apostila da disciplina[1]transtorno global

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE. MODALIDADE A DISTÂNCIA APOSTILA Disciplina: TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO Docentes Responsáveis : Janira Siqueira Camargo Leila Pessôa da Costa Olinda Teruko Kajihara Tânia dos Santos Alvarez da Silva

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Page 1: Apostila Da Disciplina[1]Transtorno Global

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE. MODALIDADE A DISTÂNCIA

APOSTILA

Disciplina: TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO

Docentes Responsáveis:

Janira Siqueira Camargo Leila Pessôa da Costa

Olinda Teruko Kajihara Tânia dos Santos Alvarez da Silva

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SUMÁRIO

Texto 1: CAMARGO, Janira Siqueira; PAES, Djalma Ferreira. O Autismo Infantil e a Relação Professor Aluno. Maringá: 2011 (Prelo).

Pag....02

Texto 2: KAJIHARA, Olinda Teruko. Neuropsicologia do Autismo. Maringá: 2011. (Prelo).

Pag....11

Texto 3: MORI, Nerli Nonato Ribeiro; CANDIDO, Gislaine Andreto. Autismo e Atendimento Educacional: o método TEACCH. In: RODRIGUES, Elaine; ROSIN, Sheila Maria. Infância e Práticas Educativas. Maringá: Eduem, 2007 (p. 57 -67)

Pag....21

Texto 4: MORI, N. N. R. Autismo, Asperger e escolarização: a história de M. [Prelo].

Pag....33

Texto 5: CUNHA, Nylse Helena Silva. Abordagens Pedagógicas dos Distúrbios de Comportamento. In: CAMARGOS JR., e Colaboradores. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – 3º Milênio. Brasília: Ministério da Justiça, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, AMES, ABRA, 2002. (p. 122- 127)

Pag....42

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CAMARGO, Janira Siqueira; PAES, Djalma Ferreira. O Autismo Infantil e a Relação Professor Aluno. Maringá: 2011 (digitado).

O AUTISMO INFANTIL E A RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO

Janira Siqueira Camargo

Djalma Ferreira Paes

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é definir autismo infantil em termos de etiologia e

sintomatologia, porque dependendo da área do conhecimento assumida como referência

a explicação acerca da origem e das manifestações autísticas nas crianças divergem. Por

isso, apresentaremos explicações do ponto de vista biológico, emocional e cognitivo,

apontando caminhos para educadores em geral na lide quando se defrontarem com

alunos que apresentem tal transtorno e, mais especificamente, para aqueles que

trabalham com atendimento de crianças com necessidades educativas especiais. Com

isso, vislumbra-se uma melhor compreensão sobre o assunto, numa perspectiva de

Educação Inclusiva, para uma atuação docente mais adequada.

DEFININDO AUTISMO INFANTIL

Definir autismo infantil não é algo fácil tendo em vista que muitos transtornos

apresentam sintomas similares que os enquadrariam como autismo, como é o caso da

psicose infantil, no entanto os sujeitos apresentam outros problemas em seu

desenvolvimento intelectual, emocional e/ou biológico que não se configuram como um

quadro autístico.

Como as sintomatologias do autismo infantil e da psicose infantil se confundem

em muitos estudos eles são apresentados juntos. O CID-101 (ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DA SAÚDE - OMS, 2008) os classifica como Transtornos Globais do

1 CID-9 é um catálogo estatístico internacional de classificação de doenças.

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Desenvolvimento (TGD) e o DSM-IV2 (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE

PSIQUIATRIA - AAP, 1994) como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) ou

Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI).

De acordo com Kupfer (2000, p. 2), “[...] não há um consenso sobre o que sejam

verdadeiramente uma psicose infantil ou um autismo infantil, e tampouco sobre a sua

etiologia”. O consenso a que se refere a autora tanto diz respeito às diferentes classes

profissionais, neurologistas e psicanalistas, por exemplo, como entre profissionais de

uma mesma classe, psicanalistas de diferentes linhas teóricas como kleinianos,

lacanianos dentre outros ou neurologistas, geneticistas e psiquiatras, por exemplo.

A psicose é definida como um quadro em que há a perda de contato com a

realidade e a construção de uma realidade própria. Podemos dizer, então, que o autismo

é uma psicose, levando em consideração seu rol de sintomas, ao mesmo tempo é

possível afirmar que a psicose é um autismo, na medida em que neste segundo não há

diferenciação entre o eu e o não eu. No entanto, Tustin (1975) diferencia os

comportamentos autísticos apresentados pela criança no início de seu desenvolvimento,

chamando de autismo da infância primitiva, dos comportamentos que perduram

configurando-se em transtorno, na medida em que a diferenciação do eu (self) em

relação ao outro não se constrói.

Para definir autismo, por sua vez, há que se compreendê-lo em uma perspectiva

biológica, emocional e cognitiva, porque em quase todos os quadros autísticos os

sujeitos apresentam comprometimentos em alguma destas áreas, quando não em duas

ou nas três e, por isso, o DSM-IV (AAP, 1994) o classifica como TGD, na medida em

que envolve um déficit cognitivo significativo. Observa-se que cerca de 75% dos

autistas apresentam deficiência mental e de 15 a 30% apresentam convulsões

(CARVALHEIRA et alii, 2004).

O CID-10 (OMS, 2008), enquadra o autismo como psicose, definindo como

casos em que há: “(a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da

idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento

em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação,

comportamento focalizado e repetitivo”. Tamanaha et alii (2008, p. 296), afirmam que

“Os quadros que compõem o espectro autístico caracterizam-se pela tríade de

2 DSM-IV é um manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais.

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impedimentos graves e crônicos nas áreas de interação social, comunicação verbal e não

verbal e interesses”.

Do ponto de vista biológico, afirma-se que tanto o autismo quanto os transtornos

do espectro do autismo apresentam fortes características de origem genética. Os avanços

nas tecnologias genômicas, a conclusão do seqüenciamento do genoma humano e a

disponibilidade do conjunto de amostras genéticas de indivíduos afetados resultaram em

grandes avanços nesta área. Sua herdabilidade é de mais de 90%, sabendo-se que

envolve vários genes e múltiplos alelos, embora sua exata etiologia permaneça

desconhecida. O fenótipo autista é amplamente variado e não segue um padrão de

herança mendeliano (GUPTA; STATE, 2006).

O autismo tem maior incidência em sujeitos do sexo masculino (KANNER,

1943) e no caso da Síndrome de Rett, espectro do autismo, também classificada como

TGD, a incidência é somente no sexo feminino (OMS, 2008). O aparecimento do

autismo se dá muito precocemente, antes dos três anos de idade, persistindo até a idade

adulta. Quando ocorre após os três anos de idade é classificado como autismo atípico.

A prevalência do autismo em gêmeos homozigóticos é considerada alta,

enquanto que em gêmeos heterozigóticos pode ser considerada baixa ou quase nula.

Diversas alterações neurobiológicas aparecem relacionadas ao autismo, por exemplo,

convulsões, deficiência mental, diminuição de neurônios e de sinapses na amígdala, no

hipocampo e no cerebelo (CARVALHEIRA et alii, 2004).

Várias alterações anatômicas e funcionais foram observadas por diversos

autores, embora haja divergências quanto às alterações encontradas. Estruturas e regiões

do cérebro são apontadas como sendo afetadas nas pessoas com transtorno autista,

dentre elas estão: a redução do desenvolvimento do corpo caloso; o aumento da

espessura do córtex do lobo frontal, dos lobos temporais, parietais e occipital; a

hipoplasia dos hemisférios cerebrais; além de significativas alterações anatômicas que

foram observadas em outras áreas como o IV ventrículo, as olivas bulbares, o

hipocampo e o giro cíngulo (MACHADO et alii, 2003).

Do ponto de vista emocional, Tustin (1975, p. 9), define autismo como “Viver

em termos do próprio eu (self), o que está de acordo com o fato, por demais constatado,

de que uma criança em estado de autismo parece centrada em si mesma, já que pouco

reage ou responde ao mundo que a rodeia”. Um dos aspectos comprometidos é a

linguagem, contudo na Síndrome de Asperger, um espectro do autismo, a linguagem se

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mantém praticamente intacta, mas as outras formas de interação ficam bastante

comprometidas, a ponto de exibir uma agressividade exacerbada.

No autismo clássico, a dificuldade de comunicação, devido ao não domínio da

linguagem verbal impede que a criança expresse o que sente e quando expressa, a lógica

da compreensão do adulto impossibilita a compreensão do conteúdo expresso de forma

simbólica. Este simbolismo é muito particular tendo em vista que a criança não conhece

a si e ao outro (neste caso a mãe) como sendo seres em separados e cria gestos e ruídos

próprios para cada coisa que deseja, inclusive com ecolalia3. De modo geral a família

acaba aprendendo a interpretar estes gestos e sons, e a pouca comunicação fica restrita

ao seu grupo familiar.

ETIOLOGIA DO AUTISMO

Não existe até hoje uma clareza a respeito da etiologia do autismo e, em função

dos sintomas apresentados, cada área busca explicações tendo em vista sua

especificidade. Jerusalinski (1993), numa perspectiva psicanalista e de maneira bastante

simplista, mas não equivocada, diferencia autismo de psicose ao afirmar que no autismo

o que falha é a função materna no atendimento das necessidades afetivas no início da

vida da criança e na psicose a falha está na função paterna nas relações com a criança

nos primeiros anos de vida. Isso aponta para a fase do desenvolvimento emocional em

que uma e outra têm origem, de maneira tal que o autismo ocorre em fase mais remota

do desenvolvimento que a psicose.

Os psicanalistas analisam, principalmente, a relação com a figura da mãe,

buscando compreender os aspectos emocionais oriundos desta relação e que podem

comprometer de maneira mais profunda a construção do psiquismo. Do ponto de vista

da Psicanálise a mãe assume papel preponderante no processo de identificação e

diferenciação que a criança precisa fazer entre si mesma e o mundo que a rodeia.

D’Andrea (2000) elenca alguns aspectos essenciais na relação materna que favorecem

ao desenvolvimento da personalidade do filho:

3 Para uma melhor compreensão acerca da ecolalia leia-se: FERNANDES, F.D.M. Ecolalia em Psicoses Infantis. Rev. Bras. Cresc. Des. Hum. São Paulo. III(2), 1993. Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/454.htmEcolalia

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1) atração que a mãe sente pelo filho, expressada pela aceitação, prazerosa e incondicional, de ter sob seus cuidados um novo ser; 2) o sentimento de empatia pela criança, manifestado pela capacidade de reconhecer as necessidades do filho, ser sensível aos seus apelos e responder de maneira eficiente e oportuna; 3) a capacidade de aceitar o filho como um ser independente de si mesma, com características próprias, exigências e direitos legítimos; 4) a proteção e apoio que pode dar permanentemente ao filho, de forma objetiva, julgando realisticamente os perigos reais ou potenciais que possam prejudicar sua integridade física ou psíquica; 5) a capacidade da mãe de estabelecer justas proibições com fins educativos sem sentir-se culpada (D’ANDREA, 2000, p. 33).

As habilidades necessárias para o exercício da maternidade vão para além do

biológico e implicam em uma personalidade minimamente equilibrada a fim de dar

condições básicas que permitam ao filho a diferenciação mãe-filho que será transposta

para mãe-filho-pai, se amplie para as demais pessoas com as quais ela convive e

posteriormente para o mundo. Kupfer (2000) orienta sobre a necessidade de que se

envolva a mãe no processo diagnóstico e de atendimento da criança autista, não

culpando a mãe pelos problemas do filho, mas responsabilizando-a, a fim de que possa

oferecer neste momento aquilo que não teve condições de oferecer quando do

nascimento do filho. Além disso, não podemos esquecer que existe forte componente

biológico na configuração de um caso autista.

Contudo, Assumpção e Pimentel (2000) apontam que as diferentes perspectivas

teóricas que buscam explicar a etiologia, não encontram unanimidade sobre qual área de

fato está comprometida, bem como a origem do autismo. Quando a explicação se

respalda em que o cognitivo está prejudicado em função de variações no cromossomo X

não há sustentação, pois o número de casos não é significativo. Por outro lado, quando

se busca na relação mãe-filho o comprometimento do ponto de vista emocional, os

dados também não são representativos. No entanto sabe-se que em todos os casos o

diagnóstico deve ter como ponto de partida os aspectos afetivos, cognitivos e

biológicos.

O diagnóstico, todavia, não se configura como algo simples, pois muitos

sintomas se confundem com os de outros transtornos, tais como autismo da infância

primitiva, autismo e os seus diferentes espectros (Síndrome de Asperger, Síndrome de

Rett), depressão psicótica dentre outros. Kanner (1943) foi quem definiu autismo

infantil, estabelecendo como sintomas característicos os quadros em que ocorre:

perturbação afetiva nas relações com o meio; solidão autística, pela dificuldade de

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estabelecimento de vínculos afetivos e sociais; inabilidade no uso da linguagem visando

a comunicação, o que acaba dificultando o processo de socialização; e comportamentos

ritualísticos. Isto tudo, apesar de o sujeito apresentar um aspecto físico aparentemente

normal e de manter boas potencialidades cognitivas favorecendo o aprendizado de uma

série de informações.

DIAGNÓSTICO

Na elaboração de diagnósticos de indivíduos com transtornos autistas observa-se

uma variação considerável no perfil sintomático, dependendo da etiologia subjacente.

Deste modo, o diagnóstico deve ser complementado por uma apreciação clínica

cuidadosa: avaliações de linguagem e neuropsicologia, bem como exames

complementares com estudos de cromossomas incluindo DNA para X-frágil, de

neuroimagem e neurofisiológicos. Isto se faz necessário em casos específicos, para

permitir identificar subgrupos mais homogêneos, de acordo com o fenótipo

comportamental e a etiologia. Estes cuidados facilitam a compreensão da fisiopatologia

desses distúrbios e estabelecem intervenções e prognósticos mais específicos (GADIA

et alii, 2004).

Embora nos países mais avançados os transtornos autistas sejam diagnosticados

em idade cada vez mais precoce, o mesmo não tem sido verificado no Brasil onde o

diagnóstico permanece em aberto aos seis, sete anos e às vezes mais. Isto dificulta o

processo que busca atenuar os efeitos do autismo e indivíduos autistas são prejudicados.

Por isso é importante que haja aproximação e interação interdisciplinar entre os

diferentes profissionais envolvidos nos processos de pesquisa, diagnóstico e cuidados

com pessoas autistas (SILVA; MULICK, 2009).

Desta maneira, o diagnóstico precoce auxilia em muito o encaminhamento de

tratamento e procedimentos que devem ser efetuados pela família, que precisa ter uma

disponibilidade afetiva, principalmente, para envolvimento e participação em todo o

processo.

Page 9: Apostila Da Disciplina[1]Transtorno Global

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ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Neste momento, tendo em vista algumas informações arroladas anteriormente,

objetivamos listar alguns procedimentos que podem ser efetuados por educadores

quando do atendimento de alunos autistas, visando auxiliar no tratamento e promover a

inclusão de tais alunos:

- incentivar a participação em atividades coletivas, visando evitar que se isolem em seu

próprio mundo, buscando uma maior socialização e valorizando sempre que houver esta

integração;

- conhecer a linguagem utilizada pela criança em seu ambiente familiar, conseguida por

meio de uma relação próxima e integrada com a família, estimulando a comunicação

por meio da linguagem oral com o uso de termos claros e objetivos, evitando a

utilização de figuras de linguagem e expressões idiomáticas, uma vez que implicam em

valores e conceitos muito subjetivos e de difícil compreensão para o autista;

- respeitar a necessidade de rotina que o deixam em situação mais confortável, mas, ao

mesmo tempo, oferecer atividades diversas, apresentando outras, auxiliando no

rompimento da repetição e estereotipia;

- buscar o contato visual, olhando para os olhos deles e chamando-o a olhar para os

olhos do outro, favorecendo a interação e o estabelecimento de vínculos;

- estimular o contato físico, mesmo sabendo que é uma dificuldade para o autista,

devendo ser estimulado de maneira carinhosa e não invasiva;

- reprimir comportamentos auto e hetero agressivos quando ocorrerem, de maneira

incisiva e firme, mas carinhosa e acolhedora;

- propiciar atividades que envolvam elementos do mundo ao seu redor (plantas, animais,

chuva, sol etc.), visando facilitar a diferenciação entre o eu e o outro;

- incluir músicas associando-as a momentos específicos da rotina da escola como a hora

do lanche, da pintura, da higiene;

- utilizar atividades que envolvem o desenho de seu corpo (contornos e preenchimento

posterior), com uso de tinta e pincel ou os próprios dedos, lápis de cor ou de cera,

adequando à faixa etária, quando menores – 4-5 anos – pincéis e lápis mais grossos

quando maiores podem ser mais finos. O desenho tem funções importantes no

desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser humano e pode e deve ser utilizado como

recurso pedagógico pelo professor (CAMARGO, 2005).

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- oferecer atividades de encaixar, empilhar, rosquear, montar, que auxiliem no

aperfeiçoamento da habilidade psicomotora, comprometida nos sujeitos autistas.

Percebe-se que o atendimento ao autista exige do educador um conhecimento

básico sobre suas manifestações sintomatológicas, a fim de que se ofereçam atividades

que os auxiliem no processo de estabelecimento de vínculos afetivos e que os permitem

ter uma vida social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto não tem a pretensão, de forma alguma, de esgotar as discussões acerca

do autismo infantil, contudo, busca contribuir com educadores em cujas classes de aula

recebam alunos com transtornos deste espectro autístico. É preciso compreender que o

trabalho dentro do âmbito escolar necessita de aportes que vão para além dos muros da

escola, por meio da família e de especialistas, como neurologistas, psicólogos,

fisioterapeutas e fonoaudiólogos, por exemplo.

As Políticas Públicas em relação à educação e à cidadania estabelecem uma

Educação Inclusiva, contudo, lidar com autistas em sala de aula demanda uma estrutura

por parte do educador. Estrutura esta que envolve: aspectos físicos (sala de aulas,

materiais didáticos e pedagógicos, recursos áudio visuais e tecnológicos), mas, acima de

tudo, aspectos humanos. Um educador desprendido de preconceitos e julgamentos sobre

si mesmo, sobre seus alunos e sobre a sociedade que o rodeia. Não basta ter o recurso se

não houver formação e disponibilidade que permitam sua utilização e exploração de

maneira adequada.

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REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual de diagnóstico e estatística de distúrbios mentais - DSM-IV. 3ª. Ed. São Paulo: Manole, 1994. ASSUMPÇÃO JR., F. B.; PIMENTEL, A. C. M. Autismo infantil. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.22 s.2. São Paulo: Dec. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462000000600010&script=sci_arttext&tlng=en. Acesso em: 15/12/2010. CAMARGO, J. S. C. O papel do desenho no desenvolvimento infantil. In: CAMARGO, J. S. C.; ROSIN, S. M. (orgs.). Psicologia e educação: compartilhando saberes. Maringá: Eduem, 2005, p. 69-84. CARVALHEIRA, G.; VERGANIB, N.; BRUNONIA, D. Genética do autismo. Rev. Bras. Psiquiatr. 2004, 26(4): 270-2 D’ANDREA, F. F. Desenvolvimento da personalidade. 14ª. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2000. FERNANDES, F.D.M. Ecolalia em Psicoses Infantis. Rev. Bras. Cresc. Des. Hum. São Paulo. III(2), 1993. Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/454.htmEcolalia Acesso em: 10/04/2011. GADIA, C. A.; TUCHMAN, R.; ROTTA, N. T. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. Jornal de Pediatria. 2004, Vol. 80, no.2(supl). GUPTA, A. R.; STATE, M. W. Autismo: genética. Rev. Bras. Psiquiatr. 2006, 28(Supl I): 29-38 JERUSALINSKY, A. Psicose e autismo na infância: Uma questão de linguagem. Psicose. Boletim da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre: 4 (9), 1993. KANNER, L. Autistic disturbances of affective contact. Nervous Child. 1943, 2:217-50. KUPFER, M. C. Notas sobre o diagnóstico diferencial da psicose e do autismo na infância. Psicol. USP. vol.11, n.1. São Paulo: 2000, 11(1): . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642000000100006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 15/10/2010. MACHADO, M. G.; OLIVEIRA, H. A.; CIPOLOTTI, R.; SANTOS, C. A. G. M.; OLIVEIRA, E. F. de; DONALD, R. M.; KRAUSS, M. P. de O. Alterações anátomo-funcionais do sistema nervoso central no transtorno autístico. Arq. Neuropsiquiatr . 2003, 61(4): 957-961 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10. Brasília: 2008. SILVA, M.; MULICK, J. A. Diagnosticando o Transtorno Autista: aspectos fundamentais e considerações práticas. Psicologia Ciência e Profissão. 2009, 29 (1), 116-131. TAMANAHA, A. C.; PERISSINOTO, J.; CHIARI, B. M. Uma breve revisão histórica sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da síndrome de Asperger. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2008;13(3):296-9. TUSTIN, F. Autismo e psicose infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

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KAJIHARA, Olinda Teruko. Neuropsicologia do Autismo. Maringá: 2011. (digitado).

Neuropsicologia do autismo

Olinda Teruko Kajihara4

Introdução

O autismo, síndrome que afeta 0,6% da população, é três vezes mais comum nos

homens que nas mulheres (HILL; FRITH, 2003; HILL, 2004a). A prevalência de

autismo é de 13 por 10.000 indivíduos (FOMBONNE, 2005). O quadro clínico desse

complexo transtorno varia em severidade: o espectro estende-se desde indivíduos com

características semelhantes aos da personagem savant do filme Rain man (Tempo de

despertar), interpretado pelo ator Dustin Hoffman, até aqueles com Síndrome de

Asperger, como observado na personagem principal do filme “Temple Grandin”.

Até o momento não é conhecido um marcador biológico específico que

identifique o autismo, e por isso esse transtorno desenvolvimental de base

neurobiológica é definido em termos comportamentais: prejuízos na interação social e

na comunicação verbal e não-verbal, comportamentos repetitivos e interesses restritos

(HILL; FRITH, 2003).

A variabilidade de comportamento observada nos autistas é muito ampla:

existem pessoas com pouco interesse na interação social e outras com interesse nessa

área, mas que apresentam dificuldade em lidar com as sutilezas das interações sociais

complexas. Alguns apresentam estereótipos motores simples e uma preferência por

rotina; outros, rituais complexos e elaborados. O acentuado déficit na linguagem

pragmática, observado nos autistas que não apresentam fala competente, pode ser de

nível médio naqueles com alto grau de funcionamento, ou seja, com Síndrome de

Asperger. A maioria dos autistas apresenta rebaixamento intelectual, mas existem

indivíduos com deficiência mental profunda e outros com inteligência acima da média

(CODY; PELPHREY; PIVEN, 2002). 4 Profa Dra do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá – Paraná.

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Neste trabalho, serão apresentadas evidências de que o déficit fundamental no

autismo é neuropsicológico, e teorias cognitivas que procuram explicar a relação entre o

cérebro e o comportamento do autista.

A etiologia do autismo

O fator genético, principal causa do autismo, leva ao desenvolvimento anormal

de estruturas cerebrais que formam a base dos sintomas desse transtorno (JOSEPH,

1999). Estudo realizado por Bayley et al. (1995) evidenciou concordância de autismo

em 60% de gêmeos monozigóticos, e em 0% de gêmeos dizigóticos. Somente o fator

genético não explica a complexa etiologia do espectro autista. É possível que a

influência epigenética, ou seja, do ambiente sobre a carga genética, explique porque em

40% dos gêmeos monozigóticos não seja observada concordância de autismo (RUSSO,

2009).

Há numerosos relatos de autismo decorrentes de anormalidades citogenéticas ou

de síndromes mendelianas, mas a maioria dos casos não tem causa definida ou é

resultado de padrões complexos de herança. Regiões dos cromossomos 2, 7, 15 e X

parecem estar envolvidas na complexa etiologia do distúrbio (FOLSTEIN; ROSEN-

SHEIDLEY, 2001).

Outros cromossomos parecem também estar envolvidos, como os de número 5,

16 e 17. Os genes do cromossomo 2 controlam o crescimento e o desenvolvimento do

embrião; os genes do cromossomo 7 estão relacionados às desordens de fala e de

linguagem, ao crescimento e à maturação neocortical e ceberelar, à função imunológica

e à reparação gastrointestinal; os genes do cromossomo 5 são responsáveis pela síntese

da proteína caderina; e os genes do cromossomo 17 permitem que os neurônios recebam

serotonina, que está envolvida nas emoções e na comunicação das células nervosas

(RUSSO, 2009).

Alteração no cromossomo 7 acarreta distúrbio metabólico que, se não tratado,

resulta em retardamento mental. Erros genéticos no cromossomo 15 causam a Síndrome

de Angelman e a Síndrome de Prader-Willi, e no cromossomo 16 causam esclerose

tuberosa; essas três doenças compartilham muitos sintomas com o autismo. Pessoas

com a Síndrome do X Frágil ou com a Síndrome de Rett, causadas por problemas

genéticos no cromossomo X, também apresentam sintomas de autismo (RUSSO, 2009).

No grupo de autistas sem uma condição médica associada, é possível que ocorra

interação gênica do tipo poligenia ou herança multifatorial (CODY; PELPHREY;

PIVEN, 2002).

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Alterações cerebrais observadas no autismo

O cérebro humano é composto por três unidades ou blocos funcionais, sendo que

cada um deles dá uma contribuição específica à organização da atividade consciente

humana. A realização de uma atividade organizada e dirigida à realização de metas

requer a existência de um determinado nível de tono cortical e de estado de vigília. Isso

é fornecido pela primeira unidade ou bloco cerebral, formado pelo tronco cerebral

(mesencéfalo, ponte e bulbo), pela formação reticular e pelo sistema límbico (LURIA,

1979). Este componente da primeira unidade é responsável pela regulação das emoções

(alegria, tristeza, medo, prazer, raiva etc.), do sistema nervoso autônomo, do sistema

endócrino, de processos motivacionais (fome, sede e sexo) e, ainda, participa dos

processos de memorização e de aprendizagem (MACHADO, 1993).

A primeira unidade cerebral caracteriza-se por ter um funcionamento modal não-

específico. Com isso se quer dizer que a formação reticular responde da mesma forma a

todo estímulo sensorial (visual, auditivo e táctil). A resposta é sempre a de despertar o

cérebro e não o de retransmitir uma mensagem específica, razão pela qual ele ativa todo

o córtex e não uma determinada área sensorial. Por exemplo: um ruído excita a

formação reticular e esta leva o córtex a um estado de alerta. Essa ativação é

fundamental para que, quando um estímulo específico atingir o córtex auditivo, o

cérebro seja capaz de identificá-lo (FRENCH, 1970).

Quando uma lesão destrói uma parte da primeira unidade cerebral não ocorre um

distúrbio no input (entrada) da informação sensorial externa. Entretanto, os níveis de

vigília e de atenção diminuem e os traços de memória tornam-se instáveis; portanto, a

seletividade normal dos processos nervosos é afetada (LURIA, 1969).

A segunda unidade funcional é formada pelas regiões posteriores do cérebro

(occipital, temporal e parietal). Esse bloco recebe, processa e armazena informações

exteroceptivas e proprioceptivas. Assim sendo, ele é responsável pelas funções

elementares do processo cognitivo: sensação e percepção. A segunda unidade possui

áreas de processamento especializadas para cada modalidade sensorial: a região

temporal é responsável pelo processamento da informação auditiva; a zona occipital,

pela informação visual; e a região parietal, pela informação somestésica (LURIA,

1969).

A terceira unidade funcional está localizada na região frontal do cérebro. Esse

bloco participa de todos os processos psicológicos superiores, pois é responsável pela

programação, pela regulação e pelo controle da atividade consciente. É a integridade

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dessa unidade e, principalmente, da área terciária, localizada no córtex pré-frontal, que

permite ao homem estabelecer metas e objetivos, formular planos, manter intenções

estáveis, avaliar os efeitos de suas ações e corrigir seus erros. A região frontal está

conectada com o tronco cerebral, incluindo a formação reticular, e por isso atua na

regulação da atenção voluntária (LURIA, 1969; 1979).

No autismo parece ocorrer diminuição da maturação do sistema límbico no

período embrionário e prejuízos no circuito cerebelar, além de crescimento anormal do

cérebro após o nascimento. O sistema límbico participa do circuito cerebral envolvido

nos processos de memória e das emoções. No autista, muitos componentes do sistema

límbico apresentam um padrão patológico, ou seja, os neurônios são pequenos e

estreitamente empacotados, semelhantes aos observados nos primeiros estágios do

desenvolvimento embrionário. As regiões mais comprometidas do sistema límbico são o

corpo amigdaloide, o hipocampo, a área entorrinal e os corpos mamilares. Esse padrão

somente não é observado na área septal do sistema límbico. Nos autistas com menos de

12 anos de idade, os neurônios do septo são maiores que os dos indivíduos normais, mas

adequados em número; nos autistas com mais de 21 anos de idade, eles são menores em

tamanho e em número (KEMPER; BAUMAN, 2002).

Autistas, independentemente da idade, apresentam decréscimo do número de

células de Purkinje do cerebelo, que se projetam para os núcleos centrais dessa

estrutura. Nos cérebros mais jovens, os neurônios desses núcleos são anormalmente

maiores, e nos cérebros mais velhos, são anormalmente menores; em alguns núcleos,

verifica-se menor número de células que o esperado (KEMPER; BAUMAN, 2002). O

cerebelo participa da regulação da postura, do equilíbrio, do tônus muscular, dos

movimentos voluntários e da aprendizagem motora (MACHADO, 1993).

Um padrão semelhante de mudança no tamanho das células é observado no

núcleo olivar inferior do tronco cerebral, com neurônios anormalmente maiores nos

cérebros mais jovens, e neurônios menores do que o esperado nos cérebros mais velhos.

As mudanças são mais evidentes na parte do núcleo olivar inferior que se projeta para o

cerebelo. Essas alterações no tamanho dos neurônios dos núcleos cerebelares e do

núcleo olivar inferior revelam que no autismo ocorre um processo patológico ativo que

continua no período pós-natal (KEMPER; BAUMAN, 2002). As conexões olivo-

cerebelares são importantes para a aprendizagem motora, e permitem que uma tarefa,

quando repetida várias vezes, possa ser realizada de forma mais rápida e eficiente

(MACHADO, 1993).

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A mais consistente descoberta sobre o cérebro do autista é que ele é maior e

mais pesado do que o dos indivíduos normais (HILL; FRITH, 2003). A época em que

aparecem os comportamentos clinicamente reconhecidos do autismo corresponde ao

período em que começa o crescimento acelerado do cérebro, ou seja, por volta de um

ano a um ano e meio de idade (KEMPER; BAUMAN, 2002).

Evidências de anormalidades cerebrais nos autistas também têm sido obtidas por

meio de técnicas de neuroimagem. Cody, Pelphrey e Piven (2002) revisaram pesquisas

realizadas com Ressonância Magnética Nuclear e com Ressonância Magnética Nuclear

Funcional, na última década do século XX, e concluíram que os estudos demonstram

que o tamanho do cérebro do autista é maior que dos sujeitos normais.

Estudos estruturais sugerem volume aumentado do corpo amigdaloide e

alterações estruturais e funcionais do giro do cíngulo, que participa do processamento

de informações e de pistas emocionais. O aumento do núcleo caudado parece ser

responsável pelo comportamento estereotipado e repetitivo do autista. O núcleo caudado

apresenta conexões com o córtex pré-frontal, que atua no controle inibitório do

comportamento. Isso sugere a existência de duas vias: uma envolvida com as

estereotipias motoras e outra com o comportamento ritualístico e compulsivo (CODY;

PELPHREY; PIVEN, 2002).

Déficits sociais, comportamentos ritualísticos-repetitivos e prejuízos na

linguagem refletem déficits neuropsicológicos: a) na cognição social, como, por

exemplo, no processamento de emoções e de pistas sociais fornecidas por expressões

faciais; falhas na compreensão de intenções com base em pistas não-verbais, e na

realização de inferências sobre os estados mentais de outras pessoas; b) na função

executiva, como, por exemplo, dificuldade de realização de ações apropriadas e de

inibição de ações inadequadas e, ainda, déficit na coerência central (CODY;

PELPHREY; PIVEN, 2002).

As relações cérebro-comportamento no autismo

Nas últimas décadas, teorias cognitivas têm sido propostas e investigadas na

tentativa de compreender a relação entre o cérebro e o comportamento do autista. A

teoria da “fraca coerência central” afirma que o predomínio do processamento

fragmentado da informação sobre o holístico é responsável por muitos dos

comportamentos não-sociais que caracterizam o autismo. A teoria do “sistema límbico”

propõe que déficits em funções psicológicas associadas aos lobos temporais mediais e

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às estruturas límbicas podem explicar os problemas sociais e de comunicação que

caracterizam o autismo (JOSEPH, 1999).

Na década de 1980, Baron-Cohen, Leslie e Frith (1985) apresentaram a hipótese

de que os autistas carecem da habilidade denominada “teoria da mente”. De acordo com

esses três pesquisadores, para as crianças que apresentam esse transtorno, o ambiente

social imediato é incompreensível e imprevisível, e por isso elas tratam as pessoas como

objetos.

A pessoa que tem uma “teoria da mente” consegue inferir estados mentais, ou

seja, crenças, desejos, intenções, idéias e emoções, e por isso é capaz de explicar e

prever comportamentos. Essa habilidade que permite ao indivíduo refletir sobre o

conteúdo de sua mente e de outras pessoas é mediada pelo corpo amigdaloide, pelo

córtex órbito-frontal e pela parte medial do córtex frontal (BARON-COHEN, 2001).

Problemas no comportamento social e na linguagem, observados no autista,

podem resultar de um déficit na “teoria da mente”, que faz com que ele não tenha uma

compreensão intuitiva dos estados mentais, ou seja, daquilo que o outro pensa, sente,

deseja, acredita, duvida, conhece e pretende. Esse déficit leva o autista a não conseguir

compreender o pensamento e o comportamento do outro, assim como situações que

envolvam ironia, linguagem figurada e mentira (CODY; PELPHREY; PIVEN, 2002;

HILL; FRITH, 2003).

O desenvolvimento da abordagem do déficit da “teoria da mente” deu impulso à

visão de que a dificuldade do autista de apreciar a mente de outra pessoa faz parte de

um déficit mais amplo, nos processos de controle executivo (JOSEPH, 1999).

No mesmo ano em que Baron-Cohen, Leslie e Frith (1985) propuseram a

hipótese do déficit na “teoria da mente”, Rumsey (1985) iniciou uma pesquisa pioneira

sobre a função executiva em autistas do sexo masculino, da faixa etária de 18 a 39 anos.

A consciência do mundo sensorial e de si mesmo, e a capacidade de auto-

regulação dos comportamentos, dos pensamentos e das emoções dependem da rede

cerebral executiva. O forte sentimento subjetivo de controle intencional ou voluntário

do comportamento é dado pelo funcionamento adequado do controle executivo

(POSNER; ROTHBART, 1998).

A rede executiva atua quando é preciso resolver problemas, planejar, selecionar

estratégias, tomar decisões, identificar e corrigir erros, enfrentar situações novas,

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difíceis ou perigosas, dominar ou inibir respostas automáticas e autoregular

pensamentos, emoções e comportamentos (HILL; FRITH, 2003; HILL, 2004b).

Todas as tarefas que exigem controle consciente são reguladas pela rede

executiva, como, por exemplo, atividades que envolvam: 1) resolução de conflitos; 2)

controle inibitório (adiamento, focalização e repressão de desejos imediatos ou

impulsos; inibição de respostas preponderantes); 3) detecção e correção de erros; 4)

autoregulação de pensamentos, de emoções e de comportamentos; 5) planejamento e

seleção de estratégias; 6) tomada de decisão (FERNANDEZ-DUQUE; BAIRD;

POSNER, 2000; FERNANDEZ-DUQUE; POSNER, 2001).

Na vida diária, a rede executiva guia as ações quando não existem esquemas

preestabelecidos para atingir um objetivo em particular, como no caso de situações

novas (POSNER; ROTHBART, 1998). Estudos de neuroimagem revelam que as tarefas

executivas ativam a região frontal do cérebro (giro do cíngulo, região dorso-lateral do

córtex pré-frontal e área motora suplementar), o tálamo e os núcleos da base

(FERNANDEZ-DUQUE; POSNER, 2001).

Quando há déficit no controle executivo, a pessoa torna-se mais sensível aos

estímulos externos, o que prejudica a sua capacidade de seleção voluntária de outros

esquemas, além do já ativado. O prejuízo na atenção seletiva provoca distraibilidade,

dificuldades de planejamento e de recordação e, ainda, problemas na autoregulação dos

pensamentos, dos comportamentos e dos sentimentos (FERNANDEZ-DUQUE;

BAIRD; POSNER, 2000).

A região frontal é a última área cerebral a amadurecer no decorrer do

desenvolvimento (HILL, 2004a). Entre a adolescência e a vida adulta, observa-se

redução da densidade da massa cinzenta, o que provavelmente decorre do aumento da

mielinização. Isso parece realçar a importância da maturação da região frontal para a

cognição adulta (SOWELL et al., 1999).

A teoria da “disfunção executiva” considera o autismo uma desordem decorrente

de danos no lobo frontal, pois os seus sintomas são semelhantes aos observados em

pacientes com lesão nessa região cerebral e em indivíduos com distúrbios

neurodesenvolvimentais: transtorno de déficit de atenção, distúrbio obsessivo

compulsivo, Síndrome de Tourette, fenilcetonúria e esquizofrenia (HILL, 2004b).

A hipótese de disfunção executiva no autismo foi testada por Ozonoff,

Pennington e Rogers (1991), que avaliaram um grupo de adolescentes autistas de alto

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grau de funcionamento. Os pesquisadores concluíram que o déficit primário do autismo

é a disfunção executiva, decorrente de dano no córtex pré-frontal.

O córtex pré-frontal, localizado na região frontal, participa da regulação das

funções executivas e do comportamento emocional. É possível que o prejuízo nessa área

explique os sintomas sociais e cognitivos observados no autismo: perseveração,

inflexibilidade, dificuldade de planejamento, impulsividade, prejuízo na comunicação

social, dificuldade de apreciação das regras sociais etc. (HILL, 2004a). Déficits nas

funções executivas podem ser responsáveis pelo pobre desempenho dos autistas em

tarefas que requerem a habilidade da “teoria da mente”, porque exigem a manutenção da

informação em mente e, simultaneamente, a inibição da resposta preponderante

(JOSEPH, 1999).

Dificuldade de planejamento tem sido observada em crianças e adolescentes

com autismo. Planejamento é uma função executiva complexa e dinâmica, que requer

constante monitoramento, reavaliação e atualização de sequências de ações planejadas.

Planejar exige capacidade de estabelecer objetivos, identificar alternativas, escolher

estratégias, colocar o plano em prática e revisá-lo adequadamente (HILL, 2004a).

A falta de espontaneidade, de iniciativa e de aspirações, os comportamentos

repetitivos, a evitação e a aversão às mudanças, observadas no autista, são explicadas

pelo déficit em uma das funções executivas, ou seja, na habilidade de gerar novos

comportamentos e ideais (TURNER, 1999).

O prejuízo na flexibilidade mental leva o autista a ter dificuldade de mudar de

pensamento ou de ação, de acordo com alterações ocorridas na situação. O prejuízo

nessa função executiva pode se manifestar na forma de perseveração, de comportamento

estereotipado e de dificuldade de regular e modular ações motoras. A perseveração pode

decorrer, também, de déficit na função executiva de autoregulação, que compromete a

capacidade de autocorrigir pensamentos e ações, e impede o autista de retirar o foco de

atenção do contexto imediato e de agir segundo mudanças ocorridas no ambiente ou nos

objetivos futuros (HILL, 2004a).

Considerações finais

O autismo foi descrito pela primeira vez há pouco mais de meio século, por Leo

Kanner (1943) e Hans Asperger (1944). Desde então, pesquisadores têm se empenhado

em explicar como amplas anormalidades na estrutura e na organização cerebral levam a

um amplo padrão de sintomas e comportamentos característicos do autismo.

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Há, ainda, muito trabalho a se feito para a completa compreensão das

complexidades do autismo. As novas técnicas de neuroimagem, desenvolvidas no final

do século XX, como, por exemplo, a Ressonância Magnética Nuclear Funcional,

poderão ajudar a elucidar os processos sensorial, perceptual, atencional, emocional e

cognitivo nos cérebros dos autistas. Esses conhecimentos terão aplicações clínicas nas

áreas de intervenção e de diagnóstico precoces.

Referências

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Sugestões de endereços eletrônicos onde o professor poderá encontrar ilustrações sobre o conteúdo tratado neste texto:

Sistema nervoso central. Disponível em: http://www.auladeanatomia.com.

Áreas ou lobos do cérebro. Disponível em: http://www.msd-brazil.com/msdbrazil/patients/manual_Merck/mm_sec6_59.html

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MORI, N. N. R. Autismo, Asperger e escolarização: a história de M. [Prelo].

AUTISMO, ASPERGER E ESCOLARIZAÇÃO: A HISTÓRIA DE M.

Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

O presente texto versa sobre Autismo e Asperger, quadros com características que fazem parte do repertório de M., um aluno da rede pública de ensino e participante de um programa voltado para a pesquisa e intervenção junto a pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e dificuldades de aprendizagem.

Devido a comportamentos como não olhar nos olhos dos outros, não atender a chamados e não falar, por volta de dois anos os pais levaram M. para consultas médicas, nas quais foram levantadas as hipóteses de cegueira e de surdez, mais tarde descartadas.

Aos seis anos, M. foi avaliado pelo serviço de triagem multidisciplinar de uma universidade da capital paranaense e recebeu a seguinte hipótese diagnóstica: “Distúrbio psicossocial significativo, instabilidade emocional e retrocesso à infância". Não é difícil imaginar a decepção da família de parcos recursos que vai do interior até a capital para que alguém explique porque o filho parece surdo, não fala e tem momentos de “ausência” e recebe tal resposta. Na entrevista devolutiva a equipe registrou que a figura materna expressava preocupação e disponibilidade, mas que existiria “uma identificação patológica com a criança” (Síntese da Triagem Multidisciplinar). Segundo a mãe, além de não entender o que foi afirmado, ela ainda ficou com a impressão de ser a responsável pelo problema do filho.

Em 1992, aos onze anos e estudando numa turma de 3a. série de uma escola pública regular, M. foi enviado pela Orientadora Educacional a um pediatra acompanhado de um relatório no qual descrevia a situação escolar do aluno, enfatizando que o seu desempenho só era satisfatório na área de matemática e inadequado em todas as outras áreas; além disso, ela informava que as “ausências”, acompanhados de risos e gestos estranhos, tornavam o aluno alvo de chacota por parte dos colegas. Segundo ressaltou, M. havia tido acompanhamento psicológico “sem, no entanto, obter resultado satisfatório” (Sic).

Aos treze anos a família continuava a não saber qual o problema do filho, ele permanecia na terceira série, e a escola tinha dúvidas quanto a princípios educativos e procedimentos metodológicos a serem adotados com o aluno.

Ainda nesse período, em uma consulta psiquiátrica, M. recebeu um laudo médico com o diagnóstico de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento e a indicação para atendimento pedagógico em sala especial.

O laudo foi feito numa linguagem técnica, de difícil compreensão para a família; em duas páginas datilografadas, o médico apresentou uma síntese do que é o Transtorno e afirmou que o prognóstico “é usualmente muito pobre e a maioria dos indivíduos evolui para um retardo mental grave”. Conforme a mãe, a família ficou assustada com a descrição feita, mas ao mesmo tempo ficou mais aliviada porque agora tinha um nome para os comportamentos do filho. Na trajetória de M. até então, foi a primeira vez que um profissional registrou, por escrito, a hipótese de autismo.

Por um curto período M. freqüentou uma sala de condutas típicas; todavia, graças à insistência da mãe, ele voltou para a escola anterior, continuando, assim, na

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sala comum. Aproximadamente três anos após essa volta, a mãe procurou o PROPAE, solicitando orientações e atendimento psicopedagógico para o filho; assim, M. foi incluído num programa voltado para a pesquisa em educação e diversidade.

Com os estudos ali realizados verificou-se o que o Lorna Wing, em 1981, chamou de tríade de espectros autísticos (apud ASSUMPÇÃO JR., 1995), ou seja, déficits significativos de socialização, comunicação e imaginação, os quais caracterizam tanto os quadros de autismo quanto o de Asperger, sobre os quais discorremos a seguir.

Transtornos do espectro autista

Como há controvérsias quanto à possibilidade de diferenciação entre os dois transtornos, tentamos discutir as características básicas de cada quadro, comparando-os.

A primeira descrição sistemática do autismo foi realizada em 1943, por Léo Kanner. A denominação inicial de distúrbio autístico do contato afetivo foi posteriormente substituída por autismo infantil precoce; a descrição de um quadro clínico com alterações comportamentais específicas deu início a uma nova forma de conceber, pesquisar e diagnosticar as severas desordens mentais infantis.

Os referenciais até então utilizados para classificar essas desordens geralmente eram relacionados à psicose do adulto. O artigo original de Kanner considerava a possibilidade de o autismo ser manifestação precoce de esquizofrenia infantil; ainda hoje há polêmicas sobre a posição nosológica que o autismo deve ocupar nas classificações da psicopatologia.

No DSM-IV (1995), o autismo é classificado como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, caracterizado por prejuízo severo e invasivo nas habilidades de interação social e de comunicação, bem como presença de interesses restritos e comportamentos estereotipados. Para ser assim classificado, o conjunto de sintomas deve se manifestar nos primeiros anos de vida.

No caso do autismo, ele ocorre antes dos três anos de idade e a característica mais referida pelos pais é a falta de interação social; o bebê autista pode apresentar ausência de aninhamento (busca de colo, de aconchego físico), indiferença ou aversão a contato físico, falta de contato visual direto e de respostas ou expressões faciais. Muitas crianças não respondem à voz dos pais e, por isto, frequentemente a surdez é uma das primeiras possibilidades a ser investigada. Na autobiografia de Temple Grandi, uma autista, esses aspectos são assim destacados:

Mas não era apenas a ausência da fala que preocupava minha mãe. Minha voz era inexpressiva, com pouca inflexão e nenhum ritmo. Isso já bastava para me marcar como uma pessoa diferente. Além da dificuldade de fala e da falta de inflexão na voz, eu já era adulta quando consegui pela primeira vez olhar alguém nos olhos. Quando era criança, lembro minha mãe dizendo sempre: “Temple, está me ouvindo? Olhe para mim”. Às vezes eu tentava, mas não conseguia. Os olhos esquivos � tão característicos de muitas crianças autistas � eram outro sintoma de meu problema. E havia outros sinais indicadores. Eu me interessava pouco pelas outras crianças, preferindo meu mundo interior. Era capaz de ficar sentada horas a fio na praia deixando a areia escorrer por entre meus dedos e construindo morros em miniatura. Cada grão de areia me fascinava como se eu fosse um cientista olhando por um microscópio. Noutras ocasiões eu examinava a fundo cada linha da pele dos meus dedos, seguindo-as como se fossem estradas num mapa (GRANDIN, T.; SCARIANO, M. M., p. 28).

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O depoimento de Temple confirma também outras facetas do quadro autístico. Freqüentemente a percepção dos estados emotivos dos outros se encontra bastante prejudicada e o autista não consegue expressar ou interpretar alegria, tristeza, dor, medo e outras emoções.

Pode ocorrer atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada. Em indivíduos que chegam a falar, pode ocorrer uso estereotipado da linguagem, com anormalidade de timbre, entonação ou ritmo. O tom de voz, por exemplo, pode ser monótono ou elevar-se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas; frases podem ser repetidas sem relação com o contexto.

A pessoa autista tem dificuldade para entender metáforas e piadas e as brincadeiras imaginativas, os jogos-de-faz-de-conta não fazem parte do seu repertório.

É comum os autistas manifestarem preocupação e insistirem na rotina de atividades e mesmo de conservação dos objetos do ambiente na mesma posição. Movimentos como balançar o corpo e bater palmas, anormalidades de postura, como caminhar na ponta dos pés e movimentos estranhos com as mãos, quase sempre estão presentes.

Na maioria dos casos de autismo, segundo o DSM IV (1995), existe também um diagnóstico associado de Retardo Mental, em geral na faixa moderada, relativa ao QI (quociente de Inteligência) entre 35-50, o que caracteriza o Retardo Mental Moderado. O transtorno atinge mais os indivíduos do sexo masculino, numa proporção quatro ou cinco meninos para uma menina; todavia, a tendência maior é de as meninas apresentarem um retardo mental mais severo.

Em termos de prevalência, há divergências. No DSM IV, está indicado que a taxa de Transtorno Autista é de 2-5 casos por 10.000 indivíduos. Happé (2003) afirma que o autismo afeta aproximadamente uma a cada mil crianças. Howlin, Cohen e Hadwin (1999) apontam um índice de 8 a 10 autistas para cada grupo de dez mil crianças.

Uma hipótese para as discrepâncias é o fato do DSM IV classificar separadamente o Transtorno de Asperger, considerado por muitos autores como uma variação do autismo.

Em contraste com o autismo, no Transtorno de Asperger não existe um atraso significativo da linguagem, ou seja, são usadas palavras isoladas aos dois anos e frases comunicativas aos três anos. Além disso, o desenvolvimento cognitivo e características como curiosidade acerca do ambiente na infância, estão próximos ao esperado para o desenvolvimento considerado normal.

Para Assumpção Jr (1995, p. 129-130), a relação entre Asperger e Autismo é discutível, com a possibilidade de enquadramento do primeiro no chamado espectro autístico, descrito por Lorna Wing em 1981, com as seguintes características:

(1) Inteligência normal ou próxima da normal;

(2) Desenvolvimento de habilidades especiais, com interesses circunscritos que podem permanecer durante anos excluindo a participação em outras atividades e manifestando-se de forma repetitiva e estereotipada;

(3) Primeiros sintomas observados ao redor do terceiro ano de idade;

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(4) Desenvolvimento de padrões gramaticais elaborados precocemente, porém com superficialidade e forte tendência ao pedantismo, e alterações de prosódia, bem como problemas de compreensão e de comunicação não verbal, ligada a gestos e expressão facial;

(5) Déficit importante no contacto social, com inabilidade no estabelecimento de jogos sociais ou de relações interpessoais, bem como comportamentos inadequados e rotinas estereotipadas e de difícil alteração.

Segundo o autor, a dimensão de bom desenvolvimento intelectual confere melhor possibilidade de desenvolvimento à pessoa com Asperger. De todo modo, tanto no Transtorno Autista como no Transtorno de Asperger, há um déficit importante de socialização, comunicação e imaginação.

Para Happé (2003) a deficiência na chamada tríade de Wing faz com que uma criança autista demonstre seu problema de isolamento não levando, por exemplo, brinquedos para sua mãe, ou não procurando o pai quando está machucado. A criança pode demonstrar sua ausência de imaginação pela total ausência de brincadeiras de faz-de-conta. Em vez de fazer de conta que está lavando um carrinho ou algo semelhante, ela pode passar horas girando as rodas e olhando fixamente para elas. Como explica a autora, diferentemente de uma criança surda que não fala, a criança autista não usa gestos ou expressões faciais para transmitir pensamentos e sentimentos.

M. apresenta Transtorno Autista ou Transtorno de Asperger? Como foi realizada a pesquisa e intervenção psicopedagógica com o aluno e quais os resultados alcançados?

O trabalho desenvolvido com M.

É difícil estabelecer se M. apresenta autismo ou Transtorno de Asperger. Os estudos pautados nos referenciais já citados indicam características mais próximas do segundo quadro. Ao lado de limitações nas áreas de socialização, imaginação e comunicação, ele possui habilidades cognitivas e funcionalidade muito próximas do normal.

Talvez pela convivência de vários anos com seus colegas de escola, ele não era visto como um estranho pelos mesmos. Desde que não houvesse modificações na rotina ou na organização dos móveis da sala, com seu jeito calado e discreto M. pouco chamava a atenção da turma. A pouca capacidade de expressão por meio da palavra era compensada pela habilidade em desenhar carros, paisagens e plantas baixas de casa.

Pelos dados já apresentados na introdução, a vida escolar de M. foi marcada por sucessivas repetências, com séria distorção idade/série. Em termos de apropriação dos conteúdos escolares, a maior dificuldade se devia à dificuldade de concentrar-se no que estava sendo ensinado; qualquer ruído era suficiente para desviar sua atenção. Nesse sentido, foi desenvolvido com ele o Programa de Enriquecimento Instrumental (FEUERSTEIN, 1995). Além da atenção nos aspectos relevantes de cada tarefa, esse conjunto de materiais contribuiu para ajudá-lo a organizar informações. A dificuldade de M. em estabelecer relações entre fatos e objetos sempre foi significativa; contudo, com uma memória prodigiosa, especialmente para imagens e datas, ele parecia ter um arquivo em cujas gavetas guardava dados, especialmente datas e imagens.

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Uma das características das pessoas com Asperger é tentar agir de acordo com o que os outros esperaram dela. Assim diante de situações engraçadas eles podem rir, mas fazer isso por imitação. Elas não acham graça de piadas porque não entendem metáforas, mas podem rir porque outros o fazem. A interpretação literal da falas pode provocar dificuldades na interação social: em um dos encontros com M., dissemos a ele que havíamos ficado "com a cara no chão" (vergonha) por causa de uma situação; por angustiantes minutos ele ficou olhando e buscando alguma coisa no chão.

Frente ao um espelho ou com desenhos de rostos, tentamos ensinar a ele os significados de diferentes expressões faciais humanas. Com os desenhos, os resultados foram bons; quanto ao espelho, não conseguimos que ele estabelecesse contato visual com sua imagem no espelho. Conforme relatos da mãe, até mesmo a barba ele fazia com um pequeno caco de espelho para enxergar apenas onde deveria passar o aparelho de barbear.

Também com as pessoas M. não estabelecia contato visual. Até as cumprimentava com aperto de mão ou gestos comuns entre os adolescentes; todavia, o fazia sem olhá-las nos olhos.

Nos desenhos de M. raramente eram representadas pessoas; quando as desenhava, a ausência de olhos era uma constante. O desenho abaixo faz parte da prova psicopedagógica Família Educativa (VISCA, 2008), cujo objetivo é investigar a representação do sujeito sobre o que os membros do grupo familiar sabem e do modelo de aprendizagem por eles utilizados.

Eu desenhei uma pessoa limpando a casa. No carro duas pessoas, meu irmão e meu pai estão fazendo entrega de máquinas. Eu estou dentro de casa. Eu fiquei com a minha mãe.

Eu aprendi sozinho a mexer com máquina. Meu pai ensinou, eu só olhei e aprendi. Meu irmão arruma Brastemp; eu arrumo a pequena.

Eu não ensinei nada pra ninguém.

Figura 1 : Família Educativa Fonte: Acervo da autora

Sem adentrar em questões específicas da prova expressas no desenho, é interessante observar os mecanismos pelos quais M. desenvolve e demonstra a representação de si e do outro, ou seja, por meio de que manobras compensatórias ele desenvolve uma forma de estar no mundo e de se adaptar a ele (ARAÚJO, 1998). As pessoas são referidas aos pares, ele e a mãe em casa, o pai e o irmão no carro. Ele não aparece, mas afirma estar dentro da casa. Ele representa o interior da casa de

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uma forma bastante complexa: recorta-o e traz para primeiro plano, ao mesmo tempo em que mostra a rua.

É uma forma muito especial de perceber e demonstrar a realidade. Em termos cognitivos, o desenho indica a ocorrência de ilhas de habilidade na memorização de detalhes, orientação espacial, capacidade de projeção e relação figura-fundo, entre outros.

Apreender e desenvolver as habilidades do indivíduo que apresenta a tríade de espectros autísticos é um dos grandes desafios a ser enfrentado pela escola. No caso de M., aprender implicava em formar uma imagem do conteúdo. Esse foi um princípio básico para trabalhar as dificuldades referentes à Física. Por meio de um projeto de pesquisa e ensino desenvolvido por alunos do Programa Especial de Treinamento (PET) do Curso de Física, M. teve a possibilidade de vivenciar de forma lúdica e experimental conteúdos daquela disciplina. Com alunos do PET ele aprendeu o que era ensinado em sala de aula e nos livros de Ramalho Jr, Ferraro e Soares (2003) e Máximo e Alvarenga (2003).

A avaliação da disciplina foi discutida em encontros com a professora, nos quais foi estabelecido que ela elaboraria exercícios semelhantes aos solicitados nas provas, sendo os mesmos resolvidos no atendimento psicopedagógico. Segundo a professora, esse procedimento possibilitaria ao aluno a revisão do ensinado em sala de aula e, ao mesmo tempo, ele faria as provas junto com os colegas.

Como exemplo dessa dinâmica, destacamos a realização de exercícios sobre força elétrica enviados pela professora, após os quais foram feitas experimentações envolvendo pilhas, fios de cobre e bússola para mostrar o campo elétrico atuante.

A atenção voltada para temas como campo elétrico, linhas de força, condutores e isolantes resultou numa profusão de desenhos em que postes e linhas de transmissão elétrica predominavam.

A paisagem

Essa rodovia

chama BR 345. Fica próxima a

cidade de Faxinal do Céu.

Figura 2 : A paisagem Fonte: Acervo da autora

Casas e paisagens como as apresentadas nas figuras 1 e 2 eram temas constantes nos desenhos de M. As fachadas das casas eram muito semelhantes à de

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sua própria casa. O texto produzido após o desenho da paisagem e os relatos de viagens por ele realizadas indica a existência de uma espécie de arquivo fotográfico ao qual ele recorria para demonstrar a sua percepção do mundo. Por outro lado, os novos conteúdos aprendidos eram acrescentados ao acervo. Assim, as mesmas casas e paisagens passaram a apresentar uma profusão de elementos relacionados à eletricidade.

A capacidade de formar e internalizar imagens de fatos e fenômenos estudados era muito difícil ou não se realizava quando o tema eram sentimentos e emoções. Mesmo após um intenso e sistemático trabalho com cartões de expressões faciais e mediações para atribuir sentimentos e emoções a personagens imaginários, os resultados foram bastante limitados.

Em um dos encontros, após discussão sobre as imagens e significados expressos nos cartões, solicitamos que M. imaginasse uma pessoa e escrevesse sobre ela; ele escreveu um texto (1) que evidencia de forma clara a sua dificuldade para atribuir estados mentais a outrem. Na seqüência, propusemos várias frases as quais ele deveria completar e tomar como base para escrever sobre o modo de pensar e sentir da pessoa imaginada. No texto (2) de frases curtas e sem erros, M. fala de uma pessoa com nome, endereço e características físicas; a imagem demonstrada apresenta detalhes concretos, mas é ausente de meta-representação.

Texto 1

O homem

Ele tem 30 anos. Mora em Curitiba. Ele mora só.

Texto 2

O homem

É um homem chamado Zico. Ele tem olhos e cabelos castanhos. É inteligente e magro. Tem apenas 30 anos.

É morador na cidade de Curitiba, no estado do Paraná, na Avenida Paraná, 1525, apartamento 502.

Ele é empresário, trabalha no atacado de confecções.

Figura 3 : Produção e reestruturação de texto Fonte: Acervo da autora

Perissinoto (1995, p. 108) explica que nas crianças comuns a linguagem se processa de modo a avançar de sistemas simbólicos relativamente concretos para outros gradativamente mais abstratos. Esse processo implica, no entanto, na retro-alimentação entre as estruturas internas e externas de linguagem; na criança autista esse processo fica prejudicado, “pois sua estrutura interna de linguagem está alterada e a externa, distorcida”.

Atualmente M. não apresenta ecolalia ou pedantismo, características comuns mesmo nos autistas que alcançam bom nível de desenvolvimento. Todavia, com voz nasalizada e com poucas variações de entonação, ele estabelece conversações sobre temas específicos que o estejam interessando no momento, tais como: data e circunstância da morte de pessoas famosas; preços dos combustíveis nos postos de gasolina existentes no percurso de uma viagem realizada; previsão de tempo atual e de períodos remotos e, mais recentemente, marcas e número de carros que passam nas ruas próximas à sua casa.

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Assim, mesmo com os progressos alcançados em termos de escolarização e desenvolvimento, M. apresenta dificuldades na área de comunicação. As limitações nas capacidades de representação simbólica, no reconhecimento e internalização de sentimentos e emoções levam-no a viver a realidade de forma peculiar, o que se constitui um desafio especial para o sistema educacional.

Nem todas as pessoas com a tríade de espectros autísticos são iguais. Do mesmo modo que cada uma delas tem características próprias e singulares de personalidade, os sintomas típicos são manifestos de maneira específica para cada indivíduo. Não há, portanto, uma receita de intervenção educativa indicada para todos os alunos com déficits significativos de socialização, comunicação e imaginação.

Há, no entanto, um princípio norteador para o sucesso da escolarização de pessoas como M: a combinação entre as potencialidades, necessidades e o tipo de atendimento a ser oferecido. No caso dele, a intervenção esteve voltada para as suas dificuldades e sempre levando em conta as suas ilhas de habilidades, especialmente de memória e representação gráfica.

Aos vinte e três anos, M. terminou o Ensino Médio. Numa época em que tanto se fala em inclusão, é motivo de júbilo que o tenha feito numa turma comum de uma escola pública. Esse fato confirma Bauer (1996), para quem pessoas com as características de M. podem freqüentar as salas regulares, desde que recebam o apoio educacional necessário.

Considerações finais

O trabalho desenvolvido foi fundamental para o sucesso escolar de M.; a convivência com ele foi desafiadora e enriquecedora para os profissionais e acadêmicos envolvidos. Além dos conhecimentos adquiridos, eles vivenciaram a importância da percepção do professor acerca do seu aluno e de como é possível cumprir as exigências do currículo e da avaliação escolar levando em conta a diversidade. Os pais de M. também se constituíram em lição de vida; com crença no potencial do filho, disponibilidade e seriedade para com o atendimento proposto, eles ensinaram à equipe a importância dos vínculos familiares e da interação família e escola.

Atualmente M. participa de um projeto de inclusão digital no Programa de Pesquisa e Apoio à Excepcionalidade (PROPAE), da Universidade Estadual de Maringá. Ele continua ajudando a família no trabalho de conserto de máquinas de lavar e os pais ainda estão avaliando se querem que ele continue a estudar em ambientes escolares formais. As opções são fazer um curso profissionalizante ou buscar o ingresso na universidade e realizar o desejo de ser engenheiro.

Para os profissionais e acadêmicos que participaram dos estudos e intervenção apresentados no presente texto, M. tem condições de cursar, com o devido apoio, um curso universitário. Os pais estão reticentes frente aos obstáculos a serem enfrentados num ambiente educacional novo.

Cabe à família a decisão quanto ao futuro acadêmico de M. Enquanto isso, a equipe trabalha para que M. continue aprimorar as interações sociais e amplie o repertório de opções de materiais e modelos de casas a serem desenhadas com o AutoCAD.

Referências

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ARAÚJO, C. A. Sobre a estruturação da mente no Autismo. Temas sobre Desenvolvimento , São Paulo, v. 7. n. 38, p. 14-21, mai-jun. 1995.

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

ASSUMPÇÃO JR, F. B. Diagnóstico diferencial. In: SCHWARTZMAN, J. S.; ASSUMPÇÃO JR, F. B.. (Org.). Autismo infantil. São Paulo: Memnon, 1995, p. 125-146.

BAUER, S. Asperger Syndrome – Through the Lifespan. New York, The Developmental Unit, Genesee Hospital Rochester, 1995.

FEUERSTEIN, R. Enriquecimento instrumental. Hadassah/Wizo-Canadá, Research Institute, 1995.

GRANDIN, T.; SCARIANO, M. Uma menina muito estranha: autobiografia de uma autista. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

HAPPÉ, F. Compreendendo mentes e metáforas : revelações sobre o estudo da linguagem figurada no autismo. 1997. Disponível em: <http://www.ama.org.br/happe-l.htm> Acesso em 27 jan. 2009.

HOWLIN, P.; BARON-COHEN, S.; HADWIN, J. Teaching children with autism to mind-read: a practical guide for teachers and paren ts . Chichester: John Wiley & Sons, 1999.

MÁXIMO, A.; ALVARENGA, B. Curso de Física . São Paulo: Scipione, 2003.

PERISSINOTO, J. Distúrbios da linguagem. In: SCHWARTZMAN, J. S.; ASSUMPÇÃO JR, F. B. (Org.). Autismo infantil. São Paulo: Memnon, 1995, p. 101-110.

RAMALHO JR, F.; FERRARO, N. G.; SOARES, P. A. Os fundamentos da Física. São Paulo: Moderna, 2003.

VISCA, J. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráfi cas para sua interpretação . Buenos Aires: Visca & Visca, 2008.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – Terceiro Milênio SEÇÃO III–TEMAS PEDAGÓ-

GICOS CAPITULO IXX

DISTÚRBIOS DE COMPORTAMENTO

Nylse Helena Silva Cunha

O atendimento pedagógico da criança portadora de distúrbios severos de

comportamento requer uma estrutura muito bem preparada, desde os espaços e

equipamentos até à equipe especializada. Embora sempre dentro de um grupo, seu

atendimento necessita atenção individualizada. A programação de suas atividades não

pode restringir-se a objetivos voltados para conteúdos programáticos escolares mas deve

estar inicialmente voltada para a melhoria da qualidade de vida da criança, através de

uma melhora de comportamento que facilite sua integração na família e na sociedade.

Para que haja consistência no trabalho desenvolvido é preciso que tenha um

bom embasamento teórico e em uma filosofia educacional que o inspire. A educação é

um processo dialético que acontece como fruto da interação entre seres humanos e

entre eles e as estruturas nas quais estão inseridos. É um processo dentro do qual o

aprender e o ensinar são simultâneos. Assim sendo, para que a instituição possa criar

condições favoráveis e facilitadoras deste processo, que é global, precisa ser um espaço

no qual tudo leve à promoção do desenvolvimento humano. Um espaço que estimule a

manifestação de potencialidades, a integração e o crescimento individual, grupal e

social.

A preocupação com o desenvolvimento deve abranger todas as pessoas

envolvidas, tanto alunos quanto pais, professores, técnicos e funcionários. É muito

mais do a aplicação de métodos ou conhecimentos; trata-se da participação num

processo que inclui uma forma de convivência baseada numa escala de valores

oriunda de uma filosofia de vida.

As estratégias adotadas para o manipulação dos problemas de comportamento,

não só tem que estar coerentes com a filosofia educacional da Escola, mas também não

podem prejudicar o processo terapêutico.

A grande questão da abordagem educacional dos distúrbios de comportamento

pode situar-se no hiato existente entre o processo terapêutico, baseado no pensamento

causal e a prática educacional cotidiana. Os terapêutas, psiquiatras e psicólogos, tem

como foco de seu trabalho as causas geradoras dos distúrbios; com essa finalidade

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realizam um trabalho que pode ser mais profundo e demorado, mas os educadores

lidam com os comportamentos de superfície e tem que enfrentar as emergências que

ocorrem no cotidiano da criança perturbada. O psiquiatra pesquisa as causa do sadismo

de uma criança, mas o educador, terá que resolver a situação da faca apontada para o

coleguinha antes que ela oatinja. A intervenção terá que ser imediata e eficiente, afim de

evitar que a agressão aconteça mas, deverá também ser asséptica para não interferir

negativamente no processo terapêutico.

Esta não é uma tarefa fácil porque exige muito preparo e equilíbrio psicológico

mas, intervenções planejadas podem constituir-se num instrumento terapêutico também.

AS INTERVENÇÕES EDUCACIONAIS

PLANEJADAS

A intervenção pedagógica dentro da Escola, parte de um estudo que abrange a

análise do diagnóstico e dos relatórios psiquiátrico, psicológico, neurológico,

pedagógico e social.

A discussão do caso com a equipe técnica objetiva também a compreensão da

criança enquanto pessoa, o levantamento de suas necessidades e das prioridades para a

elaboração do planejamento e das intervenção. Em outras palavras, é preciso aprender a

criança e apreender suas características.

Para que a atuação educacional não seja uma violência contra sua condição

limitada, deve respeitar suas possibilidades de realização pessoal e sua forma de

expressão. Para isso podemos ter de aprender a respeitar outros padrões estéticos e

culturais.

Esta posição requer não apenas conhecimento sobre a patologia mas também

sensibilidade para identificação de elementos essenciais à preservação da integridade e

do auto-conceito da criança. São também necessários discernimento e disponibilidade

para lidar com situações inusitadas que podem surgir.

A intervenção pedagógica precisará transcender técnicas e estratégias e criar

oportunidades para valorização da condição humana e para formação de vínculos; o

tratamento médico pode estar baseado no diagnósticos das anomalias mas a educação

deve explorar potencialidades .

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As atividades propostas deverão ser bastante significativas, caso contrário não

serão determinantes de equilíbrio físico e emocional ; se forem impostas, poderão

destruir a motivação não somente para aquela atividade mas para a participação também

em outras circunstâncias.

A atmosfera lúdica e afetiva é muito importante para manutenção da alegria e

do entusiasmo. Para que isto seja possível, toda a equipe precisa ter condições

psicológicas especiais e contar com apoio da estrutura técnica e administrativa na

instituição como um todo.

A filosofia educacional que fundamenta o trabalho precisa ter sido

internalizada não só pelos profissionais que atuam mais diretamente com a criança mas

também por todas as pessoas que tenham algum tipo de relação com ela. Para que isto

seja possível, seus princípios e escala de valores devem ser discutidos em grupo,

vivenciados em situação de psicodrama e revisados em sessões de feed-back.

A seleção e a preparação das pessoas envolvidas neste trabalho é fundamental

porque a aplicação de qualquer método ou recurso pedagógico, irá depender de

qualidades pessoais do educador para que se alcançem bons resultados.

O objetivo geral do trabalho é a melhoria da qualidade de vida da criança e de

sua família, para isso. na elaboração do planejamentos é fundamental a seleção de

conteúdos significativos, razão pela qual, é tão importante conhecer o ambiente

familiar e o nível de desempenho da criança em suas atividades de vida diária.

DESENVOLVIMENTO DA

CONCENTRAÇÃO DE ATENÇÃO

O primeiro passo para intervenção, após a observação e o estudo das

peculiariedades da criança,é conseguir direcionar sua atenção, tarefa esta nem sempre

fácil. Nos casos de hiperatividade possivelmente teremos que contar com a ajuda de

uma tratamento neurológico e... ter muita paciência.

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Para o aumento gradativo do nível de concentração de atenção algumas

estratégias podem ser utilizadas:

• intervir no sentido de interromper o alheamento e os comportamentos

estereotipados

• estimular as percepções sensoriais

• sensibilizar a criança para o seu próprio corpo

• procurar despertar o interesse para objetos, atividades ou brinquedos que

proporcionem respostas rápidas

• provocar a focalização do olhar

• explorar qualquer pista de manifestação de interesse

• aprofundar interações

• desafiar concretamente

• proporcionar sucesso no desempenho de propostas bem curtas e ir aumentando

gradativamente, sempre dentro de limites que possibilitem sucesso

• Favorecer o desenvolvimento do auto-controle através da interiorização de

controles externos.

É preciso sempre estar atento para as peculiaridades da criança para poder

maneja-las de forma eficiente e selecionar brinquedos e outros materiais que desafiem

sua atenção. Estas crianças não tem condições de valorizar ganhos futuros, sublimar

frustrações ou adiar satisfações, assim sendo, precisam de jogos que proporcionem

respostas rápidas.

As crianças autistas podem ter dificuldade para fazer associações, para imitar ou

representar mentalmente. Sendo muito seletivos, concentram-se em um único detalhe e

uma pequena mudança no ambiente pode fazer com que não reconheçam mais o todo.

Poderão fazer pareamento de figuras iguais mas não ser capazes de associar a figura ao

objeto representado ou ao seu nome. Os comportamentos estereotipados são bastantes

freqüentes. Algumas vezes os comportamentos estranhos são a única forma de

expressão que a criança que não fala encontra para manifestar-se e sentir-se viva, por

esta razão é tão importante desenvolver algum tipo de comunicação alternativa com ela.

Não basta tentar inibir esses comportamentos, é necessário compreende-los.

Redl e Wineman sugerem algumas técnicas anti-sépticas para intervenções

planejadas que merecemser analisadas:

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1. INDIFERENÇA PLANEJADA

• Avaliar o comportamento de superfície e limitar a interferência aos casos em que

ela seja realmente necessária para impedir que o processo evolua ou contamine o

grupo.

Boa parte do comportamento da criança trazem si mesmo uma carga de

intensidade limitada que desaparece tão logo a carga se esgota.

Algumas vezes o comportamento indesejado surge apenas como um meio de

chamar a atenção e se esvazia ou é redirecionado quando não alcança o objetivo

desejado. Exemplo: Waldir cruza com a diretora no corredor dizendo: “escuta aqui,

porque você não morre de enfarto, hein?” Como ela ficou indiferente, ele falou alto,

para ela escutar: ”Ai meu Deus, se ela morre eu perco a minha melhor amiga!”

2. INTERFERÊNCIA SINALIZADORA

•Às vezes a criança age de forma inadequada apenas porque o seu ego ou super-ego

não estão vigilantes; bastará uma sinalização para que assuma o auto-controle, ou

então pode ter-se deixado seduzir pela vontade de desafiar alguém mas, uma

sinalização enérgica faz com que desista.

Mas existem situações nas quais a sinalização é contra indicada, como por

exemplo quando a relação do adulto com a criança não está boa (é preciso ter crédito

para poder ser respeitado) ou quando o comportamento tem um padrão muito complexo,

por servir a objetivos patológicos.

3. PROXIMIDADE E CONTROLE PELO

TOQUE

Muitas vezes a proximidade de uma pessoa calma e segura dá tranquilidade a

criança; não a presença ameaçadora mas a presença que garante que tudo vai correr

bem. O toque amigo significa que “estou com você”.

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4. PARTICIPAÇÃO NUMA RELAÇÃO

DE INTERESSE

Demonstrar interesse pela atividade que a criança está realizando. As crianças de

ego perturbado parecem necessitar, mais do que as outras, de constante estímulo e da

participação do adulto para a vitalidade de seus interesses.

5. AFEIÇÃO HIPODÉRMICA

Para que o ego ou super-ego mantenha o controle frente a uma onda de

ansiedade ou de impulsos, algumas vezes basta uma súbita quantidade adicional de

afeto. Crianças mais velhas ou normais podem não sentir falta de indicações de afeto

mas as crianças menores ou perturbadas, precisam de uma manutenção afetiva.

Exemplo: Luizinho parava a atividade e vinha rodear a educadora até que ela lhe fizesse

um afago, depois voltava a atividade. Mesmo que a criança não esteja acostumada a

trocas afetivas e que não saiba dar nem receber afeto, a necessidade pode existir e

precisaser atendida porque alguns comportamentos surgem só para conseguir atenção.

6. DESCONTAMINAÇÃO DA TENSÃO

POR MEIO DO HUMOR

A manutenção do bom humor o adulto demonstra que o comportamento

inadequado da criança não o tornou vulnerável. O bom humor neutraliza sentimentos de

culpa ou medo, alivia tensões e abre uma possibilidade de “saída honrosa“. Mas, é

preciso cuidado para não desvalorizar os sentimentos da criança ou contribuir para

desorganizá-la. O humor pode ofender se contiver sarcasmo ou cinismo.

7. AJUDA NOS OBSTÁCULOS

Algumas explosões de agressividade podem resultar do choque da patologia

original com obstáculos frustrantes. Uma ajuda não vai curar a patologia mas pode

evitar uma crise. Nem sempre a atitude tomada é terapêutica mas é preciso evitar crises

que irão contaminar o grupo e desencadear um processo mais intenso. Esta técnica só

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funciona para frustrações provenientes de um bloqueio ou impasse na solução de

problemas mas não para as provenientes de outras patologias.

8. A INTERPRETAÇÃO COMO INTER-

FERÊNCIA

Não se trata aqui da interpretação psicanalítica, baseada em conteúdos

subconscientes mas apenas uma ajuda para a compreensão do que está

acontecendo no momento. Este tipo de intervenção tem mais efeito preventivo

9. REAGRUPAMENTO

Certos comportamentos são desencadeados pela própria constelação psicológica

do grupo; outros podem ser evitados com a inserção da criança num outro grupo. Às

vezes uma criança que agride muito seus colegas do mesmo tamanho, colocado numa

grupo de meninos maiores controla-se mais porque sabe que pode ser arriscado desafiar

um companheiro maior e mais forte.

10. REESTRUTURAÇÃO

Pode acontecer de haver perda de interesse pela atividade em desenvolvimento

ou cansaço pela concentração que ela requer e então surgir um desequilíbrio e o controle

que estava sendo alcançado ser substituído por comportamentos inadequados. Uma

das técnicas para manejar o comportamento-problema que não é causado pela patologia

original mas pela situação, é a reestruturação da atividade com a substituição temporária

por uma estrutura mais facilmente equilibrável.

11. APELO DIRETO

Quando existe possibilidade de controle interno de comportamento por parte da

criança, é sempre preferível apelar diretamente com o sentido de mobiliza-lo do que

usar outros recursos mais drásticos. Mas se a criança considera o adulto como inimigo

ou se não tem noção da conseqüência de seus atos, será inútil verbalizar orientações.

Também se o educador não acredita na eficiência do apelo lidando com crianças

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normais ,certamente não irá identificar as possibilidades de utilizá-lo com a criança

perturbada.

O apelo relacionado a conseqüências de efeito imediato é mais facilmente

compreendido; quando o auto-conceito apresentar algumas melhoras já é possível apelar

para uma relação mais adulta. Alguns enfoques utilizados no controle dos

comportamentos indesejáveis são:

• apelo a um relacionamento pessoal

• indicação sobre conseqüências físicas

• apelo ao superego

• referência à escala de valores do grupo

• orgulho narcisista

• conscientização da reação do grupo

Alguns apelos só podem ser utilizados num relacionamento individual e não seriam

eficientes em situação de grupo.

12. ADEQUAÇÃO DE ESPAÇO E DE

INSTRUMENTOS

Esta técnica pode ser graduada de acordo com a intensidade do problema.

Inicialmente pode ser necessária uma restrição maior, posteriormente ir diminuindo até

extinguir a restrição. A adequação do espaço ao problema de comportamento que a

criança apresenta é fundamental para não propiciar situações de risco assim como a

presença de objetos que possam estimular comportamentos inadequados. Também o

vestuário pode precisar ser adaptado quando se trata de crianças sem condições de

avaliar a conseqüência de seus atos. Um menino que tira os sapatos constantemente, de

forma compulsiva, pode ter de usar um “quédis” bem amarrado, até perder este hábito.

A colocação de chaves nas portas por onde os alunos não devem passar pode ser um

recurso utilizado temporariamente até que o hábito se modifique mas, quando em se

tratando de indivíduos com possibilidade de auto controle, seria um menosprezo ao

autocontrole a utilização de um recurso como este, razão pela qual, é indispensável o

discernimento do educador para saber qual o recurso a ser utilizado.

Este procedimento encontra resistência por parte de alguns educadores mais

rígidos mas, é eficaz no início do processo educacional por que diminui as áreas de

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conflito, assegurando melhores condições até que o processo terapêutico esteja mais

avançado.

Deve ser utilizado apenas provisoriamente.

13. REMOÇÃO ANTI-SÉPTICA

A retirada da criança do grupo é uma medida de emergência, utilizada quando

seu comportamento descontrolado atingiu uma intensidade tal que outras formas de

contenção não foram eficientes.

A retirada pode acontecer em função do direito do resto do grupo a continuar

trabalhando ou em benefício da criança mesma que não está com condições de

permanecer no ambiente. Mas tanto num caso como no outro, ela não pode acontecer

de forma punitiva. A criança é convidada a se retirar por que está sem condições

pessoais de permanecer no grupo mas assim que melhorar poderá voltar. A retirada deve

feita como medida de apoio para ajuda-la a readquirir o autocontrole e não como uma

expulsão por mau comportamento.

O professor do grupo permanece na sala pois se acompanhasse a criança

perturbada estaria de certa forma premiando o comportamento inadequado dando-lhe

atenção especial. Uma outra pessoa a recebe e maneja o seu comportamento com o

sentido de acalma-la. As atividades do grupo continuam sendo realizadas e na maior

parte dos casos, a criança que saiu pede para voltar ao grupo porque quer participar das

atividades.

14 - CONTENÇÃO FÍSICA

Realizada não como castigo mas como uma manipulação anti-séptica. Não levando a

sério a agressividade ressaltamos a irracionalidade do comportamento.

15 - PERMISSÃO E PROIBIÇÃO AUTO-

RITÁRIA

Para influenciar o comportamento de superfície num determinado momento .

Damos a permissão para retirar do comportamento a carga de ansiedade e culpa.quando

a criança está agindo por oposição, tudo perde a graça quando há a permissão. Com isto

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eliminamos também aquele “ar de rebelião triunfal “ e mantemos o comportamento em

nível controlável.

A proibição autoritária é teoricamente indesejável mas funciona em certas

situações, quando o controle parece ter sido perdido. Um “CHEGA” sem hostilidade

mas com firmeza, pode interromper um processo de excitação e facilitar o

redirecionamento

16 - PROMESSAS E RECOMPENSAS

Para que promessas e recompensas sejam eficazes no controle dos comportamentos é

necessário que a criança seja capaz de estabelecer relação entre uma recompensa futura

e os seus atos, o que seria muito difícil para estas crianças.

Provavelmente receberiam a recompensa como uma espécie de “golpe de sorte” e não

como uma conseqüência de seus atos. Considerando-se a curta duração de suas

intenções e a incapacidade de manter resoluções, a promessa de recompensa não

alcançaria resultados profícuos.

Outro fator que tem que ser levado em conta, em se tratando da convivência em

grupo, é a rivalidade, ou seja, a incapacidade de aceitar uma distribuição desigual, de

acordo com o merecimento de cada um. A atribuição de recompensa diferente, ou até

mesmo só em momento diferente, a quem fez jus, não será recebida como ato de justiça

mas sim como uma preferência pelo outro, o que irá aumentar o sentimento de rejeição.

O melhor será sempre que a recompensa seja a própria realização da

tarefa, a aquisição de um novo conhecimento ou a conquista de mais um passo no

caminho do autocontrole. Agindo por motivação intrínseca, o prazer situa-se na

própria

atividade e não se está estimulando o enfoque mais utilitarista da motivação

extrínseca. A abordagem construtivista certamente é mais transformadora.

17 - CASTIGOS E AMEAÇAS

Dentro da Escola Especial a hipótese de castigo não existe, existe sim a

conscientização sobre as conseqüências da ação incorreta. Alem do mais, os castigos

são recebidos pela criança com o sentido de uma vingança pessoal do adulto, como um

ato agressivo de exercício de poder.

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A análise das diferentes formas de intervenção planejada no controle dos

distúrbios de comportamentos abordados, contribui para enriquecer as possibilidades de

atuação correta sobre os comportamentos de superfície dentro da visão terapêutica

psicanalítica, e da abordagem se não construtivista, pelo menos, não behaviorista.

Quando além do distúrbio de comportamento a criança apresentar

deficiência mental acentuada, outros aspectos precisam ser considerados:

• a compreensão do comportamento como forma de expressão de alguém que

não sabe se comunicar

• a escolha de palavras significativas para advertências ou orientações. Não

adianta falar muito, é melhor falar pouco e sempre utilizando as mesmas palavras.

• utilizar linguagem não verbal também

• intervenção em cima da hora em que o fato ocorre, não adianta falar depois ou

fazer ameaças futuras

Convém ressaltar que nenhuma técnica é infalível, dependerão sempre do senso

de propriedade com que forem aplicadas. O conhecimento das técnicas de intervenção é

importante apenas para que o educador disponha de maior número de recursos na sua

prática educacional. mas, são a sensibilidade e a perspicácia da pessoa que as aplica que

orientarão a seleção das estratégias mais indicadas para uma determinada situação.

A manutenção de uma rotina dinâmica e bem estruturada constitui a base sobre a

qual o trabalho educacional se desenvolve. Dentro desta rotina, o estabelecimento dos

Hábitos de Vida Diária são fundamentais.

Grande número de crianças autistas chega à Escola ainda sem controle

esfincteriano e com hábitos alimentares bastante diferenciados, razão pela qual, o treino

das atividades de vida diária é parte tão importante no seu processo educacional. O

estabelecimento de hábitos higiênico, alimentares e posturais corretos é fundamental

para que a criança consiga um nível de desempenho que possibilite sua integração na

família e na sociedade. É necessária a manutenção de uma rotina diária bem estruturada

para que estes hábitos possam ser assimilados e estabelecidos. Um bom instrumento

para registro avaliativo, pode ajudar a família e a Escola a programarem este trabalho

em conjunto.

A rotina é fundamental para a estruturação de um bom programa de atividades

para crianças autistas. Precisa ficar claro para ela o que se espera que faça em cada

ambiente. As crianças se desenvolvem através de sua interação com o ambiente que as

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cerca; como a criança autista se isola, perde muitas oportunidades de estimulação alem

do que, tende a fixar-se em algumas aprendizagens que conseguiu. Por outro lado, pode

não transferir o que aprendeu deixando manifestar certos desempenhos se houver

alguma mudança no ambiente.

Embora o trabalho com estas crianças precise ser estruturado, é importante que

ela tenha períodos livres para fazer o que lhe dá prazer.

AS ATIVIDADES LÚDICAS

Andar, pular, balançar-se, nadar ou brincar na água, podem ser atividades que

dão prazer. Mas, em se tratando de brinquedos, os resultados podem ser bem diferentes

do esperado.

As crianças autistas não apresentam a brincadeira simbólica, não imitam e não

em fantasias. Por não tomarem conhecimento dos outros, não sentem sua falta e não

tem capacidade de lhes atribuir sentimentos, estados mentais ou intenções. Vem daí a

falta de desejo ou fantasia. Tem dificuldade em imitar também por alteração na

aquisição da noção de esquema corporal e por não introjetarem a própria imagem. As

estereotipias de seu comportamento o mantém isolado.

Na BRINQUEDOTECA não reagem como as outras crianças pois não

demonstram interesse pelo ambiente nem pela variedade de brinquedos. Continuam suas

estereotipias, manuseando brinquedos apenas como qualquer objeto que usem em suas

atividades repetitivas não funcionais. Tem atração por objetos que giram e fazem girar

tudo o que podem, de rodas a pratinhos, com grande habilidade. Não percebem o que

eles representam e os utilizam como objetos sensoriais autísticos não diferenciados do

seu próprio corpo.

Na verdade, pode-se dizer que eles não distinguem entre pessoas vivas e objetos

inanimados, entretanto parecem gostar mais de bonecas grandes do que de pessoas,

porque as bonecas são sempre as mesmas, não mudam como as pessoas.

Em razão de sua dificuldade para abstrair e pensar simbolicamente, não são

capazes de imaginar o que os outros sentem. Não chegam ao outro o suficiente para

deseja-lo, sentir sua falta ou imagina-lo, muito menos representa-lo.

Para o autista o brinquedo não é um convite ao brincar mas alguma coisa que

pode servir ou não para ser manipulada de forma estereotipada. “O uso protetor,

indiossincrático de objetos sensoriais autísticos impede a utilização dos objetos segundo

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um modo de brincar normal. Sem brincar e sem vida normal de sensações, o

desenvolvimento mental não é estimulado “ ( Araújo, Ceres ).

É preciso ensinar-lhe o uso funcional dos brinquedos mas teremos que selecionar

brinquedos que proporcionem resposta rápida, aqueles em que basta tocar para que

alguma coisa aconteça pois, como não mantém a atenção concentrada, terão que

encontrar resposta rápida para não desistirem.

Embora sejam hiperativos, podem permanecer bastante tempo em um atividade

que aprendem, por exemplo, encaixar as peças de Lego. Dificilmente irão criar coisas

interessantes mas poderão ficar bastante tempo entretidos em repetir o ato de encaixar

as pecinhas.

É preciso lembrar que o conceito de lúdico está associado ao prazer que é um

sentimento subjetivo, que não pode ser padronizado. Determinadas formas de lazer

podem ser muito desagradáveis para a criança autista, como por exemplo passeios a

lugares novos muito movimentados.

Quando tentamos dar prazer a uma criança autista, precisamos antes entrar em

empatia com ela para captar o que seria adequado a sua forma de expressar-se. Fazer

o que ela está fazendo pode ser um bom começo, uma forma de estabelecer

comunicação . Procurando imitá-la, partiremos da sua sintonia para criar outras

possibilidades.

Brincar é uma forma de expressar-se, é uma atividade que deve começar do

interior da criança. Os brinquedos são um convite ao brincar para aqueles que percebem

sua mensagem ou pelo menos, sua existência. Mas se a criança não percebe o que está

ao seu redor, pouco ou nenhum significado tem para ela. Nestes casos é preciso toca-la

de forma a faze-la perceber o estímulo que o brinquedo poderá oferecer.

Como qualquer outro ser humano, a criança portadora de distúrbios invasivos de

desenvolvimento, precisa ter uma qualidade de vida que, partindo do seu bem-estar

físico, alcance também alguma felicidade, algum prazer de viver. Mas, para isso, as

pessoas que com ela interagem, precisam descobrir o que lhe da prazer para , partindo

desta descoberta, caminhar junto para que ela possa adquirir outros níveis de satisfação

e enriquecer assim sua qualidade de vida.

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Endereço para Correspondência

Rua Pintassilgo 426/85, Bairro Moema, Cep:

04514-032, São Paulo - SP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Araújo, Ceres Alves de – O processo de

individuação no autismo. São Paulo: Memnon, 2000

2. Redl, Fritz e Wineman, David – O tratamento da

criança agressiva; tradução Waltensir Dutra. São Paulo:

Martins Fontes, l986.

3. Schwartzman, J.S. e Assumpção j., F. B. –

Autismo Infantil. São Paulo:Memnon, l995.

4. Winnicott, D. W. – O brincar e a realidade: Rio de

Janeiro: Imago, 1975.

(CUNHA, Nylse Helena Silva. Abordagens Pedagógicas dos Distúrbios de

Comportamento. In: CAMARGOS JR., e Colaboradores. Transtornos Invasivos do

Desenvolvimento – 3º Milênio. Brasília: Ministério da Justiça, Coordenadoria

Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, AMES, ABRA, 2002. (p.

122- 127)).