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    PlatoA Repblica

    Plato nasceu em Atenas por volta do ano 427 a.C. Era de famlia

    Nobre, tinha parentesco com membros do governo aristocrtico dos

    trinta tiranos (404-403 a.C.). Parece ter iniciado seus estudos filosficos

    com o sofista Crtilo, discpulo de Herclito. Entre 18 e 20 anos 399

    a.C. Plato partiu, ento, para Mgara, ao encontro de outro discpulode Scrates, Euclides. Certamente a condenao de Scrates foi um dos

    motivos que o fizeram desgostoso com o mtodo da poltica praticada

    em Atenas.

    De volta a Atenas, iniciou seus ensinamentos filosficos. A convite de

    Dionsio o Velho, foi a Siracusa, no sul da Itlia, onde se relacionou com

    os pitagricos. Suas doutrinas irritaram o tirano que, ao que parece,

    mandou vend-lo como escravo no mercado de Egina, de onde foi

    resgatado por um cirenaico.

    Novamente em Atenas, fundou a Academia, escola destinada

    investigao filosfica, e dirigiu-a pelo resto da vida, ali os alunos

    deviam aprender a criticar e pensar por si mesmos, em vez de aceitar as

    ideias de seus mestres, como disse, esta considerada a primeira

    http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://api.ning.com/files/pq89zfzBJvOe0uc7ruR*jrJCczGTp5g6tiqvm3f33g*jAAuXCTmvNhb6ZmM3lmQs8C3lGM*xwx6iRGlekRv1bSWVpYKAX8UA/platao1.jpg&imgrefurl=http://cafehistoria.ning.com/profile/JonesPoggiandeSouza?xg_source=activity&usg=__qVkuoFyDyfiMXTlWImgwWunf6JI=&h=600&w=429&sz=43&hl=pt-PT&start=5&um=1&tbnid=1PI23NT1w1X0jM:&tbnh=135&tbnw=97&prev=/images?q=plat%C3%A3o&hl=pt-PT&rlz=1W1GFRE_pt-PT&sa=N&um=1
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    universidade, a Academia de Plato adquiriu grande prestigio, a ela

    acorriam numerosos jovens e at homens ilustres.

    O convite de Dionsio o Jovem, sucessor do tirano de Siracusa,

    empreendeu uma segunda viagem Siclia com o objectivo de pr em

    prtica suas ideias de reforma poltica, mas retornou a Atenas quando

    seu protector caiu em desgraa. Sua terceira viagem ao sul da Itlia, a

    convite do mesmo Dionsio, culminou em fuga, por estar implicado nas

    lutas polticas do estado. Aps essa viagem, Plato permaneceu em

    Atenas at a morte aos 81 anos, em 347 a.C.

    Uma das suas obras mais importantes so A republica.

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    Anlise da obra

    No sculo IV a.C., em data imprecisa, surgiu em Atenas a primeira

    concepo de sociedade perfeita que se conhece. Tratou-se dodilogo A Repblica (Politia), escrito por Plato, o mais brilhantee conhecido discpulo de Scrates. As ideias expostas por ele - osonho de uma vida harmnica, fraterna, que dominasse para sempre ocaos da realidade - serviro, ao longo dos tempos, como a matrizinspiradora de todas utopias aparecidas e da maioria dos movimentosde reforma social que desde ento a humanidade conheceu.

    Essa a obra mais importante de Plato. Nela ele expe suas principaisideias. Ali est descrito o Mito da Caverna, o que um filsofo e como uma sociedade justa entre outras ideias-EmA Repblica, Plato idealiza uma cidade, na qual dirigentes eguardies representam a encarnao da pura racionalidade. Nelesencontra discpulos dceis, capazes de compreender todas as rennciasque a razo lhes impe, mesmo quando duras. O egosmo estsuperado e as paixes, controladas. Os interesses pessoais se casamcom os da totalidade social, e o prncipe filsofo a tipificao perfeitado demiurgo terreno. Apesar de tudo isso e desse ideal de Bemcomum, Plato parece reconhecer o carcter utpico desse projecto

    poltico, no final do livro IX de A Repblica.

    Tendo em vista esse ideal, o trabalho manual continuava no valorizadono mbito da cidade-estado. A classe dos trabalhadores no era classecidad, pois no lhes sobrava tempo para a contemplao terica daverdade e para a prxis poltica. Para Plato, o ideal humano serealizava na figura do cidado filsofo, livre das incumbncias dasobrevivncia, constituindo um ideal altamente elitista.

    Para alm de todas as utopias da sua repblica ideal, da figura dos reisfilsofos, devemos apreciar o ideal tico de Estado e o esforo de Platopara desvendar os vnculos que ligam os destinos das pessoas ao

    destino da cidade.

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    A Repblica comea com um sofista, Trasmaco, declarando que afora um direito, e que a justia o interesse do mais forte. Asformas de governo fazem leis visando seus interesses, e

    determinam assim o que justo, punindo como injusto aquele quetransgredir suas regras. Para responder a pergunta"Como seriauma cidade justa?", Scrates comea a dialogar, principalmente comGlucon e Adimanto. Plato salienta que a justia uma relao entreindivduos, e depende da organizao social. Mais tarde fala que justia fazer aquilo que nos compete, de acordo com a nossa funo. A justiaseria simples se os homens fossem simples. Os homens viveriamproduzindo de acordo com as suas necessidades, trabalhando muito esendo vegetarianos, tudo sem luxo. Para implantar seu sistema degoverno, Plato imagina que deve-se comear da estaca zero. O primeiropasso seria tirar os filhos das suas mes. Plato repudiava o modo devida com a promiscuidade social, ganncia, a mente que a riqueza, oluxo e os excessos moldam, tpicos dos homens ricos de Atenas. Nuncase contentavam com o que tinham, e desejavam as coisas dos terceiros.Assim resultava a invaso de um grupo para o outro e vinha a guerra.

    Plato achava um absurdo que homens com mais votos pudessemassumir cargos da mais alta importncia, pois nem sempre o maisvotado o melhor preparado. Era preciso criar um mtodo para impedir

    que a corrupo e a incompetncia tomassem conta do poder pblico,Mas atrs desses problemas estava apsychehumana, como haviaidentificado Scrates, Para Plato o conhecimento humano vem detrs fontes principais: o desejo, a emoo, e o conhecimento, quefluem do baixo ventre, corao e cabea, respectivamente. Essasfontes seriam foras presentes em diferentes graus de distribuio nosindivduos. Elas se dosariam umas s outras, e num homem apto agovernar, estariam em equilbrio, com a cabea liderandocontinuamente. Para isso, preciso uma longa preparao e muita

    sabedoria. O mais indicado, para Plato, o filsofo: "enquantoos filsofos deste mundo no tiverem o esprito e o poder dafilosofia, a sabedoria e a liderana no se encontraro no mesmohomem, e as cidades sofrero os males".

    Para comear essa sociedade ideal, como dissemos, deve-se tirar osfilhos dos pais, para proteg-los dos maus hbitos. Nos primeiros dezanos, a educao ser predominantemente fsica. A medicina serve spara os doentes sedentrios das cidades. No se deve viver para a

    doena. Para contrabalanar com as actividades fsicas, a msica.

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    A msica aperfeioa o esprito, cria um requinte de sentimento e molda

    o carcter, tambm restaura a sade.

    Para Plato, a inspirao e a intuio verdadeira no se conseguem

    quando se est consciente, com a razo. O poder do intelecto estreprimido no sono ou na ateno que aflora com a doena. Ele entocritica o controlo da lei e da razo certos instintos que ele chama deilegaisDepois dos dezasseis anos, e de misturar a msica para lies musicaiscom a msica pura, essas prticas so abandonadas. Assim osmembros dessa comunidade teriam uma base psicolgica e fisiolgica. Abase moral ser dada pela crena em Deus. O que torna a nao forteseria Ele, pois ele pode dar conforto aos coraes aflitos, coragem s

    almas e incitar e obrigar. Plato admite que a crena em Deus no podeser demonstrada, nem sua existncia, mas fala que ela no faz mal, sbem.

    Aos vinte anos, chegar a hora da Grande Eliminao, um teste prticoe terico, Comea a diviso por classes da Repblica. Os que nopassarem sero designados para o trabalho econmico. Depois de maisdez anos de educao e treino, outro teste. Os que passaremaprendero o deleite da filosofia. Assim se dedicaro ao estudo da

    doutrina e do mundo das Ideias.O mundo das Ideias seria um mundo transcendente, de existnciaautnoma, que est por trs do mundo sensvel. As Ideias so formaspuras, modelos perfeitos eternos e imutveis, paradigmas. O quepertence ao mundo dos sentidos se corri e se desintegra com a acodo tempo. Mas tudo o que percebemos, todos os itens so formados apartir das Ideias, constituindo cpias imperfeitas desses modelosespirituais. S podemos atingir a realidade das Ideias, na medida emque pelo processo dialctico, nossa mente se afasta do mundo concreto,

    atravessando com a alma sucessivos graus de abstraco, usandosistematicamente o discurso para se chegar essncia do mundo. Adialctica um instrumento de busca da verdade.

    Plato acreditava numa alma imortal, que j existia no mundodas Ideias antes de habitar nosso corpo. Assim que passa a habit-lo esquece das Ideias perfeitas. Ento o mundo se apresenta a partir deuma vaga lembrana. A alma quer voltar para o mundo das Ideias. Umdos primeiros crticos de toda essa teoria de Plato foi um de seusalunos da Academia, Aristteles.

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    Igualmente conhecida naRepblica aalegoria da caverna, queilustra como percebemos apenas parte do mundo, reduzindo-o.Um grupo de pessoas vive acorrentada numa caverna desde que

    nasceu, de costas para a entrada. Elas vem reflectidas naparede da caverna as sombras do mundo real, pois h umafogueira queimando alm de um muro, depois da entrada. Elasacham que as sombras so tudo o que existe. Um dos habitantesse livra das amarras. Fora da caverna, primeiro ele se acostumacom a luz, depois v a beleza e a vastido do mundo, com suascores e contornos. Ao voltar para a caverna para libertar seuscompanheiros, acaba sendo assassinado, pois no acreditamnele.Depois de estudar a filosofia, aqueles que forem considerados aptos irotestar seus conhecimentos no mundo real, onde experimentaro osdissabores da vida, ganhando comida conforma o trabalho,experimentando a crua realidade. Aos cinquenta anos, os quesobreviveram tornaram-se os governantes do Estado.Todos tero oportunidades iguais, mas na eliminao sero designadospara classes diferentes. Os filsofos-reis no tero nenhumprivilgio, tendo s os bens necessrios, sero vegetarianos edormiro no mesmo lugar. A procriao ser para fins eugnicos,o sexo no ser apenas por prazer. Haver defensores contra

    inimigos externos, os guardies, homens fortes, dedicados comunidade. No haver diferena de oportunidade entre o sexo,sendo cada um designado a fazer uma tarefa de acordo com a suacapacidade.Plato fala da renncia do indivduo em prol da comunidade, impondoinmeras condies para a vida. Ele atenta para um problema muitopreocupante em nossos dias: a superpopulao. Os homens spoderiam se reproduzir entre os trinta e quarenta e cinco anos, e asmulheres entre os vinte e quarenta anos. Tambm a legislao de

    Esparta, que muito inspirou Plato, e a proposta de Aristteles naPoltica levam em conta este aspecto. Assim, resumidamente seria oEstado ideal, justo. O prprio Plato fala de dificuldade em se fazem umempreendimento dessa natureza. Um rei ofereceu ele terras para fazersua Repblica, ele aceitou, mas o rei ficou sabendo que quem iriagovernar eram os filsofos e mudou de ideia.Apesar do ttulo, A Repblica(em grego: Politia), Plato nesta obra notem como ponto principal a reflexo sobre teoria poltica. Nesta obra, ofilsofo lida sobretudo com as questes em torno da paidia, a formao

    grega, na tentativa de impor uma orientao filosfica de educao emoposio paidia potica ento vigente. Outro alvo que tem em vista

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    a carreira que os sofistas vinham desenvolvendo como educadores que,com sua retrica, preparavam os cidados a saberem argumentar nosembates democrticos da gora. No tinham, portanto, umcompromisso com a verdade - seus argumentos giravam em torno das

    percepes, opinies e crenas - a doxa. A repblica ideal seria mais umresultado da paidia filosfica que Plato tenta fundamentar e proporcom seus argumentos nesta obra do que o tema central daargumentao em si. Apenas um tero dos dez livros de A Repblica,aproximadamente, tratam da organizao e fundamentao filosfica daplis especificamente. O tratamento dado s questes por Plato acabapor se tornar sistematizado por aqueles que adoptam sua teoria, apartir do qu o pensamento no ocidente se torna uma sucesso desistemas tericos. Isso nos leva a consider-lo o "pai" da filosofia, aomenos da filosofia enquanto pensamento sistematizado.

    Estrutura da obra

    A Repblicapertence, juntamente com o Banquete (Simpsio), o Fdon eo Fedro, maturidade de Plato. a obra mais extensa do autor. Foielaborada ao longo de vrios anos, pois nela j esto presentes as ideiasmestras de seu sistema: Teoria do Mundo das Ideias (Hiper Urnio); o

    Filsofo Rei, a imortalidade da alma, etc. Seu estilo, como a maioria dasdemais obras de Plato, o dilogo, isto , um processo de discusso(dialctica) atravs de perguntas e respostas com o escopo de atingir averdade (VII-534b). Composta por dez livros, inicia-se e termina com adiscusso em torno da justia como virtude maior, na consecuo deum Estado perfeito.

    Seguindo a tradio da didctica grega, aqui Plato lanar mo daalegoria (Livro VII) e do mito, com o objectivo de ir alm daquilo que a

    razo (logos) pode descrever, sobretudo quando trata de assuntosescatolgicos como no Mito de Er (X. 614b-621b).

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    Personagens

    Mencionar as figuras da Repblica necessrio tanto para a

    compreenso desta obra de Plato, assim como para destacar aimportncia de outros pensadores que formaram o pensamentofilosfico grego.

    Scrates- Principal figura, na boca do qual Plato coloca seupensamento. O encontro de Scrates com os demais personagens se dno Pireu, onde ele havia se dirigido com a finalidade de orar e constataras festividades em honra deusa Bndis (Diana ou rtemis) (327a). Olocal da discusso a casa de Polemarco, irmo de Lsias e Eutidemos,

    filhos do velho Cfalo (327b).

    Acompanham Scrates os dois irmos de Plato, Glauco e Adimanto;tambm Mecenato que figurar entre os personagens do Banquete. Esteera filho do general Ncias que, em 421, celebrou o armistcio na guerrado Peloponeso. Nicerato foi condenado a beber cicuta no mesmo perodoque Scrates.

    Polemarco- Filho mais velho de Cfalo, herdou deste a fbrica deescudos. poca dos Trinta Tiranos, foi tambm preso e obrigado abeber cicuta.

    Lsias- Considerado juntamente com Demstenes, um dos mestres daoratria clssica grega, foi condenado morte com o irmo Polemarco.Conseguiu escapar e, ao regressar, processou Eratstenes pela mortedo irmo, no clebre sermo Contra Eratstenes. nessa obra quedescreve a vida de seu pai Cfalo.

    Cfalo-Nasceu em Siracusaportanto, era meteco -, estabeleceu-seem Atenas e aps trinta anos acumulou fortuna com uma fbrica deescudos; foi desapropriado pelos Trinta Tiranos. Cfalo que convidaScrates a vir com frequncia em casa para debater com seus filhos(329d).

    Trasmaco- o famoso sofista. Especialista na dialctica, irrita-secom a ironia de Scrates, no incio da discusso sobre a Justia (336d.337a). Definir a justia como a convenincia dos mais poderosos(340b).

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    Contedo

    O prprio ttulo da obra, Politia, pode trazer embarao quanto aocontedo, se no for esclarecido. Traduzida comumente pelo latimRepblica (de respblica = coisa pblica), politia indica tudo aquiloque compe a origem e organizao da Polis, as suas leis, o modusagendide seus sbditos, as formas de governo, etc. Devido a essaabrangncia de significados, os temas tratados so os mais variados.Decorre da a quase impossibilidade de uma resenha completa.

    Livro I- aponta Scrates obrigado a pernoitar na casa de Polemarco ea inicia seu dilogo com Cfalo. Primeiro, Cfalo que o convida a virmais vezes a ter com os filhos Polemarco, Lsias e Eutidemo. Em tomrespeitoso, Scrates pergunta sobre a velhice, ao qual Cfalo respondesobre as agruras da senectude e, citando Sfocles, indica que o mal no a velhice em si. Ser velho ou jovem, tudo depende do carcter:Quando se possui boa ndole e mente bem equilibrada, a prpriavelhice no algo incompactvel. Os que so diversamenteconstitudos, esses acham a mocidade to tediosa quanto a velhice.

    (329d)

    Logo Scrates conduz o dilogo ao seu objectivo primeiro: definir o que a justia (Dikaiosyne), e Cfalo a dar a primeira definio: Justia dizer a verdade e restituir o que se tomou (331c). Cfalo se retira dodilogo deixando o posto ao seu filho herdeiro Polemarco. Este define aJustia como dar a cada um o que lhe devido; Scrates o retrucacom ironia: deve-se restituir algo a algum que est fora do juzo?Adiante, faz ainda Polemarco afirmar que a Justia favorecer aosamigos e prejudicar os inimigos, ao que o prprio Scrates rebate: Sealgum disser que a Justia consiste em restituir a cada um aquilo quelhe devido, e com isso quiser significar que o homem justo deve fazermal aos inimigos, e bem aos amigosquem assim falar no sbio,porquanto no disse a verdade. Efectivamente, em caso algum nospareceu que fosse justo fazer mal a algum (335e).A esta altura do dilogo, entra em cena o sofista Trasmaco que, apscobrar pela discusso, define a justia como o interesse do mais forte.Algo que depende do interesse de quem governa. Tirando assim, comosofista que era, toda dimenso tica da justia (338c).

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    A definio de justia ocupar ainda os livros II, III e IV. Scratesalarga o campo da discusso, no relaciona a justia com o cidado,mas a coloca no contexto da cidade. Entram em cena Glauco e

    Adimanto, irmos corajosos de Plato. Estes tentam demonstrar abondade intrnseca da virtude (justia) e no s os seus efeitos. A estaaltura, Scrates estabelece a origem da Polis a partir do fato de cadaum de ns no ser auto-suficiente, mas sim necessitado de muita coisa(369b). Apontando os profissionais necessrios para suprir todas asexigncias de uma cidade, descreve como uma cidade minsculatornar-se- grande e luxuosa, com a necessidade de classes de cidadosespecializados em seus ofcios. D-se incio a um dos temas relevantesda Repblica: a educao

    Scrates fala primeiro do aprimoramento da educao dos soldados quese dar atravs da ginstica para o corpo e da msica para a alma(276c), iniciando pela msica. Deve-se peneirar as letras das msicas(poesia, fbulas) porque estas contm somente parte da verdade e comisso deturpam a alma; portanto, devem sofrer uma censura constante,inclusive a Ilada (379...), onde atribui-se aos deuses tanto o bemquanto o mal. Este tipo de poesia dever ser banido da educao dosfuturos guardies (383c). No s a poesia/msica, mas todas as demaisartes devero ser vigiadas. Esta censura constitui parte do livro III.

    Livro IV - Scrates, dando por fundada a cidade, questiona: ondepoder estar a justia, e onde a injustia, e em que diferem uma daoutra (427d). Para vir tona o lugar da justia, enumeram-se asvirtudes que uma cidade perfeita deve possuir; estas formam umasinfonia- em primeiro est a sabedoria (Sofia), virtude dos quegovernam; segue-se a coragem (Andreia), que a virtude dos guerreiros:, pois, uma fora desta ordem, salvao em todas as circunstnciasde opinio recta e legtima, relativamente s coisas temveis e s queno o so, que eu chamo coragem e tenho nessa conta, se no tensnada a opor. (430b) Vem em seguida a temperana (sofrosine). avirtude de toda a cidade, e no de uma classe especfica; consiste naordenao, no domnio diante dos excessos, a concrdia, harmoniaentre os naturalmente piores e os naturalmente melhores, sobre aquesto de saber quem deve comandar, quer na cidade, quer numindivduo (432a). Por ltimo, surge a mais importante das virtudes ecausa das demais: a justia (dikaiosyne). E esta consiste em que cada

    um realize a funo para a qual a sua natureza for mais adequada (433a-b-c-d).

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    Lembras-te daquele princpio original em que sempre insistamosdurante a fundao da cidade: o de que um homem deve atender a umacoisa s, isto , aquilo para que a sua natureza est melhor dotada?

    Pois a justia este princpio... Podemos presumir que, de certo modo,a justia consiste nisso: em fazer cada qual o que lhe compete... Esta a causa primeira e condio de existncia de todas as outras trsvirtudes, e que as conserva enquanto nelas subsiste. (433 a-b-c).

    Livro V- a pedido de Polemarco, Scrates retoma o tema jmencionado (423 e 424) da posse comum das mulheres e filhos entreos guardies (449d). Preocupado com a purificao da raa (eugenia) e

    com o adestramento (eutenia), prope para tal fim, que as mulheres dosguardies se revestiro de virtude em vez de roupa (457a-b),participaro das agruras da guerra em defesa da cidade, praticaroginstica e msica. Estas mulheres todas sero comuns a todos esseshomens, e nenhuma coabitar em particular com nenhum deles; e, porsua vez, os filhos sero comuns, e nem os pais sabero quem so osseus prprios filhos, nem os filhos os pais. (457d).

    Todo esse processo eugnico tem por fim a realizao do Estado Ideal,

    governado por filsofos e guardies que jamais devero se distrair desuas principais ocupaes. Obstinado em tal propsito, Scrates chegaa excluir qualquer valor ao amor materno ou paterno, antepondosempre os objectivos do Estado (460-461). Admite-se o aborto e oinfanticdio quando ocorrerem concepes fora do estabelecido peloEstado (461c)

    Livro VI-inicia com a distino entre quem que filsofo e quemno o (484 a): Filsofos, responde Scrates, so aqueles que socapazes de atingir aquilo que se mantm sempre do mesmo modo, osque no o so se perdem no que mltiplo e varivel (484b). Como asleis e os costumes do Estado devem reflectir o eterno, somente osfilsofos, capazes de conceber as ideias eternas, deve ser estabelecidosguardies por serem capazes de guard-las.

    A alma filosfica ao contemplar a totalidade do tempo edo ser (486a),

    colocar a prpria vida e a morte em segundo plano e se apaixonarpelo saber que possa revelar-lhe algo daquela essncia que existe

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    sempre, e que no se desvirtua por aco da gerao e da corrupo

    (485b).

    crtica da inutilidade do filsofo na cidade, Scrates responde que este analogamente o mdico diante dos doentes e o piloto diante dos

    marujos.

    Livro VII-tratar-se- da educao do futuro governo-filsofo.Todas as quatro virtudes (sabedoria, coragem, temperana ejustia) sobre as quais deve ser construdo o Estado Ideal, s soconhecidas, teis e valiosas a partir da ideia de Bem. Assim, aideia do Bem constitui-se no mais alto saber, ao qual os guardies

    devem aspirar e serem conduzidos. mediante tal ideia que tudo setorna compreensvel: ... No limite do cognoscvel que se avista, acusto, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela para todos a causa de quanto de justo e belo h; que, no mundo visvel,foi ela que criou a luz, da qual senhora; e que, no mundo inteligvel, ela senhora da verdade e da inteligncia, e que preciso v-la para sersensato na vida particular e pblica (517 a-b-c).

    Mas, para que o guardio, futuro filsofo-rei, atinja o Bem, preciso

    sair da caverna econtemplar o Sol. no livro VII que est a alegoriada caverna, a mais sugestiva imagem da Repblica, que trata dosnveis do conhecimento humano (514-a. 518-b).

    Livros VIII e IX- Scrates descreve as transformaes que as formasde governo podem sofrer e recapitular as regras do Estado Comunista,onde os governantes, assim como os soldados e atletas, possuiro tudoem comum (mulheres, filhos, casas e educao).

    A forma ideal de governo a aristocracia (544e), comandada poraqueles que amam o saber, o bem e o justo. Mas, se tudo o quenasce est sujeito corrupo, nem uma constituio como essapermanecer para sempre, h de dissolver-se (546a). Atravs deum complicado clculo geomtrico, Scrates faz ver que h umafalha eugnica (exemplificada pela mistura indevida de metais)(547a); o amor justia substitudo pelo amor ao poder e riqueza; assim, ocorrer a Timocracia, uma forma de governo

    entre a aristocracia e a oligarquia (547c). A esta sucede aoligarquia, governo dos que amam o dinheiro (551a). Ao legislar

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    em favor s de uma classe, a dos ricos, esta forma de governocausar a ciso do Estado: que um Estado desses no um s,mas dois... o dos pobres e o dos ricos, que habitam no mesmolugar e esto sempre a conspirar uns contra os outros (551 d).

    Termina o amor virtude. O Estado entra em luta consigo mesmo:um partido de poucos muito ricos e outro de muitos pobresestaro em guerra, prevalecendo o ltimo: A democracia surge...quando aps a vitria dos pobres, estes matam uns, expulsamoutros, e partilham igualmente... o governo e as magistraturas, eesses cargos so, na maior parte, tirados sorte (557a). Tendo aliberdade por base, na democracia ocorrer a ausncia dequalquer exigncia e o desprezo pelos princpios. A democraciaconduz anarquia: Estas so as vantagens da democracia: umaforma aprazvel, anrquica, variegada, e que reparte a suaigualdade do mesmo modo pelo que igual e pelo que desigual(558c). Ao exasperar a liberdade como bem supremo, eliminam-seat as diferenas impostas pela natureza e, assim, a liberdade emexcesso no conduz a mais nada que no seja a escravatura emexcesso, quer para o indivduo, quer para o Estado (564 a). Edessa forma surge a Tirania: do cmulo da liberdade surge amais completa e mais selvagem das escravaturas (564b). Primeiro,instaura-se a anarquia, e dessa situao aproveita-se o tiranoque, de pretenso defensor da ordem, transforma-se em lobo,

    impondo a fora sobre todos. o reino da injustia.

    No final do livro IX, Glauco questiona que tal Estado Ideal, comoScrates prope, utpico, jamais existir. Este Estadopermanecer como modelo eterno a ser contemplado: Talvez nos

    cus haja algum modelo para algum que deseja consult-lo e porele modelar a conduta da prpria alma, a resposta de Scrates.

    Livro X- no incio do livro Scrates retoma a crtica poesia comomeio educativo. A poesia no revela as coisas como so, mas como numespelho, nos revela s a aparncia; e da natureza humana descrevesomente o trgico e o triste. A poesia, enfim, est a trs passos darealidade ( ). Dever ser excluda da Cidade uma arte dessa espcie(607b), pois seria prejudicial justia e s demais virtudes (608b).Scrates d a entender que a poesia deva ser substituda pela filosofia,como meio educativo, pois somente esta pode nos revelar, na sua forma

    dialctica, o que a realidade de fato.

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    O restante do livro X constitui uma exortao prtica do Bem, ou seja,da justia e das demais virtudes. Scrates recorre ao discursoescatolgico atravs do mito de Er, onde fala da recompensa no psmorte: afinal, a vida um grande combate (megas agon), meu caro

    Glauco, mais do que parece, o que consiste em nos tornarmos bonsou maus. De modo que no devamos deixar-nos arrebatar porhonrarias, riquezas, nem poder algum, nem mesmo pela poesia,descurando a justia e as outras virtudes (608b).

    Concluindo a Repblica, Scrates trata da imortalidade da alma e tentaequacionar o destino com a responsabilidade. Retornando s figurasdas trs Parcas: Laquesis (passado), Cloto (presente) e tropos (futuro),as filhas da Necessidade, Scrates folga os laos do frreo destino,defendido pelo pensamento grego anterior: No o gnio que vosescolher, mas vs que escolhereis o gnio. O primeiro a quem a sortecouber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficar ligado pelanecessidade. A virtude no tem senhor; cada um a ter em maior oumenor grau, conforme a honrar ou a desonrar. A responsabilidade dequem a escolhe. O deus isento de culpa (617 e).

    Assim, como impossvel a algum descrever todos os detalhes de umaobra de arte, analogamente nesta resenha no foi possvel transmitirtudo sobre a Repblica que esta sirva ao menos como convite

    leitura e contemplao desta obra-prima do gnio grego.

    O Sonho de Plato

    No sculo IV a.C., em data imprecisa, surgiuem Atenas a primeira concepo de sociedadeperfeita que se conhece. Tratou-se do dilogo"A Repblica" (Politia), escrito por Plato, o

    mais brilhante e conhecido discpulo deScrates. As ideias expostas por ele - o sonhode uma vida harmnica, fraterna, quedominasse para sempre o caos da realidade -serviro, ao longo dos tempos, como a matrizinspiradora de todas utopias aparecidas e damaioria dos movimentos de reforma social quedesde ento a humanidade conheceu. O mestre e o discpulo

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    Plato e a democracia

    O filsofo Plato (428-347 a.C.) foi um dos maiorescrticos da democracia. do seu tempo. Pelo menosdaquela que era praticada em Atenas e que eleconheceu de perto. Nascido em uma famlia ilustreque se orgulhava de descender do grandereformador Slon, Plato, como ele mesmo explicouna conhecida VII Carta, terminou desviando-se dacarreira poltica devido ao regime dos "TrintaTiranos", derrocado em 403 a.C. Um dos seusparentes prximos havia exercido elevadas funesdurante aquela tirania, que, apesar da sua curta

    durao, foi extremamente violenta, perseguindo os adversrios de

    maneira incomum para os costumes gregos. Fato que lanou suspeitassobre toda a sua famlia, inclusive atingindo o jovem Plato, quando ademocracia foi restaurada. Mas o fator decisivo da averso dele democracia deveu-se ao julgamento e condenao a que foi submetidono arepago o seu velho mestre, o sbio Scrates. Que , como sabido,foi injustamente acusado de impiedade e de ter corrompido a juventudeateniense, educando-a na suspeio dos deuses da cidade. Caso clebreacontecido no ano de 399 a.C. e que culminou com Scrates sendoobrigado a beber a cicuta (veneno oficial com que se executavam oscondenados em Atenas). Esse crime jurdico que vitimou o amvelancio fez com que ele passasse a se dedicar, entre outras coisas,

    busca de um regime poltico ideal, que evitasse para sempre apossibilidade de reproduzir-se uma injustia como a que vitimou ovelho sbio.

    Os dilogos, obra dramtica

    Plato, como grande estilista da lngua grega que era, dotado deextraordinrio censo dramtico, apresentou um mtodo original deexpor suas reflexes: o do dilogo. O que levou a que alguns estudiososafirmar que tal mtodo de exposio era literariamente to grandiosocomo as tragdias de squilo ou de Sfocles. Neles, nos dilogosplatnicos, o personagem central Scrates, com quem Plato privouat o seu momento final. A principal obra poltica dele foi "A Repblica"(Politia), que comps provavelmente entre 380 e 370 a.C., quandotinha mais de 50 anos de idade, portanto, obra da sua maturidade. Umpouco antes do seu falecimento Plato voltou novamente a especularsobre a sociedade ideal por meio de outro grande dilogo: As Leis.

    O cenrio onde a reunio acontece, tal como ocorre em tantos outrosdilogos de Plato, a casa de um homem rico, o velho Cfalo, que pe

    Plato

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    o seu salo disposio dos intelectuais, polticos e artistas paradiscutirem filosofia e assuntos gerais. Esto presentes Scrates, osfilhos do dono da casa, Polemarco, Lsias e Eutiderno, alm de Timeu,Criticas e Trasmaco. Tais tertlias eram muito comuns, fazendo o gostodas classes cultas de Atenas, sendo uma espcie de antecipao dos

    sales que fizeram a fama da sociedade aristocrtica francesa do sculoXVIII e XIX.

    A escola de Plato, paradigma da sociedade perfeita(tela de J.Delville)

    A Justia

    O debate entre os visitantes e anfitries orientou-se no sentido dedeterminar como constituir uma sociedade justa. Como tal no existena realidade, os participantes se dispe ento a imagin-la, bemcomo determinar sua organizao, governo e a qualidade dos seusgovernantes. Para Plato, a educao (paidia) seria o ponto departida e principal instrumento de seleco e avaliao das aptidesde cada um. Sendo a alma humana (psik) um composto de trspartes: o apetite, a coragem e a razo, todos nascem com essacombinao, s que uma delas predomina sobre as demais. Sealgum deixa envolver-se apenas pelas impresses geradas pelas

    sensaes

    motivadas pelo apetite, termina pertencendos classes inferiores. Por outro lado, semanifesta um esprito corajoso e resoluto,seguramente ir fazer parte da classe dosguardies, dos soldados, responsveis pelasegurana da colectividade e pelas guerras.Finalmente, se o indivduo deixa-se guiarpela sabedoria e pela razo obvio queapresenta as melhores condies paraintegrar-se nos sectores dirigentes dessaalmejada sociedade

    Governante e sua

    comitiva

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    A alma e as classes

    Partes da Alma Virtudes Classes sociais

    O apetite (TEphithymtkn)

    Temperana(soprosyn)

    Trabalhadores(demioyrgi)

    A coragem (TThymoeids)

    Valor (Andreia) Guardies(phylaches)

    A razo (TLogistikn)

    Sabedoria(sophia)

    Governantes(arkontes)

    A justia feita

    Desta forma, com cada indivduo ocupando oespao que lhe devido, a justia est feita. AJustia(dik) aqui entendida no como umadistribuio equnime da igualdade, comomodernamente se entende, mas como anecessidade de que cada um reconhea o seulugar na sociedade segundo a natureza dascoisas e no tente ocupar o espao que

    pertence a outro. Concepo que lembra muitoa teoria csmica de Aristteles, exposta naFsica, segundo a qual os corpos mais densosocupam os lugares centrais enquanto que osmais leves flutuam ao seu redor...

    A cada umsegundo a suanatureza

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    Plato, neste seu entendimento da justia,manifesta um esprito eminentementeconservador ao pretender que cada classesocial se conforme com a situao que ocupana plis e no tente alter-la ou subvert-la.

    Fazendo-se uma leitura moderna dessasconcluses, os trabalhadores jamaispoderiam reivindicar o poder poltico poisesse deve pertencer exclusivamente aos maisinstrudos e mais sbios. Como se v, ofilsofo no pretende abolir as classessociais, como muitos dos seus intrpretesafirmavam. Bem ao contrrio. A intenodele foi reformar o sistema de classes estabelecido pelas diferenasde renda e patrimnio (ricos, pobres e remediados), comuns namaioria das pocas histricas, substituindo-o por um outro baseadonas atribuies naturais com que cada um dotado (razo, coragem,apetite). Portanto totalmente inapropriado dizer-se haver umcomunismo platnico.

    Propriedade e famlia

    Para Plato, os conflitos e as guerras civis queenlutam a sociedade devem-se, na maiorparte das vezes, s diferenas entre ricos epobres. O embate entre essas duas classesrivais provoca uma instabilidade permanentena sociedade. Dessa forma, a sociedade ideal,perfeita, s possvel suprimindo-se com adesigualdade entre os seus cidados, cabendoao estado confiscar toda a riqueza privadafazendo dela um fundo comum utilizadosomente para a proteco colectiva. No

    possvel imaginar-se algo que vise perenidade abrigando em seu meio umatenso permanente, como comum existirnas sociedades estremecidas pela luta declasses. O ouro no sendo de ningum em

    particular, permanecendo num tesouro estatal, no poder ser usadopara provocar a discrdia e a inveja, to deletrias paz social.

    O casamento monogmico, por sua vez, bastio em que se apoia opoder dos ghnos, o poder das famlias, deveria igualmente serabolido, fazendo com que fossem substitudo por cerimoniasnupciais colectivas - o himeneu colectivo, cujo objectivo meramentereprodutivo. Os filhos desse tipo de casamento seriam todos eles

    Uma sociedade emharmonia e paz

    Na Republicaperfeita o ouroseria proibido

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    considerados, indistintamente, filhos da comunidade. Uma novafamlia emergiria ento, inteiramente dissolvida na comunidade. Arazo disso que o filsofo via na existncia das famlias como entoeram compostas, ordenadas em poderosos cls, um factor impeditivopara chegar-se harmonia, visto que, muitas vezes, os

    egocentrismos delas, os interesses particulares dos clsconflituavam-se abertamente com os interesses gerais da plis. Era oque a pea " de Sfocles "Antgona" , na sua essncia, tratava.. Platosugere que esses casamentos colectivos no sejam aleatrios e sefaam preservando as caractersticas de cada classe, o quefatalmente levaria, em curto prazo, formao de um ordenamentosocial dividido em castas (a dos filsofos, a dos guerreiros e a do povocomum). Nesta sociedade, as mulheres, tal como j ocorria emEsparta, no sofreriam nenhum tipo de discriminao, condenandoqualquer diferena entre os sexos. Elas fariam todas as tarefas emcomum com os homens, bem como prestariam servio militar,acompanhado os regimentos guerra. Ele acreditava que a presenadelas nos campos de batalha aumentaria a valentia dos soldados,pois eles no desejariam passar por covardes frente aos olharesfemininos.

    Os governantes

    Um dos aspectos mais conhecidos e polmicos dautopia de Plato o que trata dos governantes

    (arcontes), pois para ele a sociedade ideal deveria sergovernada pelosfilsofos, ou pelo filsofo-rei,porque somente o homem sbio tem a inteira ideia dobem, do belo e da justia. Consequentemente, ele termenos inclinao para cometer injustias ou depraticar o mal, impedindo os governados de serebelarem contra a ordem social. Mas por que ohomem sbio aquele que est mais prximo da ideiado bem?

    Osgovernantesso os mais

    sbios

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    O mundo das ideias

    Para responder a isso preciso entender que

    Plato era adepto da teoria da transmigrao ou doeterno retorno das almas, fenmeno conhecidocomo palingenesia. Tudo o que existe aqui nomundo real, em nosso mundo, no passa de umaprojeco materializada do mundo das ideias queest bem alm da nossa percepo sensitiva,conservando-se nele todas as formas que existem(tantos os objectos, tais como cadeiras e mesas,como as ideias morais). Nosso corpo, ao morrer,faz com que a alma (psik) se desprenda dele eflutue em direco ao lugar celestial onde se

    encontram as ideias ou formas (o tpos ourans).A alma dos filsofos, dos homens amantes dosaber, a que mais se aproxima deste mundo,

    percebendo ento na suas plenitudes, mais do que as almas das gentescomuns, as ideias de bondade, beleza e justia. exactamente estaqualidade da alma do homem sbio que o torna mais qualificado paraser o governante da sociedade perfeita. Portanto, segundo um conselhode Scrates exposto por Plato, todo o reformador social, o legisladorque deseja melhorar os homens e a sociedade, deve agir como umpintor de paisagens que fica horas admirando os cus para tentar

    reproduzir a sua beleza na tela. olhando para os elevados, para oscimos celestiais, que se consegue a inspirao para melhorar a vida naterra.

    Essa elaborada justificativa de Plato, alijando o povo do governo dasociedade perfeita e entregando-o a um grupo selecto de homens dosaber, servir, ao longo dos sculos, para todos aqueles que defendemum governo das minorias especialistas, chegando at o presente, nosque fazem a apologia da tecnocracia.

    Plato, oreformador deveolhar para os cus

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    Projeco

    A utopia de Plato estimulou pelos tempos aforauma srie de teorias que tambm visavam constituio de uma sociedade perfeita. De certaforma, ele espelhou a enorme e infinitainsatisfao humana com as sociedadesimperfeitas em que estamos condenados a viver.Ele, de certo modo, laicizou a busca pelo Paraso.Difundiu a ideia de que possvel alcanar-se umasociedade perfeita formada por seres humanosexclusivamente com recursos humanos e nodivinos. A Repblica platnica antes de tudo um

    grande projecto de engenharia social. inegvelsua influncia na obra de Thomas Morus, AUtopia, de 1516, na de Dominico Campanella, ACidade do Sol (Civitas Solis), de 1602, bem comona maioria das doutrinas polticas socialistas queemergiram nos sculos XVIII e XIX. O sonhoplatnico igualmente foi apontado, especialmentepor Karl Popper (A Sociedade Aberta e seusInimigos, de 1957), como inspirador dosmovimentos autoritrios, como o fascismo, emdecorrncia de sua postura antiliberal, celebrando

    a rigidez hierrquica, excluindo dela a liberdade darealizao econmica.

    Crtica

    A principal crtica feita s teorias de Plato ocorreramem sua poca mesmo; sendo que as mais consistentespartiram do seu discpulo Aristteles, que apontava a

    ideia da comunidade dos bens, das mulheres e dosfilhos, como oposta natureza das coisas. Elasdesconhecem tambm, segundo o crtico, o fato de quese a cidade a "unidade da multiplicidade", compostade pequenos grupos e pessoas que so distintas umasdas outras e que fazem questo de manifestarabertamente a sua distino. Na cidade ningum querparecer-se com o outro. Torna-se, pois, antinaturalexigir uma uniformizao ou padronizao total, comosugerem os moldes platnicos. Para Aristteles, a tesede entregar o poder apenas a um segmento dasociedade, aos sbios, seleccionados por um complexo

    sistema semelhante ao de uma casta que governariam sem nenhum

    T.Morus (1478-1535) retomoucom sucesso asideias utpicas dePlato

    ParaAristteles asideias dePlato eramantinaturais

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    limite, parecia-lhe contradizer a vocao essencial da cidade, que serregida por leis comuns a todos e no apenas por um sector dela, pormais qualificado que o governante pudesse ser.

    Plato e a Cincia Poltica

    "Ele foi o primeiro e talvez o ltimo, a sustentar que o estado deveser governado no pelos mais ricos, os mais ambiciosos ou os

    mais astutos, mas pelos mais sbios."

    Apelando para o mito da destruio e reconstruodo cosmo, Plato descreveu no seu dilogo"Poltico", num primeiro momento, a Era deCronos, o tempo, e sua transio para a Era deZeus, o seu filho (quando a Idade de Ouro doshomens esfumara-se nos pretritos). A seguir,tratou dos humanos nascidos neste novo perodops-Paraso, quando eles perceberam que ostempos eram outros, que desaparecera a harmoniaque havia outrora entre eles e os animais, que osbichos no s perderam a fala, como tornaram-se

    hostis e ferozes, obrigando os homens a seorganizarem em grandes grupos, fechados emregimes polticos, para poderem sobreviver crescente selvajaria dos tempos de Zeus.

    Todos se consideram aptos

    Para Plato, o primeiro efundamental problema da

    poltica que todos os homens acreditam-secapacitados para exerc-la, o que lhe parece umgrave equvoco, pois ela resulta de uma arte muitoespecial. Distingue ento trs tipos de artes:

    1 - Aquelas que ele chama de auxiliares (quepodemos classificar como as de ordem tcnica,

    como o artesanato, a marinhagem, o pastoreio, etc.);

    Os tempos durosvieram com Zeus

    Um elmo grego

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    2 - Em seguida vem as artes produtoras (o plantio, a tecelagem, ocomrcio, etc.), e por ltimo:

    3 - A arte de saber conduzir os homens, que seria a polticapropriamente dita, superior a todas as outras.

    A Poltica Tecelagem

    Para melhor ilustrar o seu ponto de vista,recorre a uma comparao: a actividade dopoltico, disse ele, assemelha-se datecelagem. Nada mais do que a arte da

    vestimenta, o que implica na escolha do tecido,das peas que devem ser costuradas mo, eda armao final, pois seu objectivo maior dar segurana e abrigo, da mesma forma queum trajo protege das intempries e assegura ospudores. Por isso, o poltico deve desenvolverhabilidades tais como saber cardar e fiar,porque um dos seus afazeres maiores conseguir misturar o tecido maior e melhorcom o menor e o pior (isto , encontrar o

    equilbrio entre os fortes e poderosos e os maisfracos e indefesos).

    Os Pretendentes Poltica

    Quem, porm, entre eles, pode se habilitar aesta arte, a de dedicar-se cincia do tecer? Opensador ento estabelece uma espcie deescala da qual, a princpio, so eliminados osescravos, fazendo a seguir restries tambm amaioria dos homens livres em geral (aoscamponeses, aos artesos, aos comerciantes eaos marinheiros, desqualificando-os para oexerccio de tal arte). Entre os que realmenteambicionam dominar a arte da poltica, eleaponta os pertencentes aos sectoresintelectualizados da sociedade: os arautos (os

    mensageiros), os adivinhos, os sacerdotes e os magistrados. Ocupandoum lugar especial entre esses que querem ter voz activa na poltica, ele

    identifica um estranho grupo que diz ser composto por centauros,stiros e outros animais fantsticos, que rondam por assim dizer o

    Uma jovem festiva

    Figuras estranhasrondam o mundo dapoltica

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    mundo da poltica, ameaando toda hora quer dele participaractivamente (o que nos leva a interpretar tal grupo bizarro como umametfora dos elementos irracionais que pululam na sociedade tentandodomin-la).

    Poucos so os que sobram

    Em nenhum deles Plato v qualidades que os

    habilitem arte da tecelagem, capacidade deurdirem os delicados fios que enlaam efortalecem a vestimenta protectora. De certomodo, a lendria atitude de Penlope, amulher de Ulisses que ficava noite e dia fiandoe desfiando, esperando a volta do marido - oRei Competente - ganhando tempo para queele pudesse voltar e reassumir o trono,afastando com isso os pretendentes coroa detaca, era uma verso mtica do que o filsofopretendeu dizer.

    As formas da poltica

    A seguir, dedica-se a descrever as formas em que osregimes poltico se constituem, adoptando aconhecida classificao numeral: o regime de umhomem s (que se subdivide em monarquia,onde um rei obedece a lei e a tradio), e natirania, (o governo discricionrio); o regime dealguns (o governo de um grupo que se subdivideem oligarquia e aristocracia); e, por fim, ogoverno dos muitos (a democracia). Neles opem-se nos mais diversos graus, a riqueza e a pobreza, aviolncia e a liberdade, a obedincia s leis escritasou a ausncia de leis. Qual dentre eles afigura-secomo o melhor?

    Penlope fiando,rejeitando os

    pretendentes

    A quem cabe o

    trono?

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    O Rei Competente

    Plato minimiza a importncia das formas queos regimes polticos assumem. Neste momentoda sua exposio, por meio do Estrangeiro,personagem principal do dilogo, a monarquia,a tirania, a oligarquia, a aristocracia ou ademocracia, afiguram-lhe ser de menorinteresse perante o fato maior de saber-sedominar a cincia da poltica. Pois estacincia (a que determina o que realmente

    importante para a poltica), a arte de saber governar os homens, "a maisdifcil e maior de todas as cincias possveis de se adquirir", que nos

    possibilita a ajudar a afastar os rivais do Rei Competente (isto , ogovernante ideal). Ela um instrumento de seleco que, ao mesmotempo que nos permite dissuadir os pretendentes equivocados, auxilia apersuadir os vocacionados a ingressarem na poltica.

    O Rei Competente como Mdico

    Para o pensador o Rei Competente quem merece ser o arcon, de

    ter o ttulo de rei, pois somente eles detm o conhecimento da cinciapoltica, estando no poder ou no. Assim, independentemente da formado regime poltico, seja monarquia, oligarquia ou democracia, s os quepossuem a cincia de saber governar os homens que devem realmenteexercer o poder. Plato ainda no menciona aqui (o far com maioresdetalhes no dilogo "A Repblica") que seu intuito promover o filsofo,o homem sbio, como o nico habilitado a tal. O Rei Competenteassemelha-se para ele ao mdico que, curando ou no seus pacientes,detm a arte da medicina, sero sempre chamados de mdicos.

    Cadmus, fundador de Tebas, afasta a serpentepara proteger os sbitos

    Os selos do poderreal

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    Ele pode tudo

    A partir do momento que o Rei Competentegalga o poder, torna-se indiferente, sob o pontode vista moral, o sentido que dar a sua aco.Pode ele exilar, mandar executar, deslocar gentea sua revelia, fazer o que lhe convier, que tudoestar justificado pela cincia que ele tem dascoisas do governo, porque seu fim ltimo a

    justia. At mesmo poder governar sem leis oua revelia delas, pois muitas vezes o bomgovernante pode dispensar, em nome do bempblico, que superior a tudo, a lei escrita e ocostume. desta passagem de Plato, queMaquiavel, bem mais tarde, no Renascimento,extraiu os argumentos que sustentaram a suateoria do domnio absoluto do Prncipe.

    Tambm parte dela a atitude da maioria dos iluministas do sculo XVIIIque justificaram o seu apoio ao Dspota Esclarecido.

    A Massa e a Elite

    Plato, como sabido, no era umsimpatizante da democracia. Logo, ele novia nenhuma possibilidade das massasconseguirem algum dia apropriarem-se dacincia da poltica. Elas, por sua prprianatureza, so incapazes de administrar cominteligncia uma cidade. Somente um

    pequeno grupo ou um s indivduo ter odomnio desta constituio verdadeira.Poderia, pergunta ele justificando-se, umamultido reunida em assembleia, regularpara sempre a arte da navegao ouestabelecer o tratamento a ser dado aosenfermos? Tais regulamentos caberiam ser fixados por gente do povo oumesmo pelos ricos? Na verdade quem se atrevesse a tal, a ser umintrometido nas regras da navegao ou da medicina, seria chamado devisionrio ou de fraseador sofista. Se estas artes fossem conduzidaspela sorte (Plato aqui critica abertamente o sistema eleitoral por sorteio

    adoptado pela democracia grega), pela letra escrita aprovada em

    Marco Aurlio, umraro imperador-sbio

    A nau do estado nopode ser guiada porvotos

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    assembleia e no pela arte da poltica, a vida, assegurou ele, se tornariainsuportvel.

    O Verdadeiro Poltico

    Quem realmente domina a cincia da poltica, nose inspira nas leis escritas mas sim na arte com que dotado, nesta rara habilidade de saber conduzir oshomens. Portanto, o nico bom governo possvel odo "nico competente". No entanto, porque isto noocorre? Para Plato todos os regimes conhecidos(monarquia oligarquia, democracia, e suasvariveis) nada mais so do que a expressojuridicamente organizada da rejeio aberta ou

    velada que os homens tm ao nico eficaz. Formadapor gente cabea dura, a sociedade nega-se aaceitar que haja algum, tal como o ReiCompetente, que possa, com autoridade, governarcom virtude e cincia, com imparcialidade, comjustia e equidade, sem precisar injuriar ningum.Portanto, todo o regime poltico conhecido nopassa de uma iluso pois ele sempre resulta dessa averso boa razo.De uma mscara que tenta ocultar o seu fracasso. Ao repelirem aevidncia de que o nico bom governo viria do Rei Competente, todas as

    constituies so imperfeitas, restando apenas a escolha da que formenos desagradvel. Quanto aos polticos que resultam delas, dosregimes assinalados, devem ser repelidos por serem uns falsos,criadores das piores iluses.

    Em busca do Rei Competente

    Como afinal encontrar em meio a tantos

    pretendentes da poltica o Rei Competente? Vistoque ele no nasce marcado como nas colmeias,onde todos logo sabem quem a rainha-abelha, preciso lanar-se mo de recursos especiais paraalcanar a sua identificao. Socorro estes queso similares aos que adoptamos para lavrar elimpar o ouro. Do mesmo modo como umminerador com sua peneira afasta a terra, aspedras, os minerais vis e muitas outrasimpurezas que se avolumam em torno do preciosometal, com o auxlio do fogo, ele tambm aparta

    do ouro o cobre e o diamante. Este deve sertambm o proceder da cincia poltica.

    Uma esfinge, oenigma dapoltica

    Um rei pensante(moeda)

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    A Arte de Peneirar

    A funo primeira dela afastar tudo o que for hostil e estranho a ela,conservando apenas aquelas artes que lhe so mais prximas, taiscomo a estratgia (a arte militar), a magistratura (arte de praticar ajustia) e a retrica (arte de discursar). Artes que se equivalem tal comoo cobre e o diamante aprecem em relao ao ouro. O momento seguinte,considerando-se que a estratgia, a magistratura e a oratria, so asque esto mais prximas essncia da poltica, Plato observa pormque elas tambm so artes subordinadas:

    O ouro sempre ao lado do poder

    Artes Prximas mas Subordinadas Poltica

    EstratgiaArte defazer aguerra

    Subordina-se deciso superior de fazer-seou no a guerra

    Jurdica Arte deaplicar austia

    Subordina-se a existncia das leis que soaprovadas em outras instncias, determinadapelo arcon ( o governante) ou pela assembleia.

    Retrica Arte daOratria

    Presa s circunstncias, estimulada econdicionada pela situao momento,portanto totalmente subordinada.

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    A Poltica a Cincia Soberana

    Se nem a estratgia, nem a justia, muito menos aretrica, so artes independentes, s resta a poltica

    como a verdadeira e nica arte superior. ela acincia real. Ainda que no possuindo obrigaesprticas, reina sobre os demais, unindo a sociedadenum s tecido perfeito. O que ela consegue graasa harmonia das leis que elabora. O objectivo de todaa cincia poltica eliminar ao mximo os mauselementos, conservando porm os bons e teis paraento "fundi-los numa obra perfeitamente una porsuas propriedades e estruturas".

    O Destino dos Maus Elementos

    O que fazer, porm, com os maus elementos? Para Plato, deve-sesubmet-los a uma prova de fogo, confiando-os aos educadorescompetentes para instru-los ou, em caso de fracasso, que sofram "porsentena de morte".

    Energia e Moderao

    Feito isto, afastados os pretendentes equivocados,escolhido o Rei Competente por afinadadepurao, o governante ideal dedica-se ento asua grande tarefa: harmonizar os opostos. Asociedade composta de homens comcomportamentos dspares, extremos. Aquele dealma enrgica, activo e corajoso, pode facilmentedeixar-se tomar por um acesso de loucura furiosa,enquanto um outro, de alma moderada, cordato eafvel, susceptvel de prostrar-se na mais

    completa das fraquezas.So, portanto, duas raas diferentes que a

    princpio parece impossvel faz-las conviver ao abrigo das mesmas leis.Entretanto, se elas tiverem a mesma posio sobre o bem e o mal, ocerto e o errado, afinando-se nos mesmos princpios ticos, possvelimpedir o divrcio completo delas. O verdadeiro Rei Competenteassemelha-se ento a um habilssimo tecelo capaz de unir taisextremos, assegurando o convvio da energia com a moderao,evitando que a sociedade caia na influncia de um temerrio ou do seuoposto, o pusilnime. Unir os fios da circunspeco e prudncia domoderado, agudeza e espontaneidade do enrgico , porconseguinte, a grande tarefa da cincia poltica, arte cujo domnio exclusivo do estadista-tecelo.

    Nem o grandePricles serviapara Plato

    O Rei a Cavalo(moeda)

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    Aristteles

    POLTICA

    Para Aristteles a Poltica a cincia mais suprema, a qual as outrascincias esto subordinadas e da qual todas as demais se servem numacidade.

    A tarefa da Poltica investigar qual a melhor forma de governo einstituies capazes de garantir a felicidade coletiva. SegundoAristteles, a pouca experincia da vida torna o estudo da Polticasuprfluo para os jovens, por regras imprudentes, que s seguem suaspaixes. Embora no tenha proposto um modelo de Estado como seumestre Plato, Aristteles foi o primeiro grande sistematizador dascoisas pblicas. Diferentemente de Plato, Aristteles faz uma filosofiaprtica e no ideal e de especulao como seu mestre.

    O Estado, para Aristteles, constitui a expresso mais feliz dacomunidade em seu vnculo com a natureza. Segundo Aristteles, assimcomo impossvel conceber a mo sem o corpo, impossvel conceber oindivduo sem o Estado.

    O homem um animal social e poltico por natureza. E, se o homem um animal poltico, significa que tem necessidade natural de conviverem sociedade, de promover o bem comum e a felicidade. A polis gregaencarnada na figura do Estado uma necessidade humana. O homemque no necessita de viver em sociedade, ou um Deus ou uma Besta.Para Aristteles, toda cidade uma forma de associao e toda

    associao se estabelece tendo como finalidade algum bem. Acomunidade poltica forma-se de forma natural pela prpria tendncia

    http://aletheiagorah.blogspot.com/2009/11/politica-aristoteles.htmlhttp://aletheiagorah.blogspot.com/2009/11/politica-aristoteles.htmlhttp://1.bp.blogspot.com/_FVTr2RP_kaA/SwPshHZzEEI/AAAAAAAAAmo/GqcvQq5Buuc/s1600/aristoteles.jpghttp://aletheiagorah.blogspot.com/2009/11/politica-aristoteles.html
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    que as pessoas tm de se agruparem. E ningum pode ter garantido seuprprio bem sem a famlia e sem alguma forma de governo. ParaAristteles os indivduos no se associam somente para viver, mas paraviver bem. Dos agrupamentos das famlias forma-se as aldeias, doagrupamento das aldeias forma a cidade, cuja finalidade a virtude dos

    seus cidados para o bem comum.

    A cidade aristotlica deve ser composta por diversas classes, mas quementrar na categoria de cidados livres que podem ser virtuosos sosomente trs classes superiores: os guerreiros, os magistrados e ossacerdotes. Aristteles aceita a escravido e considera a mesmadesejvel para os que so escravos por natureza. Estes so os incapazesde governar a si mesmo, e, portanto, devem serem governados. SegundoAristteles, um cidado algum politicamente activo e participante dacoisa pblica. Segundo Aristteles, sem um mnimo de cio no se podeser cidado. Assim, o escravo ou um arteso no se encontrasuficientemente livre e com tempo para exercer a cidadania e alcanar avirtude, a qual incompatvel com uma vida mecnica.

    E os escravos devem trabalhar para o sustento dos cidados livres evirtuosos. Aristteles contesta o comunismo de bens, mulheres ecrianas proposto por Plato. Segundo ele, quanto mais comum for umacoisa menos se cuida dela.

    A poltica aristotlica essencialmente unida moral, porque o fimltimo do estado a virtude, isto , a formao moral dos cidados e oconjunto dos meios necessrios para isso. O estado um organismomoral, condio e complemento da actividade moral individual, efundamento primeiro da suprema actividade contemplativa. A poltica,contudo, distinta da moral, porquanto esta tem como objectivo oindivduo, aquela a colectividade. A tica a doutrina moral individual,a poltica a doutrina moral social. Desta cincia trata Aristtelesprecisamente na Poltica, de que acima se falou.

    O estado, ento, superior ao indivduo, porquanto a colectividade superior ao indivduo, o bem comum superior ao bem particular.Unicamente no estado efectua-se a satisfao de todas as necessidades,pois o homem, sendo naturalmente animal social, poltico, no pode

    a sua perfeio sem a sociedade do estado.

    Visto que o estado se compe de uma comunidade de famlias,assim como estas se compem de muitos indivduos, antes de

    tratar propriamente do estado ser mister falar da famlia, queprecede cronologicamente o estado, como as partes precedem o

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    todo. Segundo Aristteles, a famlia compe-se de quatroelementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; alm,naturalmente, do chefe a que pertence a direco da famlia. Deveele guiar os filhos e as mulheres, em razo da imperfeio destes.Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a famlia, alm de um

    fim educativo, tem tambm um fim econmico. E, como aoestado, -lhe essencial a propriedade, pois os homens tmnecessidades materiais. No entanto, para que a propriedade sejaprodutora, so necessrios instrumentos inanimados e animados;estes ltimos seriam os escravos.

    Aristteles no nega a natureza humana ao escravo; mas constataque na sociedade so necessrios tambm os trabalhos materiais,que exigem indivduos particulares, a que fica assim tiradafatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma, vistoser necessrio, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptasqualidades espirituais, excludas pelas prprias caractersticasqualidades materiais de tais indivduos. Da a escravido.Vejamos, agora, o estado em particular. O estado surge, pelo facto deser o homem um animal naturalmente social, poltico. O estadoprov, inicialmente, a satisfao daquelas necessidades materiais,negativas e positivas, defesa e segurana, conservao eengrandecimento, de outro modo irrealizveis. Mas o seu fim essencial espiritual, isto , deve promover a virtude e, consequentemente, afelicidade dos sditos mediante a cincia.

    Compreende-se, ento, como seja tarefa essencial do estado a educao,que deve desenvolver harmnica e hierarquicamente todas asfaculdades: antes de tudo as espirituais, intelectuais e,subordinadamente, as materiais, fsicas. O fim da educao formarhomens mediante as artes liberais, importantssimas a poesia e amsica, e no mquinas, mediante um treino profissional. Eis porqueAristteles, como Plato, condena o estado que, ao invs de sepreocupar com uma pacfica educao cientfica e moral, visa aconquista e a guerra. E crtica, dessa forma, a educao militar deEsparta, que faz da guerra a tarefa precpua do estado, e pe aconquista acima da virtude, enquanto a guerra, como o trabalho, soapenas meios para a paz e o lazer sapiente.

    Noobstante a sua concepo tica do estado, Aristteles,diversamente de Plato, salva o direito privado, a propriedadeparticular e a famlia. O comunismo como resoluo total dosindivduos e dos valores no estado fantstico e irrealizvel. O estadono uma unidade substancial, e sim uma sntese de indivduossubstancialmente distintos. Se quiser a unidade absoluta, ser misterreduzir o estado famlia e a famlia ao indivduo; s este ltimo possuiaquela unidade substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece

    Aristteles a diviso platnica das castas, e, precisamente, duas classes

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    reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto , a dos cidados e ados escravos, dos trabalhadores, sem direitos polticos.

    Quanto forma exterior do estado, Aristteles distinguetrs principais:

    A monarquia, que o governo de um s, cujo carcter e valor esto naunidade, e cuja degenerao a tirania;

    A aristocracia, que o governo de poucos, cujo carcter e valor estona qualidade, e cuja degenerao a oligarquia;

    A democracia, que o governo de muitos, cujo carcter e valor estona liberdade, e cuja degenerao a demagogia.

    As preferncias de Aristteles vo para uma forma de repblicademocrtico-intelectual, a forma de governo clssica da Grcia,particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo realismo,reconhece Aristteles que a melhor forma de governo no abstracta, esim concreta: deve ser relativa, acomodada s situaes histricas, scircunstncias de um determinado povo. De qualquer maneira acondio indispensvel para uma boa constituio, que o fim da

    actividade estatal deve ser o bem comum e no a vantagem de quemgoverna despoticamente.

    FAMILIA E EDUCAO

    O Estado deve promover a famlia e a educao, legislando sobre asmesmas.

    "Convm fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos, e o doshomens nos trinta e sete, ou pouco menos. Assim a unio ser feita no

    momento do mximo vigor e os dois esposos tero um tempo poucomais ou menos igual para educar a famlia, at que cessem a serprprios procriao" (Poltica, 4,c.14, 6).

    Com vistas depurao social defende ainda:

    "Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar,deve haver uma lei que proba alimentar toda a criana disforme.Sobre o nmero dos filhos (porque o nmero dos nascimentos devesempre ser limitado), se os costumes no permitem que osabandonem e se alguns casamentos so to fecundos que

    ultrapassem o limite fixado de nascimentos, preciso provocar oaborto, antes que o feto receba animao e a vida; com efeito, s

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    pela animao e vida se poder determinar se existe crime"(Poltica, 4,c.14, 10).S modernamente se veio a saber melhor sobre a vida. Enquantoisto demorou, at moralistas cristos admitiram o aborto antes dareferida animao de que fala Aristteles, como acontecida apenas

    em um estgio adiantado da gestao.

    O grande Aristteles, apesar de sua vida relativamente curta (62 anos) eda perda de seus livros mais literrios e brilhantes, continua sempregrande.

    No se sabendo dizer se foi mesmo o maior filsofo dentre os at agoranascidos, certamente Aristteles ainda uma das cordilheiras mestrasdo pensamento humano.

    A Poltica de Aristteles

    Enquanto seu mestre Plato inclinou-sepreferencialmente por fazer desenhos deconstrues sociais imaginrias, utpicas, porprojeces sobre qual o melhor futuro dahumanidade, Aristteles, seu discpulo maisfamoso, procurou tratar das coisas reais, dos

    sistema polticos existentes na sua poca. Atentoupor classific-los, definindo suas caractersticasmais proeminentes, separando-os em puros oupervertidos. Desta forma, enquanto Plato inspirourevolucionrios e doutrinrios da sociedadeperfeita, Aristteles foi o mentor dos grandesjuristas e dos pensadores polticos mais inclinados cincia e ao realismo.

    Aristteles (384-322 a. C.)

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    Aristteles e Atenas

    Aristteles chegou a Atenas com 18 anospara estudar na Academia platnica. Eranatural da pequena cidade de Estagira, nonorte da Grcia, onde nasceu em 384 a.C.,filho de um mdico da corte macednica.Mais tarde, o rei Felipe II, provavelmente porindicao do seu doutor, solicitou-lhe queassumisse a funo de preceptor do jovemprncipe, o seu filho Alexandre. Aquele que setornaria o conquistador do Imprio persa e

    um dos maiores generais da histria. Regressando a Atenas, aps tercumprido a tarefa, decepcionou-se por Plato, seu mentor intelectual,

    no t-lo indicado como seu sucessor na Academia. Em vista disso,resolveu fundar uma escola anexa ao templo de Apolo Liceu, conhecidacomo escola peripattica ou Liceu. Com a repentina morte de Alexandreo Grande nas terras do Oriente em 323 a.C., Aristteles viu-seameaado por uma agitao anti-macednica, visto que os atenienses otinham no s como um estrangeiro, um meteco, mas tambm comoum provvel agente dos interesses do conquistador. Ameaado, ofilsofo refugiou-se em Clcis, evitando, como ele disse, que Atenasatentasse novamente contra a filosofia, tal como ocorrera antes delecom Anaxgoras, com Digoras e Protgoras, e tambm com Scrates.L, no exlio, ele faleceu em 322 a.C., com pouco mais de sessenta anos.

    A poltica

    Crebro prodigioso e de saber enciclopdico,Aristteles comps dois grandes trabalhos sobrea cincia poltica: "Poltica" (Politia) que

    provavelmente eram lies dadas no Liceu eregistadas por seus alunos, e a "Constituio deAtenas", obra que s se tornou mais conhecida,ainda que em fragmentos, no final do sculo XIX,mais precisamente em 1880-1, quando foiencontrada no Egipto; regista as vrias formas ealteraes constitucionais que ela passou porobra dos seus grandes legisladores, tais comoDrcon, Slon, Pisstrato, Clstenes e Pricles e que tambm pode serlida como uma histria poltica da cidade.

    Felipe e Alexandre

    A deusa Atena,protectora da cidade

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    A estrutura da obra

    A "Poltica" (Politia)divide-se em oito livros, quetratam: da composio da cidade, da escravido, da

    famlia, das riquezas, bem como de uma crtica steorias de Plato. Analisa tambm as constituies deoutras cidades, num notvel exerccio comparativo,descrevendo-lhes os regimes polticos. Aristteles, porsua vez, no foge da tentao de tambm idealizar qualo modo de vida mais desejvel para as cidades e osindivduos, mas dedica a isso bem menos tempo do queseu mestre. Finaliza a obra com os objectivos daeducao e a importncia das matrias a seremensinadas.

    A poltica como cincia

    Aristteles utiliza-se do termo poltica para um assunto nico: acincia da felicidade humana. A felicidade consistiria numa certamaneira de viver, no meio que circunda o homem, nos costumes e nasinstituies adoptadas pela comunidade qual pertence. O objectivo dapoltica , primeiro, descobrir a maneira de viver que leva felicidade

    humana, isto , sua situao material, e, depois, a forma de governo eas instituies sociais capazes de a assegurarem. As relaes sociais eseus preceitos so tratados pela tica, enquanto a forma de governo seobtm pelo estudo das constituies das cidades-estado, matriapertinente poltica.

    "Em todas as artes e cincias", disseele, "o fim um bem, e o maior dosbens e bem em mais alto grau se achaprincipalmente na cincia todo-poderosa; esta cincia a poltica, e o

    bem em poltica a justia, ou seja, ointeresse comum; todos os homenspensam, por isso, que a justia umaespcie de igualdade, e at certo pontoeles concordam de um modo geral comas distines de ordem filosficaestabelecidas por ns a propsito dos princpios ticos."

    Aristteles,preocupaocom o mundoreal

    A solido, instrumento dareflexo

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    Constituio e governo

    Segundo o estagirita, governo e constituio significam a mesma coisa,sendo que o governo pode ser exercido de trs maneiras diferentes; porum s, por poucos ou por muitos. Se tais governos tm como objectivo obem comum, podemos dizer que so constituies rectas, ou puras. Poroutro lado, se os poderes forem exercidos para satisfazer o interesseprivado de um s, de um grupo ou de apenas uma classe social, essaconstituio est desvirtuada, depravou-se. Nota-se aqui o claroconfronto ressaltado por ele entre a busca do bem comum e o interesseprivado ou de classe. Quando um regime se inclina para o ltimo, paraalgum tipo de exclusivismo, voltando as costas ao colectivo, porqueperverteu-se.

    As formas de governo

    O exame do comportamento poltico dos homens,no importando a latitude, mostra que elessempre se organizaram em trs formas de governo:a monrquica (governo de um s), a aristocrtica(governo dos melhores) e, finalmente, ademocrtica (o governo da maioria ou do povo).Essas formas, no entanto, esto sujeitas, como

    vimos, a serem degradadas pelos interessesprivados e pessoais dos homens, sofrendoalteraes na sua essncia. A tirania e aoligarquia, por exemplo, so deformaes damonarquia e da aristocracia que terminam por

    beneficiar interesses particulares, o do tirano e o do grupo que detm opoder, marginalizando o bem pblico. Quanto democracia, Aristteleslhe manifesta maior simpatia do que Plato, mas indica que ela estsujeita influncia dos demagogos, que constantemente incitam o povocontra os possuidores de bens, causando tentativas revolucionrias.Essas so esmagadas por golpes dados em nome da ordem. Apolarizao das foras na vida da cidade estabelecida pelo conflito deinteresses contrrios: o dos pobres (pro-democrticos) e o dos ricos (afavor da oligarquia).

    Alexandre submeteos gregos

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    O regime ideal

    Para obter uma sociedade estvel, eleconsidera que o regime mais adequado

    o misto, que equilibre a fora dos ricoscom o nmero dos pobres. Para ele asociedade ideal seria aquela baseada namediania, que, ao mesmo tempo emque, graas presena de uma poderosaclasse mdia, atenua os conflitos entrericos e pobres, dando estabilidade organizao social. Esse governo, eledefinia como timocracia (tim = honra),onde o poder poltico seria exercido pelos cidados proprietrios dealgum patrimnio e que governariam para o bem comum. Em outros

    momentos este regime ideal chamado de politia (governo da maioria,mas regido por homens seleccionados segundo a sua renda), que eleclassifica entre as constituies rectas.

    Projeco e crtica

    A preocupao de Aristteles caracterizou-se porenfatizar os regimes polticos que existiam, que eramconcretos, elaborando uma precisa classificao deles,enquanto Plato reservava seu interesse maior peloidealizado. O mtodo aristotlico, emprico e detalhista,influenciar a maioria dos grandes tericos da cinciapoltica, como N. Maquiavel no Prncipe, 1532; T. Hobbesno Leviat, 1651; e Montesquieu em O Esprito das Leis,1748. Critica-se Aristteles por ele no ter vislumbrado osurgimento, em sua prpria poca, de uma forma poltica

    superior da plis, a emergncia de um estado-imperial,supranacional e multicultural, cujas sementes foramdeixadas pelo seu discpulo, Alexandre o Grande. Sabe-se, inclusive, que ele se manifestou em carta aoconquistador negando-lhe apoio a qualquer integraomaior com os asiticos, levantando contra elesargumentos preconceituosos e at racistas. Por maispoderoso que fosse o seu intelecto, ele continuo um

    homem limitado pelos muros da cidade-estado.

    Slon frente a Creso, o sbioenfrenta o rico (tela de

    Aristtelesno apoiou apoltica deAlexandre deintegraocom osasiticos

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    Formas de governo

    Formas puras Formas pervertidas

    Monarquia: governo de um shomem, de carcter hereditrioou perptuo, que visa o bemcomum, como a obedincia asleis e s tradies

    Tirania: governo de um s homem queascende ao poder por meios ilegais,violentos e ilegtimos e que governapela intimidao, manipulao ou pelaaberta represso, infringindoconstantemente as leis e a tradio

    Aristocracia: governo dosmelhores homens da repblica,seleccionados pelo consenso dosseus cidados e que governa acidade procurando o benefcio de

    toda a colectividade

    Oligarquia: governo de um grupoeconomicamente poderoso que rege osdestinos da cidade, procurandofavorecer a faco que se encontra nopoder em detrimento dos demais

    Politia: governo do povo, damaioria, que exerce o respeito sleis e que beneficia todos oscidados indistintamente, semfazer nenhum tipo dediscriminao.

    Democracia: governo do povo, damaioria, que exerce o poderfavorecendo preferencialmente ospobres, causando sistemticoconstrangimento aos ricos.

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    Nicolau Maquiavel

    O Prncipe

    Florena, Itlia03 Maio 1469 d.C+ Florena, Itlia20 Junho 1527 d.C

    Maquiavel exortava o Prncipe a se adequar s representaes devirtude do povo que pretendia dominar.

    Maquiavel nasceu em Florena, na Itlia, no ano de 1469. Seu pai eraadvogado e membro de uma proeminente famlia italiana.

    Segundo o historiador Garin, a famlia de Maquiavel no eraaristocrtica nem rica. Seu pai, advogado como um tpico renascentista,era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitiruma aprimorada educao clssica para seu filho. Maquiavel com 12

    anos, j escrevia no melhor estilo e, em latim.

    So escassas as informaes sobre Maquiavel at ele entrar no servioda Repblica de Florena, aps a queda do governo clerical deSavonorola.

    Nicolau Maquiavel apesar do brilhantismo precoce, s em 1498, com29 anos exerce seu primeiro cargo na vida pblica. Foi nesse ano queNicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu aps adeposio de Savonarola, acompanhado de todos os detentores decargos importantes da repblica florentina. Nessa actividade, cumpriuuma srie de misses, tanto fora da Itlia como internamente,destacando-se sua diligncia em instituir uma milcia nacional. Serviu

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    na administrao da Repblica de Florena, de 1498 a 1512, nasegunda Chancelaria, tendo substitudo Adriani, e como secretrio doConselho dos Dez da Guerra (Dieci di Libert et Pace), a instituio quena Signoria tratava da guerra e da diplomacia.

    Mais de quatro sculos nos separam da poca em que viveu Maquiavel.Muitos leram e comentaram sua obra, mas um nmeroconsideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos ostermos que a tem sua origem.

    Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Mdici volta ao poder,desesperando Maquiavel, que envolvido em uma conspirao,torturado e deportado. permitido que se mude para So Cassiano,cidade pequena prxima de Florena, onde escreve sobre a Primeiradcada de Tito Lvio, mas interrompe esse trabalho para escrever suaobra-prima: O Prncipe, segundo alguns, destinado a que se reabilitassecom os aristocratas, j que a obra era nada mais que um manual dapoltica.

    Maquiavel viveu uma vida tranquila em S. Cassiano. Pela manh,ocupava-se com a administrao da pequena propriedade onde estconfinado. tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoassimples do povoado. E noite vestia roupas de cerimonia para conviver,atravs da leitura com pessoas ilustres do passado, fato que levoualgumas pessoas a consider-lo louco.

    Maquiavlico e maquiavelismo so adjectivo e substantivo que estotanto no discurso erudito, no debate poltico, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da poltica e habita sem nenhumacerimonia o universo das relaes privadas. Em qualquer de suasacepes, porm, o maquiavelismo est associado a ideia de perfdia, aum procedimento astucioso, velhaco, traioeiro. Estas expressespejorativas sobreviveram de certa forma inclumes no tempo e noespao, apenas alastrando-se da luta poltica para as desavenas doquotidiano.

    Assim, hoje em dia, na maioria das vezes, Maquiavel mal interpretado.Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O Prncipe, criou ummanual da poltica, que pode ser interpretado de muitas maneirasdiferentes.

    Talvez por isso sua frase mais famosa:

    Os fins justificamos meiosseja to mal interpretada. Mas paraentender Maquiavel em seu real contexto, necessrio conhecer operodo histrico em que viveu. exactamente isso que vamos fazer.

    Nicolau Maquiavel, um dos mais conhecidos filsofos polticos de todosos tempos, se tornou famoso por defender a viso de que um

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    governante, se necessrio, deveria ser cruel e fraudulento para obter emanter o poder.

    Seus crticos o denunciam como um homem que foi desprovido demoralidade, porm, seus admiradores afirmam que ele foi um dos

    nicos realistas que verdadeiramente entendiam o mundo poltico e queteve a coragem de descrev-lo como ele realmente . Em todo caso,sculos aps terem sido publicados, os trabalhos de Maquiavelcontinuam sendo lidos e analisados por estudantes de filosofia, histriae poltica.

    Na poca, no pice do Renascimento, a Itlia estava dividida empequenos principados, enquanto outros pases como Espanha,Inglaterra e Frana eram naes unificadas. No surpreende quenaquele momento a Itlia estivesse politicamente e militarmente fraca,apesar de seus grandes alcances culturais.

    Durante a juventude de Maquiavel, Florena era governada pelo famosoLorenzo Medici, o Magnfico. Em 1492, Medici morreu e sua famlia foiexpulsa de Florena, que se tornou uma repblica em 1498. Aos 29anos de idade, Maquiavel conquistou um alto cargo na administraocivil da repblica.

    Ao longo dos quatorze anos seguintes, ele participou de diversasmisses diplomticas, tendo viajado pela Frana, Alemanha e pelointerior da Itlia.

    Florena poca de Maquiavel

    Maquiavel viveu durante a Renascena Italiana, o que explica boa partedas suas ideias.

    Na Itlia do Renascimento reina grande confuso. A tirania impera empequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes

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    sem tradio dinstica ou de direitos contestveis. A ilegitimidade dopoder gera situaes de crise instabilidade permanente, onde somente oclculo poltico, a astcia e a aco rpida e fulminante contra osadversrios so capazes de manter o prncipe. Esmagar ou reduzir impotncia a oposio interna, atemorizar os sbitos para evitar a

    subverso e realizar alianas com outros principados constituem o eixoda administrao.

    Como o poder se funda exclusivamente em actos de fora, previsvel enatural que pela fora seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem areligio nem a tradio, nem a vontade popular legitimaram e ele tem decontar exclusivamente com sua energia criadora. A ausncia de umEstado central e a extrema multipolarizao do poder criam um vazio,que as mais fortes individualidades tm capacidade para ocupar.

    At 1494, graas aos esforos de Loureno, o Magnfico, a pennsulaexperimentou uma certa tranquilidade.

    Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. Adesordem e a instabilidade ficaram incontrolveis. Para piorar asituao, que j estava grave devido aos conflitos internos entre osprincipados, somaram-se as constantes e desestruturados invases dospases prximos como a Frana e a Espanha. E foi nesse cenrioconturbado, onde nenhum governante conseguia se manter no poderpor um perodo superior a dois meses, que Maquiavel passou a suainfncia e adolescncia.

    Algumas mximas maquiavlicas

    Os fins justificam os meios

    No se pode chamar de valor assassinar seus cidados, trair seusamigos, faltar a palavra dada, ser desapiedado, no ter religio.Essas atitudes podem levar conquista de um imprio, mas no glria

    Homens ofendem por medo ou por dioAssegurar-se contra os inimigos, ganhar amigos, vencer por foraou por fraude, fazem-se amar a e temer pelo povo, ser seguido erespeitado pelos soldados, destruir os que podem ou devem causardano, inovar com propostas novas as instituies antigas, sersevero e agradvel, magnnimo e liberal, destruir a milcia infiel ecriar uma nova, manter as amizades de reis e prncipes, de modoque lhe devam beneficiar com cortesia ou combater com respeito,no encontrar exemplos mais actuais do que as aces do duque.

    Um prncipe sbio deve observar modos similares e nunca, emtempo de paz, ficar ocioso"

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    Pois o homem que queira professar o bem por toda parte natural que se arrune entre tantos que no so bons.

    vindo a necessidade com os tempos adversos, no se tem tempopara fazer o mal, e o bem que se faz no traz benefcios, pois julga-

    se feito fora, e no traz reconhecimento.

    Tendo o prncipe necessidade de saber usar bem a natureza doanimal, deve escolher a raposa e o leo, pois o leo no sabe sedefender das armadilhas e a raposa no sabe se defender da forabruta dos lobos. Portanto preciso ser raposa, para conhecer asarmadilhas e leo, para aterrorizar os lobos.

    Pelo que se nota que os homens ou so aliciados ou aniquilados

    Busto de Maquiavel em Florena, Itlia

    *****

    Maquiavel casou em 1502 com Marietta Corsini, de quem teve quatrofilhos e duas filhas.

    Em 1510, inspirado por sua leitura sobre a histria romana, organizouuma milcia civil da Repblica de Florena. Todavia, em Agosto de1512, um exrcito espanhol entrou na Toscana e saqueou Prato.Aterrorizados, os florentinos depuseram seu governante, Pier Soderini,a quem Maquiavel havia caracterizado como bom, porm fraco, epermitiram a volta da famlia Medici ao poder.

    Em 7 de Novembro do mesmo ano, pouco aps os Medici assumiremnovamente o poder, Maquiavel foi demitido de seu cargo, e no anoseguinte, foi preso por ter supostamente colaborado contra a famlia

    Medici.

    http://www.biografia.wiki.br/wp-content/uploads/2009/08/Personalidades-Fil%E3%B3%AFfos-It%E1%AC%A9a-NICOLAU-MAQUIAVEL-Busto.jpg
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    Ele foi torturado, mas ainda assim insistiu ser inocente. Foi libertadonaquele mesmo ano, e a partir de ento, se isolou, vivendo em umapequena propriedade em San Casciano, prximo a Florena. Semperspectivas de conseguir uma nomeao para o novo governo,Maquiavel se dedicou a escrever livros.

    Durante os 14 anos seguintes, Maquiavel escreveu diversos livros. Suaobra mais famosa foi O Prncipe (1513). Tambm escreveu A Arte daGuerra e Histria de Florena. Mas seu mais brilhante e conhecidotrabalho , sem dvida, O Prncipe.

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    O Prncipe

    O PrncipeCapa da edio de 1580

    Em sua obra O Prncipe, Nicolau Maquiavel mostra a sua preocupaoem analisar acontecimentos ocorridos ao longo da histria, de modo acompar-los actualidade de seu tempo

    O Prncipe consiste de um manual prtico dado ao Prncipe Lorenzo de

    Mdici como um presente, o qual envolve experincia e reflexes doautor. Maquiavel analisa a sociedade de maneira fria e calculista e nomede esforos quando trata de como obter e manter o poder.

    A obra-prima de Maquiavel pode ser considerada um guia de conselhospara governantes. O tema central do livro o de que para permanecerno poder, o lder deve estar disposto a desrespeitar qualquerconsiderao moral, e recorrer inteiramente fora e ao poder dadecepo. Maquiavel escreveu que um pas deve ser militarmente forte eque um exrcito pode confiar somente nos cidados de seu pasumexrcito que dependia de mercenrios estrangeiros era fraco e

    vulnervel.

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    A obra dividida em 26 captulos, que podem ser agregados emcinco partes, a saber:

    *captulo I a XI: anlise dos diversos grupo de pricipados e meios deobteno e manuteno destes;

    captulo XII a XIV: discusso da anlise militar do Estado;

    captulo XV a XIX: estimativas sobre a conduta de um Prncipe;captulo XX a XXIII: conselhos de especial interesse ao Prncipe;

    captulo XXIV a XXVI: reflexo sobre a conjuntura da Itlia suapoca.

    Maquiavel mostra, atravs de claros exemplos, a importncia doexrcito, a dominao completa do novo territrio atravs de sua estadianeste; a necessidade da eliminao do inimigo que no pas dominadoencontrava-se e como lidar com as leis pr-existentes sua chegada; oconsentimento da prtica da violncia e de crueldades, de modo a obterresultados satisfatrios, onde se encaixa perfeitamente seu to famosopostulado de que os fins justificam os meios como os pontos maisimportantes.

    O pensamento de Maquiavel, na obra, reflecte sobre os perigos e

    dificuldades que tem o Prncipe com suas tropas, compostas de forasauxiliares, mistas e nacionais, e destaca a importncia da guerra paracom o desenvolvimento do esprito patritico e nacionalista que vem aunir os cidados de seu Estado, de forma a torn-lo forte.

    Maquiavel afirma ainda que um lder deve buscar o apoio de seu povo.Para a surpresa de muitos, o autor explicou que ao assumir o poderdeve-se cometer todas as crueldades de uma s vez, para no ter quevoltar a elas todos os diasOs benefcios devem ser oferecidosgradualmente, para que possam ser melhor apreciados.

    Maquiavel tambm ensinou que para obter sucesso, um lder deve estarcercado por ministros leais, competentes e confiveis.

    Um dos temas mais importantes de O Prncipe o debate sobre aseguinte questo: prefervel que um lder seja amado ou temido?Maquiavel responde que importante ser amado e temido, porm, melhor ser temido que amado.

    Ele explica que o amor um sentimento volvel e inconstante, j que aspessoas so naturalmente egostas e podem frequentemente mudar sua

    lealdade. Porm, o medo de ser punido um sentimento que no podeser modificado ou ignorado to facilmente.

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    Maquiavel tambm afirma que, se necessrio, um governante devementir e trapacear. O autor declara que melhor para um lder caluniardo que agir de acordo com suas promessas, se estas forem resultar emconsequncias adversas para sua administrao e seus interesses.

    Da mesma forma que Maquiavel acreditava que os lderes deveriam serfalsos quando preciso, ele os aconselhava a ficarem atentos em relaos promessas de outros: eles tambm podem estar mentindo caso sejade interesse deles.

    Mostra a necessidade de uma certa versatilidade que deve adoptar ogovernante em relao ao seu modo de ser e de pensar a fim de que seadapte s circunstncias momentneasqualidades, em certasocasies, como afirma o autor, mostram-se no to eficazes quantodefeitos, que , nesse caso, tornam-se prprias virtudes;da temeridade dele perante a populao afeio, como medida deprecauo revolta popular, devendo o soberano apenas evitar o dio;da utilizao da fora sobreposta lei quanto disso dependeramcondies mais favorveis ao seu desempenho; e da sua boa imagem emface aos cidados e Estados estrangeiros, de modo a evitar possveisconspiraes.

    H claramente um questionamento das utilidades das fortalezas eoutros meios em vistas fins de proteco do Prncipe;o modo em que encontrar mais serventia em pessoas queoriginalmente lhe apresentavam suspeitas em contrapartida s

    primeiras que nele depositavam confiana;com