arquitectura sustentável na guiné-bissau

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ARQUITECTURA SUSTENTÁVEL NA GUINÉ-BISSAU { MANUAL DE BOAS PRÁTICAS }

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Arquitetura na Guiné-Bissau.

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  • ARQUITECTURASUSTENTVEL

    NA GUIN-BISSAU{ MANUAL DE BOAS PRTICAS }

    ARQUITECTU

    RA SUSTEN

    TVEL NA GU

    IN-BISSAU

    { MA

    NUAL DE BOA

    S PRTICA

    S }

  • ARQUITECTURASUSTENTVEL

    NA GUIN-BISSAU{ MANUAL DE BOAS PRTICAS }

  • EditorCPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesawww.cplp.org

    CoordEnaoProf. Arq. Manuel Correia Guedes [email protected]

    Equipa tCniCaProf. Eng Klas Borges, Universidade de LundProf. Dr. Leo Lopes, Escola Internacional de Artes do Mindelo Prof. Arq. Gustavo Canturia, Universidade de Cambridge Prof. Arq. Manuel Correia Guedes, Instituto Superior TcnicoProf. Eng. Manuel Pinheiro, Instituto Superior TcnicoEng. Italma Simes Pereira, Instituto Superior TcnicoArq. Adolfo Ramos, Ministrio das Infra estruturas, Comunicaes e Transportes da Guin BissauEng. Gilberto Lopes, Instituto Superior TcnicoEng. Carla Gomes, Universidade de Aveiro

    dEsign grfiCoJos Brando Susana BritoAlexandra Viola { Paginao }[Atelier B2]

    pr imprEsso E tratamEnto dE imagEnsJoana Ramalho Gabriel Godoi[Atelier B2]

    imprEssoidg Imagem Digital Grficawww.idg.pt

    isbn 978-989-97178-0-0

    n dE ExEmplarEs750

    dEpsito lEgal323393/11

  • ARQUITECTURASUSTENTVEL

    NA GUIN-BISSAU{ MANUAL DE BOAS PRTICAS }

  • 5{ Apresentao }

    O presente manual tem como principal objectivo

    sugerir medidas bsicas para a prtica de uma ar-

    quitectura sustentvel. Destina -se a estudantes e

    profissionais de arquitectura e engenharia civil,

    sendo tambm acessvel ao pblico com alguma

    preparao tcnica na rea da construo. Tendo

    em conta o clima, os recursos naturais e o contex-

    to socioeconmico, so traadas, de forma simpli-

    ficada, estratgias de boas prticas de projecto.

    Foi elaborado no mbito do projecto europeu

    SUREAfrica (Sustainable Urban Renewal: Energy

    Efficient Buildings for Africa), implementado para

    aprofundar e disseminar o conhecimento existente

    em quatro pases africanos de lngua oficial portu-

    guesa, na rea da arquitectura sustentvel em

    particular no que se refere ao projecto bioclimti-

    co e eficincia energtica em edifcios, contri-

    buindo para a melhoria das condies de habitabi-

    lidade do espao construdo. Participaram no

    projecto trs instituies acadmicas europeias

    o Instituto Superior Tcnico (coordenador do pro-

    jecto), a Universidade de Cambridge (Reino Unido)

    e a Universidade de Lund (Sucia) e quatro insti-

    tuies africanas: o Departamento de Arquitectura

    da Universidade Agostinho Neto (Angola), a Escola

    Internacional de Artes do Mindelo (MEIA, em

    Cabo Verde), o Ministrio das Infra -estruturas e

    Transportes da Repblica da Guin -Bissau, e a Fa-

    culdade de Arquitectura da Universidade Eduardo

    Mondlane (Moambique).

    Ao longo do projecto SUREAfrica, que decor-

    reu entre 2007 e 2009, foram realizados diversos

    seminrios, workshops e conferncias, foi criada

    uma rede de conhecimento entre as instituies

    envolvidas, no domnio da arquitectura e planea-

    mento urbano sustentvel, e foi produzido mate-

    rial de apoio ao ensino, assim como manuais de

    boas prticas. Os manuais so publicaes pionei-

    ras, podendo servir de referncia no s para os

    pases de lngua portuguesa, mas tambm para

    outros pases africanos, e constituem um ponto de

    partida para futuros trabalhos, to necessrios

    nesta rea.

    Deve ser salientado o contributo da Eng. Italma

    Simes Pereira para a elaborao deste manual, en-

    quadrado na sua investigao sobre Construo Sus-

    tentvel na Guin -Bissau.

    Prof. Manuel Correia Guedes

    Coordenador do projecto SUREAfrica.

  • 7> Ao Ministrio das Infra -estruturas, Comunicaes e Transportes da Repbli-ca da Guin -Bissau, pelo apoio dado realizao deste manual e ao desenvol-

    vimento das aces do projecto SURE -Africa na Guin Bissau.

    > Ao Eng. Gilberto Lopes do IST, pela constante e preciosa ajuda dada ao longo de todo o projecto.

    > A todas as pessoas individuais e entidades locais, pblicas ou privadas, que colaboraram na recolha de informaes para este manual, nomeadamente: Uni-

    versidade Colinas de Bo, Cmara Municipal de Bissau, ONG Aco para o Desen-

    volvimento (AD), ONG Tininguena, Banco de frica Ocidental (BAO), Dimenso 3,

    Arquitectnica, ASCON, Arq. Domingos Fernandes da Unio dos Arquitectos Gui-

    neenses, Eng. Carlos Silva, Domingos Quessange, Catarina Schwarz, Miguel de

    Barros e Eng. Joo Carlos Esteves.

    > Aos colegas da Universidade de Cambridge os Doutores Koen Steemers, Torwong Chenvidyakarn, Judith Britnell e, muito em particular, ao Doutor Nick

    Baker, que esteve na gnese do projecto SURE -Africa, e que foi um elemento

    chave para a sua realizao.

    > Ao Dr. Lus Alves, aos Engenheiros Ulisses Fernandes e Anildo Costa, e Rita Maia e Maria do Cu Miranda, do IDMEC -IST.

    > Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), que apoiou e finan-ciou esta publicao.

    > Fundao para a Cincia e Tecnologia, que contribuiu com financiamento para a execuo do design grfico do manual.

    > Ao programa COOPENER da Unio Europeia, principal financiador do projecto SURE -Africa, e s instituies que para ele contriburam com co -financiamento:

    a CPLP, a Fundao Calouste Gulbenkian, a FCT e a Direco Geral de Energia.

    { Agradecimentos }

  • 8A profisso de Arquitecto na Guin-Bissau , para todos os efeitos, uma

    profisso nova.

    Por razes que no importa aqui esmiuar, o ofcio

    de arquitecto vinha sendo relegado para a penumbra

    das profisses. A tendncia de absoro da forma pela

    substncia ou dos meios pelos fins desvirtuou a pers-

    pectiva metodolgica e artstica da obra, retardando a

    autonomia do ofcio de Arquitecto e subalternizando-

    a a outros ramos da engenharia, com ele conexos.

    Sendo certo que, na Guin-Bissau, o ensino liceal

    s surgiu no terceiro quartel do sculo passado, na-

    tural ser que as profisses susceptveis de cativar a

    ateno dos estudiosos e a admirao da praa sejam

    as susceptveis de produzir, por si prprios, resulta-

    dos concretos de indiscutvel utilidade.

    Tal como se impuseram os ofcios de mdico e de

    advogado, tambm o de engenheiro marcou o seu espa-

    o, com a diferena de trazer em si j uma imparciali-

    dade, englobando agrnomos, civis e electrotcnicos,

    para s citar alguns, talvez os mais representativos.

    To marcante era a tendncia que, mesmo durante o

    perodo colonial, no fazia parte do quadro de mestres

    o exerccio profissional especializado de Arquitecto.

    { Prefcio }

  • 9Havia, sim, os chamados desenhadores da C-

    mara Municipal de Bissau geralmente praticados,

    formados na tarimba, a quem se incumbia a elabo-

    rao de projectos.

    Seja como for, assistia-se ao nascimento de

    uma profisso cuja projeco estava condicionada

    pelas reais potencialidades do mercado, nessa al-

    tura. Alias, para todos os efeitos, o Regulamento

    Geral de Edificao Urbana contava com esses pr-

    ticos, facto que testemunha o reconhecimento de

    uma profisso indispensvel, desde logo, por uma

    questo metodolgica.

    Com o advento da independncia, comearam

    a surgir Arquitectos de formao. A nova gerao

    que na segunda metade de dcada de setenta fize-

    ra as malas para as faculdades das diferentes Uni-

    versidades do exterior, regressava agora com uma

    nova viso e novas preocupaes profissionais.

    Pouco a pouco, o Arquitecto guineense comea a

    pr em causa o seu estatuto de andaime, conquis-

    tando, palmo a palmo, o direito de estar presente no

    momento da festa, exactamente na mesma posio

    em que estaria o maestro.

    Para coroar este esforo permanente de dignifi-

    cao do ofcio, os profissionais desta praa insti-

    turam uma associao, a Unio dos Arquitectos

    da Guin-Bissau, que se afirma, cada vez mais,

    como factor de aglutinao e de uniformizao da

    linguagem tcnica de profissionais oriundos das

    mais diferentes escolas, como interlocutora dos po-

    deres pblicos e instrumento de divulgao e pro-

    moo da arte arquitectnica.

    Enfim, este o desafio com que o Arquitecto

    guineense se v confrontado, demonstrar a impor-

    tncia e os benefcios da arquitectura e do urbanis-

    mo, lutar pela afirmao e consolidao da unio

    cultural arquitectnica. Neste contexto, o manual

    de boas prticas vem dar um contributo importante

    para a arte de bem projectar e construir.

    Se sonhamos, bom sonhar sonhos grandes

    e sublimes para alargar a nossa alma e ench -la de

    grandeza. Maria Ulrich,(1949)

    Arq. Domingos Fernandes

    Unio dos Arquitectos da Guin Bissau

    { Prefcio }

  • NDICE

    Apresentao 5

    Agradecimentos 7

    Prefcio 8

    Introduo 14

    1. Enquadramento 18

    1.1 Informao geral 19

    1.2 Espao construdo: situao actual 20

    1.3 Medidas de interveno 26

    2. Tipologias arquitectnicas 28

    2.1 Arquitectura vernacular 31

    2.2 Arquitectura colonial 42

    2.3 Tendncias contemporneas 45

    2.4 Construo para ecoturismo 48

    3. Projecto bioclimtico: princpios gerais 52

    3.1 Contexto climtico 55

    3.2 Localizao, forma e orientao 56

    3.3 Sombreamento 62

    3.4 Revestimento reflexivo da envolvente 69

    3.5 Isolamento 71

    3.6 reas de envidraado e tipos de vidro 74

    3.7 Ventilao natural 77

    3.8 Inrcia trmica 87

    3.9 Arrefecimento evaporativo 90

    3.10 Controle de ganhos internos 91

    3.11 O uso de controles ambientais 92

    3.12 Estratgias passivas e critrios de conforto trmico 93

  • 4. Materiais de construo 98

    4.1 Zinco 101

    4.2 Terra crua 102

    4.3 Madeira 106

    4.3 Bambu 106

    4.3 Pedra 107

    4.4 Viabilidade econmica 108

    5. Energias alternativas 110

    6. gua e Saneamento 114

    6.1 gua 115

    6.1.1 Mtodos de captao 116

    6.1.2 Mtodos de potabilizao 117

    6.1.3 Abastecimento 118

    6.1.4 Instalao 118

    6.2 Saneamento 118

    6.2.1 Latrina seca 119

    6.2.2 Fossa sptica 121

    7. Casos de estudo 124

    7.1 Anlise de trs casos de estudo 125

    7.2 Moradia proposta 139

    7.3 Concluses 148

    7.4 Sumrio: recomendaes gerais para a Guin Bissau 152

    Bibliografia 153

    Anexos

    A1 Energia solar fotovoltaica 160

    A2 O sistema Lder A 168

    A3 Vegetao e conforto microclimtico 186

    A4 A gesto urbana e o licenciamento: reviso bibliogrfica 193

    A5 Desenvolvimento limpo nos PALOP 208

    Autorias 212

  • 12

    A questo do desenvolvimento sustentvel vem ocupando um lugar de

    destaque nas sociedades, e construir de forma sustentvel tornou -se,

    mais do que um slogan, numa necessidade cada vez mais pertinente e de-

    terminante para a qualidade de vida.

    Este estudo centra -se na anlise dos constran-

    gimentos que se impem construo nos trpi-

    cos, onde o clima agente determinante, condicio-

    nando o desempenho dos edifcios durante o seu

    tempo de vida til. desenvolvido para a Guin-

    -Bissau, pas africano de clima tropical, tendo

    como premissas os principais problemas que afec-

    tam a construo nessa regio:

    > Elevados nveis de temperatura e humidade> Dfice habitacional provocado pela falta de pla-neamento urbano, e pelo elevado xodo rural das po-

    pulaes mais pobres para os centros urbanos

    > Degradao do patrimnio edificado> Conflito entre o tradicional e a modernizao> Carncia energtica> Fraco poder econmico dos utentes

    H muitas definies para Arquitectura Sustent-

    vel, mas a essncia da sustentabilidade est intrinse-

    camente ligada essncia da Arquitectura. Um bom

    edifcio naturalmente sustentvel.

    { Introduo }

  • 13

    Os edifcios designados para a sustentabilida

    de so construdos e operados para minimizar to

    dos os impactos negativos nos ocupantes (em ter

    mos de sade, conforto e produtividade), e no

    ambiente (uso de energia, recursos naturais e po

    luio) Plainotis (2006).

    Podemos afirmar que Vitrvio no sculo I a.C.

    j defendia um projecto de Arquitectura Sustent

    vel. O sistema firmitas, vetustas, utilitas (solidez,

    beleza e utilidade) deveria incluir uma observao

    da Natureza e um consequente aproveitamento

    dos recursos naturais, com a utilizao da ilu-

    minao solar e da ventilao natural. Factores

    determinantes para a funcionalidade ambiental,

    como a escolha do local para implantao das

    cidades, a disposio das vias e a orientao

    das edificaes deveriam reger o projecto desde

    o seu incio.

    Encontramos tambm prticas de sustentabi-

    lidade na arquitectura vernacular, no erudita,

    de muitas comunidades. Esta incorpora tecno-

    logias construtivas que so o produto do conhe-

    cimento emprico de muitas geraes, que ao

    longo de sculos desenvolveram estratgias de

    adaptao ao meio ambiente, utilizando recur-

    sos locais.

    As problemticas da sustentabilidade e das

    alteraes climticas so frequentemente consi-

    deradas como questes pertencentes aos pases

    ricos. O continente africano, apesar de pouco

    industrializado e pouco consumista, encontra -se

    numa posio mais vulnervel do que os pases

    desenvolvidos e fortemente industrializados.

    O hiper -consumismo no deve ser um modelo a

    seguir pelos pases em desenvolvimento que por

    vezes erradamente prescrevem as tendncias oci-

    dentais. H uma necessidade latente de no se-

    guir os maus exemplos do mundo industrializado

    e preservar uma qualidade, que podemos consi-

    derar como intrnseca falta de riqueza financei-

    ra, que a capacidade de reciclar e aproveitar os

    recursos existentes.

    Os pases mais ricos tm explorado os recursos na-

    turais dos mais pobres, e alguns dos (poucos) ricos

    dos pases mais pobres colaboram com este sistema,

    permitindo a exportao de recursos naturais a custos

    irrisrios. O debate contra a fome, a pobreza e as do-

    enas endmicas ocupa um lugar cimeiro em frica.

    { Introduo }

  • 14

    essencial pensar em estratgias de planea-

    mento ecolgico e desenvolvimento sustentvel,

    de forma holstica e integrada, evitando solues

    de curto prazo e alcance. A sustentabilidade ener-

    gtica e o uso responsvel dos recursos locais de-

    vem ser partes integrantes do desenvolvimento

    sustentvel do ecossistema.

    Actualmente, a problemtica da construo

    sustentvel, adaptada o contexto climtico, socio-

    -econmico e cultural em que se insere, no se

    encontra devidamente estudada ou explorada no

    continente africano. Existe contudo um vasto cor-

    po de conhecimentos e ferramentas de anlise que

    permitem identificar as principais estratgias a

    utilizar no projecto de edifcios em frica, solu-

    es eficazes e econmicas para um bom desem-

    penho do conforto interior de um edifcio. O pre-

    sente manual pretende ser um contributo para o

    conhecimento nesta rea de estudos.

    Uma medida indispensvel a auto -suficincia.

    Os altos custos de importao podero ser a moti-

    vao para produzir e conduzir naturalmente a so-

    lues mais viveis em termos ecolgicos e de res-

    peito ambiental envolvendo o uso de recursos

    locais. Tem de haver uma sensibilizao da popu-

    lao neste sentido. O que pode e deve vir do ex-

    terior so as novas tcnicas e concepes de cons-

    truo, que permitem uma utilizao mais racional

    da matria -prima.

    Apesar de medidas pontuais do sector da cons-

    truo fazerem alguma diferena, este s poder

    ser verdadeiramente fomentado atravs de um

    novo modelo de crescimento econmico, que te-

    nha por base um desenvolvimento ecologicamen-

    te sustentado. Devero ser incrementadas medi-

    das para a promoo de materiais de baixo custo,

    com desenvolvimento de tipologias e tecnologias

    de construo locais, que se revelem determinan-

    tes e eficientes.

    O processo participativo e a auto -construo

    devero ser integrados nesta teia sinergtica de

    solidariedade e unio colectiva, com o objectivo

    de superao dos problemas de escassez de recur-

    sos financeiros. O arquitecto, na sua prtica pro-

    fissional, para alm da utilizao de materiais lo-

    cais e da introduo de sistemas de energias

    renovveis, deve prever no projecto os espaos de

    construo prioritria e contemplar o edifcio

    como um organismo que pode crescer, num pro-

    cesso espacial evolutivo que acompanha o cresci-

  • 15

    mento das famlias. O abrigo evolutivo que com-

    porta espaos com potencial de expanso, para a

    famlia em crescimento, um elemento cultural

    em frica. Paralelamente, a definio dos espaos

    de construo prioritria fundamental para a

    gesto dos recursos financeiros.

    Mais de mil milhes de pessoas nos pases em

    desenvolvimento no tm abrigo adequado e

    calcula -se que cem milhes no tm casa. O ob-

    jectivo deste Manual sugerir medidas bsicas

    para a concepo de uma casa confortvel, que

    respeite a natureza, e com custos reduzidos de

    construo e de manuteno. Tendo em conta o

    clima, os recursos naturais e o contexto socioeco-

    nmico, so traadas estratgias de boas prticas

    para o projecto arquitectnico na Guin -Bissau.

  • 16AR

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    ECTU

    RA S

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    IN-

    BISS

    AU

    { captulo 1 }

    Enquadramento

  • 17

    ENQU

    ADRA

    MEN

    TO

    1.1 Informao geral

    Acerca do territrio

    Localizao: Costa Ocidental Africana, latitude

    115'N e longitude 154'E, limitada a Norte pela

    Repblica do Senegal, a Este e Sul pela Repblica

    da Guin Conacri e a Oeste pelo Oceano Atlntico.

    Superfcie: 36.125 km2

    Populao: 1.500.000 habitantes (de acordo com

    os resultados provisrios do ltimo censos 2009)

    Territrio: composto por continente e ilhas,

    subdivide -se num sector autnomo, Bissau, e oito

    regies Gab, Bafat, Oio, Cacheu, Tombali, Qu-

    nara, Bolama/Bijags, e Biombo. { FIG. 1.1 } Guin -Bissau, localizao geogrfica.

    { FIG. 1.2 } Panormicas da Guin -Bissau.

    Relevo: caracterizado por plancies, galerias flo-

    restais, e ausncia de acidentes orogrficos, sen-

    do o ponto mais alto na montanha Futa Djalon,

    regio de Gab, com 300 metros de altura.

  • 18AR

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    IN-

    BISS

    AU

    Condies climticas

    Clima: tropical quente e hmido, com duas estaes.

    Estao hmida: de finais de Maio a Outubro,

    com ventos de sudoeste, com chuvas fortes que

    chegam a tingir 600 mm de precipitao, e nveis

    de humidade elevados, acima dos 80% nos meses

    de Julho a Outubro.

    Estao seca: de Novembro a Abril, com ventos de nor-

    deste, onde ocorrem os dias menos quentes do ano.

    Temperatura: mdia oscila entre os 25 e 30C du-

    rante todo o ano.

    Histria, cultura e economia

    Histria: Descoberta em 1446 pelo navegador

    portugus Nuno Tristo, a Guin -Bissau foi col-

    nia portuguesa durante 527 anos, at proclama-

    o unilateral da independncia a 24 de Setembro

    de 1973, reconhecida por Portugal aps o 25 de

    Abril (1974).

    Cultura e Sociedade: marcadas pelas caractersticas

    dos principais grupos tnicos Balantas, Papis, Bija-

    gs, Manjacos e Felupes, essencialmente animistas, os

    Fulas e Mandingas, islmicos, e os Beafadas e Nalus.

    Economia: apoia -se essencialmente na agricultura,

    que representa 62% da actividade econmica do

    Pas (AD, 2006). PIB: 173,32 bilhes FCFA (em va-

    lor), dados do Instituto nacional de Estatstica.

    Recursos naturais

    Constituies rochosas: xistos argilosos, grs,

    doloritos, e formaes laterticas, que se encon-

    tram em quase todo o territrio (Oliveira, 1967).

    Madeira: existe em abundncia, devido riqueza

    local em espcies florestais.

    Outros recursos: bauxite, fosfato, e potencialidade

    de se explorar depsitos de petrleo.

    1.2 Espao construdo: situao actual

    A prtica da construo na Guin -Bissau implica

    enfrentar condies climticas especficas, e pro-

    blemas de habitao e urbanismo, como as carn-

    cias habitacionais e infra -estruturais, degradao

    acentuada de edifcios, e falta de identidade urba-

    na, comuns a pases tropicais.

    { FIG. 1.3 } Paisagens da Guin -Bissau.

  • 19

    ENQU

    ADRA

    MEN

    TO

    Aces como a radiao solar, chuvas intensas e

    humidade do ar, desafiam arquitectos, engenheiros

    e urbanistas criao de solues mais sustent-

    veis na procura de segurana e conforto em edif-

    cios. A forte exposio radiao solar contribui

    para o sobreaquecimento, factor crtico para a ob-

    teno de conforto. A proteco radiao solar, e

    a promoo de ventilao natural so prioridades

    para o contexto Guineense.

    A aco das chuvas pode ter um efeito erosivo,

    contribuindo para o desgaste mais acentuado dos

    materiais, principalmente nos aplicados no exterior

    (coberturas, revestimentos de fachada, etc.), po-

    dendo tambm ser responsvel por fissuras superfi-

    ciais devido ao arrefecimento rpido das superf-

    cies, e por humidades interiores devido a infiltraes.

    Assim, ao fenmeno de sobreaquecimento pode ser

    adicionado o da sobre -humidificao, pois a ele-

    { FIG. 1.4 } Edifcio na zona antiga da cidade de Bissau Bissau velho, agredido ao longos dos anos pelos agentes climticos, evidenciando actualmente necessidade de reabilitao profunda.

    { FIG. 1.5 } Edifcio no centro da cidade de Bissau, com todas as fachadas sombreadas pela cobertura e envolvente arborizada.

    { FIG. 1.6 } Fachada de tipologia importada, bastante desadequada para a nossa regio climtica e cultural.

    vada humidade aumenta a sensao trmica de ca-

    lor, contribuindo significativamente para o aumen-

    to de desconforto. O elevado teor de humidade no

    exterior aumenta tambm o grau de deteriorao

    dos materiais (rebocos, madeiras, metais) por

    aco de vegetaes parasitrias e oxidao.

  • 20AR

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    IN-

    BISS

    AU

    As condies climticas surgem assim como

    um factor essencial a considerar no projecto de

    um edifcio, seja ele moderno ou tradicional.

    O urbanismo nos trpicos requer tambm con-

    sideraes relativamente a tcnicas de planea-

    mento e reabilitao urbanos. Nas zonas hmidas

    a movimentao do ar necessria para a manu-

    teno do conforto. As prprias ruas devem ser

    orientadas de forma a aproveitar as brisas, e a ar-

    borizao no deve impedir a circulao do ar,

    sendo as rvores altaneiras como a palmeira as

    mais aconselhveis.

    Os edifcios, tendo alguma diferena de alturas

    podem promover a ventilao, e actuar no som-

    breamento adjacente uns dos outros. Ruas com

    um traado regular, e espaos amplos entre os

    edifcios, tambm facilitam a ventilao.

    Na densificao em baixa altura devem ser consi-

    derados os custos com a infra -estrutura, o consumo

    { FIG. 1.7 } Modernizao desadequada da arquitectura tradicional. { FIG. 1.8 } O arquitecto dever ter a capacidade de fazer a simbiose entre as influncias adquiridas no exterior com as tradies e vivencias locais.

    energtico em combustvel, a reduo da diversidade

    social, a destruio da natureza circundante, entre

    outros factores da expanso humana. Investigaes

    levadas a cabo por economistas latino -americanos

    permitiram determinar que preparar um lote com

    servios nos subrbios para a construo de uma vi-

    venda e custear os servios, facilidades, transporte,

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    equipamentos, custa a um pas at 16 vezes mais

    que o mesmo num centro urbano consolidado.

    O desenvolvimento de cidades intermdias como

    estratgia para alvio das cidades grandes, criando-

    -se oportunidades de progresso entre elas, deve ser

    uma prtica corrente. Evitar a expanso da cidade ao

    infinito e estabelecer os seus limites atravs de cor-

    redores biolgicos urbanos uma ferramenta aplic-

    vel nos trpicos, com muitas garantias de xito.

    O urbanismo tropical depende de solues p-

    blicas e privadas:

    } Melhor aproveitamento do tecido urbano, dotando-

    -o de infra -estruturas, e passando as actividades

    pblicas para os pisos superiores dos edifcios;

    } Aplicao do princpio da intensidadedensidade,

    procurando -se equilibrar a populao com a ener-

    gia das suas actividades urbanas. A previso de ex-

    tensas reas para a intensidade de vida urbana

    { FIG. 1.9 } A integrao e valorizao de materiais locais associados a tipologias e materiais modernos reforam a identidade cultural e facilitam a integrao no meio ambiente.

    { FIG. 1.10 } Arquitectura o retrato, o resumo, da cultura e do meio em que surge, da gente que a produz...

    { FIG. 1.11 } Sombreamento de edifcios por palmeiras, com espao livre para ventilao natural.

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    uma boa prtica porque torna a cidade mais homo-

    gnea, e evita a segregao entre reas deprimidas

    e animadas;

    } Criao de instrumentos imediatos e efectivos (pa-

    ralelamente aos planos directores), que permitam

    atingir objectivos urbansticos mais precisos e urgen-

    tes, evitando -se a utopia de ordenao e o fomentar

    da negligncia oportunista. Isso implica a definio

    de prioridades por parte da administrao, determi-

    nando quais as cidades previstas, desenvolvendo ins-

    trumentos de aco e aplicando -os a curto prazo.

    } Definio de limites dentro dos limites da peri-

    feria da cidade, permitindo maior controlo e reali-

    zaes mais efectivas;

    } Incorporao de vegetao no desenho das ruas;

    previso de materiais ecolgicos e adequados ac-

    o da chuva e do sol, na construo de estradas;

    } Correcto dimensionamento das solues de per-

    meabilizao e escoamento das guas pluviais,

    evitando o seu acesso aos rios; sobre -elevao

    dos edifcios do solo; previso de reas de reten-

    o para controlo da gua nas grandes avenidas,

    evitando -se inundaes e eroso;

    } Manipulao do vento dentro das cidades, atravs

    de corredores, pois permite baixar a temperatura da

    ilha de calor, e quando associada ao solo, fachadas,

    e coberturas jardinadas, a frescura efectiva.

    Em termos de Instrumentos de gesto urbana,

    ainda nos anos 90 foram aprovados o Regulamen-

    to Geral da Construo e Habitao (actualmente

    designado Regulamento Geral para a Construo

    e Urbanismo na Guin -Bissau aps reviso em

    2006), e a Lei do Ordenamento Territorial e Urba-

    no, para Bissau, e elaborados Planos de Ocupa-

    o do Solo, para sete cidades (Bafat, Gab,

    Farim, Bissor, Canchungo, Buba, e Cati), que

    servem de instrumentos de base no uso e ocupa-

    o do solo (A. Ramos, 2007). O Regulamento

    { FIG. 1.12 } Incorporao de vegetao no desenho da rua, funcionando simultaneamente como corredor de manipulao do vento, e ao mesmo tempo protegendo a estrada da aco das chuvas. A inclinao das bermas propcia ao escoamento superficial da gua das chuvas, directamente para os jardins laterais.

    { FIG. 1.13 } Edifcio ecoturstico sobre -elevado do solo, protegendo -o da humidade do terreno, relevante na poca das chuvas.

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    Geral para a Construo e Urbanismo na Guin-

    -Bissau regulamenta a execuo de novas edifi-

    caes, e de quaisquer obras de construo civil

    (reconstruo, ampliao, reparao, ou demoli-

    o), ou ainda trabalhos que impliquem a altera-

    o da topografia local, dentro do permetro urba-

    no, e das zonas rurais de proteco fixadas para as

    sedes de Municpio e Sector, e para as demais lo-

    calidades sujeitas por lei a planos de urbanizao

    e expanso (MOPCU, 2006).

    No que toca problemtica da habitao, esta en-

    globa invariavelmente o alojamento, infra -estruturas

    sanitrias e de saneamento, energia, educao, equi-

    pamentos, e emprego, mais especificamente no res-

    peitante s suas carncias. Actualmente a carncia

    habitacional predomina na capital (onde se situam os

    principais equipamentos colectivos) devida em parte

    ao enorme xodo rural, e falta de planeamento urba-

    no. A malha urbana no tem acompanhado a evoluo

    da cidade, adoptando -se pelo contrrio solues de

    urbanizao de mais bairros e de concesso de terre-

    nos para a construo de forma liberal, sem conside-

    raes no mbito do saneamento bsico, ou infra-

    -estruturao de apoio (instalaes elctricas, redes

    de abastecimento de gua, telefone, ou mesmo vias

    de acesso). A falta de manuteno dos edifcios e

    infra -estruturas antigas apenas mais um factor de-

    terminante na degradao da cidade.

    Assim, no panorama actual identificam -se os se-

    guintes problemas:

    } Falta de identidade urbana nas principais cida-

    des, gerada pela construo livre e espontnea

    { FIG. 1.14 } A construo de uma cidade moderna implica: organizao e planeamento participativo; promoo da mudana de mentalidade; e investimento (rentabilizao da cidade e captao de recursos).

    { FIG. 1.15 } Perante a actual situao econmica, as relaes entre a Arquitectura/Planeamento urbano e o trpico devem ser encaradas, principalmente em termos da contribuio que possam trazer para o rendimento do nvel econmico e social das classes ainda hoje marginalizadas da evoluo e do progresso da tcnica, e que representam a imensa maioria entre os que vivem nos trpicos.

    { FIG. 1.16 } Edifcios na zona de Bissau velho evidenciando degradao dos materiais exteriores e aparecimento de vegetao indesejada.

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    } Carncia em termos de infra -estruturas habita-

    cionais, de transportes colectivos, energia, higie-

    ne e saneamento bsico

    } Degradao acentuada de edifcios coloniais e

    vias de circulao

    } Deficincia no fornecimento de energia elctrica

    } Desconforto no interior e rpida degradao dos

    edifcios em geral devido a agentes atmosfricos

    } Transio das casas vernaculares tpicas no meio

    rural, para moradias atpicas

    1.3 Medidas de interveno

    No diagnstico da construo e habitao na Guin-

    -Bissau prope -se possveis solues, consideran-

    do -se tambm propostas de Pereira (2001) e A. Ra-

    mos (2007):

    } Desenvolvimento de polticas de promoo ha-

    bitao e aces de saneamento, definindo -se os

    objectivos, as prioridades, e os instrumentos ne-

    cessrios sua implementao

    } Desenvolvimento de polticas de expanso, e de

    conservao ou recuperao do patrimnio arqui-

    tectnico e infra -estrutural colonial

    } Investimento em tecnologias e materiais de

    construo de fabrico local, mais adequados ao

    clima, com vista reduo das necessidades de

    importao e aumento do conforto e durabilidade

    } Promoo da coordenao entre as diversas re-

    as intervenientes na cidade (transportes, comr-

    cio, indstria, etc.);

    { FIG. 1.17 } Edifcios contguos numa das principais avenidas da cidade de Bissau (Mercado de Bandim), evidenciando caractersticas arquitect-nicas e construtivas bastante diferentes entre si, e independentes dos edifcios tpicos do centro da cidade, na sua maioria coloniais. Por um lado um edifcio de 2 pisos com comrcio no rs -do -cho e armaduras de espera para o seu prolongamento em altura, tipificando uma construo

    que tem proliferado na sub -regio ocidental africana; a cobertura plana e as fachadas a descoberto, com elementos estruturais em beto armado. Por outro lado uma habitao horizontal de baixo custo, com paredes de adobe, e cobertura de zinco de 4 guas, protegendo as 4 fachadas. Este tipo de construo tpico dos arredores da cidade e no interior, tendo vindo a substituir a tradicional palhota de colmo e taipa.

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    } Criao de incentivos e mecanismos para o fo-

    mento de uma participao mais activa do sector

    privado, atravs de investimentos no mercado

    imobilirio, construo civil e obras pblicas

    } Criao de um plano estratgico de formao de

    tcnicos, a diversos nveis, com competncia para

    implementar e executar as polticas definidas para

    os diversos sectores

    } Promoo de aces e campanhas com vista

    mudana de mentalidades e promoo de compor-

    tamentos de cidadania adequados vida urbana

    } Criao de mecanismos de controlo da qualidade e

    tipo de construo, bem como instrumentos de ges-

    to urbanstica, que evitem o caos urbanstico

    } Valorizao das caractersticas da habitao

    tradicional

    } Desenvolvimento de polticas de encorajamento

    das populaes rurais fixao nos seus locais

    tradicionais de residncia; criao das autarquias

    regionais, e desenvolvimento dos equipamentos

    colectivos adequados

    } Maior planificao, traduzido em planos de urbani-

    zao, acompanhados de redes elctricas, e de sane-

    amento bsico (gua, esgotos, recolha de lixo, etc.)

    } Reabilitao ponderada dos edifcios, adequando-

    -os realidade urbana actual

    } Investimento em tecnologias associadas s

    energias renovveis

    } Melhoria dos projectos, com vista diminuio

    de necessidades energticas em edifcios

    } Requalificao e integrao dos edifcios exis-

    tentes, para que apresentem as necessrias condi-

    es de habitabilidade

    } Adopo de regras construtivas que propiciem

    maior conforto no interior dos edifcios

    No prximo captulo so descritas as principais

    tipologias arquitectnicas existentes na Guin

    Bissau sendo de seguida traadas estratgias de

    sustentabilidade, em termos do projecto bioclim-

    tico dos edifcios, do uso de energia, da gua, e

    do saneamento.

    { FIG. 1.18 } Bungalow inserido no logradouro de um conjunto habitacional tirando partido do sombreamento natural e dos materiais locais: revestimento de pedra, que resiste bem ao desgaste provocado pela aco das chuvas, cobertura em colmo, bastante mais fresco, protegendo do calor intenso, e revestimento interior em esteiras feitas com taras de cana e bambu local. No pavimento aproveitamento de pedaos irregulares de cermica partida.

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    { captulo 2 }

    Tipologias arquitectnicas

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    Na Guin -Bissau identificam -se, de forma geral, qua-

    tro tipologias arquitectnicas: a arquitectura vernacu-

    lar, a arquitectura colonial, a arquitectura contempo-

    rnea corrente, e tambm as recentes edificaes para

    ecoturismo. Na arquitectura tradicional, encontram -se

    solues construtivas simples, inspiradas na seguran-

    a, no conforto e em crenas religiosas, patrimnios

    de grande valor cultural, reveladores de profundos co-

    nhecimentos empiricamente adquiridos. Na arquitec-

    tura tpica colonial a utilizao da rgua e do esqua-

    dro mais evidente, com interveno clara de tcnicos

    especializados, bem como nos edifcios com tendn-

    cias contemporneas, actualmente distribudos um

    pouco por todo o territrio.

    { 1 } Arquitectura vernacular casas de palha, em

    zonas rurais, com paredes de taipa ou adobe e co-

    bertura de colmo.

    { FIG. 2.1 } Arquitectura vernacular: Casa do Rgulo de Gab.

    { FIG. 2.2 } Edifcios da poca colonial, com varanda saliente.

    { 2 } Arquitectura colonial moradias construdas

    no perodo de administrao portuguesa no centro

    das principais cidades (Cacheu, Bolama, Bissau,

    Gab), abarcando diferentes estilos, elementos

    formais e tcnicas construtivas.

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    { 3 } Tendncias contemporneas moradias contem-

    porneas com elementos estruturais de beto armado,

    paredes de tijolo cermico ou blocos de beto, e co-

    bertura de telha, na periferia dos centros urbanos;

    { FIG. 2.3 } Edifcio contemporneo atpico construdo no alto Bandim.

    { 4 } Construo para ecoturismo com predileco

    pelo uso de materiais naturais como a terra, a madei-

    ra, e o colmo.

    { FIG. 2.4 } Construo para ecoturismo.

    { QUADRO 2.1 } Classificao das tipologias arquitectnicas da Guin -Bissau. Casas a cinzento indicam ocorrncias que no correspondem situao tpica ou mais usual.

    Caracterstica Descrio Tipologias Vernacular Colonial Contempornea Ecoturismo

    Tipo de insero

    Rural

    Urbano

    Periurbano

    Materiais de parede

    Taipa

    Adobe

    Adobe reforado

    Blocos de beto

    Tijolo

    Materiais de cobertura

    Colmo

    Zinco

    Aluzinco

    Fibrocimento

    Telha

    Beto

    Promotor

    Pblico

    Privado

    Cooperativa

    Autoconstruo

    Tipo de uso

    Unifamiliar

    Colectiva

    Administrativo

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    O tipo de construo pode ainda ser distinguido

    consoante os agentes, que se dirigem a estratos socio-

    econmicos diferentes. Por um lado a promoo pbli-

    ca destinada essencialmente a famlias com fraco po-

    der econmico, por outro o sector privado que promove

    habitaes para um estrato social economicamente

    mais estvel (rendimentos mdios a elevados), e num

    plano intermdio o sector cooperativo, que procura

    responder s necessidades de uma pequena burguesia,

    organizando -se normalmente nos ministrios ou insti-

    tuies, destinado aos funcionrios. Existe ainda a

    construo popular no consolidada em espao urba-

    no, no controlada pelos mecanismos administrativos,

    praticada em ambiente peri -urbano ou infiltrada em

    bairros j existentes, sem qualquer plano de base.

    2.1 Arquitectura vernacular

    A sociedade guineense possui uma multiculturalida-

    de caracterizada pelas diversas etnias, cerca de 30,

    cujas particularidades se reflectem na lngua, usos e

    costumes, na organizao espacial e ordenamento

    { FIG. 2.5 } Distribuio dos grupos tnicos pelas regies.

    { FIG. 2.6 } Relaes funcionais entre a casa e o meio ambiente.

    Modos de vida

    Actividade econmica

    Meio fsico

    Materiais de construo

    Condies de segurana

    Casa

    do territrio, na construo das habitaes e mate-

    riais utilizados, bem como na simbologia e crenas

    religiosas. Tal diversidade poderia ainda estender -se

    gastronomia, prticas rituais, manifestaes festi-

    vas e actividades de natureza econmica.

    A arquitectura vernacular engloba as habita-

    es mais ancestrais do territrio, designadas ca-

    sas de palha, cuja tcnica de construo foi sen-

    do transmitida de gerao para gerao. Esta

    arquitectura de autoconstruo, espontnea e sem

    interveno de tcnicos especialistas, respeita no

    entanto uma ordem interna com fundamentos nos

    usos e costumes seculares dos diversos grupos t-

    nicos, os quais conservam a sua tradio.

    As casas de arquitectura vernacular encontram -se

    distribudas pelo pas com caractersticas globais mui-

    to prximas e detalhes nicos conforme o grupo tni-

    co, estabelecendo -se entre a casa e o meio ambiente

    as relaes funcionais focadas na { FIGURA 2.6 }.

    Tradicionalmente a populao rural tem as suas ac-

    tividades repartidas entre a agricultura, a pesca e a

    pastorcia, o que influencia a organizao das habita-

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    es em moranas1 dispersas ou concentradas. Por

    exemplo o grupo Balanta sendo dedicado agricultura

    assenta -se em moranas dispersas por bolanhas (pn-

    tanos para o cultivo do arroz), enquanto os Bijag que

    se dedicam mais pesca, e os Manjaco dedicados a

    culturas rotativas, apresentam moranas concentradas.

    O conjunto de vrias moranas forma o povoamento.

    Os povoamentos com moranas dispersas vo

    usufruir de melhores condies de ventilao natu-

    ral, embora todos sejam inseridos em meios natural-

    mente arborizados por rvores altaneiras, que no s

    promovem a ventilao, como tambm conferem um

    adequado sombreamento s habitaes, e proteco

    contra a aco directa da gua das chuvas.

    As tcnicas de construo associadas a alguns

    grupos tnicos apresentam -se de seguida, de acordo

    com o seu modo de vida. Foram consultadas obras de

    diversos autores para a elaborao do texto seguida-

    mente apresentado sobre arquitectura vernacular,

    nomeadamente de J. Arajo, Franklin Sousa, Augus-

    to Lima, A. Meireles, Avelino Mota, Ventim Neves, e

    Fernando Quintino (em A. Mota, ed., 1948).

    Balanta

    As habitaes Balanta so caracterizadas por pa-

    redes de barro, cobertura de paus rijos revestidos

    de capim, sobre um forro (tecto).

    As construes so iniciadas na poca seca, duran-

    te os meses mais quentes a seguir ao perodo das chu-

    vas, Maro ou Abril, e decorem em mdia 2 meses,

    desde o levantamento das paredes at execuo da

    cobertura. Primeiro escolhe -se o local, cumprem -se as

    praxes cerimoniais religiosas, e antes de se iniciar a

    construo propriamente dita, a planta da casa tra-

    ada numa clareira, com todas as suas divisrias.

    No h interveno de pessoal especializado,

    o prprio interessado que edifica a sua casa, re-

    correndo ajuda de parentes ou amigos, em troca

    de qualquer tipo de remunerao, em geral, gado

    abatido e comido em comunidade, acompanhado

    de algumas bebidas espirituosas.

    As paredes so erguidas por camadas de 1 metro,

    com barro amassado com palha de arroz para aumentar-

    -lhe a consistncia, e aps o endurecimento ao sol da

    primeira camada, colocada a camada seguinte, at

    se atingir os 3 metros de altura. Nos intervalos de es-

    pera para o endurecimento das camadas, rene -se o

    material necessrio para a fase seguinte: paus para o

    forro, geralmente paus de mangal, por serem mais re-

    sistentes e menos vulnerveis ao ataque dos bichos,

    canas para o ripado do telhado, fibras para as ligaes,

    extradas de pau de cibe, e colmo para a cobertura.

    { FIG. 2.7 } Casa vernacular Balanta, evidenciando -se a constituio da cobertura por colmo aplicado sobre uma trama de bambu e paus de mangal. As paredes so de adobe ou taipa, e os pilares de tronco de palmeira.

    1. Agrupamentos de casas de indivduos pertencentes mesma famlia, ao mesmo grupo etrio, ou gnero.

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    Ao mesmo tempo que se constroem as paredes,

    fazem -se recipientes no interior, tambm em bar-

    ro, para guardar o arroz, os quais no poderiam

    depois entrar pelas portas. O pavimento feito de

    terra batida, levando uma camada de barro mistu-

    rado com palha de arroz, e em alguns casos excre-

    mentos de animais. No so feitas fundaes, sen-

    do essa camada de reforo que impede que a gua

    das chuvas afecte a base das paredes.

    O tamanho da casa funo das necessidades

    do chefe de famlia: nmero de mulheres, nmero

    de filhos, quantidade de arroz a armazenar, quan-

    tidade de gado a recolher, etc. A preocupao

    com a segurana est patente no s nos mate-

    riais empregues, como na arquitectura interior

    da habitao, e deve -se maioritariamente aos

    costumes desta etnia, onde aos jovens permiti-

    da uma vida bomia tal, que leva existncia de

    roubos de natureza engenhosa e demais actos

    menos lcitos. Com a actividade econmica base-

    ada na cultura de arroz, so projectados nas ha-

    bitaes espaos prprios para o armazenamento

    deste, denotando uma preocupao bvia com a

    segurana contra roubos.

    { FIG. 2.8 } Forro da cobertura, em quirintin, que no s protege o interior da habitao em caso de incndio, como tambm permite a sua ventilao adequada, sendo ainda utilizado para guardar lenha no tempo das chuvas. O quirintin um entranado de varas de bambu, muito utilizado na construo vernacular guineense.

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    A ocupao profissional determina a localizao

    das povoaes, nas proximidades dos pntanos

    onde cultivado o arroz, de onde advm porm al-

    guns inconvenientes como a proliferao dos mos-

    quitos. Consequentemente, o Balanta atribui uma

    disposio especial s suas casas, dotando -as em

    geral de quartos sem janelas, e havendo alguma,

    pequena, no quarto do dono da casa e virada para

    a varanda. A ventilao feita atravs de pequenos

    orifcios vedados com 10 cm de dimetro.

    A cobertura de colmo seco, torna o perigo com

    o fogo bastante real, logo, as casas levam um for-

    ro especial, constitudo por um gradeamento de

    madeira revestido de barro, sobre o qual assenta a

    estrutura do telhado.

    Por todos os cuidados j referidos, a habitao

    caracteriza -se tambm por uma longevidade ele-

    { FIG. 2.9 } Planta de uma casa bijag.

    vada, mantendo -se em bom estado de conserva-

    o durante anos. Apenas o colmo tem de ser

    substitudo regularmente. Este funciona como

    bom isolante, e encontra -se em abundncia, sen-

    do o nico inconveniente a humidade proveniente

    das chuvas, e a aco de insectos.

    A casa tradicional tpica de forma arredondada,

    possui uma parede direita na fachada principal,

    donde se alarga uma varanda em arco, que serve

    no s de cozinha, como tambm de sala de visi-

    tas e de refeitrio.

    Bijag

    Os Bijags vivem num arquiplago composto por

    ilhas muito prximas umas das outras, com rvo-

    res imponentes, e plantas herbceas e sub-

    -arbustivas. As suas habitaes apresentam um

    carcter concentrado no meio da arborizao.

    Neste grupo tnico as casas so predominante-

    mente circulares, construdas com recurso aos se-

    guintes materiais:

    } Barro: terra vermelha amassada com gua, em

    propores livres (quanto baste);

    } Cana: utilizada para suportar a cobertura, abun-

    dante em algumas ilhas, e com uma forma mais

    direita para o assentamento da palha, o que a tor-

    na esteticamente mais agradvel do que as varas

    de mangal; no entanto, a nica preocupao en-

    contrar tamanhos razoveis de um ou de outro que

    alcancem do cume ao beiral da casa;

    } Corda: tiras das folhas de palmeira, previamente

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    batidas e metidas em gua, de forma a perderem a

    seiva, propcia aos insectos, conservando malea-

    bilidade e rigidez;

    } Colmo: capim entranado e tecido ao cho, para de-

    pois ser colocado por cima da estrutura da cobertura.

    No local onde vai ser erguida a habitao

    marcado o centro da habitao com um pau crava-

    do no cho. A partir deste traam -se trs circun-

    ferncias concntricas, correspondendo o crculo

    interior casa principal, o espao livre entre este

    e a circunferncia intermdia utilizado como va-

    randa interior ou corredor, e por fim a varanda ex-

    terior limitada pelo crculo exterior.

    O processo construtivo inclui 3 fases, elevao

    das paredes, alisamento do pavimento e execuo

    da cobertura. A elevao das paredes feita de dois

    em dois dias, por camadas, dando um dia de inter-

    valo para a secagem das camadas de barro. Nos dias

    de intervalo alisa -se o cho com palmatrias de

    madeira e deitando -lhe gua. A tarefa de amassar o

    barro da responsabilidade das mulheres solteiras,

    { FIG. 2.10 } Instalao sanitria exterior casa Ilha de Bubaque.

    enquanto as paredes so elevadas pelas mulheres

    casadas, e a cobertura executada pelos homens.

    A casa principal de forma cilndrica tem um raio

    mdio de 2,20 m e a altura de 3,60 m. Neste espao

    encontram -se as camas em terra batida destinadas

    aos donos da casa, bem como a cozinha que con-

    siste em 3 pedras onde assenta o caldeiro. As por-

    tas desta diviso possuem 1,60 m de altura por 46

    cm de largura, com 10 cm de soleira, para o interior

    e para o exterior. As paredes da casa tm uma es-

    pessura de 30 cm. O tecto encontra -se a 2 metros

    de altura, e constitudo por 6 traves de pau de

    { FIG. 2.11 } Armao para a parede e cobertura de uma casa fula.

    { FIG. 2.12 } Pormenor de uma parede Fula, com uma base de entramado de canas rebocada com barro, lembrando a tcnica da taipa de fasquio ou tabique.

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    mangal entranado, atravessados por cima por ou-

    tros troncos agarrados uns aos outros, deixando um

    espao lateral livre de um metro que permite subir

    para a espcie de sto que se forma por cima,

    e permitindo ventilar a cobertura.

    O corredor ou varanda interior em geral com dois

    metros da largura, limitado exteriormente por uma

    parede circular intermdia de 1,80m de altura, e es-

    pessura de 20cm. Este espao compreende uma sala

    de visitas, um quarto, um pequeno hall, e um quarto

    { FIG. 2.13 } Remate da armao da cobertura.

    { FIG. 2.14 } Pormenor da armao de uma cobertura (regio de Tombali).

    de hspedes. A varanda exterior circunda toda a

    casa, numa largura de 1m, e altura de 1m.

    A casa no tem janelas, e as portas so feitas

    com madeira do Poilo (rvore tropical de troncos

    fortes). No topo da cobertura executado um remate

    de sensivelmente 40cm, composto por um pau verti-

    cal amarrado ao travejamento e forrado com o colmo

    da cobertura. Este elaborado remate tem o fim til

    de evitar a infiltrao das guas da chuva.

    Estas casas, tpicas palhotas redondas benefi-

    ciam de um sombreamento eficaz, conferido pela

    cobertura, prolongada quase at ao cho. Aliado ao

    isolamento do forro, e do colmo, e ausncia de

    janelas, a frescura interior fica garantida. A grande

    inclinao da cobertura garante um bom escoamen-

    to da gua das chuvas, e menor exposio solar.

    Fula

    O material preponderante na construo de uma casa

    fula sem dvida o bambu. Com seces de 3 a 5 cm,

    o bambu cortado longitudinalmente em 4 partes, e

    aps retirar -se o revestimento interior, tecido em es-

    teiras, formando uma estrutura mais espessa que ser

    o principal constituinte das paredes (quirintin), cons-

    trudas fixando este entranado de bambu a estacas

    previamente espetadas no cho, posteriormente re-

    vestido de lama no interior e no exterior, ou alternati-

    vamente em apenas uma das faces.

    A estrutura da cobertura construda em separado

    tambm com canas de bambu, previamente secas, e s

    depois colocado sobre as paredes da casa, com compri-

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    { FIG. 2.15 } Casa vernacular Manjaca sector de Canchungo.

    mento at 2 metros. Caso as paredes sejam muito al-

    tas, a cobertura constri -se directamente sobre elas. O

    revestimento de colmo disposto por camadas de bai-

    xo para cima, e rematado com um tufo de capim, cuja

    principal funo barrar a entrada da gua das chuvas

    na juno das estacas da estrutura da cobertura.

    Manjaco

    Os Manjacos utilizam maioritariamente a forma rec-

    tangular, desde a poca colonial, com o objectivo

    de reduzir o valor dos impostos, que incidia sobre o

    nmero de quartos da habitao, e na casa rectan-

    gular possvel aproveitar bem o espao sem efec-

    tuar muitas subdivises.

    Os materiais utilizados so o barro amassado

    com a gua e os paus de mangal. O barro extra-

    do perto do local onde se pretende erguer a habi-

    tao, sendo molhado com gua e amassado for-

    mando pequenas bolas.

    No local escolhido, feito um alicerce com pro-

    fundidade entre 10 a 50cm, no contorno das pare-

    des exteriores, com a largura destas (20 a 25cm).

    O alinhamento das paredes feito com cordas de

    palmeira e pequenas estacas, e estas so erguidas

    por camadas de entre 40 a 70cm (sendo mais co-

    mum as camadas serem de 50cm), alisadas com p

    de arado, que levam em mdia 5 dias a secar e ga-

    nhar consistncia, perodo de espera entre a execu-

    o de duas camadas sucessivas.

    Aps as paredes estarem completamente ergui-

    das, constri -se o forro ou tecto a 2m do cho, atra-

    vs de um sistema de grades com paus de mangal a

    aguentarem paus de tara unidos, atravessados por

    cima. Sobre as taras so colocadas folhas de bana-

    neira ou palmeira de modo a evitar que a camada de

    barro que se lhe sobrepe caia para o interior.

    A camada de barro evita a propagao rpida do

    fogo em caso de incndio por queda directa do col-

    mo da cobertura para o interior da casa. Desta forma

    pode -se ganhar um tempo de resistncia ao fogo de

    30 minutos, o suficiente para pr a salvo as vidas hu-

    manas, os animais e o recheio da habitao.

    A construo da cobertura inicia -se logo aps

    a secagem da camada de barro colocada por cima

    do forro do tecto. A estrutura da cobertura de duas

    (ou quatro) guas sustentada por colunas de

    pau de mangal ou pau carvo, que partem do forro

    ou do cho e terminam em forquilha, permitindo

    assentar o pau de fileira tambm do mesmo mate-

    rial (cumeeira da cobertura). Deste ltimo partem

    outros paus, que vo at ao beiral da cobertura,

    onde so amarrados com cordas de palmeira, bem

    como todos os outros paus entre si, pois no h

    recurso a pregos nesta construo. De seguida

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    executa -se a ripagem por cima destes, com canas

    amarradas tambm com cordas de palmeira.

    volta das paredes exteriores da casa ergui-

    da uma varanda com uns 20cm de altura acima do

    cho e com largura varivel entre 1 e 1,5m, cuja

    funo principal proteger a habitao da pene-

    trao da gua das chuvas. Por ltimo a casa co-

    berta com palha, vinda das lalas ou do mato e en-

    tranada com corda feita de tara.

    Estas habitaes caracterizam -se pela inexistn-

    cia quase total de janelas. Para a ventilao e clari-

    dade, so abertos orifcios quadrados de 30cm de

    lado, a uns 2 metros de altura, geralmente apenas no

    { FIG. 2.16 } Interior de uma cobertura Manjaca com folhas de palmeira e armao de troncos.

    quarto do dono da casa. Nos restantes compartimen-

    tos so abertos buracos circulares ao nvel do cho

    entre 3 e 6, com 7 a 8cm de dimetro, ou quadrados

    com 15cm de lado. As portas de madeira de poilo,

    so colocadas a 30 ou 40cm acima do nvel do cho,

    com dimenses variveis, sendo comuns alturas en-

    tre 1 e 1,2m, e larguras entre 60 a 80cm.

    Mancanha

    A casa rural dos Mancanhas situa -se geralmente

    sombra de um poilo, de mangueiros ou cajueiros

    no interior de um pequeno bosque. A proximidade

    das lalas evitada principalmente devido aco

    dos mosquitos, mais acentuada nas zonas onde

    assentam (sectores de Bula, Canchungo e Farim).

    As habitaes so redondas nas moranas dos ho-

    mens grandes ou rapazes que j constituram fa-

    mlia (tantas quanto o nmero de mulheres que

    possuem), e quadradas ou rectangulares no caso

    de jovens at a idade dos 14 anos.

    As palhotas redondas so constitudas por pa-

    redes de taras de bambu, revestidas com lama ar-

    gilosa, e cobertura de palha em formato de sino,

    enquanto as casas rectangulares so de paredes

    de adobe, as primeiras com maior conforto trmi-

    co do que as segundas, por serem mais ligeiras,

    e levarem o revestimento de barro.

    O processo construtivo inicia -se com a fixa-

    o das estacas de cibe ou de pau carvo no solo,

    com comprimentos entre 1,5m e 2m, que servem

    de suporte armao da palhota (construda

  • 37

    parte, pelos homens grandes, os nicos capa-

    zes de iniciar na perfeio a execuo desta ar-

    mao interior). Depois de concluda, a armao

    colocada por cima do conjunto de estacas, e

    coberta de colmo tecido com fibras de palmeira

    de modo a formar uma passadeira que desenro-

    lada por cima da armao da casa. De seguida

    monta -se o quirintin que serve de parede, levan-

    do por cima um revestimento de lama. Por fim

    monta -se o tecto, uma espcie de forro feito com

    canas, e a porta de madeira.

    Nas palhotas a armao da cobertura consti-

    tuda por um ripado de canas cruzadas formando

    uma espcie de grelhas, e nas casas rectangulares

    por cibe atravessado por canas presas armao

    com fibras de palmeira.

    As casas de arquitectura vernacular podiam h

    umas dcadas atrs ser classificadas de acordo

    com a sua forma, tcnica de construo utilizada

    e os materiais aplicados.

    As paredes ligeiras de entranado de bambu sal-

    picadas de lama beneficiam da permeabilidade do

    { FIG. 2.17 } Entrada de um povoamento Mancanha.

    primeiro ventilao natural, e da inrcia trmica da

    segunda, principalmente se o revestimento for pelo

    exterior, originando habitaes interiormente mais

    frescas. As paredes de terra macia tambm tiram

    partido da inrcia trmica do material, sendo massas

    trmicas eficazes no combate ao calor exterior.

    A planta de forma redonda foi a tradicionalmente

    mais utilizada, com telhado geralmente cnico, de

    seco convexa, recta ou em forma de sino, associada

    a crenas animistas de que o esprito dos antepassa-

    dos permanece assim no interior da habitao.

    A estrutura de sustentao do telhado consti-

    tuda por canas amarradas, que podem vir directa-

    mente apoiadas nas paredes exteriores, ou pelo

    contrrio em estacas independentes, neste caso

    com maiores vantagens para a ventilao natural,

    pois assim a cobertura fica suspensa sobre a habi-

    tao funcionando como uma pala, muito bem are-

    jada. Por outro lado, quando a cobertura vem apoia-

    da directamente sobre as paredes, tambm existe

    possibilidade de ventilao pela armao desta.

    Noutros grupos as estacas so ainda apoiadas

    numa viga transversal de madeira, e num conjunto

    de canas ou ramos (Blazejewicz,1983).

    A forma rectangular surgiu durante o perodo

    colonial, sendo actualmente a mais utilizada em

    quase todos os grupos tnicos, com telhados de

    duas ou quatro guas. Ainda na etnia Balanta

    encontra -se a casa tpica de forma arredondada,

    com varanda fechada ao redor.

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    { QUADRO 2.2 } Tipos de Habitao Vernacular.

    Grupo 1

    Casas de paredes de terra macia, com a cobertura apoiada nestas ou em prumos.

    Bijag, Papel: Casas redondas de paredes espessas em terra;

    Balanta: Casas arredondadas com paredes muito finas;

    Manjaco: Conforme a regio, encontram-se casas de planta em coroa elptica, coroa circular, (Pecixe e Cai respectivamente); Nos da regio de costa baixo as paredes no tm funo resistente, vindo a cobertura e o forro assentes em prumos de madeira;

    Felupe: Casa redonda ou rectangular de paredes espessas.

    Grupo 2

    Casas de paredes ligeiras feitas de entranados de bambu ou tara salpicados com lama, revestindo os prumos de suporte da cobertura, que independente das paredes.

    Mancanha: Casas redondas com paredes de taras de bambu (quirintin);

    Grupo 3

    Casas de paredes constitudas por terra amassada com palha de esteiras de bambu, ligadas aos prumos de suporte da cobertura.

    Fula, Mandinga: Casas redondas com paredes feitas com armao de esteiras de bambu (quirintin) ou palha (a mesma da cobertura) revestidas com lama;

    Nalus, Beafada: Casas redondas com paredes construdas com prumos verticais e varas horizontais, preenchidas com lama.

    Manjaca

    Papel

    Balanta

    Nalu/Beafada

    Mancanha

    Fula

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    Tendo em conta a diviso interior, as casas

    apresentam uma arquitectura simples, com divi-

    so interna ou sem diviso interna, neste ltimo

    com varanda exterior dividida e aproveitada.

    A adopo de plantas simples e varandas exterio-

    res, so estratgias interessantes, no sentido em que a

    primeira diminui a possibilidade de formao de ilhas

    de calor, evitando a existncia de muitos obstculos, e

    consequentemente de zonas activas. A segunda opo

    tem a vantagem de proteger no s as paredes da ac-

    o directa do sol e das chuvas, mas tambm de con-

    ferir a sobre -elevao necessria para a habitao su-

    portar a humidade do solo, e a corrente das chuvas.

    A predileco ancestral da forma redonda sobre

    a quadrada embora tenha conotaes religiosas e

    de culto, pode eventualmente dever -se ao facto da

    forma redonda termicamente funcionar melhor.

    O modelo de casa tradicional apresenta agora

    caractersticas mais uniformes por todo o territ-

    rio nacional, independentemente da localizao

    geogrfica, ou do grupo tnico dominante. As ca-

    ractersticas individualizadas por regies vo de-

    saparecendo, porque a distribuio dos grupos t-

    nicos tambm tem -se tornado mais homognea,

    sendo mais difcil encontrar uma regio apenas

    com um nico grupo tnico.

    Cnico Fula Seco recta Nalu Forma de sino Mancanha

    { FIG. 2.18 } Tipos de telhados Casa circular.

    { FIG. 2.19 } Pormenor da armao da cobertura Manjaca.

    Colmo

    Cana de Bambu (30 cm) amarrada com tiras de palmeira

    Cibe com 40 a 50 cm

    Cana de Bambu (com 40 a 50 cm)

    Cibe

    Fio da folha de palmeira

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    Quatro guas Balanta Duas guas Manjaca

    { FIG. 2.20 } Tipos de telhados Casa rectangular.

    A forma dominante a rectangular, com paredes

    de blocos de adobe simples ou taipa, e cobertura de

    palha ou chapa de zinco. Esta ltima embora pior em

    termos de desempenho trmico, muito utilizada

    pela facilidade de montagem e baixo custo da chapa,

    e por no necessitar de substituies peridicas,

    como acontece no caso da cobertura de colmo.

    Continua a ser muito usual a existncia de varan-

    da ao redor de toda a casa, num patamar sobreleva-

    do do cho em cerca de 20 a 50cm, com a cobertura

    apoiada em paredes, e em pilares de cibes. A varanda

    sombreada protege as paredes dos raios solares, e da

    gua das chuvas, e o espao entre a cobertura e as

    paredes promove a ventilao natural. A existncia

    de vos maiores e mais normalizados tambm ac-

    tualmente uma caracterstica constante.

    Um facto tambm muito comum tem sido o apare-

    cimento de construes contemporneas de um ou

    dois pisos em meio rural, na sua maioria de imigrantes

    que querem aproveitar o terreno anteriormente rural,

    para edificar uma nova habitao. O resultado a de-

    sintegrao da paisagem rural, e a perda de traos tra-

    dicionais e histricos da uma cultura nativa. A posio

    das autoridades administrativas, bem como o fomento

    ao desenvolvimento de habitaes de construo de-

    finitiva, em detrimento da casa vernacular, caracteri-

    zada de precria, no imparcial na promoo da ha-

    bitao e urbanismo locais.

    2.2 Arquitectura colonial

    A arquitectura colonial surge associada s edificaes

    construdas durante a poca de administrao portu-

    guesa, e varia nas suas caractersticas, desde constru-

    o macia setecentista, a estilos mais eclticos do

    incio do sculo 20, moradias tpicas dos anos 40 a 60,

    at edificaes acentuadamente modernistas.

    Os edifcios so na sua maioria moradias de p-

    -direito elevado, e varandas largas, isoladas com lo-

    gradouro volta, ou prdios de um andar, com rs-

    -do -cho reservado ao comrcio e varanda superior

    saliente. A cobertura em geral de telha, usando -se

    tambm o fibrocimento num perodo mais recente.

    Com a independncia, a Guin herdou um con-

    junto edificado de caractersticas especficas, bem

    como infra -estruturas de apoio, deixadas essen-

    cialmente nas cidades de Bissau, actual capital,

    Cacheu, Bolama, Gab e Bafat, que foram impor-

    tantes entrepostos comerciais na poca.

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    CAS

    A cidade de Bissau apresenta a estrutura or-

    ganizacional tpica das principais cidades dos

    pases que passaram pela colonizao portugue-

    sa, caracterizada por uma praa central, rodeada

    de edifcios administrativos, a partir da qual esta

    cresce, em traado regular, at atingir a perife-

    ria, onde podem ser encontrados bairros habita-

    cionais para os colonos e alguns para alojamento

    da populao local.

    At 1914 Bissau limitava -se entre o porto e as

    imediaes da fortaleza de S. Jos de Amura, par-

    te da cidade at hoje designada de Bissau velho,

    por ser a sua zona mais antiga.

    A expanso e crescimento para alm do forte,

    deu -se apenas na dcada de 20, procedendo -se

    abertura de mais ruas, construo da catedral, ce-

    mitrios, de entre os equipamentos colectivos.

    Na cidade de Bissau, existem ainda hoje, bairros

    habitacionais de casas sociais para as populaes

    locais que surgiram na poca colonial, devido ao

    { FIG. 2.21 } Edifcio da poca colonial, em Bissau

    acrscimo demogrfico que se deu na capital. o

    caso dos bairros de Santa Luzia e Ajuda.

    Nos bairros sociais, as habitaes so quase to-

    das de planta rectangular, com um alpendrado na fa-

    chada principal, providenciando uma boa proteco

    aco directa dos raios solares. Os materiais de

    construo utilizados so blocos de beto, e cober-

    turas de zinco, fibrocimento, ou telha.

    No bairro de Santa Luzia, a malha urbana mostra

    um esquema de habitaes alinhadas ao longo das

    estradas, notando -se um planeamento tipo rgua e

    esquadro, com espaos livres para ventilao, bas-

    tante diferente do arranjo funcional mais concen-

    trado dado pela populao rural nas suas casas tra-

    dicionais. A funcionalidade destas habitaes no

    constituiu uma resposta eficaz s necessidades da

    populao alvo na altura, mas hoje em dia, esses

    bairros constituem importantes ncleos habitacio-

    nais, solucionando parte da problemtica que o

    pas enfrenta, no que toca habitao na capital.

    { FIG. 2.22 } Casa colonial.

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    O p -direito elevado das construes coloniais,

    as varandas superiores salientes, janelas grandes e

    palas por cima dos vos denotam uma preocupao

    adicional na proteco contra o calor, humidade do

    solo e promoo da ventilao no interior.

    Eram na altura delineadas algumas recomenda-

    es de projecto, por exemplo prevendo uma sobre-

    -elevao em altura das construes em 50cm, deno-

    tando preocupaes com a humidade do solo.

    Existem preocupaes adicionais com a orientao,

    e a disposio das moradias, de forma a facilitar a

    ventilao. As varandas so por vezes fechadas, para

    a proteco contra os mosquitos, o seu pavimento

    um degrau abaixo do interior da habitao, para que

    a gua das chuvas no penetre. A sua cobertura re-

    vestida inferiormente, para que a camada de ar que

    a se forma, actue como cmara isolante.

    Os blocos de cimento vazados tambm utiliza-

    dos na construo colonial eram produzidos com

    areia e inertes de dimenso mais reduzida, com o

    cimento como ligante. O sistema tradicional de

    produo permitia obt -los no prprio local da

    obra, com o auxlio de formas unitrias ou mqui-

    nas que moldam 4 a 5 blocos de uma vez, com di-

    menses correntes de 40x20x20cm3.

    Tambm os chamados blocos de terra eram

    muito utilizados na poca colonial nas constru-

    es de e para os locais, em adobe ou em taipa.

    Denota -se a preocupao para que as cobertu-

    ras fossem ventiladas, e a sua inclinao acen-

    tuada, permitindo o rpido escoamento da gua

    das chuvas.

    { FIG. 2.23 } Casa Nunes e Irmo, com comrcio no rs-do-cho e habitao na zona superior.

    { FIG. 2.24 } Avenida de ligao entre a praa dos heris nacionais e o Cais, onde se encontra grande parte dos edifcios administrativos herana da poca colonial.

    { FIG. 2.25 } Diocese de Bissau.

    { FIG. 2.26 } Edifcio habitacional do bairro de Santa Luzia.

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    { FIG. 2.27 } Bairro de Santa Luzia.

    { FIG. 2.28 } Bairro social construdo na poca colonial para a populao local estado actual.

    { FIG. 2.29 } Casa Adlio.

    { FIG. 2.30 } Escola de ensino bsico Jos Antnio de Almeida (ou como tradicionalmente conhecida Escola de Padre).

    { FIG. 2.31 } Estado actual do edifcio da Cmara Municipal de Bolama.

    { FIG. 2.32 } Antigo edifcio administrativo no sector de Bolama, actualmente abandonado.

    { FIG. 2.33 } Bairro de Santa Luzia.

    { FIG. 2.34 } Bissau velho.

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    Grande parte dos edifcios coloniais encontra -se

    actualmente em fase avanada de degradao,

    justificando -se a sua reabilitao ponderada e requa-

    lificao, no sentido de serem dotados de novos usos,

    adequados realidade actual, e de forma a preservar

    as suas funcionalidades mais bsicas, como a seguran-

    a estrutural, conforto ambiental, e esttica.

    Actualmente, o modelo de casa isolada, com

    logradouro volta o mais utilizado em toda a ci-

    dade, sendo o modelo com que grande parte da

    populao na cidade se identifica, funcionando

    bem na promoo da ventilao na envolvente dos

    edifcios, e beneficiando de sombreamento se o

    espao adjacente for arborizado.

    2.3 Tendncias contemporneas

    Actualmente, a periferia das principais cidades vai sen-

    do dominada por moradias contemporneas, que privi-

    legiam a utilizao de materiais como o beto armado

    nos elementos estruturais, e tijolos cermicos ou blo-

    cos de beto nas paredes, com coberturas de telha.

    muito comum, essas moradias serem em du-

    plex, com um primeiro andar onde normalmente se

    situam as zonas de dormir, e varandas ou terraos.

    Os promotores desta construo so particulares com

    algum poder econmico, recorrendo a pequenas em-

    presas locais de construo, ou mais comummente,

    a um tcnico especializado na rea, sendo o acom-

    panhamento da obra efectuado pelo prprio dono da

    obra, em paralelo com o tcnico.

    O sombreamento conseguido atravs da va-

    randa corrida, no havendo muitas preocupaes

    com a promoo da ventilao.

    Denota -se muita preocupao em termos estti-

    cos, com influncias de uma construo mais euro-

    peizada, aparentando uma transladao quase exac-

    ta de modelos vigentes no estrangeiro, com pouca

    preocupao da sua adequao realidade local.

    Apesar do sombreamento dos vos, grande parte dos

    edifcios de dois pisos apresentam as fachadas a des-

    coberto, susceptveis aco do sol e da chuva.

    No caso das moradias de piso nico j se deno-

    ta maiores preocupaes com a ventilao, e tam-

    bm na proteco contra a chuva.

    Ainda nas zonas peri -urbanas encontram -se

    bairros de moradias sociais ou de cooperativa, tipi-

    camente rectangulares, com paredes de adobe re-

    forado, ou blocos de beto, e coberturas de zinco,

    so habitaes feitas com o apoio ou comparticipa-

    o do estado, o qual assume parte do seu custo,

    quer seja concedendo terrenos para urbanizao,

    ou atravs de fundos para o desenvolvimento. De-

    notam caractersticas contemporneas, resolvendo

    parte dos problemas habitacionais existentes.

    Os prdios de cooperativa apresentam caractersti-

    cas interessantes. No caso do edifcio dos Antigos Com-

    batentes a preocupao com a ventilao clara, pela

    disposio dos envidraados, e ventilao da cobertu-

    ra. Os prdios de Taiwan necessitam de maior manuten-

    o e conservao, principalmente na proteco contra

    a aco das chuvas. O tipo de coberturas utilizado no

    o ideal para o tipo de clima em questo, sendo mais

  • 45

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    aconselhvel o uso de coberturas inclinadas, e prolon-

    gadas em beiral para alm das paredes, tanto para esse

    ltimo como no caso dos prdios Pequeno Moscovo.

    No centro da cidade, (zona do mercado de Ban-

    dim) a avenida est preenchida de prdios (destina-

    dos ao comrcio) de contexto diferente, talvez deno-

    tando alguma influncia dos pases francfonos

    vizinhos. Geralmente o primeiro piso destinado ao

    comrcio sendo os restantes destinados habitao.

    muito usual a adopo de tijoleiras nas fachadas

    exteriores, para evitar a sua rpida degradao e ne-

    cessidade constante de reposio da pintura.

    Os edifcios para escritrios vo sendo mais co-

    muns na cidade de Bissau, apresentando tambm ten-

    dncias contemporneas. O Palcio do Povo e a sede

    do BCEAO1, so apenas alguns dos exemplos mais in-

    teressantes, este ltimo tambm com tijoleira no ex-

    terior ao invs de pintura, e envidraados reflexivos.

    Em zonas peri -urbanas, grande parte da popula-

    o pratica ainda contudo uma construo espon-

    tnea (auto construo), de carcter precrio, com

    carncia de infra -estruturas e sem qualquer plano

    de base. A procura de solues urbanas e arquitec-

    tnicas para as zonas de construo no consolida-

    da em espao urbano um desafio prioritrio.

    { FIG. 2.35 } Edifcio em construo no Alto Bandim.

    { FIG. 2.36 } Edifcios unifamiliares em duplex, no Alto Bandim, com preocupaes de sombreamento das janelas, e existncia de arborizao.

    { FIG. 2.37 } Moradia unifamiliar, zona de Antula. { FIG. 2.38 } Edifcio unifamiliar de piso nico no Alto Bandim, denotando preocupaes com ventilao, nas diversas aberturas que podem ser visualizadas.

    1. Banco Central dos Estados da frica Ocidental.

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    { FIG. 2.39 } Urbanizao Pequeno Moscovo, construdo atravs de cooperao bilateral com a ex Unio Sovitica.

    { FIG. 2.40 } Edifcio do bairro construdo para os funcionrios do Ministrio do Plano.

    { FIG. 2.41 } Muro de separao entre duas moradias isoladas num bairro de cooperativa, evidenciando preocupaes na promoo da ventilao.

    { FIG. 2.42 } Prdios novos ainda no habitados, construdos ao abrigo da cooperao com China, para alojamento dos ex -combatentes.

    { FIG. 2.43 } Prdio com alguma degradao pela aco prolongada da chuva e falta de manuteno.

    { FIG. 2.44 } Prdio na Avenida principal, com comrcio no piso trreo.

    { FIG. 2.45 } Palcio Colinas de Bo (Assembleia Nacional Popular).

    { FIG. 2.46 } Sede do BCEAO.

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    2.4 Construo para ecoturismo

    Dentro das tendncias contemporneas destaca -se

    um tipo particular de edificaes de qualidade,

    que merece relevo. O ecoturismo um segmento

    do turismo baseado em princpios que visam es-

    sencialmente a preservao dos recursos naturais.

    A sua prtica permite o intercmbio com a nature-

    za, dispondo -se dela de forma ponderada.

    A Guin -Bissau um pas rico em biodiversidades,

    e um mercado vivel para o turismo, que merece ser

    explorado de forma consciente. A maioria dos edif-

    cios ecotursticos inspira -se no modelo de habita-

    o vernacular. Desde a proteco dos ecossistemas

    at interaco com as populaes locais, geral-

    mente de elevado interesse cultural, histrico e so-

    cial, o ecoturismo uma forma inovadora e promis-

    sora de turismo sustentvel, onde a palavra de

    ordem dispor do bem comum natural, sem com-

    prometer o seu usufruto a geraes futuras.

    Os princpios bsicos que se associam de um

    modo geral a um turismo responsvel so: respei-

    tar as culturas locais; minimizar impactos ambien-

    tais; maximizar a satisfao do visitante; e maxi-

    mizar os benefcios para as comunidades locais.

    Um exemplo de projecto ecoturstico na Guin-

    -Bissau so os trs bungalows criados em Ienberm,

    no sul do pas, com caractersticas construtivas que

    apresentam um enquadramento com o habitat tradi-

    cional, tendo por base o modelo de construo tra-

    dicional fula. Foram utilizados materiais 100% natu-

    rais como o adobe e a palha, sendo a estrutura da

    cobertura, metlica, por ser mais durvel.

    A insero destes bungalows no meio rural, junto do

    Parque Natural Floresta de Cantanhez (floresta densa,

    tpica tropical, rica em fauna e floras raras, onde podem

    ser encontradas espcies como elefantes, bfalos e leo-

    pardos), bem como o envolvimento da populao local

    na implementao do projecto, tornam -no bastante in-

    teressante em termos da explorao das potencialida-

    des ecotursticas nesta regio do sul, Tombali.

    Foram definidas algumas regras ecotursticas,

    de forma a envolver a comunidade local:

    } Envolver o maior nmero possvel de aldeias, be-

    neficiando das actividades promovidas;

    } Envolver todos os grupos sociais e etrios, res-

    pondendo ao seu interesse e prioridade;

    } Os promotores do ecoturismo devem procurar

    colocar -se no lugar da comunidade para cada ini-

    ciativa que pretendam implementar, sem impor as

    suas prioridades;

    } Aliar a preservao e boa gesto dos recursos na-

    turais verdadeira melhoria das condies de vida

    e trabalho das comunidades.

    O arquiplago dos Bijags, considerado reserva

    da Biosfera pela UNESCO (Organizao das Naes

    Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura), tam-

    bm apresenta riquezas em fauna e flora inclusive

    martimas, que incitam prtica de um turismo sus-

    tentvel, sem descurar da riqueza cultural Bijag,

    antiga e sob muitos aspectos preservada at hoje.

    Desde ilhas virgens, a espcies raras, algumas em

    vias de extino, o arquiplago dos Bijags encerra

  • 48

    no seu interior o que de mais belo, natural e surpre-

    endente pode ser visto na Guin-Bissau.

    A riqueza dos espaos naturais realada pela

    existncia de parques e/ou reservas naturais reco-

    nhecidas oficialmente, e de acordo com os critrios

    estabelecidos a nvel internacional como reas pro-

    tegidas: Parque Natural de Mangrove do Rio Cacheu,

    Parque Natural das Lagoas de Cufada, Parque Nacio-

    nal de Orango, Parque Nacional Marinho de Joo

    Vieira e Poilo, Reserva da Biosfera do Arquiplago

    dos Bijags, e o Parque Nacional Marinho das Ilhas

    Formosa. As reas naturais referidas apresentam ri-

    queza tanto em fauna como flora, com uma impor-

    tante biodiversidade nos diversos meios, quer flores-

    tal como costeiro e marinho. Algumas das espcies

    encontram -se em vias de extino: o hipoptamo, o

    elefante africano, o crocodilo ou lagarto preto, a ga-

    zela pintada, o leo, o chimpanz, entre outros.

    Existe um aproveitamento natural das espcies ar-

    breas existentes, as quais so integradas no projec-

    to, explorando -se as suas vantagens sem comprome-

    ter a sua sustentabilidade futura. Alguns bungalows

    so desenvolvidos a partir de outros materiais natu-

    rais como o barro e a palha, utilizando -se a tcnica da

    taipa, conhecida pelas suas caractersticas de durabi-

    lidade e eficincia trmica, promovendo o equilbrio

    em termos do conforto no interior, com revestimento

    de terra cozida no exterior, dispensando pintura.

    Os maiores desafios que se impem ao desen-

    volvimento do ecoturismo na Guin -Bissau so

    primeiramente desenvolver -se uma conscincia

    nos aspectos relativos ao ambiente e aos recursos

    naturais disponveis; posteriormente, a definio,

    valorizao e proteco (em alguns casos j feita)

    de zonas de reconhecida riqueza natural.

    Na integrao de qualquer rea no mbito de

    um turismo sustentvel, importante a definio

    de regras que garantam a utilizao ponderada do

    espao, a atraco de turistas com conscincia

    ambiental, e no s, que controlem ou evitem a

    { FIG. 2.47 } Bungalows ecotursticos de Ienbern Fase de construo.

    { FIG. 2.48 } Bungalows ecotursticos de Ienbern Pormenor da cobertura (AD, 2006b).

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    explorao irreversvel dos recursos naturais dis-

    ponveis, e evitem comportamentos indesejveis

    tanto por parte do empreendedor, como do utili-

    zador final, que possam entrar em conflito com a

    cultura, tradies, e valores locais.

    Actualmente existe uma tendncia natural nos

    pases mais desenvolvidos para se fugir dos cen-

    tros urbanos, elegendo -se zonas de paisagens na-

    turais, para relaxar do stress dirio das grandes ci-

    dades. Pases em vias de desenvolvimento, e ricos

    em biodiversidades como a Guin -Bissau, podem

    encontrar nesta forma de turismo, um meio equi-

    librado de gerar riqueza e promover o desenvolvi-

    mento econmico local, minimizando o nvel de

    pobreza, e melhorando o acesso a bens de primei-

    ra necessidade, por parte de populaes autcto-

    nes. Assim o turismo surge como factor no s de

    desenvolvimento econmico, como de promoo

    de bem -estar social.

    { FIG. 2.49 } Construes para Ecoturismo no sul, Ienberm (Fonte: AD Aco para o Desenvolvimento).

    { FIG. 2.51 } Pormenor da cobertura.

    { FIG. 2.50 } Na ilha de Ruban (arquiplago dos Bijags) foram desenvolvidos projectos de estncia turstica, com algumas caractersticas que vo de encontro aos princpios do ecoturismo. So solues interessantes sob o ponto de vista de um turismo sustentvel, como as moradias rectangulares de madeira, cobertas de palha, ligeiramente destacadas do cho, e com tecto revestido de cana.

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    { captulo 3 }

    Projecto Bioclimtico:Princpios Gerais

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    ECTO

    BIO

    CLIM

    TIC

    O: P

    RINC

    PIO

    S GE

    RAIS

    No contexto climtico da Guin -Bissau poss-

    vel atingir um equilbrio entre o edifcio e o cli-

    ma atravs da aplicao de uma srie de estra-

    tgias de projecto referidas como bioclimticas

    ou de design passivo.

    As estratgias de design passivo tm como ob-

    jectivo proporcionar ambientes confortveis no

    interior dos edifcios e simultaneamente reduzir o

    seu consumo energtico. Estas tcnicas permitem

    que os edifcios se adaptem ao meio ambiente en-

    volvente, atravs do projecto de arquitectura e da

    utilizao inteligente dos materiais e elementos

    construtivos, evitando o recurso a sistemas mec-

    nicos consumidores de energia fssil.

    O uso de energia fssil, no renovvel, , como

    se sabe, o principal responsvel pelo grave proble-

    ma do aquecimento global, resultante da emisso

    de gases de efeito de estufa para a atmosfera. Nos

    edifcios, o uso de electricidade proveniente de

    energia fssil, contribui em larga medida para a

    intensificao deste problema.

    As medidas passivas so as que mais contri-

    buem para reduzir os gastos energticos do edif-

    cio ao longo da sua existncia. Dois exemplos de

    estratgias passivas so a optimizao do uso da

    iluminao natural para reduzir o recurso a siste-

    mas de iluminao artificial, ou a promoo de

    ventilao natural, para evitar o uso de aparelhos

    de ar condicionado para arrefecimento.

    Na Guin Bissau existem bons exemplos de ar-

    quitectura adequada ao meio ambiente em que se

    insere. Contudo, hoje em dia a prtica de uma arqui-

    tectura passiva ou bioclimtica, com preocupaes

    ambientais e energticas, necessita ainda de imple-

    mentao. Embora as publicaes existentes refiram

    extensamente os potenciais benefcios desta arqui-

    tectura, o seu uso ainda muitas vezes mal compre-

    endido, sendo erradamente considerado um risco,

    ineficiente, demasiado complicado ou caro. Por exem-

    plo, em muitas novas construes as preocupaes de

    climatizao so deixadas para engenheiros, que ten-

    dem a adoptar o uso seguro do ar condicionado.

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    Apesar de existirem j muitos exemplos que com-

    provam a eficcia, melhores nveis de conforto, e

    vantagens econmicas do uso das tcnicas passivas

    ainda h uma grande necessidade de difuso deste

    conhecimento e do aumento do nmero de edif-

    cios passivos, bioclimticos, em termos de nova

    construo e reabilitao.

    Sendo um clima quente, tambm dada neste

    manual particular ateno questo da refrigera-

    o dos edifcios, fundamental para