quando antes da polÍtica existia um plano: o … · podem embasar uma política habitacional...

14
1 QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O URBANISMO COMO PREMISSA PARA UMA POLÍTICA DE HABITAÇÃO SUSTENTÁVEL ABSTRACT Mato Grosso teve seu processo de urbanização intensificado, desde a década de 1970, com a implementação de políticas de planejamento regional e urbano pelo Governo Federal. No cenário brasileiro e internacional, o Estado era reconhecido nos anos 1990 como a terra de oportunidades, por meio das imagens de prosperidade dos seus espaços rural e urbano. A prosperidade existente se contrapõe aos conflitos do dia-a-dia dos municípios, resultando em passivos socioeconômicos e ambientais, a exemplo dos graves problemas a estes relacionados. Assentamentos precários, ocupações irregulares e, atualmente, até mesmo os problemas gerados com a replicação do modelo de conjuntos habitacionais periféricos, revisitados pela atual política habitacional brasileira e mato-grossense. Esta é a realidade da habitação em Mato Grosso da qual nos aproximamos nos levantamentos de campo, em municípios na porção da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC) e outros ao Norte do Estado. Na ocasião, constatamos exemplos concretos da opção pela insustentabilidade urbana como resultado dessa política de habitação em Mato Grosso em um número maciço desses precários conjuntos habitacionais. Isso pode ser considerado consequência da desarticulação entre a política urbana e o plano (de expansão) urbanístico na esfera municipal de planejamento ou mesmo sua inexistência. Nessa oportunidade, apresentamos a realidade urbanística de Matupá, município de reduzidas dimensões urbanas, que nos lembra, a despeito do seu tamanho, do quanto o planejamento amplo, os planos e projetos urbano e urbanístico, quando existentes, são elementos que podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico, Matupá ABSTRACT Mato Grosso had its urbanization process intensified since the 1970s, with the implementation of policies for urban and regional planning by the Federal Government. In the Brazilian and international scenario, the state was recognized in 1990 as the land of opportunity, through images of prosperity of its rural and urban spaces. Prosperity is opposed to the existing conflicts of the

Upload: others

Post on 30-May-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

1

QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O

URBANISMO COMO PREMISSA PARA UMA POLÍTICA

DE HABITAÇÃO SUSTENTÁVEL

ABSTRACT

Mato Grosso teve seu processo de urbanização intensificado, desde a década de 1970, com a implementação de políticas de planejamento regional e urbano pelo Governo Federal. No cenário brasileiro e internacional, o Estado era reconhecido nos anos 1990 como a terra de oportunidades, por meio das imagens de prosperidade dos seus espaços rural e urbano. A prosperidade existente se contrapõe aos conflitos do dia-a-dia dos municípios, resultando em passivos socioeconômicos e ambientais, a exemplo dos graves problemas a estes relacionados. Assentamentos precários, ocupações irregulares e, atualmente, até mesmo os problemas gerados com a replicação do modelo de conjuntos habitacionais periféricos, revisitados pela atual política habitacional brasileira e mato-grossense. Esta é a realidade da habitação em Mato Grosso da qual nos aproximamos nos levantamentos de campo, em municípios na porção da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC) e outros ao Norte do Estado. Na ocasião, constatamos exemplos concretos da opção pela insustentabilidade urbana como resultado dessa política de habitação em Mato Grosso em um número maciço desses precários conjuntos habitacionais. Isso pode ser considerado consequência da desarticulação entre a política urbana e o plano (de expansão) urbanístico na esfera municipal de planejamento ou mesmo sua inexistência. Nessa oportunidade, apresentamos a realidade urbanística de Matupá, município de reduzidas dimensões urbanas, que nos lembra, a despeito do seu tamanho, do quanto o planejamento amplo, os planos e projetos urbano e urbanístico, quando existentes, são elementos que podem embasar uma política habitacional sustentável.

Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

Matupá

ABSTRACT

Mato Grosso had its urbanization process intensified since the 1970s, with the implementation of policies for urban and regional planning by the Federal Government. In the Brazilian and international scenario, the state was recognized in 1990 as the land of opportunity, through images of prosperity of its rural and urban spaces. Prosperity is opposed to the existing conflicts of the

Page 2: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

2

day-to-day municipalities, resulting in socioeconomic and environmental liabilities, such as the serious problems related to these. Squatter settlements, illegal occupations, and today even the problems generated by the replication of the models of housing developments on the outskirts, revisited by the current housing policy, both in Mato Grosso and Brazil. This is the reality of housing in Mato Grosso which we approach in the field surveys, the portion of the municipalities in the metropolitan area of Vale do Rio Cuiabá (RMVRC) and others on the North State. On occasion, we were able to see concrete examples of the option for lack of sustainability as a result of the urban housing policy in Mato Grosso in massive numbers of these poor housing developments. This can be considered a consequence of the disconnection between urban policy and urbanistic expansion plan in the municipal urban planning or even their absence. In this opportunity, we present the urban reality of Matupá, a municipality with a small urban area, which reminds us, despite its size, that when there are extensive planning, plans and urban and urbanistic projects, these elements provide a basis to a sustainable housing policy.

Key-words: Mato Grosso, Housing Policy, Urbanistic Plan, Matupá.

NOTAS INICIAIS

Mato Grosso se sobressai no cenário brasileiro pela forte aceleração dos

índices de urbanização desde a década de 1970, decorrente da implementação

de políticas de planejamento regional e urbano pelo governo federal. Nos anos

90 do século XX, começou a ser propagado, pelo governo estadual, como a

terra de oportunidades através da imagem de prosperidade dos seus espaços

rural e urbano. No imaginário do brasileiro (de outros estados), é como se cada

habitante de Mato Grosso fosse proprietário de uma fazenda de gado ou um

campo de soja.

Mas a imagem de prosperidade é contraposta com os conflitos existentes no

dia-a-dia dos municípios, os problemas sociais e ambientais -, que se agravam

diante da fragilidade institucional e consequente ausência de uma sistemática

de planejamento e precária gestão nas esferas governamentais estadual e

municipal.

Page 3: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

3

Em linhas gerais, os passivos socioambientais no território estadual resultaram

da desenfreada exploração agromineral (com extinção de etnias indígenas e da

vegetação nativa), da opção pela grande propriedade aliada à produção

mecanizada (reduzindo a utilização de mão-de-obra e expulsando os

trabalhadores às cidades); da escolha equivocada de sítios tanto à implantação

de projetos urbanísticos das novas cidades como para os projetos dos

conjuntos habitacionais.

Com relação às opções referentes aos conjuntos habitacionais, Ermínia

Maricato (2009), afirma que os problemas, como localização distante dos

serviços e inadequada localização na área urbana, possibilitam a criação de

guetos de pessoas homogeneamente pobres ou de ricos, que resultam em

patologias como a: formação de gangues, tráfico de drogas, adolescentes

endinheirados avessos à coletividade, criando uma série de deseconomias

urbanas. “Quando se instala um conjunto fora da cidade, é preciso levar a

cidade até o conjunto. É uma condição de deseconomia e de

insustentabilidade, que no mínimo gera muitas viagens” (grifo nosso). Opinião

compartilhada por tantos outros urbanistas que se voltam às pesquisas sobre

habitação no Brasil (BONDUK, 1998; SILVA,, 2009; CALDAS, 2009; ROLNIK &

NAKANO, 2009; FERNANDES, 2009).

As opções políticas e de projeto reproduzem-se, na razão que somaria

brasilidade e peculiaridades regionais mato-grossenses, fenômenos seculares

como a segregação socioespacial e o desenvolvimento informal de áreas

urbanas, p. ex. a ocupação irregular de áreas públicas e de proteção ambiental,

loteamentos clandestinos e irregulares, (FERNANDES, 2009), os casos mais

comuns na realidade de Mato Grosso.

A presença desses graves problemas socioambientais, e ainda a

desarticulação entre os municípios e ou regiões, contrasta com a imagem de

um estado em desenvolvimento, mas é coerente com a opção por políticas

governamentais desenvolvidas até o momento e que vêm acentuando estas

questões.

Page 4: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

4

Como esclarece Rebeca Scherer (1994,1995), o processo de urbanização se

atualiza no espaço, lido a partir das configurações espaciais resultantes. Assim,

na medida em que se intensifica o processo de urbanização, novas

configurações vão se formando e, ainda, sobrepondo-se umas às outras.

Complementa Reis Filho que, somente a análise das configurações espaciais

nos diferentes níveis ”permite-nos constatar objetivamente as formas

assumidas pelas relações sociais básicas e o grau de sua compatibilidade com

os objetivos declarados pela Política [de desenvolvimento] adotada” (REIS

FILHO; 1996:11).

Ao entendermos a política como uma possibilidade de confronto das

diferenças, bem como organizá-las, como “um conjunto de decisões

interrelacionadas, definido por agentes políticos, que tem como finalidade o

ordenamento, a regulação e o controle do bem público” (LITTLE, 2003:18),

verificamos que as políticas habitacionais em curso optam por uma

determinado formato de projeto, resultando em morfologias urbanísticas e

tipologias arquitetônicas há muito criticadas, implantadas áreas, normalmente

localizadas fora das áreas urbanas consolidadas, mantendo espaço vazio mal

aproveitado nas áreas centrais das cidades aguardando ainda mais valorização

(MARICATO, 2009; ROLNIK,2009, FERNANDES,2009).

A partir das premissas acima, devemos considerar as ações do Estado em

curso e o marco regulatório da Política Nacional de Habitação atual, originado

da Medida Provisória nº 459, convertida na Lei 11.977, de 07 julho.2009.

Edésio Fernandes (2009) destaca que a medida foi importante, e “que

necessita ser compreendida em um contexto histórico mais amplo”, como as

questões apontadas anteriormente, as lutas dos movimentos sociais no final da

década de 1970, que culminaram em alguns avanços como a inclusão do

Capítulo da Política Urbana na Constituição de 1988 (art. 182 e 183),

regulamentados pela Lei 10.257, de 10. julho.2001 , também conhecido como

“Estatuto da Cidade”.

Page 5: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

5

Os conceitos fundamentais às questões que o tema propõe delinearam uma

pesquisa maior sobre a as políticas habitacionais que se realizaram nos níveis

municipais, estadual. Neste trabalho, pretendemos apresentar, uma síntese

sobre a maneira como configuração espacial dos conjuntos habitacionais se

articulam com o padrão urbanístico de alguns núcleos urbanos dos municípios

de Mato Grosso.

MUITO DO MESMO: CONJUNTOS HABITACIONAIS

Rolnik e Nakano (2009), não em tom profético, mas balizados pelos registros

que a história da habitação social no Brasil confere, anunciavam os efeitos

perversos que a política habitacional federal delineava, principalmente pelo

Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV):

O modo de produção de moradias populares para além dos limites da cidade tem consequências graves que acabam prejudicando a todos. Além de encarecer a extensão das infraestruturas urbanas, que precisam alcançar locais cada vez mais distantes, o afastamento entre os locais de trabalho, os equipamentos urbanos e as áreas de moradia aprofundam as segregações socioespaciais e encarecem os custos da mobilidade urbana. As longas viagens diárias entre a residência e os locais de trabalho ou de ensino congestionam as vias e os transportes coletivos, prejudicando a qualidade de vida coletiva. Ademais, o predomínio das opções sobre pneus – especialmente os automóveis que usam combustíveis fósseis e emitem gás carbônico – contribui para a poluição do ar, o aquecimento global e as mudanças climáticas, cujos efeitos já estão afetando milhões de pessoas no mundo inteiro.

O padrão periférico e precário de localização das moradias populares pode se reproduzir, em larga escala, nas cidades brasileiras, caso não articulemos uma grande oferta de financiamento imobiliário e promoções públicas habitacionais com estratégias eficientes de acesso a terras adequadas, inseridas na cidade e integradas aos benefícios da vida urbana. Por outro lado, políticas e programas de produção de cidade, tais como grandes investimentos em transporte público de massa e condições de urbanidade ex ante, são fundamentais para não transformarmos o “sonho da casa própria” em pesadelo de municípios caóticos e insustentáveis.

Esta é a realidade da habitação em Mato Grosso da qual nos aproximamos nos

levantamentos de campo, em municípios na porção da Região Metropolitana

do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC) e outros ao Norte do Estado. Na ocasião,

constatamos exemplos concretos da opção pela insustentabilidade urbana

Page 6: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

6

como resultado dessa política de habitação em Mato Grosso em um número

maciço desses precários conjuntos habitacionais.

Se a habitação é a principal atividade que estrutura o solo urbano, a escolha

pelo “padrão periférico e precário de localização das moradias populares”

verificados nos núcleos urbanos de Mato Grosso, resta-nos concordar que o

estado contribui, cada vez mais, com a produção de cidades não sustentáveis.

Cuiabá – a capital -, e Várzea Grande, são sedes dos municípios mais

representativos no estado, assim como os demais levantados, vem priorizando

uma política de expansão da área urbana, em detrimento de uma de

adensamento do solo urbano e consequente otimização de infraestrutura

urbana instalada. As secretarias responsáveis pela política urbana e

habitacional vêm permitindo a implantação de grandes projetos de conjuntos

habitacionais em zonas reservadas à expansão urbana, mas que aconteceriam

após o adensamento e/ou ocupação dos lotes ociosos da zona urbana.

Nos últimos dez anos, a proliferação de conjuntos habitacionais nas franjas

urbanas de Cuiabá (Fig. 1a), ao longo de rodovias estaduais e federais (MT-

010 /251; BR-163/364), agravam ainda mais as precárias condições

apresentadas por estes conjuntos, ao considerarmos que rodovias não são

“vias urbanas” o que dificulta ainda mais o acesso ao transporte coletivo urbano

Em Várzea Grande (Fig. 1b), o destaque é para os empreendimentos

localizados na Avenida Mário Andreazza (BR-070), saída para os municípios

de Poconé e Cáceres e norte do estado.

Page 7: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

7

Figura 1: Cuiabá e b) Várzea Grande – zona urbana, principais vias e conjuntos habitacionais nas franjas urbanas.

Levantamentos e Organização: Aline Mazzante.

Seja o Programa MCMV, ou qualquer outro do governo estadual ou municipal,

todos se pautam na implantação de unidades habitacionais padrões mínimas e,

pelas configurações urbanísticas que resultam, nota-se a inexistência da, ou

quase nula, preocupação com as condicionantes socioeconômica e ambientais

Figura 2: Conjuntos habitacionais em Mato Grosso. Independente da cidade, é sempre mais do mesmo. Fonte:

arquivo próprio.

Esta constatação já era preocupação, em 2009, de urbanistas com relação aos

programas divulgados onde, mais uma vez, via-se o Governo Federal insistir

em uma Política Habitacional que não indicava qualquer diálogo (quando

existe) com um processo de Planejamento Urbano, sem regras, ou

desmerecendo qualquer regulamentação do uso e ocupação do solo, realizada

nas instâncias municipais e estadual (guardada as devidas peculiaridades), o

que visava, muito mais uma política de emprego e renda, que simplesmente

implanta conjuntos residenciais, ao invés da produção de cidades (MARICATO,

2009; ROLNIK & NAKANO, 2009).

Page 8: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

8

UMA VARIAÇÃO DO MESMO TEMA: MATUPÁ E SEU PLANO

URBANÍSTICO

Em Mato Grosso, sabemos que muitos dos seus municípios deparam-se com

as questões recorrentes das políticas setoriais formuladas de forma

desarticulada. Soma-se o fato das instituições municipais e estadual, na

maioria das vezes, não estarem preparadas para enfrentar os impactos dos

programas de desenvolvimento regional (como o PAC - Programa de

Aceleração do Crescimento-, e seus inúmeros projetos como o “Minha Casa,

Minha Vida”, Programa de Arrendamento -PAR) como a agudização dos

problemas socioambientais, encontrados em todas as áreas das cidades. É o

que presenciamos nas cidades mato-grossenses: além dos limites „ditos

planejados‟, onde o valor da terra é determinado pelos especuladores, bairros

inteiros totalmente desordenados e sem a infraestrutura mínima surgiam (e

ainda surgem) para abrigar a população de baixa renda, normalmente,

segregados da ”cidade legal“ pelos eixos estruturantes de transporte.

Nossos levantamentos em campo, nos treze municípios da Região

Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC) e em outros da porção norte de

Mato Grosso, alguns com função de destaque na rede urbana do estado não

tem uma formulação e execução de política urbana que, de fato, objetiva

“ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o

bem-estar de seus habitantes” (Constituição Federal, 1988).

Cuiabá e Várzea Grande, dentre os municípios de Mato Grosso, são os com

maior e melhor estrutura institucional voltada à política urbana, entretanto

evidência suas fragilidades, pela ausência de elementos mínimos como planos

urbanos e urbanísticos que poderiam nortear a política urbana (com destaque

às zonas de expansão).

É com base neste elemento, que destacamos o caso de Matupá, município ao

norte do estado, no entroncamento das BRs-163 e 080. A sede urbana foi

implantada a partir de colonização privada. Atualmente, Matupá também foi

Page 9: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

9

“privilegiada” com os programas da política habitacional em curso, com a

contrapartida municipal em oferecer a área na cidade onde seriam implantadas

as unidades habitacionais padrões.

Matupá, com quase 15 mil habitantes, é um dos muitos municípios de Mato

Grosso que não tem legislação urbana, e sequer definição de perímetro

urbano. A única regra que, na medida do possível, vem sendo o mais fielmente

seguida, e é seguida como lei, é o Plano Urbanístico do pólo urbano de apoio

ao projeto privado de colonização da colonizadora Agropecuária do Cachimbo

S/A. , elaborado na década de 1980, pela URBE Planejamento, Programação e

Projetos SS LTDA (arquitetos Candido Malta Campos Filho e Luiz Carlos

Costa, São Paulo/SP).

Figura 3: Mapa da cidade. Prefeitura Municipal de Matupá. O seu Plano Urbanístico foi desenvolvido pela. Fonte:

site Prefeitura Matupá.

Poderíamos nos deter na fundamentação projetual do desenho urbano que, em

muitas manchetes da época, era anunciado como um plano urbanístico que

“tira[va] partido do solo, vegetação e clima” e ainda apresentava “estrutura

urbana flexível”. Ou ainda, como o sistema viário foi pensado de forma

Page 10: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

10

“propositalmente sinuoso, com um suceder de pequenas e grandes praças,

cercados por vias e praças de calçadas cobertas para se evitar o calor do sol e

as chuvas sendo um convite ao convívio social agradável e culturalmente

produtivo nesse espaço público e semi-público” (CAMPOS FILHO, 2011; 2012).

Mas, o que nos interessa evidenciar é que, toda e qualquer nova área de

expansão urbana de Matupá, embora dependa da Agropecuária Cachimbo,

proprietária das terras no entorno da área urbanizada (núcleo urbano), é

loteada seguindo rigorosamente o projeto urbanístico, mantendo a concepção

original dos setores, das quadras, do dimensionamento dos lotes (com algumas

diferenças, dependendo do setor/área da cidade). As quadras são permeadas

por caminhos, que em Matupá são chamados de “passarelas” - responsáveis

pela articulação das quadras, dando acesso ao centro dos setores, onde se

localizam os equipamentos públicos comunitários. Com um misto de orgulho e

decepção, seus moradores evidenciam que, Matupá não é uma cidade feita

para os carros.

Embora sejam as mesmas tipologias arquitetônicas padrões que foram

implantadas na área urbana de Matupá, e as áreas escolhidas encontrarem-se

nos limites do núcleo urbano, estão inseridas na malha urbana, mantendo o

mesmo padrão (médio) urbanístico definido para a cidade. O dimensiomanento

dos lotes também atendem o previsto no Plano Urbanístico, não sendo alterado

sua área para menor.

Page 11: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

11

Figura 4: Matupá e o destaque para as áreas de implantação dos conjuntos habitacionais na área urbanizada, que

denominamos de “perímetro urbano”. Levantamentos: Doriane Azevedo. Organização: Aline Mazzante.

Page 12: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

12

Figura 5: Setores de Matupá e seus conjuntos habitacionais: o princípio da mobilidade paro o pedestre,

equipamentos comunitários.

BREVE CONSIDERAÇÃO

Para nós, é evidente que as áreas urbanas (e rurais), exigem e ainda podem

sofrer intervenção planejada. A consistência desta ação depende tanto do real

conhecimento da realidade e necessidades regionais, da estruturação

institucional das várias esferas públicas e, da consistente ação dos diversos

agentes envolvidos, que contribuirão na orientação/formulação das políticas

públicas – urbana e habitacional.

Embora Matupá, em suas reduzidas dimensões urbanas, não seja exemplo da

complexidade do urbano nas cidades médias e grandes, traz, para nós, o

princípio de quanto o planejamento urbano e urbanístico, a partir das premissas

Page 13: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

13

adequadas, pode ser um dos elementos à realização de uma política

habitacional sustentável, inclusiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Doriane. A Rede Urbana Mato-grossense: intervenções políticas e

econômicas, ações de planejamento e configurações espaciais. 2006.

296p.Dissertação de Mestrado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,

Universidade de São Paulo, São Paulo.

BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura Moderna,

Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Editora Liberdade;

FAPESP, 1998.

FEIRE, Júlio De Lamônica. Cuiabá, nosso bem coletivo. Cuiabá: EdUFMT,

1992.

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. 2ª ed. São Paulo:

Edusp, 1997.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5ª ed. São Paulo: Centauro, 2008.

LITTLE, Paul E. (org.). Políticas ambientais: análises, instrumentos e

experiências. São Paulo: Peirópolis; Brasília:IIEB, 2003.

MARICATO, Ermínia. É preciso repensar o modelo. In: AU (arquitetura e

urbanismo, ano 24, nº 186, setembro 2009) . Entrevista. Especial Habitação.

Pg 62-64.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Notas sobre urbanização dispersa e novas

formas de tecido urbano. São Paulo: Via das Artes, 2006.

ROLNIK, Raquel; NAKANO, Kazuo. As armadilhas do pacote habitacional. Le

Monde Diplomatique Brasil, março 2009.

SANTOS, Milton. Espaço e método. Coleção Espaços. 4ª ed. São Paulo:

Nobel, 1997.

Page 14: QUANDO ANTES DA POLÍTICA EXISTIA UM PLANO: O … · podem embasar uma política habitacional sustentável. Palavras-chave: Mato Grosso, Política de Habitação, Plano Urbanístico,

14

SCHERER, Rebeca. Da intervenção na cidade ao planejamento urbano. Grupo

de Estudos Urbanos. São Paulo:IEA/USP, abril-1991.

_____. Aspectos políticos do urbanismo. Revista Sinopses nº 02. São Paulo:

FAU-USP, 1982. p. 125-138.

_____. Notas sobre Planejamento e Método. Cadernos do LAP. Nº 10, Série

Urbanização e Urbanismo. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre

Urbanização, Arquitetura e Preservação (LAP), Departamento de História da

Arquitetura e Estética do Projeto. FAU-USP,nov.-dez. 1995.

_____. Sistematização Crítica ao Conjunto dos Trabalhos – Contribuição para

a abordagem interdisciplinar na área de urbanização e planejamento territorial

e urbano. Tese (Livre Docência). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/

Universidade de São Paulo, 1994.

SILVA, Maria da Graça Plenamente. Percurso da ação pública nas áreas

informais do município de São Paulo: urbanização de favelas, mutirão e

autoconstrução – 1979 -1994. Tese (Doutorado). Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo/ Universidade de São Paulo, 2009.

SILVA, Maria da Graça Plenamente; CALDAS, Nisimar Pérez. Ter ou Ser: a

trajetória da prancheta ao cartório nos programas de regularização de

assentamentos informais. In: IV Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico,

2006, São Paulo.

RIGATTI, Décio. Loteamentos, Expansão e Estrutura Urbana. In: Paisagem e

Ambiente: Ensaios. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo:FAU,

1997. Nº 15.dez.2002. p35-70.

RIGATTI, Décio. Loteamentos, Expansão e Estrutura Urbana. In: Paisagem e

Ambiente: Ensaios. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo:FAU,

1997. Nº 15.dez.2002. p35-70.