antes o mundo não existia

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ANTES O MUNDO NÃO EXISTIA Mitologia dos antigos Desana-Kéhíripõrã Umusi Pärökumu e Tõrāmā Këhíri (Firmiano Arantes Lana) (Luiz Gomes Lana) UNIRT / FOIRN

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Mitologia Desana

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  • ANTES

    O MUNDO

    NO EXISTIAMitologia dos antigos

    Desana-Khripr

    Umusi Prkumu e Trm Khri

    (Firmiano Arantes Lana) (Luiz Gomes Lana)

    UNIRT / FOIRN

  • ANTES O MUNDO NO EXISTIAMitologia dos antigos Desana-Khripr

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    K26 Khri, Trm.

    Antes o mundo no existia : mitologia dos antigosDesana-Khripr / Trm Khri, Umusi Prkumu;

    desenhos de Luiz e Feliciano Lana. -- 2. ed. -- So

    Joo Batista do Rio Tiqui : UNIRT ; So Gabriel daCachoeira : FOIRN, 1995.

    264 p. (Coleo Narradores Indgenas do Rio Negro;v.1)

    1. ndios Desana-Khripr. I. Umusi Prkumu, II.Lana, Luiz. III. Lana, Feliciano, IV, Ttulo. V. Srie.

    CDD-980,3

    ndice para catlogo sistemtico:1. Desana-Khripr : Indios : Amrica do Sul 980.3

  • UNIRT - Unio das Naes Indgenas do Rio TiquiPovoado So Joo Batista

    FOIRN - Federao das Organizaes Indgenas do Rio NegroRua lvaro Maia, 79 |

    So Gabriel da Cachoeira

    CEP 69.750-000Amazonas - Brasil

    Telefone/fax: (092) 471.1349

    (C) Umusi Prkumu e Trm Khri

    - Desenho da Capa: Maurcio Teles Lana* Coordenao Editorial e Apresentao: Carlos Alberto Ricardo

    Reviso do Manuscrito e da Traduo e Nota Lingustica: Dominique Buchillet/ORSTOM

    Notas: Berta Ribeiro (cf. 1 edio, 1980) & Dominique Buchillet

    Assistentes de Produo: Vera Feitosa e Nilto Tatto

    Digitao do Original: Marina Kahn

    Mapa: Alicia Rolla

    Elaborao da Ficha Catalogrfica: Waltemir Nalles

    Design Grfico: Maria Helena Pereira da Silva

    Editorao Eletrnica: Azeviche Comunicao VisualFotolito da Capa: Laserprint EditorialFotolito do Miolo: Criativa/Proposta

    Impresso e Acabamento: Paulus Grfica

    A produo deste livro faz parte do termo de cooperaoentre a FOIRN, o Instituto Socioambiental (So Paulo, Braslia,

    So Gabriel da Cachoeira) e o IIZ - Instituto para a CooperaoInternacional / Campanha da Aliana pelo Clima (ustria).

    1 edio, junho de 1980.

    2 edio, revista e ampliada, abril de 1995.

    Tiragem: dois mil exemplares

  • sUMRIO -

    | 7

    Apresentao

    15

    Nota lingstica

    19

    Origem do mundo e da humanidade

    Primeira parte: Origem do mundo

    22

    Segunda parte: Origem da humanidade

    42

    Terceira parte: A viagem por terra dos Pamrimahs .

    45

    Quarta parte: As andanas pelo mundode Umukomahs Boreka

    53

    Quinta parte: A diviso dos Umukomahs

    58

    Sexta parte: Histria de Umukomahs

    Boreka no tempo dos Portugueses

    60

    Stima parte: A disperso dos Umukomahs

    e a localizao dos Khripr

    81

    Mito de origem da noite

  • 87

    Mito dos trs cataclismos

    102

    O roubo das flautas sagradas pelas mulheres

    106

    Trs mitos sobre Buhtari Gm, o Demiurgo Indolente

    148

    Mito de origem da mandioca

    169

    O mito de Gpay e a origem da pupunha

    178O mito de Agmahspu, seguido do

    mito dos Diro e dos Koyea

    220

    Funeral dos Antigos dos Umukomahs

    222

    Mito da morte de Boreka

    230

    Profecia dos Antigos

    249Mito dos Namakuru

    257

    Mito de Wahtipepuridiapoaku, o Esprito de Dois Rostos

    261Mito de Wahsu Avental de Tururi e

    de Wahti Gurabemani, o Esprito Sem Cu

  • APRESENTAO

    Este volume rene os mitos mais importantes da cultura

    Desana, na verso de um dos seus grupos de descendncia,os Khripr ou Filhos (dos Desenhos) do Sonho, ao qualpertencem os narradores. Trata-se de uma edio revista e am

    pliada", que abre a coleo Narradores Indgenas do Rio Negro, destinada prioritariamente ao pblico indgena da regio.

    A regio do Rio Negro o habitat, tradicional de dezoito povos indgenas, oriundos de trs famlias lingsticas

    (Arawak, Tukano oriental e Maku), somando cerca de 23 mil

    pessoas que vivem em uns 400 povoados. Os Desana ou Umkomahs, Gente do Universo, do qual fazem parte os narra

    dores deste volume, so aproximadamente mil pessoas, no

    Brasil, distribudos em aproximadamente 50 comunidades espalhadas pelos Rios Tiqui e Papuri, e seus principais afluen

    tes navegveis. Eles mantm com os outros povos indgenasda regio relaes matrimoniais e/ou econmicas intensas.

    1. A primeira edio foi publicada em 1980, 239 pginas, pela LivrariaCultura Editora (So Paulo), com uma tiragem de cinco mil exemplarese encontra-se esgotada. Com uma introduo e notas da antroploga Berta

    G. Ribeiro, foi destinada a um pblico externo.

    2. Os povos Arawak atuais so os Baniwa, Kuripaco e Wakuenai (nos

    Rios Iana e Guinia), os Warekena (do Rio Xi e Cao San Miguel, naVenezuela), os Bar (curso mdio e superior do Rio Negro) e os Tariano

    (curso mdio e baixo do Rio Uaups). Os povos Tukano orientais so os

    Tukano, Desana, Tuyuka, Karapan, Makun, Siriano, Miriti-Tapuyo,

    Pir-Tapuyo, Arapao, Uanano, Cubeo, Bar e Barasana, que vivem aolongo do rio Uaups e seus principais afluentes: Tiqui, Papuri, Querari

    e Cuduiari, no Brasil e Pira-paran e Apaporis, na Colmbia. Os Maku

    vivem na vasta regio compreendida entre o alto Uaups, ao norte, e os

    Rios Jurubaxi e Japur, ao sul e sudeste e compreendem seis grupos

    lingsticos diferentes: Bar, Hupd, Yuhup, Nadb, Dw e Kabori,

    7

  • UarirambaVENEZUELA

    AMAZONAS

    #9pio Ma?

    A. I. Y. A NO M A M |

    Santa Isabel do

    COMUNIDADES INDGENAS NO

    ALTO E MDIO RIO NEGRO

    A Comunidade/Centro Missionrio

    Comunidade/Sede de Organizao Indgena

  • A idia de publicar este livro foi motivada pelo desejo ,manifestado em 1993 por Luiz Lana, presidente da UNIRTUnio das Naes Indgenas do Rio Tiqui ? , de ver as narrativas mticas, contadas por seu pai h cerca de 25 anos atrs,

    circulando nos povoados indgenas, sobretudo entre os jovensestudantes nas escolas espalhadas por todo o noroeste do estado do Amazonas. A proposta foi aprovada com entusiasmo pe

    la Diretoria e pelo Conselho da FOIRN (Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro) quando se transformouno ponto de partida de uma coleo que pudesse acolher outras narrativas, espelhando a grande riqueza e diversidade cul

    tural da regio:A deciso de se fazer uma coleo baseou-se tambm nofato de que, h pelo menos trs dcadas, vrias pessoas indgenas da regio tm se dedicado a registrar em fitas magnticas

    3. A UNIRT, fundada em 1990, uma das vinte associaes filiadas

    FOIRN. As demais so as seguintes: ACIRX (Associao das Comuni

    dades Indgenas do Rio Xi), ACIRI (Associao das Comunidades Indgenas do Rio Iana), AMAI (Associao das Mulheres do Rio Iana),

    OIBI (Organizao Indgena da Bacia do Iana), ACITRUT (Associaodas Comunidades Indgenas de Taracu e Rio Tiqui), AMITRUT (As

    sociao das Mulheres Indgenas de Taracu e Rio Tiqui), UCIDI (Unio

    das Comunidades Indgenas do Distrito de Iauaret, UNIDI (Unio dasNaes Indgenas do Distrito de Iauaret), AMIDI (Associao das Mu

    lheres Indgenas do Distrito de Iauaret), ONIARP (Organizao das

    Naes Indgenas do Alto Rio Papuri), CRETIART (Conselho Regional

    das Tribos Indgenas do Alto Rio Tiqui), ACIRU (Assciao das Co

    munidades Indgenas do Rio Umari), UNIRT (Unio das Naes Indge

    nas do Rio Tiqui), ACIRNE (Associao das Comunidades Indgenas

    do Alto Rio Negro), AIP (Associao Indgena Potira Kapuano), ACIBRN

    (Associao das Comunidades Indgenas do Baixo Rio Negro), CACIR

    (Conselho de Articulao das Comunidades Indgenas e Ribeirinhas),COIMIRN (Comisso de Organizao Indgena do Mdio Rio Negro),AINBAL (Associao Indgena do Balaio) e OMIRP (Organizao Ind

    gena do Mdio Rio Papuri).

    1. O

  • e a botar no papel os conhecimentos e as estrias contadaspelos antigos, utilizando de maneira prpria o domnio daescrita e da leitura, amplamente difundido pela ao educa

    cional-escolar secular dos missionrios catlicos salesianos.

    Os narradores da verso Kenhirpr dos mitos Desana comearam a registr-los por escrito em 1968. Numa entrevista antroploga Berta Ribeiro, no povoado de So JooBatista, no Rio Tiqui, dez anos mais tarde, Luiz Lana ex

    ps as razes que o motivaram, e a seu pai, de realizar essetrabalho: -

    A princpio no pensei em escrever essas histrias. Foiquando vi que at rapazinhos de dezesseis anos, com o grava

    dor, comearam a escrev-las. Meu primo-irmo, FelicianoLana, comeou a fazer desenhos pegando a nossa tribo mesmo, mas misturados com outras. A falei com meu pai: todo

    mundo vai pensar que a nossa histria est errada, vai sair tudoatrapalhado. A ele tambm pensou... Mas meu pai no queria dizer nada, nem para o padre Casemiro, que tentou vriasvezes perguntar, mas ele dizia s umas besteiras assim por alto.

    S a mim que ele ditou essas casas transformadoras. Ele ditava e eu escrevia, no tinha gravador, s tinha um caderno

    que eu mesmo comprei. Lpis, caderno, era todo meu.Quando estava na metade, a eu escrevi uma carta ao padre Casemiro. Ainda no era amigo dele, mal o conhecia, masdisse que iria escrever tudo direito. Ele me respondeu e-man

    dou mais cadernos. Fiquei animado... No escrevia todo diano, fui perguntando a meu pai. s vezes passava uma sema

    na sem fazer nada. Quando terminei, quando enchi todo umcaderno, mandei o caderno ao padre Casemiro, o original em

    desana, a histria da criao do mundo at a dos Dilo. Con

    tinuei trabalhando, fazendo outro original, j em portugus.A pedi ao padre Casemiro para publicar, porque essas folhas

    datilografadas acabariam se perdendo, um dia podiam serX

    11

  • queimadas, por isso pedi que fosse publicado para ficar no meiodos meus filhos, que ficasse para sempre. "

    A presente edio foi feita a partir do manuscrito original,revisado e organizado pela antroploga Dominique Buchillet,com a orientao do prprio Luiz Lana. Apresenta diferenascom relao primeira edio, publicada graas aos esforospioneiros feitos pelo missionrio salesiano Casimiro Beksta

    e, posteriormente, pelo escritor amazonense Mrcio Souza epela antroploga Berta Ribeiro, que apoiaram os narradores

    na produo, na preparao dos originais e nos contatos com aeditora. Contm alguns mitos no contemplados na primeira

    edio: Trs mitos sobre Buhtar Gm, o Demiurgo Indolente; Mito de Wahtipepridiapoak, o Esprito de Dois Ros

    tos; e Mito de Wahsu Avental de Tururi e de Wahti

    Gurabemani, o Esprito Sem Cu. Ainda assim, no rene todaa mitologia desana conhecida pelos Kehripr.

    As notas que aparecem ao longo do texto foram selecionadas entre aquelas publicadas por Berta Ribeiro (1980),incluindo, sempre que possvel, os nomes cientficos de plan

    tas e animais mencionados na lngua desana. A grafia das palavras em desana se inspirou na Proposta para uma grafia uni

    ficada da lngua Tukano, elaborada durante vrios seminrios

    por professores tukano da regio, sob a coordenao da lingista Odile Lescure, conforme aparece mais detalhadamente

    ao final desta Apresentao.

    4. Ribeiro, Berta: 1980, Os ndios das guas pretas, introduo ao livroAntes o Mundo No Existia, pg. 9-10.

    5. Pesquisadora do ORSTOM, Institut Franais de Recherche Scientifiquepour le Dvelopement en Coorperation.

    12

  • Os narradores

    Umusi Prkumu, ou

    Firmiano Arantes Lana,

    pai de Luiz, nasceu em1927, filho de tuxua,

    baya (isto , mestre de ce

    rimnia), kumu e tuxua

    ele mesmo, nunca quisaprender o portugus e

    fez questo que seus sete

    filhos falassem a lnguadesana". Morreu em 1990.

    Trm Khri, ou Luiz Gomes Lana, nasceu em 1947,

    filho primognito de Umusi Prkumu, de quem escutou e anotou a verso da mitologia desana reunida neste livro, e de

    Emlia Gomes (Tukana). Casado com Catarina Castro (Tuka

    na), pai de cinco filhos, reside no povoado de So Joo, bei

    ra do Rio Tiqui, afluente da margem direita do Rio Uaups,juntamente com mais 68 habitantes, todos de sobrenome Lana,

    pertencentes ao cl Khripr. A que se localiza a sede da

    UNIRT (Unio das Naes Indgenas do Rio Tiqui), fundada

    em 1990, da qual presidente. Luiz cursou a escola da MissoSalesiana de Pari-Cachoeira at a quinta srie do primeiro grau,em regime de internato.

    6. Os kumua exercem funes destacadas na estrutura social desana. lhes atribudo o poder de controlar os fenmenos da natureza, profetizar

    malefcios e executar ritos para obvi-los, dirigir os cerimoniais do ci

    clo vital e, em alguns casos, na ausncia de pajs, realizar curas. Talcomo os xams, tm profundo conhecimento da mitologia, dos ritos e

    costumes tribais (cf. Ribeiro, B.: 1980, op.cit., pg. 10).

    7. cf. Ribeiro, B.: 1980, op.cit., pgs. 10-11,

    13

  • Em 1978, Luiz

    Lana j planejava

    prosseguir na trilhade registrar por es

    crito parte da tradio oral dos Desa

    na-Khripr :"eu

    fiquei pensando, jque eu comecei a

    trabalhar, de pegar

    todas as estrias que meu pai sabe, at terminar. Quero continuar. Enquanto eu viver, quero fazer isso. Agora vou pegar as

    estrias que os antigos contavam para as crianas. Quando ter

    minar tudo isso quero escrever algumas rezas que os velhostm, escrever em minha lngua mesmo e traduzir ao portugus.

    Essas rezas so muitas, e vai dar mais trabalho que este livro.

    Eu no quero que elas se percam. E meu pai, que kumu, dos poucos que ainda se lembram, agora s tem kumu, no

    tem mais paj. E quero publicar tambm, publicar esse livro.So as rezas que se faziam quando davam nome s crianas,quando as moas tinham a primeira menstruao, reza da defesa antes da vinda dos pajs invisveis, rezas contra dores de

    cabea, febre, para as plantas crescerem, para se acalmar os

    inimigos, contra mau olhado.*Luiz Lana viajou a algumas cidades do Brasil e do mundopara expor seus desenhos e falar sobre as narrativas mticasque registrou. Em 1992 iniciou a construo de uma grandemaloca estilo tradicional, situada num terreno elevado no po

    voado de So Joo e denominada por ele maloca-museu, paraservir de espao de exposio e formao cultural dos jovens,

    8. Ribeiro, B.: 1980, op.cit., pg. 43-44.

    14

  • NOTA LINGUSTICA

    O sistema de transcrio da lngua desana adotado nestelivro inspira-se na Proposta para uma grafia da lngua Tukano,elaborada por um Grupo de Trabalho, formado por professores Tukano da regio do Alto Rio Negro, em vrios seminrios sob a coordenao da lingista Odile Lescure.

    O alfabeto compreende 21 letras: a, b, d, e, g, h, i, k, m,n, , o, p, r, s, t, u, u, w, y, ' . H ainda dois signos grficos: o

    til (~) em cima de uma vogal indica nasalizao (mahsgente) e o acento agudo () em cima de uma vogal indica o tomalto (di rio). As vogais nasais so escritas sem til quando

    ocorrem numa slaba na qual a consoante m, n ou (mahnamoradores, mani ns, fiahS marac).

    Algumas letras representam sons prprios em desana comoo u vogal central, fechada, no arredondada (pagu pai) ou '

    consoante glotal (Wi' maloca). Outras tm pronncias di'ferentes do portugus, como por exemplo:

    /g/ pronuncia-se [g] quando vem acompanhado por umavogal oral (pagu pai) e [I]] quando vem acompanhado por

    uma vogal nasal (fagi miangas);/h/ representa uma aspirao, sendo diferente da letra h

    do portugus. Essa aspirao tem vrias realizaes fonticas:aspirada [h], como no exemplo ht pedra, ou fricativa [x],como na palavra yuhku pau; *

    |- // sua pronncia varia entre [fi] e [j];

    /r/ quando a letra r aparece em posio intervoclica, seguida por uma vogal nasal, sua pronncia difere conforme as

    variaes dialetais do desana, podendo ser pronunciada pelolocutores [f], [1] ou [n]; e

    /w/-se pronuncia [w] quando seguida pelas vogais a, e,o, u, u; e [C]] quando acompanha a vogal i, como em Wahsu

    seringa ou wi'i maloca.

    15

  • 18

  • Origem do mundo e da humanidade

    Primeira parte: Origem do mundo

    O mundo no existia

    No princpio o mundo no existia. As trevas cobriam tudo.Enquanto no havia nada, apareceu uma mulher por si mesma.Isso aconteceu no meio das trevas. Ela apareceu sustentando

    se sobre o seu banco de quartzo branco. Enquanto estava aparecendo, ela cobriu-se com seus enfeites e fez como um quar

    to. Esse quarto chama-se Uhtboho taribu, o Quarto de Quartzo Branco. Ela se chamava Yeb Bur, a Av do Mundo

    ou, tambm Av da Terra.

    Como ela apareceu

    Haviam coisas misteriosas para ela criar-se por simesma. Haviam seis coisas misteriosas: um banco de quartzobranco, uma forquilha para segurar o cigarro, uma cuia de

    ipadu", o suporte desta cuia de ipadu, uma cuia de farinha detapioca e o suporte desta cuia. Sobre estas coisas misteriosas que ela se transformou por si mesma. Por isso, ela se chama |

    a No Criada. -~

    Foi ela que pensou sobre o futuro mundo, sobre os futuros seres. Depois de ter aparecido, ela comeou a pensar como

    deveria ser o mundo. No seu Quarto de Quartzo Branco, ela

    comeu ipadu, fumou o cigarro e se ps a pensar como deveriaser o mundo. >

    1. Ahp em desana. Arbusto (Erythroxylum coca var, ipadu) cujas folhas

    so tostadas e socadas em pilo especial (ahpdeariru). So misturadas

    s cinzas de uma espcie de embaba (ahpmoa sal de ipadu). O p mascado e engolido.

    19

  • A criao do Universo

    Enquanto ela estava pensando no seu Quarto de QuartzoBranco, comeou a se levantar algo, como se fosse um baloe, em cima dele, apareceu uma espcie de torre. Isso aconteceu com o seu pensamento. O balo, enquanto estava se levantando, envolveu a escurido, de maneira que esta toda fi

    cou dentro dele. O balo era o mundo. No havia ainda luz. S

    no quarto dela, no Quarto de Quartzo Branco, havia luz. Tendo feito isto, ela chamou o balo Umukowi'i, Maloca do Uni

    verso. Ela o chamou como se fosse uma grande maloca. Este o nome que ainda hoje o mais mencionado nas cerimnias.

    Os cinco Troves

    Depois ela pensou em colocar pessoas nesta grandeMaloca do Universo. Voltou a mascar ipadu e a fumar o cigarro. Todas essas coisas eram especiais, no eram feitas como

    as de hoje. Ela tirou ento o ipadu da boca e o fez transformar-se em homens, os Avs do Mundo (Umukoehksuma).

    Eles eram Troves. Esses Troves eram chamados em conjunto Uhtbohowerimahs, quer dizer os Homens de Quartzo

    Branco porque eles so eternos, eles no so como ns. Issoela fez no Quarto de Quartzo Branco, no lugar onde apareceu.Em seguida, ela saudou os homens por ela criados, chamando

    os Umukosur, isto , Irmos do Mundo. Isto , os saudoucomo se fossem os seus irmos. Eles responderam, chaman

    do-a Bmukosurehk, Tatarav do Mundo, quer dizer queela era av de todo ser que existe no mundo.

    Feito isso, ela deu a cada um deles um quarto nesta grande maloca que a Maloca do Mundo. Os Troves eram cinco.

    Ns os chamamos Avs do Mundo. O primeiro, como primognito, recebeu o quarto de chefe. O segundo recebeu o

    quarto da direita, acima do primeiro. O terceiro recebeu o

    2O

  • Segunda parte: Origem da humanidade |

    Como fizeram a humanidade

    Yeb Bur disse aos Troves:

    Gerci vocs para criarem o mundo. Pensem agoracomo fazer a luz, os rios e a futura humanidade.

    Eles responderam que assim fariam. Mas nada fizeram! Cadaqual ficou na sua prpria maloca e nem se lembraram do que aAv do Mundo lhes havia pedido. *>

    As malocas dos cinco Troves tinham nomes. A do primeiro-chama-se Diahpikwi'i Maloca de Leite e fica no

    sul. A do segundo chama-se Digahsiruuhtmwi'i Malocada Cachoeira da Casca e fica no leste, em Tunui cachoeira,

    no rio Iana. A maloca do terceiro chama-se Umuswi'iMaloca de Cima e fica no alto. Esta a que tinha as riquezas: diversos adornos usados nas danas rituais. Todas estascoisas eram especiais, mgicas. Tudo isto viria a formar a

    futura humanidade. Foi ao terceiro Trovo que a Av do Mundo deu todas essas riquezas, assim como o poder de guard

    las. A maloca do quarto Trovo chama-se Dipasarowi'i* efica no oeste, no rio Apaporis, na Colmbia. A maloca doquinto chama-se Didihpamahawi'i Maloca da Cabeceira efica no norte. O Trovo desta maloca era o ltimo e se chamava Abepwehku Anta do Brinco do Sol. Ele brilhava por

    si mesmo. >

    O mundo estava ainda escuro. Vendo que no cumpriramas suas ordens, a Av do Mundo disse: -

    Eu no mandei vocs ficarem parados! Mandei-osfazerem a luz, os rios e a futura humanidade e vocs no fizeram nada.

    2, Palavra intraduzvel em portugus.

    22

  • Os rios, eles j haviam criado. S lhes faltava fazer a luze a futura humanidade. Ouvindo isto, os Troves resolveram

    criar a futura humanidade. Realizaram ento um grande dabucuri das frutas da palmeira miriti" com a participao de

    Yeb Bur. Isto aconteceu na Maloca de Leite. A Av do Mun

    do, vendo o que eles iam fazer, veio para gui-los. Mas a bebida servida, o caapi" era forte demais e, mesmo com a ajuda deYeb Bur, os Troves no conseguiram criar a futura huma

    nidade. Um deles saiu da maloca para tentar. Mas ele j estavatonto pela bebida e no podia mais aguentar. Ele saiu vomitando pelo oeste. A mesmo, o Trovo endureceu e transfor

    mou-se numa grande montanha com todos os seus enfeites.

    Vendo que no dava certo, a Av do Mundo disse: Esses no tm jeito mesmo, eles no sabem fazer.

    E voltou outra vez para o lugar dela, na Maloca deQuartzo Branco, ainda chamada Dimomesuriwi'i, Malocados Favos de Mel. -

    Como apareceu um outro Ser

    Voltando ao seu lugar, a Av do Mundo disse: No est dando resultado.

    Pensou ento em criar um outro ser que pudesse seguir assuas ordens, Tomou ipadu, fumou cigarro e pensou como deveria ser. Enquanto estava pensando, da fumaa mesmo formou-se um ser misterioso que no tinha corpo. Era um ser que

    no se podia tocar, nem ver. Yeb Bur pegou ento o seu pari

    --- *

    3. Ne em desana (Mauritia flexuosa Mart.).

    4. Bebida alucingena preparada a partir do cip Banisteriopsis sp., plan

    tado antigamente nas roas. O cip era socado num pilo prprio

    (gahpipamr) e o p resultante, dissolvido na gua, era coado numa

    cumat (peneira de crivo fino) chamada em desana siruriye e servidonum pote ou camuti (gahpisoro).

    23

  • de defesa (wereimikaru) e nele o envolveu. Ela estava agindocomo as mulheres quando do luz. Depois de t-lo pego como seu pari, ela o saudou, dizendo Umukosurpanami Bisneto

    do Mundo, ao qual ele respondeu Umukosurehk Tatarav

    do Mundo. Isto ela fez no Quarto de Quartzo Branco,O nome dele era Yeb Gm, quer dizer o Demiurgoda Terra (ou do Mundo). A Av do Mundo disse-lhe:

    Eu mandei os Troves do Mundo fazerem as cama

    das da terra, fazerem a futura humanidade, mas eles no sou

    beram faz-lo. Faa-o voc. Eu hei de gui-lo.Ele respondeu que iria fazer. Aceitou a ordem da Yebbur. De l mesmo, do Quarto de Quartzo Branco, onde havia

    aparecido, ele levantou o seu basto cerimonial que se chamaem desana yewg osso de paj e o fez subir at o cume

    da Torre do Mundo. Era a fora dele que subia. Ali, ele parou.

    A criao do Sol

    A Av do Mundo, vendo que o basto estava erguido, cumpriu a sua palavra de guiar o seu bisneto. Ela enfeitou a ponta

    do basto com penas amarradas, enfeites prprios deste basto, masculinos e femininos, e esse adorno ficou brilhando de

    diversas cores: branco, azul, verde, amarelo. Enfeitou-o ainda- com um tipo de brincos ou pingentes, de feio masculina e

    feminina. Ela fez isso no cume da Torre do Mundo. Com esses

    enfeites, a ponta do basto ficou brilhando. A, transformou-se, assumindo um rosto humano. E deu luz onde havia

    escurido at os confins do mundo. Era Abe, o Sol que acabava de ser criado. Assim apareceu o Sol. O Sol gira por simesmo. Na astronomia dos Antigos estes j sabiam que o

    Sol girava por si mesmo. Isso a criao do Sol. Feito isso,Yeb Bur cobriu o Sol com um tapume de penugem de arara

    (mahweayuhsu).

    24

  • A criao da Terra

    Vendo o trabalho do Bisneto do Mundo, os Troves ficaram enciumados, comentando entre si: *

    Ns que somos Homens de Quartzo Branco, ns quefomos os primeiros a ser criados, no conseguimos fazer isto!

    Como que este aparecido, este esprito que no tem corpo,como que ele consegue fazer isto? Faremos de sorte que eleno conseguir!

    Por inveja, queriam destruir o trabalho dele. SUmukoehk no teve inveja do trabalho do Bisneto do Mundo, isto , o terceiro Trovo. Amansou ento os seus irmos

    com o alimento deles que era ipadu e cigarro. Somente disso que eles viviam! Comendo ipadu, fumando cigarro, eles se

    amansaram, no ficaram mais com inveja e no incomodarammais o trabalho do Bisneto do Mundo. --

    Esse basto no era como o de nossos dias: ele era espe

    cial, invisvel. Todas as coisas nesta poca eram invisveis: agente no podia v-las nem toc-las. Desde o princpio dessa

    histria, todos os materiais eram invisveis: o ipadu, o cigarro, o basto cerimonial e todas as outras coisas que eu citeieram invisveis. * *

    Neste basto, chamado osso de paj, ele subiu at amaloca do terceiro Trovo. Antes de subir, porm, ele criou

    vrios paris: o pari de urucu de miriti (nemohsimikaru), opari de frutas pequenas de miriti (nemuhtriimikaru), o pari

    de miriti meio amarelo (nebohoimikaru), o pari de talos decaran (apdhkaimikaru). Sustantando-se em cima dessesparis que ele criara, ele subiu no espao.

    Enquanto isso, Yeb Bur tirou do seio esquerdo sementes de tabaco, grozinhos minsculos, e os espalhou em cimados paris. Depois tirou leite, tambm do seio esquerdo, que

    ela derramou por cima dessas esteiras. A semente de tabacoera para formar a terra, e o leite, para adub-la.

    25 - ----

  • O Bisneto do Mundo estava subindo para a Maloca de

    Cima, cortando e dividindo o espao em vrias camadas. O

    mundo foi assim dividido em andares (ou graus) sobrepostos,como o ninho da caba est dividido em vrios nveis. O Sol

    feito por eles j estava iluminando todos esses nveis. Ele es

    tava em cima, bem no alto. Se ele estivesse perto de ns, ele

    nos queimaria a todos! Portanto, o mundo ficou dividido em

    graus, em andares sobrepostos como disse antes. O quarto da

    Av do Mundo ficou debaixo de todos esses graus: o primei

    ro quarto ou Quarto de Quartzo Branco (Bhtbohotaribu).

    O segundo quarto, acima do primeiro, chama-se Quarto dePedras Velhas (Bhtbuhutaribu). No se sabe exatamente o

    que nele existe. O terceiro andar chama-se Quarto de

    Tabatinga Amarela (Bahsibohotaribu). nesse nvel que vivemos ns, assim como toda a humanidade. O quarto andar

    chama-se Firmamento ou Andar dos Brincos do Sol(Abeptaribu). este grau que os Antigos chamavam Nveldos Santos ou, ainda, Nvel dos Demiurgos. Isso a histria dos Antigos. Os velhos desse tempo, fazendo comparaes

    com a religio catlica, dizem que o Bisneto do Mundo deve

    estar l agora. Este, que foi criado por Yeb Bur no Quarto

    de Quartzo Branco, no tinha corpo. Era esprito. A religio catlica diz que Deus um esprito que no tem corpo. A este tre

    cho, meu pai que est contando, est comparando as histriasdos Antigos com a religio catlica. Dizem que neste nvel

    que deve estar Umukoehk, o Bisneto do Mundo, o nosso Demiurgo eterno. Acima deste nvel est a Maloca de Cima, a do

    terceiro Trovo. Este o guardio dos enfeites de penas e dos

    diversos adornos que os Antigos usavam para as danas. OBisneto do Mundo, criando as camadas da terra, estava subin

    do no espao, dirigindo-se para a maloca do terceiro Trovo,

    porque a Av do Mundo lhe havia dado a ordem de ir l pediros enfeites de penas que viriam a ser a futura humanidade.

    26

  • Quando chegou maloca do terceiro Trovo, encontroua fechada. A maloca era toda de quartzo branco, inclusive a

    porta, e ningum podia entrar. Chegando l, Umukoehk comeou a acalmar tudo e s ento abriu a porta. Se no tivesse

    feito assim, ele seria morto. No momento em que ele abriu aporta, apareceu Umukomahs Boreka, o chefe dos Desana.

    Boreka era como o irmo do Bisneto do Mundo. Ingressaramjuntos na maloca. Ao entrar, o Bisneto do Mundo exclamou:

    Sw! uma saudao de quem chega ao dono da maloca. Econtinuou dizendo: ~~

    tmukoehkr mahskarimahs, isto , Eu sou o

    homem que veio visitar o Av do Mundo.O terceiro Trovo respondeu:|- Sim, Bisneto do Mundo!

    Ele respondeu do fundo da maloca, no veio at a portapara saud-los. Em primeiro lugar veio o seu cigarro, a seguir

    o ipadu e, em terceiro lugar, o ipadu feito com tapioca. Essascoisas vieram por si mesmas para cumprimentar o Bisneto doMundo. Vieram uma por uma, chegaram presena dele, pa=raram um pouco e voltaram ao quarto do Trovo.

    Como apareceu a humanidade

    Depois que voltaram o cigarro e o ipadu, Umukosurpanamificou olhando. Viu muitas riquezas: penas e diversos adornos

    dos Antigos. A maloca do Trovo lhe pareceu como se fosseum museu! Enquanto ele estava olhando, o Trovo veio cumpriment-lo. O Bisneto do Mundo disse-lhe ento:

    Eu vim aqui porque Yeb bur me mandou pedir-lheas suas riquezas, Av do Mundo. Por isso que eu vim aqui!

    O Trovo respondeu: Muito bem, meu Bisneto! Eu tenho aqui as riquezasque voc quer!

    27

  • Dito isto, desceu ao seu quarto, pegou um pari usado comodefesa do quarto de chefe e voltou para perto do Bisneto doMundo. Estendeu ento o pari no cho e, com a mo, apertou a

    sua barriga, Sairam-lhe ento pela boca as diversas riquezasque cairam sobre o pari. Eram acangataras e outros enfeites depenas, colares com pedra de quartzo, colares de dentes de ona,placas peitorais, forquilhas para segurar o cigarro. Ele fez isto

    na vista do Bisneto do Mundo. Quando acabou de despejartudo, o Trovo disse:

    Eis as riquezas, meu Bisneto! Quando voltar l, vocfaa assim mesmo! X

    E ensinou-lhe os ritos que deveria realizar.No mesmo instante, todas as riquezas se transformaramem gente. Eram homens e mulheres que encheram a maloca doterceiro Trovo. Deram uma volta dentro da maloca e torna

    ram a transformar-se em riquezas. Essas riquezas viriam a ser

    a futura humanidade. O Trovo disse ento: Procedem dessa forma quando forem colocar asMalocas de Transformao para criar a futura humanidade.

    E colocou todas as riquezas na mo do Bisneto do Mun

    do. No ptio da maloca do terceiro Trovo havia um p deipadu. O Trovo disse, mostrando-o:

    A est um p de ipadu. Tirem cada um de vocs umafolha nova e engulam-na. Quando sentirem dor de barriga,

    acendam o seu turi, deixem cair as cinzas do turi dentro de

    uma cuia de gua e, depois, bebam esta gua. E tratem de vomitar num s buraco no rio.

    Tiraram ento a folha de ipadu e a engoliram. Quandocomearam a sentir dor de barriga, eles fizeram como lhes fora

    dito. Ao vomitar, a mesmo, apareceram duas mulheres. O seu

    5. Muhprimihi em desana, madeira igngera (Licania sp.).

    28 |

  • vmito era como um parto e, dele, surgiram as primeiras mulheres. O Bisneto do Mundo disse ao seu irmo Boreka:

    Puxe-as para fora da gua! *_>Umukomahs Boreka pegou ento as duas mulheres pelamo e puxou-as para fora da gua, chamando-as Minhas filhas! Levaram-nas para a maloca do terceiro Trovo para mos

    tr-las. O Av do Mundo disse:

    Muito bem! Fazei assim! *

    Ele viu que fizeram as coisas direito. O terceiro Trovodisse a Bmukosurpanami:

    Eu tambm vou com vocs levar as minhas riquezas.Prometeu ir com eles para ajudar a formar a futura humanidade. Feito isso, o Bisneto do Mundo voltou para o Quartode Quartzo Branco, onde ele tinha aparecido, com todas as ri

    quezas que havia encontrado no alto e que o terceiro Trovolhe dera.

    Depois ele subiu superfcie da terra para formar a humani

    dade. Levantou-se num grande lago chamado Diahpikdihtaru, isto , Lago de Leite, que deve ser o Oceano. Enquanto ele vinha subindo, o terceiro Trovo desceu neste gran

    de lago na forma de uma jibia gigantesca. A cabea da cobrase parecia com a proa de uma lancha. Para eles, parecia umgrande navio a vapor que se chama Pamrigahsiru, isto , Canoa da Futura Humanidade ou Canoa de Transformao.

    Umukosurpanami e Umukomahs Boreka, o chefe dosDesana, vieram como comandantes dessa cobra-canoa. Che

    garam maloca do primeiro Trovo, no Lago de Leite. Entraram e agiram segundo as instrues de Umukoehk. A, re

    petiu-se o que havia acontecido na Maloca de Cima: os enfeites tornaram-se pessoas que fizeram um desfile. Deram umavolta dentro da maloca e, depois, voltaram a ser enfeites.

    Esta Maloca de Leite est na beira de um grande lagoque se chama Lago de Leite, ou seja, o lago de onde surgiu

    29

  • a futura humanidade. As malocas da beira do Rio de Leite(Diahpik) foram colocadas pelo Bisneto do Mundo junto comBoreka. Essas malocas chamam-se Pamrwi'ri Malocas de

    Transformao.Na frente deste grande lago, na frente d Maloca de Leite, ao seu lado direito, h uma outra maloca que se chama

    Wihwi'i Maloca de Paric. Esta maloca foi feita porUmukomahs Boreka ao surgir com seu irmo nesse grande

    lago. Foi ele que pensou criar esta grande maloca. Esta maloca

    de paric. Boreka ia se tornar um grande paj, por isso queele a criou, mesmo vindo com seu irmo. Por essa razo, aMaloca de Paric dele.

    Como disse antes, tendo entrado na Maloca de Leite, elefez como o Av do Mundo lhe tinha ensinado na Maloca de

    Cima. Ao sair desta maloca, o Bisneto do Mundo embarcoude novo com as riquezas na grande embarcao. Esta gran

    de embarcao era o terceiro Trovo mesmo, que vinha trazendo as riquezas que viriam a ser a futura humanidade.

    Bmukosurpanami veio de p, na proa da embarcao, com oseu basto cerimonial. Umukomahs Boreka estava no centro,

    , dentro da embarcao. Os dois eram chefes dessa grande Canoa de Transformao, trazendo as riquezas. Eles subiram pe

    lo lado esquerdo do lago criando Malocas de Transformao.

    Ao chegarem a uma maloca, eles encostavam, saam da embarcao levando as riquezas e faziam as suas cerimnias.

    + 6. O paric, em lngua geral, uma espcie de rap extrado da cortiade uma rvore chamada gahsiriwihgu, a qual raspada, cozida e, de

    pois de decantada, secada ao sol. A estas raspas junta-se o p vermelhode caraiuru (gry em desana). Colocado em pequenas cuias ou no oco

    da noz de tucum, esse p era cheirado durante as cerimnias dos pajs.No dia em que cheiravam o paric, os pajs tomavam um caapi especial,

    chamado waigahpi caapi de peixe.

    3 O

  • E, em cada maloca, acontecia a mesma coisa: as riquezastransformavam-se em pessoas, com corpo humano, e estavamcrescendo.

    As primeiras malocas esto na beira do Lago de Leite,em cima da Maloca de Leite. As outras malocas esto locali

    zadas no grande rio que o Rio de Leite (Ahpikmau), outrasesto nas costas do Brasil, no rio Amazonas, no rio Negro, norio Uaups e, por fim, no rio Tiqui. De um certo ponto, bai

    xaram outra vez, e continuaram subindo pelo rio Uaups at asaida por terra em Ipanor. >

    Subindo acima da Maloca de Leite, a Canoa de Transfor

    mao chegou maloca que se chama Disorowi'i Maloca do Redemoinho. A, ela encostou e os dois fizeram uma *cerimnia com as riquezas. Esta maloca foi criada por

    Umtikosurpanami e por Umukomahs Boreka. Subindoacima desta maloca, eles colocaram uma maloca que se chama Dibarirawi'i Maloca dos que Engatinham. A futura humanidade tornava-se gente e crescia maloca por maloca,

    assim como a criancinha cresce ano por ano. Assim mesmoacontecia com eles.

    A embarcao vinha debaixo da gua, como submarino.As malocas tambm esto debaixo das guas. Tanto que ahumanidade veio como WaimahsGente de Peixe. Chama

    mos hoje em dia Waimahs aqueles que ficaram nestas malocas.Subindo mais acima, colocaram a maloca que se chamaDimahinawi'i Maloca de Olhar Para Trs. A, fizeram ce

    rimnias como de costume. Estas quatro malocas esto na bei

    ra do Lago de Leite, no seu lado esquerdo. Da subiram o Rio

    de Leite e chegaram maloca que se chama Ditauwi'i Malocada Barragem. Da subiram e chegaram 6 maloca que sechama Diimikawi'i Maloca dos Paris. Da subiram e che

    garam 7 maloca que se chama Digrwi'i Maloca deCaju. Da subiram e chegaram 8 maloca que se chama

    31

  • Dimairiwi'i. Da subiram e chegaram 9 maloca que sechama Dikabukrwi'i Maloca do Borbulho na gua. Da

    subiram e chegaram 10 maloca que se chama Diimipawi'i

    Maloca de Areia. Da subiram e chegaram 11 maloca quese chama DiWabewi'i Maloca dos Escudos. Os velhos con

    tam que esta maloca est nas costas do Brasil. Da subiram echegaram 12 maloca que se chama Dinihkwi'i Maloca

    da Terra. Tambm ela est nas costas do Brasil.Continuando a subir, entraram no rio Amazonas. Chega

    ram 13 maloca que se chama Dipirwi'i Maloca da Co

    bra. Os velhos dizem que esta maloca se encontra onde esthoje Manaus. Da entraram no Rio Negro e chegaram 14

    maloca chamada Diborerawi'i Maloca de Branqueamento.Da subiram e chegaram 15 maloca que se chama Di

    baraceru.wi'i Maloca de Baracelu, isto , Barcelos. Da su

    biram e chegaram 16 maloca que se chama Dimiaprwi'iMaloca das Flautas Sagradas. Da subiram e chegaram 17

    maloca que se chama Didariwi'i Maloca das Frutas Uira

    pixuna. Da, subiram e chegaram 18 maloca que se chamaDimariwawi'i*. Da subiram e chegaram na 19 que se cha

    ma Dibehkawi'i Maloca dos Tapurus. Os velhos contam

    que esta maloca Tapuruquara. Da subiram e chegaram na20 maloca que se chama Dibopitawi'i". Da subiram e che

    garam 21 maloca que se chama Dimokkuwi'i Maloca do

    Smen. Da subiram e chegaram 22 maloca que se chamaDivairowi'i Maloca do Cacuri. Da subiram e chegaram

    23 maloca que se chama Dinahsikapaguwi'i Maloca doGrande Camaro. Estas malocas n 21, 22 e 23 esto em So

    Gabriel da Cachoeira. Da vieram subindo e chegaram 24

    + 7. Palavra intraduzvel em portugus.### 8. Palavra intraduzvel em portugus.

    \#}*9. Palavra intraduzvel em portugus.

    32 i

  • maloca que se chama Digoriwi'i Maloca das Flores. aatual Ilha das Flores, no rio Negro. Da vieram subindo e che

    garam na 25 maloca chamada Dinekapagrwi'i Maloca dasGrandes Estrelas. Da subiram e chegaram 26 maloca que

    se chama Diuhtgohowi'i Maloca dos Desenhos Rupestres.Situa-se em Itapinima, j no rio Uaups. Da subiram e chega

    ram 27 maloca chamada Dimiaprwi'i Maloca das Flautas Sagradas. Da subiram e chegaram 28 maloca que sechama Dirsatarowii Maloca da Muda de Pupunha. Da

    subiram e chegaram 29 maloca que se chama Diseewi'iMaloca dos Bancos.

    A humanidade j estava formada. Vimos que ela passoupor muitas malocas, entrando nelas, transformando-se. Porisso, eles j estavam grandes. Da subiram e chegaram na

    30 maloca chamada Dibayabawi'i Maloca dos Cantos.Esta maloca a principal. Antes de chegar a esta maloca,

    Umukosurpanami disse: A humanidade j est formada. Encontramos-nos nametade da viagem e tempo de faz-la falar.

    O nascimento de Gahpimahs e a origem das lnguas

    Umukomahs Boreka j havia ultrapassado a Maloca dosCantos. O Bisneto do Mundo chegou depois dele. Para se co

    municar com ele, ele mandou o seu basto invisvel que temo nome de osso de paj. O basto atravessou pelo rio, nafrente de Boreka. Vendo-o, este baixou para participar da grande cerimnia que o Bisneto do Mundo ia fazer para dar a cada

    um a sua prpria lngua: Desana, Tukano, Pira-tapuyo, Tuyuka,Siriano, Barasano, Baniwa, Brancos. Cada um ia receber uma

    lngua prpria. "

    Nesta mesma maloca que apareceu um ser miste

    rioso chamado Gahpimahs, o Filho do Caapi. QuandoBmukosurpanami chegou Maloca dos Cantos, juntamento

    33

  • com o seu irmo Boreka, fizeram um rito com cigarro e ipadu

    para as duas primeiras mulheres que o terceiro Trovo criou

    com o vmito deles. Uma delas mascou o ipadu e a outrafumou o cigarro. Aquela que fumou o cigarro deu luz

    Gahpimahs. A que mascou ipadu deu luz s araras, japus es outras aves que tm penas coloridas. Assim todos poderiamter bonitos enfeites de penas.

    A primeira mulher, a que fumou o cigarro, teve o filho no

    dia em que Umukosurpanami distribuiu as lnguas s vrias

    tribos. Ao sentir as dores do parto, suas pernas tremeram. Seu

    tremor passou s pernas dos homens que se encontravam na Ma

    loca dos Cantos. A seguir, sentiu o arrepio do parto e este atin

    giu a humanidade que estava naquela maloca. Para esquentarse, ateou o fogo. Esse calor foi igualmente transmitido a eles.

    Colocou no cho, onde ia receber a criana, tranados dearum" de diversas cores. Tais foram: bowuhukoregahsiro es

    teira de arum de fartura, moweheruwuhukoregahsiro es

    teira de arum do sapo moweheru", suwuhukoregahsiroesteira de arum de massa de mandioca, dehkowuhukoregahsiro

    esteira de arum de gua e, por fim, pirwuhukoregahsiroesteira de arum de cobra.

    A viso da multiplicidade das cores desses tranados pe

    netrou nos olhos da humanidade que se encontrava na Maloca

    dos Cantos. Enquanto tomavam caapi, o baya ou mestre dos

    cantos, o kumu, sbio ou rezador e os danadores viam os de

    senhos dos tranados das esteiras que apareceram quando

    Gahpimahs nasceu. O kumu recitava um por um os nomes

    dos desenhos para que fossem lembrados. Tais eram: argohsori

    quartos de beijus, wahtiyduhkupu joelho do diabo,

    10. Wuhu em desana (Ischnosiphon ovatus Kecke).

    # 11. No identificado.

  • biahkri cabinho de pimenta, bianuhtri semente depimenta, pikaru (losango, sem traduo), wahsduhpuri

    galhos da rvore wahs**". !Antes de Gahpimahs nascer, a me perdeu sangue. Overmelho desse sangue impregnou os olhos da humanidade.Ao nascer a criana, ela cortou o seu cordo umbilical. Naviso dos homens, o cordo umbilical apareceu como peque

    nas cobras. Depois, a me foi lavar o filho, que estremeceu de |

    frio. Esse tremor tambm alcanou os homens. A seguir, pintou o rosto de Gahpimahs com a tinta vermelha extrada do

    caraiuru", e tambm com tabatinga branca, vermelha e amarela. Na viso dos homens apareceram as cores da pintura de

    rosto da criana.

  • como veremos, tomou o lugar de Umukosurpanami como seurepresentante na terra, confundiu as lnguas, tornando sirianoparecido com desana. Chamou os Siriano de primos-cunha

    dos para que os Tukano pudessem casar-se com suas mulheres. Mas a gente de Boreka, os Emukomahs, isto Gente do~~ Universo, tambm puderam casar-se com mulheres Siriana

    porque Boreka os havia chamado de primos-cunhados.Como vimos, na Maloca dos Cantos, toda a humanidade

    ficou sob os efeitos do caapi, tendo vises. Ningum entendianada, devido a essa multiplicidade de vises. Por isso, cada

    qual comeou a falar uma lngua diferente. Feito isto, elescontinuaram a viajar rio Uaups acima. Chegaram assim na, 31 maloca que se chama Disibuwi'i Maloca da Urupema".

    Mais adiante, chegaram na 32 maloca que se chama Diabewi'iMaloca da Lua. Da subiram e chegaram na 33 maloca que

    se chama Dimiaprwi'i Maloca das Flautas Sagradas. Daprosseguiram at a 34 maloca ou Divahspagarowi'i

    Maloca da Fruta Grande Wahs. Da vieram subindo at a35 maloca que se chama Divahkawi'i Maloca do Bastode Ritmo. Subindo chegaram 36 maloca que se chama

    Diboreruwi'i Maloca da Tabatinga Amarela. Da subirame chegaram at a 37 maloca que se chama Diyuruwi'i

    Maloca dos Desenhos Fechados. Da subiram e chegaram ata 38 maloca que se chama Divihwi'i Maloca de Paric.

    - A humanidade, dentro da Canoa de Transformao, en

    trou no rio Tiqui e chegou na 39 maloca chamadaDigamrwi'i. Maloca dos Gavies. Subindo mais acima,

    chegaram 40 maloca que se chama Diverapagawi'iMaloca da Tapioca Grande. Foi nessa maloca que as pri

    meiras mulheres tiveram a sua primeira menstruao. O Bis

    #*** 14. Urupema, em lngua geral, uma peneira de crivo aberto.

    36

  • neto do Mundo deixou-as nesta maloca, cercando-as com paris.E somente os homens prosseguiram a viagem.

    Mais acima, entraram na 41 maloca que se chamaDiWahsbogariwi'i Maloca dos Aoites. Subindo mais adi

    ante, entraram na 42 maloca que se chama DiWahsuwi'iMaloca dos Aventais de Dana de Tururi e, mais acima, na

    43 maloca que se chama Didihpurumanawi'i Maloca dosPiolhos. Subindo mais adiante, entraram na 44 maloca que

    se chama Divahsbogariwi'i Maloca dos Aoites. Da subiram e chegaram na 45 maloca chamada Dipoariuhtwi'i

    Maloca da Serra do Cabelo. Da subiram e chegaram na 46maloca que se chama Dimiaprwi'i Maloca das Flautas

    Sagradas. Da subiram e chegaram 47 maloca que se chama tambm Dimiaprwi'i Maloca das Flautas Sagradas.Nesse local, se situa a povoao Uira-poo, no rio Tiqui. Pros

    seguindo, chegaram 48 maloca que se chama Divahkuwi'iMaloca do Basto de Ritmo. Subindo mais adiante, entraram na 49 maloca que se chama Diugawi'i Maloca dos

    Adornos de Nuca. Depois entraram na 50 maloca chamadaDimiaprwi'i Maloca das Flautas Sagradas. Subindo mais

    acima, entraram na 51 maloca que se chama Digamrwi'i,Maloca dos Gavies. Subindo mais adiante, entraram na 52

    maloca chamada Dibuyabuwi'i, Maloca dos Enfeites. Conta-se que esta maloca est nas cachoeiras, de Pari, At aqui

    chegou a Canoa de Transformao.Umukosurpanami deixou neste lugar os Barasana,Kaviria, Yepmahs, Micura e vrias outras tribos. Essas tri

    bos prosseguiram a viagem sozinhas, colocando as suas malocas ao longo do rio. Elas saram por terra na Cachoeira Comprida, que fica acima da cachoeira de Pari. Da Maloca dos Enfeites para cima, somente elas conhecem o nome das malocas.

    A Canoa de Transformao baixou outra vez e, com ela,foram os Tukano, os Desana e mais outras tribos. Baixaram

    ^~~~

    37

  • at a Maloca da Tapioca Grande (40) onde o Bisneto do Mundo tinha deixado as mulheres. A Canoa de Transformao en

    costou e subiu de novo com elas at a Maloca dos Piolhos (43)

    onde ele cortou os cabelos delas. Por isso, temos este costume

    de cortar os cabelos da mulher quando esta tem a primeiramenstruao. Porque tambm os cabelos dessas mulheres erambrancos. E a Canoa continuou subindo at a Maloca da Serra

    do Cabelo (45) onde ele deu para a humanidade outros cabe

    los, de cor preta, como so os nossos. Aqui acaba a viagempelo rio Tiqui.

    Recomeando a subir o rio Uaups, eles chegaram e entraram na 53 maloca que se chama Dimenegrwi'i Malocada Formiga de Ing, onde fica atualmente a Misso de Taracu.

    Da chegaram 54 maloca que se chama Diamasarowi'iMaloca das Razes de Veado. Subiram mais adiante e entra

    ram na 55 maloca que se chama Dimryorowii Malocada Ponta das Larvas de Borboleta.

    Como saram para a superfcie da terra #

    Da chegaram 56 maloca que se chama Diperago

    bewi'i**. Esta maloca est na grande Cachoeira de Ipanor. A,pisaram na terra pela primeira vez, porque antes eles vinham

    debaixo da gua com a Canoa de Transformao. O Bisnetodo Mundo ia dividindo-os medida que estavam saindo para a

    superfcie da terra. Eles saram por si mesmos. Por isso, na

    Cachoeira de Ipanor vem-se os buracos da sua sada, na lagede pedra. A Canoa de Transformao ficou no fundo da gua,no veio tona. Somente eles que saram superfcie da terra.

    Cada um saiu acompanhado de sua mulher. Colocaram-seem filas, na terra. O primeiro a sair foi o chefe dos Tukano,

    15. Palavra intraduzvel em portugus.

    38

  • que se chama Doethiro, sendo mais conhecido como Wauro.Ele o chefe de todos os Tukano. Ele era como o Demiurgo da

    Terra. Foi como aconteceu com Deus. Deus gerou o seu filhoJesus, no ? O Demiurgo da Terra, ou Bisneto do Mundo,gerou Doethiro que significa Traira de Cabea Chata. O Bisneto do Mundo baixou com a Canoa de Transformao. Em segundo, saiu Umukomahs Boreka, o chefe dos

    Desana. So estes dois que levaram as riquezas que o Bisneto

    do Mundo tinha pedido ao Av do Mundo na Maloca de Cima.Como foi dito no comeo, a humanidade estava dentrodas riquezas, dentro dos adornos, como a galinha est dentrodo ovo. Quando a galinha sai, ela deixa a casca. Pois, a mesma

    coisa aconteceu com eles! J vimos que a humanidade foi setransformando de maloca em maloca. Sabemos que eles estavam crescendo e que eles saram de dentro das riquezas, como

    o pintinho saiu do ovo. Por isso, as riquezas so deles, porqueeles cresceram nelas. E por isto que Wauro e Boreka tomaram para si essas riquezas, chamadas agora Pamribuya En

    feites de Transformao e depois as distribuiram. Wauro distribuiu as dele para a sua gerao, mas nem para todos os Tukano, s para alguns. Sobre isto, somente os Tukano sabem.

    Umukomahs Boreka, o chefe dos Desana, tambm distribuiu

    as riquezas que lhe couberam apenas para alguns Desana.Essas riquezas so eternas.

    O terceiro a sair para a superfcie foi o Pira-tapuyo. Oquarto foi o Siriano. O quinto foi o Baniwa. Este saiu com

    arco e flecha e logo retesou o arco para experiment-lo. Porisso, esse grupo conhecido por ser bravo. O sexto a sair foi oMaku. A todos estes, o Bisneto do Mundo disse:

    Dou-lhes o bem-estar, dou-lhes as riquezas das quaisvocs nasceram. >

    Dizendo isso, ele estava dando-lhes o poder de serem mansos, de fazerem grandes festas com danas, de se reunirem

    39

  • com muita gente, de conviverem bem com todos, isto , de

    no fazerem guerras. Isso tanto verdade que os nossos Antigos nenhuma vez fizeram guerras, porque o Bisneto do Mundo lhes deu esse poder. -

    O stimo a sair para a superfcie foi o Branco, com a espingarda na mo. O Bisneto do Mundo disse-lhe:

    Voc o ltimo. Dei aos primeiros todos os bens queeu tinha. Como voc o ltimo, deve ser uma pessoa sem medo.Voc dever fazer a guerra para tirar as riquezas dos outros.

    Com isso, encontrar dinheiro! >

    Quando ele acabou de dizer isto, o primeiro Branco virouas costas, deu um tiro com a espingarda e seguiu para o sul.Ele baixou, entrando nas malocas, por onde ele j havia passa

    do enquanto estava subindo na Canoa de Transformao. Entrou na 21 maloca, situada em So Gabriel, e a mesmo fez a

    guerra. Numa pedra que existe nesse lugar, vem-se figurinhasparecidas com soldados, com capacete e espingarda, todos ajo

    elhados e dando tiros. Foi assim porque o Bisneto do Mundodeu-lhe o poder de fazer a guerra! Para ele a guerra comouma festa. Por isso que os Brancos fazem guerras!

    O oitavo a sair foi o Padre com um livro na mo. O Bis

    neto do Mundo mandou que ele ficasse com o Branco. Osnossos avs sabiam que existia Padre, porque conheciam

    essa histria! Tanto verdade que os Padres chegaram assimcomo os Brancos! >

    J vimos que saram da Canoa de Transformao muitagente. Saram e ficaram conversando uns com os outros, todos

    contentes. Enquanto isso, ouviram um barulho atrs deles. Eraum ser que estava surgindo. Ouvindo o barulho, perguntaram:

    Quem aquele ali?A maior parte disse: Wahti! (um esprito do mato).

    Por isso, ele recebeu o nome de Wahti. Ele existe na mata.

    4. O

  • #Se tivessem dito gente que est l!, ele teria sado comoMaku, um ndio do centro do mato!

    Feito isto, Umukosurpanami deu-lhes a ordem de continuar a sua viagem. A Canoa de Transformao, que era o ter

    ceiro Trovo, por sua vez, baixou novamente. O Bisneto doMundo baixou com ela at o Lago de Leite. Umukoehk, que

    era o terceiro Trovo, subiu na maloca dele, na Maloca deCima, e o Bisneto do Mundo tambm subiu.

  • Terceira parte:A viagem por terra dos Pamrimahs

    OS Pamirimahs, Gente de Transformao, prosse

    guiram a sua viagem. Eles no subiram mais de Canoa. Subiram por si mesmos, com sua prpria fora. Como dissemos

    antes, o Av do Mundo mandou Wauro (ou Doethiro)

    represent-lo junto aos Tukano. Umukomahs Boreka ficoucomo o chefe dos Desana e prosseguiu a viagem. Por isso,depois da sua sada para a superfcie da terra, na Cachoeira de

    Ipanor, eles conduziram os Pamrimahs. Subindo, eles entraram na 57 maloca chamada Ditaborewii Maloca do Ca

    pim Branco. Depois de sarem desta maloca, j no faziamtantos rituais como anteriormente. J eram gente madura,

    adlta. Ao subir acima desta maloca, entraram na 58 maloca

    que se chama Diyuhurowii Maloca do Estreitamento. Aosubir acima, chegaram na 59 maloca que se chamaDiyeauhtmwi'i Maloca da Cachoeira das Onas. Estamaloca est localizada em Iauaret, na frente da boca do rio |

    Papuri. A, eles entraram no rio Papuri. Subindo-o, eles entraram na 60 maloca chamada DitauriuhtmWi'i Maloca da

    Cachoeira do Anteparo. E prosseguiram a viagem. Subindo,

    entraram na 61 maloca que se chama Diimikawi'i Malocados Paris. Esta maloca est em Terezita, na Colmbia, Su

    bindo acima, eles entraram no rio Macucu, cuja desemboca

    dura fica acima de Terezita. Subindo neste rio, bem na cabe

    ceira, eles entraram na 62 maloca que se chama DiWrirwi'iMaloca do (peixe) Acar. Depois desta maloca, elesadentraram no mato, colocando novas malocas. Entraram na

    63 maloca que se chama DiWahswiruwi'i Maloca da(fruta) Wahs. Esta maloca fica no meio da mata. Indo maisadiante, eles chegaram na 64 maloca que se chamaDiahsamenigiripoeburiwi'i Maloca das Capoeiras dos

    42

  • Cabaceiros de Maracs. Eles estavam andando debaixo da

    terra, porque tinham o poder de fazer isso. Indo mais adiante,entraram na 65 maloca que se chama Diugaruwi'i Maloca

    do Adorno de Nuca. {

    Atravessando pela mata onde ficam essas malocas, eleschegaram de novo no rio Uaups. A, ingressaram na 66"

    maloca que se chama Dipoepawi'i, Maloca das Roas. Estamaloca fica na altura da atual povoao de Santa Cruz de

    Aracapuri, no rio Uaups, fronteira com a Colmbia, acima dafoz do rio Querari. Depois desta maloca, vieram descendo orio Uaups e chegaram na 67 maloca que se chama

    DiWehkugeawi'i, Maloca do Jirau de Pesca de Anta. Baixando mais ainda, chegaram na 68 maloca chamada Dimoamwii, Maloca do Caruru" de Cachoeira. Conta-se que

    esta maloca est na grande Cachoeira de Caruru, acima deJauaret. Baixando mais ainda, entraram outra vez na 59

    maloca, a Maloca da Cachoeira das Onas (Diyeauhtmwi'i).Passaram de novo nas 58 e 57 malocas. Descendo mais abai

    xo, chegaram maloca da sada por terra, isto , em Diperagobewi'i, a 56 maloca. Assim, eles voltaram ao lugar onde

    pisaram a terra pela primeira vez: a Cachoeira de Ipanor.Este o mito da criao da humanidade. Porm, este mito somente o incio de muitos outros. Com cerimnias especiais,

    cada maloca tem um nome e um significado particulares. assim que falavam os Antigos.

    O trabalho de Umukosurpanami no durou para sempre.

    Houve trs grandes cataclismos: dois incndios e um dilvioque fizeram, a cada vez, desaparecer a humanidade. Assim,

    Umukoehk teve que renovar, repetidas vezes, o seu trabalho. Sumiram trs grupos da humanidade! O quarto grupo,

    # 16. Alga que cresce nas cachoeiras, da qual se extraa o sal antigamente.

    4. 3

  • o que existe atualmente, somos ns. Antes de ns, desapareceram trs grupos! Adiante falaremos sobre esses gru

    pos desaparecidos. Depois de ter feito o quarto grupo,Umtikofiehk disse:

    Est dando muito trabalho recomear tudo de novo.

    E, dirigindo-se ao quarto grupo, que somos ns, elecomplementou:

    Agora, eu os deixo em paz. No vou mais castig-los. _

    44 >~~~~

  • *Quarta parte: As andanas pelo mundode Bmukomahs Boreka

    Sabemos que Umukomahs Boreka, o chefe dos Desana,e os prprios Desana chamados Umukomahs, isto , Gentedo Universo, foram entrando no rio Macucu. Nas cabeceiras /

    desse rio, bem no centro da mata, construram uma grandemaloca. Pouco a pouco, foram se multiplicando e enchendo a

    grande maloca. Diante disso, Boreka decidiu dividi-los emgrupos menores. Antes disso, Boreka quis ensinar e distribuiros seus poderes entre eles. A primeira coisa que ele repartiufoi o paric (wih), tambm chamado abeyeru, isto , Pnis |

    da Lua. O paric mais forte que existe no mundo era esse dosUmukomahs. Para ser paj preciso cheirar o paric, comofez Boreka, o maior paj do mundo desde o incio.

    Esse paric tinha o poder de fazer um homem virar ona.

    Depois de t-lo dado a sua gerao, Boreka tirou fibras detucum da Maloca do Universo, da Umukowi'i. Essas fibras de

    tucum" chamavam-se umusiahksumidari, isto , fibras de

    tucum do universo. Ele tirou esse tucum para tecer as pelesde onas. Cada um fazia a sua pele, conforme eles queriam.Alm do tucum, Boreka tirou um espinho do p de tucum daMaloca do Universo. O espinho tinha uns 15 centmetros de comprimento. Os Desana enfiaram o espinho na pele de ona que

    lhes serviria de escudo, para tirar a medida de sua grossura. Fi

    zeram isso para que as flechas dos inimigos no atravessem apele, atingindo sua carne. Por isso, a pele de ona tinha a gros

    sura de mais de um palmo. Cada um escolheu a cor da sua pele.Boreka fez a dele mais escura, pintada de preto nas costas e de branco na barriga. Ele disse: X

    17. Palmeira Astrocaryum tucum.

    45

  • Eu vou aparecer como (o peixe) uaracu.A, ele recebeu esse nome de Boreka. O peixe uaracu pa

    rece assim mesmo! Por isso, ele se chama UmukomahsBoreka.

    Umukomahs Tram Khri Gente do Universo (dos

    Desenhos) do Sonho, o nosso ancestral maior, disse:

    Eu vou fazer minha pele de ona branca.

    E ele recebeu o nome de Yebore, Ona Branca. A suapele no era branca, assim como cal, era branca como o dia.

    Assim foi que Boreka transmitiu sua gente todo o seu conhe

    cimento. Esse nosso chefe era o mais feroz de todos, o que mais

    gente matou. Por isso, a sua gerao brava e sbia. Porqueele era um sbio! Os seus descendentes se chamam Tram

    Khripr, isto , Os Filhos (dos Desenhos) do Sonho.

    Umukomahs Uari Dihputiro Gente do Universo de Ca

    bea Chata, disse por sua vez:

    Eu vou fazer a minha pele de ona pintada e com cabea chata.

    Por isso, ele recebeu o nome de Dihputiro Cabea Chata.Seus descendentes chamam-se Dihputiropr Filhos da Ca

    bea Chata.Uari GmSr Orelha Dobrada disse:

    Eu vou fazer a minha xadrezada e com orelha dobrada.

    Por isso, ele recebeu esse nome que significa a ona

    parece ter quatro orelhas. Seus descendentes chamam-se

    Wahsppr Filhos do Cunuri, que o seu nome profano.Gurabebore Cu Branco disse: X

    Eu vou fazer a minha pele preta e colocar branco s no cu.* E recebeu esse nome. Seus descendentes chamam-se

    Gurabeborenapr, isto , Filhos dos Cus Brancos.

    Uari Duru Rugidor tomou esse nome porque o seu berro foi ouvido no mundo inteiro. Os seus descendentes chamam

    se DururRugidores. Esses seis primeiros grupos dos Desana

    46

  • foram os mais afamados. |

    Quando terminaram de tecer as suas peles de ona, Borekaperguntou:

    J aprontaram?Eles responderam que sim. Ento, ele disse: Olham bem como eu vou fazer, estejam atentos.E mostrou-lhes a maneira de vesti-las. A pele no foi

    envergada como camisa. Bastava toc-la e ela entrava dentroda pessoa. O primeiro a vestir a sua pele foi Boreka, o chefe

    supremo dos Desana. Sua barriga ficou nas costas da ona esuas prprias costas na barriga da mesma. A cabea ficou sen

    do a cabea da prpria ona. Suas pernas ficaram sendo aspernas traseiras da ona. A pele no era muito grande. Na ver

    dade, era como um fino algodo. Ao penetrar nelas que aumentou de tamanho. Entrando nelas, doa muito, porque tinham

    que virar o corpo ao contrrio. Ao gritarem de dor, j no gritavam mais como gente. Rugiam como ona. Finda sua trans

    formao, eles experimentaram rugir. Entre todos, o que rugiumais alto foi Umukomahs Uari Duru, o Rugidor.

    Ao cabo dessa lio, Umukomahs Boreka abriu caminhos invisveis no mundo e, em primeiro lugar, a sua morada

    original, a Maloca de Paric. Retirou da um fio emplumadoinvisvel (wihtda) e o estendeu rumo ao norte, at a Malocado Norte (Dihpamahawi'i). Ele estava traando os caminhosdo universo, atravs do espao, para poder viajar. Depois dis

    so, ele estendeu um outro fio emplumado que atravessou o cen

    tro do universo, desde as Malocas do Universo (Umukowi'iri)do leste at as do oeste. Assim, ele pde andar sobre esses ca

    minhos no espao enquanto transmitia os seus conhecimentos.Na linha do Equador, onde se encontrava, ele no preten

    dia fazer mal a ningum, porque viviam a os seus irmos. Elesiam estudar nos quatro cantos do mundo antes de voltarem para

    a Maloca de Paric. Ao iniciar esse estudo, Boreka deixou o -

    33

    47

  • seu trocano de paric (wihtoatore), que era um grande tambor invisvel, na Maloca de Paric, a fim de gui-lo, j queesse trocano tocava sozinho. Ouvindo o trocano, saberia onde

    se situava a sua maloca. Depois, ele deixou nesse mesmo lu

    gar seu outro poder, um tipo de espelho chamado em desana

    umukodiuru, o espelho do universo, um espelho resplande

    cente invisvel, que serviria tambm para gui-lo porque, enquanto percorria o mundo, o espelho soltava fascas como rai

    os ao refletir a luz.

    * Nessa peregrinao, Umukomahs Boreka teria de

    matar muita gente e precisava de onas selvagens para

    devor-las. Para isso, ele abriu quatro malocas. Abriu a

    65 maloca, a Maloca do Adorno de Nuca (Diugaruwi'i)e mais outras trs chamadas Wagaro wi'i Maloca do

    Aracu, Diuhtbohowi'i Maloca de Quartzo Branco e

    Diyuhkuduhkawi'i Maloca das Frutas. Somente a primeiraera uma Maloca de Transformao. J lhe pertencia e a ele

    guardou as peles de ona que ele e os seus irmos haviam tecido. As outras trs malocas so malocas da terra. A, estavam

    as onas mais ferozes que comiam gente e que passariam a ser

    os seus soldados durante o estudo que ele estava realizando.Saram muitas onas destas malocas. O mundo ficou infestado de onas. Com elas, saram tambm muitos Wahti, espritos do mato. O universo escureceu. Em certos lugares, chu

    viscou um pouco. Ningum podia ir longe. Quando UmukomahsBoreka acabou de abrir as quatro malocas, ele passou a dar

    lies para os seus irmos. S ento que ele comeou o seu

    estudo. A primeira parte do universo onde ele fez os seusensinamentos foi o leste. Ele fez-se acompanhar de todas as

    onas selvagens. A, ele comeou a ensinar aos seus irmoscomo matar gente. Mas eles no comiam gente. Matavam ejogavam-nas para as verdadeiras onas comerem. Suas armas

    eram um poder invisvel chamado em desana yohokaduhpu,

    4 8

  • isto cabo de enx. Dele, eles se serviam como se fosse es

    pada e terado. Com ele, eles cortavam cabeas humanas que

    jogavam em seguida para as onas selvagens.Voltando ao centro do mundo, ao Equador, Boreka diri

    giu-se para a Maloca de Paric onde estavam o trocano e oespelho mgico que o vinham guiando e chamando. Depois,ele tomou o rumo do oeste, levando os seus irmos e ensinan

    do-os a fazerem a mesma coisa. Depois, foi para o norte, agin

    do do mesmo modo. Por toda parte existiam onas. Os lugares

    onde morreram muita gente so aqueles por onde ele andouensinando para os seus irmos. Vendo que ele estava ficando

    muito perigoso, alguns homens sbios, os kumua, disseram:

    Ele pensa que, tendo nascido do paric, ele pode fazer o que bem entende. Vamos procur-lo.

    Aps essa fala, fizeram seus rituais com breu para queele errasse o caminho de volta sua maloca. Com esses rituais

    de breu, eles tiraram o trocano de paric da Maloca de Paric,

    bem como o espelho do universo e os colocaram na Maloca doNorte (Dihpamahawi'i). Assim, mudaram a posio da maloca,

    que estava no sul, a fim de confundi-lo.Boreka no pde mais voltar Maloca de Paric. Noencontrou o caminho. O trocano e o espelho no sinalizavam

    mais nada. Ele passou ento pelo maior perigo: as onas, queGT31T1 SCUS soldados, descontroladas, comiam mais e mais gen

    te. Ao mesmo tempo, comeou a se espalhar o rumor de que

    Umukomahs Boreka estava perdido e que alguns kumuahaviam confundido o seu caminho. Por isso, ele matava cada vez

    mais e, dessa forma, acabaria com toda a humanidade. O

    perigo aumentava. Ningum podia mais sair de casa. No meio

    disso tudo, uma velha foi tinguijar num igarapezinho. Elaestava pensando:

    Sou velha, j vi o mundo, vivi muito tempo. Se a oname comer, no me importo.

    49

  • Enquanto ela estava tinguijando e apanhando peixinhos,ouviu o rugido de uma infinidade de onas que vinham em suadireo. Ao v-las aproximarem-se, a velha pressentiu que iaperder a vida. Pensou ento: >

    Todo mundo est dizendo que Boreka est errante,que ele perdeu o seu caminho. Vou perguntar-lhe se verdade. Ele vai me ouvir.

    Quando as onas estavam bem prximas, ela gritou:

    Meu neto, no me coma, eu sou a sua av! Por que

    que voc anda comendo gente sabendo que gente? O que estacontecendo, com voc?

    Ouvindo isso, as onas se afastaram. Depois, apareceu umhomem todo enfeitado. Era o prprio Boreka. Ele saudou a ve

    lha e contou que ele estava perdido, porque os kumua haviamconfundido o seu caminho. Perguntou-lhe onde ficava a sua maloca, a Maloca de Paric. Como a velha no o sabia, ela lhe in

    dicou o rumo errado. Somente os homens que sabiam. Boreka

    s perguntou isso e despediu-se da velha. Ele tomou a direoque a velha assinalou, mas no encontrou a Maloca de Paric.

    Pouco tempo depois, um homem foi para a roa. No meio

    da estrada, encontrou-se com homens que vinham voltando,seguidos de muitas onas. Era Boreka acompanhado dos seusirmos que haviam vestido as suas peles de ona. Cansados deter a pele de ona por dentro, retiraram-na e a jogaram sobre

    os seus ombros. O homem dirigiu-se ao primeiro da fila, queera Boreka, e perguntou:

    Aonde vais?

    Boreka respondeu:

    Vou andando por a porque desapareceu o meu caminho.

    O homem prosseguiu:

    Voc aquele de quem todo mundo est falando?

    Sou eu mesmo, respondeu Boreka.Ento, o homem contou-lhe o que os kumua fizeram para

    , Sek ****** 5 O

  • atrapalh-lo. E, em seguida, mostrou-lhe onde ficava a Malocade Paric. Boreka, por sua vez, perguntou ao homem onde elemorava. S isso que ele queria saber. O homem mostrou a

    direo da sua maloca. A mesmo despediram-se e foram embora. Boreka e os seus acompanhantes vestiram de novo a pele

    de ona e, finalmente, ele encontrou a sua morada. Ao chegar Maloca de Paric, Boreka percebeu o que os kumua tinham

    feito e consertou tudo. Assim, ele terminou seu estudo. Ele

    fechou as quatro malocas que havia aberto no mundo e, na 65.

    maloca, a Maloca do Adorno de Nuca, ele deixou sua veste deona e aquelas dos seus acompanhantes. Por isso, essa maloca

    importante: a guardi das peles de ona de Boreka e dosseus irmos.

    Nessa mesma maloca, est Umukoye, a ona invisvel douniverso. Ela est a amarrada e s pode soltar-se quando secheira o paric chamado abeyeru. Por isso, desde aquele tempo, ningum mais cheirou desse paric. Esses caminhos queUmukomahs Boreka traou ficaram para sempre. Ainda hoje,poderosos pajs invisveis andam por eles, cortando o espao,durante a estao chuvosa. O resto do tempo, eles vivem naMaloca de Paric, isto na Maloca do Sul. Quando aparecem,

    | comea a relampejar. sinal de que eles esto passando. Dirigem-se Maloca do Norte. Depois, eles voltam novamente

    Maloca de Paric, Chamam-se limahsyea. Esses pajs invisveis existem em todo o universo.

    Por isso, os grandes kumua fazem seus ritos com breu ecigarro quando pressentem a sua vinda. Com a reza de breu,

    escondem suas malocas e renovam o fio emplumado invisvelpara que os pajs invisveis pisem sobre ele e no deixem cair

    os raios sobre as malocas. Com a fumaa do cigarro, eles seescondem a si mesmos para que os Iimahsyea no os vejam.Isto se faz quando os kumua sabem que esses poderosos pajsesto por vir, antes da sua ida e vinda Maloca do Norte.

    51 |

  • Na sua ida, os kumua fazem a reza do breu e do cigarro. E, nasua volta, um ms mais tarde, apenas a do cigarro. Estes pajsinvisveis do universo dividem-se em trs grupos, um dos quais mais forte e atrevido. Ele se chama Nahswikurikuru Grupodo (peixe) Pirapucu. Ainda hoje, os kumua continuam fazendo os seus ritos para que os pajs invisveis no se desviem do

    seu caminho e cometam erros, como aconteceu com Boreka.

    Boreka acompanhou o Bisneto do Mundo na sua peregrinao. Foi um grande paj e finalmente ele subiu para morarnas malocas que colocou no espao. A principal delas, a Maloca

    de Paric, fica no sul. Alm dessa, h muitas outras espalhadas no firmamento, tambm chamadas Malocas de Paric

    (Wihwi'iri). Boreka tornou-se Gente de Paric (Wihmahs).

    Ele eterno. Aqui, nessa terra ficou o seu filho, que tem omesmo nome. Este filho de Boreka morreu e foi enterrado a,

    nesta terra. Ele tambm foi um grande paj e transmitiu osseus conhecimentos aos seus filhos primognitos e estes aos

    seus filhos e aos filhos dos seus filhos e isso em cada gerao.

    52

  • Quinta parte: A diviso dos Bmukomahs

    Como foi dito anteriormente, os Umukomahs se multiplicaram muito. J vimos como Boreka repartiu o paric, que

    era o seu maior poder, primeiro a seus irmos e depois a seusdescendentes, para torn-los mais poderosos.

    O primeiro grupo era constitudo pelo prprio UmukomahsBoreka. O segundo grupo foi formado pelo seu irmo Bmukomahs

    Uari Namiyoariru. O terceiro grupo foi o de UmukomahsDubayaru, o quarto o de Umukomahs Trm Khri. O quinto

    grupo foi o de Umukomahs Duseberi, o sexto grupo o deUmukomahs Uari Paya e, por fim, o stimo grupo foi o deUmukomahs Kisibi Yepuri Wariru. Estes sete grupos so to

    dos grupos de chefes. Eles so irmos de Boreka e quase toimportantes quanto ele. O chefe do grupo dos avs chamou-se

    Umukomahs Uari Dihputiro.

    Grupo de Boreka

    O chefe do primeiro grupo foi bmukomahs Boreka, cujosdescendentes chamam-se Borekapr. Seu primeiro irmo foiUari dura, cujos descendentes tm o nome de Durur. O seu

    segundo irmo foi Trm Ogei, sendo os seus descendenteschamados Oger. O terceiro irmo foi Ayuhkudeu, cujos des

    cendentes foram chamados Ayuhkudear. Este foi o cantorde Boreka, o bayaru. Todos eles viveram numa mesma malocacom Boreka. So igualmente chefes, eles fazem parte do grupo de Boreka. Dentro desses quatro grupos, h um outro queno um grupo parte. Chama-se Buguyeripr. Ele recebeueste nome porque era muito baixinho.

    Boreka tinha dois avs (fiehksuma). O primeiro, que tinha por nome Porabau, era o preparador do ipadu. O segundo,

    de nome desconhecido, cujos descendentes chamavam-se Seke,era o preparador do cigarro.

    53

  • Os empregados (poromahana) de Boreka chamavam-seOyoa. Eles eram os seus pescadores. Qualquer servio queele lhes mandava, eles faziam. Eram eles que traziam e cuida

    vam do mastro de breu nos dias de dana. Todos eles viviamnuma s maloca, junto com Umukomahs Boreka.

    Grupo de Uari Namiyoariru

    Este grupo tinha como apelido Smperupr, isto ,Descendentes do Caxiri de Uacu. A este, Boreka deu ordemde ficar numa outra maloca. o segundo grupo de chefes e eledividiu com ele os seus avs, bem como os seus empregados.

    No conhecemos os nomes destes, a no ser o de um dos seus

    empregados, que se chamava Gawa.

    Grupo de Dubayaru

    Este era o grupo dos mestres de cerimnia, dos mestresdos cantos. Ele tambm viveu numa outra maloca e no teve

    avs, nem empregados. o terceiro grupo de chefes e o nomedos seus descendentes Mmrpr.

    Grupo de Trm Khri

    Este foi um chefe importante. Boreka deu-lhe ordem deviver numa outra maloca e concedeu-lhe muito poder, quase

    quanto ele. Ele lhe deu um par de cintos de dentes de onachamados em desana koayeaguikari, o trocano (toatore) ensinando-lhe os ritos que do fora ao trocano e muitosoutros bens. A seu chefe, Boreka disse:

    Voc tambm meu irmo, por isso lhe confiro opoder de ter o trocano.

    Deu-lhe tambm avs, empregados, bem como um cantor

    chamado Wiribayaru ou, ainda, Duseberi. Embora o grupo deTrm Khri seja o quarto grupo de chefes, ele recebeu

    muitos poderes de Boreka.

    54

  • Os nomes dos componentes deste grupo so:1. Trm Khri, cujos descendentes chamam-se Khripr;2. Kisibiyesuriro, cujos descendentes chamam-se Yeseropr;

    3. Umus prkumu, que no teve descendentes;4. Umusbohsotaribuari, cujos descendentes chamam-seggripr.

    O grupo de Trm Khri tinha como cantor ou bayaruDuseberi. Este morreu sem deixar descendentes. Por isso, esse

    grupo desapareceu. Duseberi tinha dois irmos que lhe serviam de ajudantes chamados respectivamente Uari Paya, cujosdescendentes foram chamados Payatear, e Kisibi Yepuri Wariru cujos descendentes so chamados Yepuriwarirua,

    A princpio, todos esses grupos viviam numa mesma maloca,a de Boreka. Atualmente, esto espalhados por diversas povoaes.

    Os avs de Trm Khri tinham o nome de Uari

    Diapoaii e Kisibi Waberopera. Eram chamados em conjuntoYedirir e preparavam o ipadu e o cigarro para Trm Khri.

    Os empregados, ou secretrios de Trm Khri, chamavam-se respectivamente Buyassu, Mahgubu, Mahkore,Mimigubu, Grimiru e Umusi Searokumu. Estes eram os no

    mes dos seus seis pescadores. Eram tambm aqueles que traziam o breu e cuidavam do mastro de breu nos dias de dana.

    Eles eram do grupo de Trm Khri. *Cada um destes homens teve as suas geraes. Todos estes de que eu dei o nome tiveram as suas geraes. Perguntam

    do-se o nome, fica-se sabendo a qual gerao cada qual pertence. Os homens cujos nomes citei at agora so os avs dos

    avs dos meus avs, ou seja, os meus trisavs.

    Grupos de +3mtikomahs Duseberi,

    Uari Paya e Kisibi Yepuri Wariru

    No conhecemos a composio desses trs ltimos gru

    pos de Boreka.\,

  • Os avs de Boreka

    O grupo dos avs de Boreka, os Bmukomahsehksuma,

    isto , os Avs do Universo, tinha como chefe, como j vimos, Uari Dihputiro. Este no teve pai conhecido. Ele o filho de uma empregada desana de Boreka, mas ningum sabe

    quem foi o seu pai verdadeiro. Na hora do parto, a prpriamulher de Boreka cuidou dela. Quando a criana nasceu, ela

    foi logo avisar Boreka. Este disse ento: Aqui no h outra gente, aqui somente h os meusfilhos, os meus sobrinhos, os meus avs e os meus emprega

    dos. somente isso que eu posso fazer para a minha criada.Traga este menino aqui! Farei dele o av dos meus filhos!

    Ouvindo isso, a mulher de Boreka foi buscar a crianae a sua me. Quando o menino se tornou grande, Boreka deu

    lhe o poder de ficar como chefe do grupo dos seus avs. Elelhe deu um par de brincos que havia tirado da Maloca do Universo e tambm dois pares de um tipo de colar de miangas

    chamado em desana dasiri que se costumava usar no dia de

    dana. Tambm esse tipo de colar foi tirado da Maloca doUniverso. A Uari Dihputiro, o chefe dos avs, ele deu tambmo poder de ter o trocano, bem como outros poderes. Aqueleque no recebeu o poder de ter o trocano, no podia t-lo.E Boreka ensinou-lhe muitas coisas, tais como os cantos

    dos mestres de cerimnias (bayakumri), as cerimnias do(alucingeno) caapi (gahpibayiri), a feitiaria de mbito coletivo (birari) e muitas outras coisas. Por isso, Uari Dihputiro o chefe dos avs. |

    Os avs de Boreka eram os seguintes:1. Uari Dihp.utiro, cujos descendentes chamam-se

    Dihputiropr; --2. Bihtiri niari; -

    3. Uari Gmpr, tambm chamados Sbia;4. Yogu, cujos descendentes chamam-se Yogupr;

    *

    5 6

  • 5. Uari Gmisr, cujos descendentes so chamadosWahspupr; < >

    6. Toapiana;7. Toroyuhkua;

    8. Diyarpr. Como vimos, o terceiro av tambm era chamado de Sibiporque ele era muito bom. Quando chegavam visitas, ele as

    recebia bem, todo contente. Ele nunca lhes mostrava cara feia.

    Sibi o nome de um passarinho muito alegre.Do comeo at aqui, todos os grupos de que eu dei onome so Bmukomahs, ou seja, eles so todos Desana.

    Umukomahs Boreka o chefe deles, a cabea deles. Eis ahistria dos Desana.

    { 18. No identificado.57

  • Sexta parte: Histria de Umukomahs

    Boreka no tempo dos Portugueses

    Como acabamos de ver, os Desana ficaram divididos em

    vrias malocas onde viviam sossegados. Trabalhavam e faziam grandes festas, como a festa de oferta de bens (poori). Namaloca do filho de Boreka, tambm chamado Boreka, havia

    um tipo de boneco de que ele era o dono. Chamava-se Gm

    Demiurgo. Ele morava dentro de uma grande cuia de um

    metro de altura, sustentada sobre um suporte de panela. Du

    rante o dia, ele se parecia como uma cobra venenosa. Mas eleno mordia. De noite, no sonho, ele tinha relao sexual com

    a mulher de Boreka. Assim a mulher de Boreka contava para

    as outras mulheres! No sonho, ele lhe aparecia como um padre, s vezes como um Branco. Assim, no somente ele tinha

    vida, como tambm ele vivia no sonho com algumas outrasmulheres da maloca de Boreka. Mas no com todas! Escolhia

    a mulher com quem ia viver no sonho. Ele no fazia isso com

    as solteiras, somente com as mulheres que j tinham marido,

    isto , que pertenciam a outra tribo. Por isso, quando nascia

    uma criana da mistura do smen de Gm e do marido, j sesabia que, quando crescesse, ele seria inteligente, sbio, e adi

    vinho. Gm tinha relao sexual no sonho com cinco mu

    lheres da maloca de Boreka que tinham marido.Ele tinha um grande poder. Protegia Boreka, livrando-o

    de todos os males e de todos os perigos que dele se aproxi

    massem. Enquanto viviam deste modo, chegaram os primeirosBrancos na regio. De acordo com a histria do Brasil, esses

    Brancos seriam os bandeirantes. Depois deles, chegaram os

    Brancos que agarraram a gente. Eles cercaram a maloca deBoreka, mas no conseguiram entrar nela. Suas pernas fica

    ram moles. Eles no tinham mais fora para andar. Voltaram

    uma segunda vez, cercaram a maloca e aconteceu a mesma

    5 8

  • coisa. Tornaram a voltar e sucedia o mesmo. Por isso, eles

    perguntaram para os ndios de outras tribos porque eles ficavam deste jeito quando tentavam entrar na maloca de Boreka.

    Os outros contaram que Boreka tinha na sua maloca um tipode boneco que o defendia. Os Brancos perguntaram em qual

    lugar ele ficava guardado. Responderam que era bem no meioda porta do quarto de Boreka. A porta chamava-se Imikadihsi

    Porta dos Paris. Ele estava sobre essa porta, em cima de umsuporte de cuia.

    Os Brancos ouviram tudo direito e foram outra vez para amaloca de Boreka. Quando chegaram, a primeira coisa que fi

    zeram foi derrubar Gm com um tiro de espingarda. Atiraram sem ver nada, porque sabiam onde ele se encontrava. A

    casa de Gm, isto , a cuia, ficou totalmente despedaada,mas ele subiu ao cu. Os Brancos cercaram ento a maloca e

    agarraram Boreka. O descendente legtimo da Gente de Transformao foi assim preso pelos Brancos. O irmo de Boreka

    conseguiu fugir e tomou o lugar dele como chefe supremo dosDesana, Boreka, quando foi levado pelos Brancos, levou con

    sigo a maior parte dos seus poderes. No se sabe para quallugar os Brancos o levaram. Talvez esteja na Bahia, no Rio deJaneiro ou no Portugal. Isso ningum sabe. As riquezas restantes ficaram todas para a sua gerao. Elas esto com os

    descendentes de Boreka, os Borekapr. Entre outras, estoos Pamribuya, os Enfeites de Transformao e aS OutraScoisas tiradas da Maloca do Universo.

  • Stima parte: A disperso dos Bmukomahse a localizao dos Trm Khripr

    Ao receber a ordem de Umukomahs Boreka de viver em

    outra maloca, Umukomahs Trm Khri dirigiu-se s nascentes do rio Cuiucuiu, afluente do rio Papuri. Construiu uma

    maloca no lugar chamado Pamsuriwiara, isto Capoeira das

    Vestes de Tatu". A, viveu por muito tempo com seus avs, irmos e criados. Mudaram-se depois para a margem do rio

    Cuiucuiu, num lugar chamado Poryuri Paran do Espinho.Estando a, foram pegos pelos Brancos. Mas somente trs

    rapazinhos. Os outros conseguiram fugir. Um deles era o filhodo chefe Trm Khri. O segundo era o seu primo-irmo,filho do irmo do seu pai. O terceiro, comhecido como Waum

    era tio dos dois por ser irmo dos pais deles. Voltaremos atratar deles mais adiante.

    Antes da chegada dos Umukomahs, o rio Tiqui erahabitado por duas tribos chamadas Wayer e Koamana. Os

    Wayer e os Koamana eram cunhados entre si, tal como osTukano e os Desana. Um grupo da tribo Koamana vivia junto

    da cachoeira Moam Cachoeira de Sal, conhecida hoje sobo nome de Cachoeira Caruru. Um grupo da tribo Wayer morava prximo Cachoeira Siribu Cachoeira de Mirupu, atu

    almente chamada Pari-Cachoeira. Junto a essa cachoeira exis

    tem duas pedras com desenhos rupestres: uma delas chamadaMirupu dos Desana, a outra chamada Yebasora dos Tukano.Um grupo dos Koamana vivia na foz do igarap Cucura cha

    mado Diburuyapiro Foz do Igarap da Cucura do Mato. Outro grupo dos Wayer vivia em Warusereru, onde hoje se situa

    a povoao de So Jos. Tal era a localizao desses grupos.Todos acabaram sendo levados pelos Brancos e exterminados.

    Juntamente com os Brancos que dizimaram os antigoshabitantes do rio Tiqui, a que acabamos de referir-nos,

    6O

  • andava um ndio Tariano que vivia numa maloca na Cachoeira

    de Iauaret, no mdio rio Uaups. Naquele tempo, ainda nohavia a demarcao da fronteira entre o Brasil e a Colmbia.

    Esse Tariano, ao voltar para a sua maloca, contou que o Tiquihavia sido despovoado. Sabendo disso, comearam a vir para

    c os primeiros Tukano. Em primeiro lugar, chegaram os dogrupo Turopr que se haviam estabelecido nas cabeceiras do

    igarap Turi, acima da atual povoao de Santa Luzia no rioPapuri. Da, atravessaram a mata, fazendo rcas, construindotapiris e depois malocas, at descerem ao Tiqui. Assim, che

    garam at a antiga maloca dos Wayer, em Warusereru.Na mesma poca chegou outro grupo Tukano com seusirmos chamado Panispr. Estabeleceu-se no lugar antesocupado por outro grupo Wayer, em Siriribu. Depois deste,veio outro grupo Tukano chamado Matagobepr. Tinha vin

    do de Mahpigriyeri Pedras dos Rabos de Arara. Hospedouse na maloca de Panisi em Siriribu. Tempos mais tarde, houveuma desavena entre os grupos Panisi e Matagobe, e esteltimo arrasou todas as suas roas, construiu um grande ba

    telo para levar todos os seus irmos, carregando ainda mudas

    de mandioca e de outras plantas, farinha e todos os seus haveres. Ao despedir-se do tuxaua dos Panisi, disse-lhe que

    iria a um lugar chamado em lngua geral Uaracari, que ficaabaixo de Barcelos, no rio Negro. Esse tuxaua dos Matagobeconhecia o referido lugar por ter estado ali com os Brancos,trabalhando piaaba.

    Saiu tarde de Siriribu e veio baixando o Tiqui. Paroupara dormir beira do rio. Os irmos dele foram procurar fo

    lhas da palmeira bacaba para construir um tapiri a fim de a :pernoitar. Viram ento que havia terra boa, igual que tinhamno rio Papuri. Contaram isso ao seu tuxaua, que foi verificarpessoalmente se isso era verdade. Constatando que a terra era

    bastante frtil, resolveu construir a mesmo uma maloca. A

    61

  • ficaram durante muitas geraes. O grupo Panis passou a chamar essa localidade de Uaracari. Fica abaixo da atual povoao de Santo Antnio e foi abandonada porque virou capoeira.

    O tuxaua dos Matagobe, cujo nome em portugus era

    Ado, estando em Uaracari soube do rapto de trs rapazes dorio Cuiucuiu. Disse a seus irmos:

    Vou resgatar esses rapazes, porque so nossos sobrinhos. E aqui no temos primos-cunhados para casarem com

    nossas filhas.

    Mandou as mulheres preparar farinha para a viagem e seguiu at a Cachoeira de Ipanor.

    Feitos prisoneiros pelos Brancos, os trs rapazes foramlevados at a Cachoeira de Ipanor. A viviam suas tias

    Tukano, irms de suas mes, que se haviam casado com ndiosTariano. Ao saberem que haviam aprisionados parentes seus

    do rio Cuiucuiu, foram ver quem eram. Verificaram que eramseus sobrinhos, filhos de suas irms casadas com Desana. Os

    ndios Tariano j eram documentados pelo Servio de Proteo aos ndios (SPI), por isso os Brancos tiveram que respeit

    los. A pedido de suas mulheres foram falar com os Brancos a

    fim de que libertassem os rapazes, no que os Brancos acederam. Passados dois dias, o filho do tuxaua Trm Khri vol

    tou a sua maloca no rio Cuiucuiu. Os dois outros rapazes ficaram morando nas casas de suas tias.

    Chegando em Ipanor, o tuxaua dos Matagobe conversoucom essas mulheres, contou a viagem e o motivo de sua che

    gada at ali. Acabou trazendo os dois jovens, dando uma desuas filhas em casamento a um deles. Esse foi nosso tatarav.

    Isto , dos Desana das povoaes denominadas em desana

    Bayagobe e Warusererukau, ou seja, respectivamente Santo

    Antnio e So Joo no rio Tiqui. Junto com a sua filha,

    entregou a maloca e as plantaes, construindo outra mais

    abaixo, num lugar chamado Yuhsuariburu Morro do Frio.

    62

  • Entregou tambm a esse genro a parte fronteira do rio,onde lhe cabia pescar, bem como o terreno equivalente,mata adentro.

    Pouco tempo depois, o rapaz do rio Cuiucuiu morreu, sem, chegar a ver o filho que ia nascer. Mais a ficaram os seus tios

    Desana, que tinham ido visit-lo. Morto o marido, a filha deAdo casou-se com um ndio Siriano, das cabeceiras do rio

    Papuri, do lugar chamado Surubu, acima da misso deUacaricuara, na Colmbia. Ainda grvida, mudou-se para l,

    onde nasceu um menino que foi chamado Trm. Quandoestava com dois anos, os tios paternos que haviam ficado emUaracari, foram busc-lo, porque eles prprios no tiveram

    filhos. Mas j no havia maloca. Todos viviam em casinhaspequenas. Quando Trm estava com 17 anos, a me veio vi

    sit-lo e o levou consigo a Surubu. L casou-se com uma mulher da tribo Karapan e a trouxe de volta a Uaracari para conhecer os tios que o haviam criado. Suas primas-cunhadas

    (bahsurinanome) reclamaram dele haver-se casado com uma

    Karapan, ao invs de escolher uma delas. Elas eram Tukanoe ele Desana, que o casamento preferido.

    Trm resolveu deixar a sua mulher Karapan, que j

    estava grvida, na aldeia do seu padrasto, em Surubu, e voltoua Uaracari sozinho. Sua mulher Karapan teve um menino que

    se chamou Mirupu. o av dos Desana de Santo Antnio.Tempos depois, Trm casou-se com uma moa Tukanodo grupo Buiberapr. Ela teve um menino chamado Uari,morrendo logo depois do parto. Esse menino o av dos

    Desana de So Joo. Ficando vivo, Trm casou-se com uma

    moa do grupo Tukano Turopr, Me e filho morreram depois do parto. Desgostoso, ele foi embora com os Brancos.

    Passados cinco anos, voltou antiga povoao de Uaracarique, como disse, havia virado capoeira. Casou-se ento comuma mulher do grupo Tukano Panispr. Ela teve dois filhos

    63

  • homens. O primognito chamava-se Trm e o segundoKisibi. Trm o pai de um dos autores deste livro, Umus

    prkumu, cujo nome portugus era Jos. Seu irmo, Miguel, o av do sobrinho de Umusi, Feliciano Lana.

    Trm casou-se com uma mulher Tukano do grupo Panisie teve vrios filhos, dos quais somente sobreviveu Umusi. Foi

    batizado com o nome de Firmiano. Jos foi baya, isto , mestre de canto, e conhecia todos os ritos e costumes dos Antigos.Embora no fosse o mais velho dos filhos, porque seu pai ti

    nha tido outros dois casamentos anteriores, ficou sendo tuxaua,

    chefe de todos os seus irmos.Jos construiu sua maloca num local chamado Mihiaburu

    Morro do Aai, margem direita do rio Tiqui, em frente atual povoao de So Joo. Depois pediu a seu primo, tu

    xaua da maloca de Siriribu (Pari-Cachoeira), chamado Jos

    Mentre, para transferir-se margem esquerda, isto , paraWarusererukau, chamada So Joo em portugus. Aqui morreu e deixou seus descendentes.

    64

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  • 2. Com o seu pensamento, Yeb Bur cria o universo: uma grande esferaonde reina a escurido. Dentro dela faz sua morada: um compartimentocom paredes de quartzo. Cria cinco Homens-Troves, incumbindo-os de fazer

    o mundo e a futura humanidade. A cada um deles d uma casa invisvel.

    66

  • **********

    3. Sentada no seu banco cerimonial e fumamdo um cigarro na forquilhaporta-cigarro, Yeb Bur, faz surgir da fumaa um novo ser,Umtikosurpanami, criador da luz, das camadas do universo e da humanidade,

  • 4. Umukosurpanami envia seu cetro-marac torre dagrande esfera: umusidoro. Com a ajuda de Yeb Bur, queenfeita o basto com