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Anotações sobre Teoria Crítica e Educação: uma história de 10 anos de pesquisa Bruno Pucci 1 Resumo: Este ensaio se propõe a contar momentos constituintes do Grupo de Estudos e Pesquisa ‘Teoria Crítica e Educação’, em seus primeiros dez anos de vida: os pesquisadores que o compõem, os projetos, os escritos, as traduções, os eventos científicos. Mas sobretudo a rica experiência formativa que os seus componentes viveram, no contato com os pensadores frankfurtianos; os encontros semanais de estudos, a maneira como as produções de teses, dissertações, monografias continham em si os momentos do individual e do coletivo; o grupo de pesquisa como um círculo de cultura e de formação. Objetiva o texto tornar conhecida uma experiência formativa de grupo de pesquisa e, ao mesmo tempo, incentivar outros pesquisadores a contar sua história, seus caminhos teórico- metodológicos, sua maneira de produzir conhecimento científico. Palavras-chaves: Teoria Crítica e Educação; Grupo de Pesquisa; Indústria Cultural e Educação; Theodor Adorno Em fevereiro de 2002, encerramos as investigações sobre ‘o potencial pedagógico da teoria crítica’. Foram dez anos e meio de estudos e pesquisas, divididos em cinco projetos, com apoio constante do CNPq e, em diversos momentos, da FAPESP. Em todos esses projetos, “conhecer mais a fundo as contribuições teóricas e metodológicas da teoria crítica e, a partir desses elementos, desvendar-lhes a potencialidade formativa”, foi nosso objetivo primeiro. E quando nos referíamos à teoria crítica os interesses apontavam os pensadores da primeira geração frankfurtiana, entre eles Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse. O projeto nasce coletivo desde seu primeiro momento. Foram os interesses de quatro orientandos, provindos de áreas diferentes do saber (educação, psicologia, comunicação, letras/literatura) 2 , que me levaram a descobrir a história da Escola de Frankfurt e os ensinamentos instigantes de seus pensadores. Até então navegava fervoroso pelos mares agitados da filosofia da práxis, na esperança e na busca de possíveis transformações profundas da injusta sociedade dos 1 Professor Titular do PPGE/UNIMEP, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Teoria Crítica e Educação, com sedes na UNIMEP, na UFSCar e na UNESP-Araraquara. 2 Os quatro primeiros orientandos que, em 1991, ajudaram a organizar o GEP Teoria Crítica e Educação foram: Cláudia Barcellos de Moura Abreu, provinda do curso de Pedagogia (defendeu o mestrado em 1993), Antônio Álvaro Soares Zuin, com formação universitária em Psicologia (defendeu o mestrado em 1993), Belarmino César Guimarães da Costa, bacharel em Jornalismo (defendeu o mestrado em 1993) e Newton Ramos de Oliveira, licenciado em Letras Anglo-Germânicas e Latim (defendeu o doutorado em 1993). Em 1992, Divino José da Silva, licenciado em Filosofia, ingressou no mestrado e no Grupo de estudos e pesquisa; defendeu sua dissertação de mestrado em 1994.

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Anotações sobre Teoria Crítica e Educação: uma história de 10 anos de pesquisa

Bruno Pucci1

Resumo: Este ensaio se propõe a contar momentos constituintes do Grupo de Estudos e Pesquisa ‘Teoria Crítica e Educação’, em seus primeiros dez anos de vida: os pesquisadores que o compõem, os projetos, os escritos, as traduções, os eventos científicos. Mas sobretudo a rica experiência formativa que os seus componentes viveram, no contato com os pensadores frankfurtianos; os encontros semanais de estudos, a maneira como as produções de teses, dissertações, monografias continham em si os momentos do individual e do coletivo; o grupo de pesquisa como um círculo de cultura e de formação. Objetiva o texto tornar conhecida uma experiência formativa de grupo de pesquisa e, ao mesmo tempo, incentivar outros pesquisadores a contar sua história, seus caminhos teórico-metodológicos, sua maneira de produzir conhecimento científico.

Palavras-chaves: Teoria Crítica e Educação; Grupo de Pesquisa; Indústria Cultural e

Educação; Theodor Adorno

Em fevereiro de 2002, encerramos as investigações sobre ‘o potencial pedagógico da teoria

crítica’. Foram dez anos e meio de estudos e pesquisas, divididos em cinco projetos, com apoio

constante do CNPq e, em diversos momentos, da FAPESP. Em todos esses projetos, “conhecer mais

a fundo as contribuições teóricas e metodológicas da teoria crítica e, a partir desses elementos,

desvendar-lhes a potencialidade formativa”, foi nosso objetivo primeiro. E quando nos referíamos à

teoria crítica os interesses apontavam os pensadores da primeira geração frankfurtiana, entre eles

Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse.

O projeto nasce coletivo desde seu primeiro momento. Foram os interesses de quatro

orientandos, provindos de áreas diferentes do saber (educação, psicologia, comunicação,

letras/literatura)2, que me levaram a descobrir a história da Escola de Frankfurt e os ensinamentos

instigantes de seus pensadores. Até então navegava fervoroso pelos mares agitados da filosofia da

práxis, na esperança e na busca de possíveis transformações profundas da injusta sociedade dos 1 Professor Titular do PPGE/UNIMEP, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Teoria Crítica e Educação, com sedes na UNIMEP, na UFSCar e na UNESP-Araraquara. 2 Os quatro primeiros orientandos que, em 1991, ajudaram a organizar o GEP Teoria Crítica e Educação foram: Cláudia Barcellos de Moura Abreu, provinda do curso de Pedagogia (defendeu o mestrado em 1993), Antônio Álvaro Soares Zuin, com formação universitária em Psicologia (defendeu o mestrado em 1993), Belarmino César Guimarães da Costa, bacharel em Jornalismo (defendeu o mestrado em 1993) e Newton Ramos de Oliveira, licenciado em Letras Anglo-Germânicas e Latim (defendeu o doutorado em 1993). Em 1992, Divino José da Silva, licenciado em Filosofia, ingressou no mestrado e no Grupo de estudos e pesquisa; defendeu sua dissertação de mestrado em 1994.

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anos 90. Foram eles que me levaram para os horizontes sombrios da dialética negativa. Com eles e

mais os bolsistas de aperfeiçoamento e de iniciação científica, criamos, no Departamento de

Educação da UFSCar, em 1991, o Grupo de Estudos e Pesquisa (GEP) “Teoria Crítica e Educação”.

Reuníamos, inicialmente, a cada quinze dias, e, anos depois, semanalmente, para ler e

procurar compreender fragmentos filosóficos da “Dialética do Esclarecimento”, parágrafos

intrincados da “Teoria Estética”, aforismos insinuantes das “Minima Moralia”; e, apesar da

tentativa de leitura feita em casa e da releitura atenta no transcorrer da reunião, quase nada

entendíamos individualmente do lido, mas muita coisa entendíamos coletivamente, à medida que a

intuição de um despertava a sensibilidade e o exercício argumentativo de outro. Foram esses

ensaios pacientes e perseverantes que geraram em nós aproximações teórico-afetivas e uma paixão

incontida pelo que estávamos estudando.

Nos primeiros dois projetos apenas eu era bolsista do CNPq. A partir do terceiro (1996)

Newton Ramos de Oliveira veio se juntar a mim e aos bolsistas de aperfeiçoamento e de iniciação

científica. Sem dúvida o apoio do CNPq foi fundamental para a continuidade da pesquisa3. O fato

de a cada dois anos termos de prestar contas do produto do trabalho para solicitar a renovação das

bolsas do CNPq, que passava pelo parecer de pares exigentes e pelas comissões do órgão

financiador de pesquisa, nos disciplinou e nos fez avançar no trajeto científico.

O GEP “Teoria Crítica e Educação” em sua constituição progressiva desenvolveu um

caráter interdisciplinar (relacionando pesquisadores das áreas de Educação, Filosofia, Psicologia,

Letras, Sociologia, Artes, Comunicação) e inter-institucional (reunindo pesquisadores de três

universidades: UFSCar, UNIMEP e UNESP-Araraquara)4. O intercâmbio com pesquisadores de

outras instituições, que se aproximavam de nós em seus referenciais teóricos, também foi

importante na formação individual e coletiva do grupo. Esses pesquisadores5 participaram inúmeras

3 O apoio do CNPq deu-se, progressivamente, em forma de bolsas de pesquisa e de apoio à pesquisa. Assim, no primeiro projeto (agosto/1991 a fevereiro/1994) recebemos uma bolsa de Produtividade em pesquisa, uma de Aperfeiçoamento e uma de Iniciação Científica; no segundo (março/1994 a fevereiro/1996) uma bolsa de Produtividade em pesquisa, uma bolsa de Aperfeiçoamento e duas bolsas de Iniciação Científica; no terceiro projeto de pesquisa (março/1996 a fevereiro/1998) duas bolsas de Produtividade em pesquisa, uma bolsa de Aperfeiçoamento e duas bolsas de Iniciação Científica; no quarto projeto (março/1998 a fevereiro/2000) e no quinto projeto ( março/2000 a fevereiro/2002) recebemos duas bolsas Produtividade e quatro bolsas de iniciação científica. Recebemos apoio à pesquisa na realização do primeiro, do terceiro e no quinto projetos. 4 É importante destacar que dois outros pesquisadores formados pelo GEP, Luiz Hermenegildo Fabiano, doutor em Educação pela UFSCar e Divino José da Silva, mestre em Educação pela UFSCar, agora doutor em Educação pela UNESP-Marília, desenvolvem trabalhos de pesquisa relacionados com a Teoria Crítica em suas instituições de trabalho, UEM-Maringá e UNESP-Presidente Prudente, respectivamente. 5 Entre eles, destacamos: Rodrigo Duarte (UFMG), Osvaldo Giacoia Junior e Jeanne Marie Gagnebin e Pedro Goergen (UNICAMP), José León Crochik e Iray Carone (Psicologia-USP-SP), Gabriel Cohn (Ciências

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vezes de atividades científicas por nós organizadas (colóquios nacionais, conferências, bancas de

defesa de dissertações ou teses, encontros de pesquisa) e seus escritos foram lidos e utilizados nas

reuniões semanais, nas leituras individuais, na elaboração dos trabalhos científicos. A intervenção

de pesquisadores experientes, vindos de outros lugares, fecundava, pela sua presença e pela voz

diferente de seus escritos, a curiosidade dos participantes do grupo, abertos à experiência do outro,

sem concessões teóricas, mas com disponibilidade imensa para a aprendizagem de coisas novas e

para rediscutir “verdades estabelecidas”.

Se há uma história estimulante no desenvolvimento progressivo e sinuoso de um grupo de

pesquisa, os eixos teóricos que norteiam esse caminhar também têm sua história, entremeada com a

vida das pessoas e constituída de acaso, espontaneidade, planejamento coletivo, imprevistos e

seqüências lógicas.

O primeiro projeto de pesquisa (agosto/1991 a fevereiro/1994) foi elaborado com a clara

intenção de se conhecer as categorias-chave utilizadas pelos teóricos críticos em seus escritos. Eram

os contatos iniciais com a Escola de Frankfurt através dos textos de seus autores clássicos. Por

leituras de comentaristas tínhamos chegado a conhecer um pouco da história e dos conceitos

básicos6. Era preciso, porém, ir aos autores para ver o que eles mesmos diziam dos conceitos que

empregavam e no que esses conceitos poderiam ajudar à compreensão dos problemas educacionais

brasileiros. Privilegiamos, nesse primeiro momento, o estudo das categorias “dialética da razão”,

“crítica da razão instrumental”, “cultura/formação cultural” e a tão comentada “indústria cultural”.

Os primeiros encontros com os textos de Adorno e Horkheimer foram difíceis. A filosofia

da práxis gramsciana, que apontava perspectivas promissoras de transformação da sociedade —

com a valorização do sujeito coletivo, do intelectual orgânico, do filósofo militante, da articulação

proletários das cidades e trabalhadores do campo — não se coadunava com a teoria crítica da

sociedade, que tentava resgatar o indivíduo sufocado pelo coletivo, inclusive do partido, e pela

sociedade administrada; que não acatava o proletariado como o sujeito revolucionário da história;

que se propunha a resgatar a força intervencionista da teoria, não aceitando que a mesma

continuasse atrelada mecanicamente à prática social e política. Acresce-se a tudo isso, a visão

enviesada dos comentadores que precederam o contato inicial com as idéias desses pensadores.

Sociais e Políticas-USP-SP), Jorge de Almeida (Teoria Literária-USP-SP), Ernani Chaves (UFPA), Isabel Loureiro (UNESP-Marília), Ricardo José Corrêa Barbosa (UERJ), Márcia Tiburi (UNISSINOS), Wolfgang Leo Maar (UFSCar), Eldon Henrique Mühl (Universidade de Passo Fundo, RS), Alexandre Fernandes Vaz (UFSC), Christoph Türcke (Leipzig, DE), Fábio Durão (Duque University). 6 Entre os quais, FREITAG, B., A Teoria Crítica – Ontem e Hoje. São Paulo: Brasiliense, 2ª edição, 1988; SLATER, P., Origens e significado da Escola de Frankfurt – Uma perspectiva marxista. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1978.

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O livro primeiro que permitiu um contato mais direto com as categorias em análise foi a

“Dialética do Esclarecimento”7, de Adorno e Horkheimer. Esse livro, escrito nos primeiros anos da

década de quarenta, na diáspora dos intelectuais judeus pelos Estados Unidos, publicado em

Amsterdã, na Holanda, em 1947, abordava em seu primeiro ensaio, “Conceito de Esclarecimento”,

a análise das categorias “dialética da razão” e “crítica da razão instrumental”, duas categorias que

se vinculavam intimamente à trajetória suspeita da razão iluminista. A razão utópica dos primeiros

pensadores modernos (Bacon, Galilei, Descartes e outros) que, através da lógica da ciência

experimental e das idéias claras e distintas do cogito, prometia acabar com as trevas do atraso

medieval e propiciar dias melhores e mais prazerosos aos homens ...; a razão emancipadora de

Kant, que incitava o homem a superar sua menoridade, a ousar falar com a própria boca ...; a razão

iluminista, com o subseqüente desenvolvimento da ciência e com a sua progressiva submissão aos

interesses do capital, foi progressivamente apagando o sonho utópico e afirmando sua dimensão

instrumental; a ratio se fez mito, perdeu sua força, deixou-se parametrizar pelo número, cálculo,

função, utilidade. Ela precisa ser duramente criticada, por dentro de si mesma, de sua história; urge

cobrar-lhe insistentemente a promessa feita nos tempos idos e que ainda está presente, mesmo que

sufocada, no bojo de sua instrumentalidade.

As outras duas categorias “cultura/formação cultural” e “indústria cultural” também foram

estudadas mais diretamente nesse primeiro projeto. Para entender o conceito de indústria cultural

nos dirigimos a dois textos básicos: “Indústria cultural: o esclarecimento enquanto mistificação das

massas”8, 1947, de Adorno e Horkheimer, um dos fragmentos da Dialética do Esclarecimento, e

“Indústria Cultural”9, de Adorno, publicado em 1967, um resumo comentado do ensaio de 1947, em

que o autor ratifica as principais teses lá presentes. Muito densos esses dois textos, particularmente,

o primeiro, em que o fenômeno da indústria cultural americana dos anos 40 é esmiuçado em seus

diferentes tentáculos e analisado demoradamente em suas múltiplas manifestações. E como esses

textos são atuais! A cultura dos anos 2000 continua, e com maior intensidade ainda, conferindo a

tudo — como diziam os antigos frankfurtianos nos anos 40 — um ar de semelhança. E a categoria

“indústria cultural”, pela sua ambigüidade (por reunir em si dois termos contraditórios, cultura e

indústria, e por ser e não ser, ao mesmo tempo, cultura e indústria), pela sua universalidade e

atualidade, se tornou um referencial imprescindível nas pesquisas de nosso grupo para se analisar a

educação e a cultura dos dias de hoje.

7 ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1985. 8 ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como mistificação das massas”. In Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos, pp. 113-156. 9 ADORNO, T.W. “Indústria Cultural”. Tradução de Amélia Cohn. In COHN, G. Theodor W. Adorno. Sociologia, São Paulo: Ática, 1986, pp. 92-99.

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Mas como entender o significado da categoria “indústria cultural”, sem entender o conceito

de “cultura” (Bildung, em alemão)? Além dos ensaios sobre indústria cultural, em que, por

contraposição, o sentido de cultura vai sendo construído progressivamente, um outro texto se tornou

necessário: “Teoria da Semiformação”, de Adorno, escrito em 1959. O pensador frankfurtiano sente

a urgência de teorizar sobre essa realidade, pela sua presença perversa e abrangente nas

manifestações culturais e educacionais dos tempos contemporâneos. A cultura se transformou em

semicultura. Esta não é o meio do caminho (semi) para se alcançar o momento pleno da cultura; é

antes seu óbice imediato, sua ameaça de limite intransponível. É, ao mesmo tempo, deformação e

impedimento para a realização da cultura. A tensão entre a autonomia do sujeito e sua integração na

sociedade, constituintes da categoria Bildung, se atrofia pela sua quase total adaptação ao real,

enredada nas teias da Halbbildung (semiformação).

Este ensaio adorniano, um dos mais estudados pelo grupo de pesquisa, preocupado com

problemáticas educacionais, deu-nos origem a uma das experiências mais fascinantes, a tradução de

textos de outras línguas. Benjamin já nos teria dito: A tarefa de traduzir é liberar na própria língua

aquela língua pura, que está exilada na estrangeira. Uma mestranda em educação precisava

estudar melhor os conceitos de cultura e formação e começou a traduzir, do espanhol para o

português, o texto, “Teoria de la pseudocultura”. Depois de muito esforço e tentativas passou a seu

orientador a primeira versão do texto. Percebeu aquele que a tradução carecia de alguns reparos

para se tornar mais condizente com a versão castelhana e a refez em seu conjunto. Outro colega do

grupo, mais experiente nesse métier, retomou o texto, traduzido do espanhol, foi direto à versão

original alemã, Theorie der Halbbildung, re-elaborou a tradução como um todo e apresentou-a aos

colegas do grupo de pesquisa. O estudo coletivo do texto, nas reuniões do GEP, sugeriu ainda

pequenas mudanças na versão. Estava pronta a tradução da “Teoria da Semicultura”10 de Theodor

Adorno. E depois dela vieram muitas outras traduções11.

Do estudo dessas primeiras categorias-chave utilizadas pelos teóricos críticos e da

preocupação constante em perscrutar as questões educacionais sob o enfoque dessas categorias, foi

elaborado um conjunto de produções científicas, entre elas, “Teoria Crítica e Educação”. Este

ensaio, enquanto sistematização inicial dos primeiros dois anos de estudos sobre a temática, se

10 Teoria da Semicultura foi traduzida por Cláudia Barcellos de Moura Abreu e Bruno Pucci (do espanhol) e por Newton Ramos de Oliveira (do alemão), em 1992. Foi publicada pela Revista Educação e Sociedade, nº 56, dezembro de 1996, pp. 388-411. Atualmente há uma versão melhorada do ensaio, com o nome Teoria da Semiformação, feita por Newton Ramos de Oliveira e pelos colegas da UFSCar, ainda inédita. 11 Newton Ramos de Oliveira, em 1992, já tinha traduzido do alemão outros ensaios de Theodor Adorno: “O que significa assimilar o passado” (19 páginas), “Tabus a respeito do professor” (20 páginas) e Notas marginais sobre teoria e prática” (23 páginas). Hoje em dia são mais de quarenta os ensios e artigos traduzidos por nosso Grupo de Pesquisa, particularmente por Newton Ramos de Oliveira, Antônio Álvaro Soares Zuin e Fábio Durão.

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pautava por dois objetivos específicos: um primeiro, para reforçar o itinerário científico-ideológico

do autor: compreender a teoria crítica no contexto do materialismo histórico, mas ressaltando-lhe a

singularidade; o outro, extrair da teoria crítica contribuições para se entender a educação enquanto

um processo de formação. “Teoria Crítica e Educação” foi uma expressão tímida de um iniciante

nos mistérios dos escritos frankfurtianos. As marcas da filosofia da práxis, gramsciana, percorre o

ensaio do início até o fim. A necessidade de dar seqüência à síntese hegeliana determina o

desenvolvimento da dialética no decorrer do texto; era preciso apresentar saídas para a educação a

partir da teoria crítica; nem que fossem apenas eixos de ação. “Teoria Crítica e Educação”, antes de

ser publicada, foi apresentada em eventos científicos, foi lida e analisada em alguns programas de

mestrado em educação e as contribuições de seus leitores e críticos ajudaram a melhorar o texto,

inclusive sugerindo-lhe uma conclusão, pois, sem ela, parecia rabicurto. Em 1995 tornou-se um dos

capítulos do livro “Teoria Crítica e Educação: a questão da formação cultural na Escola de

Frankfurt”12, editado pela VOZES. O livro já teve três edições e uma reimpressão.

O outro momento que orientou o primeiro projeto de pesquisa (agosto/91 a fevereiro/94)

tinha a ver com o pedagogo canadense Henry Giroux. Assim, pomposamente, se intitulava:

“Análise de algumas categorias, potencialmente pedagógicas, que se fundamentam na Teoria crítica

e que servem de referencial teórico na construção de uma teoria da pedagogia radical: a proposta de

Henry Giroux”. Tomamos como análise três obras suas publicadas no Brasil de 1983 a 1987:

“Pedagogia Radical”, “Teoria Crítica e Resistência em Educação” e “A escola crítica e a política

cultural”13. Giroux se utilizava das categorias (crítica dialética, cultura, ideologia, resistência, entre

outras) inspiradas nos autores clássicos frankfurtianos (Adorno, Horkheimer e Marcuse), para

fundamentar sua proposta de uma pedagogia radical.

Giroux fez-nos voltar com mais atenção e persistência aos autores clássicos frankfurtianos.

Tínhamos a mesma intenção dele: estudar as categorias desses pensadores para delas extrair

contribuições para a educação. Ele, porém, foi mais ousado. Buscou nessas categorias subsídios

teóricos para elaborar a proposta de uma nova pedagogia. A análise atenta de como Giroux lidava

com as categorias frankfurtianas nos colocou um dilema. Percebíamos que os pensadores da Teoria

Crítica, particularmente Adorno, no conjunto de seus escritos, através dessas categorias,

enfatizavam o momento do diagnóstico, da negatividade, na intenção de mostrar que era preciso,

mais que nunca, “interpretar o mundo”, que as perspectivas de transformações radicais estavam

12 PUCCI, B. “Teoria Crítica e Educação”. In PUCCI, B. (Org.), Teoria Crítica e Educação: a questão da formação cultural na Escola de Frankfurt. Petrópolis: VOZES/EDUFSCar, 1995. 13 GIROUX, H. Pedagogia Radical. Tradução de Dagmar Ribas. São Paulo: Cortez, 1983; GIROUX, H. Teoria Crítica e resistência em Educação: para além das Teorias da Reprodução. Tradução de Ângela Maria B. Biaggio. Petrópólis: VOZES, 1986; GIROUX, H. A Escola Crítica e a Política Cultural. Tradução de Dagmar Ribas. São Paulo: Cortez, 1987.

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suspensas, adiadas, pelo poder onipresente do sistema totalitário que administrava com mil olhos a

sociedade vigente. De outro lado, Giroux, preocupado com as questões da educação e da formação

cultural dos homens das sociedades avançadas tecnologicamente, se utilizava dos frankfurtianos,

perspicazes analistas dessas mesmas sociedades, para extrair deles uma proposta de transformação

radical da educação. Começamos a perceber que a maneira como líamos os frankfurtianos era

diferente da maneira como Giroux os lia e deles se servia. Percebemos que Giroux — não

encontrando diretamente nas categorias frankfurtianas a contradição dialética hegeliana, que exigia

de si mesma uma teoria e uma práxis conseqüente, na busca da síntese de uma nova realidade —

decidiu fertilizar os pensadores da teoria Crítica com elementos teóricos e orgânicos de Gramsci e

de Paulo Freire. E assim foi-lhe possível apresentar a proposta de uma pedagogia radical.

Durante o percurso deste primeiro projeto, Zuin colaborou de perto comigo no diálogo com

Giroux e juntos, produzimos um livro, publicado posteriormente pela Editora da UNIMEP, na série

‘Teoria Crítica’, com o título “A Pedagogia Radical de Henry Giroux: uma crítica imanente”14.

Observamos que Giroux, de um lado, faz uma leitura crítica e criativa dos pensadores

frankfurtianos, incorporando/assimilando categorias, idéias, expressões, citações, ressaltando-lhes

os aspectos dialéticos, nem sempre explícitos, questionando-lhes eventuais paradoxos e

contradições lógicas. O trabalho de Giroux se apresenta como o de um ideólogo da educação, na

tentativa de socializar teorias descobertas pelos frankfurtianos e por outros, aplicando-as à

caracterização de uma pedagogia que dê conta da educação dos trabalhadores, dos negros, das

minorias. Por outro lado, se no discurso ideológico de Giroux está sua contribuição à educação,

pode estar também sua debilidade. A pouca profundidade das análises, as soluções fáceis e

apressadas para resolver questões complexas, seu pragmatismo pedagógico, manifestações de

idealismo, de voluntarismo, foram algumas das questões que, no transcorrer do livro, continuamente

apresentamos a Giroux.

É oportuno destacar que em fevereiro de 1994, ao terminar o primeiro projeto de pesquisa,

o GEP ‘Teoria Crítica e Educação’ estava constituído por oito pesquisadores: dois doutores, três

mestres, um mestrando, uma bolsista de aperfeiçoamento e uma bolsista de iniciação científica. As

produções realizadas pelos pesquisadores, individualmente, só tiveram condições de vir à luz pela

participação de cada um no grupo de reflexão e busca, em que se conseguiu articular os interesses

do projeto básico com os interesses dos projetos pessoais. Formou-se um “círculo de cultura”, no

sentido gramsciano do termo, em que, em torno do projeto originário, os participantes articulam

leituras, reflexões e projetos específicos. As reuniões semanais, os momentos de estudos e de

14 PUCCI, B. e ZUIN, A. A. S., A Pedagogia Radical de Henry Giroux: uma crítica imanente. Piracicaba: Editora da UNIMEP, 1999.

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produção se organizam tendo como estímulo e suporte a crítica colegiada, a discussão construtiva e

a produção coletiva na busca da elevação do nível médio dos trabalhos individuais e contribuindo

para a criação de um grupo homogêneo de intelectuais. Foi possível, com esse trabalho coletivo,

ampliar o acervo de artigos, textos, extratos, revistas, livros que tratam de perto da problemática em

estudo e desenvolver, junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar, uma linha de

pesquisa, que prometia gerar frutos.

O novo projeto de pesquisa “O potencial pedagógico da Teoria Crítica II” (março de 1994

a fevereiro de 1996) levou em consideração o momento do GEP, relacionando as atividades de

pesquisa ao aprofundamento de questões que preocupavam os participantes. À medida que

avançamos os estudos sobre os pensadores frankfurtianos (Adorno, Horkheimer e Marcuse), fomos

percebendo como era forte neles a influência de Kant e Hegel. A exemplo de outros chamados

“marxistas ocidentais”, como Lukács, Korsch, e em contraposição ao funcionalismo e ao

dogmatismo dos partidos marxistas hegemônicos e de seus intelectuais, voltaram-se eles

criticamente para Kant e Hegel para resgatar a importância da subjetividade e fortalecer a convicção

nos elementos ativos da razão iluminista, sem deixar de criticá-la acerbamente. Porque então não

conhecer um pouco mais Hegel e Kant e tentar perceber a leitura que os pensadores de Frankfurt

fizeram desses teóricos? As questões que nos colocamos foram as seguintes: que contribuições

Adorno, Horkheimer e Marcuse receberam de Kant e Hegel no desenvolvimento de suas reflexões

sobre a formação educacional/cultural do homem? Como articularam concepções idealistas e

muitas delas a-históricas em suas concepções de mundo?

Durante o desenvolvimento desse primeiro eixo, lemos e analisamos diversos textos em que

o diálogo crítico dos frankfurtianos com Kant e Hegel são tensos e constantes; “Dialética do

Esclarecimento”, de Adorno e Horkheimer, “Razão e Revolução”, de Marcuse15”; “Terminologia

Filosófica16” e extratos da “Dialética Negativa”, de Adorno. Enquanto professor da disciplina

“Fundamentos filosóficos e históricos da Educação II”, na Pós-graduação em Educação da UFSCar,

introduzi dois novos seminários no rol dos clássicos: um sobre Kant e o outro sobre Hegel. Ainda

mais, no primeiro semestre de 1994, na disciplina optativa “Estudos avançados em Filosofia da

Educação”, ousamos, em conjunto com alunos do Pós-graduação e do GEP, ler e analisar “Crítica

da Razão Pura”, de Kant. E no segundo semestre desse mesmo ano, “A Fenomenologia do

15 MARCUSE, H. Razão e Revolução: Hegel e o advento da Teoria Social. Tradução de Marília Barroso . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª edição, 1988. 16 ADORNO, T. W., Terminologia Filosófica – Tomo I. Versión castellana de Ricardo Sanchez Ortiz de Urbina. Madrid:Taurus, 1976; ADORNO, T. W., Terminologia Filosófica – Tomo II. Versión castellana de Ricardo Sanchez Ortiz de Urbina. Madrid:Taurus, 1977;

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Espírito”, de Hegel. E essas leituras, por difíceis que foram, nos fizeram muito bem. Sinto hoje

dispor de pouco tempo e condições para poder refazer semelhante experiência. Ainda estou devendo

um artigo sobre os encontros de Kant e Hegel com os pensadores clássicos frankfurtianos, como

tinha prometido no projeto de pesquisa aprovado pelo CNPq17.

Optamos ainda, no segundo eixo deste projeto, continuar os estudos sobre as categorias

“cultura” e “indústria cultural”, por alguns motivos históricos, entre os quais o fato de essas

categorias fundamentarem teoricamente a maioria das pesquisas que os membros do GEP estavam,

nesses anos, 1993-95, desenvolvendo, e também por elas possuírem em si mesmas um potencial

pedagógico denso e expressivo. Levantamos uma série de questões que deveriam iluminar nosso

caminho, entre as quais: não seria necessário um entendimento mais preciso do conceito de

“cultura” e de outros afins semicultura, civilização, formação cultural, indústria cultural para

compreender as contribuições educacionais presentes nos escritos adornianos?

Os estudos desenvolvidos nesse período, sob a luz dos dois eixos teóricos, nos propiciaram

a produção e a publicação de uma série de artigos científicos18. Mas o que mais nos alegrou foi a

edição do primeiro livro, “Teoria Crítica e Educação: a questão da formação cultural na Escola de

Frankfurt”. Na Reunião Anual da ANPEd de 1993, Tomaz Tadeu da Silva, editor da Revista

“Teoria & Educação”, convidou o nosso GEP a organizar um número da referida revista sobre a

temática ‘Teoria Crítica e Educação’. Embora estivéssemos dando os primeiros passos nessa

vereda, desconhecida ainda para nós, aceitamos o desafio. Era uma oportunidade ímpar que não

podíamos perder. E, com a participação do pesquisador alemão, Werner Markert, na ocasião,

professor visitante da UFRJ, e estudioso dos frankfurtianos, particularmente de Habermas,

preparamos um número especial para ser editado. Ao terminar o trabalho, fomos surpreendidos pela

informação de que a revista deixara de existir, após a publicação de excelentes coletâneas de

temáticas educacionais contemporâneas. Em compensação, Tomaz Tadeu se prontificou a entrar em

contato com a Editora VOZES e apresentar nossa coletânea para ser publicada. Ele mesmo aceitou

escrever a Apresentação e discutiu conosco o título do livro. E todo vestido de verde e amarelo,

17 Neste ano de 2004, Francisco Fontanella, docente do PPGE/UNIMEP, a pedido do GEP ‘Teoria Crítica e Educação’, traduziu, do alemão, o curso de Adorno sobre “A crítica da Razão Pura, de Kant”. 18 Enumero-os, a seguir: PUCCI, B. “Teoria Crítica e produção do conhecimento no processo educacional”. In Markert, W. Trabalho, qualificação e politecnia. Campinas, Papirus, 1996, pp. 39-52 (capítulo de livro); PUCCI, B. e ZUIN, A. A. S. “Adorno, Horkheimer e Giroux: a ideologia enquanto instrumento pedagógico crítico”. In Revista Perspectiva. Florianópolis, UFSC, vol19, 1995:47-66; PUCCI, B. “Teoria Crítica e formação do educador”. In Impulso: Revista de Ciências Sociais e Humanas. Piracicaba, UNIMEP, vol 9, 1996:7-18; PUCCI, B. “Teoria da Semicultura: elementos para uma proposta educacional”. In Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, USCS, vol.3 1995:33-44.

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como integrante da Coleção ‘Ciências Sociais da Educação’, em março de 1995 veio à luz o

primeiro rebento de nosso GEP19.

Neste segundo projeto, o GEP teve a participação de 13 pesquisadores: dois doutores, cinco

doutorandos em Educação, um mestrando, duas bolsistas de aperfeiçoamento e três bolsistas de

iniciação científica do CNPq. É importante observar que os quatro primeiros mestres do GEP

ingressaram no doutorado em outras universidades que não a UFSCar; a bolsista de

Aperfeiçoamento ingressou no mestrado na PUC-SP. Outro aspecto que deve ser enfatizado foi a

mudança que começamos a desenvolver na orientação dos bolsistas de aperfeiçoamento e de

iniciação científica. De agosto de 1991 até fevereiro de 1995, esses bolsistas eram apenas auxiliares

de pesquisa. Participavam das reuniões do GEP, liam os textos exigidos, faziam resumos dos

mesmos, ajudavam seus orientadores nos diversos momentos da pesquisa. A partir de março de

1995, cada bolsista tinha sua temática específica de pesquisa e, além das atividades de leitura e de

análises de textos para as reuniões, tinha uma série de leituras específicas referentes à temática de

sua pesquisa, era obrigado a fazer o resumo desses textos, a encontrar as palavras-chave, a

selecionar as expressões-chave e entregar no final de cada ano uma monografia científica20. E no

ano seguinte apresentava sua monografia no Congresso de Iniciação Científica da UFSCar.

À medida que, em 1994-1995, fomos desenvolvendo coletivamente as atividades de pesquisa, lendo

e debatendo livros, especialmente de Adorno, ainda por nós não estudados, como “Minima

Moralia21”, “Dialética Negativa22”, “Teoria Estética23”, alguns ensaios sobre a música e

19 PUCCI, B. (Org.). Teoria Crítica e Educação: a formação cultural na escola de Frankfurt. Petrópolis, VOZES-EDUFSCar, 1ª edição em março de 1995, 2ª edição em agosto desse mesmo ano. A coletânea contém ensaios de 04 integrantes do GEP: Newton Ramos de Oliveira, “A Escola, esse mundo estranho”; Antônio Àlvaro Soares Zuin, “Seduções e Simulacros – considerações sobre a Indústria Cultural e os paradigmas da Resistência e da Reprodução”; Belarmino César Guimarães da Costa, “Indústria Cultural: análise crítica e suas possibilidades de revelar ou ocultar a realidade”; Bruno Pucci, “Teoria Crítica e Educação”. Outros pesquisadores vinculados, na ocasião, a nosso GEP — Wolfgang Leo Maar (UFSCar), Werner Markert (UFRJ) e Nadja Hermann Prestes (UFRGS) — publicaram artigos na coletânea. 20 No final do segundo projeto, fevereiro de 1996, Simone do Carmo Vian (aperfeiçoamento) redigiu a monografia “A psicologia profunda e o resgate das dimensões subjetivas presentes nas categorias cultura e formação cultural”; Alessandra Mesquita redigiu “A indústria cultural deforma ou apresenta possibilidades emancipatórias?” (iniciação científica); Keila Batista de Melo “Formação cultural X Indústria cultural: suas potencialidades pedagógicas (iniciação científica). Newton Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro Soares Zuin auxiliaram Bruno Pucci na orientação dos bolsistas. 21 ADORNO, T. W. Minima Moralia: reflexões a partir da vida danificada. Tradução de Luiz Eduardo Bicca. São Paulo: Ática, 1992. 22 ADORNO, T. W. Dialéctica Negativa. Versión castellana de José Maria Ripalda. Madrid: Taurus, 1976. 23 ADORNO, T. W. Teoria Estética. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1992.

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literatura24”, e entrando em contato com comentaristas de Adorno, como Susan Buck-Morss25, Marc

Jimenez26, Rodrigo Duarte27, começamos a perceber novas perspectivas, como por exemplo, que

existiam outros pensadores que tinham influenciado diretamente a construção do pensamento de

Adorno, como Husserl, Schönberg e, particularmente, Benjamin; e que, ao invés de mapear passo a

passo as inúmeras contribuições desses pensadores, era antes salutar o resgate das categorias que

iam delineando o modo de pensar de Adorno, e no interior dessas categorias, por oposição ou

incorporação crítica, visualizar os vestígios desses pensadores. Foi com esse espírito que iniciamos,

em março de 1996, o projeto “O potencial pedagógico da Teoria Crítica III” (até fevereiro de 1998).

A presença de Walter Benjamin na formação filosófica e estética de Adorno se nos tornava

cada vez mais evidente. A recíproca também nos parecia verdadeira. Resolvemos, então, nos deter

um pouco mais nas leituras analíticas de textos de Benjamin e de Adorno para detectar essas

influências. Num primeiro momento observamos mais de perto o diálogo de Benjamin e Adorno na

construção de suas concepções de filosofia e de arte. Num segundo momento, começamos a

investigar questões relacionadas à educação estética nos escritos de Adorno: como ver a estética

não apenas como manifestação do belo, mas sobretudo como um momento fundamental do

processo do conhecimento; ao mesmo tempo, como a dimensão estética pode ajudar a filosofia a

expressar melhor os seus conceitos, graças a seu potencial crítico e mimético; a ambigüidade da

educação dos sentidos na era do capitalismo tardio. De um lado, como se processa na civilização

contemporânea a regressão/deformação dos sentidos? Por outro lado, pode a experiência estética

ajudar-nos no processo de uma re-educação crítica dos mesmos?

O ingresso de Benjamin nos estudos do GEP nos trouxe de vez o interesse pela estética,

sem deixar de lado a filosofia. A presença de Newton Ramos de Oliveira, formado em Letras e

amante da literatura e da arte, nos orientava fecundamente nesses estudos28. Nas reuniões

quinzenais do GEP, em 1996 e semanais, em 1997, passamos a ler e analisar textos estéticos de

24 ADORNO, T. W. “Sobre música popular” e “O ensaio como forma”. In COHN, G. Theodor W. Adorno. Sociologia. São Paulo: Ática, 1986, pp. 115-146 e 167-187. ADORNO, T. W. “O fetichismo da música e a regressão da audição. In Horkheimer/Adorno: textos escolhidos, Col. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1191, pp. 79-106. ADORNO, T. W. A Arte é alegre? Tradução de Newton Ramos de Oliveira. 1997 (publicação interna). 25 BUCK-MORSS, S. Origen de la dialéctica negativa: Theodor W. Adorno, Walter Benjamin y el Instituto de Frankfurt. Tradução de Nora Rabotnikof Maskivker. México: Siglo veintiuno, 1981. 26 JIMENEZ, M. Para ler Adorno. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editores, 1977. 27 DUARTE, R. Mímesis e racionalidade: a concepção de domínio da natureza em Theodor W. Adorno. São Paulo: Loyola, 1993; DUARTE, R. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997. 28 Luiz Hermegildo Fabiano, licenciado em Letras, se propunha em seu projeto de doutorado trabalhar a problemática da estética e da educação.

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Adorno e de Benjamin29. O GEP, nesse terceiro projeto cresceu em número de participantes30, e

também em número de produções científicas31. Entre as principais quero destacar a publicação de

nosso segundo livro coletivo “A Educação danificada: contribuições à Teoria Crítica da

Educação32”, pela VOZES em co-edição com a EDUFSCar, em janeiro de 1998. A coletânea,

organizada pelos pesquisadores da UFSCar, divulga estudos desenvolvidos pelo GEP no projeto

anterior sobre as temáticas Indústria Cultural, semiformação, educação crítica33.

Foi nos anos 1996-1997 que Newton Ramos de Oliveira iniciou a tradução do difícil livro

de Adorno, “Dialética Negativa”. Inicialmente as traduções dos aforismos do livro tinham uma

finalidade caseira: eram elaboradas para serem estudados nas reuniões semanais. Muitas vezes

ocupávamos as duas horas da reunião para ler e analisar apenas um aforismo. Mas valia a pena! A

forma de Adorno escrever e apresentar sua dialética se transformava em desafios quase insuperáveis

para os leitores; as surpresas se sucediam e exigiam novas retomadas; os participantes das reuniões

ensaiavam interpretações. Contribuições para aperfeiçoar expressões ou frases traduzidas eram

29 Os principais textos benjaminianos por nós analisados: BENJAMIN, W. “Pequena História da Fotografia”; “Experiência e Pobreza”; “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”; “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”; “Sobre o conceito de História”. In Magia Técnica, Arte e Política: ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas, Volume I. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 6ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1993, pp. 91-107; 114-119; 165-196; 197-221; 222-234. BENJAMIN, W. “Sobre alguns temas em Baudelaire”. In Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Obras Escolhidas III. Tradução de José Carlos Martins Barbosa e Hermerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1995, pp. 103-150. 30 Neste terceiro projeto, o GEP era constituído por 21 pesquisadores: 2 doutores, 4 doutorandos, 7 mestrandos, 8 graduandos, com sedes na UFSCar e na UNIMEP. 31 Enumero algumas: Newton Ramos de Oliveira, tradutor de “Helmut Peurkert, Problemas básicos de uma Teoria Crítica da Educação. Revista Educação e Sociedade, Campinas, Papirus, nº 56, dez. 1996:412-430; Bruno Pucci, A regressão/educação dos sentidos na Dialética do Esclarecimento. Trabalho apresentado no Colóquio “Luzes da Arte”, Belo Horizonte: UFMG, 1997 e publicado In DUARTE R. e FIGUEIREDO, V. (Orgs.). Luzes da Arte. Belo Horizonte: Editora Ópera Prima, 1999, pp. ; Newton Ramos de Oliveira, Formação, alteridade e educação. In IMPULSO - Revista de Ciências Sociais. Piracicaba, UNIMEP, nº 19, 1996:19-28; Bruno Pucci, Theodor W. Adorno: elementos para uma filosofia negativa aplicada à educação. In Ghiraldelli, P. Jr. e PRESTES, N. H. Filosofia, sociedade e educação. UNESP-Marília, 1997. 32 PUCCI, B., RAMOS de OLIVEIRA, N. e ZUIN, A. A. S. (Orgs.). A Educação danificada: contribuições à Teoria Crítica da Educação. Petrópolis, VOZES-EDUFSCar, 1ª edição janeiro de 1998 e 2ª edição novembro de 1998. A coletânea apresenta 06 ensaios de pesquisadores do GEP Teoria Crítica e Educação: Newton Ramos de Oliveira, “Reflexões sobre a educação danificada”; Bruno Pucci, “A teoria da semicultura e suas contribuições para a teoria crítica da educação”; Antônio Álvaro Soares Zuin, “A indústria cultural e as consciências felizes: psiques reificadas em escala global”; Wagner Luis Weber, “O mosquito na vidraça: a formação dos cidadãos à luz da teoria crítica da Escola de Frankfurt”; Luiz Hermenegildo Fabiano, “Indústria cultural e educação estética: reeducar os sentidos e o gesto histórico”; Belarmino César Guimarães da Costa, “Comunicação mediática no processo de mundialização da cultura”. Outros 04 ensaios da coletânea são de pesquisadores que se relacionavam cientificamente com o GEP: Wolfgang Leo Maar (UFSCar), Henrique Garcia Sobreira (UERF), Nadja Hermann Prestes (UFRGS) e Eldon Henrique Mühl (Universidade de Passo Fundo, RS). 33 No processo de co-edição do livro, a Editora da UFSCar se encarregaria da composição, edição e produção gráfica. Por falta de verba na EDUFSCAR, os três organizadores do livro tiveram de bancar os custos.

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enumeradas. No interior de uma tensa reflexão filosófica, Adorno introduzia elementos estético-

musicais que transformavam seus fragmentos em sinfonias dissonantes. E o grupo crescia com a

ajuda das traduções da Dialética Negativa. Nos dias de hoje, aquilo que servia apenas para aquecer

as leituras e análises dos membros do GEP já se torna uma promessa de vida: com a ajuda de Fábio

Durão, a tradução caminha para sua fase final com fins à divulgação editorial.

Foi no transcorrer desse terceiro projeto que o GEP, desde 1996 também com sede na

UNIMEP, iniciou o processo de organização de um primeiro evento científico de cunho nacional

para reunir pesquisadores que navegavam nas águas ainda não passadas da Teoria Crítica. Com o

objetivo de “promover um debate sobre a dimensão ética e estética na era da globalização à luz do

pensamento adorniano, em diálogo com seus colegas que constituem historicamente o pensamento

frankfurtiano (Horkheimer, Benjamin, Marcuse, Habermas ), bem como com seus críticos tanto nos

quadros da modernidade como da pós-modernidade, realizamos na UNIMEP, em junho de 1998, o

Colóquio Nacional “O ético, o estético, Adorno34”.

Um grupo de pesquisa cresce muito com a organização de um evento de caráter nacional.

Ele se abre para o exterior de si mesmo, expõe suas vísceras, busca diálogo, pede ajuda, apresenta

suas produções, suas limitações. O processo de organização é coletivo, vagaroso e formativo: a

escolha do tema, do nome do evento, dos conferencistas, dos temas orientadores das comunicações,

a elaboração de um projeto para solicitar o apoio da FAPESP, a seleção das comunicações enviadas

pelo comitê científico, os preparativos imediatos, o processo da realização do colóquio. Trabalho de

muitas mãos e mentes e também de muitos corações. Trinta e seis Comunicações de pesquisas,

provindas de 16 universidades de sete estados brasileiros, aceitaram o convite para apresentar e

debater seus estudos na UNIMEP. Cinco grandes conferências geraram um debate intenso sobre a

temática central. Cerca de 120 pesquisadores se inscreveram como participantes do colóquio e

outras 100 pessoas participaram de alguma atividade científica. Pudemos constatar a presença de

grupos de pesquisas que investigavam os autores frankfurtianos em diversas universidade

brasileiras. Onze pesquisadores do GEP apresentaram conferências ou comunicações. A temática

escolhida representou o momento teórico em que o grupo vivia e a necessidade de buscar subsídios

34 Dois pesquisadores do GEP da UNIMEP se tornaram fundamentais na organização do primeiro Colóquio Nacional, bem como do GEP na UNIMEP: Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória, professor de psicologia social e doutorando na USP-SP, que pesquisava a problemática da ética na psicologia e Adorno e Horkheimer eram seus interlocutores primeiros; seu projeto de doutorado assim se intitulava “Dialética do Pensamento Ético na Psicologia” E Belarmino César Guimarães da Costa, professor de Estética nos cursos de Comunicação e doutorando na UNICAMP pesquisando a temática “Estética da Violência: jornalismo e produção de sentidos”, tendo como interlocutores primeiros Benjamin e Adorno.

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junto a outros pesquisadores. E quando o evento terminou, o GEP ‘Teoria Crítica e Educação’ já

não era o mesmo.

É importante apresentar ainda dois acontecimentos significativos para o GEP no transcorrer

de seu terceiro projeto de pesquisa: a elaboração de oito monografias científicas pelas bolsistas de

aperfeiçoamento e de iniciação científica35. E a estadia do doutorando Antônio Álvaro Zuin por seis

meses em Frankfurt, Alemanha, mediante convênio CAPES/DAAD–Serviço Alemão de

Intercâmbio Acadêmico, desenvolvendo pesquisas bibliográficas e temáticas no Instituto de

Pesquisa Social, casa-mãe dos frankfurtianos.

De março de 1998 a fevereiro de 2000, desenvolvemos o quarto projeto sobre o potencial

pedagógico da Teoria Crítica. Continuamos os estudos sobre os escritos de Adorno e suas

contribuições à educação. À semelhança da pesquisa anterior, avançamos por dois caminhos

diferentes, mas interligados metodologicamente: a filosofia e a literatura em Adorno. Nossa

hipótese primeira era que a filosofia de Adorno, pela sua especificidade, densidade e arte, tinha

muito a oferecer para se refletir sobre a educação/formação cultural nos dias de hoje. A questão

básica que colocamos, nesse momento, se aproximava da problematização que o autor frankfurtiano

fazia em uma de suas conferências de 1962, “Para que ainda a filosofia36?”: o que se poderia

entender, na contramão da atual sociedade administrada, por “auto-reflexão crítica”? Ao mesmo

tempo, é possível reconstruir, a partir do que fizeram com a filosofia da educação, sua teleologia

radical e emancipatória?

Em relação à temática presente neste eixo, publicamos artigos37, elaboramos traduções38,

apresentamos comunicações em eventos científicos. Mas o que mais tempo exigiu de nós e também

mais satisfação nos trouxe, foi a elaboração do livro sobre Adorno. Tínhamos assumido, no ano

35 Duas bolsistas de iniciação científica foram premiadas em apresentação de seus trabalhos em Congressos de Iniciação científica nesse momento de nossa pesquisa: Keyla Batista de Mello, “A indústria cultural e a educação estética em Walter Benjamin”, melhor trabalho de IC no IV Congresso de Iniciação Científica da UFSCar, 1996 e Suzana Aparecida Carvalheiro, “As influências de Walter Benjamin em Theodor Adorno no texto Minima Moralia”, V Congresso de Iniciação Científica da UFSCar, 1997. 36 ADORNO, T. W. Para que ainda a filosofia. Tradução de Newton Ramos de Oliveira. São Carlos: UFSCar, 2001 (publicação interna). 37 PUCCI, B. “Filosofia da Educação: para quê?”. In Perspectiva: Revista do Centro de Ciências da Educação, volume 16, fascículo 19, 1998, Florianópolis, pp. 23-44; PUCCI, B. “Sentido(s) da filosofia hoje”. In Educação & Filosofia. Revista Semestral da Faculdade de Educação/UFU, volume 14, números 27-28, 2000, pp. 67-80. 38 Newton Ramos de Oliveira continuou seu trabalho de tradução da Dialética Negativa e traduziu também um ensaio de Bonnie Burstow, “A filosofia sartreana como fundamento da Educação”, do inglês para o português, publicado em Educação e Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação no. 70, ano XXI, abril de 2000, pág. 80-126.

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anterior, 1997, um compromisso com o professor Antônio Joaquim Severino de escrevê-lo para ser

publicado pela VOZES, na coleção “Educação e Conhecimento”. Em 1998, no contexto do projeto

de pesquisa, Newton e eu, com a participação de Antônio Álvaro S. Zuin, iniciamos o processo de

construção do texto. Sua estrutura foi assim delineada e rigorosamente seguida: Introdução, breve

biografia de Adorno, categorias filosófico-educacionais adornianas (esclarecimento, dialética e

estética), desdobramentos educacionais das categorias filosóficas (formação cultural,

desbarbarização e reeducação dos sentidos) na perspectiva de uma educação emancipatória,

conclusão, um ensaio de Adorno (“Tabus a respeito do professor”), bibliografia comentada e

bibliografia de e sobre Adorno. Cada um se encarregou, inicialmente, de escrever os tópicos mais

próximos de sua experiência de pesquisa. Assim, Newton trabalhou a estética e a tradução do ensaio

“Tabus a respeito do professor”, Zuin escreveu sobre indústria cultural e aspectos psicológicos, eu

sobre aspectos filosóficos e estéticos, e todos colaboraram na produção dos aspectos educacionais.

Newton escreveu também a biografia, eu a bibliografia comentada e Zuin a bibliografia de e sobre

Adorno. Num segundo momento, cada um leu a produção do outro, interferiu nessa produção,

apresentou sugestões de mudanças, de complementos e o livro “Adorno, o poder educativo do

pensamento crítico” foi elaborado como resultado de um solidário trabalho coletivo. Foi publicado

no final de 1999 e alcançou sua terceira edição em 200139.

O outro eixo de pesquisa se nos apresentou como um desafio em nosso trajeto de

investigação científica: o da literatura. Adorno escreveu inúmeros ensaios sobre literatura. Foi ele

um ensaísta por opção. Em seu texto, “O ensaio como forma”40, assim apresenta sua maneira

preferida de expressar suas produções: O ensaio pensa aos solavancos e aos pedaços, assim como

a realidade é descontínua. (...) Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo que quer falar, diz

o que lhe ocorre, termina onde ele acha que acabou e não onde nada mais resta a dizer: assim ele

se insere entre os despropósitos. Um conjunto de ensaios seus estão coletados em quatro volumes

do livro “Notas de Literatura”, publicados entre os anos 1958 e 1965. O conceito “notas”, do título

geral do livro, se articula adequadamente ao de “ensaio”. A palavra “notas” indicia, por um lado, a

relação da literatura com a música (outra grande paixão de Adorno41), especialmente no sentido de

apreendê-la, na relação arte-filosofia, como um momento fundamental no processo do

39 ZUIN, A. A. S., PUCCI, B., RAMOS-DE-OLIVEIRA, N. Adorno: o poder educativo do pensamento crítico. Petrópolis: VOZES, 1ª edição, 1999, 2ª edição, 2000 e 3ª edição, 2001 . 40 Ensaio que abre sua coletânea “Notas de Literatura I”, traduzido por Flávio R. Kothe e publicado In COHN, G. Theodor W. Adorno. Sociologia. São Paulo: Ática, 1986, pp. 115-146. 41 Adorno estudou música em Viena nos anos 20, era compositor e mais da metade de suas obras publicadas pela Suhrkamp abordam questões relacionadas à música.

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conhecimento. Por outro lado, “notas” tem também o sentido de anotações, denota caráter

experimental, aproximações, tentativas. Neste segundo eixo (relação entre literatura e formação),

foram levantadas igualmente algumas hipóteses norteadoras da pesquisa, entre as quais: num

mundo administrado e de linguagem totalitária, a linguagem artística pode ser portadora de um

conteúdo real, vivo, ser possibilidade formativa?

Como desdobramento da pesquisa Newton Ramos de Oliveira traduziu dois ensaios de

“Notas de Literaturas” importantes para os estudos do GEP: “A arte é alegre?” e “Teses sobre arte e

religião hoje”42. Eu, impulsionado pelas análises estético-filosóficas de Adorno e Benjamin, e

mergulhado na experiência formativa da pós-graduação em educação, escrevi, a partir de 1998, uma

série de crônicas acadêmico-filosóficas, que foram publicadas na Revista “Comunicações”, do

PPGE/UNIMEP43.

Foi apenas em 1999 que veio à luz o livro “A Pedagogia Radical de Henry Giroux: uma

crítica imanente”, escrito por mim e por Zuin a partir do primeiro projeto de pesquisa. Tínhamos

terminado de escrevê-lo em 1995 e o encaminhamos à Editora Papirus, que manifestara interesse

em publicar um livro de nosso GEP. Depois de seis meses de espera, a editora nos informou que o

livro era bom, interessante, mas não estava nas temáticas estabelecidas como prioridade pela

política editorial. Encaminhamos, então, o livro para a Editora da UFSCar, que já tinha, em co-

edição com a VOZES, publicado nosso primeiro livro “Teoria Crítica e Educação: a questão da

formação cultural na Escola de Frankfurt”, 1995, e que, posteriormente, participaria também da

edição do livro “A Educação Danificada: contribuições à Teoria Crítica da Educação”, 1998, da

mesma maneira, em co-edição com a VOZES. O Conselho Editorial da EDUFSCar aprovou a

edição do livro, mas não consegui editá-lo por absoluta falta de verba. Já professor da UNIMEP, em

1997, encaminhei o livro para a Editora da UNIMEP, que, então, aprovou sua publicação, mas só

conseguiu editá-lo em 1999, na Coleção “Teoria Crítica”, por nós coordenada. Essa trajetória do

escrito sobre Henry Giroux mostra a dificuldade de se editar um livro no Brasil. É preciso

persistência, paciência e aceitar que um estudo, escrito nos anos 1991-1995, seja editado somente

04 anos depois, com o risco de perder sua atualidade e seu momento de vida. Foi o nosso primeiro

livro publicado pela Editora da UNIMEP e primou pela sugestiva capa alegórica e pela produção

editorial apurada. 42 Esses dois ensaios foram publicados no livro “Teoria Crítica, Estética e Educação”, organizados por Bruno Pucci, Newton Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro S. Zuin, publicado em 2001 pela Editora da UNIMEP em co-edição com Autores Associados e com apoio da FAPESP. 43 PUCCI, B. “Quando novos educadores caem do céu” (junho/98); “Para que serve o exame de qualificação” (junho/98); “Anotações sobre o ato de escrever: como se desfazer dos clichês” (junho/99); “Considerações extemporâneas acerca das metodologias qualitativas” (junho/2000); “Crônicas acadêmicas” (novembro/2000);

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O nosso GEP estava então constituído por 31 pesquisadores: 06 doutores, 06 doutorandos,

14 mestrandos e cinco bolsistas de iniciação científica44. O GEP se desenvolvia também na

formação de seus pesquisadores, que ingressavam no mestrado ou no doutorado, que defendiam a

tese de doutorado ou a dissertação de mestrado, e assim, qualificando-se mais, qualificavam

também o coletivo45. É fundamental ressaltar, nesse momento, o ingresso no GEP do prof. Renato

Franco, doutor em Teoria Literária, e professor do Departamento de Ciências Sociais da UNESP-

Araraquara. Renato e um grupo de orientandos seus, de mestrado e de iniciação científica, em 1998

começaram a participar das reuniões semanais do GEP na UFSCar. Estava lançada a primeira

semente para a criação de um subgrupo do GEP Teoria Crítica e Educação na UNESP-Araraquara,

fato que se deu março de 2001.

De março de 2000 a fevereiro de 2002, desenvolvemos o quinto projeto integrado “O

potencial pedagógico da Teoria Crítica V”. As temáticas filosofia, estética/literatura e educação,

que tanto nos seduziram no projeto anterior, nos desafiavam a avançar mais. Para o

desenvolvimento desse novo projeto destacamos três eixos condutores. O primeiro assim se

denominou: “Intervenção filosófica, expressão e práxis formativa”. De um lado se reafirmava o

objetivo específico de estudar, pesquisar e traduzir textos filosóficos de Adorno, em tensão e inter-

relação com a estética e a educação. De outro lado, apresentavam-se hipóteses, extraídas do

pensamento adorniano, que orientaram a pesquisa: “aquele que pensa opõe resistência; todo

pensamento impulsiona virtualmente em direção de um movimento negativo; todo pensamento

negativo é uma forma de intervenção, de práxis; a exposição estética é essencial à filosofia,

enquanto intervenção”.

No segundo eixo, “Dimensão artística como práxis formativa”, retomamos as diretrizes e

preocupações teórico-metodológicas anteriores para investigar a dimensão artística, em especial a

expressão e recepção de obras e textos literários. Levantamos algumas hipóteses de trabalho, entre

“Tenho uma leve impressão de que estou sendo vigiado!” (junho/2001); “Teoria crítica e educação: 10 anos de história e de sonhos” (novembro/2001). 44 Roselaine Rippa, bolsista de iniciação científica, foi premiada com menção honrosa no V Congresso de Iniciação Científica da Associação de Escolas Reunidas (ASSER), São Carlos, ano 2000, com o trabalho “Possíveis elementos para desentravar a Bildung”. 45 Durante o desenvolvimento deste projeto integrado, defenderam a tese de doutorado Antônio Álvaro Zuin (junho/98, UNICAMP), Luiz Hermenegildo Fabiano (maio/99, UFSCar), Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória (junho/99, USP-SP); Belarmino César G. da Costa defenderá sua tese de doutorado em agosto/99, (UNICAMP). Defenderam dissertação de mestrado Wagner Weber (1999, UFSCar), Nelson Polanca (1998/UFSCar), Holney Antônio Mendez (1998, UFSCar), Paulo Sérgio Bereoff (1998, UFSCar) – orientados por Bruno Pucci – e Sônia Mercedes Antunes da Silva (1998, UFSCar) – orientada por Newton Ramos de Oliveira. A bolsista de iniciação científica Suzana Carvalheiro, e a bolsista de aperfeiçoamento Lucy Mary Soares Valentim ingressaram no mestrado na UFSCar.

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as quais: “a linguagem e a literatura podem ser canais para romper o totalitarismo de um mundo

administrado que, ao se globalizar cada vez mais ampla e abrangentemente, mais se torna também

pensamento único e percepção empobrecida e empobrecedora”; “a não-finalidade da arte está em

escapar da coerção da autopreservação. A arte incorpora algo como liberdade no seio da não-

liberdade”.

Logo no início deste quinto projeto de pesquisa, realizamos o Colóquio Nacional “Dialética

negativa, estética e educação”(março de 2000). Foi a segunda grande experiência na organização de

um evento científico de porte nacional. Articulamos, em sua temática, as preocupações teóricas

básicas de nossa pesquisa no momento: filosofia (dialética negativa), estética/literatura e

educação/formação. Buscávamos apoios teóricos externos e substanciosos às nossas inquietações

internas. Foram apresentadas cinco conferências, quatro mesas redondas e cinqüenta e cinco

comunicações. Tivemos apoio da FAPESP46 e diálogo com pesquisadores provindos de trinta e uma

universidades de onze estados brasileiros. Os participantes de nosso GEP apresentaram a abertura

do evento, uma conferência, quinze comunicações e cinco trabalhos em mesas redondas. Um evento

dessa natureza deu fôlego e energia à caminhada científica e produtiva do GEP.

Outro detalhe importante de se realçar: a publicação de livros, capítulos de livros e artigos

de pesquisadores formados no interior do GEP e que o ajudaram durante muitos anos a construir sua

história. Apresento apenas os livros editados: Antônio Álvaro Soares Zuin publicou, em 1999, sua

tese de doutorado com o título “A indústria cultural e educação: o novo canto da sereia” (Autores

Associados/FAPESP); Paulo Sérgio Bereoff, 1999, dissertação de mestrado, “Experiência formativa

e educação física” (Editora UNISA); Divino José da Silva, 2001, tese de doutorado, “Ética e

Educação para a sensibilidade em Max Horkheimer” (Editora de UNIJUI); Luiz Antônio Calmon

Nabuco Lastória, Belarmino César G. da Costa e Bruno Pucci, 2001, “Teoria Crítica, Ética e

Educação47” (Autores Associados/Editora da UNIMEP/FAPESP); Antônio Álvaro Soares Zuin,

Newton Ramos de Oliveira e Bruno Pucci, 2001, “Teoria Crítica, Estética e Educação48” (Autores

Associados/Editora da UNIMEP/FAPESP); Antônio Álvaro Soares Zuin, 2002, “O trote na 46 O apoio da FAPESP a nossos projetos de pesquisa deu-se de diversas maneiras: apoio à realização de Colóquios Nacionais (1998, 2000 e 2002), apoio à pesquisa (1998-2000), apoio à publicação de três livros (dois em 2001 e um em 2002), participação no Projeto FAPLIVROS (2000-2001). 47 Neste livro-coletânea tivemos a participação dos seguintes pesquisadores do GEP: os três organizadores; artigos de: Bruno Pucci, “O gigante da globalização e as fundas das Minima Moralia”; Nelson Palanca, “Globalização: a difícil fuga do mundo administrado”; Luiz A. Calmon Nabuco Lastória, “Sentido ético da Psicanálise nos limites da crítica enquanto práxis possível”; Antônio A. Soares Zuin, “A indústria cultural globalizada e os prejuízos da formação”; Roberto Rondon, “Os desafios da Emancipação no atual momento da educação brasileira”; Paulo Sérgio Bereoff, “Educação Física e a semiformação do trabalho corporal”. 48 Neste livro-coletânea tivemos a participação dos seguintes pesquisadores do GEP: os três organizadores; artigos de:Newton Ramos de Oliveira, “Educação: pensamento e sensibilidade”; Luiz Hermenegildo Fabiano,

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universidade: passagens de um rito de iniciação (Cortez); Belarmino César Guimarães da Costa,

2002, tese de doutorado, “Estética da violência: jornalismo e produção de sentidos” (Autores

Associados/Editora da UNIMEP/FAPESP).

O terceiro eixo deste quinto projeto se apresentou como uma sistematização primeira de

nossos estudos sobre a “potencialidade pedagógica” da Teoria Crítica. Intitulou-se “elementos para

se pensar a contribuição da teoria crítica à educação”. O GEP, no décimo ano de sua pesquisa,

possuía um acervo de produção científica, quantitativo e qualitativo, que merecia ser analisado à luz

de seu objetivo primeiro: “conhecer mais a fundo as contribuições teóricas e metodológicas da

Teoria crítica e, a partir desses elementos, desvendar-lhes a potencialidade pedagógica”.

Propusemos algumas “orientações metodológicas” para se avançar nesse processo, entre as quais:

“a ambivalência interior da Teoria crítica (consciência da necessidade imperiosa de transformação

das relações sociais vigentes e, ao mesmo tempo, consciência da superioridade do poder dessas

mesmas relações sobre seus oponentes);as limitações das teorias afirmativas; a teoria crítica

enquanto práxis negativa da educação”.

Em relação a este eixo os quatro bolsistas de iniciação científica, em 2001, sob a orientação

de doutores e doutorandos, iniciaram um estudo sistematizado dos livros e artigos produzidos pelos

pesquisadores do GEP, e, durante um ano de investigação e análises, a partir de quatro temas

orientadores (filosofia, estética, educação e psicologia), produziram um rico material de análise e

quatro estudos monográficos sobre as contribuições da teoria crítica à educação49. Estamos, no

momento, a partir do estudo dos bolsistas e de um retorno à produção do GEP, nesses dez anos,

elaborando, coletivamente, coletâneas de textos que expressem a contribuição da Teoria Crítica à

educação50.

Realizamos no primeiro semestre de 2001 o I Seminário Interno do GEP “Teoria Crítica e

Educação” para analisar a experiência de grupo de pesquisa, sua produção, nos 10 anos de

existência, centralizada na temática Potencialidade Pedagógica da Teoria Crítica. O Seminário —

inicialmente apenas com os doutores pesquisadores, e depois, com todos os pesquisadores do grupo

“Bufonices culturais e degradação ética: Adorno na contramão da alegria”; Belarmino César Güimarães da Costa, “Indústria cultural, mediação tecnológica e o potencial crítico da arte”. 49 Naê P. P. Rodrigues. Psicologia e Teoria Crítica: contribuições para se pensar a educação. UNIMEP, 2002; Cristiane X. Pereira. Filosofia e Teoria Crítica: contribuições para se pensar a Educação. UNIMEP, 2002; Roselaine Ripa. Possibilidades de reeducação dos sentidos: contribuições da Teoria Crítica para a Estética. UFSCar, 2002; José Roberto Lemos. Educação e Escolarização: contribuições da Teoria Crítica. UFSCar, 2002. 50 Neste quinto projeto o GEP teve a participação de 39 pesquisadores: 08 doutores, 08 doutorandos, 14 mestrandos e 09 graduandos.

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— analisou e debateu a densa história do GEP, que se desdobrou no desenvolvimento de cinco

projetos de pesquisas, em significativa produção científica, na formação de novos pesquisadores

(iniciação científica, mestrandos, doutorandos), em socialização dos conhecimentos através da

participação em inúmeros eventos científicos, em apresentação de palestras, de cursos, em

organização de eventos nacionais, em intercâmbios frutíferos e formativos entre pesquisadores

seniores e iniciantes. No transcorrer desses dez anos, novos pesquisadores ingressaram no GEP,

novas temáticas de investigação e possibilidades de intervenção na área da educação e da cultura se

fizeram presentes, outras interlocuções científicas e intelectuais se estabeleceram e a produção do

GEP foi além do inicial caráter exploratório no entendimento da teoria crítica.

Diante de novas problemáticas impostas pelo capitalismo tardio, dentre elas as mediações

tecnológicas e as mudanças significativas no campo da produção técnica, do saber e da apropriação,

que suscitam novas investigações e novas teorizações, o GEP sentiu a necessidade de estabelecer

como centro de estudos, de elaboração de projetos de pesquisa e de intervenção educacional e

cultural, a temática “Técnica, cultura e formação”. Assim se expressa o documento final elaborado

pelo GEP: “A definição dessa temática passa pela compreensão de que a Escola de Frankfurt, na

condição de referência fundamental para refletir sobre as condições materiais e espirituais postas

pelo capitalismo tardio, coloca-se como uma matriz de pensamento que permite compreender os

nexos entre a fetichização da técnica, as condições de produção da cultura sob as determinações da

lógica da mercadoria e o processo de formação do indivíduo. Este eixo temático permite diferentes

abordagens sobre a técnica, cultura e formação, perpassa os horizontes da educação, da arte, da

filosofia, da comunicação, das ciências sociais, da psicologia e da literatura, gerando enfoques

múltiplos que não se esgotam nestas áreas, mas que partem delas pela origem dos pesquisadores do

GEP”51.

Sob a inspiração dessa nova temática, organizamos em junho de 2002, o Colóquio Nacional

“Tecnologia, cultura e formação ... ainda Auschwitz52” e enviamos ao CNPq um novo projeto de

pesquisa, “Tecnologia, Cultura e Formação53.

51 Cf. GEP “Teoria Crítica e Educação”, Técnica, cultura e formação , Piracicaba/São Carlos/Araraquara, 2001, p. 03. 52 Este colóquio nacional foi constituído por 05 conferências, 04 mesas redondas e 53 comunicações. Teve a participação de pesquisadores provenientes de 32 instituições de Ensino Superior, 160 inscritos. 16 pesquisa-dores do GEP apresentaram comunicações de suas pesquisas e quatro participaram como expositores nas mesas redondas. 53 O GEP Teoria Crítica e Educação é cadastrado no CNPq sob a coordenação de Bruno Pucci e a sub-coordenação de Newton Ramos de Oliveira. No último cadastramento do “Diretório dos Grupos de Pesquisa

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A história acima contada apenas expressa alguns momentos de uma

experiência densa e fecunda, individual e coletiva, de um conjunto de pessoas,

pesquisadores, que se interessaram pelos estudos da formação cultural e educacional

brasileira, à luz da Teoria Crítica da Sociedade. A história do GEP continua viva e

palpitante na produção de artigos, livros, eventos científicos, dissertações, teses, estágios,

bem como no dia a dia das pessoas que o constituem. Certamente que a leitura deste ensaio

por outros colegas do GEP proporcionará a rememoração de outros momentos frutíferos

desta história, por mim não observados. Na verdade, nunca conseguiremos com nossos

conceitos e palavras expressar a totalidade do fluir de uma história. Que as idéias aqui

apresentadas incentivem outros pesquisadores a contar os seus intensos momentos vividos

na busca e produção de conhecimentos e na construção de experiências e saberes.

Piracicaba, 02 de setembro de 2004.

no Brasil – CNPq”, maio de 2002, nosso GEP foi cadastrado com 12 doutores-pesquisadores, 09 doutorandos, 26 mestrandos e 07 graduandos, distribuídos por 08 Linhas de Pesquisas.