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KEILA REJANE WARMLING “CRIANÇA A ALMA DO NEGÓCIO”: ANÁLISE DE PROPAGANDAS DIRECIONADAS AO PÚBLICO INFANTIL SINOP-MT 2012

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KEILA REJANE WARMLING

“CRIANÇA A ALMA DO NEGÓCIO”: ANÁLISE DE

PROPAGANDAS DIRECIONADAS AO PÚBLICO INFANTIL

SINOP-MT

2012

2

KEILA REJANE WARMLING

“CRIANÇA A ALMA DO NEGÓCIO”: ANÁLISE DE

PROPAGANDAS DIRECIONADAS AO PÚBLICO INFANTIL

Monografia apresentada à Banca

Examinadora do Departamento de Letras

– UNEMAT, Campus Universitário de

Sinop como requisito para a obtenção do

título de Especialista em Linguística

Aplicada ao Ensino de Línguas

Portuguesa e Inglesa.

Orientador: Profa. Ms. Neusa Inês Philippsen

SINOP-MT

2012

3

“CRIANÇA A ALMA DO NEGÓCIO”: ANÁLISE DE PROPAGANDAS

DIRECIONADAS AO PÚBLICO INFANTIL

_____________________________________

Keila Rejane Warmling Pós-Graduanda

____________________________________________

Profa. Ms. Neusa Inês Philippsen Professor Orientador

UNEMAT - Campus Universitário de Sinop

______________________________________

Profª. Esp. Helenice Joviano Roque de Faria Professora Avaliadora

UNEMAT - Campus Universitário de Sinop

_____________________________________________

Profª. Dra. Tânia Pitombo de Oliveira Professora Avaliadora

UNEMAT - Campus Universitário de Sinop

Prof. Ms. Terezinha Della Justina Coordenadora da Especialização em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas Portuguesa e Inglesa

UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

______________________________________

Profª. Dra. Luzia Aparecida Oliva dos Santos Chefe do Departamento de Letras

UNEMAT - Campus Universitário de Sinop

SINOP

______ de _______________de 2012.

4

Dedico aos meus pais, que sempre foram meu

alicerce, me dando força nos momentos difíceis e

jamais permitindo que eu desistisse desse sonho;

À todos os professores que me acompanharam no

decorrer desta trajetória me proporcionando

reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem e

me fazendo enxergar além do esperado.

À minha orientadora, professora Neusa Inês

Philippsen, pela dedicação e por acreditar no meu

trabalho, sendo minha grande incentivadora.

Keila.

5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ser meu refúgio e fortaleza, me permitindo chegar até

aqui.

Aos meus queridos pais que mesmo distante, jamais deixaram de acreditar em mim,

compartilhando meus anseios, medos, sonhos, angústias e vitórias.

À minha orientadora pela paciência e apoio.

Aos meus colegas de classe pelo companheirismo.

À todos os meus mestres pela dedicação, pelo carinho, e pela formação que me

concederam.

Às professoras Helenice Joviano Roque de Faria e Tânia Pitombo de Oliveira, pela

participação da Banca Avaliadora, contribuindo com essa etapa tão importante da minha

formação.

Obrigada a todos.

6

Todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito

e, se possível, dizer algumas palavras sensatas.

Goethe

7

RESUMO

WARMLING, Keila Rejane. “CRIANÇA, A ALMA DO NEGÓCIO”: ANÁLISE DE

PROPAGANDAS DIRECIONADAS AO PÚBLICO INFANTIL. 2012. p. 65.

Monografia (Pós-Graduação em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas Portuguesa e

Inglesa) – Universidade do Estado de Mato Grosso/ Campus Universitário de Sinop.

Tendo em vista que as Propagandas utilizam-se tanto da linguagem verbal como da

não-verbal para induzir o leitor/consumidor à aquisição dos produtos ofertados, seja no meio

impresso (revistas, jornais), na televisão e, mais recentemente, na internet, objetiva-se através

do presente trabalho monográfico analisar a linguagem presente nas propagandas direcionadas

ao público infantil, mais especificamente, verificar a persuasão resultante dos efeitos de

sentidos produzida pela relação entre linguagem verbal e não-verbal e o contexto sócio-

histórico-ideológico. Para isso, serão aplicados princípios teóricos da Análise de Discurso de

linha francesa discutidos por Maingueneau (1998), Gregolin (1995), Orlandi (2007), Pêcheux

(1997), entre outros, bem como, Carvalho (2009), Citelli (1995), Bolinger (1980) e Hauly

(2009). Estes últimos referentes à Linguagem Publicitária e Ética na Propaganda. As

propagandas a serem analisadas são referentes a produtos de beleza, sendo observadas nas

marcas de produtos da AVON e JEQUITI (revistas impressas destinadas à venda), P&W

(disponível em site de venda online) e revista CRESCER (de conteúdo informativo).

Palavras-chave: Análise do Discurso. Linguagem e Propaganda. Persuasão. Público Infantil.

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ABSTRACT

WARMLING, KeilaRejane. “CHILDREN THE SOUL OF BUSINESS”: AN ANALYSIS OF

ADVERSTISEMENTS DIRECTED TO THE CHILDREN PUBLIC. 2012. p.65.

Monograph (Graduate Diploma in Applied Linguistics to the Teaching of Portuguese and

English) University of the State of Mato Grosso/ Campus Sinop.

The adverstisements use verbal language and non verbal language to induce the reader/

consumer to buy the products offered, this advertisements are in magazines, newspapers, on

the television and, more recently, in the Internet. This present monograph has the objective to

analyze the language present in advertisements directed to the children, more specifically,

check the effects of meanings produced by the relationship between verbal and non verbal and

socio-historical-ideological. To do it, will be applied theoretical principles of Discourse

Analysis, the French line discussed by Maingueneau(1998), Gregolin (1995), Orlandi(2007),

Pêcheux(1997), and others, and, Carvalho (2009), Citelli (1995), Bolinger (1980) and Hauly

(2009). The latter related to language and Advertising Ethics in Advertising. The

advertisements analyzed are about beauty products, of the related brands: AVON and

JEQUITI (print magazines intended for sale), P&W (available on web site selling online) and

CRESCER magazine (information content).

Keywords: Discourse Analysis. Language and Advertisements. Inducement. Public Child.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO _____ __________ 11

1 A TEORIA DO DISCURSO___________________ __________ _____ 12

1.1 Condições de Produção e Interdiscurso_______________________________________12

1.2 Formação Discursiva_____________________________________________________13

1.3 Ideologia e Sujeito_______________________________________________________14

2 A LINGUAGEM DA PROPAGANDA__________________________ 21

3 VALORES ÉTICOS PARA A PUBLICIDADE INFANTIL___ _____ 28

4 A PRODUÇÃO DOS SENTIDOS NAS PROPAGANDAS

INFANTIS____________________ ______ __________ _____ 36

4.1 Propagandas Infantis veiculadas na revista AVON___________________________36

4.1.1 Considerações analíticas sobre a Linha Disnep Princess________________________38

4.1.2 Considerações analíticas sobre a Linha Disnep Pixar Cars______________________41

4.1.3 Considerações analíticas sobre a Coleção Barbie Loves Glitter __________________43

4.1.4 Considerações analíticas sobre a Coleção Barbie _____________________________45

4.2 Propagandas Infantis veiculadas na revista JEQUITI_________________________47

4.2.1 Considerações analíticas sobre a Coleção Jequiti Liga da Justiça_________________49

4.2.2 Considerações analíticas sobre a Linha Jequiti Penélope Charmosa_______________51

4.2.3 Considerações analíticas sobre a Linha Jequiti Maísa__________________________52

4.3 Propagandas Infantis veiculadas pela marca P&W___________________________53

4.3.1 Considerações analíticas sobre a Linha de Maquiagem da Moranguinho ___________53

4.4 Propagandas Infantis veiculadas na revista CRESCER_______________________56

4.4.1 Considerações analíticas sobre a propaganda da marca “Huggies Turma da

Mônica”__________________________________________________________________58

4.5 Teceres discursivos sobre os suportes de publicidade infantil evidenciados na

pesquisa__________________________________________________________________59

10

PONTOS DE FECHAMENTO _______________ _____ __________ 61

REFERÊNCIAS __________________ __________ _____ 63

11

INTRODUÇÃO

Sabe-se que as propagandas publicitárias funcionam como um meio de induzir à

aquisição dos produtos anunciados, utilizando-se de uma linguagem persuasiva e apelativa,

que pode ser representada tanto pelo verbal quanto pelo imagético, ou ainda, no caso da

televisão, pelos recursos sonoros.

Nesse sentido, o presente trabalho monográfico tem como finalidade analisar, por

meio da teoria da Análise de Discurso de Linha Francesa (AD), a linguagem das propagandas

direcionadas ao público infantil, tendo em vista que, nesta faixa etária ainda não há

discernimento para distinguir o caráter persuasivo da publicidade, o que tem gerado inúmeras

discussões a respeito do assunto.

Para tanto, apresentar-se-á, no primeiro capítulo deste trabalho, a teoria discursiva,

embasada nos princípios teóricos defendidos por ORLANDI (2007), GREGOLIN (1995),

MAINGUENEAU (1998), PÊCHEUX (1997), dentre outros. Este capítulo está dividido em

subitens, o qual traz as noções operatórias da AD francesa, sendo inicialmente abordadas as

Condições de Produção e o Interdiscurso, em seguida, as Formações Discursivas e, para

finalizar, as noções de Ideologia e de Sujeito.

No segundo capítulo far-se-ão considerações a respeito da Linguagem da

Propaganda, tendo em vista, os diversos recursos utilizados pelos publicitários para convencer

o consumidor por meio dos aspectos semânticos e gramaticais, pelas rimas, ritmos, grafias

exóticas, ambiguidades, metáforas, dentre outras. No caso das propagandas infantis, é

importante destacar a presença das cores como um dos principais meios de persuasão. Nesse

contexto, foram utilizadas teorias discutidas por CITELLI (1995), CARVALHO (2009),

BOLINGER (1980), dentre outras.

No terceiro capítulo apresentar-se-ão diferentes opiniões geradas por distintas

camadas sociais: pais, publicitários, órgãos controladores da publicidade, acadêmicos que

pesquisam o assunto, políticos, e outras pessoas ligadas ao tema em questão, a fim de discutir

os aspectos éticos da publicidade direcionada às crianças.

No quarto e último capítulo, mediante as teorias discutidas, far-se-ão as

considerações analíticas das propagandas infantis selecionadas no corpus, as quais se

encontram veiculadas nas revistas AVON, JEQUITI, e CRESCER, bem como, no site de

venda online MAQUIAGEM NO ATACADO.

12

1 A TEORIA DO DISCURSO

A Análise das propagandas direcionadas ao público infantil, que se apresentará no

Capítulo IV do presente trabalho, será fundamentada nos princípios da Análise do Discurso

francesa (AD), no intuito de procurar entender a língua quanto ao “fazer sentido”,

compreendendo a linguagem como mediação entre o homem e a realidade social (onde está

inserido). Para tanto, far-se-á neste capítulo alguns apontamentos no que tange aos

procedimentos utilizados na Análise do Discurso, tais como as condições de produção, o

interdiscurso, a formação discursiva, a ideologia e o sujeito.

Tendo em vista que a Linguagem não é algo imutável e transparente, mas funciona

como mediação entre o homem e a realidade social em que vive, e, portanto, é carregada de

sentidos e de ideologia, surge, nesse contexto, a Análise do Discurso de linha francesa, como

uma área do saber que, “em vez de proceder a uma análise linguística do texto em si ou uma

análise sociológica ou psicológica de seu ‘contexto’, visa a articular sua enunciação sobre um

certo lugar social. Ela está, portanto, em relação com os gêneros de discurso trabalhados nos

setores do espaço social...” (MAINGUENEAU, 1998, p.13)

Ainda de acordo com esse autor, a Análise do Discurso recebe definições bastante

variadas e, por estar no entrecruzamento das ciências humanas, é submetida a uma grande

instabilidade, uma vez que há analistas do discurso mais sociólogos, mais linguistas, e outros

mais psicólogos. Há ainda as divergências entre as múltiplas correntes; se por um lado temos

nos Estados Unidos uma Análise do Discurso marcada pela antropologia, por outro, temos na

França, uma Análise do Discurso mais voltada ao Linguístico e marcada pelo marxismo e pela

psicanálise.

Na França, a Análise do Discurso surgiu na década de 60 e um de seus precursores,

Michel Pêcheux, ao apoiar-se criticamente nas teorias de Saussure, forneceu uma base

teórico-metodológica para o desenvolvimento da AD. Para Saussure, que foi o ponto de

origem da ciência linguística, a língua é concebida como um sistema imanente, excluindo

assim a fala desse campo. No entanto, de acordo com Pêcheux, se pensarmos dessa forma, a

língua “deixa de ser compreendida como tendo função de exprimir sentido; ela torna-se um

objeto do qual uma ciência pode descrever o funcionamento” (PÊCHEUX, 1997, p.62).

No que diz respeito à Análise do Discurso, o foco é justamente compreender a

heterogeneidade linguística ligada ao funcionamento da língua e à questão do sentido, desse

modo, a linguagem só faz sentido porque está diretamente ligada à história. E, ainda, tratando-se

13

do conceito da AD, PINTO (2002, p. 27), afirma que “ela não se interessa tanto pelo que o texto

diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica dos conteúdos, mas sim em como e por

que o diz e mostra.” (grifos meus).

No Brasil, em consonância com a Análise do Discurso francesa, segundo Orlandi

(2003), propaga-se, fundamentalmente, essa linha teórica que é estabelecida por três rupturas,

a qual se alinha a três campos de saber: a Linguística – que entende que a língua não é

transparente e tem sua materialidade própria; a Psicanálise – em que se evidencia a noção de

assujeitamento do sujeito movido pelas leis do inconsciente e do desejo, e o Marxismo – em

que a história tem sua materialidade. Nesse sentido, pode-se dizer que a Análise do Discurso

conjectura a psicanálise, a linguística e o marxismo. Isso porque, constitui-se da relação de

ideologia, do sujeito, da história e da enunciação.

Ainda de acordo com ORLANDI (2007, p. 26):

A Análise do Discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos

produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela

considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido. A

análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus

mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um

sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretação. Não há esta chave, há

método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás

do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu

dispositivo, deve ser capaz de compreender. [...] Em suma, a Análise de Discurso

visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está

investido de significância para e por sujeitos. (grifos meus)

Como visto no excerto, não há um único modelo de interpretação, não há uma

verdade absoluta escondida atrás do texto, e sim vários mecanismos que permitem

compreender como o simbólico produz sentido. ORLANDI (2007) igualmente afirma que

uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes, e que, inclusive, um

mesmo analista, formulando uma questão diferente, também poderia mobilizar conceitos

diversos, isso porque o que define a forma do dispositivo analítico é a questão posta pelo

analista e a finalidade da análise.

Importante ressaltar, também, a comparação que essa autora faz entre interpretação e

compreensão, ao afirmar que a Análise de Discurso não estaciona na interpretação, mas

ultrapassa esses limites, uma vez que compreender é saber como as interpretações funcionam,

pois, para ORLANDI (2007, p.26), “quando se interpreta já se está preso em um sentido”.

No que tange à interpretação, um aspecto essencial é posto em evidência pela

Análise de Discurso: a noção de ideologia. Ela é definida por GREGOLIN (1995, p.17)

14

“como um conjunto de representações que dominam as diferentes classes dentro da

sociedade”. A ideologia assume, então, um papel que pode direcionar o comportamento das

pessoas, uma vez que, ao construir evidências, coloca o sujeito em relação com suas

condições de existência.

Para essa pesquisa, é relevante discutir a questão do caráter dominante da ideologia

no que diz respeito aos textos publicitários, pois as propagandas não se limitam em divulgar

os aspectos funcionais dos produtos ofertados, mas persuadir o consumidor a adquirir o

mesmo. E, tratando-se das propagandas direcionadas ao público infantil, a questão não é

diferente, utiliza-se de recursos diversos, tais como associar o produto a um personagem

famoso da televisão ou aos grandes heróis dos desenhos animados. Um verdadeiro

bombardeio na mente dos pequeninos, que desejam que os pais comprem a todo custo,

independente da utilidade/necessidade do produto ou da situação financeira da família.

Assim, a propaganda também exerce um papel social, muitas vezes criando

estereótipos, servindo de referência para a construção de identidades, influenciando

comportamentos, ou seja, há uma identificação do sujeito com o discurso predominante.

Desse modo, é importante que se faça alguns questionamentos ao se tratar de propagandas

direcionadas a crianças, tais como: Há manipulação do sujeito-consumidor (crianças) à

valorização de produtos de beleza, para se afirmarem como pessoas (normalmente adultas)

por usarem determinados produtos? Até que ponto os valores ideológicos capitalistas estão

presentes nas propagandas de beleza? As crianças têm discernimento para identificar o caráter

apelativo das propagandas? Para quem deveriam ser destinadas as propagandas, já que as

crianças não são assalariadas e não possuem renda própria para comprar os produtos? E por

que mesmo sabendo dessa informação sobre a renda, muitas empresas continuam apelando ao

público infantil?

Para responder a essas questões, serão mobilizados alguns princípios do

funcionamento discursivo em propagandas, em especial as condições de produção e as

formações discursivas e ideológicas, mescladas aos conceitos de consumo e adultização

infantil, que se trazem expostos no Capítulo II desse trabalho monográfico.

1.1 Condições de Produção e Interdiscurso

As Condições de Produção compreendem os sujeitos e a situação contextual, bem

como a memória, que faz parte da produção do discurso. Segundo ORLANDI (2007, p. 30),

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“podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias

da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido amplo, as condições

de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico”.

No caso das propagandas, temos como condições de produção em sentido estrito as

revistas, jornais, televisão, internet etc., e os sujeitos consumidores que em um momento

histórico específico presenciam tais propagandas, ou seja, trata-se das circunstâncias da

enunciação. Já no contexto amplo, temos os efeitos de sentido produzidos através de

elementos que derivam da sociedade, como a importância das propagandas, em geral para a

venda dos produtos, e, consequentemente, para o lucro das empresas. E, finalmente, vale

salientar a importância das cores e das imagens presentes, que igualmente expressam sentidos,

geralmente ligados à sedução e ao desejo de compra.

Para que as circunstâncias e os elementos acima transcritos alcancem êxito, ou seja,

atinjam o objetivo da persuasão que culmina na compra de um produto, há ainda outro fator

que se mostra imprescindível, a memória discursiva. Conforme os pressupostos da AD, a

memória é aquilo que nos remete ao que já foi dito anteriormente, em outro lugar, em outra

situação e que volta a significar naquele momento, em uma situação dada; é também chamada

de interdiscurso. Para ORLANDI (2007, p. 33):

O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que

determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que

elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi dito

por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória para

que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras.

Esse ato de apagar da memória aquilo que já foi dito para que ele torne a fazer

sentido nas palavras de outro em outra situação, é o que Orlandi chama de “memória afetada

pelo esquecimento”, e é essa característica que distingue o interdiscurso do intertexto. Pois,

segundo a autora, tanto o interdiscurso quanto o intertexto mobilizam relações de sentido,

porém, enquanto o primeiro é da ordem do saber discursivo, afetado pelo esquecimento, o

segundo restringe-se à relação de um texto com outros textos, e nesta relação o esquecimento

não é estruturante como é para o interdiscurso. (ORLANDI, 2007).

Segundo M. Pechêux (1975 apud ORLANDI, 2007), podemos distinguir duas formas

de esquecimentos no discurso. Um deles chamado de “Esquecimento Número Um” ou

“Esquecimento Ideológico”, é o que se dá na instância do inconsciente e resulta do modo pelo

qual somos afetados pela ideologia, por isso temos a ilusão de sermos a origem de tudo o que

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falamos, no entanto, isso não acontece, pois o que fazemos é sempre retomarmos sentidos

preexistentes. Já o outro esquecimento, também chamado de “Esquecimento Número Dois”, é

da ordem da enunciação, sendo o responsável pelas seleções linguísticas que fazemos, visto

que quando falamos o fazemos de uma maneira e não de outra.

1.2 Formação Discursiva

De acordo com ORLANDI (2007), a formação discursiva se define como aquilo que,

numa formação ideológica dada, determina o que pode e deve ser dito. Daí decorre a

compreensão de dois pontos: a) O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o

sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não em outra para ter um sentido e não

outro. Ou seja, as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das

formações discursivas em que se inscrevem. As formações discursivas, por sua vez,

representam no discurso as formações ideológicas. b) É pela referência à formação discursiva

que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras

iguais podem significar diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas

diferentes.

E isso define em grande parte o trabalho do analista, que, observando as condições

de produção e verificando o funcionamento da memória, deve remeter o dizer a uma formação

discursiva (e não outra) para compreender o sentido do que ali está dito.

Considerando que as práticas discursivas da publicidade contemporânea estão

estritamente ligadas à produção dos sentidos, é que através do presente trabalho procurar-se-á

mostrar como o discurso publicitário se utiliza de tecnologias, essencialmente simbólicas,

para disciplinar os sujeitos (crianças) e, consequentemente, produzir certas identidades. Isto

ocorre porque a propaganda utiliza-se de uma linguagem sedutora e apelativa, influenciando

hábitos e induzindo ao consumo.

Diante da sociedade capitalista em que vivemos, o consumo não passa de mais uma

ideologia que nos é imposta, e que atinge profundamente as crianças, que, ao serem expostas

a comerciais de TV, revistas impressas e ainda recentemente a sites da internet, com produtos

dirigidos especificamente para elas, desejam, assim, adquiri-los a todo custo. A mídia também

não poupa as imagens consideradas ideais para o desejo de consumo, e, tratando-se de

produtos de beleza, para os quais o discurso gira em torno do corpo perfeito, criando a

imagem da mulher padrão, pois a aparência, a vaidade e a beleza são estereotipadas e

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cultuadas no contexto social, histórico e econômico desta sociedade, assim, a aspiração pelo

consumo se torna ainda mais preocupante, pois as propagandas têm atingido fortemente o

público infantil. Elas têm ganhado cada vez mais espaço nas revistas, inclusive naquelas que

priorizavam essencialmente conteúdos informativos.

Atualmente, nesse contexto crescente de investimentos em anúncios voltados às

crianças e adolescentes, cada vez mais precoce é a preocupação com o culto ao corpo, através

da indústria de cosméticos. Essa preocupação exagerada, vista na Formação Discursiva da

beleza, que se constitui por meio da mulher jovem, bonita e vaidosa, gera muitas vezes

frustração e infelicidade, no caso de não se adequar ao padrão estético criado pela mídia.

Dessa forma, verifica-se que a função do texto publicitário é justamente esta, jogar

com a sedução e investir no olhar do receptor, para tanto, as propagandas também possuem

um público (uma determinada faixa etária a quem são destinadas) e, para isso, o publicitário

não mede esforços na busca de meios persuasivos. Ele lê, analisa e interpreta o contexto social

(de onde as ideias são extraídas).

1.3 Ideologia e Sujeito

Ao contrário do que se viu no estruturalismo, de vertente saussureana, na qual a

língua era tida como um código, podendo ser estudada isoladamente do contexto sócio-

histórico-ideológico, a Análise do Discurso (AD), afirma que a língua não é algo transparente,

mas, em sua opacidade, carregada de sentidos. Sentidos estes, que não são vistos apenas por

meio das unidades linguísticas, e nem tampouco, aos sentidos construídos a partir dos

pressupostos da pragmática, que considera a intenção dos interlocutores do discurso e o

contexto imediato que envolve a situação comunicativa. De acordo com Heine (2000), para a

AD o sentido é, sobretudo, um “efeito de sentido”, ou seja, ele decorre das enunciações, atos

que se dão no interior de formações discursivas (FDs). As formações discursivas, por sua vez,

postulam aquilo que pode e deve ser dito a partir de uma certa posição ideológica.

E o que se entende por formação ideológica (FI)? Esta pode ser definida como o

conjunto de enunciados sobre determinados temas, que estão presos às posições ideológicas

dos sujeitos sociais e que, por isso, determinam a produção de sentidos no processo

enunciativo. Representa, pois, o conjunto dos elementos que reproduzem o lugar social

ocupado por determinados grupos em uma dada conjuntura. Assim, a formação ideológica

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carrega em si o embate da luta de classes, representando as ideologias das classes dominantes

e dominadas.

Convém ressaltar que, se tratando do discurso publicitário, é apreensível a

manutenção dessa relação de dominação, na medida em que se conservam alguns valores, tais

como o de “criança feliz” ao possuir o tão sonhado brinquedo, ou de parecer com a boneca

Barbie (que a mídia já utiliza devido ao estereótipo da mulher “violão”), ou, ainda, de ter os

superpoderes dos heróis-personagens de desenhos animados. Como a publicidade trabalha

com a linguagem, tanto a verbal quanto a não-verbal, ela o faz de modo muito criativo, uma

vez que o verbal e o imagético levam ao plano discursivo ideológico. A ideologia, dessa

maneira, é materializada por meio dos discursos e articulada por sujeitos, conforme afirma

ORLANDI (2007, p. 46):

O trabalho da ideologia é produzir evidências, colocando o homem na relação

imaginária com suas condições materiais de existência. [...] a ideologia faz parte, ou

melhor, é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é

interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer.

O trabalho ideológico é ainda um trabalho que leva em consideração a memória e o

esquecimento, pois, se durante a interpretação o sentido nos parece óbvio, como uma

evidência, no entanto, ao mesmo tempo em que estamos interpretando, estamos negando a

interpretação. (ORLANDI, 2007).

Ao afirmar que o sujeito é interpelado pela ideologia, como visto no excerto acima,

então se pode dizer que, ao enunciar, todo sujeito fala a partir de uma Formação Discursiva, e,

assim, marca a posição de sujeito. À Análise de Discurso, a noção de sujeito não se trata de

indivíduos com uma existência particular no mundo, não é um ser individualizado, mas um

ser social, apreendido em um espaço coletivo e ideológico, em um dado momento da história.

(FERNANDES, 2007).

No que tange ao sentido da palavra sujeito na AD de linha francesa, portanto, não se

trata de um ser concreto, empírico e individual, mas um sujeito que em determinado momento

da história tem existência sócio-ideológica. E devido ao fato desse sujeito ter a realidade

como sistema de significações percebidas, experimentadas - as evidências – que, por sua vez,

funcionam devido aos esquecimentos, é que ORLANDI faz referência, ao “sujeito

assujeitado”. Assujeitado, nesse contexto, remete ao fato de ele não ser livre, de estar sempre

revestido de uma ideologia.

19

O sentido é uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a

história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua,

com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo,

o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E

não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados.

(ORLANDI, 2007, p. 47, grifos meus).

Portanto, ao se enunciar como sujeito, não se trata apenas de um sujeito falante, mas,

sobretudo, de um sujeito social, que reflete o posicionamento sócio-histórico-ideológico de

um determinado grupo social. Para tanto, ele não está atrelado apenas ao contexto imediato (o

lugar, o tempo, a identidade entre os interlocutores), mas principalmente ao contexto amplo,

da historicidade e dos embates sociais.

Dessa forma, a Análise de Discurso (AD) não pensa a língua como um mero produto

de codificação, com foco nos aspectos formais. Este conceito estrutural que se baseia “na

concepção de língua, vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se

combinam segundo regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um

emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 2001, P.21), está distante do que buscam os analistas

do discurso. Segundo MARCUSCHI (1994 apud HEINE, 2000), a língua não funciona em

unidades isoladas, tais como fonemas, morfemas, palavras ou frases soltas.

De acordo com POSSENTI (2004, p. 361):

[...] A Análise de Discurso contesta que o sentido seja da ordem da língua, que

funcione submetido aos “seus” critérios – uma semântica não é uma fonologia do

sentido. O sentido é da ordem das formações discursivas (FD), que, por sua vez,

materializam formações ideológicas, que, por sua vez, são de ordem da história.

Portanto, para produzir sentido, é preciso que seja resgatado o contexto histórico, e

isso acontece quando nossa memória retoma o discurso armazenado historicamente. Na

análise de textos publicitários (que é a proposta do presente trabalho) não é diferente, há

necessidade de analisar o contexto social, histórico e ideológico. É importante ressaltar, ainda,

que o sentido é sempre relacional, ou seja, é visto “em relação a”, e a propaganda também se

utiliza do interdiscurso, retomando fatos anteriores, o “já dito”.

Nesse sentido, além das formações imaginárias, que são carregadas de estereótipos,

nas propagandas de beleza direcionadas ao público infantil, as imagens veiculadas, sozinhas

ou aliadas à linguagem verbal, fomentam, na maioria das vezes, o culto à aparência. Se entre

o real e o discurso existem as formações ideológicas imaginárias que formam o real, logo,

pode-se dizer que todo discurso é uma construção ideológica que se vale de sujeitos para o

disseminarem em distintas formações discursivas.

20

Amparados em tais pressupostos teóricos, procurar-se-á no presente trabalho analisar

propagandas direcionadas ao público infantil, atentando-se para o caráter apelativo e os

efeitos de sentidos produzidos pela linguagem publicitária, tendo em vista que esta é

carregada de ideologia e deve ser analisada de acordo com o contexto sócio-histórico e

cultural em que se situa. Para tanto, é necessário que se apreenda as estratégias linguísticas

utilizadas frequentemente pelos publicitários, assim, no próximo capítulo esboçar-se-ão

algumas delas.

21

2 A LINGUAGEM DA PROPAGANDA

Tendo em vista que uma das finalidades desse trabalho de pesquisa é mostrar como

são construídas as estratégias argumentativas utilizadas nos textos publicitários, bem como a

utilização de recursos linguísticos e imagéticos, que através deste capítulo, tecer-se-á

considerações sobre a Linguagem Publicitária.

Inicialmente, faz-se necessário enfatizar a definição dos termos em questão:

Publicidade e Propaganda1. De acordo com CHARAUDEAU (1984 apud CARVALHO,

2009), o termo propaganda é mais abrangente que publicidade. O primeiro está relacionado às

mensagens políticas, religiosas, institucionais e comerciais, enquanto o segundo é relativo

apenas a mensagens comerciais. Ou seja, apesar de muitas vezes se valerem de métodos

semelhantes, diferenciam-se quanto ao universo que exploram. Para CARVALHO (2009, p.

10):

A propaganda política (institucional, religiosa, ideológica) está voltada para a esfera

dos valores éticos e sociais, enquanto a publicidade comercial explora o universo

dos desejos, um universo particular. A publicidade é mais “leve”, mais sedutora que

a propaganda. Como não tem autoridade para ordenar, o emissor utiliza a

manipulação disfarçada: para convencer e seduzir o receptor, não deixa transparecer

suas verdadeiras intenções, idéias e sentimentos.

Como visto no excerto, a publicidade utiliza-se de recursos de sedução, a fim de

garantir a venda do produto. Para tanto, alguns recursos se fazem presente nesta linguagem,

tais como, frases no imperativo (expressando uma ordem, exemplo: “Beba Coca-Cola”), ou

fazendo o interlocutor acreditar na eficácia do que está sendo propagado, o que é chamado de

persuasão (exemplo: “Só OMO lava mais branco”), além das muitas Figuras de Linguagem

utilizadas para prender a atenção do interlocutor/leitor nos argumentos articulados pelo

discurso. De acordo com CITELLI (1995), as figuras, ou translações, cumprem a função de

redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos novos e que sejam capazes de

atrair a atenção do sujeito comprador. São expressões figurativas que conseguem quebrar a

significação própria e esperada daquele campo de palavras. Ainda de acordo com o autor,

entre as figuras mais usadas estão a metáfora e a metonímia, consideradas pelo linguista

Roman Jakobson como espécie de matrizes presentes, ora com dominância de uma, ora com a

da outra, na maioria dos textos.

1 Apesar de haver distinção conceitual entre Publicidade e Propaganda, no presente trabalho optou-se por não

fazer uma rígida diferenciação entre um e outro, uma vez que, pode haver equivalência semântica entre ambos

em alguns contextos na materialidade linguística.

22

Diferentemente de outras mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas,

valores, mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando os recursos próprios da

língua, sejam eles fonéticos, semânticos ou morfossintáticos. Na produção dos textos

publicitários vários fatores são levados em consideração, tais como os psicológicos, os sociais

e os econômicos, além dos efeitos retóricos (através das figuras de linguagem), em que não

faltam técnicas argumentativas e mecanismos de persuasão.

Falar em persuasão, que é uma das fortes características da linguagem publicitária,

de acordo com CITELLI (1995, p.6), é “de algum modo, retomar uma certa tradição do

discurso clássico, na qual podem ser lidas muitas formulações que marcaram posteriormente

os estudos de linguagem.” Para o autor, essa recuperação do mundo clássico é necessária, uma

vez que a preocupação com o domínio da expressão verbal nasceu entre os gregos, que,

praticando um conceito de democracia, e tendo de exporem publicamente suas ideias,

precisavam manejar com habilidade as formas de argumentação.

Para tanto, nesse contexto, as próprias escolas criaram disciplinas que melhor

ensinassem as artes de domínio da palavra, já que a questão não era apenas falar, mas fazê-lo

de forma convincente e elegante, unindo arte e espírito, ao gosto da cultura clássica. A

disciplina que cuidava especialmente de buscar tal harmonia era a retórica. Segundo Oswald

Ducrot e Tzvetan Todorov (apud CITELLI, 1995), o aparecimento da retórica como

disciplina é o primeiro testemunho de uma reflexão sobre a linguagem. Começa-se a estudar a

linguagem não enquanto língua, mas enquanto discurso, ou seja, cabe à retórica mostrar o

modo de constituir as palavras, visando convencer o interlocutor acerca de dada verdade.

Assim, pode-se dizer que a Linguagem Publicitária, carregada de persuasão, utiliza-

se em grande parte dos recursos retóricos, sendo que, para analisar os textos publicitários é

necessário o estudo das figuras de linguagem e das técnicas de argumentação.

De acordo com CARVALHO (2009, p. 11):

Ao contrário do panorama caótico do mundo apresentado nos noticiários dos jornais,

a mensagem publicitária cria e exibe um mundo perfeito e ideal, verdadeira ilha da

deusa Calipso, que acolheu Ulisses em sua Odisséia – sem guerras, fome,

deteriorização ou subdesenvolvimento. Tudo são luzes, calor e encanto, numa beleza

perfeita e não-perecível. Essa mensagem, contudo, não se limita ao mundo dos

sonhos. Ela concilia o princípio do prazer com o da realidade, quando, normativa,

indica o que deve ser usado ou comprado, destacando a linguagem da marca, ícone

do objeto.

Diante da questão exposta acima, instaura-se outra: é possível então afirmar que

persuadir é sinônimo de enganar? CITELLI (1995), ao refletir sobre essas questões,

23

apresenta-nos o conceito de “verdade e verossimilhança”. Para o autor “é possível que o

persuasor não esteja trabalhando com uma verdade, mas tão-somente com algo que se

aproxime de uma certa verossimilhança ou simplesmente a esteja manuseando”, e, afirma

ainda que, “persuadir não é apenas enganar, mas também o resultado de certa organização do

discurso que o constitui como verdadeiro para o receptor” (Idem, p. 13-14).

Quando observamos, por exemplo, autdoors fazendo propaganda de restaurante, é

comum imagens de comidas apetitosas, que acentuam os detalhes, redefinindo a imagem do

produto. Ninguém considera que a comida a ser degustada seja aquela que está exposta no

cartaz. Porém, não se objeta que aquilo que vemos é uma mentira. Ao contrário, sabemos que

os processos fotográficos operam milagres. O que ocorre é que ao olharmos a foto ficamos

convencidos acerca da excelência do produto. Ou seja, ainda que não seja verdadeiro, é

verossímil, e nos convence enquanto lógica interna do próprio cartaz.

Portanto, ao entender a retórica como a arte de persuadir, de convencer, de levar à

ação por meio da linguagem, é fácil observar que este também é o papel da publicidade. A

Linguagem Publicitária se distingue, assim como a literária, pela criatividade, pela busca de

recursos expressivos que chamem a atenção do leitor/consumidor, que o façam parar e ler, ou

ainda, tratando-se da televisão, que o façam parar e escutar a mensagem que lhe é dirigida. E,

para conseguir prender a atenção do leitor/ouvinte, o publicitário se empenha na busca

incessante de meios estilísticos e audiovisuais, muitas vezes, infringindo as normas da

linguagem padrão, passando por cima de convenções da gramática normativa tradicional, e

causando estranhamento no leitor pelas grafias exóticas, rimas, ritmo, ambiguidades,

metáforas, dentre outros recursos.

De acordo com CARVALHO (2009, p.12), certa vez um gerente de uma grande

agência francesa definiu com muita eficácia o termo publicidade, ao afirmar que “é encontrar

algo extraordinário para falar sobre coisas banais”. Para a autora, “o que cabe à mensagem

publicitária é tornar familiar o produto que está vendendo, ou seja, aumentar sua banalidade, e

ao mesmo tempo valorizá-lo com uma certa dose de “diferenciação”, a fim de destacá-lo da

vala comum”. Outro fator importante, sempre observado pelos publicitários, é o que tange ao

público a quem se destinam as propagandas, uma vez que a função persuasiva consiste em

tentar mudar as atitudes do interlocutor, tomando por base aquilo que falta em cada ser

humano, ou seja, a fim de convencer por meio daquilo que promete completá-lo. Por isso, as

propagandas se focam em diversos temas, tais como: prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória,

dentre outros.

24

E, para que o sucesso da venda se efetive, os anúncios publicitários utilizam-se da

linguagem ‘adequada’ ao público, seja pelo gênero: feminino, masculino, ou ainda pela faixa

etária: crianças, adolescentes, adultos, idosos. Em consonância com essa assertiva, Jairo Lima

(diretor de criação da agência Italo Bianchi, de Recife), ao ser entrevistado por Nelly de

Carvalho (professora-adjunta de Língua Portuguesa na Universidade Federal de Pernambuco),

(apud CARVALHO, 2009, p. 27-28), afirma que:

Em primeiro lugar, devemos examinar a posição da publicidade comercial no Brasil,

um país de Terceiro Mundo, em relação à publicidade do Primeiro Mundo.

Enquanto nos países desenvolvidos 65% da produção são baseados na língua escrita

(anúncios, revistas, periódicos) e 35% veiculados pela televisão, aqui (no Brasil) é

exatamente o inverso: 70% da publicidade brasileira são feitos para tevê – portanto

utilizando como canal a língua oral e a imagem; apenas 30% são veiculadas pela

língua escrita (em revistas e periódicos). O primeiro conceito básico teria como

causa o público a que se destina: um público, quando não analfabeto, com muito

pouca familiaridade com a língua escrita. Isso, como se sabe, determina o tipo de

linguagem usada e o próprio vocabulário.

Como se pode observar no excerto, é relevante que se analise o público a quem se

direciona as propagandas, uma vez que, é interferindo no comportamento deste que a

propaganda tem efeito. No Brasil, como a leitura de textos escritos ainda é cultivada apenas

por uma minoria, consequentemente, as propagandas têm sido divulgadas com maior

frequência nos intervalos das programações das redes televisivas.

No que tange à publicidade direcionada ao público infantil, grandes críticas têm sido

geradas atualmente, uma vez que muitos anúncios têm sido exibidos nos intervalos dos

desenhos animados e das programações infantis. Propagandas estas que vão desde brinquedos

a computadores, monstros eletrônicos, roupas, calçados, produtos de beleza, artigos escolares,

guloseimas, dentre outras. Como consequência, o que se tem visto é que as crianças, além de

exigirem a compra de produtos voltados diretamente a elas, ainda têm dado palpites na

compra de produtos adultos, como carros, joias, apartamentos, enfim, elas têm influenciado

no próprio poder de compra dos pais.

As crianças são um alvo publicitário muito fácil de convencer, e os publicitários

sabem disso, pois vivem um mundo fantasioso, e com a mesma intensidade que assistem os

desenhos, ou veem as revistas infantis e os programas de TV, elas absorvem os anúncios

publicitários. Por isso se coaduna, nessa pesquisa, com a importância de se discutir os limites

e até onde é ético fazer publicidade para seduzir crianças.

Segundo JAKOBSON (1971), para que a mensagem publicitária seja eficaz deve

estar dirigida à audiência-alvo; o que significa conhecer as necessidades desse público, suas

25

expectativas em relação ao produto e a linguagem cabível a ser empregada. De acordo com

De Plas e Verdier (apud CARVALHO, 2009, p. 14), a publicidade pode ser descrita em cinco

etapas:

1. Impacto fisiológico – escolha do meio, lugar, visibilidade, legibilidade,

audibilidade.

2. Impacto psicológico – efeito surpresa, despertar do interesse, riso e agrado.

3. Manutenção da atenção – reação mneumônica e criação de ambiente otimista.

4. Convencimento – desenvolvimento da argumentação e da credibilidade.

5. Determinação de compra – fim último da mensagem, que busca manter a

clientela por meio da convicção (persuasão) ou da simpatia (sedução).

Diante desse jogo utilizado para que o consumidor adquira o produto, pode-se dizer

que, na publicidade, a palavra deixa de ser apenas informativa, e isso ocorre devido a suas

propriedades semânticas, que configuram a persuasão e buscam integrar o receptor à

sociedade do consumo.

Ainda conforme CARVALHO (2009, p.18), “a palavra tem o poder de criar e

destruir, de prometer e negar, e a publicidade se vale desse recurso como seu principal

instrumento”. E, complementando, a autora cita BOLINGER (1980, p.17 apud

CARVALHO, 2009) para afirmar que “com o uso de simples palavras, a publicidade pode

transformar um relógio em jóia, um carro em símbolo de prestígio e um pântano em paraíso

tropical”.

Nesse sentido, é importante ressaltar a presença da ideologia, pois os recursos

retóricos que estruturam um texto não são meros suportes para embelezar a frase, mas sim

carregados de ideologia. Ideologia essa que, segundo FIORIN (1988), é uma visão de mundo,

e existem tantas visões de mundo quantas forem as classes sociais; porém, vale destacar que a

ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. De acordo com CARVALHO (2009,

p.17):

O discurso legitima a dominação das elites, e a publicidade constitui um exemplo

claro, pois apresenta à população os bens de consumo da sociedade capitalista,

servindo de elo entre ambos, assumindo o papel de incentivador. Reafirma, legitima

e torna desejável o papel de consumidor para a população. O discurso publicitário é

um dos instrumentos de controle social e, para bem realizar essa função, simula

igualitarismo, remove da estrutura de superfície os indicadores de autoridade e

poder, substituindo-os pela linguagem da sedução.

26

Portanto, pode-se afirmar que a publicidade também está ligada à construção de

identidades, na medida em que apresenta, de forma sedutora, os bens de consumo da

sociedade capitalista. Nesse âmbito SANDEMANN (2001) ainda afirma que a linguagem da

propaganda é, até certo ponto, reflexo e expressão da ideologia dominante, dos valores nos

quais se acredita, pois ela manifesta a maneira de ver o mundo de uma parcela da sociedade

em certo espaço da história.

Convém salientar, também, que o texto publicitário inclui vários fatores psico-

sociais-econômicos, procurando causar um forte impacto no interlocutor, seja através de

mecanismos de estranhamento (os mais ousados e inovadores), ou mesmo aqueles usuais, que

utilizam, por exemplo, um atleta para vender vitamina, um dentista para falar de um

determinado creme dental, ou uma criança para falar da alegria de se ter um determinado

brinquedo. Dentre esses recursos de constituição textual de publicidades Brown (apud

CITELLI, 1995, p. 47) destaca os seguintes:

O uso de estereótipos – esquemas e formas já consagradas. Tem-se, como

exemplo, uma pessoa bem vestida e de boa aparência, induzindo a ideia de pessoa bem

sucedida e de modelo a ser seguido. Aparecem também estereótipos linguísticos escolhidos

para persuadir, tais como: “Mês de maio, mês das mães”. A característica maior do

estereótipo é não permitir perguntas, visto ser uma verdade conhecida.

A substituição de nome – trocam-se termos com a intenção de influenciar

positiva ou negativamente determinadas situações. Geralmente, usam-se eufemismos, por

exemplo, em vez de se dizer que “O capitalismo vai mal”, enuncia-se que “É preciso

reaquecer a livre iniciativa”, ou, ao invés de “Os sem-terra ocuparam as terras”, diz-se que

“Os sem-terra invadiram as terras”.

A criação de inimigos – neste caso, o discurso autoritário persuasivo cria

inimigos mais ou menos imaginários. Como exemplificação, há os comerciais de produtos de

limpeza ou germicidas, que colocam como inimigos os germes ou fungos, ou mesmo nos

comerciais de sabão em pó, que veem na sujeira o inimigo oculto. Pode também aparecer

como inimigo um produto concorrente. É o caso dos comerciais de produtos ou propagandas

políticas que se referem a algo ou alguém como ruim ou desonesto.

O apelo à autoridade – apelo à fala ou procedimentos de especialistas em

determinados assuntos. Por exemplo, do dentista que afirma que determinado creme dental é

melhor do que outras marcas porque possui determinados componentes que combatem a cárie

27

e o tártaro, ou do atleta que usa determinado tênis porque é mais resistente e possui

amortecedores que protegem o tornozelo e o pé.

A afirmação ou a repetição – sabe-se que a vacilação é inimiga da persuasão.

Então, usa-se a certeza em forma de imperativo para não deixar dúvidas. Os verbos têm o

poder de conduzir a vontade do interlocutor. Como exemplos há as afirmações: “Use OMO”,

“Compre sempre sandálias havaianas”.

Dessa forma, é possível (re)afirmar que, diante da complexidade da linguagem

presente nas propagandas, na qual não se poupam os recursos estilísticos e retóricos, têm-se a

ideologia, o meio social/cultural e o público/consumidor a quem a publicidade é destinada,

como fatores essenciais na configuração das propagandas.

E no que diz respeito especificamente à publicidade infantil, verifica-se cada vez

mais, conforme os resultados analíticos expostos no Capítulo IV a presença da linguagem

apelativa, que leva as crianças a sentirem necessidade de comprar o produto para serem

aceitas no grupo social ou formações discursivas a que pertencem. Para tanto, no capítulo a

seguir, apresentar-se-ão discussões sobre até que ponto é ético fazer propaganda a fim de

seduzir crianças, o que isso pode acarretar na personalidade das mesmas e as diferentes visões

quanto à proibição ou regulamentação da publicidade infantil brasileira, discutidas por vários

segmentos da sociedade.

28

3 VALORES ÉTICOS PARA A PUBLICIDADE INFANTIL

Tendo em vista que a publicidade direcionada ao público infantil tem fomentado

intensos debates, uma vez que é vista por muitos como um meio abusivo de garantir a venda

de produtos e, consequentemente, gerar o lucro de muitas empresas, far-se-á, nesse capítulo,

considerações a respeito de valores éticos que devem permear os anúncios publicitários.

Nesse sentido, também se faz necessário discutir distintas visões a respeito do

assunto, já que se tem, por um lado, os anunciantes e as agências de publicidade, que são

contrários a uma imposição por lei que proíba a publicidade infantil e, por sua vez, a favor da

Auto-Regulamentação, afirmando que não caberia ao governo e sim ao CONAR (Conselho

Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) decidir o que é ou não adequado para esta

faixa etária, por outro lado, têm-se algumas camadas mais radicais da sociedade, como alguns

jornalistas, psicanalistas e pais, que defendem a proibição de qualquer publicidade

direcionada a crianças, e há, ainda, outros setores sociais que apoiam uma legislação que

determine regras para evitar abusos.

Com relação aos valores éticos, é importante ressaltar, de acordo com o Art. 37 do

Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990)2, que: “É

proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”, sendo complementado pelos §:

1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de

caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro

modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito

da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem,

preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

2º - É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer

natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se

aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,

desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor

a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou

segurança. (grifos meus).

Desse modo, cabe questionarmos, até que ponto as agências publicitárias têm tido

coerência ao criarem seus anúncios, visto que as críticas ainda são permanentes no que tange

2 Disponível em http://www.defendendooconsumidor.com.br/int/cdc/cdc_cap5.htm, acessado em 20 de agosto de

2012 às 15h.

29

à falta de ética das propagandas comerciais voltadas ao público infantil. Segundo o Deputado

Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), autor do Projeto de Lei nº 5.921 de 2001, este artigo 37 do

Código de Defesa do Consumidor deveria passar a vigorar com o acréscimo do § 2º-A: “É

também proibida à publicidade destinada a promover a venda de produtos infantis,

assim considerados àqueles destinados apenas à criança”.

O Projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2001, e tem gerado

muitos debates em torno do assunto. Para Hauly, a publicidade infantil é “poderosa,

permissiva e perigosa” por criar na criança o desejo incontrolável de possuir algo. Ele defende

ainda que toda criança deve ser tratada como um ser em processo de formação e não como

público-alvo a ser seduzido pelos anúncios publicitários.

Em contrapartida, o presidente do Conselho Nacional de Auto- Regulamentação

Publicitária (CONAR), Gilberto Leifert, e o presidente da Associação Brasileira dos

Fabricantes de Brinquedo (ABRINQ), Synésio da Costa, são contrários à proibição da

publicidade infantil, principalmente tratando-se de anúncios televisivos, ao afirmarem que

esses anúncios financiam programas de alta qualidade, como o “Castelo Rá-Tim-Bum” e o

“Sítio do Pica Pau Amarelo”, além de alegarem que não bastaria tratar as propagandas

comerciais destinadas às crianças com severidade, pois elas ainda estariam sujeitas a muitas

outras influências, como a internet e as amizades, assim, segundo Synésio, se tornaria inócua

a proibição da publicidade. Para tanto, ambos acreditam que a saída para proteger a criança da

publicidade abusiva é regulamentar e não proibir.

Como já citado anteriormente, a instituição responsável pela fiscalização dos

aspectos éticos das propagandas comerciais veiculadas no Brasil, norteando-se pelas

disposições contidas no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, é o

CONAR. Contudo, essa instituição tem sido alvo de intensas críticas, até mesmo por tratar-se

de uma instituição não-governamental fundada e mantida pela propaganda brasileira, ou seja,

pelas agências de publicidade, por empresas anunciantes e veículos de comunicação.

Conforme GIACOMINI (1991, p.103), “muitos segmentos discutem a legitimidade do

CONAR perante a sociedade, pois para muitos ele representa o ponto de vista dos

publicitários e não da sociedade em relação à conduta ética do setor”.

Apesar de o CONAR ter consciência de que as crianças e os adolescentes não têm

maturidade suficiente para avaliar criticamente os apelos de consumo, visto que algumas

alterações já foram feitas por este órgão no que tange à publicidade direcionada a esta faixa

etária, tais como: a propaganda deve evitar distorções psicológicas, para tanto, recomenda-se

30

que os anúncios que se valem de personagens do universo infantil ou de apresentadores de

programas dirigidos a esse público-alvo ocorram apenas nos intervalos comerciais, de modo a

evitar a confusão entre conteúdo editorial e espaço publicitário; que não haja na mensagem

estímulos imperativos (salvo em campanhas educativas); dentre outras medidas adotadas na

nova seção 11 (onze) (Crianças e Jovens) do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação

Publicitária; no entanto, ainda assim essa instituição continua a receber críticas.

Uma delas é o fato de o órgão receber as queixas e denúncias somente após a

divulgação dos anúncios, ou seja, depois que o público-alvo, no caso as crianças, já

presenciaram a propaganda comercial, já internalizaram o desejo de possuir o produto e estão

prontas para ‘bombardear’ os pais com o famoso “Compra! Compra! Compra!”. Ou seja, não

há um controle prévio daquilo que ainda será divulgado, nem tampouco punições para a

publicidade apelativa.

Para a jornalista Rosário Pompéia (2007), a comunicação como um todo, no Brasil,

precisa de regulamentação, e esta regulamentação tem que vir de organismos que envolvam

os diferentes segmentos da sociedade, além do Poder Público:

Não pode ficar o faroeste que é hoje. [...] Publicitários não podem ser os únicos a

regulamentar a atividade publicitária, visto que tem o mercado (e suas leis) como

elemento fundamental nas tomadas de decisões. Basta dizer que o CONAR não vê

problema algum na mercantilização do corpo da mulher nas propagandas de

cervejas, por exemplo.3

Como visto no excerto, a jornalista tece uma crítica severa ao Órgão de Auto-

Regulamentação Publicitária, e itera sobre a importância de que este não seja o único a

controlar a publicidade no Brasil. O ideal, para Pompéia, seria que fossem ouvidos todos os

lados da questão: os pais, as crianças, o governo, os acadêmicos/especialistas, as agências

publicitárias, dentre outras organizações da sociedade ligadas ao tema. No entanto, ainda há

uma resistência forte por parte das agências publicitárias e dos anunciantes em discutir o

tema.

Segundo o jornalista e doutor em comunicação social, Edgard Rebouças (apud

HAULY, 2009), o problema é que anunciantes, agências e veículos de comunicação sequer

admitem o debate, pois alegam que a iniciativa se trata de “censura”. Contudo, é importante

destacar que a palavra “censura” está intimamente ligada àquilo que é imposto e não pode ser

3 Citação de RosárioPompéia, no artigo Mundo de Sonhos na Vitrine da TV, escrito por Luciana Torreão e

publicado em: Revista Pronews online, ano VII, jan 2007, n 85.

Disponível em http://www.revistapronews.com.br/edicoes/85/capa.html e acessado em 20 de setembro de 2012,

às 14h e 10min.

31

contestado, o que não condiz com o que vem acontecendo em relação à publicidade infantil,

uma vez que as discussões têm sido cada vez mais frequentes. Ainda de acordo com

REBOUÇAS (apud HAULY, 2009):

O problema é que em uma realidade mais voltada para a corporocracia do que para a

democracia existe aquela máxima de que em time que está ganhando não se mexe.

A questão é que o time que está perdendo é o da sociedade, sempre se adequando às

lógicas do lucro máximo a qualquer preço. (p.43, grifos do autor)

Assim sendo, a preocupação com a lucratividade das empresas tem sido mais

relevante no contexto atual brasileiro do que com o bem-estar das crianças e sua formação

enquanto cidadãs. Nesse sentido, as agências publicitárias alegam que a proibição dos

anúncios direcionados a essa faixa etária4 não interfere na formação das mesmas, uma vez que

elas continuam expostas a outros meios que possam ‘corromper’ seu caráter, além de jogar a

responsabilidade sobre os pais ao afirmarem que eles são responsáveis pela imposição de

limites, ou, ainda, como já citado anteriormente, pela necessidade de manter as propagandas

comerciais, afirmando que são elas que custeiam a programação infantil, bem como

conteúdos de revistas impressas.

Dessa forma, alguns questionamentos podem ser feitos no que diz respeito a tais

afirmações: Será mesmo que os anúncios publicitários não influenciam na formação da

personalidade das crianças? Diz-se que os limites devem ser impostos pelos pais, mas será

que todos os pais têm formação crítica suficiente para explicar à criança o caráter persuasivo

das propagandas, ou eles são seduzidos tanto quanto elas? E se não houver mais publicidade

voltada às crianças, será que elas seriam obrigadas a compartilhar dos conteúdos destinados

ao público adulto, por falta de programação infantil?

Conforme a psicanalista de crianças Ana Olmos (apud Hauly, 2009), a publicidade

cria necessidades e ilusões não realizáveis, sendo responsável por muitos problemas

emocionais, por ser um grande ataque ao mundo mental da criança, uma vez que elas não têm

capacidade crítica de rejeitar a ideia de que sua identidade não está vinculada aos objetos que

possui.

As agências publicitárias, por sua vez, sabem disso e contam com essa incapacidade

de se discriminar os valores veiculados para elaborarem seus anúncios:

4 De acordo com Piaget a infância é fase da vida que começa ao nascimento e vai até aos doze anos de idade.

Informação disponível em

http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/filosofia/filosofia_trabalhos/preoperatorio.htm

Acesso em 24 de setembro de 2012 às 22h e 6 min.

32

Para vender seus produtos à criança e ao adolescente, o mercado estimula, desperta e

aprofunda carências, conflitos, vergonha de si, oferecendo, em seguida, “a solução

para tais problemas: comprar, comprar e comprar...”. [...] Valores como aparência

física, sedução e sucesso, são vendidos de maneira subjacente ao produto. (OLMOS,

apud HAULY, 2009, p. 28)

Ainda de acordo com a psicanalista infantil, grande parte das crianças sofre com

problemas de autoestima por estarem excluídas dos bens de consumo, e isso, segundo ela, é a

maior das violências que o mercado publicitário promove contra a criança, ao estimular a

sensação de inadequação, de menos-valia, de exclusão, justamente na fase em que a criança

mais precisa sentir que pertence ao grupo social, e na qual se constitui a base sólida da

formação da identidade.

Então, é possível afirmar que essas discussões sobre a publicidade infantil têm

surgido especialmente devido às classes menos favorecidas? Àquelas que não têm poder

aquisitivo para adquirir os produtos ofertados pelos apelos publicitários, gerando, assim,

problemas emocionais e psíquicos para a criança desse meio? A psicanalista OLMOS ressalta

que os estragos produzidos pelas campanhas publicitárias estendem também para as demais

camadas sociais, mesmo aquelas com um padrão financeiro mais elevado:

As crianças criadas sem limite quanto ao aspecto da compra tratam os objetos de

consumo como constituintes de si mesmas: necessitam declarar sua identidade

através das grifes de roupa que usam, da marca do carro, etc. O ter, e não o ser, as

define. [...] Essa forma de estruturar a percepção de si e do outro repercute na

capacidade de amar diminuída, dos meninos e meninas de agora. (apud HAULY,

2009, p.28)

Neste aspecto, vale ressaltar que os pais, ao carregarem a culpa de não poder

compartilhar muitos momentos ao lado dos filhos, devido à “escravidão” que a sociedade

capitalista os impõem, fazendo com que haja uma forte tendência à ausência do convívio

familiar, acreditam que esse vazio possa ser preenchido com roupas de marcas famosas,

brinquedos, jogos eletrônicos, produtos de beleza, dentre outros.

Tendo em vista que as crianças são um público fácil de convencer, até porque

possuem desejos e fantasias, gostam de novidades e são extremamente curiosas, a publicidade

não mede esforços para garantir a venda dos produtos através da linguagem persuasiva.

Convém salientar, contudo, que a vaidade excessiva, nesta faixa etária, estimulada pelos

anúncios publicitários, pode acarretar problemas no desenvolvimento da criança, que está em

fase de construção de sua personalidade.

33

Nesse sentido, a publicidade influencia no padrão de beleza das crianças, na medida

em que ‘planta’ nelas o desejo de comprar os produtos cosméticos, usar roupas da moda,

realizar cortes de cabelo e se comportarem como os artistas que aparecem nas propagandas

comerciais. Dessa forma, o despertar do interesse nas crianças para os cuidados com a

imagem está fortemente associado aos padrões estéticos divulgados pela publicidade, através

das propagandas que têm como personagens os cantores, os atores, as atrizes, os jogadores

etc. Além da natural preferência que os pequeninos têm pelos Heróis e por personagens dos

desenhos animados, aos quais os produtos de beleza e higiene pessoal estão, na maioria das

vezes, associados.

Nesse contexto, cabe destacar que o status de felicidade e sucesso também é

reforçado pelos padrões de beleza impostos pela publicidade, tais como corpos malhados,

cabelos sedosos, lisos ou levemente encaracolados, pele branca, e que precisam,

essencialmente, usar roupas luxuosas e caras, para revelar, ainda que sob forma de engodo, o

alto poder aquisitivo. No caso do público feminino, os rostos também devem estar bem

maquiados e as unhas compridas, com os esmaltes que correspondam às cores da moda. No

entanto, esses padrões não correspondem a grande parte das mulheres brasileiras,

principalmente no que diz respeito à pele e ao cabelo, uma vez que no Brasil há uma

miscigenação de raças: negras, índias, brancas, entre outras.

Ainda com relação aos padrões estéticos, é muito comum ver os meninos

colecionando camisetas do “Ben10” (personagem de desenho) e as meninas indo ao salão de

beleza pintar as unhas e fazer escova nos cabelos (a fim de deixá-los lisinhos, como nas

imagens de Xampu que as propagandas mostram). Sem falar das escovas progressivas e

tinturas, que envolvem produtos químicos, os quais têm sido utilizados cada vez mais

precocemente. E há, ainda, os cortes de cabelo, que precisam estar semelhantes aos dos

personagens televisivos e dos artistas que aparecem nas revistas.

De acordo com PEREIRA (2002), na lógica do capitalismo a criança é vista como

um indivíduo independente do adulto e elevada ao status de cliente, ou seja, é tratada como

uma pessoa que gasta, consome e é muito exigente. Não à toa que o mercado brasileiro de

beleza tem crescido de forma alarmante atualmente, passando da sexta posição ocupada em

2000 para a terceira em 2007, ficando apenas atrás dos EUA e do Japão (Conforme dados da

ABIHPEC - Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e

Cosméticos).

34

Segundo HARADA (2008), na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),

existem 3,5 mil produtos registrados voltados ao público infantil. Dessa maneira, o mercado

brasileiro de cosmético, voltado para crianças, ocupa o segundo lugar no ranking mundial,

levando em consideração os 50 milhões de consumidores infantis brasileiros, que representam

29,6% da população do Brasil.5

Portanto, é possível afirmar que no Brasil, diferentemente de outros países

(principalmente os desenvolvidos), a prática do consumo se faz presente de forma

significativa na vida da população, em especial nas datas comemorativas, em que a

publicidade, utilizando-se da linguagem sedutora e apelativa, divulga uma série de produtos,

não poupando nem mesmo as crianças:

A prática do consumo é incentivada por todo o sistema sócio-econômico além do

cultural. Em época de Natal, São João e outras datas comemorativas nacionais e

regionais, por exemplo, a pressão de consumo é intensificada. Os shoppings e o

comércio ficam lotados e o horário de atendimento é prolongado. Não se pode

deixar de destacar a importância da publicidade como um dos elementos moldadores

de comportamentos na atualidade. [...] Independente de classe social, raça ou cor, a

maioria das pessoas participa ou tem o desejo de estar incluído neste sistema repleto

de símbolos – dentre elas, as crianças. (ARGOLO E OLIVEIRA, 2009, p.4)

Dessa forma, visto que as crianças têm sido alvos frequentes da publicidade, é

relevante que se discuta aspectos relacionados à ética na propaganda comercial. Assim, até

que ponto os valores questionados em uma campanha publicitária apresentam compromisso

social?

Segundo o Deputado Haully (2009), a propaganda assumiu um poder tão grande

sobre as crianças que é determinante no padrão de comportamento na hora de consumir. E

como a maioria das famílias brasileiras não tem um alto poder aquisitivo, estabelece-se um

grande conflito entre o poder e o ter. Nesse âmbito, ressalta-se que, apesar de algumas

restrições já terem sido impostas quanto às propagandas destinadas às crianças, tais como a

proibição do uso do Imperativo nas frases, como, por exemplo, “Peça para sua mãe!”, ainda

não se pode afirmar que a publicidade brasileira está dentro do que é considerado ético, visto

que o CONAR (Órgão Nacional de Auto-Regulamentação) só toma providências quando as

denúncias chegam e a propaganda comercial já foi exibida.

Além de que, mesmo com a regulamentação da publicidade televisiva, as embalagens

dos produtos destinados às crianças continuam sendo personalizadas com imagens de

5 HARADA, Maristela. Dados publicados na Revista H&C. Consumidores Mirins são Atraentes ao Mercado.

Vol.9. n 48, 2008. Disponível em http://www.freedom.inf.br/revista/hc48/cosmeticos. Acessado em 20 de agosto

de 2012, às 15h e 22min.

35

personagens de desenho animado ou com os álbuns de figurinhas para colecionar, como

alguns chocolates, cereais, lanches de redes de Fast Food, bem como de sandálias e roupas,

que são acompanhadas, geralmente, de algum brinquedo.

Conforme o representante da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)

Guilherme Canelas (apud HAULY, 2009) é um absurdo imaginar que as emissoras acabariam

com a programação infantil por falta de anunciantes, porque elas precisam garantir o público

futuro. A mesma ideia é compartilhada por Rebouças, ao afirmar que o que sustenta as

grandes emissoras e cobrem os custos de produção dos programas infantis são as propagandas

de cerveja, de varejo e de governo, espalhadas pela programação.

Ainda de acordo com Canelas (apud HAULY, 2009), se as instituições responsáveis

pela manutenção dos valores éticos nos anúncios publicitários não optarem pela proibição

desse tipo de propaganda, é preciso que haja, pelo menos, uma regulamentação que se espelhe

no modelo de pluralidade na propaganda comercial. Cabe destacar, dentre os contrassensos da

prática atual de publicidade, a questão étnica, pois ainda hoje grande parte das bonecas a

serem comercializadas e divulgadas pelos meios publicitários são loiras, de olhos azuis, o que

não reflete a realidade do país.

Portanto, apesar das intensas discussões que têm surgido em várias camadas sociais

no que tange à publicidade direcionada ao público infantil, é possível afirmar que, a

propaganda comercial brasileira, ainda está longe dos padrões éticos publicitários adotados

em outros países (principalmente os desenvolvidos), tais como Bélgica, Portugal, Suécia,

Noruega e Irlanda, que possuem medidas severas de controle, a fim de proteger as crianças

dos meios abusivos e apelativos de muitas propagandas.

Dessa forma, com o intuito de apreender os efeitos de sentidos da linguagem

persuasiva apresentada em muitas propagandas infantis brasileiras, procurar-se-á, no próximo

capítulo deste trabalho monográfico, tecer-se considerações analíticas, amparadas pelos

pressupostos teóricos da Análise de Discurso francesa, em anúncios publicitários direcionados

ao público infantil.

36

4 A PRODUÇÃO DOS SENTIDOS NAS PROPAGANDAS INFANTIS

Tendo em vista que os principais recursos de convencimento utilizados pelos

publicitários são a habilidade em utilizar as palavras, a combinação de cores e o design dos

produtos a serem comercializados, este capítulo da presente pesquisa pretende, por meio da

teoria da Análise de Discurso francesa, evidenciar e acentuar algumas estratégias persuasivas

que constituem o fazer publicitário.

Para tanto, foram selecionadas propagandas direcionadas ao público infantil,

divididas em um corpus de 17 (dezessete) imagens, uma vez que, por se tratar de

consumidores mirins e em plena formação da personalidade, do caráter e da construção de

muitos valores, estes têm sido alvo de intensas campanhas publicitárias, as quais têm gerado

polêmicas e críticas de distintas parcelas da população, como já explicitado no Capítulo III.

Os textos discursivos e imagéticos a serem analisados nos próximos subitens foram

selecionados de páginas dedicadas exclusivamente às crianças, encontradas nas revistas

AVON e JEQUITI, revistas impressas destinadas à venda de mercadorias, na revista

CRESCER, que, por sua vez, é responsável por conteúdos informativos/jornalísticos, e, ainda,

no site eletrônico conhecido como MAQUIAGEM NO ATACADO, que é responsável por

vendas online de produtos de beleza.

4.1 Propagandas Infantis veiculadas na revista AVON

As imagens que vão de 1 a 8 foram retiradas da revista AVON, mais especificamente

das páginas conhecidas como AVON Kids, visto que são páginas destinadas exclusivamente

para o público infantil.

A revista AVON, uma das mais conhecidas mundialmente, existe a mais de 120

anos, e tem como público revendedor principalmente as mulheres, visto que, no site online da

revista (que funciona como um meio publicitário para ganhar a simpatia dos futuros

revendedores fazendo a divulgação dos produtos e tecendo algumas considerações sobre a

mesma) o tópico “Quem Somos” é apresentado da seguinte maneira:

AVON, uma empresa dedicada à mulher, 125 anos de existência e mais de 6,5

milhões de pessoas ao redor do mundo levando a clientes de mais de 100 países

37

nossos produtos e ajudando a transformar o planeta em um lugar melhor e mais

bonito através de nossa rede de relacionamentos.6

Ou seja, além de se frisar que a empresa fora criada especialmente com o intuito de

garantir o empreendedorismo feminino, também se destaca a importância da valorização de

relacionamentos. Que relacionamentos seriam esses? Afetivos ou meramente comerciais?

A página online dedicada à divulgação dos produtos ressalta ainda que, além de

oferecer ‘ótimos’ produtos de beleza, a revista é responsável pela defesa de algumas causas,

tais como aquelas relativas à saúde da mulher, destacando que:

É uma rede que se constrói e se fortalece por meio do relacionamento. Leva batons,

cremes, máscaras e perfumes para as casas de mais de 300 milhões de pessoas no

mundo, e vai além porque também leva informação e promove a conscientização

para que as mulheres façam os exames preventivos de câncer de mama e não

aceitem conviver com a violência doméstica.7

Nesse sentido, a AVON tem adotado algumas medidas a fim de beneficiar a

sociedade, tais como a criação do “Instituto AVON” em 2003. Este órgão tem como

finalidade identificar e fomentar projetos voltados à saúde e ao bem-estar da mulher. Portanto,

além de frisar a excelência de seus produtos e os benefícios em ser um revendedor desta

marca, que é conhecida mundialmente e que está no mercado há muitos anos (mais

especificamente há 58 anos no Brasil), também destaca a importância dos projetos que a

empresa apoia.

Vale destacar, também, a grande quantidade de slogans que a revista traz

relacionados à feminilidade, tais como “Bem-estar da mulher como foco”, “AVON contra o

câncer de mama”, “AVON, uma empresa dedicada à mulher”, dentre outros, encontrados no

site online.

No entanto, cabe ressaltar que a revista não contém apenas produtos destinados às

mulheres, visto que as páginas do suporte deixam afluir estratégias, dentre elas o uso de cores

e de recursos linguísticos, as quais permitem a identificação do público ao qual se dirigem,

podendo ser homens, mulheres, meninos e meninas. O fato de a empresa divulgar no site

eletrônico inúmeros slogans voltados às mulheres é por ser este o público que mais procura os

produtos AVON para revendê-los a distintas classes sociais, com destaque às média-baixas.

6 Informações retiradas da página da AVON online: http://www.br.avon.com/PRSuite/home_page.page, acessada

em 22 de setembro de 2012, às 22h e 14min. 7 Informações retiradas da página da AVON online: http://www.br.avon.com/PRSuite/home_page.page, acessada

em 22 de setembro de 2012, às 22h e 25min.

38

4.1.1 Considerações analíticas sobre a Linha Disnep Princess8

As figuras 1 e 2, a seguir, apresentam as Colônias da Linha Disnep Princess, que é

composta, além de Colônia, por Brilho Labial e Loção Hidratante para o Corpo e Mãos.

IMAGEM 1 IMAGEM 2

Em todos os produtos dessa Linha são personalizadas as princesas da Disney World9

e tanto os Brilhos Labiais, quanto as Colônias, são apresentados em cores diversas, sendo que,

em cada um deles, há a imagem de uma princesa diferente, dessa forma, a criança poderá

escolher a “SUA” princesa, aquela com que mais simpatiza ao ver os filmes e apresentações

da Disney World ou ao ler/ouvir histórias de contos de fada.

Nesse contexto, tendo em vista que, as propagandas são tidas como práticas

discursivas, uma vez que são providas de sentidos onde se materializa o discurso, tem-se nos

anúncios dessa Linha o resgate, através da “memória discursiva”, dos contos de fadas mais

apreciados pelas meninas, o que influencia no desejo de adquirir o produto.

8 Disnep Princess é uma expressão inglesa que significa em português “Princesas da Disney”.

9 A Disney Word é uma expressão comumente utilizada para designar a “Walt Disney World Resort”, o maior

local de diversão do mundo, contendo parques temáticos, parques aquáticos, hotéis, lojas, restaurantes, dentre

outras opções de lazer e entretenimento. Está localizada nos Estados Unidos da América, mais especificamente

na Região Metropolitana de Orlando.

39

De acordo com PÊCHEUX (1997, p.22):

A memória discursiva seria aquilo que, face a um texto, surge como acontecimento a

ser lido, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-

construídos, elementos citados e relatados, discursos transversos).

Nos produtos de cores vermelhas é estampada a imagem da princesa BRANCA DE

NEVE, inclusive o sabor do Brilho Labial “maçã” remete à história desta princesa. Os

produtos de cores azuis são representativos da CINDERELA, os amarelos são da princesa

BELA e os verdes da princesa ARIEL. Já na Loção Hidratante para o Corpo e para as Mãos,

como não há opções de escolha por fragrância, personaliza-se a imagem das três princesas:

BRANCA DE NEVE, CINDERELA e BELA.

As cores têm uma representatividade relevante nestas propagandas, uma vez que elas

exercem um papel importante no fator psicológico do consumidor por terem um significativo

valor simbólico e transmitirem sensações diferentes. De acordo com BRITO (2002), as cores

podem ser utilizadas com diversas funções, podendo ser para estimular, acalmar, afirmar,

negar, decidir, curar e, no caso da publicidade, para vender.

Na propaganda da Disnep Princess, a Colônia relativa à princesa BRANCA DE

NEVE é representada pela cor vermelha. Esta cor, segundo o professor Modesto Farina (apud

BRITO, 2009), é a cor do perigo e também da emoção e da paixão. Percebe-se, então, que se

pensarmos na história infantil “BRANCA DE NEVE”, a personagem passa por estas etapas

identificadas pelo professor, pois, inicialmente é invejada pela madrasta que a tentou matar

com a maçã envenenada, ou seja, corre “perigo”, e, no fim, a bela princesa encontra seu

príncipe, o qual, após retirar-lhe o feitiço, a pede em casamento, num êxtase de “emoção” e

“paixão”.

A Colônia representada pela cor azul remete à cor da fantasia, na história da princesa

CINDERELA. O elemento mágico também se faz presente, visto na aparição da fada que lhe

concede o vestido e o sapato para ir ao baile.

A Colônia apresentada na cor amarela relaciona-se à princesa BELA, e refere-se à

história infantil “A BELA E A FERA”. Vale salientar que esta cor, simbolicamente, está

ligada ao ouro, à riqueza, ao poder econômico. E no que diz respeito à princesa vivida na

historinha, trata-se da filha de um comerciante, o qual dedicou sua vida ao trabalho para

oferecer à menina um futuro confortável.

A cor verde, na Colônia, é representativa dos elementos da natureza e também

símbolo de esperança, nela se personaliza a princesa ARIEL da história “A PEQUENA

40

SEREIA”. A cor está relacionada ao fato de a princesa/sereia viver no mar (símbolo de beleza

natural), bem como, pela esperança que a princesa tem de conquistar seu príncipe e poder

viver com ele no mundo dos mortais.

Já a cor rosa, que é comum em todos os produtos para acentuar os detalhes das

embalagens, é associada ao estereótipo das “princesas”, tidas como mulheres frágeis e

delicadas, reforçando o significado cultural da cor, bem como a feminilidade dos produtos.

Vale ressaltar, assim, de acordo com ORLANDI (2007, p.46), que “a ideologia é a

condição para a constituição do sujeito e dos sentidos”. Dessa forma, tendo em vista que as

propagandas são criadas normalmente a partir de estereótipos, que, por sua vez, são construtos

sócio-históricos e ideológicos, pode-se dizer que neste anúncio, expresso nas figuras 1 e 2, as

“princesas” são tidas como resultado desta construção ideológica de fragilidade e beleza,

sendo que a menina/consumidora se vê como merecedora desse título de princesa ao adquirir

o produto.

É importante destacar, também, que na personalização dos produtos são utilizadas

apenas as princesas consideradas “oficiais”. A BRANCA DE NEVE foi a primeira Disney

Princesa e fez sua estreia no filme “Branca de Neve e os Sete Anões”, lançado em 1937 e

baseado no Conto de Fadas “BRANCA DE NEVE” dos Irmãos Grimm. A CINDERELA foi a

segunda Disney Princesa e apareceu pela primeira vez no filme “Cinderela” em 1950, esta

personagem foi baseada no conto popular “A GATA BORRALHEIRA” de Charles Perrault.

A ARIEL foi a quarta Disney Princesa e lançada em “A pequena Sereia” em 1989. A BELA

foi a quinta Disney Princesa e surgiu no filme “A Bela e a Fera” em 1991, baseado no Conto

de Fadas de mesmo nome de Jeanne-Marie.10

Além destas princesas, outras também fazem parte dos personagens fictícios criados

pela Walt Disney Company, tais como Aurora, Jasmine, Pocahontas, Esmeralda, Mulan, Tiana

e Rapunzel, contudo, as que foram utilizadas nos produtos disponíveis na revista de venda da

AVON são as mais conhecidas, por serem as mais antigas e por terem suas histórias

disseminadas de geração em geração, pois são as principais obras das coleções destinadas às

crianças desde que os Contos de Fada se popularizaram11

.

10

As informações foram retiradas do site http://www.disneymania.com.br, acessado em 22 de setembro de 2012,

às 20h e 12min. 11

De acordo com SCHNEIDER e TOROSSIAN (2009), os Contos de Fadas são histórias muito antigas

transmitidas oralmente de geração a geração e que, mesmo com toda a tecnologia atual existente, mantêm seu

espaço de destaque narrativo junto à infância. Não há uma data registrada específica que indique o surgimento

dos Contos de Fadas. Informações Disponíveis em http:///periodicos.pucminas.br. Psicologia em Revista, Belo

Horizonte, v.15, n 2. Ago/2009, acessado em 22 de setembro de 2012, às 16hs.

41

As margens da página da revista, de onde as imagens 1 e 2 foram retiradas, contêm

traços representativos de brilho, como se tratasse de alguma joia, algo que reluz, e na parte

superior é visível o enunciado: “Sinta-se como uma verdadeira princesa”. Vale ressaltar que a

palavra “princesa” vem destacada em cor “rosa”, que também é comum na tampa de todos os

produtos, bem como no plano de fundo da marca Disnep Princess.

Dessa forma, o publicitário, responsável pela criação, utiliza-se do imagético para

tentar convencer as consumidoras mirins de que para brilhar é preciso ter a delicadeza das

princesas da Disney, tidas como estereótipos da mulher frágil e da beleza, atributos que irão

seduzir o príncipe encantado.

4.1.2 Considerações analíticas sobre a Linha Disnep Pixar Cars 12

As imagens 3 e 4, apresentadas logo abaixo, são referentes à Linha Disnep Pixar

Cars, destinada aos meninos. Os produtos compõem-se de Gel para Cabelos,

Shampoo/Condicionador e Colônias. Os frascos dos cosméticos que aparecem na imagem 3

são de cor laranja, já na imagem 4, a embalagem é preta. Na parte inferior dessas embalagens

frisa-se o enunciado: “Frasco de vidro e válvula spray”.

Portanto, observa-se que nos produtos da imagem 3 o publicitário mentor utiliza-se

da cor que é destinada propriamente para a faixa etária a que os produtos são designados, ou

seja, a cor laranja por ser uma cor viva comumente atrai os olhares dos pequeninos. Todavia,

na imagem 4, outra estratégia de sedução é utilizada com a impressão da cor preta, por meio

da qual o propagandista tenta atingir consumidores diferenciados.

Se por um lado, temos crianças que sentem fascínio por utensílios e produtos que

possuem as cores que (segundo a mídia e as reproduções culturais) são exclusivas para elas,

distinguindo-se até mesmo o sexo: Azul, Verde e Laranja são para os meninos e Rosa e Lilás

para as meninas. Por outro lado, temos os pequeninos que, ao verem nos pais a imagem dos

super-heróis dos desenhos animados, que os salvam e os protegem de tudo, querem a todo

custo se parecer com eles.

Dessa forma, o publicitário, para persuadir este público consumidor infantil, elabora

a publicidade a partir dessas estratégias dos anseios das crianças, como é observável na

imagem 4, na qual se vê um frasco de colônia semelhante a um dos perfumes importados

masculino/adulto mais famoso: o Ferrari Black.

12

Em Português pode ser traduzido como “Carros da Disney”.

42

Nesse sentido, observa-se que o publicitário, para ganhar a simpatia do público

infantil, vale-se do recurso da memória discursiva ao explorar o uso das cores como sendo

exclusivas para os meninos, bem como do design do frasco que se assemelha ao perfume

Ferrari Black utilizado pelo pai.

A utilização desse recurso remete à assertiva de ORLANDI (2007, p.32), quando

assevera que “o dizer não é propriamente particular. As palavras não são só nossas. Elas

significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significam em

nossas palavras”, ou seja, quando se realiza a atividade de interpretação sempre há a

associação.

IMAGEM 3 IMAGEM 4

Todos os produtos desta Linha encontram-se personalizados com o enunciado

Disnep Pixar Cars, contudo, apenas os frascos dos cosméticos da imagem 3 (destinados

especialmente àquelas crianças que apreciam o universo infantil com mais intensidade que o

meio adulto) possuem o desenho dos carros que aparecem no filme “Cars”da Disney. Carros

estes superpotentes, que atingem altas velocidades, e são apresentados com características

humanizadas, uma vez que possuem olhos, boca e, inclusive, falam. Este recurso estilístico,

conhecido como personificação, é comum nos anúncios publicitários destinados a crianças.

Na imagem 3 há, ainda, os slogans que acompanham cada um dos produtos, sendo,

respectivamente: “Não importa a aventura: seus cabelos estarão sempre no lugar!”, slogan

relacionado ao Gel para Cabelos e em que se salienta, no canto superior direito, a cor azul e o

43

uso do itálico nas palavras “aventura”, “cabelos” e na expressão “sempre no lugar”; em

seguida, tem-se, acima da figura do Shampoo /Condicionador, o slogan: “Sem lágrimas”, com

realce em “lágrimas”; e acima da colônia aparece “Uma fragrância cheia de energia para

garotos que curtem diversão”, estando em azul e em itálico, no canto superior esquerdo, os

termos “cheia”, “energia” e diversão”.

O slogan geral, que representa “todos” os produtos desta Linha “Disnep Pixar Car”,

é: “Sinto Cheiro de Diversão!”, sendo a palavra “diversão” também escrita em cor azul. Na

margem inferior destas páginas da revista localiza-se uma pista de corrida na cor laranja e

com a faixa de largada quadriculada em preto, o que remete à ideia de aventura e de alegria.

Percebe-se, então, que as publicidades voltadas aos consumidores do sexo masculino

diferem-se daquelas dirigidas ao sexo feminino. Se nas propagandas femininas infantis os

designs e enunciados dos produtos remetem a um comportamento delicado, angelical e com

ênfase à beleza, já nas destinadas aos meninos, reforça-se a maneira como eles devem se

comportar, estando intrinsecamente ligada aos conceitos de força, atitude, ação e coragem.

4.1.3 Considerações analíticas sobre a Coleção Barbie Loves Glitter

Na imagem 5, que se encontra abaixo, apresenta-se a Coleção Barbie Loves Glitter.

Esta é composta por Colônia, Gloss Labial e Gel com Glitter, para os Cabelos.

44

IMAGEM 5

Como se pode observar nos produtos desta coleção, além da cor rosa ser

predominante, tem-se o aspecto do brilho, visível na imagem nos pontos de luz que são

ilustrados. O slogan “Linda, Fashion, Radiante” produz nas meninas o desejo de ter tais

características, que, por sua vez, são tidas como características essenciais para se parecer com

a boneca Barbie, estereótipo da beleza feminina. Ou seja, a publicidade investe na ideia de

cultivo à beleza como algo inerente ao feminino, estimulando a compra de produtos

supérfluos, e gerando, consequentemente, o consumo desenfreado.

Nesse sentido, é possível afirmar que o discurso publicitário garante a relação de

dominação, visto que mantêm estereótipos ligados à imagem feminina, tais como os conceitos

de beleza e juventude (característicos da boneca Barbie) como atributos essenciais para

qualquer mulher. Nesse aspecto vale destacar o que ORLANDI (2007, p.30) apresenta como

“Condições de Produção em sentido amplo”, que “incluem o contexto sócio-histórico,

ideológico”, ou seja, o texto publicitário está estritamente ligado às representações sociais,

pois se utiliza deste contexto em que a beleza é tida como essencial, especialmente para

seduzir as meninas, reafirmando, assim, as significações que circulam na sociedade.

45

4.1.4 Considerações analíticas sobre a Coleção Barbie

Nas imagens 6, 7 e 8, são apresentadas a Coleção Barbie, com o seguinte slogan:

“Pink, delicada e encantadora”. Os produtos pertencentes a esta coleção são a Colônia da

Barbie, o Gloss Labial de Chocolate, a Loção Hidratante para as Mãos e Corpo, o Shampoo/

Condicionador e o Spray Desembaraçante para Cabelos.

IMAGEM 6 IMAGEM 7 IMAGEM 8

Assim como nos demais produtos divulgados pela revista AVON, os pertencentes à

coleção Barbie também trazem um slogan próprio. Para a Colônia, tem-se: “Fragrância suave

e delicada”, estando destacadas na cor rosa as palavras “suave” e “delicada”. O Gloss Labial,

com sabor de chocolate, possui o slogan: “Gostinho e cheirinho deliciosos”, com destaque na

palavra “deliciosos”. Para a Loção Hidratante, enfatiza-se: “Pele sempre linda e perfumada”,

slogan em que apenas a palavra “sempre” não aparece realçada pela cor rosa. E, tratando-se

do Shampoo/ Condicionador (2 em 1) e do Spray Desembaraçante para Cabelos, apresentam-

se, respectivamente, os seguintes slogans: “Limpa e condiciona de uma só vez” e “Cabelos

macios, brilhantes, perfumados e fáceis de pentear!”, em que se salientam as expressões

“Limpa e condiciona” e “fáceis de pentear!” e a palavra “macios”.

Todos os produtos possuem a imagem da boneca Barbie personalizada, além de

acentuarem significativamente o tom rosa, que, inclusive, é a cor da página da revista. Em

todas estas coleções destinadas ao público infantil que a AVON traz para venda há um

46

indicativo de sujeito-consumidor, ou seja, afirma-se, dentre os enunciados que afluem nas

publicidades, que são produtos “indicados para crianças a partir de 3 anos”. (Fonte: “revista

AVON”). Portanto, de acordo com esses dados, é possível afirmar que as empresas

fabricantes de tais cosméticos, como a AVON, estimulam a vaidade na criança desde muito

cedo, visto que, além dos produtos frequentemente usados e já consagrados como necessários,

como é o caso do Shampoo, atualmente tem-se apresentado, às crianças de apenas 3 anos,

brilhos labiais e gel com glitter para os cabelos.

Os produtos da Coleção Barbie, extremamente famosos e de grande sucesso em

vendas, não apenas no que diz respeito aos cosméticos e produtos de higiene, mas também de

brinquedos e de jogos, têm sido alvos de intensas críticas, principalmente pelos defensores da

proibição à publicidade infantil.

De acordo com a mestranda em Educação Fernanda Theodoro Roveri (2007), a

criança foi descoberta como consumidora em potencial após a Segunda Guerra Mundial,

época em que a Mattel13

consagrava-se como pioneira no uso de técnicas de marketing e

comercial voltadas ao público infantil. Até então, a publicidade era direcionada aos pais,

contudo, com o lançamento da Barbie14

os comerciais passaram a apelar ao público infantil,

fazendo com que as próprias meninas tivessem argumentos necessários para convencer os

adultos a comprarem os produtos.

Um desses argumentos foi afirmar que a Barbie, com toda a sua elegância, ajudava

as meninas mais travessas a se comportarem como damas. Além de que, as propagandas eram

testadas com um grupo de meninas antes de serem exibidas para saber se lhes chamaria a

atenção ou não. (ROVERI, 2007).

A publicidade relacionada à Barbie se concentra em seduzir e levar as meninas para

o universo da boneca, apresentando a elas não apenas os produtos propagados, mas um estilo

de vida, que mostra até mesmo como elas devem se apresentar corporalmente. Isso é

apreensível, também, na imensa quantidade de jogos disponíveis na internet, dentre os quais,

o mais comum é aquele em que as crianças têm várias opções de roupas, sapatos e acessórios,

para escolher e, em seguida, vestir a Barbie online. Esse jogo, que parece tão inocente, revela

para a criança que se deve usar uma roupa para cada ocasião, e não se pode repetir o mesmo

13

Mattel é a maior fabricante de brinquedos do mundo, sendo responsável pela fabricação dos famosos carrinhos

da Hot Wheels e Matchbox, pelas bonecas Barbie e Polly e pelos bonecos Max e Steel, dentre outros. A empresa

localiza-se nos Estados Unidos da América. 14

Boneca lançada em 1959 em Nova York.

47

traje em um espaço de tempo curto, além de que a Barbie mostra como a mulher fica mais

bela e atraente quando utiliza roupas que valorizam o formato do corpo feminino.

Portanto, para ficar bela, é necessário também que se tenha o corpo semelhante ao da

Barbie, nos moldes do estereótipo de “mulher violão”, caso contrário não se está adequada

aos padrões de beleza impostos pela sociedade. De acordo com SABAT (2003, p. 153):

[...] sujeitos consomem não só mercadorias como também valores que estabelecem

como deve ser o corpo, como devemos nos vestir, quais comportamentos valorizar,

isso tudo não somente através das marcas de gênero, como também de raça/etnia,

classe, geração, para citar algumas.

Como se pode ver nesse excerto, as pessoas apreciam não apenas os produtos

ofertados nos anúncios publicitários, mas também os valores, inclusive os relacionados à etnia

e à classe. Ao se observar as imagens da boneca Barbie, é perceptível que, apesar de serem

fabricadas em diferentes cores, apresentam-se com traços padronizados, isto é, nariz tênue,

olhos castanhos e cabelos levemente ondulados. Como afirma Steinberg (2001, p.333):

A Mattel definiu etnia como diferente do branco. A Barbie normal, loira, é o

padrão a partir do qual as “outras” surgem. Como emula a cultura dominante, a

norma é a Barbie; sem um título, todas as outras Barbies são qualificadas por sua

linguagem, alimentos e danças ‘nativas’. Tentando ser multiculturais, pais compram

essas bonecas para as suas filhas para ensiná-las sobre “outros” povos (...). Barbie

dividiu as bonecas dentro das culturas dominantes e marginais. A brancura da

Barbie a privilegia a não ser questionada; ela é o padrão para todas as outras. (grifos

meus)

Dessa forma, é possível afirmar que a boneca Barbie, personalizada em muitos

cosméticos e produtos de higiene voltados ao público infantil, reafirma uma ideologia de

beleza limitada, uma imagem feminina de forma estereotipada, até mesmo porque a boneca

Barbie não envelhece, mantendo sempre o seu corpo “violão” e sensual (desejado pela

maioria das meninas).

4.2 Propagandas Infantis veiculadas na revista JEQUITI

Os cosméticos a serem apresentados abaixo são pertencentes à revista de produtos

destinados à venda: JEQUITI. Esta revista possui três linhas de cosméticos destinados ao

público infantil: Jequiti Liga da Justiça, Jequiti Penélope Charmosa e Jequiti Maísa.

48

A revista JEQUITI é integrante do Grupo Silvio Santos15

, que, assim como a AVON,

além de trabalhar com cosméticos, dispõe também ao consumidor linhas de bijuterias,

cuidados pessoais e acessórios.

De acordo com o site online16

de divulgação dos produtos JEQUITI, os objetivos da

empresa são:

Ser reconhecida como a maior e melhor empresa de venda direta do Brasil

através do empreendedorismo de seus consultores, da excelência de seus

produtos e serviços e do respeito a colaboradores e consumidores.

Oferecer as melhores oportunidades de negócio, realizar sonhos e contribuir

com a autoestima das pessoas, através de produtos e serviços que sejam

verdadeiros objetos de desejo.

Valorizar o profissionalismo, a ética e a transparência, a paixão, a inovação, a

valorização das relações, o respeito e a responsabilidade socioambiental.

Assim como a revista AVON, citada anteriormente, a JEQUITI também apoia e

incentiva projetos sociais. Se, por um lado, a AVON mantém uma relação estrita com os

cuidados da saúde da mulher, por outro lado, a JEQUITI investe em programas educacionais

de incentivo à preservação ao meio ambiente, tornando-se uma difusora de valores e práticas

ambientalistas.

Os produtos divulgados pela revista JEQUITI, da mesma forma que os anunciados

pela revista AVON, também são destinados a consumidores diferenciados, podendo ser

homens, mulheres ou crianças, contudo, é perceptível o destaque que ambas dão à figura

feminina, afirmando, inclusive, que surgiram com a finalidade de atender a esse público. Tal

assertiva se evidencia no excerto abaixo:

JEQUITI – uma história de realização: o pai de uma família com seis filhas, desde

cedo percebeu o grande interesse das meninas pelos cosméticos. Durante suas

viagens pelos Estados Unidos e Europa, passou a notar que não apenas suas filhas,

mas todas as mulheres, de modo geral, cercavam os balcões de perfumes e

cosméticos como abelhinhas ao redor do mel. Sendo um homem de visão

15

O Grupo Silvio Santos (GGS) é considerado uma das principais organizações brasileiras e completou, em

2008, 50 anos de atuação. Fazendo-se presente em todo o território nacional, o GSS atua nos segmentos de

comunicações, capitalização, cosméticos e incorporação imobiliária, por meio de empresas, marcas, produtos e

serviços de notório reconhecimento para os brasileiros, como Jequiti Cosméticos, SS Benefícios, SBT - Sistema

Brasileiro de Televisão, Tele Sena (Liderança Capitalização), Sisan, entre outras. Disponível em:

www.gruposilviosanto.com.br, acessado em 22 de setembro de 2012, às 17h e 18min. 16

Endereço do site online da revista JEQUITI, de onde as informações foram extraídas: www.jequiti.com.br,

acessado em 19 de setembro de 2012, às 22h e 15min.

49

empresarial e, obviamente, com tantas mulheres consumidoras em sua própria

família, resolveu investir nesta área aqui no Brasil.17

(grifos meus)

Dessa forma, é possível afirmar que, apesar de comercializarem produtos destinados

a diferentes gêneros (masculino/feminino), as revistas trazem em sua maioria anúncios

direcionados à mulher, que, por sua vez, é tida como ‘aquela’ que mais consome. É relevante

destacar, que nesse público que as revistas tratam como “mulher”, inclui-se, cada vez mais, as

meninas (com idade inferior a 12 anos e as adolescentes), ou seja, o mercado de consumo de

cosméticos quer absorver também esse filão feminino em fase de formação.

4.2.1 Considerações analíticas sobre a Coleção Jequiti Liga da Justiça

Nas imagens 9 e 10, a seguir, que mostram artigos da Coleção Jequiti Liga da

Justiça, verifica-se que são produtos destinados aos consumidores mirins do sexo masculino,

pois a cor predominante é o azul e as embalagens contêm em seus designs os personagens do

desenho animado “Liga da Justiça”18

17

Informações igualmente retiradas do site de divulgação dos produtos JEQUITI, mais precisamente do link

“Institucional”. Disponível em www.jequiti.com.br, acessado em 20 de setembro de 2012, às 22h e 20min.

18

O desenho animado Liga da Justiça foi exibido no canal “Cartoon Network” de 2001 a 2004, sendo baseado

nas histórias em quadrinhos “Liga da Justiça”. Na televisão aberta começou a ser exibido em 2002 pelo SBT, no

programa infantil “Bom Dia e Cia”.

50

IMAGEM 9 IMAGEM 10

Na imagem 9 é apresentado um Gel para cabelos, cuja publicidade o divulga como

“Gel Elástico para Cabelos Superman”. Apesar de aparecerem nas páginas da revista os

personagens Flash e Batman, o que faz com que a memória discursiva dos pequeninos

relembre o desenho “Liga da Justiça”, o personagem Superman é o que aparece na posição de

maior destaque. Esse destaque justifica-se também pela caracterização que o publicitário

emprega ao produto, utilizando-se da palavra “Elástico”, pois esta também é uma das

características do Superman, que é tido como um personagem de força sobrenatural,

invulnerabilidade, com capacidade de voar e agir em velocidade fora do comum.

Em seguida, apresenta-se também uma Colônia, a qual, se utilizando dos recursos da

linguagem, a criação publicitária apresenta como “Poderosa Colônia Flash”, ou seja, a palavra

“poderosa” remete aos poderes do personagem Flash, que é considerado pela ficção como o

homem mais rápido do mundo.

E nem mesmo os sabonetes em barra escaparam das estratégias publicitárias, sendo

fabricados em cores diversas e nos quais se personalizaram os símbolos que os personagens

51

do desenho animado “Liga da Justiça” carregam no peito. O Sabonete de cor vermelha

representa o personagem Flash, o amarelo o Batman, e o azul representa o Superman.

Na imagem 10, destaca-se a palavra “incrível”, utilizada para evidenciar o Shampoo,

e que está associada ao personagem Batman.

Vale destacar que este é um recurso muito utilizado pelos publicitários ao

produzirem seus anúncios, visto que toda criança sonha em ter os poderes “incríveis” dos

personagens dos desenhos animados.

4.2.2 Considerações analíticas sobre a Linha Jequiti Penélope Charmosa

A Linha apresentada nas imagens 11 e 12, a seguir, é a da “Jequiti Penélope

Charmosa”, composta por Gloss Labial, Shampoo, Condicionador, Colônia Desodorante e

Loção Hidratante. Exceto no Gloss Labial e na Colônia, que possuem apenas a linguagem

escrita, nos demais produtos são personalizados a figura da Penélope Charmosa. Convém

acentuar, também, que as cores são relativamente femininas: rosa e lilás, acompanhadas de

designs de florzinhas e coraçõezinhos.

IMAGEM 11 IMAGEM 12

A figura da Penélope é facilmente identificada pelas meninas, fundamentalmente

pela paixão que a personagem tem pela cor rosa. Nesse aspecto, é importante frisar que,

culturalmente, esta cor está associada às meninas, geralmente de um poder aquisitivo elevado,

52

tanto que é comum aos nossos ouvidos a expressão “patricinha” ou “riquinha” àquelas que

utilizam frequentemente esta cor.

A personagem Penélope reflete esse poder aquisitivo, visto que é herdeira de uma

grande fortuna que pertencia à família Charmosa, e vive a viajar pelo mundo inteiro. Desejo

esse instigado pela publicidade aos sujeitos-alvo, mais especificamente o público infantil

feminino, ao incitar o consumo desses produtos.

4.2.3 Considerações analíticas sobre a Linha Jequiti Maísa

Em seguida exibir-se-ão, nas imagens 13 e 14, os produtos da Linha Jequiti Maísa,

composta por Colônia, Loção Hidratante, Sabonete em Barra, Shampoo, Condicionador e

Spray Desembaraçante. Todos esses produtos se apresentam em tons de rosa.

IMAGEM 13 IMAGEM 14

Convém salientar que na imagem 13 aparece a menina Maísa fazendo diversas poses

angelicais. Nesse sentido, é importante destacar que a figura da garota, ao lado dos produtos,

já abrilhanta os olhos da criançada, uma vez que, enquanto apresentadora de grande sucesso

53

no meio televisivo, Maísa ganhou a simpatia do público infantil e muitas meninas sonham em

ser como ela, fazer sucesso cantando, apresentando e atuando como atriz.

Dessa forma, o publicitário utiliza-se do discurso da fama e do sucesso para garantir a

venda dos produtos, uma vez que, a disseminação desse discurso, faz com que as meninas

desejem se tornar populares e fazer sucesso como a Maísa.

4.3 Propagandas Infantis veiculadas pela marca P&W

Os produtos apresentados abaixo pertencem à marca P&W, sendo divulgados à

venda no site online MAQUIAGEM NO ATACADO.

A linha é composta por Gloss infantil P&W, Kit de Maquiagem infantil P&W Yusa e

a Maleta de Maquiagem Moranguinho.

4.3.1 Considerações analíticas sobre a Linha de Maquiagem da Moranguinho

A imagem 15 que pode ser observada abaixo é referente aos produtos de marca

P&W, vendidos em muitos comércios, lojas de cosméticos, farmácias e mais recentemente em

sites da internet.

Um dos grandes sucessos em maquiagem entre as meninas, atualmente, são os

produtos da “Moranguinho” dessa marca.

IMAGEM 15

Percebe-se, conforme se pode ver na figura acima, que nas maquiagens destinadas ao

público infantil, criadas pela P&W, também prevalecem os tons em rosa, acompanhados da

ilustração da personagem conhecida como “Moranguinho”, contudo, é possível observar que

54

esta personagem sofreu algumas mudanças se a compararmos com aquela “Moranguinho” de

décadas passadas19

. Se antes a personagem se caracterizava como camponesa, as

“Moranguinhos” atuais vêm aderindo às roupas da moda e estão se tornando cada vez mais

fashion.

IMAGEM 16

Essa imagem, 16, encontra-se disponível em um site de venda de produtos de beleza

online, chamado “Maquiagem no Atacado”20

. E, segundo dados fornecidos por essa empresa,

se trata de um site criado para atender a demanda de clientes lojistas, revendedores e

distribuidores em todos os estados brasileiros. O site confirma, ainda, o poder que os produtos

de beleza têm exercido sobre as pessoas, ao afirmar que:

a vaidade feminina está se consolidando cada vez mais, e por isso a necessidade de

buscar aprimorar o atendimento ao cliente acreditando na expansão acelerada do

negócio devido à entrada de milhões de novas consumidoras que buscam produtos

de qualidade e com preços acessíveis21

.

Diante do exposto acima, pode-se dizer que a preocupação dos empreendimentos

comerciais tem sido muito maior em relação à expansão do comércio e à lucratividade do que

com a preservação dos direitos da criança, pois, como pode ser observado, a empresa traz a

19

A personagem Moranguinho foi criada em 1977 nos Estados Unidos da América por Muriel Fahrion. Em

princípio foi criada para a produção de cartões comemorativos. Depois acabou sendo usada para estampar

pôsteres, roupas e outros produtos. No ano de 1980, a Moranguinho passa a ser exibida como desenho animado

na TV. 20

Disponível em www.maquiagemnoatacado.com.br, acesso em 22 de setembro de 2012, às 22h. 21

Disponível em www.maquiagemnoatacado.com.br , acesso em 22 de setembro de 2012, às 21h e 15 min.

55

expressão “vaidade feminina” e não apresenta nenhuma distinção de faixa etária, além de que

as crianças têm passado cada vez mais tempo em frente ao computador e na internet, estando

mais frequentemente em contato com tais produtos.

O público-alvo desse site online, portanto, semelhantemente às revistas AVON e

JEQUITI, é o feminino. É possível apreender essa constatação também no seguinte

fragmento:

Somos uma empresa que acredita no crescimento acelerado do setor de produtos

femininos, por isso investimos capital e trabalho para levar ao nosso cliente

melhores condições de fazer bom negócio e aproveitar essa fase de expansão da

economia brasileira.22

Todavia, distintamente das revistas acima citadas, o site “Maquiagem no Atacado”

evidencia seus objetivos meramente comerciais, objetivos esses acentuados pelo não apoio a

projetos sociais.

Cabe destacar que, o site traz ainda uma coluna intitulada “Maquiagem Infantil”. Ou

seja, ao se referir ao público feminino, inclui-se também, as meninas (inclusive as com idade

inferior a 12 anos).

Além das imagens 15 e 16 evidenciadas no site, essa publicidade relacionada à

“Maleta de Maquiagem da Moranguinho” conta ainda com o slogan: “O Kit vem completo

para que as meninas vaidosas fiquem lindas e arrasem no LOOK.” Em seguida se traz as

seguintes informações ao consumidor:

Talvez você já tenha parado para observar uma pequenina brincando com

maquiagem. As meninas agora podem, pois chegou a linda Maleta de Maquiagem Infantil

Moranguinho - DS 149 que é totalmente aprovada pela Anvisa e segue todas as exigências

feitas para não dar alergias e causar danos para a criança.

A Maleta de Maquiagem Infantil Moranguinho - DS 149 é perfeita para

levar em viagens e brincar com as amiguinhas. E vem o kit completo de maquiagem para você

aproveitar e se maquiar muito.

A Maleta de Maquiagem Infantil Moranguinho - DS 149 traz:

- 3 pincéis de sombra de esponjinha

- 2 pincéis para blush

- 4 brilhos labiais

- 2 batons

22

Informações disponíveis no site http://www.maquiagemnoatacado.com.br/, mais precisamente no link

“empresa” acessado em 22 de setembro de 2012, às 23h e 20min.

56

- 1 espelho

- 18 sombras

- 5 sombras com glitter

- 4 blushes

- 1 lápis para lábios

Agora a criançada pode ter sua própria Maleta de Maquiagem Infantil

Moranguinho sem precisar usar os produtos de adultos.

Solicite agora mesmo um orçamento da Maleta de Maquiagem Infantil

Moranguinho e confira o nosso diferencial de atendimento.

Maleta de Maquiagem Infantil Moranguinho é aqui!23

Assim, conforme essas estratégicas discursivas e imagéticas exploradas pela criação

publicitária, é possível constatar que um dos recursos muito utilizados no meio publicitário é

afirmar que o produto é regulamentado por algum órgão, no caso da propaganda acima é

citada a ANVISA, a fim de dar credibilidade ao que está sendo propagado.

Outro ponto importante é a maneira como o publicitário seleciona um “motivo”, ou

uma “razão”, criando uma situação que seja favorável ao consumidor caso ele adquira o

produto, como é apreensível na expressão “é perfeita para levar em viagens” e “sem precisar

usar produtos de adultos”. Ressalta-se, também, a utilização dos verbos no imperativo

“Solicite agora mesmo um orçamento...” e “Confira nosso diferencial de atendimento”, não

deixando espaço para a dúvida e conduzindo a vontade e o desejo do consumidor, nesse caso

a criança, em adquirir o produto.

Há, ainda, dentre os recursos empregados, a repetição do nome do produto “Maleta

de Maquiagem Infantil Moranguinho”, que permeia todo o anúncio, com o intuito de levar as

meninas a fixarem a marca.

Vale reiterar que as imagens são bastante atrativas aos olhares desse público

feminino infantil, uma vez que apresentam diversos tons em rosa, cor que, culturalmente, é

destinada especificamente para elas.

4.4 Propagandas Infantis veiculadas na revista “CRESCER”

23

Disponível em www.maquiagemnoatacado.com.br, acessado em 22 de setembro de 2012, às 23h e 25m.

57

Com relação, ainda, à publicidade no meio impresso, constata-se que se encontram

propagandas comerciais de produtos infantis inclusive nas revistas cuja finalidade não é a

venda, mas a informação de modo geral, a exemplo de anúncios que aparecem

frequentemente na revista “CRESCER”, em maior proporção os da “Turma da Mônica” e os

da “Natura Mamãe e Bebê”.

A revista CRESCER, diferentemente das revistas AVON e JEQUITI, não oferece

produtos destinados à venda, contudo, traz inúmeras propagandas, inclusive uma das seções

da revista se chama “Ensaios de Moda”.

Esta revista, da Editora Globo24

, apresenta-se como de cunho informativo/jornalístico

e é destinada especialmente aos pais, trazendo artigos e discussões com especialistas de várias

áreas, bem como resultados de pesquisas recentes, no que tange à saúde, à educação e ao

comportamento, abordados mensalmente, com o intuito de ajudar grávidas, mães e pais a

criarem seus filhos no mundo atual.

A revista também colabora com projetos sociais, tais como o “Seminário Crescer”,

que aborda os mais diferentes aspectos que envolvem filhos, família e o papel de mães e pais

na sociedade moderna, contando com a presença de especialistas e convidados, a fim de

discutir as transformações que vêm ocorrendo no universo familiar. É, ainda, responsável pelo

“Curso online para gestantes”, no qual os leitores têm a oportunidade de escolher o horário e

os assuntos que desejam conhecer, tais como: alimentação, beleza, licença maternidade,

cuidados com a criança, dentre outras dúvidas que surgem antes e depois do nascimento do

bebê25

.

No que diz respeito à publicidade infantil, a revista tem se destacado de forma

significativa, estando entre uma das que mais vende os produtos divulgados, priorizando

sempre anúncios de grande criatividade, com imagens de alta qualidade e de alto poder

persuasivo. Para exemplificação desse fato, vale conferir os dados retirados de uma das

edições da revista26

:

24

A Editora Globo ocupa um lugar importante na história do livro e do periódico no Brasil. É uma das editoras

mais antigas do país, fez trajetória em nosso ambiente cultural e editorial durante o século XX. Publicou

centenas de traduções de grandes autores, dicionários e enciclopédias pioneiros, materiais didáticos e revistas

que marcaram época. Em 1986, a editora foi incorporada pelas Organizações Globo, do jornalista Roberto

Marinho, que já possuía, desde 1952, a Rio Gráfica Editora, famosa por seu trabalho na área das revistas de

grande circulação e de publicações em fascículos. Esse somatório permitiu à Editora Globo contar atualmente

com um extenso e sofisticado catálogo de livros e periódicos e de novas mídias de ensino e pesquisa.

Informações disponíveis em www.editoraglobo.com.br, acessado em 21 de setembro de 2012, às 18h. 25

Informações retiradas da Revista CRESCER online, disponível em http://revistacrescer.globo.com/, acessada

em 22 de setembro de 2012, às 21h e 15min.. 26

Imagem publicada na revista mensal de dezembro/2011. Disponível em http://revistacrescer.globo.com/,

acessada em 22 de setembro de 2012, às 21h e 45min

58

Portanto, apesar de ser uma revista que se autodenomina informativo/jornalística e

que apresenta conteúdos de grande valia para a formação de mães e pais e, consequentemente,

para a saúde e bem-estar das crianças, os mesmos não estão imunes aos apelos publicitários,

pelo contrário, são ‘bombardeados’ pelo estímulo ao consumo e ao desejo de compra.

4.4.1 Considerações analíticas sobre a propaganda da marca “Huggies Turma da Mônica27

IMAGEM 17

27

Turma da Mônica é uma série de histórias em quadrinhos, criada por Maurício de Sousa no ano de 1959.

Dentre os personagens principais dessa série estão Chico Bento, Bidu, Horácio, Penadinho, Tina, Piteco e Papa-

Capim.

59

Na propaganda explicitada pela imagem 17 evidenciam-se produtos da marca

“Huggies Turma da Mônica”. Nela, destaca-se como slogan: “Só o Anjinho para atender aos

seus pedidos: cachinhos definidos e hidratados em três passos”. No que diz respeito ao

imagético, verifica-se que os cabelos de ambas as crianças são cacheados, assim como os do

Anjinho, que é o personagem representativo da marca dos produtos, ou seja, o publicitário

cria uma simpatia das crianças para com o personagem, pela semelhança presente nos cabelos.

Ao afirmar “só o Anjinho para atender aos seus pedidos”, é possível, por meio da

memória discursiva, resgatar o significado do “anjo” no contexto social, uma vez que este é

considerado um enviado de Deus que vem para ajudar e proteger nos momentos de

dificuldade. Dessa forma, entende-se que o personagem “Anjinho” está presente no contexto

enunciativo para realizar o desejo das crianças de conseguir o produto ofertado, já que ele é

tido como um ajudante. A figura do anjo, associado à publicidade direcionada ao público

infantil, também é bastante comum, pois, segundo algumas crenças religiosas, as crianças são

comparáveis aos anjos, por serem consideradas como seres inocentes e ingênuos, podendo

fornecer aos adultos aparatos para a construção de uma sociedade mais justa e mais amável.

O restante do slogan, ao afirmar “cachinhos definidos e hidratados em três passos”,

revela uma duplicidade de sentidos, pois a expressão “três passos” pode estar relacionada a

um curto espaço de tempo, como se pudesse se substituir o slogan por “cachinhos definidos e

hidratados rapidamente”, ou, ainda, remeter aos três produtos que necessitam ser utilizados

conjuntamente, ou seja, os cachinhos ficarão definidos se a criança fizer uso dos seguintes três

passos: Shampoo, Condicionador e Spray Anti-Frizz.

Cabe ressaltar, quanto ao plano imagético, que, apesar do tom matizado em azul-

claro, não há predominância das cores conhecidas como “de menino” ou “de menina”, e esta

neutralidade deve-se ao fato de que os produtos podem ser utilizados por ambos os sexos, o

que também é acentuado no contexto da imagem pelos modelos fotografados : um menino e

uma menina dentro de uma banheira.

4.5 Teceres discursivos sobre os suportes de publicidade infantil evidenciados na pesquisa

Após as considerações analíticas feitas no corpus selecionado para análise, é possível

observar que todas as imagens, assim como toda a materialidade linguística dos produtos de

beleza e higiene pessoal apresentados, estavam carregadas de elementos persuasivos,

característicos da linguagem da publicidade. Assim, fundamentalmente na revista AVON e na

60

JEQUITI, as páginas destinadas ao público infantil, são ligeiramente perceptíveis pelo jogo

com as cores fortes e por causa dos personagens fictícios dos desenhos animados estampados

na embalagem dos produtos.

No site de venda de produtos online, a situação não é diferente, visto que os produtos

da “Moranguinho” abrilhantam os olhares dos pequeninos. Já no que diz respeito à revista

CRESCER, por trazer informações sobre um público infantil de faixa etária menor, mais

precisamente da fase bebê (os menores de 3 anos), e, portanto, direcionadas também para as

mães, há uma relativa ‘neutralidade’ estampada nas páginas, o que remete, culturalmente, à

suavidade de tons relacionados aos bebês, bem como por não se querer fazer distinção de

sexo para os quais os produtos são ofertados.

Dessa forma, podemos observar que a publicidade destinada ao público infantil no

Brasil é muito comum, e o sistema de regulamentação ainda é falho e a fiscalização é

praticamente nula.

61

PONTOS DE FECHAMENTO

A publicidade infantil brasileira continua sendo alvo de intensas críticas, uma vez

que, conforme mostrado nesse trabalho de pesquisa, não há uma fiscalização rigorosa que

atenda à legislação neste aspecto, e as crianças continuam a serem vítimas dos apelos

publicitários. Os pais, por sua vez, têm se tornado “escravos” da sociedade capitalista e

procuram dar aos filhos tudo o que podem, acreditando que desta forma estarão sanando o

vazio deixado pela ausência do diálogo e do convívio familiar, sem perceberem, contudo, os

problemas que seus filhos poderão enfrentar no que se refere a relacionamentos, à afetividade

e à convivência em grupo.

Além das camadas sociais com maior poder aquisitivo, têm-se, por outro lado, as

crianças cujos pais não têm condições financeiras para adquirir os produtos que a publicidade

divulga, gerando, assim, sentimentos de mágoa e pesar, o que as levam até mesmo a

enxergarem nos pais uma espécie de “vilão”.

Diante das constatações expostas acima, intensas discussões têm surgido no que se

refere à proibição da publicidade direcionada às crianças, no entanto, ainda há muitas

divergências de opiniões no que diz respeito ao assunto, visto que, apesar da preocupação por

parte de pais, de jornalistas e de psicanalistas, há uma forte resistência por parte das agências

publicitárias, que nem ao menos aceitam dialogar sobre os fatos, afirmando que a proibição

dos anúncios direcionados às crianças se caracterizaria como “censura”, sendo favoráveis

apenas ao sistema de Auto-Regulamentação e não de proibição.

Em muitos países, principalmente os desenvolvidos, tais como Bélgica e Portugal, as

propagandas infantis já foram proibidas, ou, ainda, regulamentadas por órgãos

governamentais, além de que, há um controle prévio daquilo que será divulgado, o que não

acontece no Brasil, uma vez que o CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação),

só toma providências após a divulgação da propaganda, ou seja, depois que as crianças já

tiveram contato com a mesma.

Dessa forma, é possível afirmar que a publicidade brasileira ainda está distante dos

padrões considerados éticos, e que, enquanto não houver uma política efetiva, com leis que

visem uma rigorosa regulamentação das propagandas, as crianças continuarão a serem vítimas

dos apelos publicitários, que, por sua vez, não medem esforços para conquistar tais

consumidores, utilizando-se de diversos recursos linguísticos e imagéticos, bem como do

62

poder que o simbólico exerce sobre a mente das crianças, através dos elementos sócio-

histórico-ideológicos.

Em todas as propagandas, que constituíram o corpus de análise do presente trabalho

monográfico, constataram-se, através dos recursos linguísticos e imagéticos, o caráter

dominante da ideologia, os sentidos pertinentes às distintas formações discursivas e o

conjunto de formulações do interdiscurso mobilizados pelos sujeitos publicitários em

condições de produção específicas, visto que as propagandas não divulgam apenas os aspectos

funcionais/informativos dos produtos, mas procuram de forma sedutora garantir a venda dos

mesmos.

Para assegurar a eficácia desse objetivo, como se mostrou nas considerações

analíticas dessa pesquisa, os sujeitos publicitários utilizam-se das mais diferentes estratégias

persuasivas, dentre elas a associação dos artigos a serem divulgados a personagens famosos

do universo infantil, como as princesas e os carros da Disney, a Barbie (sob o estereótipo da

mulher “violão”, sempre jovem e sedutora), os heróis do desenho animado “Liga da Justiça”,

as roupas “fashions” da personagem Moranguinho realçadas pelos tons rosas e a imagem do

“anjo” como aquele que, obrigatoriamente, está sempre ali para atender os desejos.

Portanto, é possível asseverar, dentre os pontos analíticos de fechamento possíveis,

que a propaganda infantil continua influenciando o comportamento de inúmeras crianças, na

medida em que cria os estereótipos e as estimula a desejarem os bens de consumo que estão

associados ao discurso de poder, felicidade e status social, pois elas são levadas a se

identificar com esse discurso predominante.

63

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