teoria crítica, novas tecnologias e educação: nos...

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Teoria Crítica, Novas Tecnologias e Educação: nos bastidores da informatização da universidade 1 . Soraia Maria dos Santos Pereira 2 e Bruno Pucci 3 Resumo: As novas tecnologias permeiam/ medeiam nossas relações econômicas, sociais, culturais, educacionais, políticas. Quando observamos o progresso de um país ou de uma organização, estamos supondo sua articulação imperiosa com a criação e/ ou emprego das tecnologias de ponta. Esta exposição se propõe apresentar e analisar a progressiva mediação das novas tecnologias em uma organização educacional superior e, apoiada nos pensadores da primeira geração da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer e Marcuse), questionar a linear vinculação do progresso das máquinas ao bem estar da humanidade, bem como o emprego indiscriminado dos instrumentais tecnológicos no interior de uma instituição educacional. Parte-se da hipótese de que a tecnologia quanto mais invade o espaço educacional, mais subjuga seus usuários a sua lógica operacional, sistemática e mecanicista e debilita sobremaneira o processo de formação dos educandos e dos educadores. Como criar mecanismos de proteção contra a necessidade irreversível da utilização das novas tecnologias no espaço acadêmico? Pensar em tecnologia atualmente é o que mais se faz, principalmente nas concernentes aos computadores. Um olhar mais apurado sobre este fato evidencia que o consumidor de serviços informáticos está o tempo todo atrás das últimas novidades que, compulsiva e desmesuradamente, emergem no mercado. As pessoas, na tentativa alucinante de acompanhar o ritmo do avanço tecnológico, buscam – mais por modismo que por necessidade – equipar seus computadores com acessórios e recursos os mais modernos, que, por ironia do destino, em pouco tempo se tornarão descartáveis. Mas, para além do 1 Trabalho produzido a partir da pesquisa do tema “O impacto das novas tecnologias na educação: o sistema de informatização da UNIMEP”, de Soraia Maria dos Santos Pereira, bolsista de Iniciação Científica, vinculada ao Projeto “Tecnologia, Cultura e Formação”, desenvolvido por Bruno Pucci, CNPq. 2 Graduanda em Psicologia da UNIMEP e bolsista de Iniciação Científica, CNPq.

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Teoria Crítica, Novas Tecnologias e Educação: nos bastidores da

informatização da universidade1.

Soraia Maria dos Santos Pereira2 e

Bruno Pucci3

Resumo: As novas tecnologias permeiam/ medeiam nossas relações econômicas, sociais,

culturais, educacionais, políticas. Quando observamos o progresso de um país ou de uma

organização, estamos supondo sua articulação imperiosa com a criação e/ ou emprego das

tecnologias de ponta. Esta exposição se propõe apresentar e analisar a progressiva

mediação das novas tecnologias em uma organização educacional superior e, apoiada nos

pensadores da primeira geração da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer e Marcuse),

questionar a linear vinculação do progresso das máquinas ao bem estar da humanidade,

bem como o emprego indiscriminado dos instrumentais tecnológicos no interior de uma

instituição educacional. Parte-se da hipótese de que a tecnologia quanto mais invade o

espaço educacional, mais subjuga seus usuários a sua lógica operacional, sistemática e

mecanicista e debilita sobremaneira o processo de formação dos educandos e dos

educadores. Como criar mecanismos de proteção contra a necessidade irreversível da

utilização das novas tecnologias no espaço acadêmico?

Pensar em tecnologia atualmente é o que mais se faz, principalmente nas

concernentes aos computadores. Um olhar mais apurado sobre este fato evidencia que o

consumidor de serviços informáticos está o tempo todo atrás das últimas novidades que,

compulsiva e desmesuradamente, emergem no mercado. As pessoas, na tentativa alucinante

de acompanhar o ritmo do avanço tecnológico, buscam – mais por modismo que por

necessidade – equipar seus computadores com acessórios e recursos os mais modernos,

que, por ironia do destino, em pouco tempo se tornarão descartáveis. Mas, para além do

1 Trabalho produzido a partir da pesquisa do tema “O impacto das novas tecnologias na educação: o sistema de informatização da UNIMEP”, de Soraia Maria dos Santos Pereira, bolsista de Iniciação Científica, vinculada ao Projeto “Tecnologia, Cultura e Formação”, desenvolvido por Bruno Pucci, CNPq. 2 Graduanda em Psicologia da UNIMEP e bolsista de Iniciação Científica, CNPq.

2

emprego particular das tecnologias de ponta, é fato que a informática permeia (senão todas)

a maioria de nossas relações públicas, é o motor propulsor de pesquisas e investigações, e

largamente utilizada como meio de previsão e controle. Enfim, são as múltiplas facetas da

informática e sua maleabilidade que encantam os consumidores e nos fazem pensar que o

progresso social está necessariamente na dependência da metamorfose tecnológica, que se

consuma em nossa sociedade e se alastra até os espaços mais ínfimos e privativos de nossas

vidas.

Poder-se-ia perguntar: e qual é a novidade? Aparentemente nenhuma. Afinal,

quantas vezes não lemos em algum lugar ou alguém nos disse que a informática é o ponto

culminante do progresso e o estágio mais avançado da humanidade? Quantas vezes não nos

deparamos com a promessa de que os recursos tecnológicos poderiam propiciar a melhoria

das condições de vida planetárias? E em quantos momentos não torcemos pela expansão

tecnológica em nosso país, como forma de aperfeiçoar nossos setores comerciais e

industriais e, assim, reverter a visão que os países mais potentes conservam do Brasil? Ou

ainda, em quantas circunstâncias não julgamos a capacidade e o potencial formativo de

nossas escolas e universidades, tendo como parâmetro o grau de informatização ou o

potencial tecnológico empregado em seus serviços? Enfim, não constitui nenhuma

revelação insólita, mas, ao contrário, uma evidência, a concepção positiva acerca da

informática que perpassa o imaginário coletivo e individual nos dias em que vivemos. Mas

convém argumentar que o que se intenciona pôr em prática nas páginas que se seguem,

longe de ser a exaltação das qualidades benemerentes das novas tecnologias emergentes, é a

tentativa de iluminar o que há além do imediatamente visível, por detrás de sua máscara de

neutralidade e inocência.

Como vimos, é fato que as novas tecnologias vêm sendo largamente empregadas

nos mais variados setores de nossa sociedade. Utilizadas primariamente para atender às

demandas das grandes indústrias e dos setores financeiros, não mais se restringem a tais

espaços. Por conta de uma determinação do sistema econômico capitalista globalizado, que

anseia cada vez mais expandir seu poderio, o maquinário tecnológico – revestido de um

discurso utópico e estratégico de progresso – adentrou outros espaços na sociedade e

3 Professor Titular do PPGE/UNIMEP, pesquisador do CNPq e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa “Teoria Crítica e Educação”.

3

alastrou-se pelos mais ínfimos recônditos sociais, transformando-se num recurso capaz de

suprir as diversas exigências e as complexas tarefas, inclusive as do âmbito educacional.

Tal fato tem despertado a preocupação e o interesse de muitos estudiosos, que

discutem e criticam o alastramento generalizado da tecnologia; dentre eles, o Grupo de

Estudos e Pesquisas “Teoria Crítica e Educação”, que, mediante o embasamento fornecido

pela Teoria Crítica da Sociedade, procura estudar mais detidamente os malefícios gerados

pelo avanço técnico-científico do capitalismo contemporâneo, sem desconhecer sua

insuspeita ambigüidade. Sob a temática “O impacto das novas tecnologias na educação: o

sistema de informatização da UNIMEP”, o presente trabalho tem por intento, a partir do

delineamento e da análise do processo de informatização da UNIMEP, bem como, de sua

abrangência progressiva, evidenciar que

... enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte de atividade do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação de massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram aparentemente uma redução. O avanço de recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a idéia de homem (Horkheimer, 1.946, p.74).

Pressupõe-se que, pela análise do sistema de informatização da UNIMEP, tornar-se-

á possível evidenciar que a universidade, ao empregar ilimitadamente instrumentais

tecnológicos nos seus mais variados setores (inclusive nas salas de aula), acaba adotando a

lógica sistemática e operacional, que perpassa o cerne de tais instrumentais. E em

decorrência, vai, a despeito do que deveria ser seu objetivo, deixando à deriva seu

comprometimento com a formação acadêmica discente e revestindo-se de um caráter mais

tecnicista. Pressupõe-se que a invasão das tecnologias no âmbito educacional da UNIMEP

– na mediação professor e aluno, no processo ensino e aprendizagem – tem empobrecido a

prática docente, fazendo com que os educadores supervalorizem a quantidade de

informações a serem transmitidas, em detrimento da qualidade dos conteúdos das

disciplinas que ministram. Vale ressaltar ainda outro pressuposto: o alastramento

tecnológico generalizado não permite aos demais funcionários da instituição saírem indenes

de seu ataque; isso porque, quanto mais a tecnologia se expande, mais determina o aumento

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do ritmo e do tempo de trabalho, sem que com isso seja valorizada a atuação dos

trabalhadores.

Trata-se, pois, de uma pesquisa empírica, que – partindo das contribuições teóricas

ofertadas pelos pensadores frankfurtianos e por outros intelectuais contemporâneos – busca

investigar – por meio de técnicas de entrevistas realizadas com funcionários e docentes da

Universidade e documentos coletados – como a tecnologia foi cada vez mais ganhando

espaço na instituição e enquadrando em seus parâmetros binários os setores acadêmicos e

administrativos.

É fato que, muito antes do primeiro computador passar pelas portas da UNIMEP,

inúmeros equipamentos desta natureza já se encontravam disseminados no país, desde os

anos 1.959 — cerca de treze anos após a invenção do primeiro destes equipamentos nos

Estados Unidos4. Estas máquinas destinaram-se a atender, fundamentalmente, às demandas

de determinadas empresas, institutos e órgãos nacionais, como por exemplo, à indústria

alimentícia Anderson Clayton, ao Jóquei Clube de São Paulo, ao Governo do Estado de São

Paulo e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na esfera acadêmica, a

primeira instituição a adquirir um computador foi a PUC-RJ, seguida pela USP e pelo

Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).

Aliás, o desenvolvimento tecnológico no país e sua abrangência ulterior estão, de

forma intrínseca, vinculados às contribuições ofertadas pelas duas últimas universidades

supramencionadas (a USP e o ITA), que, em meados do século XX, desenvolveram

inúmeras pesquisas nesta área, na tentativa de promover seu crescimento nacional. A USP,

em particular, foi o palco da criação dos primeiros computadores brasileiros: o “Patinho

Feio”5 e o G106, construídos, respectivamente, nos anos 1.972 e 1.975. Já o ITA, dentre

4 O primeiro computador, o Eniac (Eletronic Numeral Integrator and Calculator), construído por J.P. Eckert e J. W. Mauckly na Moore School of Enginnering, da Universidade da Pensilvânia, em 1.946 (cujo processo de confecção fora iniciado em 1.944, ainda durante a Segunda Guerra Mundial) permitiu o deslanchar da informática e a sua inserção na era da eletrônica. 5 Criado no interior do Laboratório de Sistemas Digitais da USP. O processo de elaboração do mesmo contou com a participação de muitos especialistas estrangeiros (especialmente europeus e norte americanos), que durante os primeiros anos da década de 70 estiveram na USP. 6 A iniciativa para a criação do G10 partiu da marinha brasileira que, em 72, firmou acordo com a USP, propondo-lhe a desenvolver um protótipo de computador digital, mediante a transmissão de sua tecnologia à Equipamentos Eletrônicos; transação esta que não se consumou. Somente em 75 tal projeto pôde ser

5

outras coisas, “foi fundamental para a capacitação de um grande número de engenheiros e

tecnólogos para a formação dos quadros iniciais da informática, tanto no setor acadêmico,

como no industrial” (Motoyama e Marques, 1994, p. 382).

Visto que a informática já se encontrava presente e atuante no interior de diversos

espaços educacionais brasileiros, sua inserção na UNIMEP não lhe custou grande esforço.

Foi exatamente nos anos que principiaram a década de 70 que seu, então, reitor –

vislumbrando a possibilidade de prestar melhores serviços internos e, ao mesmo tempo,

influenciado pela necessidade de fornecer suporte laboratorial ao emergente curso de

processamentos de dados – firma um acordo com a empresa Dedini, que na época estava

efetuando a substituição de suas máquinas, disponibilizando-se a comprar um de seus

equipamentos: um computador do tipo IBM 11/30. Tratava-se de uma máquina

extremamente grande e antiquada, que operava pelo sistema de perfuradora de cartões7.

Cônscio da inexperiência dos funcionários da universidade em relação ao procedimento

operacional necessário ao funcionamento deste equipamento, o reitor decide-se por

contratar mão-de-obra terceirizada, convocando a trabalhar neste novo processo

funcionários da empresa que lhe vendeu o equipamento, já bastante familiarizados com

seus mecanismos. É neste momento, precisamente, que a informática começa a executar

seus primeiros passos na instituição, a princípio sorrateiros e vagarosos, mas que, tão logo,

seriam convertidos numa corrida desenfreada, que revelaria, com o tempo, a índole

abrangente e sistemática de que se lhe reveste. Utilizada, a princípio para suprir às

demandas de determinadas esferas da área acadêmica (como o sistema de matrículas, de

presença dos alunos e professores), a informática amplia seu espaço e passa a ser

empregada, simultaneamente, em prol de demandas externas às institucionais. Um fato

importante que torna verídica tal assertiva é que, em 1.973, o computador da universidade

processou eletronicamente o resultado da eleição municipal de Piracicaba, divulgando-o em

primeira mão, antes mesmo que fosse conhecido pelo Tribunal Regional Eleitoral. A Justiça

concretizado; o que se deu nas dependências da própria universidade (na escola politécnica da USP), sob o patrocínio da empresa Cobra. 7 Este sistema funcionava da seguinte maneira: determinados cartões, contendo 80 colunas cada um deles eram postos em contato com uma máquina perfuradora, que embutia nos mesmos, determinadas informações que poderiam, ulteriormente, ser lidas e processadas pela máquina.

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Eleitoral, ao tomar conhecimento deste feito, firmou um convênio com a Universidade e as

apurações dos votos de três eleições consecutivas foram processadas em suas dependências.

Além de dirigir-se para outros contextos extra-institucionais e de cada vez mais

alargar seu campo de atuação, mais a tecnologia aprimorava-se no interior da UNIMEP.

Assim, em 1.974, o equipamento IBM 11/30 é substituído por uma versão mais atualizada:

o IBM/ 3, que, embora ainda mantivesse o mesmo método operacional da perfuradora de

cartões, em contrapartida, apresentava-se dotado de uma performance bem melhor que a do

anterior. Desde então, as invenções e substituições tornar-se-iam periódicas e contínuas.

Os acontecimentos desencadeados no início da década de 1.980 confirmam a

proposição acima exposta. Neste período, a universidade realiza significativas

transformações em seus recursos tecnológicos informatizados; começa a adotar medidas

para a substituição do método da perfuradora de cartões, por julgá-lo incompatível com

suas demandas e sua realidade. Medidas estas que culminaram na implantação – no ano de

1.981 – de um sistema on-line, conhecido como UNIVAC 9030, que a princípio foi

utilizado pelo setor de contabilidade; este novo equipamento, além do uso interno, forneceu

pacotes de serviços a escritórios de contabilidade, que firmavam convênios com a

universidade. Internamente, a informática, além de alastrar-se pela área acadêmica –

engolfando, em sua totalidade, o sistema de matrículas, de freqüência, de notas –, começa a

disseminar-se para a área administrativa: setores contábil e financeiro. E quanto mais

evoluía e se aprimorava, mais comprimia a realidade institucional, tornando-a – além de

fechada e contraída em si mesma – estrategicamente mais padronizada.

Entretanto, apesar de esboçar sua fúria expansiva e sistemática, a tecnologia

informacional ainda não havia mostrado, efetivamente, as conseqüências de sua progressiva

expansão; estas passariam a ser sentidas exatamente neste momento (por conta da inserção

do equipamento UNIVAC no contexto universitário) e afetariam, fundamentalmente,

aqueles indivíduos diretamente relacionados com o manuseio dos computadores. A

introdução do equipamento UNIVAC 9030, cuja bibliografia técnica era extremamente

complexa – constituída por 30 manuais em língua inglesa, que, por sua vez, possuíam cerca

de 300 páginas cada manual –, dificultou consideravelmente o trabalho de grande parte dos

funcionários do Centro de Processamento de Dados, que, além da habilidade técnico-

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operacional, deveriam portar outros conhecimentos suplementares. Ainda neste sentido,

verificava-se que, quanto mais a evolução de técnicas e de equipamentos se processava no

interior da universidade, mais a estrutura funcional do CPD era alterada, exigindo

constantes readaptações e ocasionado, em decorrência, transtornos às pessoas que

trabalhavam nesta área. Mas o doloroso deste processo é que os seus resultados traduziram-

se na exoneração de 22% (em média) dos funcionários, que não se adaptaram, ou melhor,

que não responderam adequadamente às exigências que lhes eram constantemente

imputadas, por conta das periódicas inovações processadas pelas máquinas e equipamentos

tecnológicos. Diante disso, a tecnologia (como não aceita desaforos e detesta ser

contrariada em suas ordens soberanas e sagradas) procedeu destituindo-lhes

(impiedosamente) de seus empregos.

O fato acima exposto que, em certa medida, retrata a imponderabilidade das

conseqüências que o avanço tecnológico pode gerar, reporta-nos a uma metáfora utilizada

por Bianchetti (2001, p.18) que, com toda fidedignidade, não deixa dúvidas de que o

autoritarismo e a inclemência são as marcas de nascença das novas tecnologias digitais.

Para o autor,

... a situação dos trabalhadores hoje os coloca frente à necessidade de uma revisita à mitologia grega e a uma releitura do desafio/ameaça da esfinge – ‘decifra-me ou te devorarei’ –, inscrita no pórtico à entrada da cidade de Tebas. A reescrita seria: se não me decifrares serás devorado; se me decifrares te devorarei. Ou em outras palavras: se os trabalhadores não decifrarem e solucionarem os problemas que causam a interrupção da prestação dos serviços (...) são ‘devorados’ do posto ou do setor de trabalho; decifrando e resolvendo as imponderabilidades, o seu saber com o tempo, é ‘devorado’ e transforma-se em trabalho objetivado nos equipamentos, restringindo o espaço da presença dos trabalhadores.

Ainda neste período, a UNIMEP contratou técnicos especializados para trabalhar no

lugar das pessoas que haviam sido demitidas. Estes novos profissionais, formados pelo

curso de tecnólogo oferecido pela própria instituição, foram treinados por um especialista

da cidade de São Carlos, que fora trazido à Universidade para melhor administrar a questão

da crescente tecnologização que se consumava em seu meio. Pelo exposto, torna-se notório

que quanto mais o avanço tecnológico se processava, mais se acentuavam as exigências e

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as cobranças sobre os funcionários, demandando dos mesmos aperfeiçoamento constante e

periódico, se não quisessem ser tragados pelo ritmo da marcha tecnológica.

Contudo, apesar do explícito interesse da universidade na difusão e aprimoramento

da informatização em seu ventre, algumas condições obstaram sua consecução plena.

Dentre elas a crise econômica, vivenciada pela UNIMEP de 1.981 até os últimos anos da

década, provocada pela redução excessiva em seu número de alunos. Se, em 1.980, a

universidade possuía aproximadamente 7.300 estudantes, no ano seguinte este número foi

reduzido a 5.600 (uma perda de 25%). Tal fato ocasionou sério déficit orçamentário para a

UNIMEP. Nesta conjuntura, a possibilidade de se fazer novos investimentos na informática

e de acompanhar o ritmo acelerado das modernizações tornar-se-ia praticamente

inexeqüível. Como a instituição tinha custos fixos — como a implantação da carreira

docente e da carreira administrativa, qualificação do professores etc — tornava-se-lhe

impossível despender dinheiro para bancar os custos que um sistema informacional mais

moderno iria requerer.

Um fato relevante, que aumenta as proporções da crise enfrentada, é a proposta

lançada pelo CPD em 1.983 para a substituição do sistema UNIVAC 90/30 e endereçada ao

vice-reitor da Universidade na época, que não pôde ser concretizada naquele ano, em razão

da situação econômica precária da instituição. Somente em 1.986, o UNIVAC 90/30 pôde

ser substituído pelo B.6910.

Em meio à situação deficitária, a Secretaria Acadêmica da UNIMEP passou a

oferecer grande resistência à consumação do processo de informatização. Devido à

precariedade de investimentos em tecnologia, o computador da universidade tornava-se

cada vez mais ultrapassado; por conseguinte, os erros apresentados na execução de suas

operações mostravam-se evidentes e constantes. Diante disso, o secretário acadêmico da

época adotou medidas tentando cercear o processo de informatização do acadêmico, por

julgá-lo incapaz de suprir as suas exigências. Iniciativas estas que incidiram diretamente

sobre o CPD, que, por sua vez, via-se impotente diante da ineficácia do seu equipamento e

da capacidade limitada do mesmo, pois sabia que naquele momento era impossível comprar

máquinas ou softwares atualizados.

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Entrementes, as barreiras impostas e a rejeição à tecnologia informacional,

explicitada neste período, não foram capazes de dissipar seu alastramento. A informática,

mesmo em ruínas, continuou a difundir-se pelo contexto universitário, sendo incrementada

com mais velocidade e mais acessórios. Tanto é que o relatório das atividades

desenvolvidas pelo CPD, em 1.982, longe de apresentar uma redução nas funções

desenvolvidas com o auxílio da informática, expõe, antagonicamente, a participação ativa

deste setor na execução de diversas tarefas alicerçadas no uso dos computadores:

transformações efetuadas nos sistemas de folha de pagamento, de avaliação e vestibular;

além de outros serviços inerentes a entidades externas à Universidade.

Porém, se nos primórdios da década de 80, o CPD sofrera grande pressão pela

precariedade de seu equipamento, em 1.985, tornou-se-lhe impossível administrar seus

serviços sob os efeitos da crise que acometia a universidade. Diante disso, seu coordenador

reportou-se até o reitor, expondo-lhe a situação caótica pela qual passava o setor, marcada

pela notória redução no quadro de funcionários, pela decorrente sobrecarga de trabalho e

pela má qualidade dos serviços prestados; e solicitou-lhes que se posicionasse em relação a

algumas propostas – lançadas pelo próprio CPD –, que intentava reverter tal panorama.

Em relação à diminuição do quadro de funcionários do CPD, é necessário frisar que

a discrepância entre o número de pessoas que trabalhavam neste setor em 1.981 e aquele

apresentado em 1.985 é no mínimo alarmante. Se, no início da década de 80, o CPD

contava com um número considerável de pessoas que lhe prestavam serviços internos, em

pouco tempo, esta soma seria sensivelmente reduzida. Apesar da crise institucional ser uma

das grandes responsáveis pela exoneração de muitos funcionários do setor em questão, não

podemos perder de vista que, em paralelo a ela, a informática continuava a consumar-se no

ventre institucional. Fato este que não descarta a possibilidade de esta última ter dado

grande parcela de contribuição às demissões que, em larga escala, ocorreram neste período.

Tal assertiva se torna mais evidente se se levar em conta que, tendencialmente, quanto mais

a informática se expande e se aperfeiçoa, mais se torna capaz de executar tarefas

diversificadas e, concomitantemente, mais torna-se-lhe possível desempenhar atividades

que antes eram estritamente humanas. É este um dos maiores dilemas que afronta os

homens, num período em que o ápice do aperfeiçoamento tecnológico é acompanhado do

decrescimento da participação humana no contexto de trabalho.

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De objetivação em objetivação nos equipamentos, dos conhecimentos produzidos pelos humanos, a presença de homens e mulheres no processo produtivo vai sendo restringida. E isto, que poderia estar sendo saudado como a concretização da utopia do tempo-espaço do não-trabalho, invade o cotidiano das pessoas – subjetivo e inter-subjetivo de forma assustadora. Dilemas inimagináveis assumem dimensões concretas (...) a necessidade de ter que lutar para garantir a existência de um trabalho que degrada, pois a sua inexistência é mais degradante; a dúvida entre colocar em ação um saber que vai criar uma solução original para determinado produto ou processo e o receio de que, ao ser objetivado este saber, o seu criador se torne descartável (BIANCHETTI, 2.001, p.172).

É evidente que a crise enfrentada pela UNIMEP foi o vetor da situação a que foi

arrebatado o CPD em 1.985; porém isto é apenas o aparente. Podemos desconfiar que existe

algo mais. Tentando obter indícios que validem esta proposição, damos prosseguimento ao

relato, tendo como parâmetro apenas uma certeza: a pretensa neutralidade tecnológica não

passa de logro.

Culpada ou inocente, o fato é que, nem a crise nem as objeções a sua expansão e

nem tão pouco a relevância de suas conquistas, foram capazes de frear a informatização.

Até 1.986, o método da perfuradora de cartões ainda não havia sido completamente

descartado, já que o mesmo era até então empregado no laboratório de computação, que

prestava serviços aos alunos. Ao término de cada dia de aula, as listas de presença dos

alunos, devidamente descritas em folhas específicas, eram encaminhadas ao laboratório,

que, por sua vez, endereçava-as, através do malote da madrugada, ao Campus Centro, onde

as informações eram digitadas e impressas nos cartões, que seriam lidos e processados via

computador, para que então os interessados fossem informados acerca dos resultados. O

processo acarretava muitos erros e requeria um prazo longo para ser concluído (cerca de

dois dias); entrementes, demandava a participação de um número considerável de pessoas

para sua execução. Em 1.986, este processo foi finalmente abandonado, já que, neste ano,

houve a expansão de terminais, fixados em diversas partes da Universidade, impulsionando

uma grande melhoria na dinâmica de funcionamento, mas ocasionando, em contrapartida,

uma significativa redução no número de pessoas envolvidas no trabalho, uma vez que, a

partir de então, tornou-se possível ao usuário utilizar-se diretamente dos terminais, sem a

necessidade de intermediários.

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Todavia, apesar de evidenciar seu caráter seletivo, as pessoas que trabalhavam nos

setores afetados estavam tão enlevadas com as “maravilhas” propiciadas pela

informatização, que tornavam-se-lhes quase imperceptíveis as conseqüências que ela

acarretava no interior da universidade. Assim, mais intensamente este processo ia sendo

engendrado, mais seus malefícios passavam despercebidos. Dupas tenta assim explicar essa

ilusão ótica:

As novas tecnologias têm sido legitimadas pelos impressionantes resultados de alguns de seus êxitos, fazendo-as adquirir uma auréola mágica e determinista e colocando-as acima da razão e da moral. A razão técnica teria sua lógica própria e um poder sem limites. (...) Posições de cautela com relação a alimentos transgênicos, objeções éticas quanto aos imensos riscos da manipulação genética e reações contra o desemprego gerado pela automação radical, tudo é encarado como posição reacionária de quem não quer o progresso (DUPAS, 2001, pp. 117-122).

Aliás, a impossibilidade de vislumbrar outras coisas que não a “reluzência” do

suposto progresso, propiciado pela automação da vida, já é uma tendência incorporada na

própria sociedade. O fato analisado sob o prisma de uma perspectiva particular (no âmbito

do contexto universitário) reflete apenas aquilo que já está presente no universalidade (na

sociedade como um todo), na qual:

Passa despercebido o caráter intrinsecamente predatório de uma cultura e de uma sociedade que começam a considerar legítimas e justas tanto a redução dos seres vivos à condição de matéria-prima sem valor quanto a pretensão do biotecnólogo de reivindicar para sua atividade ‘inventiva’ a exclusividade da geração de valor. Passa despercebida a desqualificação sumária do ‘trabalho’ da natureza e de todo tipo de trabalho humano, em todas as culturas e sociedades, exceto o trabalho tecnocientífico (SANTOS, 2003b, p.21).

Era exatamente a crença na intrínseca relação entre informática e progresso que

permeava tanto as atitudes quanto as reivindicações dos funcionários do CPD. Em 1.986 a

situação deste setor não era nada satisfatória; isso impulsionou as pessoas que trabalhavam

nesta área a encaminharem um ofício ao reitor, expondo o panorama de seus salários e

pleiteando reajustes; solicitação esta que a princípio foi negada, acarretando grandes

discussões e um estado de paralisação no interior do CPD, que só seria equacionado após

um acordo firmado com a administração geral.

12

Este documento se faz importante, porque além de permitir-nos entender melhor a

amplitude do problema – já que expõe a defasagem no quadro de funcionários, a pouca

experiência dos recém-contratados, a sobrecarga de trabalho e a má qualidade dos serviços

–, ainda, e fundamentalmente, denota a forte crença solidificada no interior deste centro, de

que a disseminação da informatização poderia ser a única solução para o equacionamento

da crise enfrentada pela instituição; crença esta que nutria a esperança de que a introdução

do equipamento Burroughs – adquirido naquele ano – pudesse tornar possível à UNIMEP a

automação de quase a todos os seus setores, mediante a informatização.

Embora a expectativa criada em torno da ampliação da automação dos setores da

universidade não tenha podido ser concretizada, como queria o CPD, o fato é que, em

1.987, grandes transformações se consumam. Os primeiros microcomputadores chegam à

UNIMEP, sendo a princípio implantados apenas na área acadêmica, particularmente no

núcleo de computação; somente algum tempo depois é que a área administrativa receberia o

primeiro deles, por intermédio de uma doação do Banco Safra. No entanto, como o CPD

não tinha experiência em microinformática, quem passou a lhe dar suporte técnico foi a

área acadêmica, ou, mais especialmente, o próprio laboratório do curso de Informática, em

que existiam pessoas capacitadas, por já estarem envolvidas há mais tempo neste processo.

Ainda em 1.987, mediante a análise da situação de grandes empresas que adotavam

setores específicos para lidar com a questão da informática, os funcionários do laboratório

passam a vislumbrar a possibilidade de se colocarem os PCs em setores estratégicos; tarefa

esta que, embora já em vigor, até então não era tida como um trabalho oficial do

laboratório. Este período se caracterizou como momento em que a disseminação da

informatização atingiu seu apogeu. Isso porque a UNIMEP podia contar tanto com o

auxílio dos terminais de grande porte, quanto com aquele proveniente dos

microcomputadores. Tal fato propiciou um aumento relevante no número de matrículas

para os cursos de informática e intensificou, simultaneamente, os investimentos nesta área.

Dois anos mais tarde (1.989), a universidade começa a sair da crise financeira vivida

até então. Neste momento, foram instalados 2 terminais na área acadêmica, 46 micros no

Campus Taquaral e 20 no Campus de Santa Bárbara D’ Oeste. Com o incentivo do novo

reitor da UNIMEP (que assumira o cargo um ano antes), o processo de expansão de

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servidores e de laboratórios de informática foi consideravelmente ampliado. Além do que, é

neste ínterim que se consagra o funcionamento do sistema de redes e que a reitoria da

UNIMEP solicita ao reitor da Universidade de São Paulo o ingresso na rede USP e na rede

internacional BINET, que, dentre outras coisas, fornecia amplo auxílio às pesquisas, muito

embora estas últimas ainda se encontrassem incipientes na UNIMEP, devido ao escasso

incentivo oferecido a ela. Tal solicitação foi concedida, mas somente em 1.994 passa a ser

posta em vigor, exatamente quando a instituição adquire – por intermédio da FAPESP – um

link para interligar sua rede à da USP; o que tornou possível o acesso à Internet.

Contudo, apesar do abrangente espaço que os microcomputadores tinham ocupando

na universidade até então, foi somente em 1.990 que a microinformática pôde efetivamente

firmar-se enquanto um setor autônomo, desvinculando-se do Centro de Processamentos de

Dados. Isto se deu – particularmente – graças às pesquisas de docentes e funcionários do

laboratório de Computação, que vislumbrando outras oportunidades, para além daquelas da

área técnica, investigam a presença da microinformática no seio de três grandes empresas

da região (DEDINI, ROMI e FABER CASTEL) e desenvolvem, em decorrência, projetos

voltados à explicitação das vantagens da microinformática na UNIMEP. Eis o momento em

que a tecnologia informacional de pequeno porte começa a reinar na instituição. Eis

também o período em que os conflitos e as tensões entre novo setor e o Centro de

Processamento de Dados tornam-se acirrados.

Vinculada a princípio à direção geral do IEP8 – enquanto que o CPD se ligava à

vice-reitoria administrativa da UNIMEP –, a microinformática era capaz de desempenhar

certas habilidades, sobre as quais o Centro de Processamento de Dados não tinha domínio;

além do que podia efetuar tarefas antes pertencentes a este último, de uma forma mais

prática e veloz. Um exemplo disso: à medida que a tarefa de digitação – antes executada

pelo CPD através de um longo processo, que requeria a participação de um número

considerável de pessoas –, passou a ser efetuada pela microinformática, seu tempo foi

encurtado de modo considerável e, concomitantemente, prescindiu da ajuda da equipe de

digitação. Tais fatos geraram muitos conflitos entre ambos, principalmente porque,

conforme foram sendo instalados os microcomputadores nos setores, e os serviços, antes

8 IEP = Instituto Educacional Piracicabano, cujos membros eram escolhidos pelos dirigentes da Igreja Metodista, que dava nome à universidade.

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efetuados pelo CPD, transferiram-se à microinformática, ocorreu uma descentralização de

poder, uma vez que o dono das informações passou a ser o próprio setor.

Muito embora – segundo informações obtidas – as pessoas que compunham a

equipe de digitação e preparação de dados, existente até o ingresso da microinformática na

instituição, não tenham sido demitidas – já que foram enquadradas em outros

departamentos –, tal fato não serve de argumento em favor da tecnologia. Pois embora esta,

neste caso não as tenha feito perder o emprego, causou-lhes infortúnios no sentido de

verem-se obrigadas a se adaptar a outras funções, que talvez nem mesmo correspondessem

às suas especialidades; o que evidencia que a tecnologia, além de tornar cada vez mais

dispensável o trabalho humano, tende a depreciá-lo e desvalorizá-lo. Na posse de outros

termos pode-se inferir que aos trabalhadores,

... não há mais, como no predomínio do paradigma anterior, a possibilidade de delimitar num espaço e tempo uma qualificação e, a partir da construção desta, sentir-se indefinidamente seguro num posto de trabalho. As mudanças são rápidas e constantes, exigindo mobilidade e novas sínteses no interior do processo dialético da transformação-adaptação (BIANCHETTI, 2.001, p.35).

E mais ainda: a efemeridade do tempo e do espaço e, em decorrência, dos

conhecimentos e habilidades técnico-operacionais dos trabalhadores – tanto dos que

compõem a realidade estudada, quanto daqueles atuantes nos processos de trabalho de

outras entidades sociais – de modo equivalente, acarretam-lhes outros aborrecimentos de

igual monta, uma vez que as metamorfoses que se consumam em relação aos recursos

tecnológicos e que

... estão a exigir dos trabalhadores novas qualificações e os obrigam, num curto espaço de tempo, a assumir novas funções, qualitativa e quantitativamente diferentes das anteriores, levam-nos a se defrontar e, quando possível, superar os seus limites, pagando um preço muitas vezes superior às suas possibilidades humanas (BIANCHETTI, 2.001, p.152).

Ainda nesta direção, um outro fato que merece ser sublinhado, na tensão entre o

CPD e o setor da Microinformática, era o receio, por parte dos pertencentes ao grande

porte, de que a nova tecnologia emergente pudesse substituí-los, exatamente por ser capaz

de fazer tudo aquilo que eles faziam, dependendo, inclusive, de menor potencial e

15

capacidade. Tal fato já denota um certo reconhecimento (embora inconsciente) por parte

dos funcionários, de que a abrangência progressiva da tecnologia e seu crescente

aperfeiçoamento não são tão inocentes como se tende a pensar. Era a ameaça do

desemprego que pairava no ar e fazia com que os funcionários do grande porte (imbuídos

pelo instinto de sobrevivência), lutassem, desmesuradamente, contra esta nova tecnologia

que tentava devorá-los.

Tal disputa perdurou até 1.994, quando – atestando-se a inutilidade de se manter

dois setores paralelos, os responsáveis por ambos negociaram a fusão das duas equipes; o

que se consumou mediante a criação de um organograma específico, que viria reorganizar a

distribuição de pessoal e que propiciaria a criação, no interior do CPD, de duas assessorias:

a assessoria de informática e a assessoria de projetos.

Mas, retomando a questão da microinformática, é importante ressaltar que, antes de

ser incorporada ao CPD, foi ela a responsável pela criação da infra-estrutura e respectiva

instalação da rede UNIMEP. Seu trabalho de 1990 a 1994 centrou-se, respectivamente, na

instalação da primeira rede de computadores no Campus Centro, de uma rede no Campus

Taquaral e de outra no Campus de Santa Bárbara – todas elas conectadas ao grande porte.

Aliás, esta expansão significou o momento em que a UNIMEP passou a trabalhar com o

correio eletrônico. Este foi a princípio utilizado apenas internamente – já que a instituição

não possuía Internet –, por meio de um software denominado Pegasus, que operava a

comunicação entre os Campi e que era consideravelmente mais rápido que os softwares de

Internet. Ainda neste sentido, um fato relevante é que, em 1992, quando teve início a

disseminação da Internet educacional – que embora já vigorasse no país desde 1989, estava

restrita à USP, à UNICAMP e à UNESP –, a UNIMEP adquire – por intermédio do

CIAGRI – uma conta de e-mail da ESALQ (USP) que começou a ser compartilhada por

cerca de 200 pessoas; ela era acessada externamente à UNIMEP, pois esta não portava, até

então, um sistema de conexão com a Internet, que – como explicitado anteriormente –

passaria a existir somente em 1994.

Todavia, embora o acesso à Internet tenha se tornado possível no ano em questão, a

Internet seria utilizada somente em 1996, quando efetivamente o CPD criaria condições

técnicas e estruturais para seu funcionamento. O que significa afirmar que foram

16

necessários dois anos para que, finalmente, começasse a operar. Isso porque não constituía

objetivo do pessoal responsável prover acesso à Internet. Porém, como esta era a meta

almejada pela direção geral, efetuou-se a transferência desta questão da área acadêmica

para a área administrativa, que se empenhou, de forma decisiva, neste processo,

estruturando uma equipe de profissionais que, diversificadamente, trabalhariam na questão

das redes locais, da WEB e da Internet, o que impulsionou a criação da chefia de redes de

Internet no interior do CPD.

Com o advento da Internet, limite e tempo se tornaram dois vocábulos efêmeros e

destituídos de sentido, já que o ritmo implantado por este novo sistema passou a impor,

forçosamente, às pessoas que se subjugassem ao compasso das máquinas. Se até 1996 era

possível interromper o funcionamento dos equipamentos, conforme a necessidade dos

trabalhadores ou em consonância com o cumprimento de seu horário de trabalho, com a

chegada da Internet, isto se torna impraticável; o que passa a obrigar os técnicos a

trabalharem sem descanso, até mesmo durante a madrugada; agora não é mais a máquina

que deve se adequar às necessidades humanas, mas o homem é que se tornou, à revelia de

sua vontade, um instrumento à disposição da própria aparelhagem técnica. Dupas comenta

assim essa inversão existencial:

... a técnica a serviço do capital é uma devoradora de trabalho: ajuda a suprimir empregos em vez de criá-los. Tudo se passa como se a técnica se tornasse uma potência longínqua que designa os ‘sacrificados’ nas sociedades da pós-modernidade. (...) O técnico aspira tornar-se um deus cibernético. Tecnologias da informação e automação estão hoje presentes em todos os lugares. Compõem as cenas da vida cotidiana, instaladas em nossa intimidade. São filhas do desejo, parceiras ambíguas e desconcertantes. Operam com autonomia e podem se perverter, tornar-se nefastas e agredir o próprio homem (DUPAS, 2.001, p.119).

Um exemplo que melhor explicita a problemática da sobrecarga de trabalho que

incidiu sobre o DTI, com a implantação da Internet, assim nos foi contado: “recentemente

foi instalado no Campus Taquaral um servidor de aplicação, responsável pela fiscalização

do trabalho de todos os demais servidores (mesmo de outros Campi) e que, por possuir

cerca de 2000 frases gravadas, passíveis de serem combinadas, no caso de surgir algum

problema, ele é capaz de avisar os interessados pelo celular, a qualquer hora”. E os técnicos

do CPD passam a ser controlados a qualquer distância espacial e a qualquer hora.

17

Uma outra conseqüência digna de análise, é que, ao oferecer aplicativos aos

usuários que lhes permitem interagir diretamente com o sistema, a Internet acaba

enxugando as tarefas daqueles que antes mediatizavam este contato. Como por exemplo, a

equipe de produção, pela implantação da INTRANET – a Internet interna que atualmente

vigora na Universidade –, foi destituída de grande parte de suas funções operacionais, que

atualmente se circunscrevem apenas ao desenvolvimento de sistemas que são deixados nas

mãos dos usuários.

Dando prosseguimento à descrição do processo de informatização, é necessário

deixar claro que não foi ainda possível obter informações mais detalhadas acerca do que

sucedeu nos últimos anos da década 90. O que, todavia, não me impede de constatar que a

expansão tecnológica não se inibiu um só instante. Afirmação esta, que se torna mais

plausível pela análise do histórico da utilização dos computadores, a partir do qual é

possível perceber, nitidamente, a evolução tecnológica processada neste período que, por

sua vez, foi marcada pela forte preocupação com o aperfeiçoamento das máquinas. Um fato

que merece destaque foi a conversão da nomenclatura CPD – Centro de Processamento de

Dados para DTI – Departamento de Tecnologia em Informática, consumada precisamente

em 2000. Tal substituição foi possível, graças à reestruturação efetuada no organograma do

CPD em 1996, que o dividiu em quatro áreas: a área de projetos (telefonia,

telecomunicações e projetos, que ficou responsável pela parte de comunicação); a área de

suporte ao usuário (que além de prestar atendimento ao público, simultaneamente,

centrava-se na instalação de softwares, de programas e de treinamentos); a área de redes de

Internet (direcionada ao controle de todos os serviços de Internet) e a área de

desenvolvimento (responsável pela parte de criação). Foi em razão desta reestruturação no

organograma do CPD e do conseqüente surgimento de uma área direcionada

exclusivamente à questão da telefonia (a área de projetos), que a UNIMEP decidiu-se por

adotar a nomenclatura utilizada nas grandes empresas, em detrimento do nome CPD

empregado até então.

Esta troca de nomes, por meio da qual a UNIMEP busca equipar-se ao padrão

empresarial, utilizado para referir-se ao setor de informática, reporta a um fato de extrema

relevância: a tendência cada vez mais acentuada de a universidade, enquanto instituição, se

despir dos atributos que a qualificam como tal e, concomitantemente, incorporar os

18

adereços estruturais, funcionais e lógicos de uma organização, o que a faz, por conseguinte,

parecer-se com ela.

Nas entrevistas desenvolvidas, argumentou-se que esta semelhança é ilusória, uma

vez que o modelo de gestão na UNIMEP contrapõe-se àquele que vigora numa empresa, já

que, na primeira inexistem planejamentos orçamentários, o que a impede de estipular

objetivos e, conseqüentemente, isso implica uma utilização da informática muito aquém de

seu emprego pelas grandes empresas. Entretanto, tal argumentação, pautada numa questão

meramente burocrática e que diz respeito à configuração estrutural apenas, não anula a

similitude que há entre universidade e organização, porque deixa de lado aspectos muito

importantes, que falam em favor desta semelhança. O próprio fato de a universidade ser

gerida por normas administrativas (o que tem se tornado cada vez mais evidente), já denota

sua intrínseca relação com uma entidade organizacional, que, dentre outras coisas, tem

como parâmetro a instrumentalidade e rege-se por estratégias administrativas para a

consecução de objetivos particulares. Permeada pela lógica factual, própria da aparelhagem

técnica, a UNIMEP está sendo cada vez mais guiada por imperativos que clamam pela

funcionalidade, praticidade, planejamento, previsão, controle da produção e êxito, que a

compelem almejar objetivos estritamente privados, pautados pela lógica de mercado, em

detrimento do que deveria ser seu ponto de partida e de ancoragem: o comprometimento

com a formação acadêmica e com o amadurecimento intelectual dos discentes.

Preocupada predominantemente com seus anseios particulares e norteada pelo

princípio da flexibilidade, imputado pela crescente “tecnologização” que se desdobra em

seu meio e que a impele a estar freqüentemente aberta às mudanças, a UNIMEP, assim

como diversas universidades brasileiras, vai, gradualmente, abandonando os compromissos

institucionais e adotando uma lógica fundamentalmente operacional, que a aproxima

intimamente de uma organização. O que é notório e digno de análise é que, em paralelo à

consagração da heteronomia por parte da universidade piracicabana, consegue-se perceber

a continuidade ininterrupta do alastramento tecnológico e a adesão cada vez maior por

parte, especialmente, da docência aos recursos informatizados. Se no início, o índice de

adesão a ela era de apenas 30%, logo esta soma seria consideravelmente ampliada,

19

atingindo a marca dos 70% para, finalmente, alcançar os 100%9, passíveis de serem

verificados atualmente. Torna-se cada vez mais impossível resistir às sedutoras propostas

da tecnologia; mas se alguém ainda o faz é sempre incriminado por sua rebeldia.

É a luta vital por continuar a respirar numa atmosfera que se torna cada vez mais

fechada, limitada e propícia ao sufocamento dos indivíduos nela imersos, que permeia as

manifestações de renitência por parte daqueles que conseguem enxergar – ainda que de

maneira obscura – o risco que correm. Risco este que se torna cada dia mais relevante, já

que, com o advento das tecnologias digitais, os trabalhadores “seja por não conseguirem

superar os desafios do trabalho-vida, com essas novas tecnologias ou por terem seu posto

de trabalho extinto, simplesmente engrossam as fileiras dos desempregados ou dos

empregados informais...” (BIANCHETTI, 2.001, p.15).

Voltada à realização de suas metas organizacionais, a UNIMEP – desde os

primeiros anos que inauguraram o século – vem se preocupando com a tarefa de unificar

todos os dados informacionais num sistema único, que seja capaz de responder pelas

diferentes áreas. Um fato relevante nesta direção é que, ultimamente, a diretoria geral da

universidade vem pensando seriamente em adquirir pacotes de serviços da empresa

UNISYS10 que lhe permitirão integrar os softwares dos diferentes setores administrativos

(contabilidade, administração de pessoal, financeiro), que, além de unirem-se entre si, ainda

serão fusionados àqueles da área acadêmica (sistema de matrícula, de freqüência, de notas

etc). Tal integração permitirá a emergência de um banco de dados único, dotado de

informações das diferentes áreas.

Todavia, a discussão sobre a implantação deste sistema vem sendo bastante

problemática. A Diretoria Geral do IEP e o Departamento de Tecnologia em Informática

não conseguem chegar a um consenso sobre o assunto. Enquanto a primeira tenta acordar

com a empresa UNISYS a compra de seu serviço – o que a impulsionou a criar uma

comissão permanentemente voltada para este fim –, os funcionários do D.T.I. mostram-se

9 Estes percentuais foram fornecidos por um dirigente do DTI na entrevista realizada com ele. 10 Criada em decorrência da fusão entre a empresa Burroughs e a Univac em 1.985, a Unisys adentrou a Universidade em 1.990 e permanece até hoje, ampliando cada vez mais suas fronteiras e inovando permanentemente seus equipamentos. Dotada de uma capacidade de processamento exorbitante, da qual utiliza-se atualmente apenas 10% do total, a Unisys ainda promete muitos avanços.

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relutantes à aquisição dos pacotes prontos, argumentando que eles próprios poderiam

elaborar um sistema desta natureza; além do que, justificam que tais pacotes, por já serem

pré-moldados, serão incapazes de suprir as oscilantes demandas institucionais. Pelo

exposto, poderíamos pensar que o que norteia este impasse (que perdura até os dias atuais)

são questões meramente burocráticas, mas na realidade, o que o embasa é novamente

aquela mesma problemática que há pouco foi evocada e que em diferentes momentos

apareceu neste trabalho: o receio esboçado pelos funcionários pela possibilidade de verem-

se exonerados de seus cargos ou rebaixados às funções muito inferiores em relação àquelas

para as quais são habilitados. Teme-se que, pela implantação deste novo sistema, muitas

funções que até então competem aos homens, passem a ser desenvolvidas eletronicamente.

É este panorama de conflitos e incertezas que atualmente impera no âmbito das

relações trabalhistas e que torna impossível prever o que acontecerá num futuro próximo.

Os funcionários, cada vez mais expropriados de suas oportunidades de trabalho, sentem na

pele os efeitos avassaladores da tecnologia, enquanto que esta última dá continuidade ao

ritual de sacrifício humano, pois os recursos tecnológicos não se contentam em furtar as

condições de existência dos sujeitos; é necessário, também, fazer esvaecer suas

peculiaridades subjetivas; é preciso degradá-los, para que torne-se-lhes impossível contestar

a supremacia da máquina.

O caso particular da UNIMEP reflete apenas uma tendência que há muito já está

presente na sociedade como um todo: a propensão tecnológica de engolir vidas humanas

seja porque manipula os homens, esfacelando suas condições efetivas de humanidade, ou

porque os priva de suas condições de subsistência ao furtar-lhes seus empregos. Entretanto,

os malefícios desencadeados pela informatização ilimitada no seio institucional não

incidem apenas sobre aqueles incumbidos de manusear as máquinas e prover seu

funcionamento. Os recursos em informática, que, no início de sua peregrinação pela

universidade, atingiam apenas algumas esferas da área acadêmica e poupava o contexto de

sala-de-aula, hoje não perdoam um só espaço se quer. Seu avanço incontido exerce forte

influência sobre as relações de ensino-aprendizagem, nas quais se nota que a contínua

adesão aos recursos tecnológicos é acompanhada de um esvaziamento teórico, por meio do

qual percebe-se que o saber perdeu seu verdadeiro sentido.

21

A prática docente, cada vez mais mediatizada pela aparelhagem eletrônica, ao invés

de propiciar aos educandos a condição de crescimento intelectual e de apropriação crítica

dos conteúdos, antagonicamente, mais os sucumbe a um pensar instrumental e operacional.

E todas estas condições regressivas, que perduram na UNIMEP desde o limiar deste século,

têm como ponto nodal o avanço ilimitado da tecnologia, que, apesar de todos os malefícios

causados, a universidade não demonstra pretender cercear seu movimento. Tanto é que o

poder majoritário da máquina no ventre institucional, impulsionado pelas constantes

inovações na área de informática (com destaque para a implantação, em 2.004, do

equipamento UNISYS CS7100 no lugar do UNISYS A14) e que têm aumentado

exacerbadamente a capacidade de processamento dos computadores, se faz sentir com toda

nitidez; o que tem impulsionado a universidade (apesar da crise atualmente enfrentada) a

informatizar todos os seus serviços. Tal fato pode ser comprovado pela análise do

alastramento da informática dentro do próprio âmbito acadêmico, no qual, recentemente

(2004), até mesmo o contrato de prestação de serviços educacionais, firmado junto aos

discentes, passou a requisitar a assinatura eletrônica.

Cada vez mais os funcionários estão sendo ou adestrados e padronizados pela lógica

instrumental que emana das máquinas, ou substituídos por elas e descartados como restos

imprestáveis; os professores, ainda que não tenham cedido seu lugar à aparelhagem técnica

– o que tendencialmente parece próximo a ocorrer –, têm deixado de lado a autonomia no

exercício da prática docente, utilizando, para ministrar suas aulas, cada vez mais dos

procedimentos automáticos e pragmatistas, o que tem empobrecido os conteúdos, por

minimizar as exigências de compreensão e interpretação dos mesmos; os discentes, por sua

vez, como conseqüência do comprometimento da qualidade do ensino, que não lhes oferece

a oportunidade de refletir e posicionar-se criticamente, são cada vez mais arrebatados a um

pensar espontâneo, automático e reprodutivista, que concorre para a formação de

profissionais acríticos e inaptos a atuarem em suas respectivas áreas. Em síntese, freqüentar

uma universidade atualmente não garante a ninguém a possibilidade de uma formação

profissional com toda acepção que estas duas palavras merecem; a tecnologia, ao adentrar

no cenário educacional, transformou-o rapidamente: o conhecimento foi convertido em

informação e a formação acadêmica em mera apropriação rápida e superficial dos

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conteúdos, ao mesmo tempo em que se aniquilaram as certezas, as seguranças e as garantias

que ainda era possível cultuar.

Quanto mais a tecnologia transcende seus próprios limites, mais controla,

administra, homogeneíza e molda o mundo e as pessoas. Tanto funcionários, alunos e

professores que integram a realidade estudada, quanto o trabalhador na fábrica e as pessoas

no exercício de suas atividades diárias, estão sendo mais e mais influenciados pela lógica

da equivalência e controlados em seu trabalho. Discípula devota do sistema econômico

capitalista, a tecnologia faz jus aos atributos que lhe foram designados por Herbert Marcuse

(1999) e que a qualificam como um instrumento de controle e dominação.

A investigação concernente ao processo de informatização da UNIMEP e a análise

de seus desdobramentos confirmam os pressupostos levantados do início deste estudo,

tornando plausível a crítica dirigida ao movimento incontido das novas tecnologias. Um

olhar mais cético sobre a progressiva expansão tecnológica permitiu depreender que os seus

efeitos negativos atingem a todos indiscriminadamente. Como evidenciado ao longo deste

estudo, tanto os alunos, professores, demais funcionários e a própria universidade foram e

ainda são afetados por suas conseqüências.

Fazendo um breve retrospecto dos fatos precedentemente analisados, é possível

dizer que, na relação professor e aluno, percebeu-se que esta – cada vez mais mediatizada

por recursos tecnológicos e, por conseguinte, calcada nos moldes de mercado e do sistema

econômico – vem se tornando um mero meio de transmissão e recepção de informações;

anulando-se, assim, o verdadeiro sentido da formação discente. Em decorrência, esta última

transforma-se, paulatinamente, em deformação intelectual e ética dos alunos e, por

conseqüência, propicia o surgimento de profissionais acríticos e indivíduos cônscios apenas

de seus direitos e alheios às suas responsabilidades sociais e políticas. Da mesma maneira, a

invasão cada vez maior das novas tecnologias vem cerceando a autonomia da docência no

exercício de suas atribuições, concorrendo para que os professores tornem-se alheios ao

fato de que em pouco tempo a tecnologia inexoravelmente ocupará o seu lugar.

Em relação aos demais funcionários, pôde-se constatar que, em decorrência do

aprimoramento das máquinas, restou-lhes a opção de ir ou ir: ou se submetem ao novo

23

ritmo e tempo de trabalho ou serão, sem qualquer formalidade ou clemência, expulsos de

seus postos de trabalho. Esta segunda opção foi a que mais comumente se manifestou no

interior da UNIMEP, confirmando a premissa segundo a qual o particular (no caso a

instituição estudada) espelha as contradições já presentes no âmbito do universal (no todo

social), em que o índice de desemprego vem se ampliando desde a chegada das novas

tecnologias.

Para completar o quadro dos atingidos pelo progresso tecnológico desmedido,

apareceu um quarto elemento ao longo de investigação: o sentido institucional da

universidade. Ficou claro nas páginas precedentes que, em função da progressiva

informatização de seus setores, a UNIMEP passou a seguir as normas empresariais e os

interesses particulares ditados por ela. Fato este que a compeliu a deixar ao léu sua função

enquanto instituição autônoma, qual seja, a de formar pessoas.

Retomando a premissa citada há pouco, segundo a qual é no particular que se

manifestam as contradições imanentes do todo, tem-se que a análise do processo de

informatização da Unimep deve servir não apenas para expor os problemas particulares

sofridos por esta universidade em específico, mas para elucidar-nos acerca da problemática

social atualmente enfrentada. A abrangência cada vez maior das novas tecnologias tem

gerado problemas à sociedade enquanto um todo. Contudo, os benefícios ofertados pelos

recursos tecnológicos nos tornam cegos aos seus malefícios, limitando nossa visão ao

prisma da aparência. E é exatamente por isso que este trabalho, para muito além de uma

mera exposição de dados e informações referentes a contexto específico, é um convite para

que lutemos contra a cegueira atualmente existente e tentemos enxergar aquilo que não se

desvela com facilidade, mas que também deve ser questionado. Em outras palavras: este

estudo é uma proposta a olharmos por detrás dos bastidores do cenário social, no qual a

tecnologia desfila com todo requinte e pompa, pois, por trás das cortinas, é a verdade sobre

ela que jaz oculta.

Para tanto, faz-se necessário postarmos o pensamento contra o próprio pensamento,

num processo dialético de negação e afirmação, que se nos torne possível contestar, com

nossas próprias armas racionais (que embora obscurecida ainda existem) a submissão do

pensar à condição instrumental a que foi arrebatado. Eis a alternativa para encontrar a porta

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de saída do labirinto em que o capitalismo aprisionou os homens. Eis também, a forma de

devolver ao pensamento o elemento da reflexão sobre si mesmo e sobre aquilo que o cerca.

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