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2499 “A PROPAGANDA É A ALMA DO NEGÓCIO”: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE FUNCIONAL - DISCURSIVA DO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO Rosane Cassia Santos e Campos - UFMG A palavra publicidade, segundo o dicionário Aurélio (1996, p.1414), está calcada no francês publicité, que significa “a arte de exercer uma ação psicológica sobre o público com fins comerciais ou políticos.” A importância no estudo da argumentação no gênero texto publicitário consiste em explicitar que na produção desse texto são visíveis marcas argumentativas estilísticas que a língua nos oferece como caminho para se atingir determinados objetivos argumentativos que figuram como forma de conquista do consumidor a que se referem e, assim, atingem a conseqüente venda do produto. Através da argumentação, percebemos não só a dinamicidade da relação entre os participantes e, dessa maneira,como se dá a comunicação especificamente, assim como a interpretação de situações em que ela se processa. Fica claro que, para que tal mecanismo argumentativo alcance seus objetivos, a produção do texto (aspectos lingüísticos ou sócio-históricos) deve considerar ações tanto dos interlocutores, quanto do meio a estes que pertencem. Entendo “meio” como ambientes sociais, econômicos, culturais, étnicos, etários e outros que possam ser de importância fundamental para que a interação ocorra, uma vez que julgo o conhecimento de mundo como peça fundamental para análise e compreensão daquilo que o texto argumentativo da campanha publicitária objetiva.Torna-se imprescindível identificar e descrever quais processos lingüísticos estão envolvidos na produção do gênero anúncio publicitário e de que forma se realizam, uma vez que se concebe a noção de gêneros textuais (e aqui se insere o texto da campanha publicitária) como algo que opera dentro de habilidades de comunicação e de interação.Tal afirmação comunga com Marcuschi (mimeo) a idéia de que “o texto escrito apresenta traços de interatividade que estabelecem uma relação direta do escrevente com seu interlocutor”. Há de se relevarem considerações de Bakhtin em que se é vislumbrado um peso no discurso, na interação comunicativa.O texto resulta, segundo esse autor, de um contexto, de uma situação histórica, de uma perspectiva interacionista.Língua é, então, uma atividade social e possui as dimensões gramatical, semântica, sintática e lexical. De uma outra forma, em uma perspectiva cognitivista, o sujeito constrói e reconstrói a língua, opera sobre ela e institui a si mesmo por meio dela. São objetivos primeiros da linguagem publicitária: 1-Prender a atenção do público a que se destina. Essa tarefa não é fácil, tendo em vista o enorme (em quantidade e diversidade) leque propagandístico que existe, ocupando os mais diferentes ambientes sociais (ônibus, revistas, jornais, outdoors, quadros de avisos em hospitais, escolas...). 2- Levar o consumidor à ação do consumo. É por se importar com esse objetivo que os recursos utilizados em textos de propagandas têm como essência fazer com que o consumidor se prenda ao produto, ocupe-se com a mensagem, memorize- a, por fim levando-o ao ato de agir, de consumir. É por se perceber a produção de anúncios como algo com claro objetivo social e público-alvo definido que é importante investigar seu papel em um processo funcional-discursivo. A interação, então, é proporcionada, também, através da escolha vocabular, do uso de fotos e gravuras que, como recursos histórico-sociais, podem “hipnotizar” o leitor, trabalhando de forma consoante com os recursos lingüísticos que o texto pode vir a apresentar. O que considerar recursos histórico-sociais?

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“A PROPAGANDA É A ALMA DO NEGÓCIO”: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE FUNCIONAL - DISCURSIVA DO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO

Rosane Cassia Santos e Campos - UFMG

A palavra publicidade, segundo o dicionário Aurélio (1996, p.1414), está calcada no francês

publicité, que significa “a arte de exercer uma ação psicológica sobre o público com fins comerciais ou políticos.”

A importância no estudo da argumentação no gênero texto publicitário consiste em explicitar que na produção desse texto são visíveis marcas argumentativas estilísticas que a língua nos oferece como caminho para se atingir determinados objetivos argumentativos que figuram como forma de conquista do consumidor a que se referem e, assim, atingem a conseqüente venda do produto.

Através da argumentação, percebemos não só a dinamicidade da relação entre os participantes e, dessa maneira,como se dá a comunicação especificamente, assim como a interpretação de situações em que ela se processa. Fica claro que, para que tal mecanismo argumentativo alcance seus objetivos, a produção do texto (aspectos lingüísticos ou sócio-históricos) deve considerar ações tanto dos interlocutores, quanto do meio a estes que pertencem. Entendo “meio” como ambientes sociais, econômicos, culturais, étnicos, etários e outros que possam ser de importância fundamental para que a interação ocorra, uma vez que julgo o conhecimento de mundo como peça fundamental para análise e compreensão daquilo que o texto argumentativo da campanha publicitária objetiva.Torna-se imprescindível identificar e descrever quais processos lingüísticos estão envolvidos na produção do gênero anúncio publicitário e de que forma se realizam, uma vez que se concebe a noção de gêneros textuais (e aqui se insere o texto da campanha publicitária) como algo que opera dentro de habilidades de comunicação e de interação.Tal afirmação comunga com Marcuschi (mimeo) a idéia de que “o texto escrito apresenta traços de interatividade que estabelecem uma relação direta do escrevente com seu interlocutor”.

Há de se relevarem considerações de Bakhtin em que se é vislumbrado um peso no discurso, na interação comunicativa.O texto resulta, segundo esse autor, de um contexto, de uma situação histórica, de uma perspectiva interacionista.Língua é, então, uma atividade social e possui as dimensões gramatical, semântica, sintática e lexical.

De uma outra forma, em uma perspectiva cognitivista, o sujeito constrói e reconstrói a língua, opera sobre ela e institui a si mesmo por meio dela.

São objetivos primeiros da linguagem publicitária: 1-Prender a atenção do público a que se destina. Essa tarefa não é fácil, tendo em vista o enorme (em quantidade e diversidade) leque

propagandístico que existe, ocupando os mais diferentes ambientes sociais (ônibus, revistas, jornais, outdoors, quadros de avisos em hospitais, escolas...).

2- Levar o consumidor à ação do consumo. É por se importar com esse objetivo que os recursos utilizados em textos de propagandas têm

como essência fazer com que o consumidor se prenda ao produto, ocupe-se com a mensagem, memorize-a, por fim levando-o ao ato de agir, de consumir.

É por se perceber a produção de anúncios como algo com claro objetivo social e público-alvo definido que é importante investigar seu papel em um processo funcional-discursivo. A interação, então, é proporcionada, também, através da escolha vocabular, do uso de fotos e gravuras que, como recursos histórico-sociais, podem “hipnotizar” o leitor, trabalhando de forma consoante com os recursos lingüísticos que o texto pode vir a apresentar.

O que considerar recursos histórico-sociais?

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Recursos histórico-sociais são aqueles que se apresentam na construção do texto, tais como gravuras, fotos, disposição de cores, para que se componha o texto da campanha publicitária.Entendo-os como históricos uma vez que pertencem a um determinado contexto no tempo, facilmente identificado pelos interlocutores, uma vez que estão fazendo parte dele como sujeitos atuantes.Por recursos sociais entendo aqueles que são compartilhados por sociedades as mais diversas e comungam de valores específicos atribuídos pelos grupos, tais como conceitos estéticos referentes a beleza, alegria, tristeza, preconceito.São arbitrariamente considerados em um contexto e desconsiderados em outro, por exemplo.

Assim, dentro de uma visão claramente apresentada, o texto publicitário apresentado abaixo, mostra como se processa a construção textual de maneira a esclarecer que a linguagem é a representação e organização do pensamento coletivo.

A escolha do substantivo “promoção” traz uma conotação social muito positiva. “promoção” seria uma chance de o consumidor conseguir algo que poderia ser difícil de outra maneira.

A coordenação das orações “comprou” “ganhou”, deixa-nos implícito que a relação é de conclusão, proporcionada pelo conhecimento de mundo que uma (“ganhou”) só pode existir a partir de outra (“comprou”).

Todo o contexto não verbal vem reforçar a questão do lúdico: para uma criança, o importante é brincar, o que virá como consequência do ato de comprar roupas destinado aos seus pais. Comprar passa a ser agora algo prazeroso, já que a sua compra será recompensada com um presente. Talvez esse seja um modo de a mudança na argumentação levar o consumidor a considerar que adquirir roupas infantis na loja mencionada pela propaganda seja uma boa opção. Dessa forma, a escolha por tal loja e não por outra será evidente, agradando a pais e filhos.

Entendemos que os fatores históricos aqui presentes estão relacionados ao ato de consumir como sendo uma necessidade coletiva de sobrevivência e de se apresentar para a comunidade.

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VENDA JÓIAS NO FINAL DO ANO

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AUMENTE O PODER DE FOGO DE SUA LOJA.

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Por ser um texto fundamentalmente interativo, a propaganda possui marcas de uma atitude que além de agir, provoca a ação do outro nos mesmos moldes.

Seria um motivador da semântica atribuir valor (= sentido) a um enunciado como parte de uma negociação social, parte de referências. O processo de comunicação não pressupõe passividade. Ao contrário, ele é ativo e não há quem constrói linguagem (frases, enunciados) e quem a recebe. A linguagem parte da idéia de que as representações são co-construídas.

Após a leitura dos textos publicitários acima, é possível que sejam identificadas várias escolhas lexicais feitas pelo produtor dos anúncios com um fim específico de “seduzir” seu público-alvo. Vejamos como isso se apresenta:

Em um processo tipicamente argumentativo, a forma verbal do infinitivo teria papel relevante, mas não tão significativo como o uso do imperativo. A transmissão da impessoalidade, sugerida pelo infinitivo impessoal, apresenta algo para alguém com quem os laços de intimidade são frouxos, distantes.

CUIDE BEM DA CIRCULAÇÃO DO SEU CAIXA.

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Daí surge a necessidade de ter os verbos conjugados no imperativo já que só se dá uma ordem a quem se conhece.Aqui é vislumbrada, mais uma vez a possibilidade do uso de termos gramaticais específicos que se apresentariam para construir um laço de proximidade entre o produtor do anúncio e o público muito mais estreito e, por que não dizer, pessoal? O uso do imperativo traz ao enunciado um caráter argumentativo de menor distanciamento que o uso de um possível infinitivo impessoal, só pelo nome, já explicitaria a noção de afastamento.

“Venda jóias no final do ano” X

Vender jóias no final do ano

Aumente o poder de fogo de sua loja” X

Aumentar o poder de fogo de sua loja

“Cuide bem da circulação de seu caixa” X Cuidar bem da circulação de seu caixa

É fácil que se perceba um claro canal de envolvimento entre autor/leitor, interlocutor e assunto, pela escolha de um verbo e não por outro. Tal envolvimento, no texto de um anúncio publicitário, só é possível se houver sintonia entre quem faz o anúncio, o que é anunciado e as possíveis necessidades do consumidor.

Além desses aspectos já observados, há de se considerar outros procedimentos sociais na

construção do significado do texto: *Analisar o contexto e ultrapassar a interpretação semântica pura, do enunciado em si mesmo. *O contexto é definido pelo destinatário que procura a interpretação mais provável para o

enunciado. *um enunciado reflete condições específicas e finalidade de sua esfera de origem por conteúdo

temático, estilo verbal (escolhas lexicais e gramaticais) e construção composicional (idéia da forma do todo, dirige o processo discursivo, dita o tipo de oração preferencial e sua articulação composicional.).

A importância da escolha lexical é notadamente percebida ao se considerar que ela faz parte da construção de todo enunciado. Imagine que a construção do anúncio acima se configurasse, por exemplo, da seguinte forma: VENDER JÓIAS NO FINAL DO ANO. Com esse modelo de construção, é facilmente notado o caráter de distanciamento que se apresenta a construção do infinitivo impessoal que não diz a um ser especificamente, e, assim, não possui tanta força argumentativa. Já a forma imperativa “VENDA JÓIAS NO FINAL DO ANO” que dirige o seu texto a alguém diretamente, ao usar uma pessoa em específico como interlocutor, dentro de um contexto que apresenta o final do ano como época típica para vender\consumir algo, torna-se mais direta. Conversar diretamente com seu interlocutor seria uma forma de valorizá-lo, de fazê-lo se sentir importante, considerado.

Vejamos o texto abaixo:

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Livre de gravuras ou outro contexto, ao se analisar apenas o texto verbal, em uma primeira leitura, há de se considerar o texto amplamente preconceituoso dentro das noções sociais machistas, ao se relevarem termos como: “ele gosta de aventura” “aventura” “ele escolher o carro novo”.

Tal caráter reforça a noção de que a argumentação, então, é feita, também, através da escolha vocabular, além do uso de fotos e gravuras que, como recursos histórico-sociais, podem “hipnotizar” o leitor, trabalhando de maneira consoante com os aparatos lingüísticos que o texto pode vir a apresentar.

Veja que o enunciado anterior traz em si a idéia de que “ele”, o homem, está associado, em conceitos sociais, à aventura, ao descompromisso; “ele” escolhe o carro novo.”Carro” pressupõe status, força social e, está incondicionalmente ligado à figura masculina.Assim que nasce, o menino já começa a ganhar automóveis para que possa observá-los, reproduzir-lhes o som e torná-los seu bem de consumo mais desejado. A velocidade já lhe é apresentada como sendo algo tipicamente masculino, de poder, de liberdade. Vemos, em diversos anúncios, sejam eles de mídia impressa ou não, o carro ligado à figura do homem, apto a fazer sua escolha por esse bem de consumo. De outro lado, associa-se à figura da mulher o lado do “carona”, e também são atribuídas a ela piadas que a desqualificam como motorista.

Escolher um bem de papel tão relevante socialmente requer responsabilidade, uma possível atitude masculina, segundo os valores históricos da sociedade brasileira.

Na escolha do vocabulário, nesse texto especificamente, somos levados a nos lembrar da relação homem-mulher por outro valor semântico que o termo “aventura” pode conter. É comum, no dia-a-dia, fazermos referência a um comportamento menos comprometido, na relação homem-mulher, usando o termo “aventura”(aventura, socialmente, seria um relacionamento sem compromisso). Há outro significado para o termo “aventura” que está relacionado a lazer, prazer, falta de compromisso com a realidade e tudo o que ela nos impõe: trabalho, obrigações, compromisso, ou seja, algo que não pressupõe seriedade (em sua concepção mais específica) e comprometimento.

Após relevar tais aspectos do significado, há de se enquadrar o texto a que nos referimos em todo um universo do dizer: é possível arriscar, por em “aventura”, uma escolha tão significativa quanto a opção por um carro? Dentro dos moldes em que o texto se conduz: DEFINITIVAMENTE NÃO!

Ao se associar texto verbal e não-verbal, vemos que nos aparece claramente um famoso personagem de uma série americana em que se processa a aventura “24 horas”. Assim, as palavras tomam uma outra direção e nos levam aos riscos que tal personagem corre durante as aventuras pelas quais passa.

Em uma sinopse do que seria a série estrelada por ele, encontraríamos: “Jack Bauer é o protagonista da série norte-americana de televisão denominada 24 Horas, e é interpretado por Kiefer Sutherland.

Em todas as temporadas da série, Jack Bauer enfrenta as ameaças aos EUA e defende seu governo. Este personagem é foco de polêmicas graças a representação de tortura ao obter informações dos antagonistas em alguns episódios.”

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A expressão “nem ele” - agora claramente explicada pelo contexto o qual apresenta o filme e a personagem - nos mostra que nem mesmo alguém, do sexo masculino, que vive “24 horas” em uma constante “aventura” escolheria um carro, para ser seu, de forma tão irresponsável, descompromissada, até mesmo leviana.

Segundo Apothéloz & Reicher-Béguelin(1995):(...) os chamados “objetos de discurso” não

preexistem “naturalmente” à atividade cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, mas devem ser concebidos como produtos – fundamentalmente culturais – dessa atividade. Dessa maneira, fica clara a construção do significado a partir de todos esse conceitos aqui vislumbrados e que aparentemente são inconscientes, mas não ignorados pelo produtor do anúncio, uma vez que um de seus objetivos é a sedução, caminho para o consumo. Cada conceito acima revelado comunga com a idéia da concepção de conceitos culturais, socialmente concebidos e compartilhados.Koch &Marcuschi (1998) reforçariam tal ponto de vista na medida em que afirmam que a “discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em um simples processo de elaboração de informações, mas em um processo de (re)construção do próprio real (...) a realidade é construída, mantida e alterada não apenas pela forma como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele. Interpretamos e construímos nosso mundo na interação com o entorno físico, social e cultural.”

Mondada (2001) afirma que “os objetos de discurso são entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados, desenvolvidos e transformados objetos de discurso que não preexistem a ele e que não têm uma estrutura fixa, mas que, ao contrário, emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica discursiva.”

A argumentação constitui, portanto, uma atividade discursiva. O sujeito, por ocasião da interação verbal, opera sobre o material lingüístico que tem à sua disposição, realizando escolhas significativas para

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representar estados de coisas, com vistas à concretização de sua proposta de sentido. (...) “as formas de referenciação (...) constituem escolhas do sujeito em função de um querer-dizer.” (Koch 2002).

Para Saussure, a língua é abstração, produto acabado, independente dos falantes e das situações em que o sistema é usado. Dentro da perspectiva a que este trabalho se propõe, seria impossível aceitar tal concepção. Não creio que haja um sistema acabado. As relações para a construção do social são processos que irão intermediar não só o contato entre os seres humanos (sociais por excelência), mas o que produzirão para que a comunicação se efetive. Assim é possível que percebamos que o que é relevante ou amplamente apresentado por uma sociedade “X” e seus membros nem é relevado ou apresentado por uma sociedade “Y”.

Já Benveniste (1940-1970), ao considerar a enunciação como fator fundamental e a língua como ato individual de utilização, reforça a questão do social da construção conjunta para que a argumentação e seus objetivos se realizem. A relação com o mundo acontece ente EU/TU que representam o mundo, são pessoas da enunciação.Há, então, um peso no sujeito; este ganha espaço, uma vez que ocorre uma situação concreta de uso, de comunicação em que ele se envolve.

Benveniste acredita que há palavras plenas - signos “comuns”,que seriam conceitos estáticos (pronomes, advérbios de tempo, advérbios de lugar) - e palavras indexicais que são aquelas que permitem ao homem entrar na língua e tornar-se sujeito.Por meio de palavras indexicais, o homem faz seu ingresso no mundo para construir palavras plenas.Se o homem entrar nas palavras indexicais, é sujeito da língua e pode lidar com as palavras e discutir. Nesse momento, quando o homem entra na língua, acontece a enunciação. Os signos tidos como comuns (palavras plenas) precisam se enunciados para que o homem torne-se sujeito da língua e, dessa forma, lidar com as palavras, argumentar, construir. Percebemos, claramente, como o processo de inserção na língua se efetiva para a construção do significado que se pretende.

Quando Bakhtin afirma que todo texto resulta de um contexto, de uma situação histórica, reforça a idéia aqui apresentada de que não há como criar um texto e seus significados, visando a um objetivo em específico (no caso do texto do anúncio publicitário) sem que os elementos sociais de contexto sejam relevantes. O enunciado, então, enquanto produção individual, tem estilo individual que é criado, reinventado em uma coletividade. A linguagem é, então, a representação e organização do pensamento coletivo.A língua serve para se viver, para fazer parte do dia-a-dia.Os signos participam de temas que se acoplam à significação e fazem o jogo do “retratar” e “refratar”.

Dessa forma, é importante afirmar a crença no texto como produto que mediará as práticas sociais. A língua está sempre contando com o trabalho dos falantes na interação em que se processa a comunicação para que o enunciado faça sentido. Referências

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Interação em anúncios publicitários. In: Preti D. (org). Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas/FFLCH/ USP, 2002, p17 - 44 CRUZ, Imíramis Fernandes da. .Marcas lingüísticas de envolvimento no discurso escolar oral e escrito. 1998. Dissertação (Mestrado em Letras). - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação.As categorias de pessoa, espaço e tempo.São Paulo: Ática, 1996 HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold (Publishers) LTD,1985 HALLIDAY, M. A. K. As bases funcionais da linguagem.(1973). In Dascal, M. (org). Fundamentos metodológicos da lingüística. São Paulo: Global, v.1, 1978, p 125-161. ILARI R. & GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 1990.

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MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Cortez, 2002. MARCUSCHI, L. A. Marcas de interatividade no processo de textualização na escrita. UFPE, 1997.(Apostila) MOURA, Heronildes Maurílio de Melo. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmática. 2 ed. Florianópolis: Insular, 2000. NEVES, Maria Helena de Mora. A gramática funcional. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,1997.