apostila de direito tributário i (prof. carlos victor muzzi filho - fevereiro 2011)

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Curso de Direito 9 Perodo Professor: Carlos Victor Muzzi Filho

A P O S T I L A DE DIREITO TRIBUTRIO I

Professor Carlos Victor Muzzi Filho

ATUALIZADA AT FEVEREIRO DE 2011Todos os direitos reservados. Esta apostila destina-se aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH. Esta apostila no dispensa a leitura dos bons autores de direito tributrio, devendo ser considerada mero complemento da referida leitura e das aulas.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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NDICE

1 Ponto: Introduo (Direito Financeiro e Direito Tributrio) Direito Financeiro e Direito Tributrio Receita pblica Direito Tributrio: conceito, autonomia cientfica e outras denominaes 2 Ponto: Tributo e espcies tributrias Acepes da palavra tributo A definio do artigo 3 do CTN O art. 4 do CTN: a denominao do tributo e o produto de sua arrecadao Espcies tributrias Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificaes dos tributos Imposto Taxa Contribuio de melhoria Contribuio especial Emprstimo compulsrio Outras figuras (tributrias e no tributrias) 3 Ponto: Competncia e Repartio de Receita Tributria Competncia tributria Repartio de receitas tributrias 4 Ponto: Sistema Constitucional Tributrio e limitaes ao poder de tributar Limitaes ao poder de tributar Princpios Constitucionais Tributrios: a) segurana jurdica (legalidade, irretroatividade, anterioridade/noventena) b) justia tributria (igualdade, capacidade contributiva, no confisco) e princpios/regras correlatos (progressividade, seletividade, generalidade, universalidade e no-cumulatividade) c) Federao (proibio de vedao ao trfego, de discriminao de origem/destino, uniformidade geogrfica) d) Outros princpios constitucionais relacionados com a tributao 5 Ponto: Sistema Constitucional Tributrio e imunidades Imunidades: aspectos gerais Imunidades genricas: Imunidade recproca Imunidade de templos de qualquer culto Imunidade de partidos polticos, sindicatos, instituies de educao e de assistncia social, sem fins lucrativos Imunidade de livros, jornais, peridicos Imunidades especficas Imunidades e tributos indiretos 6 Ponto: Fontes do Direito Tributrio Legislao Tributria Lei Complementar Lei Ordinria Medidas provisrias e leis delegadas Tratados internacionais Decretos e normas complementares

04 04 05 06 08 08 09 12 13 17 18 20 24 25 31 32 35 35 40 42 42 43 44 48

54 56 59 59 61 62 64 65 67 69 70 72 72 73 76 76 76 77

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7 Ponto: Vigncia e Aplicao da Legislao Tributria Vigncia no tempo Vigncia no espao Aplicao da legislao tributria Lei expressamente interpretativa Retroatividade benigna 8 Ponto: Interpretao e Integrao da Legislao Tributria Regras e mtodos gerais de interpretao jurdica Regras especficas do CTN Institutos, conceitos e formas de Direito Privado Interpretao econmica 9 Ponto: Norma tributria, obrigao tributria e fato gerador Norma tributria. Estrutura. Aspectos da norma tributria (destaque: base de clculo e alquotas) Relao jurdica tributria. Obrigao tributria no CTN Fato gerador no CTN Fato gerador presumido Norma antieliso e interpretao econmica 10 Ponto: Aspecto subjetivo da obrigao tributria Sujeito ativo: competncia tributria e capacidade tributria Sujeito passivo: contribuinte e responsvel tributrio Capacidade tributria passiva Domiclio tributrio Contribuinte e solidariedade tributria Responsabilidade tributria: sujeio passiva direta e indireta Substituio tributria Responsabilidade de sucessores Responsabilidade de terceiros Responsabilidade por infraes Denncia espontnea Responsabilidade processual

78 78 79 80 80 80 82 83 83 84 85 87 87 88 90 91 92 93 94 96 96 97 97 98 98 99 100 101 104 105 106 107

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1 Ponto: Introduo (Direito Financeiro e Direito Tributrio) Direito Financeiro e Direito Tributrio Receita pblica Direito Tributrio: conceito, autonomia cientfica e outras denominaes

Direito Financeiro e Direito Tributrio 1. Direito Financeiro disciplina mais ampla do que Direito Tributrio, abrangendo o estudo, sob o ngulo jurdico, de toda atividade financeira do Estado. O Direito Financeiro, que deriva do Direito Administrativo, tem por objeto a disciplina do oramento pblico, das receitas pblicas (entre as quais se incluem as receitas tributrias) da despesa pblica e da dvida pblica (Luciano Amaro). O Direito Tributrio, nesse contexto, pode ser visto como especializao do Direito Financeiro, tendo como objeto o estudo de parte das receitas pblicas, quais sejam, as receitas tributrias. 2. Em termos de direito positivo brasileiro, o Direito Financeiro objeto de tratamento constitucional, especialmente nos artigos 163 a 169 da Constituio Federal. Em cada esfera de governo (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios), h leis financeiras prprias (art. 165 da Constituio Federal): a) lei do plano plurianual, que estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da Administrao Pblica para as despesas de capital e outras delas continuadas e para as relativas aos programas de durao continuada ( 1 do art. 165); b) lei de diretrizes oramentrias (LDO), que compreende as metas e prioridades da Administrao Pblica, incluindo as despesas de capital para o exerccio financeiro subsequente, orienta a elaborao da lei oramentria anual, dispondo sobre as alteraes da legislao tributria e estabelecendo a poltica de aplicao das agncias financeiras oficiais de fomento ( 2 do art. 165); c) lei oramentria anual, que compreende o oramento fiscal, o oramento de investimento das empresas pblicas e sociedades de economia mista, e o oramento da seguridade social ( 5 do art. 165). H, ainda, dois grandes diplomas legais que cuidam do Direito Financeiro, traando as chamadas normas gerais de Direito Financeiro: a) Lei 4.320/64, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaborao e controle dos oramentos e balanos da Unio, dos Estados, dos Municpios e do Distrito Federal; e b) Lei Complementar 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), que estabelece normas de finanas pblicas voltadas para a responsabilidade da gesto fiscal. 3. semelhana do Direito Econmico, tambm o Direito Financeiro, tanto quanto o Tributrio, guarda relao com a Economia, com a Contabilidade, entre outros ramos do conhecimento cientfico que igualmente cuidam do fenmeno financeiro estatal. Alis, o tributo no conceito exclusivamente jurdico, sendo ilusria a pretenso de compreend-lo apenas sob a tica jurdica.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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Receita pblica 4. Ao estudo do Direito Tributrio, em suas relaes com o Direito Financeiro, interessa principalmente o conceito de receita pblica. Embora haja inmeras controvrsias, assim se define, para os fins desta apostila, o conceito de receita pblica: a entrada que, integrando-se no patrimnio pblico sem quaisquer reservas, condies ou correspondncia no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo (Aliomar Baleeiro). Em regra, distingue-se a receita do ingresso, pois que este ltimo (ingresso) a entrada que ulteriormente ser restituda, como ocorre no emprstimo e nos depsitos (Ricardo Lobo Torres). 5. H, como se disse, infindveis discusses acadmicas sobre a classificao da receita pblica (ver Aliomar Baleeiro, Uma Introduo Cincias das Finanas; Alberto Deodato, Manual de Cincia das Finanas; Rubens Gomes de Sousa, Compndio de Legislao Tributria; e, mais recentemente, Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributrio, e Regis Fernandes de Oliveira, Curso de Direito Financeiro). 6. Entre as classificaes, tem-se a seguinte (baseada em propostas de Aliomar Baleeiro, Ricardo Lobo Torres e Luciano Amaro), que se mostra til para a compreenso das finanas do Estado: Entradas de recursos nos cofres pblicos entradas provisrias (ou ingressos) entradas definitivas (ou receitas)

Observe-se que Aliomar Baleeiro denomina de ingressos pblicos o gnero que, no quadro acima, foi denominado de entradas, dividindo esse ingressos em movimentos de fundos ou de caixa (entradas provisrias, no quadro acima) e receitas (entradas definitivas, no quadro acima). 7. Os ingressos (ou entradas provisrias) so depsitos, caues, fianas e emprstimos (inclusive os emprstimos compulsrios). J as receitas (ou entradas definitivas) subdividem-se em: a) receitas originrias; e b) receitas derivadas. As receitas originrias decorrem da explorao do patrimnio pblico, decorrendo de negcios de direito privado (economia privada), podendo se dar (Baleeiro): a) a ttulo gratuito (exemplos: doaes, bens vacantes, usucapio, etc.); ou b) a ttulo oneroso (doaes com encargo, preos pblicos). As receitas derivadas decorrem do ius imperii, negcios de economia pblica, sendo divididas em: a) tributos; b) penalidades e confisco; e c) reparaes de guerra. 8. Apenas para fins de informao, tambm bastante conhecida a classificao de Edwin Seligman, adotada por Rubens Gomes de Sousa, que tem como base a relao que haveria entre o interesse pblico e o interesse privado, no momento de arrecadar recursos para o Estado:Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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a) preos quase privados: predomina, principalmente, o interesse particular, havendo apenas eventual interesse pblico (ocorre quando o Estado exerce atividade econmica tambm exercida pelo particular; hoje, com a reduo do papel do Estado, reduzem-se os exemplos de preos quase privados, porque, em regra, esta atividade econmica telefonia, energia eltrica exercida por particulares); b) preos pblicos: receitas em que ainda predomina o interesse particular, mas j existe interesse geral ou coletivo (o exemplo o preo cobrado pelos Correios); c) taxas (que Luigi Einaudi, outro tributarista do incio do Sculo XX, denominava preo poltico): receita arrecadada em virtude, principalmente, do interesse pblico, mas h interesse particular, perfeitamente identificvel, do contribuinte (refere-se atividade que somente poderia ser exercida pelo Estado, no por particulares); d) contribuies: predomina, tambm, o interesse pblico, mas no haveria a identificao de um contribuinte, seno que determinada classe ou categoria de particulares (Rubens Gomes de Sousa); e e) impostos: receita em que h, exclusivamente, o interesse pblico, sem se considerar as vantagens que possam, ou no, advir para o contribuinte ou para a comunidade. As taxas, as contribuies e os impostos seriam obrigatrios e, por isso, elencados sob o ttulo comum de tributos. Direito Tributrio: conceito, autonomia cientfica e outras denominaes 9. O Direito Tributrio, nesse contexto, cuida da receita tributria, apenas um setor do direito financeiro (Luciano Amaro), abrangendo todo o conjunto de princpios e normas reguladoras da criao, fiscalizao e arrecadao das prestaes de natureza tributria (Luciano Amaro). H, como sempre, divergncias doutrinrias, sem maior importncia prtica, em termos de graduao em Direito. 10. Discute-se, ainda, a autonomia cientfica do Direito Tributrio, predominando o entendimento de que ele possui autonomia didtica. Autores como Geraldo Ataliba destacam sempre que o Direito Tributrio parte do Direito Administrativo (assim como o Direito Financeiro tambm parte do Direito Administrativo). Paulo de Barros Carvalho afirma o carter absoluto da unidade do sistema jurdico, motivo pelo qual afirmar a autonomia cientfica ou at mesmo a autonomia didtica no deixaria de ser a ciso do incindvel, a seo do inseccionvel. E, efetivamente, nenhuma especialidade do Direito pode pretender-se autosuficiente, porque h inmeras relaes entre as diversas disciplinas, os diversos ramos do Direito. Por isso a expresso falso problema da autonomia do direito tributrio, porque a discusso no tem maior sentido, eis que qualquer autonomia dos ramos do direito existe apenas para fins didticos. 11. Anote-se a distino que se pode fazer entre direito tributrio positivo e cincia do direito tributrio. Segundo Paulo de Barros Carvalho, so dois mundos que no se confundem. Direito positivo o complexo de normas jurdicas vlidas num dado pas, sendo que suas proposies (normas) tm carter eminentemente prescritivo (Paulo de Barros Carvalho). A Cincia do Direito seria a disciplina que explica aquele complexo, sendo que suas afirmaes (doutrinas) tm carterEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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eminentemente descritivo. Paulo de Barros Carvalho lembra, assim, que o direito positivo rege-se pela lgica dentica (ou do dever ser, ou lgica das normas vlido ou invlido), enquanto a Cincia do Direito vincula-se lgica apofnica (ou altica, ou lgica das cincias ou clssica falsidade ou verdade). 12. O Direito Tributrio j foi denominado Direito Fiscal (muito comum, ainda hoje, em Portugal e na Frana) e tambm Direito Financeiro. No Brasil, predomina hoje a expresso Direito Tributrio, inclusive em sede normativa (ver, por exemplo, art. 24, I, da Constituio Federal).

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2 Ponto: Tributo e espcies tributrias Acepes da palavra tributo A definio do artigo 3 do CTN O art. 4 do CTN: a denominao do tributo e o produto de sua arrecadao Espcies tributrias Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificaes dos tributos Imposto Taxa Contribuio de melhoria Contribuio especial Emprstimo compulsrio Outras figuras (tributrias e no tributrias) Acepes da palavra tributo 13. Os doutrinadores apontam as vrias acepes, isto , os vrios significados que so atribudos ao vocbulo tributo. Ora ele utilizado como quantia em dinheiro, ora a prestao decorrente da relao jurdica tributria, ora empregado como objeto do direito do sujeito ativo, alm de outras acepes de natureza no jurdica (fala-se, por exemplo, em tributo a Bob Marley, no sentido de homenagem a Bob Marley) 14. Juridicamente, h conhecida definio em nosso direito positivo (art. 3 do Cdigo Tributrio Nacional, Lei n 5.172/1966, recepcionado pela Constituio Federal como lei complementar). Para Geraldo Ataliba, o CTN conceitua tributo de forma excelente e completa; Paulo de Barros Carvalho, ao contrrio, afirma que esta definio contm partes prescindveis e redundantes, nas quais o poltico, despreocupado com o rigor, comete erros grosseiros. Sacha Calmon Navarro Coelho, na linha de Ataliba, refere-se excelncia dogmtica do conceito do tributo no Direito brasileiro: o conceito de tributo no sistema brasileiro, fruto de intensa observao do fenmeno jurdico, dos mais perfeitos do mundo. 15. Questiona-se tambm a existncia de um conceito constitucional de tributo. Este conceito, se h, no est expresso, devendo ser inferido a partir de disposies esparsas da Constituio Federal. O tema no encontra uniformidade na doutrina. Anote-se que, segundo o art. 146, III, a, da Constituio Federal, cabe lei complementar (...) estabelecer normas gerais em matria de legislao tributria, especialmente sobre definio de tributos e de suas espcies, o que permite afirmar que, expressamente, a Constituio no quis definir o que seja tributo. Ricardo Lobo Torres sustenta a constitucionalizao do conceito de tributo, porque o Constituinte, ao elaborar a Constituio, teria implicitamente aceitado o conceito posto no CTN, que teria, assim, sido constitucionalizado, isto , pressupostos pela Constituio. 16. Vrios autores destacam, outrossim, a vinculao do conceito de tributo a um dado ordenamento

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jurdico positivo. Diz Geraldo Ataliba que o conceito de tributo h de ser formulado, hoje, de modo diverso, relativamente ao passado. Sofreu evoluo. Pode modificar-se e at desaparecer. (...) Como todo conceito jurdico-positivo, mutvel, por reforma constitucional. 17. Em minha opinio, o atual regramento jurdico-positivo, no Brasil, j evoluiu desde a edio do CTN, h quarenta anos, devendo ser repensado ou revisto o conceito de tributo. Inovaes constitucionais e legislativas pem em dvida a permanncia do art. 3 do CTN, mas, apesar dessas dvidas, ainda se adota, rotineiramente, o conceito de tributo contido no art. 3 do CTN, a despeito de inovaes que eventualmente contradigam ou no se conformem integralmente quele conceito. Exemplo dessas inovaes se tem na regra introduzida no pargrafo nico do art. 146 da Constituio Federal (conforme EC 42/2003), cujo inciso I cogita de um regime nico de arrecadao de impostos e contribuies, sendo uma de suas caractersticas a sua natureza opcional para o contribuinte. Trata-se do chamado Supersimples ou Simples Nacional (regulamentado pela Lei Complementar n 123, de 2006), que se constitui, em minha opinio, em um novo tributo, e no apenas em um regime nico de arrecadao. Tambm as contribuies especiais, por sua vinculao a uma determinada finalidade, provocam discusses sobre a atualidade do conceito de tributo posto no art. 3 do CTN, tema abordado mais adiante, no estudo destas contribuies especiais. Insista-se, contudo, que, apesar das inovaes, para fins do curso de graduao, adota-se ainda o conceito decorrente do art. 3 do CTN. A definio do artigo 3 do CTN 18. O conceito legal de tributo (art. 3 do CTN): Tributo toda prestao pecuniria compulsria, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que no constitua sano de ato ilcito, instituda em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. A seguir, decompe-se este conceito, a fim de estud-lo com maior cuidado. 19. (Tributo ) toda prestao (...) compulsria

Tributo obrigao legal (ou ex lege), isto , o dever de pagar decorre de previso legal, pouco importando que o contribuinte queira, ou no, pagar o tributo. O contribuinte, normalmente, at quer praticar o fato gerador do tributo (isto , a situao que d origem ao dever de pagar o tributo): quer vender bem imvel (fato gerador do ITBI Imposto sobre a Transmisso Onerosa de Bens Imveis, por ato inter vivos), quer auferir renda (fato gerador do IR Imposto de Renda), quer vender mercadoria (fato gerador do ICMS Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios), entre outros. Entretanto, ele no precisa querer pagar, nos exemplos, o ITBI, ou o IR, ou o ICMS, porque a prestao tributria compulsria, vale dizer, praticado o fato gerador, incide a regra tributria, surgindo o dever tributrio de pagar o valor devido. Luciano Amaro critica a redao do art. 3 do CTN, afirmando que tal dispositivo certamente quisEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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expressar que o nascimento da obrigao de prestar (o tributo) compulsrio (ou forado), no sentido de que esse dever se cria por fora de lei (obrigao ex lege), e no da vontade dos sujeitos da relao jurdica (obrigao ex voluntate). De modo mais preciso, pode se dizer que a vontade do contribuinte se mostra irrelevante na formao da obrigao tributria, que surge mesmo contra a sua vontade. Esta a distino clara que h entre a obrigao legal e a chamada obrigao contratual ou voluntria (ex contractu ou ex voluntate), pois esta ltima, obrigao contratual ou voluntria, surge apenas como decorrncia da manifestao de vontade da pessoa. O locatrio se obriga a pagar o aluguel, desde que, antes, tenha concordado em celebrar o contrato de locao. Assinale-se que a distino entre obrigao legal e contratual se faz tendo em vista a formao delas, e no em relao ao seu adimplemento ou cumprimento, pois que, sob este ngulo, ambas so obrigatrias, no havendo distino. Como mencionado acima, a previso contida no art. 146, pargrafo nico, da Constituio Federal (acrescentado pela EC 42/3003), especialmente em seu inciso I, abre espaos para se sustentar a existncia de tributos opcionais (que, na prtica, j se fazem presentes no nosso ordenamento jurdico, embora a doutrina no mostre preocupao com estas inovaes normativas). Repita-se, contudo, que, para fins deste curso de graduao, ainda deve prevalecer o entendimento de que o tributo sempre compulsrio. 20. (Tributo prestao) pecuniria, (...) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir

Esta a passagem mais criticada na definio legal de tributo. Afirma-se que a expresso em moeda redundante, porque prestao pecuniria prestao em moeda. Luciano Amaro afirma que a parte final, ou cujo valor nela se possa exprimir, apenas faria ecoar a redundncia j decorrente do emprego dos termos prestao pecuniria e em moeda. Paulo de Barros Carvalho critica a aluso moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, muito embora reconhea que, tal como posto no art. 3 do CTN, outras prestaes cujo valor possa ser expresso em moeda integrariam o conceito legal de tributo, como seria o servio militar ou o servio eleitoral. Esta, alis, a tese de Alfredo Augusto Becker, renegada pela maioria dos doutrinadores (Geraldo Ataliba, Luciano Amaro, Sacha Calmon, Hugo de Brito Machado, entre outros). Rubens Gomes de Sousa e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, em posio intermediria, afirmam que o art. 3 do CTN quis alcanar hipteses, excepcionais, em que o crdito tributrio se extinguiria, por exemplo, com a dao em pagamento (forma de pagamento, segundo o Direito Civil, que feita com a entrega de prestao diversa daquela devida). Hugo de Brito Machado admite esta hiptese, mas entende intil a previso, porque a dao em pagamento seria exceo. Enfim, apesar da amplitude da expresso valor [que] nela se possa exprimir, predomina a tese de que tributo prestao pecuniria. 21. (Tributo prestao) que no constitua sano de ato ilcito

Tributo no penalidade, no sano pela prtica de ato ilcito (as multas de trnsito, as multas ambientais, por exemplo, no so tributos).Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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Esta afirmao de que tributo no pode ser sano de ato ilcito provoca, por outro lado, muita discusso sobre a chamada tributao do ilcito. H autores que afirmam no poder ser o tributo a consequncia (sano) pelo descumprimento de dever jurdico, o que no impediria, contudo, a tributao de situaes que, sendo manifestaes de capacidade contributiva, tivessem origem em atos ilcitos. H expresso latina, pecunia non olet (que imputada ao Imperador Tito Flvio Vespasiano, 7-79 DC), invocada nesse sentido: no importa a origem, de tal modo que mesmo a renda obtida ilicitamente. Nesse contexto, no se deveria tributar, por exemplo, o trfico de drogas pelo ICMS (imposto que incide sobre o comrcio de mercadorias); todavia, poder-se-ia admitir a tributao da renda auferida com o trfico de drogas, porque o Imposto de Renda, neste caso, no incidiria diretamente sobre a atividade ilcita, mas sobre a renda (ainda que originada de um ato ilcito, o trfico de drogas). O tema desperta muita polmica na doutrinria, e ser retomado, quando do estudo do fato gerador. Ateno para a hiptese prevista no art. 182, 4, da Constituio Federal, relativa ao IPTU. Embora o dispositivo refira-se pena, no se trata, propriamente, de sano, mas de medida indutora do adequado aproveitamento da rea includa no plano diretor. O termo pena no foi empregado em sentido tcnico. Tem-se, aqui, exemplo da chamada funo extrafiscal dos tributos, que no implica em sua transformao em sano. Na extrafiscalidade, a tributao assume tambm funo regulatria, sendo empregada para inibir ou induzir comportamentos na sociedade, mas esses comportamentos induzidos ou inibidos so comportamentos lcitos (o tema ser retomado mais adiante). 22. (Tributo prestao) instituda por lei

A vinculao lei a consagrao do princpio da legalidade, que funciona como condio de validade para a instituio do tributo. Assim, a prestao pecuniria compulsria, que no constitua sano por ato ilcito (isto , o tributo), para ser validamente exigida, deve estar prevista em lei; se no estiver, ser tributo invlido. Observe-se que a aluso lei vem sendo atenuada, ao longo do tempo, at porque, segundo a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, os tributos podem ser criados tambm por medida provisria. Este entendimento foi consolidado com a EC 32/2001, antes da qual era possvel a contnua reedio de medidas provisrias, s vezes por anos, de tal modo que tributos eram criados e disciplinados apenas por aquele instrumento. Ademais, como adiante abordado, h tributos que devem ser criados por lei complementar, embora a regra seja a criao por lei ordinria. 23. (Tributo prestao) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

H autores que criticam a expresso, porque, cada vez mais, os tributos so objeto de lanamento por homologao (ou autolanamento), os quais dispensariam qualquer atividade administrativa (Luciano Amaro). O contribuinte pagaria o tributo sem nenhuma interveno estatal, cabendo ao Estado, apenas, o controle a posteriori do cumprimento da obrigao tributria. Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma que tal clusula nada diz com a configurao do tributo, ou seja, a forma de se cobrar (exigir) o tributo no afeta a sua natureza.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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Rubens Gomes de Sousa, todavia, afirma que esta expresso cobrada mediante atividade... seria, em ltima anlise, o elemento definidor do tributo em contraste com outras receitas pblicas, vale dizer, o que definiria o tributo seria o tipo de atividade administrativa empregada na sua arrecadao. Esta afirmao me parece exagerada, porque a forma de se cobrar o tributo, efetivamente, no influi em sua natureza, ajustando-se s convenincias do fisco. O art. 4 do CTN: a denominao do tributo e o produto de sua arrecadao 24. O art. 4 do CTN complementa o conceito de tributo, dizendo sobre aspectos que no influenciam o conceito de tributo. 25. O nome adotado pelo legislador, bem como as demais caractersticas formais so irrelevantes (art. 4, I, do CTN). O legislador no precisa ser jurista, de modo que o uso de denominaes inadequadas j foi muito comum. Atualmente, h maior esmero legislativo na definio das novas exaes, no havendo, assim, tentativa de disfarar determinado tributo com o emprego desta ou daquela denominao equivocada. Ainda que haja, porm, o disfarce no prevalecer, por fora do art. 4, I, do CTN. De igual forma, caractersticas formais no seriam suficientes para definir a natureza especfica do tributo, o que, de certa maneira, contradiz a parte final do art. 3 do CTN, que, como visto, justamente invoca caracterstica formal (a forma de cobrana) para definir o que seja tributo. 26. O destino do produto da arrecadao tambm no relevante para a definio do tributo (inciso II do art. 4 do CTN). Para Geraldo Ataliba, o art. 4 do CTN talvez seja o mais feliz de todos os existentes aqui no Cdigo. Ainda com Ataliba, a destinao da receita despesa pblica, sendo, assim, matria afetada ao Direito Financeiro. No plano constitucional, a Constituio Federal tem disposio expressa vedando a vinculao da receita de impostos a rgo, fundo ou despesa, embora faa vrias ressalvas (art. 167, IV, com ltima redao da EC 42/2003; ver ainda 6o do art. 216 da Constituio Federal, conforme EC 42/2003). 27. Todavia, diante da importncia que as chamadas contribuies especiais vm assumindo na vida tributria, vrios autores tm afirmado que, constitucionalmente, a destinao do produto da arrecadao passou a ser importante, ao menos para o estudo das contribuies, porque a prpria Constituio de 1988 assim o previu (Misabel Derzi; Luciano Amaro; e Marco Aurlio Greco). Cogita-se, ento, de tributos finalsticos, os quais teriam sua validade condicionada ou vinculada ao destino dado ao produto da arrecadao (conforme opinio de alguns autores). Confira-se, por exemplo, o 1 do art. 149 da Constituio Federal, que vincula a receita da contribuio previdenciria ao custeio (...) do regime previdencirio (tambm art. 195 da Constituio Federal); a contribuio de iluminao pblica, de modo semelhante, destina-se ao custeio do servio de iluminao pblica (art. 149-A da Constituio, conforme EC 39/2002). Fenmeno anlogo ocorre quanto aos emprstimos compulsrios (art. 148 da Constituio Federal). A EC 45/2004, tratando do Poder Judicirio, tambm deu destinao especfica taxa judiciria:Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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as custas e emolumentos sero destinados exclusivamente ao custeio dos servios afetos s atividades especficas da Justia (art. 98, 2, da Constituio Federal). O tema ainda est em aberto, j existindo obras que dele cuidam especificamente (v.g., Werther Botelho, Da Tributao e sua Destinao. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, e Marco Aurlio Greco, Contribuies - Uma Figura Sui Generis. So Paulo: Dialtica, 2000), sendo um dos pontos de desgaste do conceito de tributo posto no CTN (segundo Leandro Paulsen, pode-se dizer, tranquilamente, que o art 4 do CTN est superado). Em minha opinio, embora seja relevante a destinao dada ao produto arrecadado com o tributo - sob o ngulo do Direito Financeiro e, ainda, sob os ngulos poltico, tico, e da moralidade administrativa me parece muito difcil que este controle possa ser feito apenas (ou principalmente) pelo Direito Tributrio, porque o critrio de validao do tributo seria posterior ao seu pagamento. Alm de dificuldade lgico-jurdica, h dificuldades prticas em estabelecer relao direta entre o valor pago pelo contribuinte e o valor gasto pelo Poder Pblico. Assim, sob o ngulo prtico, a regra do art. 4o, II, do CTN, continua sendo a mais factvel, sendo apressado afirmar a sua superao, mais ainda sua superao tranqila, embora, repito, no plano ideal, fosse extremamente recomendvel que o Direito Tributrio pudesse regular, no s a arrecadao de recursos, mas o seu posterior gasto. Espcies tributrias 28. Visto o conceito de tributo (gnero), passa-se ao exame de suas espcies. A classificao das espcies tributrias tambm tema recheado de polmicas doutrinrias e jurisprudenciais. Vrias classificaes j foram propostas, havendo sempre a tenso entre conceitos doutrinrios e regras de direito positivo. s vezes, explicar o direito positivo tarefa bastante ingrata, principalmente quando as normas tributrias tm por objetivo a resoluo de problemas econmicos ou fiscais bem concretos, no se considerando, na busca deste objetivo, as proposies doutrinrias ou os conceitos tericos. Por isso, ento, a existncia do que Sacha Calmon, jocosamente, apelidou de ornitorrincos jurdicos, criados pelo legislador em desarmonia com a lio da academia. 29. Geraldo Ataliba afirma que a classificao das espcies tributrias, ou a definio da natureza especfica do tributo (nos termos do art. 4 do CTN), deve tomar em considerao os cnones constitucionais. H inmeros outros critrios de classificao, propostos pelo Direito Financeiro, mas estes critrios no so necessariamente jurdicos, muito embora possam fornecer elementos para inspirar o trabalho legislativo (elementos pr-jurdicos, segundo Ataliba). 30. A Constituio Federal afirma, primeira vista, que seriam trs as espcies tributrias: impostos, taxas e contribuio de melhoria (art. 145, incisos I a III). H ressalvas, porm (item n 41). A Constituio de 1946 fazia referncia aos impostos (arts. 15, 19 e 29), contribuio de melhoria (inciso I do art. 30), s taxas (inciso II) e a quaisquer outras rendas que possam provir do exerccio de suas atribuies e da utilizao de seus bens e servios (inciso III). No dizia, porm, que estas trs ltimas figuras (art. 30) fossem tributos. A EC 18, de 06.12.1965 afirmou que o sistema tributrio nacional compe-se de impostos, taxas e contribuies de melhoria (art. 1). Esta regra foiEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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repetida pelo art. 18 da Carta de 1967. Tambm no art. 18 da EC 1/1969. Tradicionalmente, pois, as Constituies, desde 1946, adotam classificao tripartida (impostos, taxas e contribuies de melhoria). 31. O Cdigo Tributrio Nacional (Lei 5.172), que de 1966, adotou tambm a classificao tripartida (art. 5), com ressalvas (conforme exposto, mais adiante, no item n 41). 32. Esta classificao decorre da diviso que se faz, no plano doutrinrio, entre tributos no vinculados a uma atividade estatal e tributos vinculados a uma atividade estatal (Sacha Calmon, Geraldo Ataliba, entre tantos outros), distino esta que foi incorporada pelo legislador brasileiro, segundo a opinio doutrinria predominante. Por esta teoria, a natureza especfica do tributo (isto , a espcie do tributo) deve ser apurada a partir da anlise do fato gerador (conforme art. 4 do CTN: a natureza especfica do tributo determinada pelo fato gerador da respectiva obrigao). Este o entendimento, v.g., de Sacha, Ataliba, Bernardo Ribeiro de Moraes. Fato gerador, por agora, a situao que, descrita em lei, faz surgir a obrigao de pagar o tributo (obrigao tributria). Se esta situao (isto , o fato gerador) estiver relacionada (vinculada) a uma ao estatal, o tributo ser tributo vinculado (a uma atividade estatal). Se tal situao (fato gerador) no estiver relacionada (vinculada) a nenhuma ao estatal, ele ser tributo no-vinculado (a uma atividade estatal). 33. Vrios autores conforme exposto tambm em tpico posterior afirmam que esta natureza especfica deve ser apurada a partir, no apenas do exame do fato gerador, mas tambm do exame da base de clculo do tributo (v.g., Misabel Derzi e Paulo de Barros Carvalho). H aqueles que ainda concentram importncia na base de clculo, relegando a segundo plano o fato gerador, como elemento definidor da natureza especfica do tributo (v.g., Alfredo Augusto Becker). O tema ser retomado, quando se estudar a base de clculo dos tributos, bastando assentar, por agora, a premissa de que o fato gerador o que determina a natureza especfica do tributo (isto , a espcie tributria). 34. A Constituio Federal vincula as taxas e a contribuio de melhoria a uma ao estatal, sendo, por isso, tributos vinculados. As taxas podem ser institudas em razo do exerccio do poder de polcia ou em razo da utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposio (inciso II do art. 145). So, o exerccio do poder de polcia e a prestao de servio pblico, tpicas atividades estatais, motivo pelo qual a taxa tributo vinculado (isto , tem seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal). A contribuio de melhoria decorrente de obras pblicas (inciso III do art. 145). No caso, atividade estatal a realizao de obra pblica. Por serem vinculadas a uma atuao estatal, as taxas e contribuies podem ser exigidas por qualquer ente federativo, Unio, Estados, Distrito Federal ou Municpios, desde que eles exeram a atividade estatal correspondente.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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35. Os impostos, por sua vez, no merecem nenhuma referncia especfica da Constituio (inciso I do art. 145). Ela discrimina quais os mbitos de incidncia dos impostos federais, estaduais (ou distritais) e municipais (ou distritais), atribuindo a cada entidade da Federao a competncia para instituir os impostos. Os fatos (ou situaes) considerados pela Constituio, em relao aos impostos, no guardam nenhuma relao com uma atividade estatal (importao, exportao, rendas e proventos, operaes de circulao de mercadorias, etc.), sendo atividades dos sujeitos passivos (contribuintes). Por no ser vinculado a uma atividade estatal, o imposto somente pode ser criado pela entidade tributante designada (competente) pela Constituio Federal. 36. A teoria dos tributos vinculados e no vinculados , assim, insumo para se fazer a repartio constitucional de competncia tributria (Sacha Calmon). Rubens Gomes de Sousa, alis, afirma que a classificao dos tributos seria desnecessria, no fosse a sua aplicao prtica para a repartio daquela competncia constitucional. A questo ser retomada no exame da competncia tributria. 37. O Cdigo Tributrio Nacional acolheu a teoria dos tributos vinculados e tributos no vinculados, conceituando, em seu art. 16, o que imposto: Imposto o tributo cuja obrigao tem por fato gerador uma situao independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte. J os tributos vinculados (a uma atividade estatal) so definidos no art. 77 (taxas) e no art. 81 (contribuio de melhoria). Na taxa, a vinculao seria direta (ou imediata) atividade estatal, sendo indireta (ou mediata) na contribuio de melhoria (Geraldo Ataliba). Isso porque, em relao s taxas, basta o exerccio do poder de polcia ou a prestao de servio pblico especfico e divisvel; na contribuio de melhoria, alm da atuao estatal (realizao de obra pblica), deveria haver benefcio para o contribuinte (valorizao do imvel). 38. Vrias so as classificaes doutrinrias das espcies tributrias. Sucintamente, podem se elencadas as seguintes: a) Os tributos so impostos ou taxas (v.g., Pontes de Miranda, Alfredo Augusto Becker). Quaisquer outras figuras se encaixariam nestes dois tipos, cuja distino se baseia na vinculao ou no vinculao do fato gerador a uma atividade estatal. Simplificadamente, diz-se que o tributo vinculado (taxa) ou no vinculado (imposto), no havendo nenhum gnero intermedirio. b) Os tributos so impostos, taxas ou contribuio de melhoria (v.g., Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza). Classificao muito difundida, mantm a distino feita na classificao anterior (item a), mas acrescenta uma espcie intermediria, a contribuio de melhoria, a qual exigiria uma atuao do Estado (obra pblica) e um fato do sujeito passivo (valorizao do imvel). Para esta classificao doutrinria, outras figuras tributrias, como o emprstimo compulsrio e contribuies em geral, se encaixariam naqueles trs tipos. c) Os tributos so impostos, taxas, contribuio de melhoria e emprstimo compulsrio (FbioEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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Fanucchi). Distingue o emprstimo compulsrio como espcie autnoma, em funo de ser o emprstimo compulsrio tributo restituvel. d) Os tributos so impostos, taxas, contribuies de melhoria e contribuies especiais (Hugo de Brito Machado), que no reconhece natureza tributria ao emprstimo compulsrio, dada sua natureza restituvel, no se constituindo, sob o ngulo do Direito Financeiro, receita. d) Os tributos so impostos, taxas, contribuio de melhoria, emprstimo compulsrio e contribuies especiais (Ives Gandra, Celso Bastos, Leandro Paulsen e Eduardo Marcial Jardim). a classificao tambm aceita no STF: De feito, a par das trs modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuies de melhoria) a que se refere o artigo 145..., os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributrias, para cuja instituio s a Unio competente: o emprstimo compulsrio e as contribuies sociais, inclusive as de interveno no domnio econmico e de interesse das categorias profissionais e econmicas (RE 146.733-SP, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 143/684). 39. Alm destas classificaes, anote-se ainda que Luciano Amaro oferece classificao peculiar: a) impostos; b) taxas (aqui includa a contribuio de melhoria); c) contribuies e d) emprstimos compulsrios. 40. Tambm Sacha Calmon Navarro Coelho apresenta classificao prpria, bastante analtica, embora conservando as trs figuras tradicionais: a) impostos, divididos em: a.1) impostos gerais, a.2) impostos restituveis (emprstimo compulsrio); e a.3) impostos especiais ou afetados ou finalsticos (contribuies no-sinalgmticas para a seguridade social, contribuies corporativas e contribuies interventivas, mencionadas no art. 149 e no art. 195 da Constituio Federal); b) taxas (tributo vinculado); e c) contribuies (tributos vinculados), divididas em: c.1) contribuio de melhoria; c.2) contribuio especial retributiva (contribuio previdenciria). Observe-se que Sacha Calmon separa as contribuies em duas categorias diferentes. As contribuies interventivas (ou CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico), as contribuies corporativas (devidas aos chamados Conselhos Profissionais, de Medicina, de Engenharia e Arquitetura, etc., ressalvando-se o caso da contribuio para a OAB, examinada no tpico n 88), e as contribuies previdencirias no-sinalagmticas (notadamente as contribuies do empregador), cujas caractersticas seriam de impostos, porque os fatos geradores so situaes no vinculadas a uma atividade estatal, no havendo previso de contraprestao pelo Poder Pblico. J as contribuies especiais sinalagmticas (art. 195 da Constituio Federal, notadamente asEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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contribuies dos empregados, dos diretores e scios de empresas, entre outras) teriam caractersticas da contribuio de melhoria, porque estariam vinculadas a uma atividade estatal (a previdncia pblica), mas exigiriam um benefcio relacionado com o sujeito passivo (a aposentadoria, a penso, etc.). 41. A Constituio Federal, muito embora relacione trs espcies tributrias (art. 145 impostos, taxas e contribuies de melhoria), tambm se refere aos emprstimos compulsrios (art. 148), s contribuies sociais de interveno no domnio econmico e de interesse de categorias (art. 149), contribuio para custeio do servio de iluminao pblica (art. 149-A, conforme EC 39/02) e s contribuies sociais previdencirias (art. 195). No se pode deixar de lado, finalmente, o pedgio, mencionado no inciso V do art. 150, cuja natureza tributria (ou no) ainda provoca polmica, como adiante examinado. De modo semelhante, o CTN, alm das figuras clssicas (relacionadas no art. 5), refere-se genericamente a outras espcies tributrias (art. 217, acrescentado pelo Decreto-lei 27/1966), como contribuio sindical, contribuio destinada ao FGTS, etc. 42. A variedade de classificaes apenas demonstra a dificuldade que h na organizao doutrinria da receita tributria, at porque, do ponto de vista prtico, ao Estado interessa o volume da arrecadao, pouco importando a forma pela qual se d a entrada do recurso. Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificaes dos tributos 43. H outras classificaes dos tributos, baseadas na destinao do recurso (falando-se, ento, de tributos fiscais e parafiscais) e na finalidade da tributao (tributos fiscais e extrafiscais). 44. Quanto destinao dos recursos, h os tributos fiscais, que vm a ser aqueles cuja receita destinada aos cofres do Estado (entendido como unidades federadas, isto , Unio, Estados, Municpios ou Distrito Federal). Tributos parafiscais so aqueles cuja receita destinada a pessoas diversas das pessoas estatais, para atendimento, em regra, de suas prprias finalidades (Geraldo Ataliba). H, nos tributos parafiscais, a transferncia da capacidade tributria, pois que outra pessoa jurdica (normalmente de direito pblico) assume a funo de arrecadar o tributo, que criado pela entidade federativa. Seria o caso da contribuio para entidades de classe (exceto a contribuio para a OAB, que merece tratamento especial da jurisprudncia, como indicado no item n 88), das contribuies previdencirias (destinada ao INSS Instituto Nacional do Seguro Social, que autarquia federal) e da contribuio sindical (destinada aos sindicatos, nos termos do art. 579 da Consolidao das Leis do Trabalho, que no se confunde com a contribuio confederativa, do art. 8, IV, da Constituio Federal, que no tributo); tais tributos so criados pela Unio Federal, mas outras entidades detm a capacidade para os arrecadar. Para Geraldo Ataliba, a noo de parafiscalidade intil, s se prestando para tentar excluir do rol dos tributos diversas exigncias que so tributrias. Baleeiro afirma ser a parafiscalidade um neologismo afortunado, mas com funes meramente didticas.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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45. Quanto finalidade, tributos fiscais (ou com finalidade arrecadatria) so aqueles que se destinam a prover de recursos o ente pblico (Luciano Amaro). J os tributos extrafiscais (ou com finalidade regulatria) teriam ainda, ou principalmente, a finalidade de induzir comportamentos (Luciano Amaro). Exemplo tpico de funo extrafiscal a cumprida pelos impostos sobre o comrcio exterior; tambm o IPTU progressivo (art. 182, 4, II, da Constituio Federal) exemplo de tributo nitidamente extrafiscal. Discute-se se apenas os impostos teriam funo extrafiscal, ou se as taxas tambm teriam esta funo. Aliomar Baleeiro e Luciano Amaro entendem que sim, as taxas podem cumprir e, de fato, muitas vezes cumprem funes regulatrias. No STF, como visto mais adiante, h precedentes reconhecendo a validade de utilizao extrafiscal de taxas. Observe-se que todos os tributos tm funo fiscal e extrafiscal, sendo a classificao feita a partir da predominncia desta ou daquela funo. 46. H outras classificaes que, costumeiramente, so aplicadas apenas aos impostos (mas que eventualmente podem ser estendidas a tributos). Assim, os impostos so separados em impostos reais (que tomam em considerao, principalmente, a coisa tributada o objeto da tributao, isto , o patrimnio, a renda, etc.) e impostos pessoais (que tomam em considerao qualidades do sujeito passivo, como ocorre, no Brasil, com o Imposto de Renda). Outra classificao importante separa os tributos em tributos indiretos dos tributos diretos. Esta classificao, diz Luciano Amaro, tem fundo econmico, porque toma em conta a repercusso financeira, uma vez que o tributo, sendo (economicamente) custo, pode ter seu nus financeiro transferido para terceiros. Assim, o contribuinte de direito (aquele que deve pagar o tributo) repassa o custo financeiro deste tributo para o contribuinte de fato (na maioria das vezes, o consumidor). O Direito, porm, se apropria desta distino (ver, por exemplo, o art. 166 do CTN), disciplinando a repercusso jurdicofinanceira do tributo, que ocorre, no Brasil, em relao ao ICMS e ao IPI, tributos (impostos) nos quais o nus financeiro transferido, tambm por mecanismos jurdicos, do contribuinte de direito (o industrial, ou o comerciante) para o contribuinte de fato (o consumidor). Esta classificao (tributos diretos e indiretos) muito criticada, mas assume relevncia prtica em sede de repetio de indbito (isto , devoluo do que foi pago indevidamente), porque o art. 166 do CTN, como assinalado, acolhe esta distino. A doutrina, em grande maioria, afirma que esta transferncia do encargo financeiro para o contribuinte de fato deve ser jurdica, isto , deve decorrer de mecanismos previstos na legislao tributria (ICMS e IPI). Se no fosse assim, todos os impostos seriam, economicamente, transferveis (comporiam o custo do contribuinte). Imposto 47. H, como j assinalado, conceito legal de imposto, derivado da teoria dos tributos vinculados e no-vinculados a uma ao estatal (art. 16 do CTN): Imposto o tributo cuja obrigao tem por fato gerador uma situao independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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48. Costuma-se afirmar, doutrinariamente, que os impostos destinar-se-iam ao custeio das despesas gerais do Estado. Paulo de Barros Carvalho, nesse sentido, lembra que h lies doutrinrias que salientam a particularidade de o produto da arrecadao dos impostos convergir para as despesas gerais do Estado, enquanto as taxas e contribuies de melhoria se destinariam a despesas especficas (nesse sentido, Rubens Gomes de Sousa, em obra doutrinria elaborada antes do CTN; Amlcar de Arajo Falco; Luciano Amaro; Marcial Jardim). Rubens Gomes de Sousa, aps o CTN, registrou que a forma mais comum e mais errada de se distinguir o imposto da taxa ocorre pela referncia vinculao da receita. Porm, na verdade, pela vinculao ou no do fato gerador que tal limitao se estabelece. E, efetivamente, diante do art. 4 do CTN, a relao entre o produto da arrecadao e seu destino (despesas gerais) irrelevante. Paulo de Barros Carvalho, tambm nesse sentido, critica as lies doutrinrias antes referidas: Reflexes dessa natureza, todavia, ainda que possam ser teis para a Cincia das Finanas, nada acrescentam ao estudo do Direito Tributrio, que tem na lei, como dado jurdico fundamental, o objeto precpuo de suas investigaes. Sobremais, o art. 4 da Lei n. 5.172/66 [CTN] incisivo ao proclamar que o destino do produto arrecadado irrelevante para dizer da natureza especfica do tributo (tambm Geraldo Ataliba tem idntica opinio, em obra escrita conjuntamente com Rubens Gomes de Sousa e Paulo de Barros Carvalho). Apesar disso, muitas vezes, a (suposta) vinculao dos impostos s despesas gerais do Poder Pblico invocada como critrio para definir os impostos, o que equivocado, na teoria clssica do Direito Tributrio, porque a definio das espcies tributria leva em conta o fato gerador, e no a destinao do produto arrecadado, destinao esta que se insere no campo do Direito Financeiro. 49. Repita-se que, relativamente aos impostos, a Constituio Federal, expressamente, veda a vinculao de sua arrecadao a rgo, fundo ou despesa (art. 167, IV norma de Direito Financeiro). H, porm, muitas excees: a) receita partilhada entre os entes tributantes (arts. 158 e 159); b) recursos destinados sade (art. 198, 2); c) recursos destinados ao ensino (art. 212); d) recursos destinados administrao tributria (art. 37, XXII); e) recursos destinados prestao de garantais s operaes de crdito por antecipao de receita (art. 165, 8 e art. 167, 4). f) recursos destinados por Estados e Distrito Federal a fundo estadual de fomento cultura, limitados a at 0,5% da receita tributria lquida ( 6O do art. 216 da Constituio, conforme EC 42/2003); e g) recursos destinados ao Fundo Social de Emergncia, que vigorou entre 1994 e 1999 (art. 71 do ADCT) e aos Fundos de Combate Pobreza institudos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municpios (art. 82). 50. A jurisprudncia do STF afirma a inconstitucionalidade das eventuais vinculaes no autorizdas

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pela Constituio, devendo ser observado que, em determinado caso, tendo havido majorao do imposto, com o fim de atender construo de casas populares (o Estado de So Paulo aumentou a alquota do ICMS em 1%, passando de 17% para 18%), o STF julgou inconstitucional a prpria majorao (RE 183.906-SP, Pleno, Rel. Min. Marco Aurlio), e no apenas a vinculao dos recursos (como foi proposto por alguns Ministros, no julgamento daquele RE 183.906-SP). 51. Existem vrias formas de classificao dos impostos, como exposto linhas atrs. O CTN adotou a seguinte classificao, mais por razes prticas do que por critrios cientficos: impostos sobre o comrcio exterior; sobre o patrimnio e a renda; sobre a produo e a circulao; impostos especiais; impostos extraordinrios. 52. Os impostos so rigidamente previstos na Constituio Federal (impostos federais, art. 153; impostos estaduais, art. 155; impostos municipais, art. 156), sendo que a competncia para a sua instituio exclusiva e excludente (Sacha Calmon). Taxa 53. A taxa uma espcie de tributo vinculada a uma atuao estatal, que pode ser:

a) o exerccio do poder de polcia (art. 145, II, da Constituio Federal; art. 77 do CTN); o CTN define o que seja poder de policia (art. 78) e o seu regular exerccio (pargrafo nico do art. 78); b) a utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos sua disposio (art. 145, II; art. 77 do CTN); o CTN define o que seja utilizao potencial ou efetiva (art. 79, incisos I, a e b) e servios especficos (art. 79, II) e divisveis (art. 79, III). 54. A vinculao da taxa atividade estatal, isto , desde que haja atuao estatal (poder de polcia ou prestao de servios, nos termos do CTN), pode ser exigida a taxa. No h, assim, vinculao da receita com o custeio da atuao estatal (Geraldo Ataliba, Sacha Calmon, Misabel Derzi, Paulo de Barros Carvalho, Rubens Gomes de Sousa depois do CTN). Como j anotado, porm, h sria divergncia doutrinria (v.g., Luciano Amaro e, especialmente, Eduardo Marcial Jardim, que afirma a inconstitucionalidade do art. 4, II, do CTN). Assim, h posio terica a sustentar que a taxa se qualificaria como tributo destinado a custear despesas especficas que lhe motivaram a criao (servio pblico especfico e divisvel ou poder de polcia). Em minha opinio, contudo, o que define a taxa a atividade estatal (trata-se, repita-se, de tributo vinculado a uma atividade estatal), que seu fato gerador. O Supremo Tribunal Federal, em vrios precedentes, afirma que o produto da arrecadao da taxa no pode ser destinado a entidades privadas (associao de juzes, advogados, ou servidores do judicirio). Poderia haver, todavia, vinculao a despesa especfica, no se aplicando a vedao do art. 167, IV, da Constituio, que se refere apenas a imposto, no a taxa. Conferir, novamente, o 2 do art. 98 da Constituio, que instituiu vinculao entre a taxa judiciria e o produto de sua arrecadao.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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55. H precedentes do STF que ainda afirmam que a base de clculo da taxa no pode exceder o custo do servio (nesse sentido, ADIn. 948-GO, Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ, 172/778; e ADIn. 1.772-MG-MC, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ, 175/35), o que comprometeria, teoricamente, a utilizao extrafiscal da taxa, alm de reforar a posio terica sobre destinar-se a taxa a custear despesa pblica especfica. Contudo, nesses precedentes, que versaram sobre taxas judicirias, destacou-se, mais especialmente, a necessidade de haver limites para os valores da taxa, no avanando o STF nas questes relativas funo extrafiscal da taxa e o destino de sua arrecadao. 56. Quanto base de clculo da taxa, a Constituio Federal dispe que a taxa no pode ter base de clculo prpria de imposto (art. 145, 2, CF). Para Hugo de Brito Machado, esta vedao no significa apenas que imposto e taxa no podem ter bases de clculo idnticas, mas tambm que o critrio eventualmente adotado pelo legislador, para a base de clculo da taxa, no pode ser pertinente ao contribuinte, pois critrios pertinentes ao contribuinte so prprios de imposto. O STF tem posio menos rigorosa, porm, entendendo que no pode haver coincidncia entre as bases de clculo de imposto e taxa. Admite, ento, que seja utilizado para base de clculo da taxa critrio relativo ao contribuinte, sem tomar em considerao, dessa forma, critrios relativos atividade estatal. Exemplo se tem na taxa de fiscalizao da localizao do estabelecimento, que normalmente adota como critrio a rea do imvel (tantos reais por metro fiscalizado); esta rea do imvel critrio relativo ao [imvel do] contribuinte, mas o STF entendeu ser ele compatvel com a Constituio Federal (conforme RE 115.683, 1 Turma, Rel. Min. Oscar Corra; RE 102.524, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves; aps 1999, esse entendimento foi reforado: RE 214.569, 1 Turma, Rel. Min. Ilmar Galvo; RE 220.316, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvo; e RE 232.393, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso; anteriormente a 1999, predominava o entendimento de que a rea do imvel no poderia ser utilizado. v.g.: ERE 115.683, Pleno, Rel. Min. Clio Borja). Esclarea-se que a rea do imvel tambm um dos critrios mas no o nico para se apurar o valor venal do imvel, que base de clculo do IPTU. Em outros casos o STF tambm validou, a despeito da opinio doutrinria predominantemente contrria, a adoo de critrios que se relacionavam com atividades do contribuinte, como o valor da causa, na taxa judiciria (conforme ADIn. 948-GO, Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ, 172/778; e ADIn. 1.926-PE-MC, Pleno, Rel. Min. Seplveda Pertence, RTJ, 171/428), ou o patrimnio lquido, na taxa de fiscalizao do mercado de valores mobilirios (conforme RE 177.835, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso; ainda Smula 665/STF). Para muitos autores, repita-se, a taxa deve adotar, ou valor fixo, ou critrio que diga respeito ao custo da atividade estatal que seu fato gerador. No me parece correta esta posio, visto que a Constituio Federal, no que tange base de clculo da taxa, adotou critrio negativo, isto , esta base de clculo no pode ser prpria de imposto (art. 145, 2). Fosse a base de clculo da taxa o custo da atividade estatal, bastaria que o art. 145, 2, assim dispusesse, ao invs de adotar o critrio negativo que adotou. Anote-se, porm, que o STF reconhece que o custo da atividade estatal pode servir de parmetro, se houver excessiva desproporcionalidade. Da porque, por exemplo, entendeu que a taxa judiciria, calculada sobre o valor da causa, deveria ter um limite (Smula 667/STF)Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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57. Com relao taxa pelo exerccio do poder de polcia, de se ressaltar que o CTN conceituou poder de polcia (e, curiosamente, vrios autores de Direito Administrativo se valem do conceito dado pelo CTN). Este conceito legal bastante amplo, de modo a abranger quaisquer atividades administrativas que limitam, condicionam ou restrinjam atividades dos particulares. Aliomar Baleeiro afirma que a listagem exemplificativa. Destaque-se que este poder de polcia deve ser exercido de forma regular, sendo regular quando exercido pelo rgo competente nos limites da lei aplicvel, com observncia do processo legal (...), sem abuso ou desvio de poder (pargrafo nico do art. 78 do CTN). 58. A doutrina afirma que a taxa pelo poder de polcia dependeria do efetivo exerccio do poder, ao contrrio da prestao de servio, que poderia ser cobrada pela utilizao potencial. Entretanto, a jurisprudncia do STF admite a cobrana, desde que exista aparato administrativo destinado ao exerccio do poder de polcia, no havendo necessidade de se comprovar o ato de polcia (RE 80.441-ES, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 88/882). 59. No que tange prestao de servio pblico, o CTN faz distino entre o que especfico e o que divisvel (art. 79, incisos II e III, respectivamente). E a maioria dos autores repete o CTN, como se v em Baleeiro: especfico quando possa ser separado em unidade autnoma de interveno da autoridade, ou de sua utilidade, ou de necessidade pblica, que o justificou: p. ex., a existncia do corpo de bombeiros para o risco potencial do fogo. divisvel quando possa funcionar em condies tais que se apure a utilizao individual pelo usurio: a expedio de certides, a concesso de porte de armas, a aferio dos pesos e medidas etc. H autores, porm, que afirmam, como afirma Hugo de Brito Machado, que significam a mesma coisa, pois um servio no pode ser divisvel se no for especfico. Tambm afirma Hugo de Brito Machado que o servio pblico seria especfico e divisvel quando decorresse de atividade provocada pelo contribuinte, o que me parece falho, por no alcanar o servio potencial (que no provocado, ento, pelo contribuinte). Em muitas situaes realmente tormentosa definir se o servio especfico e divisvel, no sendo possvel apontar marcos tericos adotados pela jurisprudncia, que resolve topicamente os casos controversos. Em minha opinio, ambos os conceitos especfico e divisvel - retratam o mesmo fenmeno, visto de ngulos diversos: a divisibilidade se daria em relao ao sujeito passivo (destinatrio da ao estatal); a especificidade se daria em relao ao Estado, que exerceria a atividade em relao a destinatrios especficos (prestador do servio). No interessa, de outro lado, que o servio pblico seja posto disposio de todos (servios uti universi), porque mesmos estes servios universais podem ser taxados, se, por alguma forma, puderem ser apropriados uti singuli (Sacha Calmon e Bernardo Ribeiro de Moraes). O exemplo mais elucidativo, em minha opinio, o servio judicirio, pois a prestao jurisdicional, que est constitucionalmente assegurada a todos (art. 5, XXXV, da Constituio Federal), pode ser entregue de modo divisvel (por determinado rgo judicante) e especfico (a determinadas pessoas, parte na ao judicial).

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60. Alm de especfico e divisvel, o servio deve ser utilizado efetiva ou potencialmente pelos contribuintes (art. 77, inciso I, do CTN). Para que haja cobrana pelo servio potencial, sua utilizao deve ser compulsria, devendo ainda existir atividade administrativa em efetivo funcionamento (letra b do inciso I do art. 77 do CTN). H polmica na definio do que seja utilizao compulsria. Para Rubens Gomes de Sousa, servio de utilizao compulsria seria aquele em que se configuraria o dever de o contribuinte utiliz-lo, porque, em no utilizando, haveria infrao administrativa. Para Hugo de Brito Machado, servio compulsrio seria aquele que atenderia determinadas necessidades que no poderiam ser atendidas de outra forma. J para Luciano Amaro, servio compulsrio seria o servio colocado disposio apenas de um grupo determinado de cidados, sendo de justia que o servio seja financiado pelos indivduos integrantes desse grupo que dispe do servio. 61. Esta discusso sobre utilizao compulsria do servio pblico desgua na questo relativa s diferenas entre a taxa e a tarifa (ou preo pblico). H interminvel discusso quanto distino entre ambas as figuras. Averbe-se, porm, que a controvrsia surge em relao prestao de servio pblico, porque, relativamente ao exerccio do poder de polcia, no h controvrsia, porque tal exerccio somente d ensejo a taxa, no a tarifa. A posio mais radical sustentada por Ataliba, Marco Aurlio Greco e Ives Gandra (entre outros): servio pblico, ainda que concedido, somente pode ser remunerado por taxa. Preo seria remunerao contratual, e prestao de servio pblico no decorreria de contrato. Baseia-se tal interpretao na literalidade do art. 145, II, que vincula a taxa prestao de servio pblico. Para Luciano Amaro, se o servio pblico deve ser realizado por imperativo de ordem pblica, somente pode ser remunerado por taxa. Este deve ser varia no tempo e no espao, mas Luciano Amaro reala que o preo somente pode ser cobrado nos termos do contrato, admitindo que o contrato preveja a cobrana pela simples colocao do servio disposio (seria o caso das assinaturas bsicas de telefone). Sacha afirma que o critrio poltico, podendo o legislador escolher entre a adoo de taxa ou de preo pblico. Feita a opo, haveria que se respeitar o regime jurdico peculiar a cada figura. Assim, se se optasse pelo preo pblico, o cidado poderia optar por utilizar ou no o servio pblico; se se optasse pela taxa, porm, ter-se-ia prestao compulsria, e o cidado estaria obrigado a pagar ainda que no houvesse efetiva prestao do servio pblico, bastando que ele esteja disposio. Sacha, porm, ressalva que essa escolha na adoo de taxa ou preo pblico somente poderia ocorrer nos servios concedidos a particulares, sendo que, em relao ao poder de polcia e ao servio pblico prestado diretamente pelo Estado, a adoo da taxa imperiosa (cita art. 150, 3; art. 175, par. nico, III, da Constituio Federal). Para Hugo de Brito Machado, se o servio obrigatrio (isto , a prestao no pode ser obtida de outra forma), impe-se a adoo da taxa; se houver opo de no utilizar, ou utilizar outro servio, pode ser adotada tarifa ou taxa, a critrio do legislador (com conseqncias no regime jurdico aplicvel a uma ou outra espcie).

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62. O STF, em deciso muito citada, concluiu que o problema, sim, o de saber se o indivduo, diante do servio pblico prestado pelo Estado, tem, pelo menos, o direito de no usar dele, sem sofrer punio por isso. E mais: o preo pblico decorre de relao contratual, ainda que esta nasa de um contrato de adeso. Mas, nem nos contratos de adeso se retira parte contratante a faculdade de aderir, ou no, ao contrato, sem que sua no-adeso lhe torne necessria a comisso de um ilcito administrativo (RE 89.876-RJ, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RDA 142/31-72; anteriormente a este RE, ver Smula 545/STF). A polmica no se encerrou, pois em decises mais recentes, o prprio STF voltou atrs, baseando-se em decises anteriores ao RE 89.876-RJ. Confira-se, nesse sentido, decises monocrticas do Min. Marco Aurlio (AI 225.143-SP, DJ, 04.11.1998) e da Min. Ellen Gracie (RE 201.630-DF, DJ, 05.04.2002), em que se anotou: a jurisprudncia do Excelso Pretrio tem assente ser preo pblico ou tarifa, e no taxa, a remunerao do servio de abastecimento de gua. Em termos de decises colegiadas, conquanto destitudas de maiores argumentaes, veja-se Ag.Rg. no RE 429.644-SC, 1a. Turma, Rel. Min. Cezar Peluso (DJ, 24.3.s006) e EDcl. no RE 447.536-SC, 2a. Turma, Rel. Min. Carlos Velloso. J no STJ, ao que parece, predomina o entendimento firmado pelo STF no RE 89.876-RJ, devendo ser conferidos, entre outros, Resp. 665.738-SC, 1a. Turma, Rel. Min. Jos Delgado (DJ, 4.11.2004), REsp. 167.489-SP, 1 Rel. Min. Jos Delgado (DJ, 24.08.1998) e REsp. 127.960-RS, 2 Turma, Rel. Min. Francisco Falco (DJU, 1.07.02), do qual se retira a seguinte passagem: Tendo-se em conta a obrigatoriedade de ligao de toda a construo habitvel rede de gua e esgotos, tem-se que os valores cobrados por este servio no podem ser caracterizados como tarifa, alm do que o legislador do Municpio, no tem liberdade para estabelecer o que vai cobrar, at mesmo porque a definio do servio pblico quem estabelece a Constituio Federal e no o legislador ordinrio. Em minha opinio, a orientao decorrente do RE 89.876-RJ, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves a mais segura. Tratando-se, ento, de servio compulsrio, isto , servio em relao ao qual no haja alternativa lcita, somente se pode adotar a taxa, nunca a tarifa (ou preo pblico). Se houver, porm, alternativa lcita, passvel a adoo de taxa ou tarifa, com implicaes no regime jurdico a ser aplicada a cada uma daquelas formas. Em relao aos servios pblicos concedidos (ou permitidos) a particulares, me parece que o regime tarifrio (e no o tributrio, prprio da taxa) se impe, dada a necessidade de se preservar, em concesses ou permisses do servio pblico, o equilbrio econmico-financeiro (art. 37, XXI, e art. 175, da Constituio Federal). O regime tributrio, por seu maior rigor formal, no atenderia a eventuais urgncias na fixao de tarifas. Contribuio de melhoria 63. Segundo a Constituio, a contribuio de melhoria tributo decorrente de obra pblica. Teria, ento, a Constituio admitido contribuio de melhoria sem valorizao do imvel? Para Hugo de Brito, no, sendo inadmissvel a interpretao meramente literal. Tambm Sacha afirma que a contribuio de melhoria, no sendo exigvel se no h melhoria, mas pioria. Logo, estaria implcita a necessidade de haver melhoria em decorrncia de obra pblica.Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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64. Segundo o CTN, a contribuio instituda para fazer face ao custo das obras pblicas, cogitando do limite total (despesa realizada) e do limite individual (acrscimo para o imvel beneficiado), na forma do art. 81. O Decreto-lei 195/1967, entretanto, deu outra conotao contribuio de melhoria: fato gerador o acrscimo do valor do imvel localizado em reas beneficiadas direta ou indiretamente por obra pblica. O art. 2 do Decreto-lei 195/67 arrolou as obras pblicas que podem dar origem contribuio (relao taxativa, segundo Hugo de Brito). Prev-se como limite o custo da obra (art. 4), determinandose a publicao de edital, que deve conter diversos elementos (art. 5), dentre eles o plano de rateio (inciso IV do art. 5), facultando-se ao contribuinte a possibilidade de impugnao (art. 6). 65. Sacha Calmon critica o Decreto-lei 195/1967, afirmando-o inconstitucional, porque a contribuio destina-se a recuperar o custo da obra, e no a tributar a mais-valia imobiliria. Geraldo Ataliba discorda, afirmando que o tributo se volta para a mais-valia, pois que a contribuio supe, no apenas a obra pblica, mas principalmente a valorizao do imvel. Ataliba critica, ainda, a burocracia prevista no Decreto-lei 195/67 para a cobrana da contribuio de melhoria, tudo em razo da equivocada (segundo ele) preocupao com o custo da obra. 66. Na prtica, assinale-se, a contribuio tributo pouco utilizado, dada as dificuldades para sua implantao (notadamente nos termos do Decreto-lei 195/67), e certa resistncia sociolgica a esta forma de tributao (empregada, historicamente, na Inglaterra, e, aps a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha Ocidental). Teoricamente, porm, deveria ser forma tributria mais utilizada, justamente porque permite ao Poder Pblico ressarcir-se de despesas que, realizadas em prol de toda a populao, revertem em benefcios mais acentuados para determinadas pessoas. Contribuio especial 67. Rubens Gomes de Sousa, h muitos anos, propunha que as contribuies fossem categoria tributria residual: o que no fosse imposto ou taxa, seria contribuio. 68. Atualmente, as contribuies vo se constituindo na principal fonte de receitas da Unio, tendo havido um boom de contribuies, aps a Constituio de 1988. pertinente, contudo, fazer breve histrico das contribuies, no direito positivo brasileiro: a) a Constituio Federal de 1934 referia-se contribuio previdenciria (art. 121, 1, letra h); b) a Constituio de 1967 referia-se tambm contribuio corporativa (art. 159, 1) e contribuio de interveno no domnio econmico (art 159, 9), alm da contribuio previdenciria (art. 158, XVI); idem a Emenda n. 1/1969 (art. 21, 2, I); c) a Emenda Constitucional n. 8/1977, segundo entendimento consagrado pelo STF, retirou as contribuies do mbito tributrio, no podendo mais, a partir de ento, ser consideradas tributos (conforme art. 43, I e X, EC 01/69).Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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d) a Constituio Federal reinseriu as contribuies no campo tributrio: art. 149, art. 149-A (EC 39/2002), art. 177, 4 (EC 33/2001), art. 212, 5 (EC 14/1996), art. 239, art. 240 e ADCT (art. 56, art. 72, art. 74, art. 75, art. 84 e art. 85). 69. A contribuio definida por Geraldo Ataliba como tributo vinculado. H divergncia, afirmando Marcelo Guerra Martins que as contribuies, em semelhana aos impostos, so tributos no vinculados. Para outros autores, convm insistir, a contribuio no teria feio prpria (no seria espcie tributria), podendo assumir o carter de imposto, taxa ou mesmo contribuio de melhoria (nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon), sendo, desse modo, tributo no vinculado ou vinculado, conforme o caso. O STF, contudo a considera espcie tributria autnoma, ao lado dos impostos, taxas, contribuio de melhoria e emprstimos compulsrios, conforme adiante explicado. 70. Doutrinariamente, ainda no h consenso sobre a definio da contribuio, no sistema jurdico brasileiro, podendo se afirmar que o conceito normativo e doutrinrio de contribuio vem sendo construdo aos poucos. A propsito, nem mesmo a denominao livre de polmicas, optando-se, aqui, por contribuies especiais apenas para abreviar a discusso (brevitatis causa). Ricardo Lobo Torres observa a dificuldade de se estudar as contribuies, cuja classificao, no Brasil, se faz sobretudo com fulcro na CF, merc da enumerao nela contida. Esse um dos assuntos difceis do nosso direito constitucional tributrio, pelas sucessivas mudanas introduzidas no texto maior e pela insegurana do Supremo Tribunal Federal. Realmente, as contribuies especiais vm sendo tratadas a partir de enfoque eminentemente prtico, decorrente de alteraes feitas na Constituio Federal para atender, principalmente, s necessidades de caixa da Unio Federal (e, no caso da contribuio de iluminao pblica, do caixa dos Municpios). 71. Podem ser compiladas algumas definies que apontam para os critrios mais usados para se definir a contribuio especial, distinguindo-a das demais espcies tributrias. Registre-se, porm, a ausncia de unanimidade ou consenso em relao aos critrios que, eventualmente, permitiriam afirmar ser as contribuies especiais uma espcie tributria autnoma, distinta das figuras tradicionais. Luciano Amaro define a contribuio especial como tributo com destinao determinada, exercitvel por entidade estatal ou paraestatal, no qual a nota da divisibilidade (em relao aos indivduos) no essencial, sendo essencial a destinao a uma atuao especfica. Hugo de Brito Machado reala que a contribuio especial tributo que se caracteriza pela finalidade. No pela simples destinao do produto da respectiva arrecadao, mas pela finalidade de sua instituio. Jos Eduardo Soares de Melo aponta a destinao constitucional (fundos, entidades, categorias profissionais, verba oramentria especfica etc.), beneficiando diretamente a terceiros e, indiretamente aos seus contribuintes, como a nota distintiva da contribuio especial. Marcelo Guerra Martins sublinha que a contribuio especial tem destinao e finalidade especficas, constitucionalmente definidas (por exemplo, a interveno no domnio econmico, a seguridade social, etc.), devendo haver uma relao lgica e jurdica entre o sujeito passivo e aEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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finalidade da contribuio, ainda que esta relao seja indireta e longnqua (ainda nesse sentido, Roque Carrazza e Geraldo Ataliba). 72. De outra ponta, Sacha Calmon no concorda com a definio (tributria) das contribuies especiais por sua finalidade, dizendo que a relevncia da validao finalstica fundamental, agora sim, para controlar o poder de tributar. Em sua opinio, as contribuies de interveno econmica seriam impostos, com a denominao de contribuies, e deveriam desaparecer, na medida em que se restringe cada vez mais a interveno do Estado no domnio econmico (conforme art. 170 da Constituio Federal). J as contribuies corporativas seriam odiosas e antiquadas, nasceram com o fascismo e os governos autoritrios ou intervencionistas do entreguerras (1920 a 1940). Nessa toada, para Sacha, apenas as contribuies previdencirias pagas pelos segurados da Previdncia Social poderiam ser, de fato, espcie tributria autnoma, embora as assemelhe s contribuies de melhoria, porque os fatos geradores so prestaes do Estado, eventuais e futuras (aposentadorias, penses, benefcios diversos), cujos destinatrios so os contribuintes (empregados, trabalhadores autnomos, etc.) 73. Em minha opinio, h muito que se avanar doutrinariamente, no que concerne s contribuies especiais, muito embora, a cada dia, me conveno que so melhores os argumentos segundo os quais as contribuies especiais ou so espcie de taxa, ou so espcie de impostos (Sacha Calmon e Paulo de Barros Carvalho). Veja-se, por exemplo, a especial relao que deveria existir entre a finalidade da contribuio e seus sujeitos passivos (princpio da referibilidade). Segundo Ricardo Lobo Torres, por exemplo, as contribuies especiais so contraprestao devida pela [prestao de] seguridade social e outros benefcios na rea social garantidos pelo Estado a determinado grupo da sociedade, de que decorre benefcio especial para o cidado que dele participa. Esta relao pode ser facilmente visualizada em certas contribuies de interveno no domnio econmico, ou nas contribuies corporativas, mas tornase muito tnue em relao a outras contribuies especiais, como, por exemplo, a contribuio previdenciria devida pelo empregador, que resulta em benefcios para o empregado, e no para o seu contribuinte (empregador). Outro exemplo a contribuio para o custeio do ensino fundamental pblico (chamada salrio-educao), prevista no 5 do art. 212 da Constituio Federal, em relao qual no h benefcio para a empresa que a paga. Somente com boa vontade que se pode, muito indiretamente, enxergar eventual relao entre a empresa e a aposentadoria do trabalhador (no caso da contribuio previdenciria do empregador) ou entre a empresa e a educao fundamental (no caso da contribuio para o salrio-educao). 74. Tambm quanto finalidade das contribuies especiais h muita controvrsia, voltando-se a discusses sobre o destino da receita arrecadada com tal tributo. De modo geral, aceita-se que as contribuies especiais sejam tributos finalsticos, isto , tributos cuja criao visa atender determinada finalidade, constitucionalmente prevista. Alguns autores realam que esta finalidade no se confunde com a destinao efetiva dos recursos, no mundo dos fatos, para aquele fim. A finalidade ou destinao legal requisito inafastvel para a caracterizao daEsta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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contribuio; a destinao no plano ftico questo de Direito Financeiro, cuja inobservncia pode gerar penalizao dos responsveis, mas no a invalidade do tributo (Leandro Paulsen). Outros autores, contudo, exigem que a finalidade constitucional seja efetivamente respeitada, razo pela qual a no destinao efetiva dos recursos comprometeria a validade do tributo: o contribuinte pode opor-se cobrana de contribuio que no esteja afetada aos fins, constitucionalmente admitidos; igualmente poder reclamar a repetio do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto aplicao dos recursos arrecadados (Misabel Derzi). A adoo da finalidade como causa para a criao da contribuio especial desloca o enfoque at agora dado aos tributos, como bem observa Marco Aurlio Greco: ao invs de se perquirir o fato gerador (vinculado ou no vinculado a uma atividade estatal) que daria ensejo cobrana do tributo, haveria que se perquirir a finalidade a ser buscada. Preciso, assim, Sacha Calmon, ao acentuar ser a finalidade importante instrumento para controlar o poder de tributar. Todavia, volto a dizer, no vejo como vincular a validade jurdica do tributo (posterior) destinao dos recursos arrecadados, dadas as dificuldades prticas (e tambm tericas) dessa validao pelo resultado. Infelizmente, a m-aplicao da receita tributria ainda escapa do campo tributrio, no devendo pela impossibilidade de se tornar efetivo este controle ser empregada como critrio para afirmar a validade, ou no, do tributo. 75. Para alm da discusso sobre ser a contribuio especial uma nova espcie tributria, o STF j fez distino entre as contribuies especiais previstas na Constituio Federal, a partir de interpretao do seu art. 149, baseando-se na lio do Min. Carlos Velloso (v.g., RE 148.754-RJ, Pleno): CONTRIBUIES ESPECIAIS (OU CONTRIBUIES SOCIAIS LATO SENSU)a) contribuies sociais (ou sociais stricto sensu), divididas em: a.1) contribuies de seguridade social a.1.1) previdencirias (art. 195, I a IV) a.1.2) outras contribuies de seguridade social (art. 195, 4) a.2) contribuies sociais gerais (art. 149) b) contribuies de interveno no domnio econmico (art. 149) c) contribuies corporativas (art. 149)

76. Hugo de Brito discorda, no reconhecendo a figura genrica das contribuies sociais lato sensu, apesar da literalidade do art. 149. Divide as contribuies, assim, em: a) contribuies previdencirias; b) contribuies de interveno no domnio econmico; c) contribuies de interesse de categorias profissionais ou econmicas. 77. Sob o ngulo do direito positivo, diversas disposies vm sendo acrescentadas Constituio Federal, desenhando-se um perfil constitucional das contribuies, que no parece, como disse, ter muitas preocupaes tericas, seno que adaptar a Constituio s necessidades financeiras da Unio Federal, ou eventuais ajustes na economia brasileira. Destaque-se as seguintes normas especficas, relativamente s contribuies especiais:Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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a) em relao s contribuies sociais e de interveno no domnio econmico, por fora de alteraes decorrentes da EC 33/2001 e, depois, da EC 42/2002: a.1) foram excludas de seu campo de incidncia as receitas decorrentes de exportao (inciso I do 2 do art. 149), em claro incentivo poltica de exportaes; a.2) determinou-se a incidncia sobre a importao de produtos estrangeiros ou servios (inciso II do mesmo 2 do art. 149), hiptese em que podero ser sujeitos passivos, tanto pessoas jurdicas, quanto pessoas fsicas ( 3 do art. 149); a.3) as alquotas destas contribuies podero ser ad valorem, isto , percentual sobre o faturamento, a receita bruta ou o valor da operao (...) ou o valor aduaneiro (letra a do inciso III do 2 do art. 149), ou podero ser especficas (letra b do inciso III do 2 do art. 149; exemplo, R$ 0,10 por litro de combustvel). a.4) h a possibilidade de as contribuies se tornarem monofsicas, incidindo apenas em uma operao de uma cadeia econmica ( 4 do art. 149). b) em relao CIDE/combustveis (isto , contribuio de interveno econmica relativa importao ou comercializao de petrleos e seus derivados, gs natural e seus derivados e lcool combustvel): b.1) poder ser adotada alquota diferenciada por produto ou uso (art. 177, 4, a, modificado pela EC 33/2001); b.2) a alquota poder ser reduzida ou restabelecida por ato do Executivo, sem necessidade de respeitar o princpio da anterioridade (art. 177, 4, b, observando que o valor mximo deve ser fixado em lei, de modo que o Executivo pode apenas reduzir ou restabelecer aquele valor mximo); b.3) os recursos arrecadados devem ser destinados ao pagamento de subsdios a preos ou transporte de lcool combustvel/gs natural e derivados/derivados de petrleo; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indstria do petrleo e do gs; e ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. Registre-se que a Lei 10.336, de 2001, criou a CIDE/combustveis, havendo alteraes posteriores. c) em relao s contribuies sociais gerais (especialmente em relao s contribuies previdencirias): c.1) h definio constitucional dos fatos geradores e bases de clculo que podem ser adotados (incisos I a IV do art. 195, sendo que o inciso IV foi acrescentado pela EC 42/2003); estas contribuies que encontram referncia genrica na Constituio (e, por isso, no constituem novas fontes), no dependem de lei complementar, segundo entendimento majoritrio do STF. c.2) outros fatos geradores (outras fontes) podero ser definidos, obedecendo-se, porm, exigncia de lei complementar (art. 195, 4); c.3) podero ser adotadas, em relao s contribuies devidas pelos empregadores,Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e no dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributrio. Todos os direitos reservados, vedada a reproduo no autorizada pelo autor.

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alquotas ou bases de clculo diferenciadas, em razo da atividade econmica, da utilizao intensiva de mo-de-obra, do porte da empresa ou da condio estrutural do mercado de trabalho (art. 195, 9, modificado pela EC 47, de 2005; a parte sublinhada que foi acrescentada ao texto antigo, modificado antes pela EC 20/1998). c.4) h regras especiais sobre imunidade (art. 195, 7), sobre as contribuies devidas por produtores, parceiros, meeiros, arrendatrios e pescadores artesanais (art. 195, 8), sobre o momento de aplicao da lei nova (art. 195, 6); e c.5) determinou-se a adoo da no-cumulatividade, em relao s contribuies incidentes sobre receita, faturamento e importao, cabendo lei definir os setores da atividade econmica aos quais se aplicar tal no-cumulatividade (art. 195, 12, conforme EC 42/2003). Em minha opinio, porm, no se tem propriamente no-cumulativi