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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM 1 ARQUITETURA E CLIMAS (ARQUITECTURA Y CLIMAS). Rafael Serra. Quando comprei o exemplar do livro ARQUITECTURAS Y CLIMAS, de Rafael Serra, eu o fiz por causa da capa, modesta, mas atraente. Ao ler o livro me deparei com uma pequena obra prima no que diz respeito à adaptação da arquitetura ao entorno, seja ele construído ou natural. Atraiu-me, sobretudo, a maneira como Rafael Serra trata o assunto. Neste livro, os problemas relacionados à temperatura, umidade, iluminação e acústica, entre outros abordados no livro, são tratados quase que exclusivamente de forma conceitual; o autor não tenta ensinar, em nenhum momento, como se quantifica o calor que precisa ser dispersado por uma pessoa em determinadas condições de temperatura e umidade, ou qual é o ângulo adequado para que a construção receba esta ou aquela quantidade de energia solar, por exemplo. Percebi, de imediato, que este pequeno livro poderia ajudar a eliminar uma lacuna que eu já havia percebido, na metodologia e conteúdo das disciplinas Conforto Ambiental 1 e 2, do curso de arquitetura. Acredito que este texto irá complementar de forma bastante satisfatória os conteúdos das citadas disciplinas, voltadas quase que exclusivamente para as quantificações e dimensionamentos técnicos das intervenções tão bem conceituadas pelo autor.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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ARQUITETURA E CLIMAS (ARQUITECTURA Y CLIMAS). Rafael Serra.

Quando comprei o exemplar do livro ARQUITECTURAS Y CLIMAS, de Rafael

Serra, eu o fiz por causa da capa, modesta, mas atraente. Ao ler o livro me

deparei com uma pequena obra prima no que diz respeito à adaptação da

arquitetura ao entorno, seja ele construído ou natural.

Atraiu-me, sobretudo, a maneira como Rafael Serra trata o assunto. Neste livro,

os problemas relacionados à temperatura, umidade, iluminação e acústica, entre

outros abordados no livro, são tratados quase que exclusivamente de forma

conceitual; o autor não tenta ensinar, em nenhum momento, como se quantifica

o calor que precisa ser dispersado por uma pessoa em determinadas condições

de temperatura e umidade, ou qual é o ângulo adequado para que a construção

receba esta ou aquela quantidade de energia solar, por exemplo.

Percebi, de imediato, que este pequeno livro poderia ajudar a eliminar uma

lacuna que eu já havia percebido, na metodologia e conteúdo das disciplinas

Conforto Ambiental 1 e 2, do curso de arquitetura.

Acredito que este texto irá complementar de forma bastante satisfatória os

conteúdos das citadas disciplinas, voltadas quase que exclusivamente para as

quantificações e dimensionamentos técnicos das intervenções tão bem

conceituadas pelo autor.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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ARQUITETURA E CLIMAS (ARQUITECTURA Y CLIMAS). Rafael Serra.

Capítulo I.

O entorno da arquitetura.

Os edifícios são barreiras contra a chuva, o vento e, às vezes, filtros sutis de luz e

calor. Com entornos variáveis, que mudam conforme o dia e a noite, o calor e o

frio, o vento e a calmaria, a chuva e o sol; as construções se transformam em

refúgios de condições artificiais, como ilhas de tranqüilidade num mundo

incômodo.

Se a arquitetura é clima, também é verdade que existem muitos climas que nela

intervém: climas de inverno e de verão, climas de luz e calor, climas de transição

entre interior e exterior, climas de arquitetura popular e de arquitetura mais

representativa, climas naturais e artificiais e por último, os climas que não são

climas; climas sonoros, psicológicos, espirituais e mágicos, com o que se gera a

infinita variedade dos espaços arquitetônicos.

Estudar os climas da arquitetura pode apresentar certa dificuldade devido à

complexidade de cada um dos diferentes climas. Simplificando uma abordagem

inicial do problema, considerando somente o sentido térmico da palavra “clima”,

temos que, determinado clima depende de somente quatro parâmetros: da

radiação solar e da temperatura do ar, da umidade do ar e da velocidade do

movimento do ar. Esta simplicidade resume a enorme variedade climática do

planeta a estes quatro valores.

Neste livro, entenderemos o clima ou, melhor dizendo, os climas, da arquitetura

num sentido mais amplo, incluindo todos aqueles fenômenos ambientais que

atuam sobre os ocupantes de um edifício, influindo sobre seu bem estar e sobre

sua percepção do mesmo no que diz respeito a sensações térmicas, táteis,

visuais, auditivas, entre outras.

Falando num sentido mais convencional do termo, os climas sobre a superfície

do nosso planeta também são muito variados: quentes ou frios, secos ou úmidos.

Mudam segundo a época do ano, com a variação do movimento aparente do Sol

no céu ou segundo o regime de ventos. De toda esta variedade de climas

existentes, quando os analisamos com relação à arquitetura, os simplificamos em

casos-tipo representativos conforme as imposições do entorno.

Nas regiões quentes e secas, as temperaturas são muito altas durante o dia,

mas baixam consideravelmente durante as horas noturnas. A insolação intensa e

as precipitações e nebulosidade escassas, fazem com que a radiação solar direta

seja preponderante e que a distinção entre sol e sombra seja muito importante.

Eventualmente podem ocorrer ventos carregados de poeira e areia, compatíveis

com a aridez e a pouca vegetação normais neste tipo de região.

É um tipo de clima típico de zonas continentais e próximas do equador, e a

arquitetura popular característica destas zonas tende a ser compacta, com

poucas aberturas, muitas vezes com paredes grossas, ou subterrânea, para obter

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a máxima inércia térmica contra as variações do clima exterior e, por último, com

o magnífico recurso do pátio, que gera um espaço interno abrigado do Sol,

umedecido e refrescado com a presença d’água, que permite uma conciliação da

arquitetura interior com o exterior.

Ilustração 01: arquitetura árabe.

Nas zonas quentes e úmidas, as temperaturas, ainda que altas, são mais

moderadas e constantes do que nas regiões desérticas. As nuvens e a chuva são

freqüentes, sobretudo durante certa época do ano, fazendo com que a radiação

solar, sempre intensa, se apresenta muito mais difusa que no caso anterior e a

umidade se apresenta constantemente alta. A arquitetura popular característica

destes climas, próprios das zonas subtropicais marítimas, é uma arquitetura

leve, muito ventilada, protegidas contra as radiações solares em todas as

direções e sem inércia térmica de nenhum tipo. Os edifícios são abertos, largos e

separados entre si e do chão para melhor se expor às brisas. As paredes quase

que desaparecem, ao ponto de comprometer a privacidade para melhorar a

ventilação. As coberturas são elevadas e com largos beirais, para proteger os

fechamentos verticais dos edifícios da radiação solar e das chuvas.

Ilustração 02: arquitetura tropical.

Nas regiões frias as temperaturas são baixas o ano todo, em especial durante o

inverno; a radiação solar é pouca e as precipitações são, freqüentemente, sólidas.

Nestas condições, as considerações sobre a umidade do clima ficam em segundo

plano1 e, por causa disso, não se costuma fazer diferença entre climas frios secos

e úmidos, mesmo considerando que a maior ou menor distancia da região com

relação ao mar pode ter repercussões sobre as oscilações térmicas e, em último

caso, sobre a dureza das condições térmicas.

Este clima é próprio de regiões de latitude elevada, próximas das zonas polares.

Nestas regiões a arquitetura autóctone tem como principal dificuldade a ser

vencida a conservação do calor em seu interior. Por isso as construções são

compactas, isolados, com pequenas aberturas para o exterior e com formas que

minimizam a ação dos ventos frios2. Em certo sentido as formas arquitetônicas

1 Com temperaturas abaixo de 0º C toda a água existente no ar congela, levando a

umidade relativa do ar para 0 %.

2 Os iglus são construídos com blocos de neve (que é um excelente isolante térmico e fácil

de cortar), o bloco superior da cúpula, a pedra angular da estrutura, é, frequentemente,

talhada em gelo que, por ser transparente fornece uma desejável iluminação ao interior.

Quando a cúpula do iglu está pronta, a dona da casa entra e, numa cerimônia ritual,

acende uma lamparina e fecha a abertura de saída, causando a elevação da temperatura

interior; com a elevação da temperatura a parede começa a derreter, a dona da casa

então abre a abertura novamente causando o congelamento da água que escorre pela

parede, impermeabilizando-a. Em seguida, uma cortina de peles de animais é estendida

ao longo da parede, criando um colchão de ar entre as duas, melhorando ainda mais o

isolamento térmico que, mesmo com temperaturas externas na casa do 40º C negativos,

pode apresentar temperaturas internas superiores a 14º C acima de zero.

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nestes climas apresentam similitudes com as dos climas quente e secos, que

coincidem em sua atitude primordial de defesa contra as condições do ambiente

exterior.

Ilustração 03: arquitetura ártica.

Ainda que não seja propriamente um tipo de clima, também vale a pena

considerar a ação específica dos ventos como condicionante da arquitetura. O

movimento do ar está relacionado com a sensação térmica e, por isso, pode ser

um fator positivo no caso dos climas quentes e úmidos, às vezes negativo nos

quentes e secos, e sempre negativos nos frios. Além do que, os ventos intensos

são desagradáveis e podem afetar outros aspectos do conforto além do térmico,

por causa deles, muitas vezes se convertem numa imposição da forma

arquitetônica.

Na arquitetura popular de muitas regiões do globo, o vento se mostra com

clareza como condicionante de soluções e sistemas especiais, que têm como

função específica atenuar sua ação. Por este motivo, ao considerar os diversos

tipos de climáticos, incluímos entre eles os do clima ventoso.

Outro tipo climático a considerar é o dos climas temperados, onde se registram

consideráveis modificações das condições climáticas ao longo do ano, como é o

caso do clima mediterrâneo. Paradoxalmente, é neste tipo de clima que a

arquitetura se faz mais complexa, ao ter que ser adaptável, ainda que por curtos

períodos de tempo, a todo o espectro dos tipos básicos de clima comentados até

aqui. Assim, o problema básico destes climas não é sua dureza, mas o fato de

que, em qualquer dia do ano e hora do dia as condições do clima, eventualmente,

podem mudar radicalmente. Registram-se problemas de frio no inverno, que pode

ser seco ou úmido (diferença que, neste caso, é importante); problemas de calor

no verão, que também podem ser seco ou úmido e tão intensos como em regiões

mais extremas, ainda que os períodos de tempo sejam sempre mais curtos, e,

finalmente, o problema do clima variável que, nas estações intermediárias,

podem gerar problemas de frio ou de calor separados por curto espaço de tempo.

Ainda que cada uma destas características, consideradas em separado, não seja

realmente crítica, em conjunto fazem com que a arquitetura dos climas

temperados tenha que apresentar um maior grau de complexidade, o que a torna

mais difícil do ponto de vista do desenho.

Ilustração 04: casa mediterrânea.

Pelo exposto, neste caso, a arquitetura popular sempre se viu obrigada a

incorporar soluções e sistemas flexíveis, ou seja, componentes que podem mudar

com facilidade sua ação segundo as circunstâncias climáticas, tais como:

sistemas de sombreamento móveis, que podem impedir o acesso da radiação

solar no verão (quando as temperaturas são mais elevadas), ou deixá-la entrar

por completo caso seja conveniente (com temperaturas mais baixas); isolamentos

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móveis nas aberturas, para permitir o isolamento noturno; as mesmas aberturas

devem ser praticáveis para uma total ventilação; espaços intermediários entre o

exterior e o interior, para criar micro climas favoráveis e ser ocupado somente em

determinados períodos do dia; etc.

A partir do conhecimento e da caracterização destes climas básicos, é possível

planejar em linhas gerais as soluções arquitetônicas mais convenientes para

cada caso, deve-se considerar, no entanto, que existem outros fatores que podem

modificar em grande medida este planejamento.

Tão ou mais importante que o clima geral da região é o entorno próximo à

arquitetura, o ambiente vizinho que gera o que chamamos “micro clima de um

lugar”. Nele as condições podem ser muito diferentes das gerais da região. Uma

parede localizada a sul ou a norte pode significar mais de 3º C de diferença de

temperatura; algumas árvores que impedem a ventilação ou um chafariz que

umedece o ar podem gerar micro climas muito deferentes do existente a poucos

metros de distância.

Na arquitetura tradicional o micro clima era um fator que se tinha muito em

conta, tanto para escolher a localização de um edifício como para corrigir as

condições do seu entorno imediato com elementos vegetais ou construídos. Desta

forma, com intervenções sutis na paisagem, os edifícios se inserem num meio

ambiente climaticamente melhorado com relação ao geral da zona.

A disposição das ruas e das praças, inclusive em assentamentos rurais, junto

com a vegetação e os edifícios geram rincões e zonas onde condições climáticas

sensivelmente melhores do que as próprias do lugar.

Para entender realmente como funcionam os climas da arquitetura de que trata

este texto, deveríamos começar por compreender muito bem o micro clima.

Muitas vezes, a escolher um lugar adequado para sentar-se e descansar no

campo, é um ato muito mais arquitetônico do que construir um grande edifício;

ou, pelo menos, assim o queremos considerar, em nossa visão particular da

arquitetura e seus climas.

No entorno próximo da arquitetura existem duas ações que são fundamentais

para definir as condições resultantes. Trata-se, como não poderia deixar de ser,

das ações do sol e do vento.

O sol atravessa o ar e esquenta a terra, que cede parte deste calor ao ar que está

em contato com ela. Assim, aonde o sol incide livremente, o ar é mais quente e,

além disso, recebemos radiação do terreno aquecido. Esta simples diferença pode

gerar distinções térmicas de vários graus entre lugares muito próximos entre si.

O vento, por sua vez, pode modificar por completo as condições anteriores.

Conforme sua procedência poderá ser mais quente ou mais frio, mais seco ou

mais úmido. Desta forma o ar, aquecido ou não pela ação solar, se move e, desta

maneira, modifica as condições geradas pela radiação. O terreno pode continuar

quente ou frio, mas o ar sobre ele se move e somente a radiação solar mantém a

diferença entre lugares ensolarados e sombreados. Considerando ainda que o ar

se desvia dos obstáculos, naturais ou artificiais, impedindo seu livre movimento,

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resultando numa maior ou menor ação do vento, cria-se a possibilidade de

variações infinitas no micro clima.

A ação conjunta do sol e do vento provoca a variação micro climática dos quatro

parâmetros já comentados: a temperatura do ar, a radiação, a umidade e a

velocidade do ar. É a conjugação de todos esses fatores que define a sensação de

conforto das pessoas, além de influir sobre as condições e desempenho de

edifícios situados em cada micro clima específico. Em qualquer análise micro

climáticas será imprescindível considerar a inter relação de todos eles.

Para realizar este tipo de análise, é especialmente útil preparar esquemas

gráficos que resumam as condições micro climáticas da zona ou lugar onde se

deve intervir arquitetonicamente.

Estes esquemas podem se realizar para distintas épocas do ano, para diferentes

tipos de ventos predominantes ou tipo de dia (ensolarado, nublado, etc.).

Ainda que o esquema básico possa ser desenvolvido em planta, pode ser útil

incluir esquemas em corte, que é onde as ações do sol e do vento podem melhor

ser expostas.

Entre os parâmetros a serem considerados no esquema, convém incluir, além do

sol e do vento, outros importantes fatores ambientais, como são as incidências

acústicas ou as visões da paisagem do lugar que se está analisando. Deve-se,

sempre, levar em consideração que os fatores ambientais que não são puramente

climáticos influem de maneira decisiva no bem estar e conforto do usuário.

A consideração final implícita do presente texto é que acontecem coisas

importantes no entorno da arquitetura. O clima e a paisagem, assim como os

sons e os habitantes do núcleo urbano, são todos parte deste entorno que é a

razão de ser da arquitetura, ao mesmo tempo a obrigam a se defender, se unir e

se fazer uso das circunstâncias ambientais que a rodeiam.

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Capítulo II.

O difícil bem estar.

O conforto percebido pelo ser humano num determinado lugar, é o resultado de

um fenômeno muito mais complexo do que os especialistas, muitas vezes,

querem nos fazer crer. A causa disso é que parâmetros e fatores diversos

intervêm simultaneamente no processo, o que normalmente se esquece e é

decisivo para o tema.

Os parâmetros ambientais ou de conforto, são aquelas características objetivas

de um determinado espaço, que se pode avaliar em termos energéticos, e que

resume as ações que, no dito espaço, recebem as pessoas que o ocupam. Como

tais, os ditos parâmetros podem ser analisados de forma independente dos

usuários e são objeto direto do desenho ambiental na arquitetura.

Alguns dos ditos parâmetros são específicos para cada sentido (térmicos,

acústicos, visuais, etc.), o que permitirá que, em muitos casos, se possa calcular

com unidades físicas já conhecidas (graus centígrados, decibéis, lux, etc.), uma

vez que se trata de unidades de medida das condições energéticas que se

produzem num determinado ambiente. Mas existem, também, os parâmetros

gerais que afetam todos os sentidos simultaneamente, que é o caso das

dimensões do espaço e o fator temporal e as mudanças que este pode produzir.

Os fatores de conforto, por sua vez, são aquelas características que se

relacionam com os usuários do espaço. São, portanto, condições exteriores ao

ambiente, mas que influem na apreciação do dito ambiente por parte deste

mesmo usuário. Estas condições pessoais são de diferentes tipos, segundo as

condições: biológico-fisiológico (como idade, sexo, herança genética, etc.),

condições sociológicas (como o tipo de atividade, a educação, o ambiente

familiar, a moda, o tipo de alimentação ou aclimatação cultural, etc.), e

psicológicas, conforme as características individuais de cada um dos usuários.

O conforto que um determinado ambiente possa oferecer dependerá. Em cada

caso, da combinação entre os parâmetros objetivos e fatores do usuário. A

função básica da arquitetura no desenho de ambientes habitáveis, se realizará

sobre os parâmetros de conforto, mas se precisará, sempre, de um

conhecimento da influência dos fatores de conforto para avaliar a repercussão

real das decisões a serem tomadas.

Como uma aproximação do problema, reproduzimos a seguir uma relação dos

parâmetros ambientais mais comuns, como elementos a serem considerados no

desenho de projetos arquitetônicos.

Ainda que o empenho de muitos especialistas das diferentes técnicas ambientais

tenha sido, durante muitos anos, avaliar com precisão os parâmetros e fatores

de conforto; as conclusão inevitável de nossa experiência é que a variação que

induzem os fatores sobre os requerimentos faz com que, na prática, estes

sistemas de avaliação resultem inexatos.

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Acostumados a definir a arquitetura como forma geométrica, o espaço como

proporção e o edifício como função e uso com um adicional valor estético;

esquecemos com freqüência a possibilidade de valorizá-la também em termos de

energia, como uma soma complexa de luz e cor, som, temperatura e qualidade do

ar.

Quando falamos, no mais amplo sentido, dos “climas da arquitetura”,

entendemos que deve-se trabalhar o espaço a partir dos parâmetros de conforto

entendido como objeto do desenho, aplicando-os em dois níveis sucessivos:

Num primeiro nível se desenham os ditos parâmetros para conseguir o

adequado bem estar no espaço ocupado e, para tanto, se deve conhecer todos os

fatores envolvidos para, tendo em conta todos eles, conformar o ambiente mais

adequado.

Num segundo nível, o objeto do desenho ambiental seria a conformação do

ambiente em termos perceptivos e estéticos. Neste caso se trata de entender o

ambiente da arquitetura com seus parâmetros de luz, calor, som, etc., como

transmissores de informação. Esta informação que nos oferecem os parâmetros,

permite o reconhecimento, consciente ou inconsciente, das qualidades do espaço,

no qual tem especial importância a capacidade perceptiva humana para os

diferentes sentidos e das diferentes formas de energia.

No caso da percepção espacial, os dois sentidos básicos envolvidos são a visão e

a audição. Normalmente, esses dois sentidos se complementam muito mais do

que imaginamos. A percepção visual é mais precisa, mas a percepção acústica

nos permite avaliar características do espaço imperceptíveis à visão. O exemplo

mais claro desta complementaridade se apresenta quando comparamos ambos

os campos perceptivos em planta e em seção transversal, demonstrando como a

audição complementa a visão ao cobrir a percepção da direção posterior, que a

primeira não percebe.

Uma parte importante da percepção espacial é a “locação da direção” de onde

procede o estímulo. No caso da visão, esta localização se realiza complementando

a direção da cabeça com a orientação dos olhos, informando o cérebro através

dos músculos que controlam a dita orientação, dependendo a interpretação final,

em grande medida, a experiência prévia. No caso da audição, por sua vez, a

informação sobre a direção se produz graças a dualidade dos órgãos sensíveis

(biauricolaridade), que em conjunto com a experiência nos informa a direção de

procedência do som, com a limitação de que, estando ambos os ouvidos na

mesma altura, não existe praticamente distinção de altura da fonte sonora.

Outro fator importante da percepção espacial é a “avaliação da distância”. No

caso da visão se combinam diferentes mecanismos, desde a deformação do

cristalino do alho para focar a imagem, o que permite a avaliação de distâncias

curtas; passando pela visão binocular que, ao diferenciar a imagem de um olho

em relação ao outro permite saber a situação relativa dos objetos dentro do

campo visual, em conjunto com o mesmo efeito de convergência dos olhos em

distâncias próximas; até chegar ao mais importante, o aprendizado da medida

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aparente dos objetos conhecidos, que é o sistema que mais utilizamos, ainda que

possa nos enganar facilmente se são de entorno desconhecidos ou em escala

diferente da normal.

No caso da audição, ao contrário, a avaliação da distância se apóia quase que

exclusivamente na experiência, ligada à intensidade do som que percebemos, o

que representa uma fraca precisão do sentido na dita avaliação da distância.

Mas além de ser percepção, a transmissão de informação é também estética. Os

parâmetros ambientais, que são energias que interagem livremente com os seres

humanos, geram impulsos de informação com uma ordenação própria, da qual

resulta uma mensagem estética capaz de produzir as emoções que normalmente

associamos com as expressões artísticas mais convencionais, da música, da

literatura e das artes plásticas.

Este papel estético dos parâmetros ambientais se torna mais claro se analisamos

sua capacidade de gerar as sensações que associamos ao conceito de beleza.

Para isso deveremos ter em consideração como os diferentes tipos de expressão

artística utilizam os mesmos recursos básicos de composição. Estes recursos

(“ferramentas artísticas”), são, entre outros, o ritmo (no tempo e no espaço), o

ênfase ou acento (positivo ou negativo) e o contraste (de intensidade, de cor, de

tom, de volume, etc.).

O mesmo se dá quando tratamos de pintura, cinema, musica ou literatura; em

todos se faz uso destas ferramentas básicas, que se transformam em obra

artística através de outras ferramentas materiais de expressão concreta, que são

as que produzem o resultado aparente e a conseguinte transmissão da

mensagem ao receptor.

Como é evidente, o fato de se utilizar estas ferramentas artísticas não tem nada a

ver com a qualidade do resultado obtido. Usando ritmos, acentos e contrastes

pode-se gerar péssimas obras; o valor estético depende de algo mais que isto.

Mas também é certo que, sem estas ferramentas, não existe mensagem coerente

e faltará expressão artística e, portanto, beleza.

Admitindo o que expressamos nos parágrafos anteriores, podemos agora julgar a

capacidade das energias ambientais para gerar este tipo de expressão artística.

Em maior ou menor medida vemos que, tanto os parâmetros de luz como de som,

os térmicos e os do ar, têm a capacidade de estabelecer no interior dos edifícios,

no tampo e no espaço, ritmos, ênfases ou contrastes, com todas as suas

possíveis variantes. Em conseqüência, defendemos aqui que os parâmetros

ambientais são também portadores de informação estética. Em última instância,

o bem estar dos ocupantes da arquitetura também está condicionado por estes

mesmos parâmetros.

Portanto, seja considerando os parâmetros ambientais como meros agentes de

conforto fisiológico, ou valorizando-os como transmissores de informação,

simplesmente perceptiva ou estética, seu papel na arquitetura é de agente

principal. Por esta razão, o desenho ambiental não deve ser relegado à uma área

técnica de apoio ou correção, mas deve ser entendida como objeto direto do

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projeto, capazes não só de conformar o espaço, mas de ser o protagonista

principal do mesmo.

Outro fato que freqüentemente passa despercebido é a influência que os fatores

culturais têm na avaliação destes parâmetros. Tanto nos aspectos mais

perceptivos como nos da comodidade fisiológica, a evolução histórica, assim

como o tipo de sociedade de que se trata, geram respostas diferentes para

estímulos similares.

Considerando como exemplo o caso térmico, se comprova que, em distintos

períodos históricos, tem havido sensibilidade muito diferente ao frio e ao calor.

Além do que, está comprovado experimentalmente que a dita sensibilidade é um

fator cultural apreendido, desenvolvido ao longo dos anos pelas crianças, AM

estrita associação com o aprendizado da linguagem.

Podem-se fazer considerações similares sobre a percepção luminosa e acústica,

com suas importantes repercussões sobre a comodidade, a percepção e sensação

estética. È ilustrativo refletir, do ponto de vista da nossa cultura, sobre a estética

dos espaços com baixo nível de luz, própria de outras culturas nas quais o brilho

e o reflexo cobram seu preço, do que carecem nossos espaços modernos

inundados de luz, nos quais até as pedras preciosas perdem seu brilho.

Estas reflexões sobre a importância do fator cultural são as que nos fazem

avaliar muitos dos componentes psicológicos do ambiente. As respostas

humanas aos parâmetros ambientais, sejam de conforto, de percepção ou

estética, são dependentes dos usuários do ambiente.

Neste contexto, admitindo que existam marcantes diferenças de caráter nas

pessoas, que vão de introversão à extroversão, da neofilia à neofobia, da

claustrofobia à ágora fobia, etc., a resposta dos ocupantes de um ambiente aos

parâmetros ambientais pode ser muito mais díspar do que os estudos

convencionais de conforto nos fazem crer.

Entre os componentes psicológicos a considerar no desenho ambiental, é muito

importante a variação dos parâmetros de luz, som, temperatura e do ar, no

tempo. Embora os estudos de conforto em geral considerem que no caso de

ambientes estáticos, está demonstrado que a variabilidade no tempo dos

parâmetros é uma qualidade positiva no conforto das pessoas. Seja por

necessidade psicológica de mudança em nossa percepção, ou por fatores

fisiológicos envolvidos na dita percepção, os ambientes dinâmicos, normalmente

associados com o uso de energias naturais, admitem margens de conforto muito

mais amplas que os ambientes estáticos.

Outro fator psicológico, talvez o mais relevante na prática, é a possibilidade de

controle das características do próprio ambiente por parte do usuário. Ele está

ligado com a sensação de claustrofobia em ambientes fechados, que se torna

aguda com parâmetros como cores quentes, temperaturas altas, sons graves e

altos níveis de ruído e iluminação.

Em diversos estudos de campo se tem demonstrado que no caso de ambientes

manipuláveis pelo usuário as margens de conforto se ampliam em até duas vezes

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das registradas em ambientes rígidos. Um exemplo típico deste fenômeno é o

caso de edifícios com fechamentos fixos, janelas que não se abrem ou parede-

cortina sem aberturas. Neles aparecem com maior freqüência as sensações de

incômodo e os usuários se mostram mais exigentes – em conseqüência protestam

mais – a propósito dos parâmetros ambientais.

As considerações finais que se pode fazer sobre o bem estar é que, em qualquer

espaço arquitetônico se pode atuar, desde o início de desenho, sobre os

parâmetros ambientais que resultarão no prédio construído.

Desta forma seremos capazes de atuar sobre o conforto dos ocupantes do espaço,

mas sem pretender, em nenhum momento, obter resultados seguros. A interação

entre os distintos parâmetros, a repercussão dos diferentes fatores do usuário, a

influência dos fatores psicológicos, a variabilidade e, sobretudo, a possibilidade

de ação e controle dos parâmetros por parte do mesmo usuário, são decisivos no

resultado final.

Em resumo, nada é solução única, rígida e estática; o controle do ambiente exige

um certo descontrole e não se pode fazer simplesmente “engenharia do

ambiente”, e que qualquer aproximação técnico-numérica deve ser entendida

como um complemento do chamaríamos de “arquitetura do ambiente”, enfoque

global do desenho, em que a pessoa receptora do mesmo passa a ser o primeiro e

principal fator a ser considerado.

A partir deste ponto, comentado o edifício e sua relação com o entorno e seus

climas, reconhecido brevemente os fatores e parâmetros de um difícil bem estar,

iniciamos a viagem por alguns dos climas que existem na arquitetura, entendida

como conhecimento e poesia, comodidade e utilidade, evidencia e engano,

afirmação e negação, relato e silêncio. Os ambientes e os climas da arquitetura,

não fazem mais do que refletir, outra vez, todas as dualidades da vida humana.

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Capítulo III.

O clima do ar e da umidade.

Quando imaginamos quais e como são as condições ambientais de um

determinado espaço, é inevitável que comecemos pensando no ar contido no dito

espaço. Realmente este ar resume por si só, além de outros valores ambientais,

três dos quatro parâmetros que condicionam a sensação térmica: sua própria

temperatura, seu conteúdo de vapor d’água (umidade) e, por último, seu

movimento (velocidade do ar).

As duas primeiras características podem ser estudadas conjunta ou de maneira

independente da do movimento, e sua repercussão na comodidade procede, como

é lógico, da influência que têm sobre as perdas e ganhos de calor do corpo

humano.

Assim, enquanto a temperatura do ar influi na sensação de calor do corpo

através da pele e do ar que respiramos, a umidade do ar, se é baixa, permite uma

maior evaporação da umidade de nossa pele (suor), ao mesmo tempo uma maior

seção de vapor d’água ao respirarmos. Desta forma nos resfriamos, cedendo calor

e umidade ao ar, de forma conjunta e paralela em sua ação.

Também é certo que o terceiro parâmetro do ar, seu movimento, atua sobre os

dois primeiros, já que o ar que se move sobre o corpo humano aumenta de

maneira simultânea a cessão de calor e umidade da pele para o ar. Por tudo isto,

podemos resumir as ações dos três parâmetros dizendo que, em linhas gerais,

maior temperatura e maior umidade do ar produzem mais sensação de calor,

enquanto que seu movimento produz sensação de frio.

Mais complicado é quantificar estas ações, ainda que no caso do movimento do

ar seja bastante simples fazer uma avaliação aproximada. Cada 0,3 m/s de

velocidade do ar equivalem a um decréscimo de 1º C na sensação térmica da

pessoa submetida a esta corrente de ar.

No caso da influência conjunta da temperatura e umidade, a quantificação é algo

mais complexo. Para realizá-la, utilizamos um gráfico relativamente simples,

colocando nas abscissas temperaturas do ar e nas ordenadas as quantidades de

vapor d’água presentes no ar (umidade).

Quanto mais para a direita ou mais para cima no gráfico significa maior

sensação de calor. Por outro lado, como existe um limite na quantidade de vapor

d’água que o ar pode conter para cada temperatura, existe um setor do gráfico

onde as condições não são fisicamente possíveis (a água presente no ar passa à

forma líqüida, condensando-se).

Definido assim o gráfico, podemos desenhar nele as linhas que correspondem a

iguais sensações de umidade ou secura (curvas de umidade relativa) e, mais

importante, as linhas de igual quantidade de energia no ar, ar retas de entalpia

constante.

Estas linhas de entalpia constante correspondem, com relativa precisão, com as

sensações térmicas das pessoas. Assim, as linhas mais à direita (e mais altas) no

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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gráfico correspondem com sensações de mais calor, e as situadas mais a

esquerda, com sensações de mais frio.

Mas esta regra geral deixa de ser válida em certas condições especiais, quando se

unem o ar frio (não é preciso que seja muito frio), com altas taxas de umidade.

Neste caso, a maior umidade não significa maior sensação de calor, como

ocorrem nos outros casos, mas maior sensação de frio. Este fato se aplica no

caso de pessoas vestidas, nas quais o umedecimento da roupa aumenta a

condutividade e pioram indiretamente as condições, em especial em situações

estáticas de permanência prolongada. Este fenômeno, apesar de muito conhecido

pelas pessoas que vivem em climas litorais, curiosamente tende a ser esquecido

nos tratados clássicos de bem estar térmico.

De qualquer maneira, o que está reconhecido é que em condições de alta

umidade, a comodidade térmica é muito mais difícil. Inclusive em condições

próximas a do ar saturado, as pessoas passam diretamente de experimentar a

situação de calor, ao incômodo do frio, sem pontos confortáveis intermediários

em toda a gama de variações da temperatura do ar.

No extremo oposto, em condições de muito baixa umidade, também se chega a

um ponto de incômodo fisiológico, ainda que não seja térmico, na qual a secura

do ar resseca as mucosas nasais e dificulta em grande medida a respiração.

Entre estes limites, pois, se movimentam as condições de comodidade térmica.

Como sempre, esta comodidade dependerá dos fatores do usuário já comentados:

tipo de atividade, vestimenta, aclimatação, etc., sendo ingenuidade tentar fixar

valores concretos ou limites estritos para a comodidade, ainda que se consiga

muitas vezes fazê-lo desta maneira. Em geral, há que se considerar temperaturas

do ar entre 15 e 30º C, com umidades entre 40 e 80% da saturação para cada

temperatura.

Dentro destes valores o bem estar será possível, dependendo sempre dos já

mencionados fatores, mas, o mais provável é que, para determinadas condições,

a imensa maioria dos usuários se mostra insatisfeita ou pelo menos incomodada,

coisa que costuma acontecer nos edifícios que habitamos.

O problema do conforto térmico é de difícil solução, si é que ela existe, e talvez a

única atuação razoável seja oferecer ao usuário as máximas possibilidades de

controle sobre as condições de seu ambiente e, em quaisquer circunstâncias,

procurar que este entorno tenha certa “variabilidade natural” no tempo, que,

como já foi comentado, sempre facilitará uma melhor adaptação às condições

ambientais.

É de sua natureza que o interior dos edifícios apresentem condições ambientais

particulares, diferentes das do ambiente exterior e, teoricamente, mais

adequadas à ocupação humana. Entre estas condições, as temperatura e

umidade do ar merecem um comentário particular.

Os espaços interiores da arquitetura apresentam, no geral, temperaturas menos

variáveis que o exterior, e isso acontece simplesmente pelo efeito de barreira e

acumulação de energia que os fechamentos produzem por si só. Por outro lado,

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

14

nos interiores as temperaturas e umidades são sempre ligeiramente superiores

as do exterior, devido ao efeito da ocupação e da imobilidade do ar no interior

Segundo este raciocínio, o normal e lógico é que as condições térmicas interiores

sejam mais agradáveis que as exteriores, mas, por desgraça, em alguns países,

em especial em tempo quente, sucede com freqüência o contrário e no interior se

dão condições piores que as que se apresentam no exterior. Em certo sentido se

poderia afirmar que muitos edifícios “funcionam pior que o clima”.

A causa direta deste desconforto costuma ser o simples excesso de umidade. Em

condições de calor e com o ar mais ou menos imóvel, a sensação de desconforto

produz um grande incomodo só mitigável se si consegue gerar um movimento do

ar capaz de reduzir a sensação de calor ao incrementar as perdas por convecção

e evaporação da transpiração do corpo.

Menos conhecido, mas igualmente grave, é o caso, já comentado, em que

coincide uma temperatura algo baixa com umidade elevada. Neste caso, o

umedecimento da roupa produz, em exposições prolongadas, uma nítida

sensação de frio interior, muito difícil de combater. Ainda que neste caso a

solução óbvia seja aumentar a temperatura (com o que também se diminui a

umidade relativa do ar), esta não é a única solução possível.

A solução alternativa ou, melhor dizendo, complementar, consiste em produzir

uma ventilação adequada. Embora inicialmente isto esfrie mais ainda o ar

interior, se produz também um acentuado decréscimo de umidade, as roupas

secam e, em última instância, aumenta a sensação de bem estar.

Poucas vezes este princípio é totalmente entendido e, desgraçadamente, no

inverno, é freqüente encontrar interiores tão carregados de umidade que chega a

produzir-se névoa no mesmo, além das condensações que acontecem em todas

as superfícies frias. Nestas condições é praticamente impossível obter um bem

estar térmico, por mais que atuemos sobre a temperatura do ar.

Como todas as atividades humanas que acontecem no interior de um edifício na

prática geram umidade, uma vez que seus ocupantes a desprendem em suas

respiração e evaporação, a solução para combater seu excesso do ponto de vista

do desenho arquitetônico consiste em facilitar a ventilação.

Por outro lado, a arquitetura moderna, com tetos baixos, ocupações elevadas e

fechamentos com freqüência impenetráveis à passagem do vapor d’água, esta

necessidade de ventilação se faz de maneira mais marcante ainda.

Em conseqüência, no caso de climas úmidos e tanto no inverno como no verão,

as estratégias de ventilação têm uma importância básica nos edifícios. O clima

do ar e da umidade, complexo por natureza, pede da arquitetura soluções

igualmente complexas.

Supondo então que pretendemos otimizar o funcionamento natural dos edifícios

de climas temperados, devemos distinguir numa primeira aproximação os

regimes de inverno o de verão, tendo em mente que, as situações que se

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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apresentam em épocas intermediárias serão assimiladas por um dos dois

anteriores.

Em situação de frio, no inverno, a estratégia principal consistirá em conservar o

ar quente do interior. Será conveniente isolar ao máximo os fechamentos,

dificultando a perda de calor por transmissão através dos mesmos. Ao planejar

este isolamento é proveitoso ter em conta as características térmicas do espaço

exterior, diferenciando e reforçando o isolamento nas zonas mais frias ou

expostas ao vento, mesmo que em detrimento dos fechamentos que se conectam

com zonas mais protegidas (fachadas orientadas para o sul ou que dão para

pátios internos).

Além do isolamento, é também importante limitar as penetrações do ar exterior

frio e as conseqüentes perdas de ar quente do interior. Isto significa conferir

estanquidade aos fechamentos e aberturas praticáveis, como portas e janelas. No

entanto, esta redução de perda de calor por ventilação tem seus limites e muitas

vezes não é prudente exagerar na dita estanquidade.

Para efeitos higiênicos, sempre é necessária uma renovação do ar interior que se

supõe viciado. Entre 15 a 20 m³ de ar por hora e pessoa são os parâmetros

mínimos aconselháveis a este respeito. Além do que, em climas úmidos no

inverno a renovação do ar é necessária para combater os já mencionados efeitos

perniciosos da alta umidade interior. Neste caso, o limite inferior a considerar é o

de renovar, no mínimo, a metade do volume do ar interior.

Com estas limitações, nestes climas, não é muito útil melhorar excessivamente a

estanquidade e, mesmo as melhoras no isolamento resultam irrelevantes

comparadas com as perdas de calor pela renovação do ar.

De qualquer forma, o comportamento térmico do edifício será, nos climas

tratados aqui, suficientemente eficiente na busca de condições térmicas

interiores adequadas, tendo em consideração também o aporte de calor que

provocado pela radiação solar (ver O clima da luz e do sol).

Outro tipo de abordagem deve ser usado no caso do verão. Nele a estratégia

principal será o aproveitamento máximo dos benefícios da ventilação. Considera-

se, de maneira geral, que a dita ventilação pode contribuir para a comodidade de

diversas formas, tais como:

a) A ação contra a umidade. O ar exterior, embora seja úmido, em valores

absolutos sempre os será menos que o ar interior estagnado. Neste caso se

deve favorecer a ventilação contínua, de dia e de noite, embora o volume de ar

não precise ser muito elevado (2 ou 3 volumes/h serão suficientes para

conseguir boas condições).

b) A ação direta da corrente de ar sobre o corpo humano que, como já sabemos,

melhorará (conforme a velocidade do vento) a sensação térmica em alguns

graus. Aqui o perigo será permitir a introdução do ar exterior mais quente que

o interior, com o que se perderiam as vantagens desta ação.

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16

Por outro lado, existem limites de comodidade para a velocidade do ar, que

não convém que ultrapasse um metro por segundo (1 m/s). Com esta tática, a

ventilação contínua e de fluxo alto supõe, para ser efetiva, um intercambio de

ar interior-exterior superior aos 30 volumes/hora.

c) A renovação do ar interior com o ar exterior à temperatura mais baixa (e

também de menor umidade, se possível), se pode conseguir mediante

ventilação noturna ou ventilação procedente de zonas especiais, onde o ar é

mais fresco (pátios arborizados, subterrâneos, etc.).

Nestes casos não é necessário que a renovação seja muito alta e, mesmo quando

se toma ar das chamadas zonas especiais, convém limitar o fluxo para evitar o

rápido esgotamento da reserva de ar fresco.

A aplicação destas diferentes táticas nos edifícios implicará na existência de uma

disposição de aberturas tal que permita dispor com simplicidade os diferentes

tipos de ventilação. Em geral, serão imprescindíveis aberturas para a saída do ar

na parte alta dos locais, outras dispostas nas paredes verticais de fachadas

opostas, para permitir a ventilação cruzada no caso de existir vento e, por último,

como solução de desenho básico, a disposição de zonas exteriores ou semi-

interiores frescas, subterrâneos, pátios ou jardins, com reserva de ar fresco.

No caso mais complicado da ventilação cruzada, usada para refrigeração direta

sobre o corpo, existe a necessidade de um fluxo de ar muito maior, que pode ser

mitigada com a escolha de zonas interiores preferenciais para a passagem da

corrente de ar, em detrimento de outras zonas de menor ocupação, onde se

permite um ar mais estático.

As soluções arquitetônicas necessárias para conseguir um clima e umidade

adequados do ar, são mais complexas do que em outros climas da arquitetura, já

que significam solucionar os casos de inverno, crítico em qualquer clima frio

temperado, mas sem comprometer o comportamento do mesmo edifício no verão,

quando algumas das soluções de inverno atuam negativamente sobre as

condições térmicas anteriores.

Para o inverno, deve-se considerar no projeto os seguintes resultados:

1) “Forma geral do edifico compacta”, que evita entradas e saídas que

aumentam as superfícies de perda e favorece o desenvolvimento de fachadas

orientadas entre sudeste e sudoeste, em detrimento das outras.

2) “Isolamento dos fechamentos”, reforçado na orientação norte e na cobertura

do edifício (10 centímetros de material isolante e vidro duplo com câmera nas

aberturas) e, mesmo que em menor medida, isolar também os contatos com

locais auxiliares e com o terreno.

3) “Fechamentos praticáveis” com estanquidade relativamente alta, mas, em

casos de climas úmidos, conservando as possibilidades de ventilação que

renovem o ar dos locais sem que as correntes incidam sobre os ocupantes. Na

distribuição das aberturas devem-se levar em consideração os ventos frios e

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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intensos, que devem ser evitados, sendo mais adequadas as orientações nas

direções de brisas suaves e freqüentes.

4) “Isolamento móvel nas janelas”, mediante uma segunda janela com material

isolante na sua composição, ou cortinas que criem barreira à passagem do ar.

Para o caso do verão, as soluções adequadas serão:

1) Assegurar uma “saída de ar permanente” na parte mais alta de cada local e

do edifício em seu conjunto. A área de passagem deste ar a ser eliminado, em

metros quadrados, deve ser proporcional ao volume a ser ventilado dividido

por 40 (quarenta).

2) Assegurar uma ou várias “entradas de ar” na parte inferior dos locais, se

possível dando para zonas ou espaços onde o ar esteja em boas condições de

temperatura e umidade. Estas aberturas devem ter uma área de passagem

total da ordem de uma vez e meia as mencionadas no item anterior.

3) Além das soluções anteriores, será conveniente prever “aberturas

praticáveis” que se comuniquem, pelo menos, com zonas exteriores em

condições de temperatura e vento diferentes. A área de passagem destas

aberturas devem ser proporcionais ao volume do local dividido por 20, tanto

para a entrada como para a saída do ar.

Reunindo estas soluções, estará assegurado, em condições normais, o

funcionamento das estratégias de ventilação mencionadas anteriormente (anti

umidade, ação sobre o corpo e refrigeração noturna). No entanto, as áreas de

passagem mencionadas podem representar pontos fracos no isolamento de

inverno, embora as aberturas praticáveis estejam fechadas. Por este motivo pode-

se reduzir as ditas aberturas a menos da metade do aconselhado, sempre que

isso signifique o favorecimento da eficiência dos diferentes tipos de ventilação

com um desenho adequado. Uma escolha precisa da localização das aberturas e

da colocação de dispositivos ou sistemas especiais que favoreçam a circulação e,

no caso, o tratamento do ar de ventilação, veremos ao tratar do “clima do vento e

da brisa”.

Como resumo geral, seja através do desenho arquitetônico ou utilizando alguns

dos sistemas especiais tratados mais adiante, o “clima do ar e da umidade”

implica, tanto uma boa abordagem arquitetônica, como um correto uso do

edifício por parte de seus ocupantes, contemplando conjuntamente os casos de

inverno e verão.

Deste modo pode se assegurar um funcionamento ambiental da arquitetura

muito superior ao que normalmente acontece; no entanto existem outros

aspectos, que ainda não tratamos e que atual de forma importante no conforto

ambiental dos usuários, em especial o “clima da luz e do sol”, que não deverá ser

desconectado nunca do que foi tratado no presente capítulo.

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18

Capítulo IV.

O clima da luz e do sol.

A radiação eletromagnética é, talvez, a principal fonte de energia presente no

nosso entorno. Partículas sem massa, o fótons, atravessam o universo à

velocidades inacessíveis. O padrão de comportamento destas radiações são as de

um movimento ondulatório, com ondas longitudinais, portanto, que neste caso

pode variar desde valores muito pequenos até quilômetros.

De toda esta ampla gama de radiações, existe uma pequena faixa, entre 380 e

760 nanômetros e comprimento de onda, que são radiações perceptíveis pelo

olho humano. Estas radiações formam a luz visível e nela se baseia grande parte

da percepção humana e, com ela, do conhecimento que temos de nosso entorno.

Mas esta importância da luz não deve nos fazer esquecer que existem muitas

outras radiações no espaço que nos rodeia. Todo corpo que esteja a uma

temperatura acima do zero absoluto (- 273º C) emite algum tipo de radiação e,

esta radiação é emitida em maior quantidade quanto mais alta for sua

temperatura. Quando a temperatura superficial do corpo muito alta o suficiente,

parte desta radiação é visível na forma de luz.

A superfície do sol, muito quente, emite uma grande quantidade de radiação na

faixa visível do espectro. Isto não é acidental, o sistema visual dos animais que

povoam a Terra se adaptou, logicamente, à radiação presente em maior

quantidade no seu entorno, e seus órgãos de visão têm a máxima sensibilidade

onde há mais radiação. Por isso, a luz solar é a base mais importante de nossa

percepção e a mais cômoda para a nossa visão, coisa que, freqüentemente,

parece que esquecemos.

Mas, afinal, a luz não é mais que uma radiação particular e as radiações são

uma forma de energia que atravessa o espaço, indo de um a outro lugar de forma

praticamente instantânea.

Como todas as formas de energia acabam sempre se transformando em energia

térmica, as radiações se transformam em calor ao ser absorvida pela superfície

dos corpos a ela expostas. Por esta razão, pode-se dizer que, no final, a luz

também é calor, tanto na natureza como na arquitetura. Daí que iluminar um

espaço significa aquecê-lo, tanto mais quanto mais luz penetre no mesmo. De

todas as formas, antes de voltar a considerar este aspecto térmico, vamos

analisar um pouco mais o aspecto luminoso.

Entre as diferentes fontes de luz de que dispõe o ser humano, a natural do sol é

a que oferece os mais elevados rendimentos luminosos. Em outras palavras,

iluminando um determinado espaço com luz natural e com um determinado nível

de luz, a quantidade de calor resultante no espaço iluminado é menor do que a

que o calor gerado com sistemas de iluminação artificial. Além do que, se

levarmos em consideração que a luz solar reproduz as cores da melhor forma

possível, nos parece absurdo que iluminemos artificialmente nossos edifícios

durante o dia.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

19

A iluminação artificial, primeiro com gás e depois com eletricidade, nos permitiu

conquistar a noite, não só para o trabalho mas, sobretudo, para recreação. Mas

esta conquista nos levou, infantilmente, a supervalorizar as possibilidades desta

luz artificial e com isso a projetar arquiteturas só habitáveis, de dia e de noite,

com a ajuda deste tipo de iluminação. O moderno paradoxo arquitetônico de

edifícios totalmente revestidos de vidro e com a iluminação artificial interior em

funcionamento durante todo o dia, não é mais do que a conseqüência desta

ingênua fé na artificialidade.

O clima da luz e do sol é, em grande parte, um tema relacionado com a

visibilidade. Dos diferentes parâmetros relacionados com o bem estar, os

luminosos se resumem, muitas vezes de forma equivocadas, em um nível ou

96quantidade de luz (iluminação), mas o que o olho humano vê não são as

quantidades de luz que chegam às superfícies, mas a luz que está sendo refletida

até o olho (luminância).

O que resume a comodidade visual (e a percepção) com maior fidelidade, é o

conceito de visibilidade, que depende das relações entre as claridades

(luminâncias) presentes no campo visual e muito pouco do valor absoluto destas

luminâncias.

A visibilidade inclui os efeitos de deslumbramento3, que é a capacidade de ver

com o mínimo esforço aquilo que o ser humano quer observar; mas considera

este efeito um caso particular de um conceito mais global. Este conceito pode ser

exemplificado perfeitamente com um caso concreto.

Nos países mediterrâneos, onde os dias de inverno são curtos e os de verão mais

longos, como nas costas e ilhas temperadas pelas brisas, a arquitetura se veste

de branco, refletindo descaradamente toda luz visível para evitar seu calor. Mas,

surpreendentemente, as janelas são cobertas por persianas escuras,

normalmente verdes ou marrons, que se destacam sobre as brancas paredes dos

edifícios.

Terá, talvez, a saudade da cor da vegetação, se perdido sob o sol cruel?

Inconstância estética de uma arquitetura tão escassa em recursos? Ou, talvez a

técnica protetora da madeira, própria dos pescadores, tenha sido transferida

para a arquitetura? Em qualquer caso, o fenômeno nos surpreende, a cor escura

absorverá a radiação e a transformará numa maior quantidade de calor presente

no ar e os espaços interiores ficarão inutilizados por falta de iluminação.

Por trás destas considerações, uma vez mais se esconde uma sábia técnica da

arquitetura popular. Porque com o uso da persiana mediterrânea se consegue

uma adequada visibilidade no interior, reduzindo ao mínimo imprescindível a

quantidade de luz que penetra no ambiente e, portanto, também a quantidade de

calor.

A única luz que entra nos locais é a luz refletida pelas superfícies exteriores

(normalmente brancas ou de cor clara) que, também, o faz numa única direção, a

3 Que causa ofuscamento e/ou cegueira.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

20

das lâminas das persianas, que absorve a radiação que não segue esta direção

ascendente.

Como resultado os raios vão incidir diretamente sobre o teto do local, sempre de

cor branca, e daí se distribui de forma difusa pelo dito local. Desta forma, o

resultado é um espaço interior escuro, com uma mancha clara no teto, sobre a

janela, para onde normalmente a visão humana não está orientada.

Em conseqüência, no campo visual dos ocupantes do local não existe nenhuma

superfície de grande claridade, que obrigue a visão a reduzir sua sensibilidade. A

cor escura da persiana reduz a claridade do interior e as áreas mais claras

estarão sobre a mesa, o livro ou o trabalho a ser realizado, iluminado pela

mancha de luz no teto, que fica fora de nossa visão principal.

Se mudássemos as condições, abrindo a persiana, teríamos muito maior

quantidade de luz no espaço, mas a visão do exterior através da persiana, com as

altíssimas claridades de fora, propiciaria uma visibilidade muito pior.

Secundariamente, neste caso, teríamos um aporte muito maior de calor.

Por último, podemos dizer que a luz num espaço é, sobretudo, um problema de

equilíbrio entre as claridades do mesmo. Se também considerarmos como a

direção da luz que incide sobre os objetos (luz dirigida ou luz difusa), produz

sombras que acentuam ou mascaram sua forma, o que é também um jogo de

claridades, obteremos com ela a maior parte dos efeitos visuais da arquitetura.

O efeito da luz que nos permite observar as cores é resultado da reflexão desta

nas superfícies dos objetos observados. Ainda que a legibilidade do espaço

dependa mais do jogo de claridades do que de suas cores, a influência consciente

ou inconsciente da cor da luz e das superfícies que a refletem, têm uma

importância decisiva no bem estar de seus usuários.

Quando consideramos a cor, de modo geral, é quando mais se acentua a

diferença de qualidade entre a iluminação natural da artificial. A entrada de

radiação solar direta tem uma distribuição espectral que consideramos “perfeito”

e as cores dos objetos, refletindo esta luz, são as únicas que consideramos

verdadeiras. Esta qualidade da luz natural, unida a sua economia energética,

justifica qualquer esforço de desenho arquitetônico que contribua para que os

edifícios só utilizem este tipo de luz durante as horas diurnas.

Porque, além disso, existe uma correlação demonstrada entre o tipo de luz e o

ciclo dia-noite, que influi sobre as reações humanas, inclusive sobre sua saúde

fisiológica. O organismo humano, preparado para um ciclo luz-escuridão

determinado, se ajusta com certa dificuldade a estas condições artificiais de

nossa cultura, com excesso de luz em horas noturnas e escassez e pouca

adequação nas diurnas.

Mas o clima da luz e do sol não termina com os efeitos visuais e seria um erro

limitar as análises a esta parte. Como dizíamos no início, as radiações são uma

forma de energia que, como todas, acaba se transformando em calor. A parte

mais importante da influência do clima da luz e do sol sobre o bem estar térmico,

é conseqüência direta disto.

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21

O bem estar térmico se relaciona com quatro parâmetros: temperatura do ar,

radiação, umidade e movimento do ar. Dos quatro, o único que não está

relacionado com o ar é a radiação, que depende do clima da luz e do sol que

estamos comentando.

A importância da radiação sobre a comodidade térmica é muito maior do que

nossos inseguros sentidos parecem explicar-nos. Enganados pela materialidade

do ar, freqüentemente lhe atribuímos a responsabilidade de sensações térmicas

que na realidade provêm de efeitos radiantes.

Quase a metade dos intercâmbios de energia do corpo humano com o ambiente

se realiza por radiação. A pele emite radiação e recebe a radiação emitida pelos

corpos que a rodeiam. Todo o processo é independente do contato com o meio

natural (o ar); o resultado é uma sensação térmica, agradável ou não conforme o

equilíbrio resultante e que, com baixas velocidades do ar depende deste

parâmetro em aproximadamente 50%.

Partindo deste princípio, qualquer estudo do funcionamento térmico da

arquitetura deveria começar pela radiação, e não pela temperatura do ar, como

se faz normalmente. Para entender melhor o processo, analisemos brevemente

como se produzem os fenômenos radiantes nos edifícios.

Sobre os fechamentos de qualquer edifício, constantemente estão incidindo

radiações procedentes do entorno, ao mesmo tempo em que suas próprias

superfícies estão emitindo radiação. No caso em que se dêem aportes diretos de

energia solar, seus valores superam em uma ou duas vezes as do resto dos

intercâmbios radiantes.

Nestas circunstâncias, parte da radiação solar penetra diretamente no interior

das aberturas e outra parte é absorvida pelas paredes e coberturas, esquentando

estes elementos construtivos. A energia que se acumula nos fechamentos acaba

penetrando em grande parte no interior, com um atraso e uma amortização que

dependem, fundamentalmente, do peso (a inércia térmica) destes fechamentos.

A repercussão no ambiente interior é conseqüência do fato de que as superfícies

dos fechamentos, aquecidos conforme processo descrito acima, cede calor para o

ar interior, mas, sobretudo, se transformas em superfícies radiantes que influem

diretamente no bem estar térmico dos ocupantes do espaço. No entanto, e ao

mesmo tempo, os mesmos fechamentos podem se esfriar na sua superfície

exterior, por emissão de radiação ou contato com o ar em horas noturnas ou em

tempo frio. O resultado é uma temperatura radiante para o interior, que influi na

comodidade, com uma importância muito maior do que se acredita normalmente.

Em última instância, o estado energético de um ambiente depende basicamente

da radiação que penetra: diretamente pelas aberturas ou indiretamente pelos

fechamentos opacos em forma de calor. Assim se cria um entorno radiante, no

qual a temperatura do ar é um subproduto e as pessoas experimentam suas

sensações térmicas.

Em situação de frio, no inverno, qualquer aporte de energia é conveniente, Mas

em geral esta situação coincide com baixos níveis de radiação exterior, onde

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somente o aporte direto de energia solar que penetra pelas aberturas, permite

aquecer um interior no qual se deve evitar a perda de calor, isolando os

fechamentos opacos e colocando elementos transparentes nas aberturas, o que

permite a entrada do sol e evita a perda do ar aquecido do interior.

Na verdade, esta situação é relativamente simples. Só é preciso orientar as

aberturas na direção do sol no inverno (entre sudeste e sudoeste) e isolar

convenientemente o ar interior com relação ao exterior. Nos casos mais extremos

pode ser conveniente reforçar a captação de energia, convertendo algumas

superfícies opacas orientadas para o sul em superfícies captoras, simplesmente

pintando-as de cor escura e revestindo-as de material transparente, o que

permite o acesso do sol e dificulta seu esfriamento por contato com o ar exterior

ou por radiação própria.

Com estas estratégias aplicadas de uma maneira coerente é relativamente

simples solucionar, ou pelo menos melhorar, a situação em caso de tempo frio.

Outra coisa será a situação de calor, no verão, na qual os fenômenos são mais

complexos e, embora as conseqüências sejam menos críticas, a solução

arquitetônica é mais difícil.

Na dita situação de calor o fator de maior gravidade é a penetração de radiação

solar direta, que procederá basicamente das direções leste, oeste e zenital. Mas, o

que não se considera normal é que, embora o sol não incida de forma direta, nos

prédios podem penetrar importantes quantidades de energia radiante e sua

prevenção é também obrigatória se queremos evitar sobreaquecimentos

interiores.

O sol refletido no exterior, em outros edifícios ou em terrenos claros, é outro

importante aporte de energia quando penetra por aberturas sem incidência de

radiação solar direta. Neste caso, as aberturas para o norte ou as que se oriental

para o sul protegida por protegidas por beirais, pode significar forte aquecimento

não previsto.

Sempre, quer se trate de aporte direto ou refletido, a entrada de energia está

associada, e é proporcional, à entrada de luz. Por isso existe uma tática fácil de

utilizar em tempos quentes, escurecer os espaços durante o dia, o que é

adequado tanto para climas secos como para climas úmidos.

Mais prejudicial é a entrada de radiação reemitida, que ocorre quando as

superfícies, aquecidas previamente pelo sol, emitem sua própria radiação. Neste

caso se trata de radiação não visível, ou seja, não denuncia sua presença com a

luz, mas que também pode representar importante fonte de aquecimento nos

interiores que a recebem. Além do que, como já comentamos, esta reemissão

pode ser o resultado do aquecimento por radiação solar dos próprios

fechamentos opacos do edifício, que vem a se somar à radiação reemitida pelas

superfícies exteriores e que penetram através das aberturas.

Para solucionar o problema, a tática do escurecimento já não é suficiente e, se

queremos evitar seus efeitos perniciosos, será preciso utilizar recursos mais

sofisticados e menos aparentes.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

23

Evitar o sobreaquecimento por radiação em tempo quente exige uma estratégia

global que deve ser desenvolvida no projeto de arquitetura e que pode-se resumir

em três etapas e uma regra geral, a seguir:

Como primeira etapa, evitar ao máximo a incidência da radiação solar sobre o

edifício e a entrada da mesma nos espaços interiores. Isso pode ser conseguido

com barreiras vegetais ao leste e oeste, orientando o edifício no sentido sul e

norte, evitando as aberturas ao nascente, poente e zenital, protegendo com

beirais ou saliências as fachadas ao sul e colocando persianas nas aberturas

onde incide o sol.

Como segunda etapa e resolvida a etapa anterior, deve evitar-se a entrada de

radiação refletida, que pode proceder de qualquer direção. Para isso é necessário

prever sistemas de escurecimento em todas as aberturas, procurando permitir a

sua ventilação e uma entrada de luz que seja facilmente controlável (ver

comentários sobre a persiana mediterrânea).

Como terceira etapa, e última, resolvida as duas anteriores, reduzir ao máximo a

penetração no interior de radiações reemitidas de qualquer tipo. Para isso, além

de criar proteções nas aberturas para que as mesmas cumpram esta finalidade,

se deve proteger com câmaras de ar e acabamentos exteriores claros as massas

construídas dos fechamentos do edifício, paredes e cobertura. É especialmente

crítica o caso da penetração de calor pela cobertura, que só pode evitar-se

eficientemente criando uma câmara ventilada que impeça o aquecimento da dita

cobertura.

Por último, a regra geral, que pode ser aplicada em todas as etapas e a qualquer

edifício em tempo quente, que deter a radiação “o quanto antes”. Se a barreira é

uma árvore o resultado será melhor do que uma trepadeira; uma parede dupla

com uma câmara de ar ventilada será melhor do que caiar a superfície da

parede, mas, uma superfície branca será mais útil que uma isolamento interno,

melhor uma persiana exterior do que uma interior, etc. Cumprida esta regra, as

condições térmicas dos interiores no verão apresentam uma considerável

melhora.

Em resumo, o clima da luz e do sol na arquitetura é o clima da luz e da sensação

térmica. Trata-se de um clima de difícil avaliação, que freqüentemente engana as

pessoas com respeito às causas de nossas sensações. As soluções são, na

maioria das vezes, relativamente complexas e condicionam o desenvolvimento do

projeto de arquitetura, uma vez que, tendo em mente as etapas e regra

anteriores, pode-se afirmar que soluções acrescentadas posteriormente não

funcionam quase nunca.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

24

Capítulo V.

O clima das paredes.

Quando imaginamos conceitualmente um edifício, são suas paredes que, talvez,

identificamos com sua forma, e mesmo com sua função. Embora, numa análise

mais rigorosa, deveria ser a cobertura a assumir o verdadeiro protagonismo da

forma do espaço interior, mas, na visão tendenciosa do usuário, e, inclusive, na

mais especializada dos arquitetos, é dada a máxima importância a estas paredes

que tão aparente são à nossa vista. Mesmo quando nelas existem aberturas, nós

as entendemos melhor como vazios nas superfícies que são a aparência positiva

da arquitetura e falamos em termos de “cheios e vazios” de uma fachada.

Quando a moderna arquitetura pretende romper com fictícias continuidades, e a

separação interior-exterior substitui suas paredes opacas por painéis totalmente

envidraçados, na verdade está se introduzindo a desmistificação de uma longa

tradição construtiva que, logicamente, produz no usuário e observadores certa

tensão. Mas esta resposta de tipo psicológico não é a única, e existem, como

veremos, repercussões de ordem funcional talvez mais importantes e, entre elas,

se destacam as do tipo ambiental.

As paredes não são só imagem ou suporte estrutural, nelas e com elas se atua de

forma decisiva sobre o ambiente interior dos edifícios, ao ponto de podermos falar

de “clima das paredes”; entendendo por “parede”, no sentido amplo, a todos os

fechamentos opacos que separam o espaço interior do exterior.

Conceitualmente, as paredes são barreiras, separação entre um ambiente

controlado e outro que não o é. Desta forma, si se entende arquitetura como

abrigo e proteção contra as agressões do mundo exterior, a denominação de

barreira para os elementos que cumprem este papel é a que melhor define esta

maneira de ver a arquitetura.

Mas, quando se pensa numa barreira, se assume uma separação total, prefeita,

algo que nunca acontece totalmente com as paredes que construímos. Para

certos agentes exteriores, como é o caso da radiação visível (a luz) e do vento (o

ar), esta ação de barreira é perfeita, ou quase perfeita. No entanto, outros

agentes, como o calor, o som e a umidade, não são totalmente detidos pelas

paredes, mesmo que assim desejem, quase sempre, o arquiteto e o usuário.

Por outro lado, o efeito barreira deve ser considerado em ambos os sentidos e,

por isso, convém analisar não só os efeitos que entram, mas também os que

saem. Às vezes interessa uma barreira a um agente exterior, no caso a água,

mas, ao mesmo tempo, seria conveniente que a mesma matéria, a umidade do ar

interior, pudesse sair. Deste tipo de contradição nasce a sutil variedade das

ações desempenhadas pelas paredes e seus efeitos sobre o ambiente.

Mas, também, as paredes interagem com o ambiente, não só detendo ou

deixando passar as energias em tempo real, mas, também, influindo sobre as

qualidades deste ambiente. Ao refletir a luz ou ressaltar o som, o espaço interior

muda suas características e, por causa disso, um acabamento interior (cor,

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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textura, porosidade, etc.), pode, às vezes, influir mais sobre o ambiente

resultante do que as dimensões ou a forma do espaço.

Por último, se nos centramos no tema climático, entendido como comportamento

térmico da arquitetura, as paredes têm um papel importantíssimo sobre as

condições interiores, não só porque atuam como parreira à passagem do calor,

mas porque, também, são capazes de acumular energia térmica, e este efeito

pode ser decisivo sobre as condições de habitabilidade de um edifício.

O que vem a ser o motivo expresso que transforma o clima das paredes em

característica fundamental da arquitetura, a seguir, com maior detalhe,

comentaremos a ação deste clima sobre os espaços interiores.

As paredes e a radiação são o primeiro tema a ser abordado dada sua dupla

influência, térmica e luminosa, e a importância do tema radiação já tratado

anteriormente. As paredes, como já vimos, são obstáculos á radiação, de modo

geral e barreira à luz. Na verdade, o processo de funcionamento pode ser

analisado da seguinte forma:

Os fechamentos de um edifício recebem a radiação solar incidente, seja direta,

difusa ou refletida. Desta radiação, e conforme o acabamento superficial da

parede, uma parte é refletida e outra absorvida, sem que nenhuma parte desta

radiação seja transmitida diretamente até o interior. Segundo esta análise, não

existe penetração direta de radiação através das paredes e, portanto, tampouco

penetração de luz.

A parte absorvida da radiação, menor quanto mais clara for a cor do fechamento,

se transforma em energia térmica que aquece a parede. Esta transmite parte do

calor até o interior, que é cedido aquecendo diretamente o ar e emitindo radiação

(sem luz) para o interior, o que é chamado reemissão. Neste sentido

consideramos que, ainda que as paredes se comportem como uma barreira quase

total à radiação, ela não o é para a energia térmica que esta radiação comporta, o

que pode representar um problema crítico para o seu funcionamento no verão.

Além do seu comportamento a respeito da radiação solar que recebem, os

fechamentos opacos dos edifícios, também estão envolvidos em outros fenômenos

radiantes. Como qualquer superfície com temperatura acima do zero (-273º C),

emitem radiação de onda larga, que se contrapõe à radiação que recebem do

entorno.

Normalmente estes intercâmbios são pouco significativos, mas quando o entorno

está muito frio e, portanto, envia pouca radiação até a parede, esta se esfria de

forma notável. Este é o caso das condições noturnas em climas secos, onde o céu

escuro envia pouquíssima radiação em troca da que recebe dos edifícios e, por

isso, as superfícies expostas chegam a se esfriar abaixo das temperaturas do ar.

O resultado final dos processos radiantes sobre as paredes é que estas se

convertem em bancos térmicos onde as perdas e ganhos de calor ao longo do

tempo repercute em seu estado térmico, com óbvias conseqüências nas

condições ambientais interiores.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

26

As paredes e o calor seria o segundo tema a ser tratado, que em parte é

conseqüência do anterior, já que a radiação, como já vimos, acaba se refletindo

no estado térmico das paredes. Mas, além deste efeito da radiação,

simultaneamente e em paralelo a ele, existe o da transmissão de calor entre o ar

interior e o exterior.

Ainda que os efeitos se sobreponham, é, fisicamente correto tratá-los com total

independência e compensar em seguida seus resultados, o que faz sentido do

ponto de vista do projeto arquitetônico.

Na transmissão de calor ar-ar através das paredes, costuma-se considerar o caso

teórico uniforme e infinito, onde o calor passa de um ambiente a outro em

sentido perpendicular ao fechamento e na forma de fluxo constante de energia,

correspondente à condições estáveis do ar interior e exterior.

Com esta abordagem, o desempenho das paredes é dada pelo seu isolamento

que, como sabemos, será maior quanto maior for a espessura do material

isolante incluído entre suas camadas (isolante: material leve que contenha

bolhas de ar imóvel, que isolam a passagem do calor).

Mas, na prática, a realidade é muito diferente. As paredes não são infinitas e

apresentam acidentes, aberturas e outras irregularidades que alteram o fluxo de

calor e, sobretudo, as condições não são estáveis em nenhum lado da parede,

onde as temperaturas mudam com o tempo, em especial as exteriores. Nestas

circunstâncias é de singular importância a capacidade acumuladora de calor da

própria parede.

A transmissão de calor através da parede em condições variáveis é afetada pela

inércia térmica da própria parede, que é função direta de seu peso. A inércia

térmica amortiza no tempo os efeitos das modificações da temperatura, dando

lugar a fluxos de energia mais regulares do que se produziriam através de

fechamentos com menor inércia, e reduzindo as oscilações de temperatura na

superfície interior com relação às da superfície exterior de parede.

Como, na prática, as temperaturas exteriores oscilam em três ciclos diferentes (o

dia-noite, o de dias sucessivos com a mudança do clima, e o anual), convém ver a

repercussão desta inércia das paredes sobre as ditas mudanças. Os efeitos são

pouco apreciáveis no ciclo anual, já que o retardamento da passagem do que as

paredes podem produzir, faz com que muitos dos períodos, frios ou quentes, só

se notem no interior do edifício horas ou até dias mais tarde, sendo estas

variações pouco relevantes no curso de um ano.

No ciclo de dias sucessivos, a inércia das paredes tem bastante importância. Os

atrasos de horas ou dias e as amortizações de vários graus na oscilação da

temperatura, são suficientes para que os interiores assim protegidos tenham

condições térmicas muito mais estáveis (em geral mais favoráveis) que o exterior.

Por último, no ciclo dia-noite, a inércia é decisiva, representando os atrasos

(mais de 6 horas em paredes normais) e a amortização (reduzindo a menos de

10%) um feito crucial sobre a resposta térmica interior, Na prática, esta inércia

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

27

dos fechamentos são relativamente fáceis de conseguir e os resultados fazem com

que em seu interior não se note as oscilações exteriores.

Mas os efeitos da inércia da parede não terminam aqui. Sobreposto com o que

tem sobre a transmissão do calor, existe o da sua ação direta no interior

capturando e cedendo o dito calor. Neste caso, os fechamentos são ajudados

pelos elementos construtivos interiores (paredes, divisórias, metais, etc.) e pelo

próprio mobiliário ou outro conteúdo do interior do edifício. Sempre em função

direta de seu peso, todos os materiais situados num interior acumulam energia

térmica quando a temperatura sobe, cedendo o calor acumulado quando a

temperatura baixa, contribuindo para a estabilidade da temperatura interior.

Entre os materiais pesados do interior, a água, que pode estar contida em

qualquer tipo de recipiente, apresenta especial interesse. Em se tratando de um

material com capacidade calorífica cinco vezes superior a dos materiais de

construção normais, para um mesmo volume, e assim, mesmo pesando metade

dos outros materiais, é o melhor acumulador de calor possível para um interior.

Resumindo a relação entre as paredes e o comportamento radiante e térmico, em

termos gerais, a construção pesada é favorável atenuadora das variações

climáticas exteriores. Por isso, em todo tipo de climas, exceto nos quentes e

úmidos, é aconselhável que os edifícios disponham de elementos construtivos

pesados e mais ainda se forem edifícios de ocupação permanente.

O único inconveniente poderia ser o maior custo construtivo deste tipo de

arquitetura, em especial por sua repercussão no dimensionamento dos

componentes da estrutura do edifício.

Mas ainda resta um terceiro tema a ser considerado; as paredes e o som, que

podem reafirmar a conveniência dos fechamentos e separações pesados na

arquitetura. Como é sabido e desenvolveremos mais adiante no “clima do

silencio”, os problemas acústicos básicos na nossa sociedade moderna são os

causados por penetração fora de controle de sons não desejados (ruídos) nos

ambientes habitados.

Nesta entrada de ruídos, sejam procedentes do exterior ou de locais vizinhos, os

fechamentos de separação desempenham um papel fundamental. Además,

resulta que o isolamento acústico de um painel de separação (parede, forjado,

etc.) é função quase direta de seu peso, crescendo este isolamento em

aproximadamente seis decibéis cada vez que se dobra o dito valor.

Segundo esta premissa supondo que não existam descontinuidades na

separação, quanto maior for a massa em quilograma por metro quadrado, melhor

será seu isolamento acústico. Este princípio será importante para melhorar as

separações leves, onde um incremento de 6 dB no isolamento será notável; mas

no caso de paredes que já tenham um certo peso, os custos elevados de dobrar

sua espessura não se justifica pelo pouco ganho relativo no isolamento.

Por causa disto, para isolar ruídos incidentes intensos (maiores que 80 dB), ou

para conseguir níveis de ruído interior muito baixo (menores que 20 dB), o

aumento de peso será insuficiente e será necessário fazer uso de soluções mais

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

28

sofisticadas (paredes duplas independentes e com câmara separadora

absorvente).

De qualquer maneira, o peso é positivo acusticamente e, contrariamente à uma

crença erroneamente difundida, os materiais absorventes de som (poroso e leve)

não servem como isolante, exceto para melhorar as câmaras de ar. Da mesma

maneira, devemos insistir que, numa separação acústica dada, o ruído passa

pelo setor mais fraco, pelo que de nada adianta melhorar uma parede se existe

uma janela por onde o ruído possa passar.

O resultado é que, normalmente as paredes são úteis na arquitetura e melhoram

seu funcionamento térmico e acústico. Apesar disso, um objetivo perseguido

duramente pela arquitetura do século XX, tem sido a arquitetura sem paredes.

Em primeiro lugar pelo desenvolvimento de técnicas estruturais que permitem a

independência entre a sustentação e o fechamento de um edifício, e depois as

técnicas de trabalhos com novos materiais, que permitem uma arquitetura na

qual os fechamentos pesados praticamente deixaram de existir.

Pode-se pensar em motivações econômicas como justificativa para que estes

edifícios sejam revestidos de vidro, mas, acontece que estes revestimentos ainda

são mais caros do que os fechamentos convencionais, de tijolos cerâmicos ou de

blocos de cimento. É evidente, por outro lado, que existe uma motivação estética

e cultural muito forte por trás destas formas arquitetônicas. A estética

geométrica do vidro, com sua pureza e frigidez, é um fator, muitas vezes

inconsciente, que conduz o arquiteto e o promotor a desejar este tipo de

arquitetura, paradigma da modernidade.

Mas existe outra razão oculta por trás da moderna pretensão da arquitetura sem

paredes, que é a da comunicação do interior com o exterior ou, melhor dizendo,

certa necessidade de eliminar a separação com a natureza. Obviamente isso

acontece a nível psicológico coletivo. Numa sociedade que domina o entorno

natural, este já não se apresenta desagradável mas idealizado e transformado em

paisagem, quanto mais amplo e conectado às pessoas, melhor.

Esta é a explicação da ânsia latente em ampliar as janelas, para ter mais “vista”,

justificando o desejo formal que, desde o início do século, levou os arquitetos à

estética diamantina do vidro. Material que existe somente no reflexo, negando a

realidade que reflete e, ao não envelhecer, permite a ilusória união do espaço

interior com a paisagem.

Os ambiciosos arquitetos modernos são aprendizes da alquimia dos construtores

de catedrais que souberam converter as paredes em luz divina, mas hoje, o seu

empenho conseguiu que estas paredes desaparecessem; convertidas

exteriormente nas imagens que refletem e, do interior, substituídas pela

paisagem, que não é arquitetura.

Em última análise, a arquitetura moderna do vidro é a arquitetura do poder,

como o foram as catedrais há oito séculos. Uma vez mais o símbolo é mais

importante que o resultado e isso explica certos paradoxos no seu

funcionamento:

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a) A arquitetura sem paredes necessita de luz artificial acesa durante o dia. A

luz, a partir de valores relativamente baixos, não é um problema de

quantidade, mas de distribuição. Donde se pode concluir que as condições de

iluminação destes edifícios são deficientes, o que se agrava com vidros

especiais que evitam ou filtram a radiação (termicamente considerada), mas

que sempre perdem mais luz que calor na filtragem.

b) A arquitetura sem paredes favorece o contato visual com o exterior, mas

paradoxalmente fecha os usuários com painéis fixos que não se pode abrir

para ventilar ou colocar a cabeça ou a mão no exterior. Esta arquitetura,

artificialmente acondicionada do ponto de vista térmico, não permite que seus

ocupantes alcancem a nível físico o tentador exterior que se vê uma vez ou

outra.

c) O acondicionamento artificial, teórica garantia de comodidade interior, na

prática não pode resolver os problemas que o conceito de arquitetura sem

paredes apresenta. Os fechamentos leves de vidro não apresentam inércia, e

qualquer variação no conteúdo térmico no interior se transformam em

marcantes oscilações de temperatura, que a refrigeração do ar não chega a

resolver. Além do que, tudo isso esta unido aos aportes de radiação que o

vidro não chega nunca a filtrar suficientemente. Muitas vezes se ignora que

com cargas térmicas excessivas, o sistema de acondicionamento de ar será

sempre insuficiente, pois deveria insuflar ar demasiado frio ou demasiado

quente para ser útil, ou deveria mover um volume de ar tão alto (maior que

vinte volumes por hora), que o vento criado seria, por si só, desagradável.

O resultado de tudo isso é, no caminho em direção a um novo século, nostalgia

das paredes e de seu clima, das sábias proporções entre maciço e oco de

arquiteturas pretéritas, capazes de se adaptar sutilmente a todas as variações

climáticas. Como última contradição, orgulho, do que sabemos e alegremente

depreciamos.

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Capítulo VI.

O clima do vento e da brisa.

Ao tratar sobre “O clima do ar e da umidade” comentamos os efeitos sobre o

conforto, a comodidade e as estratégias gerais relacionadas à ventilação e ao

movimento do ar no interior dos edifícios. Para que possamos avaliar a

importância que tem esse movimento do ar sobre o desenho arquitetônico,

devemos complementar o capítulo anterior com algumas explicações sobre a

relação entre o vento e a arquitetura.

Como já vimos, a ação do vento sobre os edifícios têm repercussões diretas e

indiretas sobre as condições do ambiente interior. Por um lado, o vento influi no

micro-clima que envolve as construções; por outro, atua nos fechamentos do

edifício aumentando as perdas de calor para o exterior das superfícies sobre as

quais incide e, por último, penetrando por aberturas e fendas, gera movimento e

renovação do ar interior. Não só mudando as condições do interior mas, também,

afetando o bem estar térmico dos ocupantes, que notam em seus corpos os

efeitos do ar em movimento.

A origem da presença do vento é, uma vez mais, a radiação solar. O aquecimento

não uniforme das diferentes superfícies do planeta sob a ação do sol unido à sua

rotação, estabelece os padrões dos ventos em escala global. Em menor escala, as

características geográficas e topográficas são as que determinam os ventos

presentes num determinado micro-clima. Desta forma, em cada lugar da

geografia existe um regime de ventos irregular, no qual é muito difícil prever as

condições possíveis de intensidade e direção do vento num determinado

momento.

Apesar disso, existem fatores próprios de cada lugar que nos informam sobre a

probabilidade, maior ou menor, de que apareça um vento em concreto. Assim,

sabemos que em regiões próximas à costa, se origina um regime de brisas (mar-

terra de dia e terra-mar de noite), perpendiculares à costa, devido às diferentes

capacidades térmicas da água e da terra.

Igualmente, em regiões montanhosas ou próximas às florestas ou cidades, pode-

se supor quais serão os tipos de vento mais freqüentes, seja levando em

consideração como se geram as brisas nestas zonas limítrofes, onde a floresta

tem sempre mais inércia térmica do que o campo, e este mais do que as zonas

urbanizadas, ou considerando como as barreiras fixas do relevo, da vegetação ou

dos edifícios desviam os ventos predominantes do local.

As características do vento numa região determinada podem ser expressas

graficamente em diagramas que resumem, para cada mês ou estação do ano, a

direção dos ventos com sua freqüência e intensidade.

A partir do conhecimento dos registros meteorológicos dos ventos de uma

determinada zona segundo as diferentes épocas do ano e das modificações

geradas pelos fatores locais, tais como a topografia e outras características do

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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entorno, se pode começar a pensar no vento com relação ao desenho e sua ação

sobre a arquitetura.

Esta ação representará proteger os edifícios dos ventos frios e impedir a geração

de correntes de ar indesejáveis no interior dos locais mas, por outro lado, em

caso de calor, será necessário favorecer a passagem do vento nos edifícios e

permitir a adequada ventilação interior dos mesmos com as pressões e

depressões que o originam.

Em todos estes casos será importante conhecer e controlar as ações dos

elementos construídos sobre o vento, e como se comporta o movimento e as

pressões do ar no entorno dos e no interior dos edifícios.

A primeira ação a ser considerada é a das barreiras que o vento pode encontrar

na sua circulação, sejam eles elementos naturais, construídos ou vegetais.

Como regra geral e para um vento típico e com qualquer um destes tipos de

barreira, a intensidade do vento será reduzida à metade até uma distância de dez

a quinze vezes a altura da barreira, sempre dependendo da forma da mesma.

Uma redução maior, de até um quarto da intensidade, se conseguirá com

barreiras contínuas (não vegetais), até a uma distância de dez vezes a altura da

barreira.

A proteção que as barreiras oferecem ao vento, como é lógico, não têm sua

aplicação restrita aos elementos construídos num determinado prédio mas

também influenciam a ação que este prédio exerce sobre seu entorno imediato e

sobre outras construções próximas.

Um caso que merece especial atenção, com relação à incidência do vento sobre os

edifícios, é o das árvores situadas em suas proximidades. A presença de áreas

arborizadas, em relação ao edifício, deve sinalizar a criação de zonas

diferenciadas no seu entorno, mais ou menos protegidas, ou que aumentem a

ação do vento, conforme sua disposição.

É importante estudar cada caso em planta e em corte, à nível de aproximação

gráfica ou, caso seja possível, em túnel de vento, já que as ações concretas em

um caso particular podem apresentar drasticamente modificadas com ligeira

modificação das proporções das barreiras utilizadas.

O passo seguinte consiste em analisar o efeito sobre os fechamentos do edifício e

dos fluxos de ar. Este efeito se pode resumir, na prática, nas pressões e

depressões que se criam sobre as diferentes superfícies que, em última instância,

geram as correntes de ar, desejadas ou não, através dos espaços interiores.

Sob uma forma básica simples, paralelepípeda, quando o vento incide

perpendicularmente a uma de suas faces, é gerada uma acentuada pressão na

dita face, uma depressão menor na face oposta e uma ligeira depressão nas faces

laterais, na zona mais próxima à face submetida à depressão.

Em outros casos, ao modificar a direção do vento ou a forma do edifício que o

recebe, modifica-se a partição das pressões sobre seus fechamentos.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

32

Logicamente, sempre se conserva a pressão nas superfícies que recebem o vento

e a pressão negativas nas superfícies situadas no sentido contrário mas, muitas

vezes, não é fácil conhecer o estado das superfícies restantes.

Por outro lado, a presença de irregularidades sobre as fachadas dos edifícios,

pode modificar a partição das pressões do vento, acentuando-as ou diminuindo-

as conforme o caso. Como já comentamos, o repertório de casos possíveis é

muito grande mas, apesar disso, aplicando-se a lógica e o senso comum aos

casos concretos, pode-se deduzir com bastante precisão a situação real.

Uma vez conhecida as pressões que o vento exerce sobre as superfícies de

fechamento do edifício, o passo seguinte é determinar os fluxos de ar através do

mesmo.

A primeira distinção a ser feita é entre os casos de infiltrações, por fendas e

pequenas aberturas no inverno, e de passagem livre da ventilação no verão.

No primeiro caso, a partição das pressões se conserva tal e qual como já vimos

anteriormente, mas no segundo caso, as mesmas aberturas podem aumentar, ou

diminuir, as pressões (ou depressões) na zona considerada. Este fato pode ser

importante No planejamento das aberturas de uma fachada, por exemplo.

Como a corrente de ar se estabelece sempre entre duas aberturas em situações

de pressão diferentes, será conveniente estudar as diferentes possibilidades de

passagem do ar no interior do prédio. Como regra geral, o fluxo de ar seguirá a

trajetória mais fácil, ou seja, aquela na qual exista uma diferença de pressão

mais alta e uma resistência à sua passagem mais baixa. Segundo este princípio,

podem ficar quase sem ventilação zonas que, teoricamente varridas pelo ar.

Outra recomendação geral, no caso de se querer favorecer a ventilação, seria a de

super dimensionar a superfície das saídas em relação as de entrada. Como a

ação das pressões negativas costuma se menor do que as positivas, o ar de saída

circula em velocidade mais baixa do que o de entrada, para um mesmo caudal

total.

Analisando a disposição das aberturas, sempre será conveniente situar as de

saída em posição mais alta e as de entrada em situação mais baixa. Ainda que

esta solução não apresente vantagens significativas nos casos em que exista um

vento de mínima intensidade, é útil em situações de calmaria, na qual o ar mais

quente sobe até as partes mais altas dos espaços, e tende a sair pelas aberturas

disponíveis e é substituído pelo ar mais fresco, que penetra pelas aberturas

inferiores.

Como é lógico, todas estas recomendações, destinadas a favorecer a passagem do

ar pelo interior de um edifício, não são desejáveis com o tempo frio, no qual não

interessa a ventilação. Um projeto para climas variáveis, como é o caso do

mediterrâneo, deve prever soluções flexíveis que possam se adaptar a diferentes

circunstâncias.

Supondo a existência de determinadas aberturas destinadas a favorecer a

passagem do ar pelo interior de um edifício, permanece de grande importância

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

33

considerar como se realiza a trajetória do ar pelo interior do local, ou locais, que

este movimento afeta.

Como já mencionado anteriormente, o ar tenderá a seguir p caminho mais fácil (e

mais curto) entre a entrada e a sida; em conseqüência, não existirá uniformidade

na ventilação dos espaços interiores, podendo haver zonas com o ar praticamente

estático ao lado de outras com uma considerável corrente.

Se isso acontece na ausência de paredes e móveis que afetem as correntes de ar,

quando estes existem a determinação das zonas afetadas ou não é muito mais

complexa. Da mesma maneira que ocorre com o vento exterior, a casuística é

inatacável e, por sorte, na maioria dos casos a lógica e o bom senso permite

estimar o comportamento real da ventilação de um determinado espaço.

A partir do conhecimento geral dos princípios que regem “o clima do vento e da

brisa” na arquitetura, o objetivo do projeto será otimizá-lo, também de acordo

com o que se comentava ao tratar sobre “o clima do ar e da umidade”.

Em primeiro lugar, deve-se considerar a orientação e a correlação do entorno

do projeto, procurando-se favorecer ou dificultar, conforme cada caso, a

passagem do vento. Para isso convém conhecer as direções dos ventos

predominantes conforme as diferentes épocas do ano, diferenciá-los entre os

favoráveis e não favoráveis, e atuar em conseqüência destas informações. A

atuação pode consistir em proteger-se com uma diminuição ou procurar uma

situação mais ventilada, em criar barreiras vegetais ou painéis que direcionem o

vento e, se for o caso, criar barreiras construídas com paredes.

O passo seguinte deveria ser a escolha da forma mais adequada para o edifício,

aerodinâmica se o vento é um problema e o contrário e ele é desejável. As formas

alongadas devem se situar transversalmente às direções do vento desejáveis

(brisas no verão, por exemplo) e paralelas às do vento inconveniente. Na

orientação da forma o ponto crítico é a combinação da ação do vento com a

orientação solar adequada.

Além da orientação geral da planta, também é muito importante a orientação do

edifício em corte, principalmente da cobertura. A arquitetura popular nos mostra

inúmeros exemplos de adaptação das formas arquitetônicas ao vento.

O terceiro ponto a considerar no projeto será a disposição das aberturas em

relação às pressões previsíveis sobre os fechamentos e sobre a distribuição dos

espaços interiores. Convém que os dois aspectos da questão sejam analisados

conjuntamente, já que estão inter-relacionados. O resultado final da circulação

dependerá de ambos, sempre segundo a dificuldade, ou facilidade, que passagem

do vento possa encontrar no seu caminho.

Por último, para as aberturas, será importante escolher adequadamente os

dispositivos de regulação do fluxo do ar. As janelas do tipo “tudo ou nada” são

pouco flexíveis na prática e, por isto, especialmente em locais com climas

variáveis, como é o caso do mediterrâneo, é importante escolhes sistemas que

permitam diferentes posições que regulem o fluxo, desde a abertura total até o

hermetismo quase absoluto.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

34

Com este conjunto de medidas, bem aplicadas, torna possível assegurar um

controle natural dos efeitos do vento na arquitetura sem necessidade de recorrer

a complexos sistemas artificiais, sempre sujeitos a avarias e que tem, por

definição, uma ação psicológica negativa sobre o conforto dos ocupantes.

Mas, além destes recursos gerais, analisados até aqui como parte do projeto do

conjunto do edifício, existe outro tipo de análise especializada que convém

conhecer. Trata-se da análise do problema da ventilação do ponto de vista do

controle natural do ambiente como um problema de geração de movimento do

ar e do controle das características do mesmo, criando, á vontade, brisas aonde

não existe e dando-lhe, deste modo, uma nova dimensão ao clima do interior de

um edifício.

Os sistemas de ventilação e tratamento do ar são componentes ou conjuntos de

componentes de um edifício que têm como missão, por um lado, facilitar a

passagem do ar por seu interior, mas, além disso, também podem tratar o ar da

ventilação, melhorando suas condições de temperatura e umidade.

Normalmente estes sistemas se estudam caso a caso, mas deve-se ter em conta

que, na prática, deve-se dispor de dois ou mais sistemas diferentes; classificadas

por nós em:

a) Sistemas geradores de movimento de ar; e

b) Sistemas de tratamento do ar.

Os sistemas geradores de movimento de ar são aqueles componentes que

forçam a passagem do ar em conseqüência dos efeitos das pressões e depressões

geradas por seu movimento. Seus efeitos são avaliados a partir da renovação

forçada do ar por hora (Rh). A renovação do ar se calcula em metros cúbicos por

hora ou em metros cúbicos por volume do cômodo. Mas, alem disso,

representam, em cada caso concreto, uma determinada velocidade do ar no

interior (vi), medido em metros por segundo.

O primeiro e mais simples dos sistemas para movimentar ar é a ventilação

cruzada, já mencionada anteriormente. Aconselhável a todos os climas quentes e

úmidos assim com temperados no verão, as aberturas devem situar-se nas

fachadas que se comuniquem com espaços exteriores em condições de radiação e

de exposição aos ventos diferentes. Este tipo de ventilação pode gerar de 8 a 20

Rh, com ventos relativamente fracos.

Outro sistema, também já comentado, é o efeito chaminé, produzido pela

criação de uma saída de ar criada por aberturas situadas na parte superior do

espaço, conectado, se possível, a um duto de exaustão vertical. A própria

diferença de densidade do ar, em função da temperatura, faz com que o ar

aquecido saia por estas aberturas.

Este sistema se completa com a presença de aberturas inferiores para a entrada

de ar mais frio, que asseguram seu funcionamento. A ventilação gerada não é

muito alta, da ordem de 4 a 8 vezes o volume do ambiente, em renovações por

hora, suficiente para evitar a estratificação do ar aquecido na parte superior dos

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

35

ambientes interiores, mas que não funciona muito bem no caso de as

temperaturas exteriores serem altas.

Outro sistema é a câmara ou chaminé solar, que funciona captando a radiação

solar dentro de uma câmara com uma superfície de cor escura protegida por

uma lâmina de vidro. O ar, ao esquentar, diminui de densidade e produz um

efeito de sucção na abertura inferior em contato com o ar interior. Estas câmaras

solares devem ser orientadas para aproveitar a máxima intensidade da radiação

solar direta e não criam uma ventilação muito alta, com renovação entre 5 a 10

volumes por hora, mas apresentam algumas vantagens interessantes, como o

fato de poder ser facilmente combinada com sistemas de tratamento do ar e que

seu rendimento aumenta com a intensidade da radiação, paralelamente ao

aumento de calor que esta radiação produz.

Outros sistemas para extrair o ar do interior são os aspiradores estáticos, que

produzem uma depressão interior no edifício devido à sucção gerada pelo efeito

Venturi num dispositivo estático situado na cobertura. Existe uma grande

variedade de tipos de aspiradores estáticos, tanto no tamanho quanto na forma

em que são fabricados.

Estes sistemas de ventilação são úteis em climas temperados e quentes, mas

devem ser zonas com ventos constantes se queremos que tenham utilidade real.

Os caudais de extração são muito variáveis, dependendo tanto do tipo de

dispositivo escolhido como da intensidade do vento. No caso de ventos de certa

intensidade é relativamente fácil gerar renovações superiores a 10 volumes por

hora.

Também se pode criar movimento de ar até o interior do edifício, no sentido

contrário aos sistemas tratados até agora, como é o caso das torres de vento.

Nelas se utiliza uma torre, que se eleva até a uma altura suficiente para localizá-

la acima da cobertura do edifício que capta o vento onde ele é mais intenso. Este

ar captado é conduzido para o interior do edifício através de dutos.

É um sistema válido para climas quentes e com ventos freqüentes e intensos,

mas a ventilação gerada não é muito grande, com renovação entre 3 a 6 volumes

por hora. A vantagem destas torres é que se pode combinar com diversos

sistemas de tratamento do ar bem como com os sistemas de exaustão já

mencionados.

Os sistemas de tratamento do ar são componentes que permitem que um

determinado caudal de ar da ventilação possa melhorar suas condições iniciais.

Estes sistemas se caracterizam pela modificação nas condições do ar que entra

no ambiente interior que, normalmente, são a temperatura e a umidade do

mesmo.

Os mais usuais são os que favorecem a evaporação de água na corrente de ar. O

efeito da refrigeração evaporativa se baseia no princípio de que um líquido, ao

evaporar, rouba energia térmica do ar no qual está em contato esfriando-o,

mesmo que aumentando seu conteúdo de vapor d’água. Por este motivo, no caso

de um ambiente muito úmido, o ar terá pouca capacidade de evaporação. São

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sistemas apropriados para climas quentes e secos ou situações similares em

climas temperados no verão, e seu funcionamento depende basicamente da

relação existente entre a superfície de água e o volume de ar tratado.

Um sistema de tratamento de ar deste tipo são as torres evaporativas, que têm

paredes umedecidas em contato com o ar. A evaporação produz um impulso para

o interior resfriado, mas, considerando que este efeito é muito reduzido ele só

apresentará resultados satisfatórios se combinados com sistemas de exaustão

que forcem a passagem do ar pelas paredes da torre. Se a torre for projetada

como torre de vento para captar a entrada de ar, estará cumprindo esta dupla

função.

Trata-se de sistemas úteis para tratar pequenos espaços, já que em outro caso a

relação entre a superfície úmida de contato e o volume de ar a ser tratado será

demasiado pequena e seu efeito no ambiente interior, insignificante.

O pátio é outra solução de ventilação e tratamento, aparentemente simples é, na

verdade, muito complexa, uma vez que, no mesmo, muitos fenômenos agem

simultaneamente, sendo difícil isolar os efeitos de cada um dos elementos do

conjunto. Seu efeito ambiental consiste em criar um espaço aberto dentro do

volume construído, que gera um micro-clima específico relativamente controlado

e atua como filtro entre as condições exteriores e as interiores.

Como outros espaços intermediários o pátio não atua somente sobre as

condições térmicas, mas, também, sob os efeitos luminosos e acústicos. Como

tratamento do ar, que é o caso analisado aqui, a vegetação atua sobre sua

temperatura e umidade, sempre por efeito evaporativo, mais efetivamente se

existe um chafariz ou um tanque d’água dentro deste micro-clima.

Também atua de outras formas, protegendo sua esfera de influência da radiação

solar direta, mantendo, desta maneira, as temperaturas do ar mais baixas.

Agindo de forma complexa o pátio se adapta a climas muito diversos, mas em

geral sua atuação é recomendada para climas quentes e secos ou temperados.

A ventilação subterrânea consiste em favorecer a entrada de o ar proveniente do

exterior por um conjunto de dutos enterrados. Neste caso se aproveita a inércia

do terreno refrigerar o ar mediante contato direto do ar com o terreno.

É um sistema adequado para climas com grande oscilação térmica, já que os

dutos situados a grandes profundidades (de 6 a 12 metros conforme o tipo de

terreno), apresentam temperaturas praticamente constantes durante todo o ano.

Se o ar a ser tratado for seco, o rendimento do sistema pode melhorar com

terrenos úmidos, já que aumenta sua transmissão térmica ao mesmo tempo em

que pode resfriar o ar por evaporação. Como a transmissão de calor do ar para a

terra é muito lenta, deve-se utilizar dutos com longos percursos para obter

efeitos apreciáveis e, por este mesmo motivo, o sistema apresentará melhores

efeitos em construções descontínuas.

Resumindo todas as estratégias comentadas no “clima do vento e da brisa”, sua

aplicação em projetos arquitetônicos não é simples e apresenta um alto grau de

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imprecisão no seu uso. A regra geral deve consistir em prever sistemas flexíveis e

confiar que os usuários saibam utilizá-los com a máxima eficiência.

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Capítulo VII

O Clima do silêncio

Pode parecer insólito que, ao falar dos climas da arquitetura nos refiramos ao

“clima do silêncio”, entendemos, porém, que faz todo o sentido se estamos

analisando o ambiente interior e sua ação sobre o ser humano que o habita. Os

ocupantes de um edifício recebem, constantemente, uma série de estímulos

energéticos que são percebidos, conscientemente ou não, através de seus

diversos sentidos naturais. Ao contrário do que muitas vezes parece, estes

estímulos não são independentes entre si e o bem estar dos usuários depende de

sua ação conjunta, com efeitos que não podem ser avaliados como uma simples

soma das ações individuais sobre cada um dos sentidos.

No caso do som, que percebemos com nosso sentido auditivo, está demonstrado

que as sensações sonoras atuam sobre nosso bem estar, não só diretamente,

mas também modificando, e com freqüência para pior, nossas sensações

térmicas, luminosas ou de outro tipo qualquer. Por isso, neste capítulo

comentaremos o comportamento acústico da arquitetura porque, também, as

resoluções de projeto para melhorar o desempenho térmico ou a iluminação de

um determinado espaço, terão sempre conseqüências acústicas que convém

conhecer.

Ainda o som, como todos os outros fenômenos ambientais, é portador de uma

determinada quantidade de energia que é transferido ao ambiente (neste caso,

energia mecânica), devemos ter em conta, porém, que as potências energéticas

envolvidas na produção do fenômeno sonoro são muito pequenas em comparação

com os outros casos. Por este motivo, a presença do som dificilmente terá

repercussões sobre o estado térmico de um interior ainda que, inversamente, é

fácil que qualquer perda de energia de sistemas ou máquinas existentes no

interior considerado repercuta, se existem vibrações, na geração de sons de alta

intensidade relativa.

Talvez por este motivo, na nossa moderna sociedade a acústica arquitetônica

tomou um sentido muito diferente do tinha, historicamente. O que antes era um

problema de reprodução do som nos interiores, quando havia interesse que estes

sons de difundissem no ambiente de maneira adequada (palavra ou musica, por

exemplo), na atualidade se transformou basicamente num problema de proteção

contra ruído.

A “escória sonora” que rodeia os espaços onde habitamos faz com que o problema

acústico se converta numa questão de proteção, de criação de barreiras

separadoras. Por isso, da mesma maneira que acontece nosso sentido do olfato,

nosso sentido acústico é, sobretudo, de defesa e, somente em pequena monta, de

comunicação, esta sim, cada vez mais individualizada.

Mas, antes de prosseguirmos, devemos distinguir de maneira clara o que

significa, conceitualmente, som e ruído. Ainda que do ponto de vista físico um

som (vibração mecânica no ar captada por nossos sentidos) se transforma em

ruído quando deixa de ser som puro (uma única freqüência) ou um som musical

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(divisão de energia pra diferentes freqüências seguindo uma ordem matemática),

mas, para nós, a classificação se baseia em outros critérios, do tipo psicológico.

Qualquer som que percebemos se transforma em ruído desde que se trate de um

“som não desejado”. Neste sentido tanto pode tratar-se da mais maravilhosa

sinfonia, como o matraquear intenso de um motor; o que o converte em ruído é

sua inutilidade. Neste caso, também, si se trata de um som que carrega alta

carga de informação (como a palavra) e não é o som que se deseja ouvir, o mal

estar será maior ainda.

Nossa atenção inconsciente, excitada pela carga informativa de um som que não

nos interessa, transforma este som em um incômodo maior ainda, mesmo que

seu nível de intensidade seja baixo.

Ainda que não tomemos consciência deles, nossa vida transcorre em ambientes

sempre repletos de sons, alguns informativos, outros agradáveis, em grande

parte agressivos (ruídos), mas a maioria dos sons estão presentes sem que

tomemos consciência deles.

São sons muitas vezes irrelevantes ou pouco significativos, com freqüência

monótonos ou rítmicos, que se converteram numa parte tão conhecida do nosso

entorno que não merecem a atenção de nosso registro cerebral consciente. Os

ouvimos, mas não os registramos, o que não significa que não influem

inconscientemente sobre nosso estado de ânimo e sobre outras sensações e

reações ambientais.

A conclusão mais importante destas considerações é que o silêncio só existe

como a negação de um som que estávamos escutando e que desapareceu, ou

como a prazerosa sensação de descanso quando se apaga o som que ouvíamos,

mas nos incomodava inconscientemente. Sobre estes fictícios silêncios

construímos uma parte importante de nossas vidas. Inclusive, uma das mais

impactantes sensações estéticas que uma pessoa possa apreciar, a musica, é

construída em grande parte com estes silêncios inexistentes.

No inapreensível mundo do som, que, como vive no ar reparte com ele a

evanescente qualidade de estar sem ser, de enchê-lo sem que possamos sujeita-

lo, o som também “enche” a arquitetura. Não só está presente na arquitetura,

mas com ela interage, se reforça, se corrige e se enriquece. Na verdade, os

edifícios são como grandes instrumentos musicais, que às vezes soam de

maneira muito agradável, mas que, por desgraça, cumprem pessimamente sua

missão com muita freqüência.

Esta capacidade de ter sua acústica própria deveria ser considerada o elemento

positivo do som na arquitetura, entender os espaços como ressonadores dos sons

que nela se produzem, palavras, musica, mas também passos, golpes, cliques de

interruptores, “repiqueteo” da chuva, pulsações de teclados ou o “murmulho” de

fontes.

Em todos os casos, estes sons podem melhorar ou piorar com os acabamentos e

formas dos fechamentos ou mesmo com as proporções do espaço considerado. É

interessante constatar como, nos estudos de acústica arquitetônica, se pôde

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comprovar que os espaços que cumpriam as leis de estética mais conhecidas das

proporções geométricas, de base matemática e visual, resultaram em

compartimentos acústicos mais nobres que outros espaços desproporcionados,

segundo estas mesmas leis.

Esta aproximação positiva do som na arquitetura deixou, nos dias de hoje, ainda

mais mascarado pelo mencionado problema da “escória sonora” onipresente na

nossa moderna sociedade e, também, pelo mesmo desenvolvimento tecnológico

que, com os modernos sistemas de gravação, transporte, armazenamento e

reprodução do som, tenta nos fazer acreditar que a ação da arquitetura sobre a

acústica já não é importante.

Talvez, com a acústica estejamos cometendo o mesmo tipo de erro que caímos

com as técnicas climáticas propriamente ditas. Como já mencionamos, falando

do clima da arquitetura, existem situações nas quais as instalações artificiais de

refrigeração não conseguem compensar as deficiências do edifício, e não é por

limites econômicos ou capacidade das máquinas, mas pelos limites fisiológicos

de conforto do usuário que não suporta caudais excessivos ou temperaturas

muito baixas do ar insuflado. Da mesma forma, nos espaços acústicos

claramente desproporcionados e com uma ressonância excessiva, as melhores

técnicas eletroacústicas fracassarão se tentarem conseguir um som agradável.

Uma vez mais, as muletas que para a arquitetura representam muitas vezes os

sistemas artificiais de controle ambiental, se mostrarão insuficientes para tornar

um ambiente adequado se não existe uma base apropriada no corpo desta

mesma arquitetura.

Retornando ao princípio, para trabalhar o som na arquitetura, o primeiro que

temos que saber é conquistar o silêncio. Se trata de um silêncio relativo,

inexistente, o silêncio do som que nos permite atuar sonoramente sobre ele, sem

ferir com ele a fisiologia humana.

Para isso se fazem necessárias barreiras, quanto mais perto da fonte do ruído

melhor. De nada nos serve uma grossa parede como barreira acústica se nela

houver um pequeno buraco pelo qual se infiltrará todo o ruído. Mais vale reduzir

o ruído na sala de máquinas do que isolar acusticamente o dormitório com

soluções sofisticadas e caras.

Se levarmos esta abordagem ao limite, os edifícios deveriam ser um ajuntamento

de caixas estanques, elasticamente independentes. Cada espaço seria um recinto

claustrofobicamente isolado com pesadas paredes, não só dos outros espaços,

mas, sobretudo, do espaço externo; silenciosos ataúdes enfim. Mas, por sorte,

existem outros recursos, o som pode ser atenuado no seu caminho, várias

barreiras leves podem dar mais resultado que uma pesada. Sobretudo, pode-se

obter surpreendentes resultados isolantes com uma adequada distribuição

espacial dos recintos.

Poderemos obter recintos que talvez não sejam tão silenciosos, mas que podem

ser trabalhados de maneira positiva com relação ao som, conservando o valor

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informativo que têm, inclusive, os sons não desejados e que nos mantêm

conectados psicologicamente como nosso entorno.

Se a arquitetura pertence a um determinado lugar, deve estar conectada

sonoramente, mas não agressivamente, com ele; como deveria estar, também,

térmica e luminosamente e com sua ventilação. O recurso supremo não é

separar-se do lugar e construir anônimos edifícios transplantáveis a qualquer

lugar do mundo, sem utilizar com critério e sabedoria nossa tecnologia para

aproveitar o muito de positivo que o entorno pode nos oferecer, eliminando de

forma adequada suas agressões indesejadas.

Repassando os processos de desenho que afetam o “clima do silêncio”, podemos

definir as estratégias mais adequadas para cada aspecto do projeto arquitetônico.

Em primeiro lugar deve-se considerar a orientação do prédio, onde, se possível,

deve-se procurar proteção topográfica ou da vegetação existente para qualquer

ruído existente, apesar de sabermos que os sons mais graves se difratarão e

chegarão até nós, mesmo que estejamos visualmente protegidos. Apesar de a

arborização representar uma barreira relativa e de que é necessário mais de 30

metros de largura para que uma área arborizada para se conseguir isolamentos

acústicos importantes, qualquer barreira é boa, mesmo que seja somente pela

proteção visual, que nos impede de ver o elemento disturbante (vias, indústria,

discoteca, etc.).

O ruído é um fenômeno físico, mas sua ação perniciosa tem um importante

componente psicológico. Acomodando-se com facilidade aos estímulos

persistentes, nossas mentes podem não registrar alguns ruídos, sobretudo se os

estímulos visuais não ajudam a recordá-los. Por isso, ruídos amortizados podem

ser uma parte do silêncio relativo mencionado, que conserva nossa conexão com

o mundo.

Uma segunda ação de projeto possível é a correção do entorno, tratando-se

aqui da proteção de nosso espaço arquitetônico contra o espaço que o rodeia. As

barreiras, neste caso poderão ser relevos artificiais, muros ou cercas, vegetação

de vários tipos, etc. A regra geral é a mesma: a barreira visual não significa

barreira acústica, mas ajuda psicologicamente. Se não podemos aproximar a

barreira do ruído, podemos a aproximar do espaço protegido, procurando evitar

que estas se localizem no meio onde a difração as tornará inúteis.

Uma correção adequada pode criar uma área protegida no entorno ou, no

mínimo, perto da entrada do edifício. Este tipo de consideração pode ser

interessante porque procura diminuir a sensação desagradável na mudança do

ambiente externo, barulhento, para o interior, onde parece que a arquitetura nos

protege e acolhe antes de nela penetrarmos.

Um espaço deste tipo, eventualmente complementado com proteção contra o

vento ou chuva e referenciado mediante uma gradação luminosa (sombreamento

diurno, iluminação quente à noite), pode configurar um agradável preâmbulo

ambiental à experiência de refugiar-se num edifício da agressividade do mundo

exterior.

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42

A terceira ação de projeto a ser considerada é a própria forma do edifício, que

tem em sua resolução muitos pontos em comum com os outros fenômenos

ambientais. No caso de existir uma direção do ruído predominante, o edifício

deve expor a menor superfície possível a esta direção, como sucede com o vento e

inversamente ao que convém fazer com o sol no inverno.

Sem dúvidas, como no caso do vento, existe outra estratégia de sentido contrário,

consistente em expor uma ampla dimensão do edifício ao ruído (ou ao vento),

para que o próprio edifício seja o elemento protetor contra o agente incômodo aos

espaços interiores e, também, à parte do espaço exterior. Neste caso, como é

lógico, a função de defesa da superfície exposta será a mesma da pele.

De qualquer maneira, seja qual for a estratégia usada com a forma do edifício,

sempre será necessário considerar conjuntamente as orientações da mesma com

relação ao sol, ao vento e ao ruído. A melhor circunstância se dará quando as

duas últimas coincidem em ser perpendiculares ou em paralelas ao sol. Se não,

em última instância, devemos escolher entre as diversas opções, como sempre

ocorre no desenho arquitetônico.

Outros recursos relacionados com a forma do edifício, consistem no princípio da

auto proteção, com a criação de espaços rodeando a própria construção: pátio,

átrio, claustro, peristilos ou jardins internos. Uma vez mais aqui se combinam os

recursos válidos para o controle do clima propriamente dito com os do “clima do

silêncio”.

O espaço do pátio protegido do ruído e do vento, refrescado e, ao mesmo tempo,

acusticamente tranqüilo com a presença de um chafariz, sombreado e perfumado

com vegetação, resulta na mais perfeita integração que se pode imaginar em

recursos ambientais.

O quarto nível é o dos fechamentos (paredes, coberturas e aberturas), que

caracterizam o que chamaremos de pele do edifício, última estratégia para

controlar a penetração do som exterior. Como já adiantamos, o peso é o primeiro

recurso para deter o ruído, mas ele é somente parte de um esquema mais

abrangente de proteção. Os fechamentos opacos pesados precisam

complementar-se com aberturas estanques ao ruído; de outra maneira seriam

inúteis como barreira acústica.

Por esta razão, o principal esforço de desenho, pelo menos no que se refere aos

fechamentos com aberturas ou os que são totalmente abertos, como é o caso das

fachadas com “cortinas de vidro”, será o de melhorar o desempenho destes

fechamentos leves no enfrentamento ao ruído.

Mas estes fechamentos são passíveis de serem abertos, e os são, precisamente,

para que haja uma comunicação do interior com o exterior. Desta forma, quando

estiverem abertos desaparecerá todo seu efeito como barreira acústica e, neste

caso, deve-se proteger de maneira indireta e reduzir o ruído com sistemas

especiais, como se verá adiante.

O último nível é o do interior do edifício, sem dúvidas, o mais complexo. Nos

interiores as ações acústicas a considerar são muito diversas. Por um lado estão

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os ruídos que procedem do exterior, mais ou menos controlados segundo os

parâmetros anteriores e, por outro lado, estão os sons interiores que deverão ser

amortizados e contidos mas, se são sons desejados, deverão ser reproduzidos e

enriquecidos pelos espaços nos quais se propagam.

A primeira estratégia a ser considerada é a já mencionada da distribuição

espacial dos diferentes locais. Consideraremos os ambientes interiores, tanto do

ponto de vista de sua relação com as orientações geográficas e das ações

referentes ao clima exterior, como da relação que possa existir entre os

ambientes entre si.

Com este objetivo analisamos as funções que os edifícios desempenham segundo

sua importância relativa e seu relacionamento “topológico” que tenham com o

exterior e com outras funções.

Classificamos ambientalmente os diferentes espaços interiores de um edifício em

três tipos gerais:

a) Espaços principais. Pedem condições ambientais de comodidade mais

estritas. Em geral destinados a um uso que exige uma permanência

contínua do mesmo. No caso de residências, se trataria da sala de estar e

de refeições e dormitórios, por exemplo. No caso de edifícios comerciais

seriam os escritórios, sala de reuniões, etc.

b) Espaços secundários. Permitem certa flexibilidade das condições

ambientais. Trata-se de espaços de uso contínuo, tanto no tempo como no

espaço. Em quase todos os tipos de edifícios podem ser espaços de

circulação, de armazenagem, etc.

c) Espaços independentes. Têm características ambientais próprias que,

conforme a função do espaço, podem ter exigências próprias ou ser muito

diferentes dos outros espaços do edifício. Trata-se pois de espaços que não

podem ou não devem se integrar ambientalmente com os outros

ambientes. Um exemplo disto são as cozinhas em edifícios residenciais e

salas de reuniões em edifícios de escritórios.

Do ponto de vista acústico, deverá relacionar-se a posição dos espaços com a

existência de ruídos exteriores. Para tanto se deverá evitar a percepção dos

ruídos irritantes nos espaços principais. Neste caso pode-se usar os espaços

secundários como barreira com relação às direções de onde venha o ruído.

Devemos ter em consideração tanto a orientação geográfica como a direção de

onde provêm outras ações exteriores, tanto climáticas (o sol e o vento, por

exemplo), como urbanas (poluição e ruídos). Em seguida devemos tentar proteger

ao máximo os espaços principais, mas sem que percam totalmente o contato com

o exterior.

Sobre a distribuição dos espaços no interior do edifício, consideramos as relações

entre os diferentes tipos de espaço possíveis. As relações que se estabelecem

entre eles dependem de suas características ambientais, tendo em mente que

cada um dos espaços pode gerar ou requerer determinadas condições ambientais

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que, por sua vez, podem influir as condições dos espaços contíguos. Numa

primeira análise classificamos os tipos de espaço conforme o tipo de função que

se desenvolvem nos mesmos.

Podem ser: Tipo 1) funções complexas (produzem energia e requerem controle);

tipo 2) funções geradoras (produzem energia e não requerem controle); tipo 3)

funções receptoras (não produzem energia e requerem controle) e tipo 4) funções

passivas (não produzem energia e não requerem controle).

Do ponto de vista acústico, como exemplo de produtores de som que requerem

controle acústico temos: salas de música, salas de estar com TV ou HI-FI, salas

de reuniões, etc. Como exemplo do tipo 2, ruidosos mas que não requerem

controle temos os sanitários, cozinhas, elevadores e sala de máquinas. Como

exemplo do tipo 3 temos dormitórios, bibliotecas e salas de estudo, por exemplo.

Por último, como exemplo do tipo 4, silenciosos e que não requerem controle,

temos armários, arquivos, vestiários, etc.

Assim podemos estabelecer um quadro de compatibilidade que pode ser aplicado

a qualquer espaço, incluindo-se os exteriores.

Como regra geral, duas funções incompatíveis devem estar junto de uma função

compatível com as duas. Os espaços passivos do tipo 4 podem servir de

protetores aos do tipo 3 contra os de tipo 1 e 2; estes últimos podem agrupar-se

sem problemas mas os de tipo 1 devem ser localizados em separado, o que

dificulta muito qualquer distribuição espacial.

Tendo em conta todas as considerações funcionais, juntamente com as diferentes

implicações ambientais, ao desenhar uma distribuição espacial interior,

acabamos por fazer prevalecer uns efeitos sobre outros. Para realizar esta

escolha não existe uma regra geral, porque cada edifício e cada um de seus

espaços internos é, em si mesmo, um complexo mundo de relações que se

estabelecem em diferentes níveis. Em cada caso, a decisão final pode e deve ser

diferente, ao ponto de que, em um caso similar ao que se já tenha projetado uma

vez, uma pequena variação de qualquer condicionante pode fazer com que o

resultado final seja totalmente diferente.

Outro aspecto a considerar é a simultaneidade temporal que pode existir entre as

diferentes funções ou atividades que acontecem nos espaços do edifício. Este

fator pode fazer com sejam irrelevantes incompatibilidades que poderiam existir

em outro caso. Como exemplo mais imediato temos o caso da relação entre um

dormitório individual e seu espaço sanitário. Por este motivo pode ser

aconselhável em certos casos fazer um diagrama temporal do desenvolvimento

das atividades.

Acusticamente também é importante prever as conexões indiretas entre espaços,

que se podem produzir por portas que se abrem de frente para uma calçada.

Neste caso, se si quer evitar esta comunicação acústica indireta, além de evitar o

confronto direto entre as portas, o espaço entre elas deve ser especialmente

absorvente.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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Além das regras mencionadas anteriormente e da mesma forma que temos feito

com outros climas da arquitetura, pode-se estudar soluções específicas para os

problemas acústicos, mediante “sistemas de controle acústico”.

Estes sistemas são caracterizados pelo conjunto de componentes de um edifício

que tem como função a melhora de seu comportamento acústico, atuando sobre

os sons externos ou internos sem requerer nenhum tipo de energia artificial para

seu funcionamento.

Ao considerar os sistemas que se incorporam ao projeto com uma finalidade

exclusivamente acústica devem-se analisar dois tipos principais de ação: por um

lado, a correção de deficiências em aspectos genéricos do desenho segundo a

função acústica, e por outro, a incorporação, menos freqüente, de sistemas

unicamente acústicos para conseguir um efeito particular.

Os sistemas de controle acústico podem ser classificados em quatro categorias,

conforme o tipo de ação que emprestam à correção sonora dos ambientes: se

proporcionam proteção acústica aos ambientes interiores contra os ruídos

externos, se corrige a acústica dos locais, se geram algum tipo de som ou se

transmitem o som.

A aplicação destes sistemas acústicos especiais na arquitetura, muitas vezes não

é necessária nos casos de espaços de uso corrente, mas serão imprescindíveis

para espaços que tenham uso prioritariamente acústico, como salas de concerto

ou estúdios de gravação.

Os sistemas de proteção acústica são conjuntos de componentes que se

incorporam aos edifícios com a intenção de deter sons não desejados antes que

penetrem nos espaços que queremos controlar. Ao considerar as características

da “pele” dos edifícios, isto é, dos fechamentos externos do prédio, é importante

levar em conta seu peso relativo, a continuidade e uniformidade de suas

qualidades como barreira acústica, assim como a hermeticidade dos fechamentos

que podem abris e fechar. Considerações muito parecidas pode-se fazer sobre o

desenho de interiores.

Vamos considerar aqui o caso em que o leiaute do projeto não pode separar os

espaços acusticamente incompatíveis. Neste caso, os sistemas possíveis, que

podem representar um incremento do isolamento em decibéis, são: as barreiras

acústicas e os espaços acústicos intermediários.

Os painéis acústicos especiais são sistemas de proteção acústica que reforçam

o efeito de barreira dos componentes construtivos de separação entre espaços

acústicos interiores diferentes, mas contíguos. Sua função é a de reduzir a

emissão de som de um local que produz ruído a outro espaço interior.

Os elementos salientes de uma fachada, sejam marquises, beirais, balcões ou

outros, podem refletir as ondas acústicas provenientes de uma determinada

direção, que normalmente é de baixo para cima, e assim proteger as janelas ou

outros pontos frágeis do ponto de vista acústico. Deve-se evitar que estes

mesmos elementos não se transformem em refletores sonoros que incrementem a

incidência do som sobre as aberturas. Para evitar este efeito convém transformar

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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as superfícies potencialmente refletoras em absorventes. O incremento que este

tipo de sistema pode chegar, facilmente, a uma redução entre 6 e 12 dB.

Outra maneira de criar barreiras de proteção acústico são os fechamentos duplos

em torno de espaços que tenham isolamento acústico insuficiente. Para tal deve-

se deixar uma câmara de ar entre as duas superfícies da separação e procurar

reduzir a reverberação que pode ser produzida no interior da câmara, o que pode

ser conseguido com o uso de materiais com altos índices de absorção no interior

da mesma.

Este efeito de dobrar os fechamentos pode ser feito com janelas e portas duplas,

rebaixos de teto e paredes duplas, por exemplo. Os incrementos no isolamento

proporcionados por este tipo de solução pode ir de 10 a 20 dB em janelas duplas,

até 20 ou 30 dB de uma parede dupla, passando por 15 a 25 dB de um rebaixo

de teto especial.

Nos casos de janelas é muito importante considerar que o vidro, por suas

qualidades vibráteis, é responsável por considerável ressonância no interior da

câmara. Para melhorar o isolamento pode-se recorrer a vidros duplos de

diferentes espessuras, que apresentam significativas vantagens se as lâminas

não são paralelas, se as juntas são elásticas e se as câmaras forem revestidas

lateralmente por materiais absorventes.

Da mesma maneira, em janelas que possam ser abertas, é muito importante

controlar o isolamento da união entre a folha que se abre e o marco com juntas

de borracha ou ressaltos duplos, por exemplo. Em qualquer dos casos a melhor

solução será sempre dobrar todo o conjunto da janela e guarnecer suas laterais

com materiais absorventes.

Outro caso especial é os das portas, importante, sobretudo em separações entre

locais interiores. Deve-se favorecer o incremento de seu peso, inclusive

recheando-as com areia se possível, e controlar as juntas com cuidado

redobrado, em especial a solução do umbral, que costuma ser uma ponte

acústica entre locais.

Um caso especial de reforço de barreiras acústica é o dos pisos flutuantes; neste

caso se reforça o isolamento de sons que possam ser transmitidos através do

chão, de um pavimento para outro, com a superposição do piso sobre o

pavimento, separado elasticamente.

Esta solução representa uma substancial melhora no isolamento dos ruídos de

impacto e pode chegar a um incremento de isolamento da ordem de até 20 a 30

dB, além de representar uma melhora de 25 a 45 dB dos ruídos aéreos.

Seu único inconveniente, além do sobre custo, é que representa um incremento

de carga sobre a estrutura do edifício que, se não for considerada, pode vir a

representar consideráveis riscos à segurança da construção.

Os espaços intermediários representam um segundo tipo de sistema de

proteção acústica, onde estes espaços funcionam como câmaras de absorção,

permitindo isolamentos de mais de 40 dB.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

47

Outra categoria de sistemas acústicos são os de correção acústica dos locais,

que são componentes que têm como missão corrigir o comportamento acústico

de um espaço interior. Sua função não é isolar o espaço interior contra sons que

provêm do exterior, mas procurar uma boa divisão espacial e temporal da energia

acústica, ou seja, proporcionar uma boa audibilidade dos sons desejados.

Ter um local com divisão da energia acústica correta significa melhorar a

reverberação, evitar ecos e eventuais concentrações locais de som assim como

reforçar as ondas acústicas quando necessário e nas direções mais convenientes.

Como os materiais de revestimento e acabamento dos espaços interiores dos

edifícios costumam ser muito refletores de som, na maioria das vezes a correção

acústica dos locais significa dispor materiais especialmente absorventes,

situados nos locais mais adequados. A escolha do melhor tipo de material de

revestimento e acabamento, com absorção seletiva segundo as condições e

necessidades do local que queremos corrigir, assim como o uso de sistemas de

absorção variável, permitirá um controle ajustado das qualidades acústicas

resultantes.

Existem diferentes tipos de sistemas de absorventes, que podemos classificar

segundo o processo e mecanismo de degradação da energia mecânica do som.

Este processo determina e localiza seu rendimento máximo e, portanto, que sons

absorverão com preferência.

Basicamente se dividem em “sistemas porosos” e “sistemas ressonadores”.

Os primeiros baseiam seu funcionamento na degradação da energia que produz a

fricção no interior de seus poros. Pode-se agrupá-los em dois tipos: os de

esqueleto rígido e os de esqueleto flexível, com um funcionamento acústico muito

similar, mas com mecanismos de aplicação na obra muito diferentes.

Os materiais porosos que atuam como absorvente acústico são materiais com

células abertas e em contato direto com o ar exterior. Absorvem a energia

acústica por fricção das moléculas de um fluido, que é o ar, ao entrar no interior

destas cavidades tortuosas e tentar passar através dela. Sua capacidade de

absorção aumenta para freqüências mais altas e, portanto, absorve muito mais

os sons agudos do que os graves.

São típicos os filtros sintéticos, as peças de cortiça aglomerada e os tecidos

similares a veludo sintéticos, que se utilizam habitualmente como sistemas

corretores da acústica dos locais.

Os sistemas de ressonadores baseiam seu funcionamento de degradação da

energia que se produz ao transformar a energia sonora incidente em energia

mecânica. Podem ser agrupadas em ressonadores simples e ressonadores

acoplados, que apresentam comportamento acústico muito diferente. Os

ressonadores simples, sobretudo os do tipo Helmholtz, mas também os de

membrana têm um comportamento absorvente muito pontual para determinadas

freqüências, enquanto que os acoplados ampliam o campo de freqüências

absorvidas.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

48

Nestes sistemas a absorção da energia acústica se produz por um fenômeno

ressonante, onde uma parte móvel transmite a vibração a uma parte posterior

elástica que, com uma freqüência de ressonância própria, converte a energia

sonora em energia mecânica. Os painéis ressonadores são mais indicados para

absorver sons graves que os sistemas absorventes com materiais porosos.

Como caso particular destes sistemas, temos os ressonadores de Helmholtz, onde

o elemento móvel e o elástico estão formados pelo ar contido numa cavidade com

uma abertura que se comunica com o exterior. Estes ressonadores podem

acoplar-se em paralelo, formando uma placa perfurada a certa distância da

parede de suporte.

Em qualquer dos casos os diferentes tipos de absorventes podem trabalhar

conjuntamente e oferecer gráficos de absorção mais contínuos nas diferentes

freqüências e obter, assim, um comportamento global mais favorável dos

sistemas.

Outro tipo de sistemas acústicos são os sistemas geradores de som, que atuam

produzindo um som no ambiente que se pretende controlar e com ele melhorar

suas características. Em geral pode tratar-se de qualquer som natural que seja

agradável ou de sons mais ou menos artificiais, como é o caso de cortinas que

através do movimento do ar podem gerar um som agradável e eventualmente

informativo (presença de visitantes, por exemplo).

Em outros casos este som agradável cumpre uma função de mascarar e esconder

outros sons que não se queira ouvir, ou que não queiramos que sejam ouvidos;

que é o caso de pequenas cascatas, que num interior podem ser especialmente

adequadas como mascaradoras, pois produzem um som agradável, que cobre as

mesmas freqüências da voz humana e como não é um som informativo nem

rítmico, não fica desagradável com o passar do tempo.

Por último, existem também os sistemas transmissores de sons. Ainda que

historicamente tenham tido especial importância, estes sistemas na arquitetura,

desde a aparição dos sistemas eletroacústicos perderam parte de sua utilidade,

deixando como curiosidade os efeitos especiais das “salas dos segredos” e os

condutores acústicos de outros tempos.

Apesar de tudo não se pode menosprezar totalmente a possibilidade de recuperar

em nossos edifícios os sistemas de condução acústica, para recuperar sons

agradáveis, interiores ou exteriores ao edifício e transmiti-los mediante

condutores de interior reflexivo, concentrá-los com sistemas côncavos, etc.

Unidos todos os recursos de desenho nos cinco níveis considerados (orientação,

entorno, forme, fechamentos e interior) e acrescentando os sistemas especiais

quando necessário, talvez faça sentido recuperar hoje, na nossa arquitetura, este

“clima do som e do silêncio” que acompanha os climas menos espirituais: do ar,

do sol, da umidade e da luz. Se formos capazes de projetar arquitetura

considerando as diretrizes ambientais, talvez possamos nos reconciliar com

nossos sentidos, transformados atualmente em janelas do corpo por onde

penetram estímulos agressivos que atacam, sobretudo, nossa mente.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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Capítulo VIII.

Controlando os Climas.

Até aqui descrevemos diversos climas que encontramos na arquitetura, desde os

mais perceptivos até os mais inconscientes. Acreditamos, também, que existem

procedimentos de projeto que podem melhorar o desempenho de um edifício.

Mas, em todos os casos estudados existe um problema comum, mesmo que não

tenha sido assinalado no capítulo correspondente, que é o problema da

variabilidade. Os climas mudam, no exterior e no interior das construções e estas

mudanças, desejadas às vezes, nocivas outras, exigem da arquitetura

possibilidades de regulação, de adaptação às diferentes condições exteriores e às

distintas necessidades dos usuários.

Desde o início, os seres humanos têm buscado elementos de seu entorno que

pudessem servir de complemento às capacidades de seu próprio corpo. Neste

sentido, a arquitetura (da mesma maneira que as vestimentas) pode ser

entendida como um complemento da ação de adaptação do corpo humano ao

meio ambiente, assim como qualquer instrumento que, por mais primitivo que

possa parecer, significa um passo na ação de domínio do entorno por meio de

elementos artificiais.

Sempre existiu uma atitude ambígua na relação do homem com a natureza. Por

um lado a natureza é agressão e perigo, as chuvas, o vento, o frio e o calor, as

tempestades, terremotos e erupções vulcânicas, animais predadores e bactérias.

Inúmeros perigos ameaçam o ser humano num entorno natural e proteger-se

destes perigos tem sido, desde sempre, a principal preocupação do estranho

animal bípede que se destacava de maneira singular das outras espécies. Na

natureza ele encontra não só seu alimento e bebida, mas também os recursos

necessários para, pouco a pouco, melhorar as condições de sua permanência no

planeta.

Na mesma natureza que nos agride encontramos os meios necessários para nos

proteger. Os quatro elementos de Empédocles de Agrigento: água, ar, terra e fogo;

ou os elementos da tradição chinesa: madeira, fogo, terra, metal e água, são ao

mesmo tempo ameaça e recurso que, com suas inter-relações, se reforçam,

permitindo ao ser humano passar de uma situação defensiva, a uma de

aproveitamento, desfrute e, modernamente, de agressão à natureza, um

problema típico dos nossos dias.

São inúmeros os exemplos de apropriação de elementos da natureza pelo

homem para sua própria defesa, para melhorar seu bem estar ou ambos ao

mesmo tempo.

Com a terra o ser humano constrói seu abrigo, rompendo sua horizontalidade

básica, levanta paredes, as apóia entre si para sustentar tetos que protegem do

vento, da chuva e do frio. Com a madeira reforça suas construções, aproveitando

suas qualidades específicas não só para melhorar suas estruturas, mas também

para introduzir elementos móveis nos seus abrigos, que serão os primeiros

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sistemas de controle na arquitetura. Com a água, temida em torrentes e

inundações, o ser humano primitivo se aproxima, a detém, a desvia, a controla e,

finalmente, a introduz em suas construções, para comodidade ou prazer, quando

adorna um ambiente com fontes e tanques. Com o mais dinâmico dos elementos,

o fogo, transmuta os outros elementos mudando suas propriedades e seus

efeitos. Endurece a terra e obtém tijolos, destila minerais e obtém metais, aquece

ambientes e cozinha os alimentos e, por último, convertido em luz, eletricidade

ou energia mecânica, muda o futuro de toda a humanidade.

Ao incorporar a natureza à sua ação, o ser humano faz da arquitetura,

sobretudo, abrigo, defesa contra a própria natureza, mas às vezes cumpre outra

função primordial ao ser humano, a afirmação de sua própria existência. O

menir, o dólmen ou uma simples cruz gravada na casca de uma árvore, são

exemplos desta necessidade. Logo, quando seu abrigo se converte em

arquitetura, este componente psicológico é fator importante na materialização de

suas realizações. Os elementos da natureza fazem parte da arquitetura

cumprindo um duplo papel, por um lado assegurar defesa e bem estar físico de

seus ocupantes e, por outro, afirmação de propriedade, caracterização e marca

no território, ou seja, bem estar psicológico para estes mesmos ocupantes.

Mas, desde as primeiras arquiteturas, as ações em defesa, apropriação ou

desfrute dos elementos da natureza, sempre apresentaram necessidade de

controle. A variabilidade das condições exteriores, climáticas ou de outro tipo, e

as mudanças nas necessidades ou desejos dos ocupantes, obrigou que a

arquitetura não seja unicamente um conjunto de sistemas estáticos, fixos,

atuando como barreiras, mas apresentando sistemas dinâmicos e flexíveis,

capazes de se adaptar a diferentes necessidades e condições, para melhor

controlar-las.

Portas e janelas, toldos, venezianas e persianas, válvulas e registros, são

sistemas de controle na arquitetura. Todos eles atuam modificando, regulando e

filtrando componentes do ambiente arquitetônico e, entre eles, os mais

importantes, os componentes e elementos de controle do que chamamos de

“clima da arquitetura”.

Os sistemas de controle foram desenvolvidos ao longo da história em etapas

sucessivas. Ainda hoje em dia, se entende que “o edifício começou sendo

estrutura, à qual, posteriormente se acrescentaram instalações que melhoravam

sua funcionalidade”. Sem dúvidas, esta seria uma definição superficial da

arquitetura atual, que não considera o longo processo seguido pelo ser humano

em busca tanto de novas formas construtivas como de novas funções para a

arquitetura.

Porque a forma não é imediata, durante séculos e mediante um processo de

tentativa e erro, a observação da natureza e suas leis e o conhecimento dos

materiais, tem levado o ser humano a construir o que hoje são nossos edifícios.

Se bem que a forma tenha mudado substancialmente em alguns aspectos, a

função não deixa de ser quase igual, de proteger o homem das agressões da

natureza e a de afirmar a si mesmo.

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A busca incessante do que chamamos “conforto”, seja físico ou psicológico, é a

razão subjacente da evolução das exigências com relação a todas as construções.

Este processo começou a se acelerar no século XVIII com o surgimento e do

iluminismo, quando os sistemas de controle deixaram de ser singularidades

engenhosas criadas para proporcionar algum benefício imediato, e passaram a

desempenhar um papel predominante na arquitetura.

Da arquitetura antiga sobraram as partes mais resistentes, os elementos fixos.

No entanto, pouco desses engenhos históricos chegaram aos nossos dias, senão

os mais recentes. Da mesma forma, a fotografia de um edifício atual não dá a

mínima idéia dos mecanismos que esconde. As instalações de serviço e de

condicionamento estão presentes na arquitetura atual de forma cada vez mais

patente e a ajudam a funcionar melhor, mas a maioria das vezes estão ocultos

aos olhos profanos.

O volume que estes mecanismos necessitam ocupa uma percentagem cada vez

maior da superfície construída, mas não é só espaço que estão ocupando no

edifício. O poder de decisão sobre estes mecanismos está cada vez mais longe do

ser humano, delegados a centrais que gerenciam e controlam o edifício.

Invertendo os termos originais do que se entendia por arquitetura, parece que

agora o conceito de edifício se pode formular como “estrutura de suporte e casca

envolvente de um conjunto de instalações

Esta definição desvincula a arquitetura de todo um conceito histórico que a liga

com a forma material e geométrica de seus elementos de sustentação, tanto

quanto incorporamos o conceito de espaço arquitetônico como ambiente regulado

por sistemas, maturais ou artificiais, que configuram o espaço que é percebido

por seus usuários.

O conceito de artificialidade aparece, com mais ou menos intensidade, através

das diversas culturas da história. Desde a antiguidade, onde os escravos eram a

base da energia mecânica, já encontramos no Egito, Grécia e Roma, os primeiros

modelos do que hoje chamamos máquinas. No caso da nossa cultura ocidental,

existem precedentes interessantes da cultura mecânica moderna. A tradição dos

primeiros relojoeiros gerou o desenvolvimento da construção de autômatos,

considerados como sistemas artificiais que imitavam a vida animal. Em muitos

sentidos a herança dos primeiros autômatos, relógios e caixas de música, por

exemplo, provém de uma cultura subjacente de um mundo onde a magia se

sobrepunha a razão.

Existia, naquele tempo, um desafio presente na mente das pessoas fortemente

dominadas pelo poder da igreja, que era o de tentar reproduzir a vida anima (e

humana) com suas características mais explicitas, o movimento. Em certo

sentido, a heresia latente naqueles pioneiros antecipava, ingenuamente, o longo

caminho do pensamento humano que levou ao conceito moderno do robô.

A partir do século XVIII e sobretudo no século XIX, se desenvolve uma nova

filosofia da relação do ser humano com a natureza, que conduz à revolução

industrial e ao desenvolvimento da cultura da máquina, entendida, neste caso,

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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como uma imitação da natureza, inicialmente como complemento, e depois como

substituto, da força mecânica dos seres vivos.

Com o tempo, paralelamente ao processo de industrialização, durante o século

XIX e com especial crescimento no século XX, surge o conceito de sistemas auto

controláveis (cibernética). Nestes sistemas aparecem circuitos de detecção-

interpretação-resposta, que atuam retroativamente sobre as causas, para se

produzir o efeito desejado. Com este avanço foram superados os mecanismos

programados para executar uma determinada tarefa (máquinas) e se chega a

sistemas que controlam o efeito do mecanismo (cibernéticos), numa trajetória

que levaria aos sistemas que apreendem coisas, com os quais nos

aproximaríamos um pouco mais dos sistemas vivos.

Estudando os sistemas vivos, vemos que as relações do homem com o entorno

são fundamentalmente trocas energéticas, nas quais se faz necessário um

controle permanente devido ao fato de ser necessário manter condições interiores

estáveis num entorno cambiante. Este fenômeno, que se denomina

“homeostase”, implica a existência de órgãos específicos que atuam como

equilibradores da relação interior-exterior. A missão destes organismos é regular

a resposta do corpo às cargas ambientais: climáticas, luminosas, acústicas, etc.

Seria o caso, por exemplo, da regulação térmica do corpo humano, onde a

sudorese, a irrigação sanguínea, entre outros recursos fisiológicos, não fazem

mais do que manter a temperatura interior constante frente às mudanças

térmicas do ambiente.

Estes mecanismos funcionam sempre de forma retroativa e conseguem uma

estabilidade térmica interna mediante a detecção dos efeitos sobre o corpo das

mudanças exteriores, atuando em sobre os elementos que podem regular os

fluxos energéticos entre o corpo e o entorno.

Avançando em nossa análise, podemos entender da mesma forma as reações de

um edifício com seu entorno, mesmo que tenhamos que nos referir a sistemas

mecânicos artificiais, em ver de sistemas biológicos.

Na arquitetura, entendida como espaço estável e protegido, existem muitos

fenômenos, energéticos ou não, que são cambiantes com o tempo, mas esta

variabilidade no tempo é, muito freqüentemente, esquecida durante o processo

de desenho e cálculo.

Assim, sabemos que a radiação solar não apresenta as mesmas características

durante a manhã, ao meio-dia e à tarde, nem no verão e no inverno, nem num

dia nublado ou com céu limpo, da mesma maneira que uma música de câmara,

rock ou uma conferência não têm as mesmas qualidades e necessidades sonoras.

Da mesma forma, uma sala imaginada para um número determinado de pessoas

nem sempre estará 100% ocupada, a ação do vento e das temperaturas sobre

uma fachada mudará de um momento para outro do dia sem um ritmo

conhecido previsível, etc.

As variáveis são tantas e tão diferentes que sua combinação chega a ser

incontrolável; por isso seria absurdo pensar no desenho de espaços apropriados

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para cada uma das possíveis combinações, mas que devemos fazê-lo de forma

que sejam capazes da adaptar-se com facilidade à variabilidade lógica dos

fenômenos energéticos.

Considerando o caso do controle ambiental como uma parte importante do

problema, veremos que esta adaptação às variáveis pode ser conseguida

mediante diversos mecanismos de controle e regulação, que classificaremos

globalmente nas categorias: passivos e ativos.

Os sistemas de controle passivo são os que atuam sem intervenção de

mecanismos ou energia artificiais, se trata, portanto, de modificações que são

produzidas na superfície externa do edifício (controle ambiental natural) ou em

seu interior (outros tipos de ação), para controlar dinamicamente os efeitos sobre

o ambiente e seus usuários. Este controle ambiental passivo implica, em muitos

casos, a ação humana, transformando os usuários em elementos controladores

do sistema (abrindo e fechando portas, janelas, persianas, etc.

Existem, no entanto, certos dispositivos de sistemas passivos de controle sem

intervenção direta de pessoas e sem energia artificial para seu funcionamento.

Este é o caso de aberturas para ventilação que regulam automaticamente o

caudal de ar que passa, fechando-se quando a pressão do vento sobe, ou lâminas

de persianas chamadas skylids por seu inventor Steve Baer, que têm um sistema

com depósitos conectados com tubos e cheios de freon; este, quando o sol

esquenta o sistema, se gaseifica e desequilibra o peso, fechando e protegendo as

aberturas, que voltam a abrir-se quando se esfria e o gás se condensa quando o

sol deixa de incidir sobre o aparato.

O controle ativo acontece quando a detecção ou medida de um efeito, as

decisões sobre este efeito e as ações correspondentes, se realizam através de um

sistema artificial, com os componentes destinados à cada uma destas três partes

do controle ativo, que se chama retroativo ou realimentado, ao influenciar a

saída ou efeito do sistema sobre a entrada ou causa do processo. Apesar de que

cada ação que a central decida fazer tem que estar pré-programada e, portanto,

prevista a priori, a capacidade de um sistema de controle ativo pode ser muito

superior a de sistemas passivos. Apesar disso, todavia, a flexibilidade e

capacidade de adaptação dos sistemas passivos ainda não foram superadas pelos

sistemas ativos.

Para chegar ao conceito de controle integral na arquitetura é necessário superar

a vigente consideração individual de cada tipo de instalação, substituindo-a por

um conceito global, que estaria relacionado com denominações que já estão em

uso, como edifício inteligente, por exemplo. Mas, da mesma maneira que

acontece com o corpo humano, onde os órgãos dos sentidos funcionam isolados

uns dos outros e a verdadeira sinestesia se produz no cérebro, as instalações de

um edifício continuam funcionando isoladamente, com apenas alguns processos

parcialmente integrados.

A verdadeira integração global se realiza em nível do sistema de controle, que

cumpre um papel equivalente, ainda que nunca igual, ao do cérebro humano. De

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acordo com este conceito, poderíamos esquematizar os sistemas de controle na

arquitetura, em suas diferentes etapas, como um conjunto de sensores, redes,

centrais de gestão e atuadores atuando em conjunto para fazer do espaço

arquitetônico um lugar mais confortável.

Para entender melhor o conjunto do edifício, veremos estas etapas

sucessivamente, tendo sempre em conta que em realidade devem funcionar como

um todo para que se consiga o efeito desejado:

a) Em primeiro lugar, o edifício se informa com sensores. Para este fim se

utilizam diversos tipos de dispositivos que atuam como os sentidos do

edifício: termômetros, antenas, fotômetros, ultra-som, circuitos de

televisão, relógios, enemõmetros, higrômetros, etc., receptores de

diferentes tipos de informação.

Estes “órgãos sensoriais” do edifício exploram o mundo exterior e o espaço

interior da arquitetura e suas mudanças, desmembrando analiticamente a

informação em fatores simples como: temperatura, umidade, velocidade do

vento, iluminação, presenças estranhas, fluxos de matéria, fluxos de

energia, tempo, mensagens, etc. Em seguida todos estes fatores se

convertem em um sinal.

b) Em segundo lugar, com as redes o edifício se comunica. Os sinais gerados

no processo anterior procuram um receptor para descarregar a informação

recebida e, para tal, necessitam de um meio adequado (cabos, ondas

sonoras e luminosas são os mais comuns). Como seria impensável uma

conexão independente para cada sensor, se estrutura o sistema de

comunicação de forma que ele possa atender diferentes possibilidades de

conexão, que podem ser: em malha (cada componente de conecta com

todos os outros), estrela (cada componente se conecta unicamente com

um nódulo central) e em linha (cada componente descarrega sua

informação em uma linha comum).

c) Em terceiro lugar, com a central de processamento o edifício analisa e

decide. O “cérebro” do edifício recebe da rede os diferentes sinais e os

decodifica. Num primeiro momento esta informação é tão somente um

“conjunto de dados” que carecem de significado, a menos que estejam

relacionadas com “expectativas” e uma “intencionalidade”.

A informação se estrutura através de um programa, o que implica: valores

de consigna (que pré determinam, para cada variável, os valores

expectativa), leis de inter-relação (que expressam a influência mútua dos

diversos parâmetros individuais), leis de ação (tipo e assinatura da

resposta adequada a cada desvio detectado), leis de reação (quantificação

de resultados, consumos e custos previsíveis em cada ação) e informações

externas ao sistema (custo de recursos, ponderação de critérios,

estruturas temporais de uso e estatísticas). Considerando todos estes

elementos a central de processamento decide sua resposta.

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d) Em seguida, utilizando de novo as redes, o edifício responde. As

mensagens transitam em sentido inverso. Para tal utilizam a mesma rede

de comunicações e a mesma estrutura de protocolo mencionada no item

b).

e) Os destinatários serão, agora, os atuadores com os quais o edifício se

relaciona. Trata-se de outro tipo de dispositivo: comportas, alavancas,

campainhas, ferrolhos, motores, lâmpadas, interruptores e válvulas. Estes

“órgão motrizes” do edifício transformarão a resposta em ação: cresce o

consumo de combustível, se apaga a luz, a janela se abre, a campainha

soa, etc.

O usuário poderá, então, ignorar...

Para melhor entender o papel do controle na nossa arquitetura, é importante

entender e considerar a tecnologia das instalações: o uso de combustíveis

fluidos, a motorização dos esforços mecânicos, a integração da ventilação,

aquecimento e refrigeração no conceito de “acondicionamento ambiental”,

podem, eventualmente, se renovar, ampliando as possibilidades das instalações

consideradas.

Além dos edifícios de uso público, pode-se constatar que, mesmo as mais simples

residências da atualidade abrigam todo um conjunto de funções (porteiro

automático, telefone, televisão, equipamentos de iluminação e climatização, etc.),

de uma complexidade incomparável aos maiores e mais ambiciosos edifícios da

antiguidade.

O desenvolvimento da tecnologia elétrica foi outro fator fundamental nesta

evolução. Primeiro por que se trata de uma “energia fluida”, facilmente

transportável a qualquer lugar, limpa na zona de uso, e capaz de ser

transformada em muitas outras formas de energia mais apropriadas ao uso

concreto: mecânica, luminosa, química, térmica, etc. Além do que, com a

descoberta do eletroímã criou-se a possibilidade de atuar instantaneamente e à

distância sobre outros tipos de energia (ignição de combustíveis, regulação de

fluidos por eletro válvulas, modulação telefônica de ondas sonoras, etc.), que é o

que permite dominar a última parte dos sistemas de controle, a da AÇÃO.

A eletrônica tem tido também um papel importante nesta evolução permitindo o

desenvolvimento de novas aplicações tais como o rádio, a televisão e uma incrível

variedade de sensores e atuadores, além do que, tem ampliado em volume,

velocidade e complexidade a transmissão de informação de um ponto a outro do

edifício.

Voltando ao conceito geral de controle na arquitetura, a integração e

interatividade dos múltiplos fatores independentes são os fatores básicos nesta

concepção.

Entendendo uma construção desta maneira, começa a fazer sentido falar de certa

“inteligência” no mesmo. Apesar disso, esta denominação pode ser equivocada e

induzir a erros sobre o sentido real do controle na arquitetura. A inteligência

básica na arquitetura será, sempre, a aplicada no projeto do edifício, com seus

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sistemas de controle incorporados, não sendo lícito qualificar de inteligente uma

parte do complexo que forma o espaço no qual vivemos, ou padecemos.

EDIFÍCIO INTELIGENTE é a tradução – talvez um tanto equivocada – do inglês

smart building. Desta denominação genérica se origina um novo conceito,

AUTOMAÇÃO, que se refere concretamente ao âmbito destes sistemas nos

edifícios.

Os anglo-saxões chamam estes edifícios de smart buildings e não intelligent

buildings. Intelligent teria uma conotação mais próxima da inteligência

especulativa. Smart se traduz também como “inteligente”, mas com um sentido

mais próximo de inteligência prática. No nosso idioma talvez fosse mais correto

traduzi-lo como edifício “engenhoso”, “habilidoso” ou “talentoso”, ainda que estas

denominações possam parecer um tanto ridículas.

Em todo caso, não devemos nunca esquecer que os SISTEMAS DE CONTROLE,

da maneira que os consideramos atualmente, se baseiam num hard

(computadores, sensores, redes, etc.) e num soft (programa) próprios, além de

levar em conta que estes meios de controle atuam sobre um edifício de maneira

tangencial ao sistema.

Um fool building (edifício burro) dotado de stupid installations (instalações idiotas)

só poderão prestar serviços limitados e a um custo muito elevado, por mais

smart que sejam seus órgão e programas de controle.

A função clássica da arquitetura como “manejo dos elementos naturais” não

deixou de ser necessário. Não podemos separar estes elementos e talvez nunca

devamos fazê-lo por completo. Os controles dos climas na arquitetura, hoje como

sempre, depende muito mais de suas formas do que da complexidade tecnológica

adicionada.

Mas os objetivos do controle na arquitetura podem ser muito diversos. Estes

sistemas desempenham diferentes funções que substituem ações dos seres

humanos, e estas substituições acontecem em níveis sucessivos. Neste sentido,

um sistema mecânico unicamente economiza esforço físico dos usuários

(elevadores que evitam a subida por escadas, o sistema hidráulico que nos

transporta água, etc.). Os sistemas automáticos (sistemas de controle aberto)

também economizam esforço físico além de esforço mental (tomada de decisão),

como no caso de portas, janelas ou lâmpadas que se abrem ou fecham em

determinadas situações. Finalmente os sistemas cibernéticos que, além de

economizar esforço físico (normalmente pouco) e mental (muito mais), exercem

funções que poderíamos denominar como secretaria permanente. Nestes

sistemas os efeitos são detectados com sensores, as ações mais convenientes e

apropriadas são decididas numa central, que atua sobre os processos com os

componentes de comendo.

No caso que mais nos interessa, dos sistemas ambientais (luz, som, clima,

ventilação, etc.), são controlados as condições de energia dos ambientes

interiores relacionadas com o conforto de seus ocupantes. Por ser um processo

complexo, com inúmeras variáveis que atuam sobre os resultados, o controle

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acontece a partir de um efeito detectado, com informação adicional de outras

variáveis para a tomada de decisão. Por exemplo, um processo de aquecimento

pode ser controlado com um sensor térmico no local, mas normalmente se utiliza

também outro sensor de temperatura exterior, para melhor prever as

necessidades futuras, além de um sensor de presença humana para economizar

energia em locais vazios.

Em geral, estes processos seguem um ritmo de variação lento, o que permite uma

resposta cômoda do sistema de controle, mas, por outro lado, a falta de

uniformidade ambiental nos espaços arquitetônicos faz com que,

freqüentemente, o grau de satisfação dos usuários seja baixo. Deve-se levar em

consideração que a comodidade ambiental em geral, e a térmica em particular,

dependem em grande parte de condições particulares e fisiológicas dos usuários.

Sobre determinadas condições ambientais, por mais controladas que sejam,

sempre pode acontecer o caso de que parte dos ocupante do espaço se sintam

desconfortáveis.

Voltando a considerar o controle na arquitetura em termos gerais, podemos

enunciar alguns princípios básicos de controle, aplicáveis em qualquer sistema

que estejamos tratando. Como já vimos, qualquer sistema de controle na

arquitetura pressupõe a existência de um sistema cibernético com um circuito de

retroalimentação (feed-back) que, com a detecção dos resultados de um

determinado processo, atua sobre as causas para mantendo-as dentro de

determinados limites.

Os sistemas controlados apresentam, sempre, uma resposta temporal. O que

significa que, si se aplica um sinal qualquer na entrada do sistema, variável em

função do tempo, este vai apresentar um sinal de resposta relacionada com o

sinal de entrada que seguirá as variações deste de uma forma diferente e,

geralmente, com certo atraso.

Na verdade, nos edifícios existem muitos sistemas de laço aberto (automáticos),

nos quais as ações são executadas a partir de um processo pré-estabelecido (pré-

programado), sem circuito de retorno que modifique a ação em função dos

resultados. De qualquer maneira, os sistemas aqui comentados são, na prática,

todos de cadeia fechada, passivos ou ativos, com controle humano ou não,

seguindo, todos, princípios básicos similares.

A ação física ou trabalho realizado por um sistema de controle pode ser

representado com um modelo matemático, que informa a relação entre a ação e

seu resultado. Embora muitas vezes o responsável pelo projeto arquitetônico de

um edifício não conheça os aspectos técnicos de um determinado sistema de

controle, seria necessário que compreender os princípios básicos de cada caso.

Em relação temática indireta com o modelo de um sistema de controle pode-se

enunciar o seguinte:

Princípio da transparência: num sistema de controle, os componentes de

interação com os usuários e responsáveis pelas ações têm que apresentar a

máxima transparência na reprodução do modelo de funcionamento e na

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra Tradução de ROGER ABRAHIM

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comunicação com o usuário, visando assegurar que um excesso ou desordem de

informação não reduza a capacidade e a precisão do mesmo.

Este é o caso de muitos sistemas de controle, nos quais o excesso de dados que

se deve considerar e entender acaba por ocasionar a inoperância da sofisticação

do sistema. Em arquitetura, onde freqüentemente o preparo específico dos

usuários é baixa, este princípio é particularmente importante.

Considerando a seguir a sensibilidade do sistema de controle, entendendo

como tal a relação entre a variação de uma magnitude do sistema e a variação do

parâmetro que induz esta variação, esta sensibilidade depende da sensibilidade

que os diferentes componentes de sua cadeia de retorno.

Tanto o grau de sensibilidade na detecção do efeito como a capacidade do sinal

de resposta para modificar o processo condicionam conjuntamente a

sensibilidade global do sistema. Em geral deve-se tentar otimizar as respostas

transitórias para conseguir o retorno a um regime permanente no menor tempo

possível, evitando repostas instáveis que podem amplificar indefinidamente o

descontrole do sistema si estes entram em ressonância.

Como principio geral a respeito da sensibilidade de um sistema de controle,

podemos considerar:

O princípio da estabilidade: num sistema de controle retroativo, os parâmetros

básicos que devem ser otimizados para assegurar seu bom funcionamento são os

que relacionam a ação sobre as causas mediante a detecção dos resultados, ou

seja, basicamente a proporção e o atraso da resposta.

A proporção da resposta está relacionada com a magnitude do efeito que se

introduz ao atuar sobre as causas, sendo crítico que não seja excessiva ou fraca

em demasia.

O atraso da resposta é o parâmetro que condiciona as possibilidades de

estabilização rápida no caso de ser produzida uma alteração e que evita também

que um atraso excessivo amplifique a oscilação, coisa que acontece quando a

ação em um sentido é produzida em um momento em que já seria necessária

uma ação no sentido contrário.

Outro aspecto a considerar é a estrutura dos sistemas de controle, que nos

expressa a relação entre seus componentes. Esta relação é relativamente simples

em um sistema realimentado, com detecção do efeito>análise e decisão>ação

sobre a causa. No caso de sistemas complexos, com componentes que atuam em

série ou em paralelo, conectados com diversas causas e efeitos de processos que

podem ser múltiplos, a relação entre os componentes do sistema são muito mais

difícil de compreender e analisar. Nestes casos devem ser considerados alguns

princípios ou leis, como as que se referem à confiabilidade do sistema.

Relacionado com a confiabilidade (f) do sistema está o risco de ação incorreta;

donde: r = 1/f-1. Segundo esta definição o risco pode variar entre o valor 0

(sistema com confiabilidade máxima = 1) e valores muito grandes (sistemas de

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baixa confiabilidade). Estes conceitos nos permitem formular as leis de cadeias

em sistemas complexos:

A primeira lei é que: num sistema de controle, com seus componentes

conectados em série, a confiabilidade nunca pode ser superior a do

componente de menor confiabilidade.

É o caso de sistemas nos quais os diferentes componentes (de detecção, remeça

do sinal, processamento, interpretação e ação), têm um dado grau de

flexibilidade onde o ponto mais fraco da cadeia é o que determina a qualidade

global do sistema. Neste caso a confiabilidade em sistemas complexos

apresentará possíveis melhoras com o funcionamento de seus componentes em

paralelo.

A segunda lei da cadeia nos diz que: num sistema de controle com

componentes re-interativos conectados em paralelo, o risco final de ação

incorreta diminui ao se aumentar o número de componentes, mas em

menor proporção do que o previsto, ao diminuir também a segurança por

excesso de confiança dos usuários.

No caso em que os usuários não sejam capazes de perceber a eficiência do

sistema, a diminuição da confiabilidade não acontecerá.

Como conclusão geral a respeito da estrutura dos sistemas, pode-se afirmar que,

ao aumentar a complexidade dos mesmos, deve-se assegurar a redução dos

riscos com a manutenção homogênea da confiabilidade dos componentes e com o

uso de componentes em paralelo nos quais o fator de excesso de confiança não

aumente o risco total.

Outro aspecto a ser considerado será a tipologia segundo a técnica utilizada.

Como se trata de uma tecnologia em crescimento, pode-se prever evoluções

rápidas num futuro próximo, possivelmente com graus de automação e

globalização cada vez maiores, até ao ponto de integrar todos os tipos de controle

possível na arquitetura. Este caminho sugere a necessidade de planejamento, já

neste momento, o controle global. Um sistema global de controle na arquitetura

consiste num sistema único que governa simultaneamente todos os componentes

e sistemas do edifício suscetíveis de ação, detecção e comunicação.

A agrupação de equipamentos automatizados submetidos a um controle central é

a base de um sistema global de gestão. Normalmente se tende a classificar

diferentes âmbitos do conjunto do sistema de controle, associando componentes

e subsistemas de cada um entre si, que podem ser: gestão técnica (ambiental, de

serviços, de segurança, etc.), gestão administrativa (comunicação, finanças,

saúde, etc.) e gestão cultural e de ócio (educação assistida, banco de dados,

jogos, etc.).

A aplicação na arquitetura destes sistemas com integração interativa de todos os

controles possíveis do edifício, pode ter conseqüências positivas tanto do tipo

sociológico como do tipo ecológico. No entanto, os sistemas de alta tecnologia

utilizados podem promover o uso de sistemas de controle ambiental e de serviço

com alto consumo de energia artificial, o mesmo acontecendo com relação a

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usuários pouco preparados para utilizá-los, aspectos que podem apresentar

conseqüências contrárias às que deveriam favorecer. No outro estremo da

questão, um controle manual de um sistema de persianas pode ser muito mais

eficiente, energeticamente falando, do que um complicado sistema de

climatização.

Além do que, apesar dos sistemas de controle apresentar baixo consumo de

energia, por sua própria estrutura técnica, esta vantagem não deve se perder

com o uso irreflexivo de sistemas artificiais de controle ambiental e de serviços.

Neste caso, paradoxalmente, o controle ativo deveria favorecer o uso de sistemas

passivos de controle ambiental.

Outro ponto para reflexão é o do papel que estes sistemas podem representar no

desenho arquitetônico. A introdução das máquinas na arquitetura, já há mais de

dois séculos, não significou uma mudança consciente na aparência formal dos

edifícios, apesar das implicações referentes à ocupação dos espaços e dos

elementos presentes nos ambientes interiores do mesmo.

Da mesma forma hoje, com a incorporação de novos sistemas de controle, apesar

de estes poderem modificar radicalmente a forma de viver em todos os edifícios,

não se considera que eles possam causar grandes mudanças nos projetos dos

arquitetos. Deve-se considerar que o controle global praticamente não ocupa

espaço, podendo ser escondido com facilidade.

Historicamente, a técnica na arquitetura, como em outros campos da cultura,

tem seguido a tendência à estagnação produzida quando, por princípio, se

rechaça qualquer inovação radical. A arquitetura de hoje, em essência, é a

mesma que se constrói há muitos séculos e, ainda que se tenham incorporado

novas técnicas nos edifícios, quase sempre se faz escondendo-as, dissimulando

os novos sistemas com elementos de aparência convencional.

Infelizmente, os exemplos que se apresentam adjetivados como edifícios

inteligentes não são mais que reproduções miméticas de estilos, ou pseudo

estilos, arquitetônicos já existentes, com o acréscimo de alguns controles

limitados. Continua-se escondendo, pode-se dizer que vergonhosamente, a

existência dos sistemas técnicos de controle bem como seus componentes. Os

edifícios continuam aparentando que funcionam como os construídos no século

XVIII, ainda que estejam recheados de tubos e instalações especiais.

Por outro lado, os enfoques atuais do desenho arquitetônico, em especial em

edifícios tecnicamente mais avançados, tratam a relação com o entorno como

uma relação de oposição. Criam-se assim barreiras aos agentes climáticos

naturais (sol, vento, etc.) para evitar qualquer perturbação do ambiente artificial

e as novas técnicas eletrônicas se limitam, erroneamente, a controlar sofisticados

sistemas que geram estes ambientes artificiais. Ainda que seja uma forma mais

cômoda, as conseqüências são péssimas, tanto do ponto de vista ambiental,

como para o conforto dos usuários e para a estética arquitetônica.

Contra esta tendência sugerimos uma arquitetura que desde o início de sua

concepção incorpore todas as possibilidades técnicas da atualidade. Deveria ser

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uma arquitetura que aproveitasse a existência dos agentes ambientais naturais

para seu melhor funcionamento, tanto quanto os relacionasse com os mais

complexos sistemas de controle, para assim regular suas condições ambientais

interiores de acordo com as necessidades e desejos dos usuários. Devendo-se

evitar as condições artificiais estáticas para introduzir uma variedade temporal

mais confortável, visando obter um baixo consumo de energia bem como uma

utilização dos elementos climáticos naturais mais sábia. Seria uma arquitetura

que poderia “aprender” e reproduzir, posteriormente, certos padrões de atuação

para melhorar seu desempenho.

A eletrônica de hoje em dia permite desenvolver dispositivos, componentes e

circuitos que controlem funções de alto grau de complexidade, o que não tem

sido explorado para aplicações que visem à economia de energia com o

aproveitamento dos agentes ambientais naturais.

Uma vez mais devemos nos lembrar que, como qualquer avanço em nossa

civilização que vise economizar esforços humanos, este pode ser transformado

num elemento coercitivo do grau de liberdade dos indivíduos. Neste caso existe

assim um claro perigo que já se evidencia em muitos edifícios modernos.

A aplicação de tecnologias sofisticadas resulta em sistemas de controle de

decisões sobre as condições, ambientais e não ambientais, dos espaços interiores

da arquitetura. Assim, o indivíduo se encontra imerso num entorno que não

descontrolado, mas que não é controlado por ele. As janelas que não se abrem,

comuns em qualquer edifício de escritórios moderno, são um exemplo

paradigmático desta situação.

Analisando estes casos, por desgraça cada vez mais freqüentes, é certamente

impossível de se evitar que, no caso de uma possível avaria do sistema de

controle das instalações associadas, esta falta de liberdade do usuário se

transforma num problema crítico e de impossível solução.

Não podemos deixar de lembrar que o verdadeiro controle não é o que priva os

usuários do poder de decisão, mas que os permite decidir melhor e com mais

comodidade, o que está muito longe da realidade de muitos edifícios atuais.

O grande desafio que a arquitetura deste início de século tem é o de conceber e

formalizar um novo conceito de edifício, além da pura forma da matéria, ainda

que carregado de significados. Considerando este conceito a arquitetura deveria

se apresentar como um delicado jogo de energias ambientais em estreita relação

com seus usuários, livre da sujeição dos sistemas fechados em si mesmos que

não permitem a iniciativa individual, e em harmonia com o meio ambiente,

caracterizando uma evolução, esperemos que positiva, de um entrono natural

que já não é o que era.

Por isso, se os arquitetos não querem se encontrar uma vez mais fora do jogo da

própria cultura na qual vivemos, deveriam aceitar o papel ativo que as técnicas

atuais podem desempenhar na arquitetura. Deveríamos repensar o conceito de

forma construída e incorporar o espaço energético ao vocabulário arquitetônico,

aproveitar as possibilidades dos sistemas de controle com uma definição

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dinâmica dos ambientes e, sobretudo, livrarmo-nos do fechamento ideológico que

só nos permite trabalhar com a geometria da matéria.

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Capítulo IX.

Outras culturas, outros climas.

Até aqui analisamos os climas da arquitetura segundo uma visão particular, a da

cultura ocidental industrializada na qual estamos imersos. Nesta trilha demos

ênfase especial aos temas relacionados com a sensação térmica, que através dos

fenômenos radiantes, são estreitamente ligados com os fenômenos visuais; no

primeiro caso predominam os aspectos de conforto e bem estar, enquanto que no

segundo predominam os perceptivos. Também incluímos, como se fosse outro

fenômeno climático, o eterno campo da acústica, sobretudo perceptivo, mas que

está ligado intimamente ao bem estar pela importância que o som tem nos

aspectos inconscientes da dita percepção.

Por último, depois de comentar todos estes climas, tentamos analisar os

princípios de seu controle na arquitetura, conectando as técnicas que desde

sempre caracterizaram a flexibilidade dos edifícios, com a modernidade

tecnológica do chip e do controle artificial da luz, do calor e do som.

Alem do mais, considerados separadamente ou em conjunto, luz, calor e som são

fenômenos cuja existência e importância são aceitas por nossa sociedade. Seus

valores são mesuráveis, ainda que freqüentemente muito mal. Suas tecnologias

são conhecidas e temos certa fé em seu funcionamento, ainda que com

freqüência o resultado das técnicas utilizadas nos decepcione.

Existem, no entanto, casos de fenômenos ambientais que são totalmente

diferentes, classificados de imensuráveis e com componentes de mistério, magia

ou engano, importantes em outras culturas e que, ainda hoje, se discutem e se

aplicam em algumas zonas do mundo e em alguns setores contra-culturais de

nossa própria sociedade.

Um dos exemplos mais interessantes e que possui estreita relação com a

arquitetura é a ciência chinesa do Feng Shui, palavras que significam

literalmente “vento e água”. Nesta antiga ciência se estuda a relação das

características de um lugar com o habitat humano, apoiando-se em sua

topografia e sua hidrologia, além de outras considerações muito menos

perceptíveis.

As explicações do Feng Shui na avaliação de um lugar partem de conceitos

espirituais que tratam da harmonia com o universo e da “energia” latente de

todas as coisas presentes. À partir deste ponto trabalha-se com analogias que, se

belas dificilmente são traduzíveis, de dragões, tigres e serpentes, pontos

harmônicos onde a “energia” é positiva e correntes nefastas que, transformadas

em perigosas “flechas secretas”, agridem os prédios e os seres humanos que nele

habitam.

A sabedoria do Feng Shui reside na escolha de uma boa localização e de uma

adequada disposição dos espaços da arquitetura em um determinado sítio, que

ignora outras considerações que, na nossa cultura ocidental achamos mais

importantes para a arquitetura. Neste sentido é interessante e estimulante

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observar como se prioriza a escolha do lugar sobre a forma e materiais utilizados

no edifício, como uma “contraproposta” do fazemos em nosso entorno cultural.

Todas estas teorias do Feng Shui, bem como outras aproximações similares não

convencionais que relacionam o ambiente à arquitetura, podem nos parecer

elucubrações sem sentido, crenças pagãs de civilizações primitivas ou, até,

invenções delirantes de viajantes entediados. Contudo, podemos nos surpreender

quando analisamos as soluções propostas pelos entendidos sobre o assunto,

simplesmente valorizando essas soluções, indiferentes de teorias que as

justifiquem.

Com relação à orientação do habitat, por exemplo, as recomendações

relacionadas à topografia e cursos d’água costumam ser as melhores,

climaticamente, sobretudo, mas também com relação a outros aspectos

funcionais. O mesmo ocorre com as recomendações sobre seu posicionamento

sobre o perfil dos terrenos, sendo escolhidos quase sempre os locais que melhor

se inserem esteticamente na paisagem, em detrimento de sítios que a

prejudiquem.

Em escalas mais próximas, as recomendações podem parecer mais triviais ou

anedóticas, mas continuam supondo uma alta dose de praticidade e são

favoráveis para o funcionamento ambiental. A disposição das aberturas em um

local, por exemplo, ou o acesso das residências, são soluções eficazes do ponto

de vista térmico e permitem um controle adequado da ventilação seja no inverno

e no verão.

Da mesma forma, as estratégias propostas para o uso de luz natural, assim como

a técnica de uso de vidro e espelhos, água e vegetação, concordam, não só com o

senso comum, mas também com algumas das mais modernas teorias e

descobertas feitas pela nossa cultura técnica ocidental.

Outras culturas, diferentes da nossa, também têm outras formas de conceber e

avaliar os ambientes da arquitetura, coincidindo em muitos casos com o Feng

Shui na valorização de um espaço através de ações e fluxos energéticos que se

estabelecem na terra e no céu. Segundo estas formas de pensamento, sobre a

superfície da terra existem lugares positivos e lugares negativos, receptores ou

emissores destas energias que não se podem medir e que fazem um determinado

sítio agradável ou desagradável.

Segundo esta forma de pensar, o ser humano perdeu a sensibilidade consciente

sobre estas influências, que era conhecida pelos homens primitivos e usada

quando levantavam seus monumentos megalíticos, situados em pontos

estratégicos como conexões entre o céu e a terra. Estes pontos singulares têm

sido utilizados, ao longo da história da humanidade, para a edificação de

monumentos de todo tipo que, às vezes, sobrepõem seus cimentos através de

raças e culturas sucessivas.

É possível que destas técnicas só tenham chegadas até nós a radioestesia, com a

qual os especialistas encontram depósitos minerais ou caudais subterrâneos de

água. De qualquer maneira, existem sugestivas analogias entre as técnicas da

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acupuntura e as teorias que entendem o planeta como um ser vivo (Gaia), no

qual os menires seriam sutis agulhas situadas nos pontos críticos de sua pele.

Pode-se argumentar que todas estas teorias não são mais que uma roupagem

que adorna um “saber fazer arquitetura” apreendida através dos séculos, e que

talvez seja verdade.

Contudo, são soluções que funcionam segundo os princípios que nós

conhecemos; se também funcionam para outros parâmetros ambientais que não

temos como medir mas tão somente reconhecer sua existência, pois tanto

melhor. Uma vez mais, o importante não deve ser deter a verdade absoluta, mas

dispor de sistemas coerentes que permitam desenhar uma arquitetura bela e

mais cômoda.

Neste contexto e na falta de instrumentos e métodos científicos que permitam

constatar a realidade destes fenômenos, o mais fácil é considerá-los como

inexistentes e prescindir deles no processo de concepção da arquitetura. Mas,

com isso, estaríamos repetindo uma atitude que adotamos muito freqüentemente

diante de qualquer problema: ignorar aquilo que não sabemos medir, o que é

uma atitude muito perigosa. Devemos ter em conta que, até em fenômenos muito

conhecidos, nos deixamos levar por essa atitude que, com certeza, nos conduz ao

fracasso. Recordemos, por exemplo, que, como avaliamos a iluminação de um

espaço com um só parâmetro, a luminosidade em luxes, o que não é suficiente e

caracteriza um equívoco freqüente, nós só o fazemos porque é muito mais difícil

medir a luminosidade que nossos olhos vêm num determinado espaço (ver

capítulo XX, Clima da Luz e do Sol).

A recomendação geral para estes casos é a de que, todos os fenômenos que

influenciam no ambiente arquitetônico devem ser valorizados, mesmo quando

não podem ser medidos. Em muitos casos bastará um conhecimento aproximado

de como opera o fenômeno e sua ordem de magnitude, sem a necessidade de

uma parametrização exata. Acreditamos que com essa atitude, os resultados

serão sempre mais apropriados do que os obtidos ignorando simplesmente o

fenômeno.

Contudo, aplicar este tipo de valorização dos fenômenos que estamos tratando,

continua sendo difícil. Trata-se de manifestações que não registramos

conscientemente, muitas vezes são impressões vagas, um mal estar que

atribuímos a outras causas, ou uma euforia que recebemos sem perguntarmos

por que. Tudo isso são sensações que notamos na arquitetura, como se fossem

fenômenos naturais que a arquitetura mesmo corrige e matiza. Quem não

sentiu, ao visitar Ronchamp, encravado numa paisagem ancestralmente mágica,

sensações que vão além da escultura de forma e luz que Le Corbusier provoca?

De qualquer maneira, intuímos algumas tendências gerais: a opressão das

montanhas, o dinamismo da água corrente, as tensões dos campos

eletromagnéticos que geram linhas elétricas de alta tensão, a pressão psicológica

dos aglomerados urbanos, o reconhecimento da vegetação frondosa, etc. Todas

elas são unicamente tendências, mas contra ou a favor das mesmas, podemos

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atuar com os recursos arquitetônicos de sempre: barreiras, conectores ou filtros,

acrescidos da escolha da localização, orientação bem como a eventual correção

do entorno imediato tratado para outros fenômenos. A ação das barreiras poderá

canalizar ou rechaçar estas influências, numa ação parecida com a que

realizamos com o som ou com a radiação solar.

A partir deste ponto, temos também outra ferramenta para a avaliação da

arquitetura ante estas energias imensuráveis que, embora um tanto ou quanto

ingênuo, funciona ao cabo de qualquer avaliação relacionada à arquitetura, que é

a estética. Paradoxalmente, em muitas destas culturas se nega o conceito de

“bonito ou feio”, entendendo que só existe o favorável e o desfavorável, mas nós

acreditamos que com a estética temos uma ferramenta com a qual se pode

avaliar, até certo ponto, este tipo de fenômeno na arquitetura

A harmonia é um conceito sutil, relacionado à modas, costumes e outras

variáveis das diferentes culturas, mas, apesar de tudo, existem reações ao

entorno que podem ser generalizadas e que compartilhamos com nossos

semelhantes quando deixamos de lado avaliações realizadas segundo nossos

preconceitos culturais. Se contemplarmos a arquitetura de um ponto de vista

estético e tratamos de identificar sua harmonia, tanto interna como com relação

ao entorno, talvez tenhamos esta ferramenta que pode nos permitir integrar os

“outros climas” com os já conhecidos.

Partindo deste pressuposto, podemos incorporar o juízo estético no exercício do

desenho ambiental com a intenção de que a luz, o calor e o som, vibrem

harmonicamente no interior de todos os nossos edifícios, objetivando que, desde

sua implantação no local desejado até seu acabamento, exista harmonia com seu

entorno e no seu próprio funcionamento. Isto não implica na utilização forçada

de adaptações a materiais ou formas construtivas locais, muitas vezes

remanescentes de características sociais e técnicas construtivas hoje

inexistentes, mas algo mais delicado, recuperando a atitude e sensibilidade com

respeito ao lugar onde a arquitetura de situa, em vez de concebê-la como algo

abstrato, que começa e acaba no papel no qual se projeta e que se reproduz como

uma fotografia.

Como a estética é e será sempre um conceito de difícil precisão, fica impossível

transformas esta regra geral, que faz referência aos “outros climas” da

arquitetura, em recomendações concretas ou soluções práticas, tal como se faz

com outros aspectos ambientais. O exercício da arquitetura não é nem nunca foi

totalmente parametrizável; e talvez aí resida sua transcendência que supera o

passar do tempo.