportunidades. A liberdade e igualdade de todos os homens propostas pela

Lei, não passaram de meras declarações formais:

Embora condenada e abolida em tratados e declarações formais, a escravidão ainda

não foi de todo eliminada em nosso tempo e continua encontradiça em várias partes

do mundo, sob formas parciais ou disfarçadas, a escravidão não deixou de existir,

apresentando-se com uma gama variada de práticas. (GORENDER, 2004, p.47).

O regime escravocrata deixou manchas persistentes no tempo, mesmo após a

árdua luta para sua abolição no Brasil. O modelo escravista atual possui uma nova roupagem,

porém sua essência do passado permanece. Essa escravidão contemporânea é movida

principalmente pela ganância, busca do dinheiro a qualquer custo e pela grande desigualdade

social, estimulando consequentemente, os trabalhadores, ainda, a se sujeitarem a condições

degradantes de trabalho.

2.2 A ESCRAVIDÃO NA CONTEMPORANIEDADE BRASILEIRA

Após a abolição do trabalho escravo formal pela Lei Áurea de 1888, muitas

pessoas permaneceram trabalhando em condições precárias.

A admissão de que ainda existia trabalho escravo no Brasil ocorreu apenas em

1995 pelo governo federal juntamente com a Organização Internacional do Trabalho, fazendo

com que o país se tornasse uma das primeiras nações mundiais a reconhecer, de forma oficial,

a escravidão contemporânea em seu território. Todavia, mesmo após este reconhecimento, o

trabalho escravo perdura até a atualidade, fazendo que com o passar do tempo houvesse a

criação de novas expressões relacionadas ao trabalho escravo, tais como trabalho análogo ao

de escravo, trabalho escravo contemporâneo e trabalho forçado (OIT BRASÍLIA, 2019, p.1).

Neste contexto, torna-se necessário, primeiramente, a apresentação de alguns

conceitos para maior entendimento e em seguida, identificaremos o perfil das vítimas, as

principais características da escravidão contemporânea e suas diferentes formas.

2.2.1 Conceitos sobre a escravidão contemporânea

Conceituar trabalho escravo não vem a ser uma tarefa fácil devido as constantes

mudanças sociais. Um dos entendimentos mais completos disponíveis é o do autor Sakamoto

(2007, p. 17) ao dizer que

17

no Brasil, há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de trabalho

escravo utilizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o seguinte:

toda a forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre

é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos

de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais do que o descumprimento

da lei trabalhista. Estamos falando de homens, mulheres e crianças que não têm

garantia da sua liberdade. Ficam presos a fazendas durante meses ou anos por três

principais razões: acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a

eles e por vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão distantes da

via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer fuga, ou

são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhes tiram a vida na

tentativa de uma fuga. Comum é que sejam escravizados pela servidão por dívida,

pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas. Isso é trabalho escravo.

Partindo do mesmo princípio, Sento-Sé (2011, p. 60) descreve o trabalho escravo

contemporâneo dando enfoque aos direitos fundamentais:

Dessa maneira, poderíamos conceituar o trabalho escravo contemporâneo como

sendo a atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador em benefício de terceiro, em

que se verifica restrição à sua liberdade e/ou desobediência a direitos e garantias

mínimos (sujeição à jornada exaustiva ou a trabalho degradante, dívida abusiva em

face do contrato de trabalho, retenção no local de trabalho por cerceamento do uso

de qualquer meio de transporte, manutenção de vigilância ostensiva e retenção de

documentos) dirigidos a salvaguardar a sua dignidade enquanto trabalhador. Trata-se

de conceito que segue a previsão do art. 149 do Código Penal e que, a nosso ver,

esclarece a compreensão da matéria

O art. 149 do Código Penal Brasileiro determina o crime de redução a condição

análoga à de escravo:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a

trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes

de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida

contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à

violência

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim

de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos

ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

(BRASIL, CP, 2019).

Cabe ressaltar que, no ano de 1930, a OIT aprovou a Convenção sobre Trabalho

Forçado, também conhecida como Convenção 29. A mesma, conceitua trabalho forçado ou

obrigatório dizendo que “para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho forçado

ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de

qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.

18

O escravo contemporâneo não se encontra em uma situação muito distante da que

estava no período de colonização no Brasil, porém, o que difere daquela época é o fato de não

permanecer acorrentado, não morar mais em uma senzala, nem ser torturado fisicamente com

constância. Além disso, como eram considerados mercadorias que faziam parte do patrimônio

de seu dono, possuíam certo valor. Eram alimentados, vestidos e cuidados quando alguma

doença surgia. De acordo com Repórter Brasil (2013, p. 1), a antiga escravidão era permitida,

possuía baixos lucros, a mão de obra era escassa e o relacionamento de um escravo com seu

senhor era tido por toda a vida. Já a escravidão contemporânea é proibida, desfruta em altos

lucros, a mão de obra escrava é tida como descartável e, consequentemente, o relacionamento

do trabalhador com o seu empregador é curto, pois terminado o serviço não se torna mais

necessário o sustento do indivíduo.

A escravidão nos tempos atuais vai muito além da restrição da liberdade e

agressões, mas também é caracterizada pelas precárias condições de trabalho e falta de

compromisso dos patrões que, pelo fato de possuir trabalhadores vivendo na miséria e

pobreza, lhes impõe sujeitar-se a tais situações (SENTO-SÉ, 2011, p. 1).

Segundo Mello (2005, p. 24), a escravidão acontece quando os trabalhadores,

embora libertos da superexploração, se encontram obrigados a aceitar propostas de trabalho

com as mesmas características degradantes por falta de cultura, escolaridade e oportunidades

que não lhes permite buscar novos horizontes.

2.2.2 As vítimas da escravidão contemporânea

As vítimas do trabalho escravo contemporâneo frequentemente derivam de

minorias ou grupos socialmente excluídos. Muitos são trabalhadores migrantes internos ou

externos e trabalhadores pobres sazonais (contratados para realizar apenas um serviço

específico por um período de tempo), que deixaram suas casas para trabalhar em grandes

centros urbanos ou regiões de expansão agropecuária, buscando novas oportunidades ou

atraídos por falsas promessas (OIT BRASÍLIA, 2019, p. 1). De acordo com Sakamoto, essas

vítimas

partem rumo às fazendas que empregam trabalhadores temporários e, com a

esperança de conseguir um dinheiro, obter no mínimo o sustento e o pão de cada dia,

tornam-se mão-de- obra escrava. Submetem-se à exploração, aceitam condições

desumanas de vida. Vivem longe dos familiares e perambulam entre fazendas e

cidades em busca de oportunidades”. (SAKAMOTO, 2007, p. 41-42).

19

Trevisam (2015, p. 20) caracteriza as novas vítimas da escravidão ao dizer que a

escravidão moderna é “uma realidade em que não se trata mais de cor de pele ou raça, mas

incide no aproveitamento da miséria e desespero daqueles que não veem possibilidade de

inserir-se no meio social”, logo, resta claro dizer que o trabalho é visto como uma forma de

digna de se inserir na sociedade, fazendo com que mais pessoas que possuem esse desejo,

aceitem a se sujeitar as péssimas condições a elas impostas.

Essa submissão não é exclusividade de apenas um grupo populacional, todos

podem ser afetados, mas, certos grupos possuem uma maior vulnerabilidade. O Sistema ONU

Brasil, declara que

a exploração de trabalhadores e trabalhadoras atinge as pessoas mais pobres, as mais

vulneráveis e as mais marginalizadas: mulheres, migrantes, crianças,

afrodescendentes, povos indígenas, pessoas com deficiência, entre outros grupos. O

medo, o desconhecimento sobre os direitos básicos das pessoas, a submissão física

ou psicológica ao empregador e a necessidade de sobrevivência muitas vezes

impedem que as vítimas do trabalho escravo denunciem abusos (ONU, 2017, p. 1).

A condição análoga à de escravo também possui grande ligação com o

desemprego e a informalidade. O perfil das vítimas, divulgado pela Secretaria de Inspeção do

Trabalho, diz que 45% das pessoas que se encontram nesta condição, com idade igual ou

superior a 18 anos, nunca tiveram um emprego com registro em CTPS, 57% não possuíram

nenhuma ou só uma admissão no mercado trabalhista formal e 72% obtiveram até três

admissões registradas em seus históricos laborais.

Segundo Vilela (2019, p. 1), através das informações obtidas ao se analisar os

dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e do seguro-desemprego do

trabalhador, chegou-se à conclusão que 87% dos trabalhadores salvos pertenciam ao sexo

masculino e 13% ao feminino. Relacionado à educação, 22% haviam estudado até o 5º ano do

ensino fundamental, ao passo que 18% concluíram o ensino fundamental e 11% eram

analfabetos.

Quanto à naturalidade a maioria dos trabalhadores, mais de 50%, era natural do

Nordeste, 21% do Sudeste, 9% do Norte, 8% do Centro-Oeste, 2% do Sul e 3% não tinham

conhecimento do local em que nasceram. Já em relação à origem, 48% moravam no Nordeste,

28% do Sudeste, 13% na região Norte, 10% do Centro-Oeste e 1% residiam no Sul.

Os dados ainda relatam que 70% dos trabalhadores eram solteiros. Em relação a

raça, 72% afirmaram ser pardos, 14% se declararam negros, 12% brancos, e 1% indígenas.

Quase 1% dizia possuir origem asiática (VILELA, 2019, p. 1).

20

Desde que o Estado brasileiro identificou a prática ilegal do trabalho escravo e

passou a combatê-lo, no ano de 1995, a fiscalização da Inspeção do Trabalho através de seus

grupos resgataram 53.677 trabalhadores nessa condição em todo o país, até o início de 2019.

Durante esse período, 4.586 estabelecimentos foram fiscalizados, 35.927 guias de seguro

desemprego emitidas e foram pagos mais de R$ 103 milhões em verbas salariais e rescisórias

durante as operações (SIT, 2019, p. 1).

O que pode se concluir após a análise das pesquisas referidas é que a maioria dos

trabalhadores resgatados da escravidão moderna são homens, pardos, nordestinos e possuem

baixa escolaridade.

Além disso, e não menos importante, a falta de oportunidade de trabalho digno

também vem a ser um dos principais motivos do número elevado de trabalhadores que se

sujeitam a essas condições. Sem qualificação profissional e não possuindo o mínimo de

conhecimento de seus direitos fundamentais acabam aceitando qualquer oferta empregatícia,

na busca de fornecer uma vida melhor e mais digna para si e para sua família.

2.2.3 As condições análogas à escravidão

O trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, além de uma grave

infração trabalhista, é, principalmente, um crime contra a dignidade da pessoa humana. Ele

acontece tanto em ambiente rural, quanto urbano.

Historicamente, os principais casos de escravidão moderna no país estão

relacionados à criação de bovinos, cultivo de soja, plantio de cana-de-açúcar, entre outras

atividades rurais. Porém, nos últimos anos, houve a intensificação na fiscalização das grandes

cidades, fazendo com que os casos de trabalhadores em condições análogas à de escravo no

ambiente urbano aumentasse (REPÓRTER BRASIL, 2019, p. 1). Os canteiros de obra e

oficinas de costura são algumas das principais atividades urbanas ligadas a escravidão:

No Brasil, casos de escravidão urbana ocorrem na região metropolitana de São

Paulo, onde imigrantes (predominantemente latino-americanos, sendo a maioria de

bolivianos) sem toda documentação de estada – dada sua situação de extrema

vulnerabilidade – são explorados em setores produtivos que lhe exigem dezenas de

horas de trabalho diárias, sem folga, com baixíssimos salários e em condições

degradantes de trabalho. Os principais setores afetos ao trabalho escravo

contemporâneo urbano são a indústria da confecção têxtil e a construção civil (MPF,

2014, p. 17).

Destaca-se que, no ramo da construção civil, já foram encontradas grandes

construtoras financiando essas atividades, como a MRV, a qual é financiada pela Caixa

Econômica Federal, no âmbito do programa “Minha casa, minha vida”; e a OAS, na

21

amplificação do aeroporto internacional de Guarulhos, obra destinada a melhorias na

infraestrutural do país para a copa do mundo de 2014 (REPÓRTER BRASIL, 2019 p. 1).

Independentemente do local, a constatação de condições degradantes no ambiente

de trabalho, o trabalho forçado, a jornada exaustiva, a restrição de locomoção do trabalhador

em razão de supostas dívidas ao empregador, cerceamento de meio de locomoção ou a

retenção de documentos pessoais é mais do que suficiente para constatar a sua exploração. A

organização não governamental Repórter Brasil (2013, p. 1), diz que podemos notar essas

condições “quando o trabalhador não consegue se desligar do patrão por fraude ou violência,

quando é forçado a trabalhar contra sua vontade, quando é sujeito a condições desumanas de

trabalho ou é obrigado a trabalhar tanto e por tantas horas que seu corpo não aguenta”.

Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego, apresentou a Instrução

Normativa SIT/MTE nº 139/2018, estabelecendo característica administrativa da figura da

redução do trabalhador ao trabalho escravo contemporâneo, ampliando o art. 149 do CP, já

citado acima, e definindo procedimentos e diretrizes na atuação da auditoria-fiscal do

Trabalho em relação ao combate do trabalho escravo contemporâneo. Podemos observar em

seu art. 6º a classificação das condições análogas à de escravo:

Art. 6º Considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador

submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a:

I - Trabalho forçado;

II - Jornada exaustiva;

III - Condição degradante de trabalho;

IV - Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida

contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou

no curso do contrato de trabalho;

V - Retenção no local de trabalho em razão de:

a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte;

b) manutenção de vigilância ostensiva;

c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais (BRASIL, IN, 2019).

A seguir estudaremos, individualmente, as formas abrangidas pelas condições

análogas à de escravo, elencadas no artigo 149 do Código Penal e na Instrução Normativa

SIT/MTE nº 139/2018, para melhor esclarecer sobre o que é necessário para a caracterização

da escravidão moderna no Brasil.

2.2.4 Restrição de locomoção em razão de dívida e Retenção no local de trabalho

A restrição de locomoção por dívida, também conhecida como servidão por

dívida, ainda é considerada uma forma muito comum de escravidão moderna. Uma situação

em que pessoas são iludidas por falsas promessas e, após se deslocarem ao local da prestação

22

de serviço informado pelo empregador, além de não receberem qualquer remuneração, ainda

são submetidas à violência, gerando até a morte em alguns casos. Silva (2009, p. 52)

determina que essa situação ocorre quando um devedor se compromete a fornecer seus

serviços a outra pessoa com maior autoridade, como forma de garantir o pagamento de sua

dívida.

O ambiente rural é o local mais comum para se encontrar trabalhadores forçados a

prestar seus serviços em consequência de dívidas obtidas. Acontece principalmente por

intermédio dos chamados “gatos”, os quais aliciam pessoas para mão-de-obra, aproveitando

do desespero ou ignorância, fazendo com que inconscientemente se endividem. Nesta

perspectiva, Sakamoto (2007, p. 27) se refere ao fato dizendo:

Esses gatos recrutam pessoas em regiões distantes do local da prestação de serviços

ou em pensões localizadas nas cidades próximas. Na primeira abordagem, mostram-

se agradáveis, portadores de boas oportunidades de trabalho. Oferecem serviço em

fazendas, com garantia de salário, de alojamento e comida. Para seduzir o

trabalhador, oferecem “adiantamentos” para a família e garantia de transporte

gratuito até o local do trabalho. O transporte é realizado por ônibus em péssimas

condições de conservação ou por caminhões improvisados sem qualquer segurança.

Ao chegarem ao local do serviço, são surpreendidos com situações completamente

diferentes das prometidas. Para começar, o gato lhes informa que já estão devendo.

O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentação na viagem já foram

anotados em um “caderno” de dívidas que ficará de posse do gato. Além disso, o

trabalhador percebe que o custo de todos os instrumentos que precisar para o

trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros – também será anotado no

caderno de dívidas, bem como botas, luvas, chapéus e roupas. Finalmente, despesas

com os improvisados alojamentos e com a precária alimentação serão anotadas, tudo

a preço muito acima dos praticados no comércio.

Assim, obtendo dívidas impossíveis de serem quitadas, resta apenas se submeter

aos trabalhos degradantes, em condições de saúde, higiene e segurança precárias. O

trabalhador, na maioria das vezes, se vê longe de sua cidade e de familiares, gerando um

estado de fragilidade maior, facilitando para sua “dominação”.

Algo comum nessas situações é a retenção de qualquer tipo de documento do

trabalhador com o objetivo de mantê-lo no local de trabalho. O empregador retém os

documentos do empregado, teoricamente, para realização de cadastro ou registro, porém não

os devolve, visando assegurar o trabalhador no local e obrigá-lo a trabalhar para pagar as

supostas dívidas propositadas, mesmo sabendo que as referidas não são condizentes

(BAUMER, 2018, p. 27). De acordo com a Lei nº. 5.553, de 6 de dezembro de 1968, ninguém

possui permissão para reter documento de identificação pessoal, ainda que entregue por

fotocópia autenticada, estendendo a regra para comprovante de quitação de serviço militar,

certidão de nascimento, certidão de casamento, CTPS, título de eleitor, comprovante de

naturalização e carteira de identidade de estrangeiro (BRASIL, 1968)

23

Magalhães e Maciel (2017) destacam que essa modalidade de escravidão é

aplicada frequentemente a trabalhadores migrantes, graças a vulnerabilidade em que se

encontram:

Inúmeras pesquisas sobre mobilidade no Brasil têm revelado práticas de servidão de

trabalhadores migrantes por anos a fio em razão de gastos que o empregador

dispende no transporte dos trabalhadores de sua região de origem até o local de

trabalho. Parte ou mesmo todo o salário é retido para a compensação destes custos e

de “benefícios” que o empregador oferece, como alojamento, alimentação e

vestimenta, também estes frequentemente precários (MAGALHÃES; MACIEL,

2017).

Além disso, há presença de guardas nos limites da propriedade ameaçando lhes

tirar a vida caso tentem abandonar o serviço:

Se o trabalhador pensar em ir embora, será impedido sob a alegação de que está

endividado e de que não poderá sair enquanto não pagar o que deve. Muitas vezes,

aqueles que reclamam das condições ou tentam fugir são vítimas de surras. No

limite, podem perder a vida (SAKAMOTO, 2007, p. 28).

Podemos apontar este impedimento como restrição na locomoção do trabalhador

em razão de dívida, identificado através da “limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de

encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto

ou da indução ao endividamento com terceiros” (BRASIL, IN, 2018). Também como espécie

de retenção no local de trabalho em razão de manutenção de vigilância ostensiva, conforme

apresentado no art. 6 da Instrução Normativa SIT/MTE nº 139/2018 e conceituada pelo art. 7,

inciso V, sendo “qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do

empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de

trabalho ou alojamento”. No mesmo tocante, Silva (2010, p. 134) expõe:

Não raras vezes, portanto, a vítima do trabalho análogo ao de escravo é submetida à

vigilância ostensiva, castigos, maus tratos ou outras formas de coação física ou

psicológica por parte do tomador de serviços ou de seus prepostos, para que ele não

fuja da fazenda onde o serviço é prestado ou como forma de punição por ter tentado

evadir-se do local, o que ocorre após o obreiro perceber sua condição de escravo,

caracterizando-se, outrossim, a peonagem, que alia o pretexto do débito ao uso

constante e ostensivo da força, como mecanismo de coerção e de Dominação do

trabalhador.

De acordo com Simón (2007, p. 108), podemos diferenciar a submissão por dívida

do trabalho forçado ao analisar o vício de consentimento no momento do ocorrido e seu

alcance. O vício de consentimento no trabalho forçado se dá desde o início da relação jurídica,

pois o indivíduo não concordou com a contratação ou em permanecer laborando, nas quais

derivam de uma coação financeira, física ou moral. Já na servidão por dívida, o mesmo ainda

que tenha concordado em trabalhar, ao iniciar seus serviços ou durante a sua prestação é

obrigado à adquirir dívidas, configurando-se figura jurídica da lesão, disposta no art. 157 do

24

Código Civil: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por

inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação

oposta” (BRASIL, CC, 2019).

2.2.5 Trabalho forçado

Trabalho forçado é a expressão destinada àquelas relações de trabalho em que os

empregados são obrigados a exercer uma atividade contra sua vontade, por meio de coação e

da negação de liberdade, sob ameaças, detenção e indigência, que podem derivar para os

membros da família do trabalhador (MARQUES, 2012, p. 3-4).

Sua denominação foi consagra pela OIT em sua convenção 29 (Decreto nº

41.721/1957), que expressa em seu art. 2º, 1, “Para os fins da presente convenção, a expressão

“trabalho forçado ou obrigatório” designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo

sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”

(BRASIL, Decreto nº 41.721, 1957).

A Instrução Normativa SIT/MTE nº 139/2018 diz que “o trabalho forçado é

aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não

tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente”

Como supracitado, o vício de consentimento se dá desde o início da relação

jurídica, resultado das inúmeras estratégias de coação efetuadas pelos aliciadores. Assim,

como na servidão por dívida, o empregado fica à disposição do empregador por inúmeros

motivos, como isolamento geográfico, confinamento armado e até mesmo pela aquisição de

supostas dívidas. O recrutamento também ocorre, na maioria das vezes, da mesma forma, por

aliciadores que fazem a intermediação entre empregado e o empregador.

Trabalho forçado, formas contemporâneas de escravidão, servidão por dívida e

tráfico de seres humanos são termos relacionados, embora não idênticos em sentido

jurídico. A maioria das situações de trabalho escravo ou tráfico de pessoas são,

contudo, abrangidas pela definição de trabalho forçado da OIT (OIT, 2019, p. 1).

Pode-se dizer que a principal diferença entre a servidão por dívida e o trabalho

forçado, se torna mais clara em relação a forma em que o indivíduo é abordado e convencido

a trabalhar, pois na primeira o trabalhador, apesar de iludido, aceita a proposta, já na segunda

o referido não possui ao menos opção de escolher se oferece seus serviços ou não, gerando

vício de consentimento.

Essa espécie de trabalho escravo pode ser cometida pelo Estado, por empresas

privadas ou por indivíduos que possuem o apetite e o poder de impor aos trabalhadores duras

25

privações, como violência física ou abuso sexual. O trabalho forçado pode incluir práticas que

restringem o movimento do indivíduo; a retenção de salários ou documentos de identidade

para forçar a permanência do emprego; ou envolvê-lo em dívidas fraudulentas. É tido como

crime e uma violação brutal dos direitos fundamentais (OIT, 2011, p. 11).

O trabalho forçado priva o trabalhador de liberdade, deixando apenas a escolha de

desempenhar a função para qual foi incumbido, sendo pressionado a laborar por jornadas de

trabalho extremamente exaustivas e fazendo com que sua mobilidade seja cerceada e posto à

serviço do empregador.

2.2.6 Jornada exaustiva

Frequentemente se constata, principalmente nas atividades remuneradas por

produção, a submissão de trabalhadores a jornadas extremamente extensas, superando as 14

horas diárias. Quando essas horas não fazem parte de jornadas de trabalho diferenciadas, as

quais são permitidas pela lei, caracterizará jornada exaustiva, como descrita no art. 149 do

Código Penal.

Uma jornada de trabalho exaustiva, extrapolando os limites de tempo permitidos,

pode gerar vários danos ao trabalhador. Ela pode ser caracterizada quando a duração da carga

horária habitual de trabalho é ultrapassada por repetidas vezes, não respeitando os limites

estabelecidos na Constituição Federal e na CLT. Em seu art. 58 a legislação atribui que “a

duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá

de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite” (BRASIL,

CLT, 2019). Admite-se prorrogação e compensação de jornada, mas em número que não

exceda a duas horas diárias, como consta no art. 59 da mesma legislação.

Conforme o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de

escravo, do Ministério do Trabalho, não é resumida apenas em jornadas extensas de trabalho:

Note-se que jornada exaustiva não se refere exclusivamente à duração da jornada,

mas à submissão do trabalhador a um esforço excessivo ou a uma sobrecarga de

trabalho – ainda que em espaço de tempo condizente com a jornada de trabalho legal

– que o leve ao limite de sua capacidade. É dizer que se negue ao obreiro o direito de

trabalhar em tempo e modo razoáveis, de forma a proteger sua saúde, garantir o

descanso e permitir o convívio social. Nessa modalidade de trabalho em condição

análoga à de escravo, assume importância a análise do ritmo de trabalho imposto ao

trabalhador quer seja pela exigência de produtividade mínima por parte do

empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir

algum prêmio ou melhora na remuneração (BRASIL, MTE, 2011).

Mantendo a linha, Magalhães e Maciel (2017) complementam:

26

Ela não significa tão somente jornada prolongada, mas também caracteriza aquelas

circunstâncias em que o trabalhador está submetido a um grau tão extremo de

superexploração de sua força de trabalho em que suas energias não são repostas

devidamente, ocasionando danos à sua saúde física e/ou mental. A alta rotatividade

existente em muitos setores de atividade econômica e a superexploração da força de

trabalho que caracteriza o capitalismo dependente brasileiro dá-nos a real dimensão

do quanto essa forma de execução de trabalho escravo pode ser comum em nosso

país.

Ou seja, a sobrecarga laboral ou superexploração da força de trabalho, mesmo que

dentro do espaço de tempo definido, também podem caracterizar uma condição de trabalho

escravo contemporâneo, indo além de horas extras exigidas pelo patrão. Corrompe a

dignidade do empregado, causando prejuízos a saúde mental e física do trabalhador,

decorrente de uma situação de sujeição que se estabelece entre ambos, de maneira forçada ou

por circunstâncias que anulem a vontade do submisso. Vale mencionar que a portaria nº

3.214/78 do Ministério de Trabalho e Emprego dispõe também sobre a questão de saúde e

segurança do trabalho, com o objetivo de efetivar as limitações da jornada de trabalho

(ALVES, 2009 apud BAUMER, 2019, p. 22).

Pereira (2009, p. 23) ainda destaca que, o poder diretivo exacerbado, o assédio

moral, junto com a falta de opções, o clima opressivo e o grau de ignorância dos

trabalhadores, tornam tudo ainda mais graves.

2.2.7 Condições degradantes

Segundo Fiorillo (2000, p. 21) o ambiente de trabalho é o lugar em que as pessoas

executam suas atividades laborais, cujo equilíbrio encontra base na salubridade do meio e na

inexistência de agentes que façam mal à saúde, tanto física, quanto mental, dos obreiros.

Infelizmente, a atual realidade vem demonstrando que a sujeição da vítima a

condições degradantes, é a conduta típica mais encontrada em relação à redução de

trabalhadores a condição análoga à de escravo. Essas condições são as que abrangem o maior

número de elementos e excluem do trabalhador os direitos mais fundamentais. O indivíduo

passa a ser tratado como se fosse um objeto e é negociado como qualquer mercadoria.

As condições degradantes reúnem vários elementos irregulares que determinam a

precariedade do trabalho e também das condições de vida sob a qual o trabalhador é

submetido, atentando especialmente contra a sua dignidade, como destacamos abaixo:

Quando a violação de direitos fundamentais fere a dignidade do trabalhador e coloca

em risco sua saúde e sua vida. Costuma ser um conjunto de elementos irregulares,

como alojamentos precários, péssima alimentação, falta de assistência médica,

saneamento básico e água potável (REPÓRTER BRASIL, 2019).

27

Magalhães e Maciel (2017, p. 1) concordam ao explicar que essas condições não

se dão apenas por meio das relações trabalhistas em si, mas também da situação de saúde,

higiene, moradia e alimentação que as pessoas são submetidas. No campo e nas cidades,

ambientes de trabalho e alojamento insalubres que são considerados prejudiciais à saúde do

trabalho são, também, elementos que configuram trabalho análogo ao de escravo devido a

condições degradantes.

Em harmonia, Pereira (2014, p. 29) enfatiza que a condição degradante de

trabalho existe quando não são respeitados os direitos constitucionalmente assegurados como:

o salário pelo serviço prestado, a jornada de trabalho 8 horas diárias e 44 horas semanais

(máximo), a remuneração de eventuais horas extras, o descanso semanal remunerado, a

redução dos riscos inerentes ao trabalho e a observação as normas de segurança, higiene e

saúde da atividade laboral.

Percebe-se que conceituar condições degradantes é uma tarefa muito difícil, logo,

o que realmente encontramos é “um entendimento interligado de conceitos e exemplificações

de um trabalho degradante que, basicamente o conceituam como aquele que afronta a

dignidade da pessoa humana, seus direitos e garantias, o que o torna bastante subjetivo, assim

como o próprio conceito de dignidade da pessoa humana” (MARQUES, 2012, p. 5).

Esse trabalho é prestado em locais totalmente insalubres, faltando muitas vezes

água potável, boas condições sanitárias e assistência médica:

no trabalho prestado sob condições degradantes é comum encontrar trabalhadores

alojados em barracos de palha ou lona, junto de animais peçonhentos, expostos a

umidade, frio, calor, escuridão. A água para consumo muitas vezes é compartilhada

com o gado. Não há locais para alimentação, as refeições são preparadas em

fogueiras e ingeridas no chão. Não há garantias mínimas de saúde, higiene,

segurança e conforto do obreiro (PEREIRA, 2014, p. 30).

Portanto, o trabalho degradante pode ser visto como um aglomerado de situações

que acabam deixando o trabalhador em constante situação de humilhação. Faz com tenha que

trabalhar em lugares insalubres, onde não há o mínimo de dignidade, sendo tratados como

animais ou mercadoria descartáveis, assim como na escravidão antiga, um verdadeiro

retrocesso social.

28

3 A ESCRAVIDÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL E

INTERNACIONAL

O ordenamento jurídico brasileiro é formado por vários institutos que tratam sobre

a escravidão contemporânea, seja de maneira direta ou indiretamente. Nesta esfera temos a

Constituição Federal de 1988, as convenções internacionais ratificadas pelo país, as leis

ordinárias e atos infralegais.

Neste capítulo, serão apresentadas as principais normas do combate ao trabalho

escravo contemporâneo, presentes no ordenamento jurídico brasileiro e também no

ordenamento internacional.

No primeiro momento, temos a arguição das principais Convenções e Tratados

Internacionais, em especial os ratificados pelo Estado brasileiro, os quais possuem enorme

importância na história da abolição da escravatura moderna no mundo.

Posteriormente, passamos a estudar o trabalho escravo moderno pela visão

constitucional de 1988, passando pela valorização do trabalho e da livre iniciativa, a função

social da propriedade, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à liberdade. E

por fim, há uma breve análise sobre a legislação infraconstitucional, mais precisamente do

Código Penal.

3.1 NORMAS INTERNACIONAIS

Encontramos, internacionalmente, diversas normas que visam acabar com a

utilização do trabalho análogo ao de escravo no mundo. A origem da busca pela erradicação

da escravidão, não se difere do surgimento de vários outros temas sobre direitos humanos,

pois ocorreu em paralelo com a ideia dos organismos internacionais

A seguir destacamos as principais convenções e tratados internacionais desde o

início da luta contra a escravidão, até a atualidade.

3.1.1 Principais Convenções e Tratados Internacionais

Em 1926, temos o primeiro tratado internacional que, notadamente, previa a

escravidão, nomeado de Convenção das Nações Unidas sobre escravatura. Esse tratado se deu

no âmbito da Liga das Nações, conhecida também como Sociedade das Nações (SDN), que

existiu entre os anos de 1919 e 1947.

29

Estabeleceu, em seu art. 1º, a escravidão como “o estado ou condição de um

indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de

propriedade” (ONU, CNU, 1926). Esse conceito de possui como presunção, o exercício dos

atributos do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, intitulada como escravidão

clássica:

Em geral, tem sido dito que o escravo possui três características definidoras: sua

pessoa é a propriedade de outro homem, sua vontade está sujeita à autoridade do seu

dono e seu trabalho ou serviços são obtidos através da coerção (DAVIS apud

COSTA, 2017, p. 12):

Ademais, em seu art. 2º firmou o compromisso estabelecido entre as partes

contraentes buscando impedir e reprimir o tráfico de escravos e promover a abolição completa

da escravidão sob todas as suas formas: “a) a impedir e reprimir o tráfico de escravos; b) a

promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas progressivamente e

logo que possível” (ONU, 1926).

Referente a Organização Internacional do Trabalho, em 1930, a Convenção nº 29

tratou do trabalho forçado, como já exposto anteriormente, na qual seus membros assumem o

compromisso de suprimir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, no menor prazo

possível (BRASIL, Decreto nº 41.721, 1957). Essa definição descreve, em seu artigo 2, item

2, as situações que não podem ser caracterizadas como trabalho forçado ou obrigatório:

2. Entretanto, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ não compreenderá, para

os fins da presente convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude das leis sobre o serviço militar

obrigatório e que só compreenda trabalhos de caráter puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos

cidadãos de um país plenamente autônomo;

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência [sic] de

condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou

serviço seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que

dito indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas

privadas;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido nos casos de força maior, isto é, em caso de

guerra, de sinistro ou ameaças de sinistro, tais como incêndios, inundações, fome,

tremores de terra, epidemias, e epizootias, invasões de animais, de insetos ou de

parasitas vegetais daninhos e em geral todas as circunstâncias que ponham em

perigo a vida ou as condições normais de existência de toda ou de parte da

população;

e) pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse

direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser

considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto,

que a própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se

pronunciar sobre a necessidade desse trabalho.

Lembrando que, no Brasil, a convenção é disposta pelo Decreto nº 41.721/57.

30

Outro marco de suma importância no âmbito legislativo internacional, foi a

criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. A mesma destacou o direito

à liberdade, proibiu qualquer forma de escravidão e consagrou o livre direito à escolha do

trabalho:

Artigo 4º

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de

escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5º

Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante.

[...]

Artigo 13º

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a

este regressar.

Artigo 23º

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por

igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,

que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a

dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção

social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para

proteção de seus interesses (ONU, DUDH, 1948).

Posteriormente, a Convenção das Nações Unidas sobre a escravidão foi expandida

pela Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das

Instituições e Práticas Análogas à Escravidão, com o intuito de aumentar os esforços,

mundialmente, visando abolir qualquer situação interligada com o trabalho escravo,

ocorrendo no ano de 1956. em seu art. 1º, definiu que:

Artigo 1º

Cada um dos Estados Membros à presente Convenção tomará todas as medidas,

legislativas e de outra natureza, que sejam viáveis e necessárias, para obter

progressivamente e logo que possível a abolição completa ou o abandono das

instituições e práticas seguintes, onde quer ainda subsistam, enquadrem-se ou não na

definição de escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926:

§1. A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de que

um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus

serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses

serviços não for equitativamente [sic] avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a

duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida. (ONU, 1956).

Por meio dela, o Estado Parte assume o compromisso de tomar medidas para obter

gradativamente acabar com as instituições e práticas análogas à escravidão. “Como também

prevê que o ato de escravizar uma pessoa ou de incitá-la a alienar sua liberdade ou a de

31

alguém na sua dependência, para escravizá-la deve constituir infração penal” (COSTA, 2017,

p. 14). No Brasil este tratado foi promulgado pelo Decreto 58.563/66.

Em 1957, a Convenção nº 29, foi aditada pela Convenção nº 105, destacando o

pacto firmado pela busca da extinção da escravidão. Incorporada no ordenamento jurídico

brasileiro pelo Decreto n.º 41.721/57, assim como a primeira. Segundo Costa (2017, p. 15), “a

característica preponderante dessa norma internacional reside no fato dela estabelecer

medidas úteis mais específicas no combate ao trabalho escravo, nas quais os países signatários

se comprometem a diversas iniciativas.”

Anos depois, em 1969, foi editada a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), adquirido pelas leis brasileiras através do

Decreto nº 678/92, proibindo expressamente, no art. 6º, a escravidão, a servidão e o tráfico de

escravos em mulheres: “Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto

estas, como tráfico de escravos, como o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas

formas” (BRASIL, Decreto nº 678, 1992).

Enfim, o Protocolo de Palermo, inserido no ordenamento jurídico do Brasil, por

meio do Decreto 5.077/2004, aborda o tráfico de pessoas, muito usado por empregadores que

buscam utilizar formas de trabalho análogas à escravidão.

Insta salientar que, o Mercosul, na Declaração Contra o Tráfico de Pessoas e o

Trabalho Escravo, feita em 2015, tendo como signatários (Argentina, Brasil, Paraguai,

Uruguai e Venezuela), também trata das vítimas de trabalho forçado. No documento, os

países se comprometem a estimular políticas regionais em matéria de combate, prevenção e

buscar formas de reinserir as vítimas no mercado de trabalho (COSTA, 2017, p. 16).

De acordo com o The Global Slavery Index, promovido pela ONG internacional

Walk Free Foundation, é estimado que 45,8 milhões de pessoas no mundo estão submetidas a

alguma forma de escravidão moderna (OIT, 2017, p.1).

A intensa abordagem sobre a escravidão nas principais instituições internacionais,

vem nos mostrar como esta é uma preocupação que coincide, de maneira ilegal, com o

capitalismo. Embora sobreviva movida pela ganância de alguns cidadãos e pela proteção

dada por alguns governos à produção barata de bens de consumo, ou de fato pela simples falta

de interesse governamental, ainda continua a ser combatida mundialmente, nos dando

esperança em ver sua abolição real no futuro.

32

3.2 ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Como na maioria das garantias sociais e individuais, o marco nacional do combate

à escravidão foi a Constituição de 1988. A norma soberana traz em seus artigos o repúdio à

prática do trabalho escravo ou forçado, seja por disposições expressas ou através de seus

princípios fundamentais.

Outra legislação nacional que possui suma importância no âmbito do trabalho

escravo contemporâneo, é o Código Penal, dando destaque a seu art. 149, o qual criminaliza o

trabalho em condições análogas a de escravo no ambiente de trabalho.

Portanto, iniciamos com a abordagem constitucional de suas normas e princípios,

passando a breve análise da legislação infraconstitucional.

3.2.1 Os valores socias do trabalho e a livre iniciativa

Diante da realidade enfrentada nos dias atuais, a visão contemporânea dos

princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho, representa a verdadeira

preocupação com o trabalhador. Esses princípios estão dispostos no artigo 1º da Constituição

Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Os mesmos ainda são encontrados no art. 170 do mesmo dispositivo: “Art. 170. A

ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por

fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os

seguintes princípios [...]” (BRASIL, CF, 2019).

Os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, para Novelino (2008, p. 203-

294), significam que o Estado não pode aceitar privilégios econômicos abusivos, levando em

consideração que apenas o trabalho possui a capacidade de promover a dignidade da pessoa

humana, pois a partir do momento que o indivíduo identifica que está contribuindo para o

progresso social, se sente respeitado e útil. O mesmo autor, ainda diz que sem uma

remuneração justa e condições de trabalho íntegras, o indivíduo tem a sua dignidade violada.

Já a ordem econômica, busca assegurar a existência digna. Por esse motivo, a liberdade de

33

iniciativa só irá ser considerada legítima se exercida com essa finalidade, e não buscando

apenas o lucro a todo custo (NOVELINO, 2008, p. 203-204).

Pereira (2014, p. 36), no mesmo contexto, relata que o texto constitucional

determina que “o resultado dos empreendimentos privados deva ser a concretização da justiça

social, o que exige, entre outras coisas, a valorização do trabalho humano.” O trabalho

humano deve ser colocado no topo dos elementos de produção, buscando sempre sua

valorização.

Diante disso, verifica-se que o trabalho escravo contemporâneo não se encaixa no

que é pregado pelos princípios, pois, deve-se impulsionar a dignificação do homem por meio

de um labor decente. É necessário que a empresa cumpra com sua função social (art. 170, II

da CF/88), uma vez que a ordem econômica é firmada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, possuindo a meta de garantir uma existência digna para todos os cidadãos.

3.2.2 A função social da propriedade

O presente princípio traz consigo o significado de que a propriedade não pode

gerar benefícios apenas para o seu proprietário, mas também deve buscar fornecer uma maior

efetivação dos direitos sociais, em paralelo com os direitos individuais.

Possui amparo no artigo 5º da Constituição Federal, incisos XXIII, que garante o

direito à propriedade, e XXIII, o qual expõe que a propriedade atenderá a sua função social.

Outros dispositivos que também devem ser levados em consideração, são os artigos 170 e

186, também dispostos no texto constitucional.

O art. 170 expressa que a ordem econômica é consolidada na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, possuindo, por fim, garantir a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da propriedade privada e

função social da propriedade:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade (BRASIL, CF, 2019).

Assim, da mesma forma que consagra a economia de mercado, atribui

predominância ao valor do trabalho. “Embora promova o direito individual à propriedade

34

privada, a Constituição limita o seu direito, a fim de garantir a propriedade como instrumento

de realização do bem-estar de todos” (MIRAGLIA, 2011 apud PEREIRA, 2014, p. 37).

Ainda de acordo com a autora, esse direito de propriedade não pode ser

considerado absoluto. A própria Constituição Federal diz que este só se fundamenta na

medida em que se atinge o seu propósito social, tornando banal o emprego dos direitos

individuais pelos interesses difusos da sociedade, destacado o trabalho como valor

fundamental da República. Desta maneira, a propriedade deve ser usada de maneira

consciente, não devendo, por exemplo, o proprietário da terra mantê-la improdutiva.

(PEREIRA, 2014, p. 38). No art. 186 da Norma Suprema, encontramos:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio

ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores

(BRASIL, CF, 2019).

Restando evidente que, ao utilizar-se de mão-de-obra escrava, a propriedade entra

em confronto com sua função social, devido ao fato ser beneficiar apenas o interesse pessoal

do proprietário e prejudicar diversos trabalhadores. Melo (2009, p. 8) afirma:

Ao considerarmos a função social da propriedade como estrutural ao direito de

propriedade, isto é, o direito de propriedade agrária existe para cumprir uma função

necessária à sociedade, a inobservância desta sócio-funcionalidade leva à própria

extinção do direito em questão, fato este que na prática retira do Estado a obrigação

de proteger a condição de proprietário do descumpridor. Neste sentido, a

desconstituição do direito de propriedade sobre as terras onde ocorra o trabalho

escravo contemporâneo, seria uma proposta à reconstrução da dogmática do direito

de propriedade rural.

Em consonância, a Emenda Constitucional nº 81, trouxe a redação do art. 243,

dizendo que, tanto nas propriedades rurais, quanto nas urbanas, de qualquer região do Brasil,

onde for identificada exploração de trabalho escravo na forma da lei “serão expropriadas e

destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização

ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o

disposto no art. 5º”. Ainda diz que qualquer bem apreendido, o qual seja fruto da exploração

de trabalho escravo, será confiscado e revertido para fundo especial com destinação

específica, na forma da lei (BRASIL, CF, 2019).

Podemos observar, após o exposto, que a prática da escravidão contemporânea

ofende a ordem constitucional, uma vez que a propriedade não pode ser utilizada visando

35

apenas o interesse pessoal do dono do imóvel. Ao tratar o trabalhador como uma mercadoria,

expondo-o a condições degradantes, o proprietário não está buscando, de maneira alguma, o

bem-estar social, mas sim, cometendo algo ilícito.

3.2.3 O direito à igualdade

A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, caput, sobre o princípio

da igualdade, também conhecido como princípio da isonomia, nos seguintes termos: “Art. 5º.

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (BRASIL, CF,

2019).

A interpretação desse princípio, de acordo com Silva (2009, p.1), deve levar em

consideração a existência de desigualdades e as injustiças, pois na verdade, o mesmo por

vezes supõe o tratamento legal desigual, para “compensar” as desigualdades reais, gerando

uma maior igualdade efetiva.

Se torna importante, para maior entendimento, destacar a inserção do presente

princípio no âmbito do direito do trabalho, conforme expõe Silva (2009, p. 1):

No direito do trabalho o princípio da isonomia surgiu como conseqüências de que a

liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais

conduzias a diferentes formas de exploração, inclusive mais abusivas e iníquas. Para

tanto, o legislador, através do princípio da isonomia, na tentativa de buscar medidas

para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade

econômica no direito do trabalho, busca-se uma justiça real, concreta ou material. O

nível de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam operário e

patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava

ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo. Se

a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não impediria

essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão proletário, politicamente

soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica. Assim, se

traçaram normas publicas reguladoras das relações jurídicas impondo-se direitos e

obrigações. Desta forma, foram criadas restrições ao poder econômico,

estabelecendo regras mínimas quanto à jornada, ao salário, à forma de contratação,

ao trabalho do menor e da mulher etc.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê aos trabalhadores muitas garantias e

direitos, como a delimitação de jornada, o registro em CTPS, salário não inferior ao mínimo,

entre outros. O princípio da igualdade é corrompido desde o momento em que o ser humano é

reduzido à condição de escravo, pois lhe são negados seus direitos trabalhistas assegurados,

tornando-o diferente dos outros trabalhadores existentes. Além disso, a dominação de uma

36

pessoa por outra, também fere este princípio, pois todo indivíduo possui valor próprio e

ninguém pode afirmar-se superior aos demais. (PEREIRA, 2014, p. 41).

3.2.4 O direito à liberdade

Como vimos no capítulo anterior, uma das principais características da escravidão

antiga que permanece na escravidão contemporânea é a privação de liberdade do trabalhador,

seja por restrição de locomoção, em razão de dívidas ou retenção no local de trabalho. Turci

(2010) destaca que “escravizar é o ato de privação de liberdade em que o sujeito é submetido

à vontade absoluta de um senhor e que se torna objeto e não pode ser considerado como um

ser humano”. Quando se alicia uma pessoa para o trabalho forçado, a liberdade é o seu

primeiro direito a ser arrancado.

Todo o texto constitucional possui como ideia principal a dignidade do ser

humano, sua evolução pessoal e seu crescimento intelectual, porém, tudo isso não pode ser

alcançado sem que haja liberdade (BREMER, 2009, p. 2). O art. 5º, da CF, garante que a

liberdade é algo fundamental na vida de todo indivíduo e deve ser explorada no seu sentido

mais amplo, por abranger um extenso conjunto de direitos. A escolha do trabalho é um desses

direitos fundamentais da liberdade e possui como referência vários princípios atrelados, como

a livre iniciativa, a livre escolha do trabalho e a própria condição humana, a qual destina ao

homem dar o real sentido à sua existência (NOVELINO, 2008, p. 297).

Com isso, um fator que possui grande importância é a autonomia da vontade do

indivíduo, que se encontra interligada com o princípio da dignidade da pessoa humana e

inserida no núcleo do valor liberdade:

Dentro do núcleo do valor liberdade, encontra-se a autonomia da vontade,

caracterizada como direito de autodeterminação que deve ser assegurada a cada

pessoa. A liberdade é incindível da dignidade, sendo que esta pressupõe a autonomia

vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais

entidades e às outras pessoas. (SILVA, 2004 apud PEREIRA, 2014, p. 41).

Azevedo (2010, p. 13) completa a afirmação ao dizer que

esta concepção demonstra que a autonomia e a liberdade integram a dignidade.

Assim, cada direito fundamental contém uma expressão da dignidade, isto é, de

autonomia e de liberdade. O direito à vida garantido constitucionalmente no art. 5º,

caput, CF/88, por conseguinte, pressupõe não apenas o direito de existir

biologicamente. Se o direito à vida é um direito fundamental alicerçado na dignidade

humana, a vida assegurada pela Constituição é a vida com autonomia e liberdade.

37

Analisando o contexto do artigo 5°, inciso XLVII, alínea c, podemos ver que nem

mesmo o Estado possui o poder de forçar alguém a trabalhar, pelo contrário, visa proibir o

trabalho forçado:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

XLVII - não haverá penas:

c) de trabalhos forçados;

Logo, o trabalhador que é forçado a permanecer em seu local de trabalho, seja por

meio de restrição de locomoção, bem como por detenção de documentos ou cobrança de

alguma dívida por meio de trabalho, tem a sua autonomia de vontade e liberdade individual

roubadas por seu empregador, gerando um grande desrespeito à norma e ao indivíduo.

Neste âmbito, se torna importante salientar que, além da norma constitucional,

outro grande instrumento que classifica a liberdade como direito fundamental, é a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 23º, deixando claro que “toda pessoa possui

direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de

trabalho e à proteção contra o desemprego” (ONU, DUDH, 1948).

3.2.5 A dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III, da

Constituição Federal. É considerado fonte primária de todos direitos fundamentais e valor

supremo sobre o qual se alicerça a sociedade brasileira. Partindo dessa ideia, Barroso (2010,

p. 253) esclarece que

o princípio da dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores

civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio da humanidade, sem

prejuízo da persistência de violações cotidianas ao seu conteúdo. Dele se extrai o

sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, da

igualdade e para a promoção da justiça. No seu âmbito se incluí a proteção do

mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas

para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Aquém

daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de

prestações

que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva

de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui, pelo menos:

renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento

instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação

dos direitos.

Em consonância, Azevedo (2010, p. 17) evidencia:

38

A dignidade da pessoa humana insere-se no texto constitucional como uma cláusula

geral a que se subordinam todos os outros direitos da personalidade, quer sejam

típicos como os previstos expressamente no texto da Constituição, tais como o

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º,

caput), à liberdade de consciência e de crença (artigo 5º, inciso VI), entre outros;

quer sejam atípicos não previstos no ordenamento jurídico.

A dignidade da pessoa humana é algo intrínseco ao ser, um valor natural, e possui

o objetivo principal de garantir o bem-estar social. Ainda, é ligada aos direitos e deveres do

cidadão, abrangendo os requisitos necessários para que uma pessoa tenha uma vida digna e

com seus direitos fundamentais respeitados. Por se tratar de um princípio do Estado

Democrático de Direito, além de garantir às pessoas o exercício desses direitos, o Estado

também tem a obrigação de agir, com a cautela suficiente, para que os mesmos não sejam

desrespeitados (SOARES, 2019, p. 1).

O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, DUDH, 1948)

também dispõe que “[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e

direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com

espírito de fraternidade”.

Analisando o artigo anterior, sabe-se que a dignidade da pessoa humana se

consolida como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil ao ser exaltada ao

nível de direito fundamental constitucionalmente garantido. Este avanço se perfaz devido à

afirmação dos diretos fundamentais como núcleo de proteção do indivíduo.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:

A Constituição Brasileira, como visto, incorporou o princípio da dignidade humana

em seu núcleo, e o fez de maneira absolutamente moderna. Conferiu-lhe status

multifuncional, mas combinando unilateralmente todas as suas funções: fundamento,

princípio e objetivo. Assegurou-lhe abrangência a toda a ordem jurídica e a todas as

relações sociais. Garantiu-lhe amplitude de conceito, de modo a ultrapassar sua

visão estritamente individualista em favor de uma dimensão social e comunitária de

afirmação da dignidade humana. Insista-se que para a Constituição Democrática

Brasileira a dignidade do ser humano fica lesada caso este se encontre privado de

instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser social, a pessoa humana tem

assegurada por este princípio iluminador e normativo não apenas a intangibilidade

de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de

afirmação no plano comunitário circundante (DELGADO, 2001, p. 121).

Ressalta-se que o presente princípio não é somente vinculado ao Estado, como

também a toda comunidade, atribuindo-lhe deveres de proteção e respeito mútuo. Logo, por

possuir natureza igualitária e exprimir a ideia de solidariedade entre os membros da

sociedade, o princípio da dignidade da pessoa vincula-se também no âmbito das relações entre

os particulares (SARLET, 2010 apud SOARES, 2019).

39

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto em sua dimensão

individual, quanto social, possui como objetivo minimizar as situações degradantes e

desumanas, que comprometam o modelo de Estado, como o trabalho escravo contemporâneo,

não permitindo que pessoas sejam exploradas no exercício da sua função.

3.2.6 Legislação infraconstitucional – Código Penal

Previsto no capítulo VI, dos crimes contra a liberdade individual, parte especial do

Código Penal, o art. 149 do Código Penal possui extrema importância ao falar sobre a

escravidão contemporânea. Sua atual redação foi proposta pela alteração na Lei nº

10.803/2003 e ampliada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Instrução

Normativa SIT/MTE nº 139/2018.

Nele está contida a determinação do crime de exploração de trabalho análogo ao

de escravo e suas quatro condutas tipificadas, a submissão do trabalhador a trabalhos

forçados; submissão do trabalhador a jornada exaustiva; sujeição do trabalhador a condições

degradantes de trabalho; restrição de locomoção em razão de dívida contraída; retenção no

local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte e vigilância

ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais, como exposto no primeiro

capítulo do presente trabalho. Essas condutas possuem o objetivo de contemplar os princípios

constitucionais elencados acima, resguardados pela dignidade da pessoa humana (BRASIL,

CP, 2019).

Ainda, é de responsabilidade do Ministério Público identificar essas situações nas

quais ocorre o trabalho escravo. Após essa identificação, prioritariamente liberta-se as pessoas

escravizadas e posteriormente aplicadas as devidas sanções ao infrator (SOARES, 2016, p. 1).

A pena prevista para a prática é de dois a oito anos, multa e pena adicional correspondente à

violência praticada sobre o trabalhador. Ademais, a pena é aumentada de metade, se o crime

for cometido contra menores de idade ou por motivos discriminatórios, seja pela etnia, cor,

religião ou origem (BRASIL, CP, 2019).

Outra questão relevante que possui relação a caracterização do trabalho escravo,

relaciona-se ao tipo de atividade exercida e a anuência do trabalhador. Entende-se que no

trabalho escravo existe uma condição evidente de vulnerabilidade e hipossuficiência. Nesta

circunstância não é plausível legitimar uma possível anuência ou consentimento. Não é

justificável que o trabalhador permita aquelas condições, levando em conta que sua dignidade

é inalienável. Outrossim, a condição de trabalho escravo não possui restrições de atividade,

40

pode ocorrer em qualquer situação, tanto na área rural, quanto em ambiente urbano

(DIREITOS BRASIL, 2019, p. 1).

Para o STF, para configurar o crime previsto no art. 149 do CP, não é necessária a

violência física, sendo suficiente que haja “a coisificação do trabalhador, com a reiterada

ofensa a direitos fundamentais, vulnerando a sua dignidade como ser humano” (BRASIL,

STF, INQ nº 3564. Relator Min. Ricardo Lewandowisk).

Com relação a competência para julgamento do crime de exploração de trabalho

análogo ao de escravo, a atual jurisprudência atribui à Justiça Federal:

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE

REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA

JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. Tendo a denúncia imputado a

submissão dos empregados a condições degradantes de trabalho (falta de garantias

mínimas de saúde, segurança, higiene e alimentação), tem-se acusação por crime de

redução a condição análoga à de escravo, de competência da jurisdição federal . 2. O

art. 149 do Código Penal, em especial após a alteração promovida pela Lei nº

10.803/2003, tem por escopo a proteção não apenas da liberdade individual do

trabalhador, mas principalmente da organização do trabalho. Assim, o referido tipo

penal se insere na hipótese de competência da Justiça Federal prevista pelo art. 109,

VI, da Constituição Federal. 3. Recurso em sentido estrito provido.

(TRF-3 - RSE: 00022857020164036115 SP, Relator: DESEMBARGADOR

FEDERAL MAURICIO KATO, Data de Julgamento: 25/06/2018, QUINTA

TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2018)

Insta salientar que, além do art. 149, o Código Penal ainda trata especificamente

do trabalho escravo contemporâneo e suas punições no art. 203:

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação

do trabalho:

Pena - detenção, de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à

violência.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para

impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação

ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito

anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

E também no art. 207, ao tratar do aliciamento de trabalhadores no território

nacional com o intuito de levá-los para outras localidades:

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade

do território nacional:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

41

§ 1º - Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de

execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de

qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno

ao local de origem.

§ 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito

anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental

(BRASIL, CP, 2019).

No entanto, a pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro é tida como

insuficiente e não impede a prática. Como se não fosse suficiente, ainda existe a possibilidade

da mesma ser convertida em restrição de direito ou até mesmo em sanção pecuniária. Além

disso, há também o fato de que poucas pessoas denunciam a prática da escravatura moderna

(REPÓRTER BRASIL, 2019, p. 1)

Importante destacar que, durante o trabalho escravo não corre prescrição.

“Primeiramente, prescrição é a perda de direito de exigir reparação de alguém, ou seja, se a

pessoa tem um direito e não o exigir em um tempo hábil, tempo esse fixado em lei, não mais o

poderá fazer, é a perda do direito de se exigir um direito” (SOARES, 2016, p. 1).

A autora ainda complementa ao dizer que

durante o trabalho escravo não se perderá o direito de reparação, independente do

tempo que se passe. E isso por consequência lógica, se o sujeito se encontra em

situação análoga à escravo, está, ao menos momentaneamente incapaz, não

possuindo capacidade de exercitar seus direitos (SOARES, 2016, p. 1).

Se o indivíduo se encontra incapaz de manifestar sua vontade, ele será

considerado incapaz durante o tempo que persistir a escravidão, sendo assim a prescrição só

contará a partir do momento que a pessoa estiver livre e se tornar capaz.

Portanto, como se percebe, o ordenamento jurídico brasileiro, estabelece várias

normas que proíbem a prática do trabalho escravo, porém, apesar de toda tutela apresentada, a

escravidão ainda permanece no Brasil e em vários cantos do mundo causando grande

preocupação. Assim, torna-se necessário, cada vez mais, buscar medidas de combate a

escravidão moderna e fornecer informações à toda população para que, através do

conhecimento de seus direitos, não se deixe escravizar.

42

4 AS MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO

Pobreza, falta de conhecimento, ganância e impunidade são fatores que

contribuem de forma expressiva para a existência da escravidão contemporânea no Brasil

(PLASSAT apud NUZZI, 2019, p. 1). Porém, após o país assumir a existência, perante à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de casos de trabalho forçado em território

nacional, julgou necessário a criação de medidas de proteção ao trabalhador e combate à essa

forma brutal de exploração.

Várias instituições se encontram envolvidas no combate ao trabalho escravo

contemporâneo, como por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF), a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Secretaria

de Inspeção do Trabalho (SIT). Além, ainda, das organizações sociais, destacando-se a ONG

Repórter Brasil, a Comissão Pastoral da Terra e a participação das Entidades Sindicais como a

CUT/ IOS. (BRASIL, SF, 2019, p. 1).

Portanto, a seguir, estudaremos os mecanismos de fiscalização e combate à

escravatura no Brasil contemporâneo, como o Estado e as organizações sociais auxiliam e

reinserem os trabalhadores no mercado de trabalho e quais as principais dificuldades

existentes hoje para extinguir a história da escravidão no país.

43

4.1.1 Os principais mecanismos governamentais de fiscalização e combate

Como dito, após o reconhecimento da existência da escravidão contemporânea,

em 1995, o Estado brasileiro passou a adotar diversos mecanismos de prevenção e repressão à

escravatura em seu território, como consequência das pressões externas promovidas pela

Organização dos Estados Americanos no julgamento do trabalhador Zé Pereira que foi vítima

da escravidão em 1989 e levou um tiro na face ao tentar fugir dos maus-tratos (SAKAMOTO,

2007, p. 146).

Diante disto, foi criado o Grupo Interministerial para Erradicação do Trabalho

Forçado (GERTRAF) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenados pela

SIT, com o intuito de combater os abusos cometidos no ambiente de trabalho.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel foi criado no contexto do Ministério do

Trabalho e Emprego, possuindo o objetivo de resgatar trabalhadores que se encontram em

condições degradantes, investigar as denúncias recebidas sobre trabalho escravo, cobrar

verbas trabalhistas não pagas ao empregado e fornecer relatórios que podem ser utilizados

como provas nos processos judiciais protocolados (CÂMARA, 2018, p. 1).

O GEFM é tido como um dos mais importantes instrumentos de combate ao

trabalho escravo contemporâneo até a atualidade. Seus grupos são compostos por auditores

fiscais do trabalho, policiais federais e procuradores do Ministério Público do Trabalho, “que

atuam no combate direto à exploração do trabalho, na apuração de denúncias e nas operações

de resgate em campos específicos de exploração” (LIMA; SURKAMP, 2012 apud SILVA;

SILVEIRA, 2018, p. 241).

Almeida (2012, p. 1) explica que a maioria das operações se inicia com

recebimento das denúncias de ocorrência de exploração do trabalhador, sendo posteriormente

enviadas para uma triagem com o objetivo de avaliar sua atualidade, sua consistência, a

quantidade de trabalhadores envolvidos, entre outros dados importantes.

Mesmo com muitas dificuldades enfrentadas pelo caminho, mais de 53 mil

trabalhadores já foram libertados desde que o GEFM começou atuar (SIT, 2019, p. 1). Diante

do fato, resta claro perceber a suma importância das fiscalizações efetuadas por estes grupos

móveis, justamente por atuarem como fiscais das leis trabalhistas e normas constitucionais,

bem como por contribuírem de forma efetiva para o alcance da extinção do trabalho escravo.

Possuindo a finalidade de evitar que produtos gerados por meio do trabalho

análogo ao de escravo entrem em comercialização, foi desenvolvida outra política

significativa em 2005: o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, formado pelo

44

Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho

Escravo.

É constituído por empresas, entidades privadas e institutos parceiros como a

Ethos, a IOS e a ONG Repórter Brasil, os quais comprometem-se a erradicar o trabalho

escravo nas cadeias produtivas e assistir na inclusão de pessoas resgatadas no mercado de

trabalho. O pacto busca também formalizar as relações dos fornecedores das empresas

signatárias, “implicando no cumprimento das obrigações previdenciárias, assistência à saúde e

garantias de segurança ao trabalhador” (CANAL RURAL, 2017 apud SILVA; SILVEIRA,

2018, p. 240).

Temos ainda, a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,

elaborada em 2003. A CONATRAE reúne diferentes instituições atuantes no combate ao

problema. É formada por representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de

diversas partes da sociedade civil. “Sua principal tarefa é a elaboração e o monitoramento dos

planos nacionais para a erradicação do trabalho escravo.” (SENADO, 2019, p. 1).

Recentemente, durante a comemoração dos 15 anos de CONATRAE, o Secretário

Nacional de Cidadania, Herbert Barros, assegurou que

a Conatrae tem uma relevante representatividade, pois aqui encontram-se para

discutir sobre a pauta representantes do governo federal, do poder público, sociedade

civil, dos trabalhadores e dos empregadores, todos com o objetivo de erradicar o

trabalho escravo. Entre avanços e desafios, devemos priorizar o aperfeiçoamento e

fortalecimento dos nossos trabalhos (BARROS, 2018 apud MDH, 2018, p. 1).

Ao lado da CONATRAE e das operações de campo coordenadas pelo GEFM, o

Estado brasileiro conta com outra arma poderosa na luta contra o trabalho escravo, trazida

pela Portaria n° 540/2004 do Ministério do Trabalho: a “Lista Suja”.

A “Lista Suja” é reconhecida internacionalmente e apresenta o cadastro de

empregadores infratores, pessoas físicas e empresas, que já foram flagrados submetendo

trabalhadores a condições análogas à de escravo. Tendo o nome cadastrado, o empregador

tem os financiamentos oriundos de recursos públicos cancelados, gerando uma série de

consequências de caráter patrimonial (SILVA; SILVEIRA, 2018, p. 244-245)

Sua atualização é executada semestralmente e resume-se, de acordo com o MTE

(2019, p. 1), na “inclusão de empregadores cujos autos de infração lavrados pelos Auditores

Fiscais do Trabalho foram considerados definitivamente procedentes, não mais sujeitos a

recursos”. A inclusão é efetuada somente após a conclusão do processo administrativo. Em

contrapartida, podem ter os nomes excluídos aqueles que, no decorrer de dois anos, contados

a partir da sua inclusão no cadastro, tenham corrigido os problemas identificados durante a

45

inspeção do serviço, não podendo reincidirem no crime, além de ter todas as multas, débitos

trabalhistas e previdenciários quitados (MTE, 2019, p. 1).

De acordo com Bocchini (2019, p. 1), a última atualização dos cadastros ocorreu

no dia 4 de abril deste ano e foi divulgada pelo Ministério da Economia:

Nela consta denuncia de 187 empregadores, entre empresas e pessoas físicas, por

praticarem o crime disposto no art. 149 do CP. O total de trabalhadores submetidos a

condições análogas à de escravo foi de 2.375. Na lista estão presentes empregadores

que foram cadastrados entre os anos de 2017 e 2019. A maioria dos casos está

relacionada a trabalhos praticados em fazendas, obras de construção civil, oficinas

de costura, garimpo e mineração.

A lista completa do cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores à

condição análoga a de escravo atualizada, pode ser conferida em documento anexo ao final do

trabalho.

Por fim, na visão do autor Sakamoto (2007, p. ), o que pode se concluir após o

estudo de algumas medidas de combate e fiscalização das condições análogas à escravidão, é

que a atuação brasileira é efetuada de forma multifocal, uma vez que as ações compreendem

diversas áreas como a legislativa, de recursos humanos, informativa, de prevenção e

repressão, possuindo boa bagagem no assunto, precisando aprimorar e destinar maiores

investimentos para manter e desenvolver ainda mais estes mecanismos tão essenciais

atualmente.

4.1.2 As organizações não governamentais

A sociedade também se encontra envolvida na batalha contra a escravatura

moderna, através das Organizações não Governamentais e programas desenvolvidos por meio

de iniciativas populares.

As ONGs são organizações que não possuem fins lucrativos, formadas por

integrantes da sociedade civil. Sugiram como alternativa de complementar as ações

governamentais e suprimir eventuais falhas relacionadas à resolução e assistência dos

problemas sociais. Assim, têm como missão combater certos problemas existente na

comunidade, seja de caráter econômico, ambiental, político ou social, atuando também

fiscalizando o poder público e reivindicando direitos e aperfeiçoamentos.

Nesta esfera, a Organização Repórter Brasil é referência na luta pelo fim do

trabalho escravo. Fundada em 2001 por jornalistas, educadores e cientistas sociais

tem sido uma das principais organizações a atuar no combate ao trabalho escravo no

Brasil e a pautá-lo na mídia e nos debates da opinião pública. A Repórter Brasil atua

46

em parceria com outros veículos de comunicação para a publicação de notícias,

artigos e reportagens. Com isso, tem contribuído para o aumento da incidência desse

tema na grande mídia (REPÓRTER BRASIL, 2009, p. 1).

Possui como meta agir contra todo tipo de injustiça e ofensas aos direitos

fundamentais do indivíduo, insurgindo-se em desfavor da degradação dos recursos naturais e

do meio ambiente. Além de

desconstruir o discurso dominante sobre o desenvolvimento, problematizando a

exploração ilegal do trabalho, o desrespeito aos direitos humanos e ao meio

ambiente nas cadeias produtivas do agronegócio, além de questionar o atual sistema

de propriedade e de utilização da terra.

Fortalecer a livre atuação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil

que se dedicam a eixos de trabalho afins aos da Repórter Brasil.

Promover a educação e a comunicação como meios para a transformação social e a

construção de uma sociedade justa e igualitária.

Atuar na prevenção e na erradicação do trabalho escravo e de todas as formas de

exploração do trabalhador, visando à garantia e à proteção de seus direitos.

Estabelecer canais diretos de contato e de atuação junto a potenciais vítimas dos

impactos socioambientais decorrentes do atual modelo de desenvolvimento,

produção e consumo, de forma a ampliar o conhecimento sobre seus direitos

fundamentais e a garantir o efetivo respeito a esses direitos por parte do Estado e da

sociedade civil (REPÓRTER BRASIL, 2009, p.1).

Age ainda, efetuando denúncias de agentes econômicos, sociais e políticos que

violam as normas fundamentais do indivíduo e/ou degradam o meio ambiente e levando

informações que “contribuam para a formulação de políticas públicas, atuando politicamente

com o objetivo de mobilizar a estrutura e a legitimidade do Estado para a garantia dos direitos

humanos e a preservação do meio ambiente” (REPÓRTER BRASIL, 2009, p. 1).

Outra organização do terceiro setor que merece atenção é a Comissão Pastoral da

Terra. A CPT teve seu início em 1975, após um encontro da Pastoral da Amazônia, realizado

pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entidade da Igreja Católica. Surgiu em

“resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na

Amazônia” (ALMEIDA, 2012, p.1).

Salienta-se que foi a ligação existente entre a CPT e a CNBB, principalmente na

ditadura militar, que sustentou a manutenção das relações trabalhistas da época, resultando em

uma das organizações essenciais atuantes no combate da exploração do trabalhador rural.

A história da Comissão Pastoral da Terra relata que sua

primeira grande denúncia foi em 1984, trata-se do caso da fazenda da Vale do Rio

Cristalino, da Volkswagen, no Sul do Pará. Os peões conseguiram escapar a pé da

fazenda e foram parar em São Félix do Araguaia. Houve mobilização e a idéia de

flagrar os responsáveis foi frustrada. Na época, o governador do Para era Jader

Barbalho. Não se conseguiu fazer o flagrante, então convocou-se a imprensa

47

nacional e internacional e se fez a denúncia. Havia indícios de que eram 600

trabalhadores. Mais tarde, uma matéria publicada na Alemanha afirmou que havia

800 trabalhadores escravizados (CPT, 2010, p.1).

A CPT é responsável pela promoção da campanha de combate e prevenção ao

trabalho escravo, intitulada “De olho aberto para não virar escravo!”, tendo as regiões norte e

nordeste como focos de atuação, com objetivo de levar ao conhecimento da população

maiores informações sobre a exploração da mão de obra escrava.

A campanha possui o amparo de materiais didáticos destinados aos trabalhadores

rurais, à orientação dos responsáveis pelo monitoramento e para toda população, trazendo por

meio de uma cartilha de bolso informações sobre os direitos básicos do trabalhador,

explicações sobre contratos, tipos de demissão, CTPS, telefones para denúncias e até mesmo

uma história ilustrada para que empregado identifique quando um aliciador pode estar

possuindo a intenção de levá-lo para trabalhar de forma abusiva (CPT, 2010, p. 1).

No âmbito das entidades sindicais, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), no

ano de 2008, em parceria com o Instituto Observatório Social (IOS), tornou-se subscritora do

Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, iniciando seu papel contra a

escravatura no Brasil:

O IOS/CUT propõe-se a monitorar e gerar relatórios sobre as ações empreendidas

pelos signatários voltadas para a erradicação do trabalho escravo no Brasil e

provocar intercâmbio dessas informações entre as empresas e sindicatos envolvidos,

neste intuito que desenvolveu uma plataforma eletrônica para o monitoramento das

ações dos signatários do Pacto, a partir do auto declaração das entidades.

Atualmente, o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto pela Erradicação

do Trabalho Escravo é composto pela OIT, Ethos, Repórter Brasil e IOS/CUT

(ALMEIDA, 2012, p.1).

Apesar desta atuação da CUT através do IOS, presume-se que as entidades

sindicais vêm atuando de forma tímida sobre o tema. Tratando-se de representantes dos

direitos dos trabalhadores, possuem o dever de promover ações direcionadas, como

instalações grupos de fiscalização em áreas de incidência do trabalho escravo, cursos de

qualificação, acompanhamento das operações do GEFM, políticas para reinserir o trabalhador

na sociedade e atividades até mesmo atividades de prevenção. Assim, a contribuição seria

efetivamente funcional para acabar com uma das piores explorações ainda presentes.

(ALMEIDA, 2012, p.1).

Ante ao estudado, tornou-se perceptível a existência de organizações não

governamentais que, através de suas medidas, não medem esforços para preservar o trabalho

digno, complementando as ações do Estado. Graças às medidas tomadas por essas

organizações, e, também pelas contribuintes não aqui elencadas, a população possui um maior

48

acesso ao conhecimento, melhores explicações e apoio, quando o assunto é escravidão

contemporânea, mesmo com todas as dificuldades e barreiras que ainda precisam ser

quebradas.

4.1.3 A assistência e inclusão do trabalhador na sociedade

Diferente do período pós-abolição, hoje, após a libertação dos trabalhadores

sujeitos as condições degradantes de trabalho, existe a preocupação com a assistência e

inclusão dos recém libertos na sociedade, para que consigam restaurar suas vidas com

dignidade. Isto pode ser feito de diversas maneiras, a depender da situação.

Almeida (2012, p. 1) informa que, nos casos em que o empregador não reconhece

imediatamente a responsabilidade, o MTE encarrega-se de prestar assistência emergencial aos

funcionários resgatados. São fornecidas alimentação e hospedagem, até o momento em que a

ação fiscal é finalizada. Por meio desta ação, havendo recursos, o Ministério pode ainda

financiar o deslocamento dos trabalhadores para seus locais de origem.

Com a publicação da Lei nº. 10.608/2002, o trabalhador resgatado da escravidão

passou a possuir o direito de receber três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um

salário mínimo cada, e de ser conduzido, pelo MTE, para qualificação profissional e ser

reinserido no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego – SINE

(BRASIL, 2019).

Os auditores-fiscais do trabalho são os competentes para efetuar os procedimentos

formais necessários para a concessão do seguro-desemprego e posteriormente, o benefício

será sacado pelo próprio trabalhador (BRASIL, 2019).

Na mesma linha, visando a capacitação e inserção dos trabalhadores no mercado

de trabalho, o MTE lançou o programa de intermediação de mão-de-obra. O objetivo é

promover a união da oferta e da demanda nas relações trabalhistas, tornando descartável a

figura do aliciador e incentivando a adoção de práticas trabalhistas previstas em lei. O projeto

possui apoio dos estados do Piauí, Pará, Maranhão e Mato Grosso, onde foi encontrado o

maior número de trabalhadores reféns do trabalho escravo (MTE, 2018, p. 1). Busca também

“dar efetividade ao dispositivo da Lei 10.608/2002 que versa sobre o encaminhamento à

intermediação de mão-de-obra do trabalhador rural beneficiado com o seguro-desemprego”

(ALMEIDA, 2012, p. 1).

Sobre as etapas para participação no programa de intermediação de mão-de-obra,

o MTE (2018, p. 1) destaca:

49

As principais etapas da execução do serviço de intermediação de mão-de-obra são:

inscrição do trabalhador; registro do empregador; captação e registro de vagas de

trabalho; cruzamento de perfil dos trabalhadores cadastrados com o perfil das vagas

captadas; convocação de trabalhadores conforme pesquisa de perfil e

encaminhamento para entrevista de emprego; e registro do resultado do

encaminhamento. Ainda, o serviço de intermediação de mão-de-obra pressupõe a

administração das vagas, do momento de sua captação até seu preenchimento – ou,

eventualmente, até a extinção do prazo definido pelo empregador para a seleção. Em

todas as etapas, é necessário o gerenciamento e controle das informações.

Outro benefício destinado ao indivíduo resgatado surgiu em 2005, por intermédio

do MTE e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) ao firmarem

um termo de cooperação prevendo o cadastro prioritário dos trabalhadores no programa Bolsa

Família. Também, “com a parceria do Ministério da Educação (MEC), dos estados,

municípios, organizações da sociedade civil e instituições de ensino superior, os trabalhadores

resgatados pelo MTE, serão incluídos em turmas alfabetização dentro do programa Brasil

Alfabetizado” (ALMEIDA, 2012, p. 1).

Ainda, existe o Sistema de Acompanhamento e Combate ao Trabalho Escravo

(SISACTE), implantado pelo MTE e OIT em 2006. Segundo Almeida (2012, p. 1), o sistema

permite registrar denúncias de trabalho escravo apresentadas ao MTE e dados das

operações de fiscalização realizadas. Constitui instrumento relevante para o

monitoramento de fluxos migratórios de mão-de-obra. Seu objetivo é se tornar um

instrumento de integração de instituições estatais e não governamentais envolvidas

com a erradicação do trabalho escravo. Facilita ainda as consultas aos dados gerados

com a execução das ações, com o processamento rápido de relatórios e estatísticas

sobre o tema.

O que se percebe é que através desses e outros programas de assistência e inclusão

do trabalhador resgatado de condições degradantes de trabalho, as chances do mesmo

indivíduo voltar para escravidão diminui. Por isso é imprescindível que haja auxílio, incentivo

e aprimoramento dessas ações, para que mais trabalhadores consigam manter-se longe de um

trabalho indigno.

4.1.4 Os desafios da erradicação da escravidão contemporânea

Como vimos no início do presente trabalho, em 1888, com a assinatura da Lei

Áurea, em tese, os escravos brasileiros estavam livres e a escravatura foi considera extinta a

partir de então. Porém, anos se passaram e notou-se que a escravidão havia assumido uma

nova roupagem, mas ainda existia no Brasil. Medidas foram tomadas por parte do Estado e

organizações sociais como tentativa de acabar com o problema, todavia a escravidão

contemporânea insiste em permanecer viva no país.

50

As medidas de combate ao trabalho escravo, através de suas ações e programas,

possuem o objetivo de eliminar, ou ao menos diminuir, a escravidão contemporânea na

sociedade brasileira. Segundo Rezende e Rezende (2012, p. 9), essas medidas são

consideradas esforços civilizacionais, que buscam a formação de uma sociedade fundada no

respeito às leis e observância dos direitos. Essas ações de combate, fazem com que surja

também movimentos contrários, tidos como reações descivilizadoras, tomadas por grupos que

não estão dispostos a enfrentar os questionamentos das bases sociais e políticas que têm

eternizado uma distribuição de recursos e poder extremamente desigual. Ainda, é importante

considerar que:

Se um processo civilizacional é, conforme nos alerta Norbert Elias (1994, 2006a,

2006b, 2006c), um aprendizado social e individual que busca ampliar a capacidade

de os seres humanos se identificarem com os demais – e, portanto, se empenharem

para abolir os sofrimentos sociais aos quais alguns indivíduos e/ou grupos estão

submetidos –, o processo descivilizador significa justamente o contrário, já que se

empenha na obstrução de todo agir e de todo procedimento direcionados a ampliar

as bases de estabelecimento de melhores condições de existência para todos,

indistintamente. Ao desconsiderarem-se – por meio da anulação, da desqualificação,

da indiferença, da ironia, da hipocrisia, etc. – as ações de combate ao trabalho

escravo, desconsidera-se o sofrimento social a que estão submetidos muitos

indivíduos extremamente pobres (ELIAS apud REZENDE; REZENE, 2012, p. 9).

Essas ações estão estabelecidas na base de um processo descivilizador que se tem

conservado no país ao longo dos séculos. Nesse sentido, pode-se dizer que todas as tentativas

de ocultar as denúncias de trabalho escravo e o conhecimento da população sobre seus

direitos, são ações descivilizadoras que dificultam a erradicação da escravatura moderna no

Brasil. Se o trabalhador tivesse uma melhor educação e a ciência de todos os direitos que

possuí, jamais deixaria se escravizar. Por isso torna-se necessário uma busca árdua, através

das políticas públicas socias, para levar o conhecimento ao cidadão mais necessitado, pois, na

maioria das vezes, esse conhecimento nem ao menos chega nas famílias mais carentes,

deixando o indivíduo vulnerável aos aliciadores (SANTOS, 2012, p. 1).

Destaca-se que, para a extinção do trabalho escravo se concretizar, não se pode

permitir o retrocesso dos mecanismos tomados contra a escravidão atualmente, pois por mais

que as mesmas sejam reconhecidas internacionalmente pela OIT (2010, p. 181) como “um

exemplo a ser seguido na luta contra o trabalho escravo”, não quer dizer que a política de

erradicação do trabalho escravo contemporâneo está sólida, estável e imune a retrocessos.

“Pelo contrário, as disputas em torno do conceito de trabalho escravo, da competência das

ações fiscais e das penalidades devidas por aqueles que a praticam são permanentes e têm se

acirrado no interior dos Três Poderes da República no período recente” (ARBEX; GALIZA;

OLIVEIRA, 2018, p. 9).

51

Diante desse risco de retrocesso, se tem como exemplo, o caso da portaria

publicada pelo Ministério do Trabalho em 2017 (Portaria MTB 1.129/2017) que pretendia

alterar o conceito de trabalho escravo no Brasil, que reconheceria como tal somente as

práticas em que houvesse a restrição de liberdade. A OIT, na ocasião, se manifestou dizendo

que o país não seria mais tido como referência ao combate da escravidão, visto que a mesma

não se caracteriza meramente pela falta de liberdade. De acordo com a análise de dados feita

pelo G1 no ano de 2018, no país, somente 14% dos indivíduos resgatados da escravidão são

encontrados com restrição de liberdade, significando que mais de 80% não seria mais

abrangido com o novo conceito. Felizmente, graças a grande repercussão negativa, a portaria

foi suspensa (G1, 2018 apud CRP-PR, 2019, p. 1).

Ainda, de acordo com Marco Zero (2019, p. 1), a fiscalização feita pelo GEFM foi

reduzida no país por falta de funcionários e investimentos. Até o final de 2018, existam doze

grupos móveis atuando no território nacional. No momento, restaram apenas quatro, sendo

totalmente ineficiente para um monitoramento apropriado.

Além disso, a reforma trabalhista, aprovada pela lei nº 13.467 de 2017, contribuiu

de maneira negativa, atingindo a terceirização, tida como uma das principais causas do

trabalho escravo urbano:

Se por um lado, a carência na inspeção enfraquece o combate ao trabalho análogo ao

escravo, por outro, o aumento do desemprego, da informalidade e as mudanças

recentes na legislação trabalhista tornaram as relações de trabalho mais vulneráveis.

Entre outras mudanças, a reforma trabalhista, por exemplo, flexibilizou as regras

para a terceirização. “Acontece que a maioria dos resgates de trabalhadores em áreas

urbanas foram realizados em terceirizadas”, lembra Luciana Conforti (CONFORTI

apud MARCO ZERO, 2019, p. 1)

Como se não bastasse, assim que assumiu o Estado, o presidente Jair Bolsonaro,

pela Medida Provisória 870, acabou com o Ministério do Trabalho, um dos principais atuantes

desta batalha, dividindo-o entre os ministérios da Cidadania, Economia e Justiça, causando

ainda mais prejuízos à fiscalização do trabalho escravo, ligada atualmente ao Ministério da

Economia. Tal situação acaba gerando conflito de interesses, pois, presume-se que o poder

econômico tem como objetivo proteger os interesses das empresas e não de seus funcionários.

Essa redução deixou o Ministério do Trabalho sem qualquer autonomia e até o momento

ainda não se tem notícias de como ficará a Divisão de Radicação do Trabalho Escravo

(MARCO ZERO, 2019, p.1). Murari (2019, p.1) comenta o assunto dizendo que

as perspectivas são de agravamento das relações de trabalho, inclusive do trabalho

escravo, no novo governo. Além da flexibilização das leis trabalhistas, ocorridas em

2017, a edição da Medida Provisória 870, em janeiro de 2019, extinguiu o

Ministério do Trabalho. A Secretaria de Fiscalização foi deslocada para o Ministério

da Economia e os discursos contra a Justiça do Trabalho demonstram, no mínimo, a

52

ausência de qualquer compromisso com a erradicação das condições precárias de

trabalho no Brasil.

Em suma, a impunidade tem sido considerada protagonistas da ineficácia dos

programas que lutam contra escravidão moderna. Prosseguindo com Murari (2019, p. 1), os

verdadeiros responsáveis das práticas abusivas, que usufruem do trabalho escravo, não estão

tendo a punição merecida, nem ao menos pagando as multas aplicadas. Destaca-se o caso dos

auditores fiscais do trabalho assassinados em Unaí, episódio que ficou conhecido

mundialmente como “chacina de Unaí”, no ano de 2004:

Os auditores trabalhavam na fiscalização de fazendas nesse município e suspeitavam

da contratação irregular de trabalhadores para a produção de feijão. Muito embora o

Tribunal Regional Federal de Minas Gerais tenha condenado os responsáveis pelo

mando do crime e pela contratação dos pistoleiros, não há, sequer, registro de

prisões efetuadas (SILVA; SILVEIRA, 2018, p. 235).

O infeliz fato, deixa claro o quanto a impunidade pode inverter uma situação em

que a busca é pelo combate das condições análogas à escravidão e acabar por influenciar o

crescimento do trabalho escravo contemporâneo.

Ainda neste sentido, Sakamoto (2006, p. 105), salienta que apesar do número

crescente de trabalhadores libertados no decorrer dos anos, os casos de condenação pelo

artigo 149 do Código Penal se encontram muito abaixo do esperado, “além disso, nenhum dos

condenados, cumpriu pena na prisão.”

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho enfatizou a escravidão contemporânea no Brasil, a fim de

evidenciar que, apesar da promulgação da Lei Áurea em 1888, a escravidão ainda se encontra

presente no território nacional.

Essa nova face da escravidão, em tese, possui características diferentes da

praticada antigamente pelos colonizadores. Hoje, os empregadores não adquirem a posse de

seus empregados como no passado, pelo menos não de maneira formal. O que acontece é a

exploração de indivíduos vulneráveis, que, por consequência da miséria, falta de

conhecimento e desemprego, acabam cedendo às várias formas de abusos laborais praticados

em meio urbano ou rural. Verificou-se que o indivíduo escravizado hoje, em sua maioria, são

homens, pardos, nordestinos e possuem baixa escolaridade.

Notou-se também algumas semelhanças com a escravidão antiga, como a falta de

higiene nos ambientes, falta de banheiros, de locais decentes para alimentação, de local

adequado para descanso, entre outras condições degradantes. No ambiente em que fornecem

seus serviços, estão sujeitos à vigilância ostensiva, castigos e correm até mesmo risco de

53

morte. Como se não bastasse, podem ainda ter seus documentos recolhidos pelo empregador,

com a finalidade de manter o obreiro no locar de trabalho, e sofrer com as horas exaustivas ou

ininterruptas de serviços prestados. Essas e as demais características que configuram as

condições análogas a de escravo, estão elencadas no art. 149 do Código Penal e na Instrução

Normativa SIT/MTE nº 139/2018.

No ramo internacional, explorou-se os principais Tratados e Convenções,

sobretudo os aderidos pelo Estado brasileiro, que visam desde o início da batalha, até a

atualidade, erradicar com o trabalho escravo contemporâneo no mundo.

Foi demonstrado no decorrer da monografia, que o trabalho exercido em

condições análogas à escravidão, ofende vários princípios fundamentais elencados na

Constituição Federal.

Os valores socias do trabalho, da livre iniciativa e da função social da propriedade

são feridos pelos praticantes do trabalho escravo ao explorarem o trabalhador, visando a

obtenção de lucro a qualquer custo, deixando de impulsionar a dignificação do homem por

meio de um labor decente. Uma vez que o direito de propriedade não é absoluto, o trabalho

deve servir ao bem-estar comum e não restritamente ao de seu proprietário.

Outros princípios agredidos ao sujeitar o indivíduo às condições degradante, são:

a igualdade, o direito à liberdade e sobre tudo a dignidade da pessoa humana. O trabalhador

escravo deixa de ser igual aos demais trabalhadores, a partir do momento em que é

escravizado e lhe são negados seus direitos trabalhistas assegurados pela CF e CLT. O direito

à liberdade é desrespeitado quando o obreiro é obrigado a permanecer em seu local de

trabalho, devido a diversos fatores, tendo sua autonomia de vontade e liberdade individual

roubadas por seu empregador. Por fim, ao subordinar o empregado às condições de trabalho

desumanas, o empregador fere o princípio da dignidade da pessoa humana, tido como fonte

primária de todos direitos fundamentais e valor supremo sobre o qual concretiza a sociedade

brasileira.

No estudo da norma infraconstitucional, foi observada a enorme importância do

artigo 149 do Código Penal, ao determinar o crime de exploração de trabalho análogo ao de

escravo e suas quatro condutas tipificadas, a submissão do trabalhador a trabalhos forçados;

submissão do trabalhador a jornada exaustiva; sujeição do trabalhador a condições

degradantes de trabalho; restrição de locomoção em razão de dívida contraída; retenção no

local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte e vigilância

ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais.

54

Como dito, o governo, reconheceu a existência do trabalho escravo

contemporâneo no Brasil no ano de 1995. A partir de então foram criadas diversas políticas de

repressão e fiscalização ao trabalho escravo, tanto por parte do Estado, como pelas

Organizações não Governamentais, destacando-se a criação do GEFM, da CONATRAE e do

cadastro de empregadores infratores, promovidos por ações governamentais e também a

Organização Repórter Brasil, a Comissão Pastoral da Terra e as entidades sindicais que

buscam a preservação do trabalho digno, contribuindo com ações de combate e prevenção ao

trabalho escravo.

Além desses mecanismos, também são promovidas medidas assistenciais e

inclusivas para reinserção do recém liberto ao mercado de trabalho, diferente do ocorrido na

época pós-abolição, onde não existia qualquer preocupação com o futuro do trabalhador.

Atualmente, o empregado resgatado tem o direito de receber três parcelas do seguro

desemprego, possuem o cadastro prioritário em programas sociais como o Bolsa Família,

além de diversos outros programas destinados a oferecer ao indivíduo resgatado uma vida

mais digna.

Verificou-se no decorrer do trabalho que apesar de todos os esforços

apresentados, ainda existem desafios que precisam ser superados. A impunidade e o

retrocesso são os principais obstáculos na luta contra a escravidão contemporânea. Nos

últimos anos a fiscalização do GEFM foi reduzida por falta de funcionários e investimentos, a

reforma trabalhista atingiu de maneira negativa a terceirização e, como se não fosse o

bastante, recentemente, foi extinto um dos órgãos fundamentais nesta batalha, o Ministério do

Trabalho.

Ainda há muito o que fazer para que o Estado cumpra o seu dever de promover e

proteger os direitos humanos, principalmente no que diz respeito à total erradicação do

trabalho escravo contemporâneo, a promoção da dignidade da pessoa humana e valorização

do trabalho. Foi demonstrado que embora o país possua diversos elementos eficientes no

combate e eliminação do trabalho escravo contemporâneo, conclui-se que, as ações criadas

pelo governo brasileiro ainda não são suficientes para assegurar que o trabalhador tenha,

efetivamente, condições de exercer uma atividade laboral de maneira digna, sem ser

explorado pelo empregador.

Observou-se que de nada vale a criação de vários mecanismos e medidas, sem o

aprimoramento constante dos mesmos e a necessária destinação de verbas para sua

manutenção. Logo, se continuar com o retrocesso, com o corte de incentivos e o descaso com

a impunidade, jamais serão respeitados e efetivados os princípios constitucionais, como a

55

dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Portanto, se torna necessário a

execução de políticas públicas previstas na Carta Maior, a fim de concretizar os objetivos

fundamentais da República do Brasil de proporcionar o bem de todos.

Em frente a tantas dificuldades, acaba sendo difícil acreditar que algum dia o país

deixará de cultivar a escravidão. No entanto, é necessário depositar esperanças no futuro do

governo e, principalmente, na população. Por meio de cobranças mais efetivas ao Estado,

desenvolvimento de um consciência coletiva, auxílio na divulgação de informações,

contribuição com os programas e medidas já existentes e denúncias concretas, é possível sim

diminuir e futuramente abolir de vez este enorme desrespeito aos princípios fundamentais do

ser humano que é a escravidão contemporânea, garantindo à todos os cidadão uma vida

confortável baseada nas garantias básicas devidas a qualquer ser humano.

56

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62

ANEXO A – Lista Suja

Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições

análogas à de escravo - Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11/05/2016

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