apostila de toxicologia - abpa

16
CURSO DE PROTEÇÃO RESPIRATÓRIA Adaptação: Giovanni Moraes TOXICOLOGIA A toxicologia estuda a intoxicação sob todos os seus aspectos. A intoxicação é a manifestação de efeitos adversos no organismo, revelados por um estado patológico (doentio), ocasionado pela interação do organismo com um agente tóxico. Os agentes tóxicos são produtos químicos que rompem o equilíbrio orgânico, a partir de sua entrada no organismo, por meio da toxicodinâmica e da toxicocinética. A toxicologia ambiental, pois, estuda os efeitos adversos em seres humanos, causados por produtos químicos, quando liberados no meio ambiente. Já a ecotoxicologia estuda os efeitos adversos dos produtos químicos quando estes atingem os ecossistemas e seus componentes. Normalmente é comum a aplicação dos dois tipos de estudos, pois quando produtos químicos são liberados no ambiente, analisam-se as duas situações, ou seja, os efeitos nos seres humanos e também na fauna e flora. O profissional de segurança e meio ambiente deve compreender estas relações (toxicologia - intoxicação - agentes tóxicos), a partir de situações e fatos nos quais possam vir a ocorrer vazamentos, contaminação, exposição e intoxicação de seres vivos por produtos químicos. Entender o comportamento do produto químico no meio ambiente vai possibilitar que o profissional de segurança e meio ambiente faça um planejamento de ações preventivas e também adote ações corretivas na empresa, para proteger a saúde dos trabalhadores e também da população de entorno. Vejamos como exemplo a movimentação, estocagem, transferência dos seguintes produtos, líquidos e sólidos (alguns exemplos) nos maiores portos do Brasil: Acetato de Butila Coperaf Isopropanol Solvente AB 9 Acetato de Etila Coperaf 1 Metilisobutilce tona Solvente C 9 Adiponitrila Corrente Monoetilenoglic Solvente D 100 1

Upload: guilherme-campelo

Post on 01-Jul-2015

348 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Apostila de Toxicologia - ABPA

CURSO DE PROTEÇÃO RESPIRATÓRIA

Adaptação: Giovanni Moraes

TOXICOLOGIA

A toxicologia estuda a intoxicação sob todos os seus aspectos. A intoxicação é a manifestação de efeitos adversos no organismo, revelados por um estado patológico (doentio), ocasionado pela interação do organismo com um agente tóxico. Os agentes tóxicos são produtos químicos que rompem o equilíbrio orgânico, a partir de sua entrada no organismo, por meio da toxicodinâmica e da toxicocinética.

A toxicologia ambiental, pois, estuda os efeitos adversos em seres humanos, causados por produtos químicos, quando liberados no meio ambiente. Já a ecotoxicologia estuda os efeitos adversos dos produtos químicos quando estes atingem os ecossistemas e seus componentes. Normalmente é comum a aplicação dos dois tipos de estudos, pois quando produtos químicos são liberados no ambiente, analisam-se as duas situações, ou seja, os efeitos nos seres humanos e também na fauna e flora.

O profissional de segurança e meio ambiente deve compreender estas relações (toxicologia - intoxicação - agentes tóxicos), a partir de situações e fatos nos quais possam vir a ocorrer vazamentos, contaminação, exposição e intoxicação de seres vivos por produtos químicos.

Entender o comportamento do produto químico no meio ambiente vai possibilitar que o profissional de segurança e meio ambiente faça um planejamento de ações preventivas e também adote ações corretivas na empresa, para proteger a saúde dos trabalhadores e também da população de entorno.

Vejamos como exemplo a movimentação, estocagem, transferência dos seguintes produtos, líquidos e sólidos (alguns exemplos) nos maiores portos do Brasil:

Acetato de Butila Coperaf Isopropanol Solvente AB 9

Acetato de Etila Coperaf 1 Metilisobutilcetona Solvente C 9

Adiponitrila Corrente Aromática Monoetilenoglicol Solvente D 100

Álcool Cetílico Diciclopentadieno Nitro 10 GRN Solvente 71

Álcool Graxo Dietanolamina Normal Butanol Tolueno

BF 450 DOT3 Diisobutileno Óleo Base Oil T-22 Trietanolamina

Butil Cellosolve Enkadixol Orto-Xileno Xileno

Caradol Etilenodiamina Parafina Xileno Misto

Cellosolve Acetato 2 Etil Hexaico Para-Xileno Enxofre

Cellosolve Solvente Hexilenoglicol Rafinado Bauxita

Ciclopentano Isobutanol Rafinado PGH GLP

Explosivos Defensivos agrícolas Venenos Ácido Fosfórico

Ácido Nítrico Ácido Fluorbórico Ácido Clorídrico Ácido Fluorídrico

Ácido Sulfúrico Amoníaco Arsênico Barrilha

1

Page 2: Apostila de Toxicologia - ABPA

Berílio Bromo Cal Carvão

Cianetos Aminas Aromáticas Compostos Nitrosos Cimento

Cloro Fenol Flúor Fosfetode Hidrogênio

Manganês Formaldeído Potassa Soda Cáustica

Tolueno Diisocianato Óleos Minerais Graxa Tintas

Percebe-se uma grande variedade de produtos com graus de risco também variáveis, tais como tóxicos, venenosos, carcinogênicos, inflamáveis, explosivos, teratogênicos, mutagênicos, nos mais diversos tipos de embalagens (granel, tanques, isotanques, containers, tambores, bombonas, latas, oleodutos, gasodutos, navios, caminhões, etc.).

Estes riscos receberam uma classificação internacional determinada pela ONU, adotada no Brasil, com identificação numérica dos produtos e por rótulos de risco, a fim de facilitar tal identificação, em caso de acidentes, vazamentos, derrames, etc. Também foi feita uma classificação das embalagens a serem usadas para o transporte e armazenagem dos produtos, segundo a classificação do risco.

São as seguintes classes de risco:

1. Explosivos;

2. Gases Comprimidos, Liqüefeitos, Dissolvidos sob Pressão ou Altamente Refrigerados;

3. Líquidos Inflamáveis;

4. Sólidos Inflamáveis;

5. Substâncias Oxidantes e Peróxidos Orgânicos;

6. Substâncias Tóxicas e Substâncias Infectantes;

7. Substâncias Radioativas;

8. Substâncias Corrosivas;

9. Substâncias Perigosas Diversas.

TOXICOLOGIA - PRINCÍPIOS BÁSICOS

Três são os elementos básicos da Toxicologia (veja o esquema a seguir):

a) a existência de um agente ou substância química no meio ambiente, que possa entrar em contato com o organismo, determinando neste último uma resposta (sinais e sintomas);

b) a identificação do sistema ou órgão sobre o qual a substância química age;

c) a resposta do organismo, desde que considerada nociva.

2

Page 3: Apostila de Toxicologia - ABPA

1 - SUBSTÂNCIA QUÍMICA (AGENTE TÓXICO)

2 - ORGANISMO

VIAGÁSTRICA

VIA PULMONAR

VIADÉRMICA

OUTRASVIAS

MUCOSABUCAL

TRATOGTI*FÍGADO SANGUE DEPÓSITOS

NATURAIS**BILE RINS PULMÕES

SÍTIOS DE AÇÃOFEZES URINA AR EXPIRADO

3 - RESPOSTA (SINAIS E SINTOMAS)

* Trata-se da Mucosa Gastrointestinal (GTI).** Tratam-se das proteínas do plasma sangüíneo, fígado, rins, lipídios e ossos.

Obs.: Além da excreção pulmonar (ar expirado), digestiva (fezes) e renal (urina), temos também a excreção pela saliva, suor e pelo leite, que ocorrem em menor grau.

A intoxicação envolve, ainda, a AVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA, abrangendo:

a) Intoxicação aguda: A intoxicação aguda é compreendida pelo aparecimento de respostas e efeitos adversos no organismo em um curto período de tempo (não superior a 24 horas), após sua exposição a uma única dose, ou imediatamente a uma curta, mas contínua exposição.

É determinada a toxicidade aguda de um agente químico, pela quantidade necessária em mg/kg (miligramas por quilo) de peso corpóreo para provocar a morte de 50% de um lote de animais submetidos à experiências de laboratório. Normalmente são utilizados ratos, em número de doze.

É expressa pela sigla DL50 (Dose Letal Média) nos estudos por via oral e dérmica e CL50 (Concentração Letal Média) nos estudos por via respiratória.

b) Intoxicação crônica: A intoxicação crônica é compreendida pelo aparecimento de respostas e efeitos adversos no organismo, após a exposição diária durante anos da vida do organismo. Estes efeitos adversos são cumulativos e podem se prolongar por 30 anos depois da exposição.

3

Page 4: Apostila de Toxicologia - ABPA

c) Efeitos neurotóxicos: Os efeitos neurotóxicos são aqueles que atingem o Sistema Nervoso Central (SNC), nervos periféricos e órgãos do sentido. Os danos podem ser irreversíveis quando degeneram as células nervosas, como no caso da exposição ao hexano, um dos solventes usados na gasolina, que produz desintegração e degeneração dos axônios.

Os sintomas de pessoas que estão sofrendo efeitos neurotóxicos são a apatia, hiperatividade, paralisia, tremores, irritabilidade, coma, demência, neuropatia periférica.

d) Efeitos Carcinogênicos: Os efeitos carcinogênicos derivam-se de produtos que causam câncer nos seres vivos. A Carcinogênese, que também é conhecida como Oncogênese, é um processo anormal, não controlado, de diferenciação e proliferação celular, inicialmente localizado, mas que pode se disseminar por todo o organismo (metástase), levando-o à morte.

Apresenta três causas conhecidas: agentes físicos (radiações), viróticos e químicos. Nossa atenção está concentrada nestes últimos.

O primeiro relato de câncer ocupacional derivado da exposição a agentes carcinogênicos químicos (1.875), indicava a elevada incidência de câncer de pele em limpadores de chaminés da Inglaterra (por ficarem sujos de fuligem). Seguiu-se, em 1.895, a indicação de câncer de bexiga, derivado da exposição de trabalhadores a aminas aromáticas e a benzeno.

Atualmente, são mais de 270 as substâncias químicas estudadas, catalogadas e publicadas por institutos de pesquisas no mundo todo, que estão relacionadas numa classificação em 5 Grupos:

Grupo I - substâncias comprovadamente carcinogênicas ao homem, por meio de estudos epidemiológicos. Exemplo: Benzeno;

Grupo II - substâncias provavelmente carcinogênicas ao homem. Este grupo apresenta dois subgrupos, A e B:

A: Evidências limitadas de causar câncer no homem e evidências suficientes de causar câncer em animais. Exemplo: Hexaclorobenzeno;

B: Evidências inexistentes de causar câncer no homem e evidências suficientes de causar câncer em animais. Exemplo: Formaldeído;

Grupo III - Substâncias possivelmente carcinogênicas ao homem, mas sem evidências concretas até o momento. Exemplo: Nitrobenzeno;

Grupo IV - Evidências inadequadas, tanto para o homem, quanto para os animais. Exemplo: Antraceno;

Grupo V - O produto não é carcinogênico, nem para o homem e nem para os animais.

e) Efeitos Mutagênicos: São determinados pela exposição do indivíduo a produtos químicos que causam mutações na estrutura do DNA do indivíduo, causando completa alteração na transcrição da informação genética à descendência. As mutações apresentam duas causas básicas: agentes físicos (radiações ionizantes e não-ionizantes), e alguns produtos químicos (Exemplos: Níquel, benzo [a] pireno, aditivos de borracha).

4

Page 5: Apostila de Toxicologia - ABPA

f) Efeitos Teratogênicos: São determinados por produtos químicos que causam alteração nas células, tecidos e órgãos de um embrião (malformações congênitas não hereditárias). O mais famoso da história é a Talidomida, que na década de 60 (usada em remédios para diminuir as náuseas e vômitos das gestantes da Alemanha e da Inglaterra), causou profundas malformações congênitas nos fetos. Em termos de meio ambiente, o mercúrio orgânico é um agente químico que pode contaminar ecossistemas e entrar na cadeia alimentar dos humanos, levando à teratogênese.

TIPOS DE CONTAMINANTES QÍMICOS

a) Sólidos: São os mais difíceis de causar intoxicação, quando de tamanho grande (como uma pedra, por exemplo). Contudo, os materiais sólidos, em muitos processos de fabricação de matérias-primas e de produtos finais, transformam o agente químico, por trituração, abrasão ou desintegração, em poeiras (ou pós), que, caso inaladas pelo ser humano, podem ir ou não para os pulmões, dependendo do diâmetro (veja explicação mais a seguir).

b) Líquidos: Apresentam maior facilidade de causar intoxicação, pois podem penetrar o organismo humano por diversas vias (ocular, respiratória, digestiva, dermatológica), principalmente pelo fato de que permanecem em suspensão mais tempo no ar, na forma de névoas e neblinas.

c) Gasosos: São os que apresentam a maior facilidade de causar intoxicação, pois ao penetrar o organismo humano, seguem de imediato aos pulmões e estes órgãos destinam-se à troca gasosa nos alvéolos, chegando o agente químico tóxico à corrente sangüínea. Detalhe importante é representado pelo volume de ar aspirado pelos pulmões, que varia de acordo com a atividade desenvolvida (em repouso, inalamos de 5 a 6 litros de ar por minuto e, sob atividade pesada, de 25 a 30 litros por minuto).

d) Vapores: A fase de uma substância que, em condições normais de temperatura e de pressão, são encontradas ou em estado sólido ou líquido. Por exemplo, quando se aumenta a temperatura num tanque que contém líquido inflamável (gasolina, querosene, álcool), este começa a desprender vapores.

e) Particulados: Podem ser definidos como matéria sólida ou líquida, cujo diâmetro efetivo é maior que uma molécula e menor que 100m (cem micrômetros). Particulados dispersos em meio gasoso são denominados aerossóis. Os termos fumaça, névoa, neblina, fumos e poeiras são comumente usados para descreverem tipos de aerodispersóides, dependendo do tamanho, forma e comportamento característico das partículas dispersas.

Em geral, o tamanho de partícula e velocidade de sedimentação são características mais importantes dos aerossóis. Por exemplo, partículas maiores que 100m podem ser excluídas da categoria de aerossóis devido à sedimentação rápida.

Por outro lado, partículas de 1m, ou menores, sedimentam vagarosamente e praticamente são consideradas como suspensões permanentes.

5

Page 6: Apostila de Toxicologia - ABPA

POEIRAS: Aerossóis formados por dispersão provenientes da desintegração mecânica da matéria sólida, ou por pulverização. Geralmente apresentam partículas com diâmetro maior que 1m, usualmente na faixa de 1 a 100m. Quando a poeira apresenta diâmetro entre 0,5 e 7 micrômetros, facilmente entra nos pulmões e fica retida nos bronquíolos e nos alvéolos, causando doenças. Um exemplo clássico dentro da Toxicologia é o da poeira de asbestos, que causa fibrose e câncer nos pulmões. A poeira que apresenta diâmetro maior do que 7 micrômetros não atinge os pulmões, pois fica entre os bronquíolos e os brônquios, que apresentam movimento ciliar, podendo retornar para o esôfago e, assim, parar no trato gastrointestinal. Nesta situação, dependendo do agente químico que entrou no organismo, o indivíduo pode apresentar uma intoxicação, como se tivesse ingerido o produto químico.

Exemplo: poeira de sílica, poeira de rochas, asbestos, cinzas, etc.

FUMOS: Aerossóis formados por condensação, sublimação ou combustão, geralmente formados a altas temperaturas. São constituídos de partículas sólidas de diâmetros na faixa de 0,001m a 1m. Devido ao pequeno tamanho das partículas, podem permanecer em suspensão por longo tempo e apresentam movimento Browniano.

Exemplo: Nas operações de solda, quando da fusão dos metais, há desprendimento de fumos metálicos.

FUMAÇAS: Aerossóis originados pela queima de matéria orgânica tais como madeira, carvão, etc. Em sua composição, encontramos fuligem e gotículas líquidas. Apresentam partículas de diâmetros na faixa de 0,01m a 1m. Devido ao pequeno tamanho das partículas, também podem ficar em suspensão por longos períodos e apresentam movimento Browniano.

NÉVOAS E NEBLINAS: Aerossóis constituídos por partículas líquidas, formados pela condensação de água ou outros vapores. Apresentam partículas usualmente na faixa de 0,01m a 10m.

Exemplo: Névoas de ácidos, névoas de pintura, névoas de óleos de corte, pulverização de praguicidas.

FORMAS DECONTAMINAÇÃO AOS CONTAMINANTES

As formas ou vias de exposição do organismo humano aos agentes químicos são três. Também são conhecidas como vias de penetração. A exposição está diretamente relacionada às propriedades físico-químicas de cada agente, além da concentração deste no meio ambiente e do tempo de duração da exposição. As exposições podem ser por via dérmica (tópica), oral (ingestão), ou pulmonar (inalação). Geralmente a gravidade da exposição segue uma seqüência crescente, da exposição menos nociva (dérmica), passando pela medianamente nociva (oral) e chegando à mais nociva (inalação).

a) Dérmica: A penetração de uma substância química pela pele não se dá apenas em condições nas quais a epiderme esteja com feridas. Muitos agentes químicos podem penetrá-la mesmo que esteja intacta e saudável. O fenol, por exemplo, usado como agente de limpeza e desinfecção poderoso, pode matar, mesmo quando em contato com uma pequena área (alguns centímetros) da pele, desde que esta exposição se dê em tempo suficiente para que ele tenha o efeito letal. O cimento, na forma de pó e de massa, quando em contato com a pele, produz graves dermatites, por sua ação cáustica.

b) Oral: A ingestão acidental de substâncias químicas normalmente se dá pelo fato de se beber água e comer alimentos contaminados. O episódio de Minamata*, no Japão (anos 30), é um exemplo clássico de exposição

6

Page 7: Apostila de Toxicologia - ABPA

a agente químico de uma população que se alimentava de peixes contaminados por metil-mercúrio, despejado na Baía de Minamata pela Companhia Química Chisso. Em 1.932, naquela Baía, indústrias descarregaram toneladas de mercúrio gerado como subproduto na fabricação do Acetaldeído (CH3CHO), que, através da correnteza, chegaram ao mar, contaminando peixes e frutos do mar.

A população, alimentado-se destes peixes, começou a apresentar sintomas de intoxicação, dentre elas: dormência nas extremidades dos membros, perda da audição e da fala, deficiência visual e distúrbios nervosos. O metil-mercúrio ataca o cerebelo, responsável pela coordenação motora, e também destrói a personalidade do indivíduo. Com o acúmulo de mercúrio no organismo com o decorrer do tempo, as conseqüências deste veneno ficavam cada vez mais graves, como a paralisia muscular e degeneração cerebral e, em muitos casos, a morte. Mães contaminadas pelo consumo de peixes, davam a luz à crianças defeituosas (Teratogênese).

Após 36 anos passados do início da contaminação, o governo japonês reconheceu oficialmente que o mercúrio era o responsável pelo envenenamento. Esta catástrofe, conhecida como o Mal de Minamata, levou ao governo do Japão, só em 1.973, a proibir o consumo de peixes provenientes de Minamata, e a investir milhões de dólares em pesquisas de como descontaminar as áreas afetadas e dos efeitos do envenenamento.

Tragédias como esta, apesar de menor escala, ainda ocorrem nos dias atuais, devido aos métodos de extração de ouro, falta de orientação aos garimpeiros e resíduos industriais que contém este metal. No Brasil, um estudo conduzido no Pará, já determinou que três pessoas estão com o Mal de Minamata, por exposição a mercúrio usado em garimpo e há mais de cinqüenta pessoas que se encontram contaminadas, mas que ainda não desenvolveram os sintomas.

É importante mencionar que o caso de Minamata não foi único, pois outra cidade japonesa, Niigata, passou pelo mesmo problema, em 1.960, além do Canadá e região da Amazônia.

Temos a citar, também como exemplo, o episódio de Itai-Itai, doença que causou osteoporose severa, anemia e problemas renais, principalmente nas mulheres da cidade japonesa de Toyama, na década de 40, por consumirem alimentos plantados em lavouras irrigadas por água contaminada por Cádmio.

c) Respiratória: O caso de Bhopal é outro exemplo de contaminação de uma população por inalação de um gás letal (MIC). Para maiores detalhes, veja o item 6 da apostila, a seguir. Aqui em nossa região, tivemos diversos exemplos. Um dos mais graves ocorreu em 1.985, quando o rompimento de uma tubulação de amônia gerou o vazamento de 30 toneladas do produto, implicando numa evacuação de 6.500 pessoas de suas casas, em Cubatão.

Quanto à classificação dos agentes químicos, a FUNDACENTRO classifica as substâncias químicas em sete grupos, em função da ação nociva sobre o organismo humano.

a) Grupo I – Substâncias de ação generalizada sobre o organismo: correspondem aos agentes químicos cujos efeitos, no organismo do trabalhador, dependem da quantidade de substância absorvida, estando representados pela maioria das substâncias relacionadas no Quadro I do Anexo 11 da NR 15, aos quais se aplica o limite de tolerância de média ponderada (Ex.: cloro, chumbo, dióxido de carbono, monóxido de carbono).

7

Page 8: Apostila de Toxicologia - ABPA

b) Grupo II – Substâncias de ação generalizada sobre o organismo, podendo ser absorvidas, também, por via cutânea: correspondem aos agentes químicos que, além de exporem os trabalhadores através das vias respiratórias, também exigem proteção individual para os membros superiores e outras partes do corpo possíveis de propiciarem a absorção cutânea do agente químico (ex.: anilina, bromofórmio, fenol, percloretileno, tetracloreto de carbono e tolueno).

c) Grupo III – Substâncias de efeito extremamente rápidos: correspondem aos agentes químicos que têm indicados os limites valor-teto, os quais não podem ser ultrapassados em momento algum durante a jornada de trabalho (ex.: ácido clorídrico, dióxido de enxofre e formaldeído).

d) Grupo IV – Substâncias de efeito extremamente rápido, podendo ser absorvidas, também, por via cutânea: correspondem a apenas quatro substâncias: álcool n-butílico, m-butilanona, monoetil hidrazina e sulfato de dimetila, as quais, além de apresentarem limite de tolerância valor teto, que não pode ser ultrapassado em nenhum momento da jornada de trabalho, podem ser absorvidas pela pele, exigindo, necessariamente, a utilização do equipamento de proteção individual (EPI).

e) Grupo V – Asfixiantes simples: são representados por alguns gases em altas concentrações no ar, atuam no sentido de deslocar o oxigênio do ar. Entende-se por asfixia o bloqueio dos processos tissulares (ou seja, dos tecidos), no qual se impede o uso do oxigênio pelos organismos vivos, pela falta deste (ex.: acetileno, argônio, hélio, hidrogênio, metano).

f) Grupo VI – Poeiras: são substâncias químicas sólidas provenientes da degradação mecânica de matérias no estado sólido; podem ser altamente nocivos, dependendo da dimensão, podendo causar pneumoconiose. A NR 15, em seu Anexo 12, prevê três agentes: asbestos (amianto), manganês e seus compostos e sílica livre.

g) Grupo VII – Substâncias cancerígenas: correspondem àquelas que, cientificamente comprovado, podem causar câncer ao trabalhador ou induzir câncer em animais, sob determinadas condições experimentais. Ex.: alcatrão, asbestos, cloreto de vinila, benzidina, betanaftalina, 4-nitrodifenil, 4-aminodifenil, benzeno, agentes arsenicais, benzo {a} pireno, cromo hexavalente, entre outras.

ESTUDO DE CASO - A TRAGÉDIA DE BHOPAL (ÍNDIA)

Em 1.984 ocorreu um grande vazamento de gás tóxico numa Usina da Union Carbide, na cidade de Bhopal. Milhares de pessoas morreram, a maioria habitantes de favelas vizinhas à unidade industrial. A fábrica foi financiada para produzir um inseticida (Carbaryl), que já era proibido em muitos países, e vendia cada vez menos.

Etapa por Etapa: Uma avalanche de erros ...

1) A fábrica da Union Carbide só era economicamente viável se a planta produzisse os dois componentes principais do Carbaryl: O MIC (Metil-Iso Cianato) e o Alfa-Naftol. Contudo, apenas o MIC era dominado a nível industrial, o outro produto, não. Duas tentativas frustradas de fabricar o Alfa-Naftol foram feitas até 1.983, quando desistiram de produzí-lo na Índia,

8

Page 9: Apostila de Toxicologia - ABPA

passando a importá-lo. Com isto, a fábrica passou a ter só prejuízos e um ano antes da tragédia acontecer, a fábrica já produzia apenas 1/3 de Carbaryl.

2) O MIC é um produto altamente instável e só pode ser armazenado a 0º C, pois quando a temperatura se eleva, começa a polimerizar e a própria polimerização aumenta a temperatura do produto, num efeito “dominó”, aumentando também a pressão interna nos reservatórios, que podem explodir. Cinco meses antes da catástrofe acontecer, por medidas de economia (lembre-se, a fábrica só estava dando prejuízo...), os sistemas de refrigeração dos reservatórios foram desligados, a temperatura interna subiu para aproximadamente 200º C, mas não há precisão nos números, pois (pasmem !) nenhum reservatório apresentava termômetros...

3) Em substituição ao sistema de refrigeração, a empresa adotou um sistema de lavagem de gases por ácido e queima dos mesmos por meio de uma tocha. Contudo, na data da tragédia, apesar dos reservatórios estarem cheios, uma das torres de lavagem estava parada, pois encontrava-se em manutenção e a outra operava manualmente (sem instrumentos). A tocha fora desligada. O sistema de alarmes também “...para não incomodar a vizinhança, que reclamava muito...” . Na verdade, quando ligava-se o painel de alarmes, este último disparava o tempo todo, pois a maior parte dos dispositivos de segurança da usina encontrava-se quebrada.

4) A lentidão foi fatal. A população local foi alertada para o vazamento às 02Hs15 da madrugada, mas os trabalhadores da usina descobriram o vazamento às 21Hs00 (portanto, mais de cinco horas antes...). Detalhe, os trabalhadores conheciam a direção do vento local e sabiam como posicionar-se para ficar contra a direção do gás, mas a população não.

5) Para cortar custos, a direção da empresa incentivou a demissão voluntária do quadro técnico (engenheiros e encarregados) e dos operadores mais experientes e técnicos de manutenção. Todas as equipes de manutenção foram reduzidas em 50%. Praticamente só sobraram funcionários desqualificados. Operários com salários mais baixos foram transferidos de outras unidades, para atuar em Bhopal, mas não receberam treinamento. Na sala de controle da planta do MIC, ficou apenas um operador desqualificado, que não sabia o que estava acontecendo. Inexistia um Manual de Procedimentos para Emergências.

6) Para diminuir ainda mais os custos, a direção da fábrica suspendeu procedimentos de manutenção vitais: o controle e manutenção de CORROSÃO foi eliminado (com isto, tubulações e válvulas apodreceram...), os reatores não eram mais totalmente purgados (apenas parcialmente), válvulas não fechavam por completo...

7) Dispositivos de informação e controle irracionais foram utilizados, por exemplo: um termômetro para controle de temperatura interna de tanques tinha a graduação de -25 a + 25 º C. Contudo, num país de clima quente como a Índia, com o sistema de refrigeração de tanques desligado, por óbvio que a temperatura interna dos tanques sempre estaria acima de 25º C ! De qualquer modo, não importa...o termômetro estava quebrado !

8) A linha de raciocínio da direção da fábrica era bastante clara: três meses antes da tragédia, um operário sofreu uma amputação, ficando mutilado. O colega, que era sindicalista, ao denunciar a fábrica quanto ao acidente, foi demitido. Uma comissão do sindicato que entrou na fábrica, para fazer uma

9

Page 10: Apostila de Toxicologia - ABPA

vistoria de segurança e apurar as irregularidades, ficou trancada durante horas numa sala, para desistir da idéia...

9) O governo estadual de Madhya Pradesh (um estado da região central da Índia, onde localiza-se Bhopal), fazia “vista grossa” para a situação de insegurança predominante na fábrica. Seis meses antes da tragédia, dezoito fábricas químicas localizadas no estado foram consideradas perigosas, mas a fábrica da Union Carbide foi “ esquecida “. O fato tem uma explicação: a fábrica era uma holding entre a Union Carbide e o próprio estado de Madhya Pradesh e é óbvio que o estado não poderia condenar a si mesmo, assumindo sua cota de responsabilidade...assim, era mais fácil mentir.

10) Para que se tenha uma idéia do quanto a fábrica em questão era perigosa para o meio ambiente, dez anos antes da tragédia, já ocorriam vazamentos de gás e a quantidade era tão grande, que água contaminada pela usina, nas suas imediações, matou gado que a bebeu. Os índices de poluição atingiam cem vezes acima do limite de tolerância, mas nada foi feito, apesar do governo efetuar, anualmente, o controle de tais índices.

11) A política da mentira durou cinco dias: a direção da empresa e o SESMT diziam que “...não era nada de grave...” . Contudo, sabe-se que o MIC é usado como gás de combate nas guerras (arma química), provocando queimaduras nos olhos e edema pulmonar, levando à asfixia. Acrescente-se que o organismo, em sua própria defesa, segrega água como reação, durante a toxicodinâmica, alterando o Metil-Isocianato por decomposição, transformando-o em ácido cianídrico (que é mortal !). Milhares de favelados morreram no hospital de Bhopal por desconhecimento, por parte das equipes médicas, das reações adversas do organismo, frente ao gás inalado pela população.

Pelo exposto, fica clara a co-responsabilidade entre governo e empresa, ambos levando a planta química à uma condição totalmente inviável de operacionabilidade. A análise ergonômica não deixa de avaliar os fatores aqui detalhados, a saber:

DIMINUIÇÃO DE QUADRO FUNCIONAL (Equipes reduzidas à metade);

ELIMINAÇÃO DAS EQUIPES TÉCNICAS (Os melhores profissionais foram incentivados a se demitir);

PROGRAMA DE DIMINUIÇÃO DE CUSTOS SUICIDA (Importantes procedimentos de manutenção foram eliminados);

FALTA DE REPOSIÇÃO DE PEÇAS (Os equipamentos tornaram-se sucateados);

FALTA DE TREINAMENTO (Os trabalhadores que restaram na planta eram inexperientes e, mesmo assim, foram colocados para trabalhar);

INTERESSES POLÍTICOS ACIMA DE QUALQUER COISA (O governo estadual encobria as irregularidades da planta e a prefeitura não impediu que as favelas se aglomerassem ao redor da fábrica);

ROMBO NO ORÇAMENTO PÚBLICO (A planta produzia, mesmo dando prejuízo);

NEGLIGÊNCIA GERAL (este, precisa explicar ?).

Legislação aplicada a defensivos organoclorados no Brasil

10

Page 11: Apostila de Toxicologia - ABPA

Os defensivos agrícolas organoclorados estão com sua comercialização, uso e distribuição proibidos no Brasil, conforme Portaria no 329, de 02/09/85, do Ministério da Agricultura, salvo algumas exceções.

Este documento sofreu algumas alterações no mesmo ano e no ano seguinte, mas manteve a proibição de uso, distribuição e comercialização de diversos produtos, tais como Aldrin, BHC, Toxafeno, Lindane, Endrin, Dodecacloro, Nonacloro, Metoxicloro e o Pentaclorofenol. Contudo, constituíram exceção alguns usos, entre eles, na indústria de madeira, sendo certo que o Pentaclorofenol tem uso predominante como agente protetor de madeiras.

Bibliografia:

LARINI, Lourival – Pentaclorofenol – In: TOXICOLOGIA DOS PRAGUICIDAS (Cap. 7) – Editora Manole Ltda. - SP, 1.999, 230 páginas.

LARINI, Lourival – Herbicidas / Pentaclorofenol – In: TOXICOLOGIA (Cap. 7) – Editora Manole Ltda. - SP, 1.997, 301 páginas.

MESQUITA, Agnes Soares de; RESÍDUOS TÓXICOS INDUSTRIAIS ORGANOCLORADOS EM SAMARITÁ: UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA – Tese de Mestrado, Faculdade de Saúde Pública da USP, dezembro de 1.994.

SCHVARTSMAN, Samuel – Intoxicação por Pesticidas - In: INTOXICAÇÕES AGUDAS (Cap. VI) – Sarvier Editora de Livros Médicos Ltda., 1.991.

SIQUEIRA, Maria Elisa P. B.; FERNÍCOLA, Nilda Alícia G. G.- EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL AO PENTACLOROFENOL – RBSO – REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL NO 26 – FUNDACENTRO, Rua Capote Valente, 710 – São Paulo/SP.

SZULCSEWSKI, Cláudio - Centro de Pesquisa e Orientação de Segurança e Medicina do Trabalho da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas do Estado de São Paulo – OPERAÇÃO PÓ DA CHINA – RIO DE JANEIRO (PENTACLOROFENATO DE SÓDIO) – In: ANAIS DO XX CONPAT – CONGRESSO NACIONAL DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO, MTb, Fundacentro; Biblioteca da UNISANTA – Universidade Santa Cecília, págs. 603-608 – 1.982.

VIEIRA, Mateus Antônio M.; SANTOS, Jurenice P. Álvares - GALBES, Francisco Gondin; TRABALHO EM CONTATO COM PENTACLOROFENOL - RBSO – REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL NO 36 – FUNDACENTRO, Rua Capote Valente, 710 – São Paulo/SP.

11