ano xii - ncondutamedica.com.br/img/revistas/pdfedicoes/87.pdf2 conduta médica ano xii - n045...
TRANSCRIPT
2 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Editorial
A anamnese continua soberana
A confiança na
precisão da anamnese e exame físico bem
feitos para se atingir um diagnóstico
sempre foi um atributo dos grandes médicos
e dos profissionais bem formados
Quem é que não se lembra de ter
escutado de seu professor de Semiologia
ou de Clínica Médica a afirmativa de
que “apenas com a anamnese e exame
físico conseguimos acertar cerca de 80%
ou mais dos diagnósticos”?
Provavelmente, caro leitor, você já ouviu
isso na época do seu curso de graduação
em medicina. Possivelmente acredi-
tou, porque foi dito pelo professor em
quem você tinha tanta confiança. Mas,
passado certo tempo e trabalhando dia-
riamente com uma medicina tão pródiga
em exames e métodos complementares
espetaculares, talvez você hoje desconfie
de que aquele seu velho professor estives-
se mesmo “chutando”, defendendo seu
cargo de professor de Semiologia ou até
mesmo fosse algum daqueles saudosistas
da velha propedêutica médica francesa.
Na verdade, nada disso. A confiança
na precisão da anamnese e exame físico
bem feitos para se atingir um diagnósti-
co sempre foi um atributo dos grandes
médicos e dos profissionais bem forma-
dos. A prática e a experiência contínua
no acerto de suas previsões sempre deu
a eles a confiança nessas extraordinárias
ferramentas, que são, acima de tudo, tec-
nologias. Esses grandes clínicos sempre
tiveram a convicção, de ordem qualita-
tiva, de que a anamnese e o exame físico
poderiam conduzi-los com segurança
pelos sinuosos caminhos do raciocínio
diagnóstico. Sem muitos enganos.
Disse eu que tal convicção era de ordem
qualitativa. Pois recentemente um dos
meus alunos mais aplicados apresentou-
me a interessante artigo científico onde
o que era meramente qualitativo se
concretizou em dados quantitativos, que
evidenciam a precisão da anamnese e do
exame físico na feitura de diagnósticos.
O artigo científico em questão, intitula-
do Contributions of the History, Physical
Examination and Laboratory Investigation
in Making Medical Diagnoses, de autoria
de Peterson, Holbrook, Von Hales,
Smith e Staker (1) foi publicado já há
algum tempo na revista West. J. Med.,
mas é atualíssimo, merecendo nossos
comentários. Convido você a lê-lo na
íntegra, pois vale a pena.
Nesse artigo, os autores, na tentativa
de quantificar as contribuições rela-
tivas da anamnese, do exame físico e
dos métodos laboratoriais na feitura
do diagnóstico, idealizaram um inte-
ressante estudo de caráter prospectivo.
Conseguiram, para tal, a adesão de 80
pacientes ambulatoriais que aceitaram
participar da pesquisa, todos pacientes
novos e com problemas ainda não
diagnosticados. Os clínicos que os exa-
minaram foram convidados a registrar
os diagnósticos diferenciais e a estimar
sua confiança em cada possibilidade
diagnóstica após cada uma das seguintes
etapas: após somente a feitura da ana-
mnese; após o exame físico, e após os
resultados dos exames complementares.
Em 61 pacientes (76%) a anamnese
sozinha conduziu ao diagnóstico final.
O exame físico levou ao diagnóstico em
10 pacientes (12%). Os exames labora-
toriais evidenciaram o diagnóstico em
nove pacientes (11%). A confiança dos
médicos no diagnóstico correto aumentou
de 7,1 (numa escala de 1 a 10) depois da
anamnese, para 8,2 (depois do exame
físico) e para 9,3 (depois da investigação
complementar). Os autores concluíram
que os achados permitem afirmar que a
grande maioria dos diagnósticos é feita
pela anamnese. O exame físico e os
achados laboratoriais aperfeiçoam o diag-
nóstico, excluindo certas possibilidades e
aumentando a confiança do médico nas
hipóteses que formulou.
O próprio artigo mostra que tais infor-
mações de caráter científico não são
novas, uma vez que outros autores, em
trabalhos também muito interessantes,
tais como Plat (2), em 1947, e Hampton
(3), em 1975, disseram a mesma coisa.
Curiosamente, esses trabalhos tão
simples demonstram e confirmam a
ideia de que a anamnese seria a fer-
ramenta diagnóstica disponível mais
poderosa à disposição do médico.
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 3
26
22
4
12
15
16
20
sessÃO clínicaPalpitação, Dispneia e Desconforto Precordial
RelaTO De casOCistoadenoma Seroso Pancreático Manifestando-se com Pancreatite Aguda
O DesaFiO Da iMaGeMCefaleia, Coriza, Odinofagia, Icterícia e Colúria
RelaTO De casOManejo da Leptospirose na Terapia Intensiva
a cOnDuTa DO PROFessORIncidentalomas Adrenais
sessÃO clínicaInfecção e Alterações Motoras em Criança
RelaTO De casOPelagra: Relato de um Caso Clínico Típico
Se você deseja ver publicada emCONDUTA MÉDICA uma Sessão Clínica de seu Serviço ou um Relato de Caso de sua autoria, entre em contato conosco.Tel. 21-22051587 outelefax 21-22052085 e-mail: [email protected]
acesse nOssO siTe www.condutamedica.com.br PaRa cOnHeceR nOssas eDiÇÕes anTeRiORes
PROF. DR. GILBERTO PEREZ CARDOSOProfessor Titular do Departamento de Clínica Médica da UFFDoutor em Endocrinologia pela UFRJEditor da revista Conduta® Médica
cOnDuTa MÉDica
Com base nessas informações, os autores
sugerem que mais tempo deveria ser de-
dicado por nossos cursos de graduação e
inclusive de pós-graduação (especializa-
ção e residência médica) no treinamen-
to da feitura da história clínica. Isso é
algo que viemos defendendo há muito
tempo e que deveria ser feito também
na pós-graduação. Por exemplo, dando
mais ênfase no treinamento de internos
e residentes em exercícios com seus
preceptores especificamente no aperfei-
çoamento da história clínica e, obvia-
mente, também do exame físico. Isso
certamente iria estimular os estudantes
a dedicar mais tempo ao diálogo com o
paciente. E com certeza contribuiria
para uma menor solicitação de exames
complementares – muitos deles, como
já é fartamente sabido, desnecessários.
Além de tudo, haveria economia de
custos.
Quero lembrar ainda que esse diálogo,
travado durante a feitura da anamnese,
não visa apenas ao diagnóstico, mas é
também terapêutico, porque funciona,
muitas vezes, como uma psicoterapia
implícita, em que a oportunidade que é
dada ao paciente de falar, de se expres-
sar, por si só funciona, frequentemente,
como uma modalidade de tratamento,
conforme nos ensina a medicina psi-
cossomática.
E por que não estender esse treina-
mento para médicos já formados, que
porventura desejassem se reciclar no
manejo dessa ferramenta tão poderosa
de que dispomos? Proporcionalmente,
conforme alerta o estudo, a habilidade
de colher uma boa e eficiente anamne-
se contribuiria mais para a obtenção
do diagnóstico do que a capacida-
de de interpretar muitos dos exames
complementares que existem à nossa
disposição.
Se temos inúmeros cursos de exames
complementares disponíveis para o
médico, em diversas especialidades e
em programas de educação continua-
da, onde a habilidade do médico em
interpretá-los é exercitada, por que não
termos também programas ou iniciati-
vas para reforçar a habilidade do médico
em elaborar uma boa história clínica ou
executar um preciso exame físico?
Fica aqui nossa sugestão.
(1) Peterson, MC; Holbrook, JH; von Hales, D;
Smith, NL; Staker, LV: “Contributions of the
history, physical examination, and laboratory
investigation in making medical diagnoses”; Wet
J Med 1992; 156: 163-165.
(2) Plat, R. Two essays on the practice of medicine.
Manchester University Medical School Gazette.
1947; 27: 139-145.
(3) Hampton, JR; Harrison, MJG; Mitchell JRA et
al: Relative contributions of history-taking, physi-
cal examination, and laboratory investigation to
diagnosis and management of medical outpatients.
Br. Med. J.; 1975; 2: 486-489.
4 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/20104 Conduta médiCa ● ano Xi - n044 -aBR/mai/jun/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
Palpitação, Dispneia e Desconforto Precordial Palpitation, Dyspnea and Precordial Pulsations
Sessão clínica realizada em 19 de agosto de 2009, pela Coordenação da Cardiologia Clínica do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro – Iecac (Rio de Janeiro – RJ)
Relator:Dr. Cristian Paul Yugcha ArmasPós-Graduando do Curso de Pós-Graduação Médica do Iecac
Coordenador:Dr. Dany David KruczanProfessor de Semiologia Cardiovascular do Curso de Pós-Graduação Médica do Iecac
Participantes:Dr. Serafim BorgesCoordenador Clínico do Iecac
Dr. Ricardo MaiaMédico do Grupo de Estudos de Doença Valvar do Iecac
Dr. Reinaldo HadlichCoordenador do Grupo de Estudos de Métodos Complementares do Iecac
Dr. Washington MacielCoordenador do Grupo de Estudos de Arritmias do Iecac
Dr. Dirson de Castro AbreuProfessor Assistente da Uerj/UFRJ
Dr. Hugo de Castro SabinoMédico do Serviço de Ecocardiograma do Iecac
Dr. Roberto BassanProfessor Titular de Cardiologia da PUC / Iecac
Dr. Cláudio Assumpção Coordenador do Grupo de Estudos de Cirurgia Cardíaca do Adulto e da Criança do Iecac
Dr. José AfonsoMédico do Ambulatório do Grupo de Estudos de Doença Valvar
Dr. Júlio NigroCoordenador da Rotina da Unidade Cardiointensiva 6
Dr. Salvador Manoel SerraCoordenador do Grupo de Estudos de Ergometria e Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica
ResuMO – Trata-se de paciente de 59 anos de idade queixando-se de palpitações, dispneia e desconforto precordial, tendo procurado uma unidade de atendimento primário; lá foi feito o diagnóstico de taquicardia ventricular não sustentada, tendo sido então transferido para o CTI do Iecac, para tratamento e diagnóstico. (Conduta Médica 2010-12 (45) 4-10)
aBSTRaCT – It is a case of a 59-year-old man with palpitations, dyspnea and precordial pulsations that searched a primary care unity, where a diagnosis of unsustained ventricular tachycardia was made; he was then removed to Intensive Care Unity of Iecac. (Conduta Médica 2010-12 (45) 4-10)
DescRiTORes – palpitação; dispneia; taquicardia
KeY-WoRDS – palpitations; dyspnea; tachycardia
DR. cRisTian
Identificação: Paciente de 59 anos,
masculino, branco, trabalha como
encarregado, brasileiro, natural de
Minas Gerais, casado.
Queixa Principal: “palpitações, disp-
neia e desconforto precordial”.
História da Doença Atual: Em
5/7/09 o paciente apresentou pal-
pitações irregulares de inicio súbito
após o trabalho, acompanhando-se
de dispneia moderada e desconforto
no peito, fazendo-o procurar atenção
médica na UPA, onde foi feito o
diagnóstico de taquicardia ventricu-
lar não sustentada com resposta ao
uso de amiodarona EV. Foi transfe-
rido para a UTI do Iecac em 7/7/09.
História Patológica Pregressa: HAS
em estágio I, dislipidemia, sedenta-
rismo, hiperuricemia, cateterismo
cardíaco em julho 2009 no Iecac,
poliartralgias aos 18 anos de idade
sem tratamento. Aos 38 anos fez
tratamento com benzetacil por um
ano (o médico suspendeu), tendo
sido considerado como portador de
febre reumática. Tem passado de
verminoses, arritmia não especifica-
da há dois anos e insuficiência renal
crônica. Está em uso de captopril
25mg 8/8h; Lasix® 20mg/dia VO;
AAS 100mg/dia; Clexane® 60mg
12/12h SC; diazepam 10mg VO; alo-
purinol 100mg/dia VO; amiodarona
200mg/1vez dia VO.
História Social e Familiar: Sem
história de tabagismo, etilismo ou
uso de drogas. Sem história familiar
de doença cardiológica.
Exame Físico: Peso 74 Kg; altura
1,58m; IMC 30,24kg/m2. Paciente
em razoável estado geral, eupneico,
mucosas orais normocoradas, dentes
4 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 5 Conduta médiCa ● ano Xi - n044 - aBR/mai/jun/2010 5
>
em bom estado de conservação.
Pescoço normal. Pulsos carotídeos
palpáveis e diminuídos, pulsos nos
membros superiores e inferiores
direitos e esquerdos palpáveis, re-
gulares e diminuídos discretamente.
Em abdômen nada digno de nota.
Precórdio com ictus palpável em
decúbito lateral esquerdo e, em
decúbito dorsal, ictus palpável com
características normais, localizado no
6°EIC linha hemiclavicular esquer-
da, sem frêmito. Não se palpou VD.
À ausculta precordial, no foco mitral
havia ritmo regular, com presença de
extrassístoles, B1 forte hiperfonética
com clique protossistólico, presença de
sopro holosistólico 3+/6+ que cresce
para a telessístole, com irradiação para
clavículas e fúrcula, sem irradiação
para carótidas, B2 presente de menor
intensidade. Em mesocárdio, sopro
sistólico audível mesotelessistólico
3+/6+. Em focos da base, sopro sistó-
lico menor audível com B1 desdobrada
por um clique e B2 presente sem altera-
ções. A manobra de Rivero-Carvalho
foi considerada positiva. O sopro dimi-
nuía de intensidade com manobra de
Valsava, hand-grip, posição de cócoras
e de pé. O sopro aumentava após as
extrassístoles.
DR. DanY
Gostaria que a Dra. Vanessa falasse
sobre a radiografia desse paciente.
DRa. Vanessa
(ver figuras 1 e 2) É uma radiografia
em PA e perfil com contraste oral.
O arcabouço ósseo não apresenta
nenhuma alteração. Os pulmões
estão expandidos e os seios costofrê-
nicos estão normais. O esôfago está
jogado posteriormente, o que sugere
um aumento das câmaras esquerdas.
Aorta de calibre normal, sem alte-
rações.
DR. ROBeRTO
Existe uma cardiomegalia global. O
bordo inferior esquerdo está pouco
definido. A circulação pulmonar
central parece central, assim como
a periférica. Não vejo inversão da
trama vascular, ou seja, não há sinais
de hipertensão venocapilar pulmo-
nar. Ao perfil, a aurícula esquerda
empurra o esôfago posteriormente, e
fico na dúvida sobre se o espaço aéreo
retroesternal está ocupado. Não vejo
claramente calcificação na projeção
das válvulas.
DR. cRisTian
(ver f igura 3) O ECG tem ritmo
sinusal, com onda P de característica
bífida. Há complexo QRS uniforme;
contudo, aparece uma extrassístole
ventricular. O índice de Morris evi-
dencia sobrecarga de VE e AE.
DR. DiRsOn
Vemos, também, alteração na repo-
larização de VE; ângulo de QRS em
FIGURAS 1 E 2Raios X PA e perfil
FIGURA 3ECG
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 5
6 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
torno de 30o; evidente hipertrofia
ventricular esquerda e arritmia com
extrassístoles ventriculares. Há um
provável crescimento do ventrículo
esquerdo.
DR. WasHinGTOn
Acrescentaria que as extrassístoles
em V1 são isoladas e pareadas.
DR. DanY
Gostaria de pedir ao Dr. Reinaldo
que comentasse o fonomecanocar-
diograma.
DR. ReinalDO
(ver figuras 4 a 10) No registro dos
ruídos cardíacos no foco mitral iden-
tificamos uma primeira bulha re-
lacionada ao complexo QRS, uma
segunda bulha relacionada à onda
T, e também um sopro sistólico que
possui uma acentuação maior no
FIGURA 4Fonomecanocardiograma choque de ponta
FIGURA 5Fonomecanocardiograma foco aórtico acessório
FIGURA 6Fonomecanocardiograma foco aórtico
FIGURA 7Fonomecanocardiograma
foco mitral
FIGURA 8Fonomecanocardiograma
foco pulmonar
6 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 7
>
final da sístole, apesar de ter pequena
intensidade no registro. Pela carac-
terística de manutenção em todos os
traçados e, relacionando-se com a
mesma distância da primeira bulha,
observa-se também o clique de ejeção
visto no exame físico. Na região
mesocárdica, nós continuamos iden-
tificando os mesmo ruídos. No foco
aórtico acessório, idem. No foco
pulmonar, já identificamos a segunda
bulha com maior intensidade, visto
ser esse foco o epicentro de tal bulha;
há, também nesse foco, sopro sis-
tólico com uma acentuação mais
mesosistólica e que termina antes
do componente aórtico da segunda
bulha. No foco aórtico, observam-se
características semelhantes. O pulso
arterial carotídeo esquerdo não está
sincrônico com o complexo QRS, ou
seja, a ejeção ocorre após QRS com
algum retardo, além de ser de pequena
amplitude. Essa onda inicial do pulso
carotídeo, em condições habituais,
é ampla e retilínea. No choque de
ponta, observamos uma onda pré-
sistólica presente em todos os traçados
e que é bem marcada com a onda P
do ECG, ou seja, o evento elétrico
precede o evento mecânico. Não
há sinais de barreira na transferência
átrio-ventricular.
DR. DanY
Em resumo, esse paciente possuía
pulsos carotídeos diminuídos mas não
entalhados, e o sopro mesotelessistó-
lico que irradiava até a clavícula, não
ia às carótidas, com foco mitral de
maior audibilidade. O sopro aumen-
tava após a pausa das extrassístoles,
diminuía em pé e com manobras
isométricas. A única pista que darei
a vocês é que o sopro aumentava com
a manobra de Rivero-Carvalho, in-
clusive no foco mitral. É fato que ele
se comportou como sopro de ejeção,
pois praticamente desapareceu com
a manobra de Valsava. A sensação
tátil do choque de ponta era normal.
Há mais um ECG evidenciando uma
sobrecarga atrial esquerda e critérios
de hipertrofia ventricular esquerda,
além de extrassístoles ventriculares.
É um paciente não necessariamen-
te sintomático, mas foi internado
devido a um relato de episódio de
FIGURA 9Fonomecanocardiograma pulso carotídeo esquerdo
taquiarritmia ventricular não susten-
tada em um posto de saúde e então
encaminhado a nós. Antes de apre-
sentar o ecocardiograma, gostaria de
hipóteses diagnósticas.
DR. aFOnsO
Com um sopro de ejeção com um
clique e sobrecarga atrial esquerda
não se pode descartar dificuldade de
ejeção da câmara esquerda. Talvez
um problema valvular ou uma oclusão
subvalvular aórtica.
DR. JuliO
Não discordo do Dr. Afonso. Estenose
da válvula aórtica é um diagnóstico
provável. Não podemos esquecer que
esse paciente também referia dor.
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 7
FIGURA 10Fonomecanocardiograma
região mesocárdica
8 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
DR. cRisTian
A dor que ele referia não era tipica-
mente anginosa.
DR. JuliO
De qualquer maneira ele foi sub-
metido a uma coronariografia, que,
mesmo não apresentando laudo po-
sitivo para obstrução coronariana, foi
valorizada por algum médico a ponto
da indicação de tal exame. No caso
de estenose aórtica ou subaórtica,
a sintomatologia é compatível. O
pulso carotídeo não estaria alternan-
te, o que indicaria disfunção ventri-
cular grave?
DR. DanY
Tive bastante dificuldade de obter o
traçado do pulso carotídeo por este
ser de baixa amplitude. Eu não afir-
maria que este seria alternante.
DR. DiRsOn
O comentário do Dr. Afonso está
bem cabido e eu acrescentaria que,
com esta ausculta em foco mitral e
mesocárdio, nos dá a impressão de
um prolapso ou degeneração mixo-
matosa de válvula mitral.
DR. ReinalDO
Toda a história e exame físico nos
levam a pensar numa valvulopatia
que compromete o coração esquerdo.
Partindo dessa premissa, imaginamos
que possa haver comprometimento
da válvula aórtica. E vem o seguinte
questionamento: que tipo de lesão
aórtica produziria um sopro sistólico
tipo ejeção? Com o pulso carotídeo
pequeno, mas não anacrótico, e a
presença de um clique identificado
na ponta, podemos ser levados a
pensar numa estenose aórtica. Mas
faltam outros dados. Uma estenose
aórtica irradiaria o sopro nitidamente
para os vasos do pescoço. De certa
forma, por essa característica, eu já
não pensaria numa forma típica de
estenose aórtica valvular. Por outro
lado, o paciente apresenta cresci-
mento atrial e ventricular esquerdo
tanto no eletrocardiograma como
na radiografia de tórax. Isso nos leva
a pensar numa barreira à saída do
ventrículo esquerdo: não pode ser uma
estenose subaórtica dinâmica pois o
pulso não é do tipo bisferens; mas
pode ser uma estenose subaórtica em
membrana, pois neste tipo de patologia
o sopro não possui obrigatoriamente
irradiação para os vasos do pescoço.
Então, dentro do raciocínio das possi-
bilidades de estenose aórtica, eu ficaria
com a subaórtica em membrana acom-
panhada de uma hipertrofia ventricular
esquerda, esta última devida talvez a
uma cardiomiopatia hipertrófica não-
obstrutiva. Contudo, num paciente
que apresenta arritmia, sopro em ponta
e clique, não posso deixar de pensar em
prolapso de válvula mitral, apesar de
não haver comportamento de sopro de
regurgitação. Mas temos visto várias
vezes que esse dado não possui especi-
ficidade e sensibilidade para afastar tal
diagnóstico.
DR. RicaRDO
Realmente, com o sopro mesotelesis-
tólico com a primeira bulha marcada
e clique de ejeção não podemos, de
forma alguma, deixar o diagnóstico
de prolapso da válvula mitral, mesmo
ele não tendo toda a riqueza que se
esperaria de uma patologia como
esta. A onda pré-sistólica indica
uma hipertrofia significativa, apesar
de não haver quarta bulha. Contudo,
trata-se de um doente de 59 anos,
hipertenso e renal crônico. Minha
hipótese diagnóstica é de prolapso de
válvula mitral.
DR. seRaFiM
Chama a atenção que o sopro tem
a característica das duas câmaras
de saída do coração. Vale ressaltar
que o ECG não é característico de
cardiomiopatia hipertrófica. Eu
fico com o Dr. Ricardo, crendo que
a hipertrofia desse paciente é pela
hipertensão arterial. Sabe-se que
em 95% dos casos de cardiomiopatia
hipertrófica o ECG é alterado e tem
um detalhe curioso: se o paciente
ficar em repouso o ECG melhora,
mas o ecocardiograma, que é padrão
ouro, não melhora. Fico, então, com
a hipótese de estenose subaórtica
membranosa dinâmica, mas também
com alguma patologia na válvula
mitral.
DR. ROBeRTO
O caso definitivamente não é fácil;
os exames clínico e laboratoriais
8 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 9
disponíveis não nos permitem ter a
certeza do diagnóstico, mas compar-
tilho integralmente com o raciocínio
do Dr. Ricardo sobre a probabilidade
de prolapso de válvula mitral.
DR. DanY
O ecocardiograma que o paciente
trouxe de outro serviço, do dia
8/7/09, evidenciou aorta de 3,3cm;
diâmetro de VE 6,9cm; septo inter-
ventricular de 1,2cm; parede pos-
terior de 1,2cm; átrio esquerdo de
6,2cm; diâmetro sistólico de VE de
4,9cm e diâmetro diastólico de VD
de 2,5cm e fração de ejeção de 59%.
Mostrou também folhetos mitrais
espessados com prolapso do folheto
posterior, folhetos aórticos espessa-
dos, função sistólica do VE normal,
função segmentar do VE normal,
função diastólica do VE pseudo-
normal, pressão sistólica da artéria
pulmonar de 39 mmHg. O Doppler
evidenciou razão E/A > 2, refluxo
mitral grave com jato direcionado
à parede anterior do AE, com efeito
em coana. Mostrou também insu-
ficiência aórtica leve com insufici-
ência tricúspide leve a moderada.
A conclusão do ecocardiograma foi
aumento de cavidades esquerdas
com função sistólica do VE limí-
trofe; válvula mitral com folhetos
espessados com prolapso de folheto
posterior com refluxo mitral grave
direcionado à parede anterior do
AE; orifício regurgitante de 0,8cm,
volume 96ml; esclerose aórtica com
refluxo leve e insuficiência tricúspi-
de leve a moderada. Mesmo assim,
pedi que nosso ecocardiografista
executasse outro ecocardiograma.
Peço que ele comente.
DR. HuGO
No ecocardiograma que realizamos
aqui no hospital, concluímos por
aumento de cavidades esquerdas com
disfunção sistólica global do VE de
grau moderado; hipertrofia do VE
(foi discutido aqui sobre sua prová-
vel etiologia hipertensiva); válvula
mitral com prolapso dos folhetos de
predomínio posterior, com degenera-
ção mixomatosa com refluxo mitral
grave; refluxo aórtico leve e válvula
bicúspide sem estenose e refluxo
tricúspide leve.
DR. cRisTian
O eco de carótidas e artérias verte-
brais evidenciou carótida esquerda
com espessamento intimal acentuado
em segmento médio, e bulbo apre-
sentando placa de 30% da luz que
envolve a origem do ramo interno,
com f luxos normais nas regiões
distais. A carótida direita tem leve
espessamento intimal em segmento
médio, o bulbo apresentando placa
mole (material lipídico) de 30% da
luz, envolvendo ramo interno e fluxo
distal normal. As artérias vertebrais
têm bom calibre e fluxo normal.
DR. DanY
Pedimos, também, um teste de esforço
(visto que esse paciente era oligoas-
sintomático), que será comentado
pelo Dr. Salvador.
DR. salVaDOR
Apesar do uso de um protocolo adap-
tado, o paciente não se adaptou ao
ergômetro, levando à interrupção
precoce do exercício. Nesse pouco
tempo de teste, foram observadas
muitas extrassístoles ventriculares
pré e pós-exercício e episódios de
taquicardia ventricular não susten-
tada no exercício e na recuperação
imediata. A variável que mede a
relação da ventilação e da produção
de CO2 (V’E/V’CO2) estava com
parâmetros elevados, implicando não
favoravelmente na perspectiva do
prognóstico.
DR. cRisTian
Foi realizado cateterismo cardíaco
que evidenciou, à cineventriculogra-
fia esquerda, cavidade com volume
muito aumentado e hipocinesia
difusa severa, válvula mitral com
refluxo severo de contraste para o
átrio esquerdo. A cineaortografia foi
normal; a cineangiocoronariografia
não evidenciou lesões obstrutivas.
Concluiu-se, portanto, por insu-
ficiência mitral severa com grave
disfunção ventricular esquerda.
DR. DanY
O paciente foi então submetido a
cirurgia, realizada pelo Dr. Cláudio
Assumpção, que vai nos descrever >
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 9
10 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
o que foi realizado e encontrado
durante o ato cirúrgico.
DR. clÁuDiO
(ver figuras 11 e 12) O que nos pre-
ocupou muito foi a função ventri-
cular diminuída, confirmada no
ato operatório. Foi observado um
ventrículo esquerdo dilatado, mo-
deradamente hipertrofiado e princi-
palmente hipocontrátil. A válvula
aórtica possuía três folhetos, todos
espessados, porém especialmente
o folheto coronariano esquerdo.
Também havia folheto coronariano
direito prolapsado, redundante e
aumentado de tamanho e folheto
não-coronariano de características
normais, mas com depósito de cálcio
indicando um provável acometimen-
to reumático anterior (ver figura 11).
A válvula possuía uma insuficiência
mínima a moderada. Ao abrirmos
o átrio direito, encontramos as vál-
vulas tricúspides morfologicamente
normais, porém com grau de regurgi-
tação. Ao abrirmos o átrio esquerdo,
observamos uma válvula mitral com
o folheto posterior muito espessado
e distorcido, com alargamento de
cordoalhas e prolapso, assim como o
folheto anterior, que também possuía
depósitos de cálcio. Inicialmente
tentamos fazer a plastia; contudo, a
válvula era muito disforme e não pos-
sibilitou a realização dessa técnica.
Retiramos os folhetos e implantamos
uma prótese metálica. Realizamos
a plastia da válvula tricúspide em
seguida. Tentamos manter a válvula
aórtica; contudo, os folhetos se en-
contravam em condições tais que
não permitiam uma plastia sem que
houvesse uma insuficiência razoável.
Portanto, implantamos uma válvula
aórtica metálica. O paciente seguiu
bem no pós-operatório, sendo extu-
bado no segundo dia.
DR. RicaRDO
Deste caso fica a mensagem de que,
quando existe uma primeira bulha
bastante marcada, sem componente
de estenose, sopro mesotelesistólico
ou até mesmo holossistólico, tem-se
que pensar na hipótese de prolapso
de válvula mitral.
DR. DanY
O que chamava a atenção era o
aumento do átrio esquerdo nesse
doente. Uma insuficiência aórtica sem
comprometimento mitral não levaria
a um aumento tão grande visto no RX
e no ECG. E, apesar da insuficiência
mitral grave e de até um certo grau de
disfunção ventricular, era de se esperar
uma terceira bulha nesse paciente.
DR. ReinalDO
Em relação à cirurgia, estando o pa-
ciente sintomático ou não, a fração
de ejeção menor que 60% já é indi-
cação cirúrgica. Além do mais, pro-
lapso de válvula mitral com arritmia
incontrolável também configura
indicação IIB.
DR. DanY
Gostaria de agradecer a todos pela
bela sessão.
FIGURA 11Cirurgia (1)
FIGURA 12Cirurgia (2)
10 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 11
UNIMED-RIO LANÇA CARTÃO DE CRÉDITO E NOVA CAMPANHA
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 11
Viva! unimed, o primeiro cartão de
crédito de uma empresa de saúde
Em abril, o Sistema Unimed e a Unimed-
Rio lançaram o Viva! Unimed, primeiro
cartão de crédito de uma empresa de
saúde no Brasil. Para administrar o
negócio, foi criada a UBR Cartões, so-
ciedade que reúne a Unimed do Brasil, o
Banco Fator e a Mastercard. A proposta
é, nos próximos meses, levar o Viva!
Unimed para as principais singulares.
Para Celso Barros, presidente da Uni-
med-Rio, a iniciativa comprova o
pioneirismo da Unimed. “Esta é mais
uma ação de vanguarda da cooperativa,
que, ao lançar o Viva!Unimed, cria um
produto que não existe no mercado
e que certamente nos ajudará com
resultados financeiros interessantes”,
explica o executivo. Parte da receita
gerada pelo cartão será revertida para
a Unimed-Rio, proporcionando mais
uma oportunidade de receita para a
organização.
Pensado para cooperados, clientes e
colaboradores, o cartão traz condições
e vantagens especiais. “Inovamos nos
benefícios, trazendo novas possibilida-
des, como o financiamento de cirurgias
e procedimentos estéticos, pagamento
de mensalidades do plano no cartão,
seguros, taxas de refinanciamento
menores do que as de mercado e um
programa de fidelidade bastante interes-
sante, no qual as pessoas usam o cartão,
acumulam pontos e os trocam por pro-
dutos ou serviços relacionados à saúde,
ao bem viver”, completa Celso Barros.
Existem duas maneiras de adquirir seu
cartão: ligando para a Central da UBR
pelo telefone 3003-0144 ou por contato
da própria administradora oferecendo
o cartão. Como em todo o sistema de
crédito, a liberação do Viva! Unimed
está sujeita a critérios de aprovação
estabelecidos pela UBR.
nova campanha da unimed-Rio
mostra que a felicidade é para todos
Em maio, a Unimed-Rio lançou sua
nova campanha institucional: “A vida
não precisa ser perfeita para você ser
feliz”. A campanha é uma evolução
do posicionamento que vem sendo
adotado, de forma pioneira, nos últimos
anos. As peças estimulam os consumi-
dores a viver cada momento da vida
e não pautar sua felicidade por razões
externas. “É mais uma evolução da
nossa linha de pensamento. Primeiro
nos reposicionamos, inovamos ao falar
de qualidade de vida, com as campa-
nhas ‘Adote’, ‘Tenha’, ‘Faça’ e ‘Viva’.
Depois partimos para a ação, pedindo
que as pessoas colocassem isso em
prática com o ‘Viva Hoje e Sempre’. E
agora vamos mostrar que qualidade de
vida não é algo inalcançável”, explica
Eduardo Bordallo, diretor de Mercado
da Unimed-Rio.
A campanha tem peças para emissoras
de TV, abertas e fechadas, além de
anúncios em revistas, spots em rádio e
mobiliário urbano, entre outras ações.
“A expectativa de uma vida perfeita
muitas vezes gera ansiedade e frustra-
ção, pois a maior parte das pessoas não
consegue chegar a esse modelo. Que-
remos mostrar que a receita para uma
vida saudável é buscar a felicidade em
tudo o que fazemos e vamos explorar
isso nas peças de mídia impressa, usando
modelos de vida perfeita”, acrescenta
Bordallo.
12 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
Cistoadenoma Seroso Pancreático Manifestando-se com Pancreatite AgudaSerous Cystadenoma Presenting as an Acute Pancreatitis
Autores: Prof. Aniello PalomboProfessor Associado II de Cirurgia Geral da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Prof. Edison Monteiro CamposProf. Manoel Fernando de Oliveira RodriguesProfessores Adjuntos de Cirurgia Geral da UFF
Genaro Fahrnholz BonsantoInterno do Curso de Medicina da UFF
inTRODuÇÃO
Tumores císticos primários do pâncreas são
raros, representando apenas 10 a 15% de
todas as massas pancreáticas císticas. Esses
tumores possuem uma ampla variedade
de subtipos e potenciais de malignidade,
sendo os principais a neoplasia cística
serosa, a neoplasia cística mucinosa e a
neoplasia mucinosa papilar intraductal.
Esses tumores são mais prevalentes em
mulheres após a quinta década de vida
e, em sua maioria, são assintomáticos. A
pancreatite ocorre nos raros casos onde o
tumor comprime os ductos pancreáticos,
e, mesmo sendo relatados sintomas de
pancreatopatia em 10 a 20% dos casos, um
episódio de pancreatite aguda documenta-
do é exceção à regra.
RelaTO DO casO
Paciente do sexo feminino, 48 anos,
procurou assistência médica de emer-
gência em 8/4/2009 com dor abdomi-
nal em barra no andar superior que se
irradiava para o dorso, acompanhada
de náuseas e vômitos. Negava episó-
dios anteriores semelhantes, etilismo
e tabagismo. Ao exame físico, apre-
sentava dor à palpação profunda em
quadrantes superiores, sem irritação
peritoneal. Os exames laboratoriais
revelaram amilase de 349,8 U/l (VR
de 10 a 100 U/l) e lipase de 331,6 U/l
(VR até 60 U/l).
A TC de abdômen realizada em 8/4/2009
revelou imagem nodular hipodensa lo-
calizada na cauda do pâncreas, medindo
ResuMO – Neoplasias císticas primárias do pâncreas (neoplasias císticas serosas, neoplasias seromucinosas e neoplasias mucinosas papilares intraductais) são raras, representando de 10 a 15% das massas císticas pan-creáticas. Essas neoplasias têm uma maior prevalência entre mulheres de mais de 50 anos de idade e são, em sua maioria, benignas e assintomáticas. Em raras ocasiões, quando o tumor comprime os dutos pancreáticos, o paciente pode apresentar uma pancreatite aguda, e apesar de 10 a 20% dos pacientes referirem sintomas pancreáticos, uma pancreatite aguda documentada é exceção à regra. (Conduta Médica 2010-12 (45) 12-14)
aBSTRaCT – Primary cystic neoplasms of the pancreas (serous cystic neoplasms, mucinous serous neoplasms, and intraductal papillary mucinous neoplasms) are rare, representing 10 to 15% of cystic pancreatic masses. These neoplasms have a higher prevalence among women older than 50 years and are in majority benign and asymptomatic. On rare occasions where the tumor compresses the pancreatic ducts, the patient may present an acute pancreatitis and although 10 to 20% of the patients refer pancreatic symptoms, a documented acute pancreatitis is the exception rather than the rule. (Conduta Médica 2010-12 (45) 12-14)
DescRiTORes – pâncreas; neoplasia; cisto; cistoadenoma seroso; pancreatite
KeY-WoRDS – pancreas; neoplasm; cyst; serous cystadenoma; pancreatitis
12 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 13
3,9 x 4,0cm, espessamento nodular da
suprarrenal esquerda e derrame pleural
à esquerda (ver figura 1).
Instituído tratamento clínico inicial,
houve melhora da dor abdominal,
com queda progressiva dos níveis de
amilase e lipase, porém em 21/4/2009
houve nova elevação desses níveis para
771,60 U/l e 1473 U/l, respectivamen-
te. A dosagem do cortisol sanguíneo
estava dentro dos valores de referência.
A paciente foi então submetida a
laparotomia exploradora em 24/4/09,
constatando-se tumor cístico pancreáti-
co na transição corpo-cauda, com sinais
de reação inflamatória peripancreática
e pancreatite caudal, além de nódulo
cístico em suprarrenal esquerda (ver
figuras 2 e 3).
Procedeu-se então a pancreatectomia
corpo-caudal, com esplenectomia
e suprarrenalectomia esquerda. O
exame histopatológico revelou cisto-
adenoma seroso constituído de lesão
cística uniloculada, medindo 1,5cm
de diâmetro, e focos de pancreatite
crônica no pâncreas circunjacente.
A suprarrenal esquerda mostrava con-
gestão e focos de hemorragia. A pa-
ciente evoluiu bem no pós-operatório,
sem intercorrências, recebendo alta
hospitalar para controle ambulatorial
em 1o/5/2009.
DiscussÃO
As principais etiologias da pancreatite
aguda são a doença biliar litiásica e o
etilismo em 70 a 80% dos casos; 10 a
20% não têm etiologia definida, e 5 a
10% estão associados a diversas causas
como trauma, uso de drogas e alterações
metabólicas (8 e 5).
A obstrução dos ductos pancreáticos é
citada na literatura como o mecanismo
que deflagra a pancreatite em algumas
etiologias mais raras, por exemplo asso-
ciado à doença de Crohn duodenal ou
tumores periampulares. Neste caso, a
paciente apresentou um quadro clássico
de pancreatite aguda atribuído a uma
obstrução dos ductos pancreáticos por
um cisto localizado na transição corpo-
cauda do pâncreas (2 e 8).
FIGURA 1TC abdominal sem contraste, evidenciando lesão hipodensa em cauda de pâncreas (seta vermelha),
espessamento nodular da supra-renal esquerda (seta branca) e derrame pleural esquerdo (seta amarela)
FIGURA 2Exposição da face anterior do pâncreas na retrocavidade dos epíploons e reparo do istmo pancreático com fita cardíaca
FIGURA 3Mobilização do corpo-cauda do
pâncreas (com cisto em sua face posterior) e baço para a direita
>
14 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
As lesões císticas pancreáticas podem
ser classificadas de acordo com sua
origem ou seu epitélio de revestimen-
to, e são em sua maioria pseudocistos
(>75%), sendo o restante composto
de tumores císticos, benignos na
maior parte dos casos. Estes podem
ser divididos em três principais sub-
tipos: serosos (cistoadenoma seroso
e cistoadenocarcinoma), mucinosos
(cistoadenoma mucinoso, cistoade-
nocarcinoma mucinoso, adenoma
intraductal papilar e adenocarcinoma
intraductal papilar) e tumores pseudo-
papilares (4 e 5).
No caso relatado, a paciente apre-
sentava um cistoadenoma seroso,
que é responsável por 20 a 40% dos
tumores císticos pancreáticos, sendo
descrito na literatura como uma lesão
com menos de cinco centímetros,
bem delimitada e localizada prin-
cipalmente na cabeça do pâncreas.
Macroscopicamente, é uma lesão
policística com calcificação central,
embora em 10% dos casos possa se
apresentar como um cisto único. O
potencial de malignidade descrito é
de 3%, tendo sido relatados apenas
10 casos (4).
A presença de s intomas é rara ,
sendo relatados principalmente
desconforto abdominal e dor de
pequena intens idade . S inai s e
sintomas obstrutivos mais comuns
estão re lac ionados a coles tase .
Cita-se na l i teratura a his tór ia
p rév ia de “pancrea t i t e ” em 10
a 20% dos pacientes , embora a
apresentação do tumor com uma
pancreatite aguda seja exceção à
regra. Vale ressaltar que a pancrea-
tite, mais comumente, está presente
em tumores do subtipo mucinoso lo-
calizados em corpo e cauda (5, 4 e 2).
O diagnóstico é obtido facilmente
através de métodos de imagem como
a ultrassonografia e a tomografia
computadorizada de abdômen. O
aspecto mais comum é de uma lesão
cística multiloculada, com calcifica-
ção central estrelada, característica
que, embora patognomônica, está
presente em apenas 11-30% dos
casos (6 e 2).
O tratamento dos tumores císticos
sintomáticos é consensual, sendo
indicada a ressecção mais conser-
vadora possível. A enucelação do
tumor é possível, embora aumente a
incidência de fístula pancreática no
pós-operatório. Neste caso a pacien-
te foi submetida a pancreatectomia
corpo-caudal com esplenectomia e
adrenalectomia esquerda, uma vez
que não havia plano de clivagem
com a glândula suprarrenal esquerda
(6 e 7).
cOnclusÃO
Os tumores císticos pancreáticos,
apesar de serem benignos em sua
maioria, podem determinar compres-
são de órgãos e estruturas adjacentes
como intestino, vias biliares e ductos
pancreáticos, devendo ser tratados
com abordagem cirúrgica conserva-
dora.
ReFeRÊncias BiBliOGRÁFicas
1- Mulkeen AL, Yoo PS, Cha C. Less
common neoplasms of the pancreas.
World J Gastroenterol 2006; 12(20):
3180-3185.
2- Gourgiotis S, Germanos S, Ridolfi-
ni MP. Presentation and management
of pancreatic cystic neoplasms. J Clin
Gastroenterol 2007; 41:599–608.
3- Grobmeyer SR, Cance WG, Co-
peland EM, Vogel SB, Hochwald SN.
Is there an indication for initial con-
servative management of pancreatic
cystic lesions? J. Surg. Oncol. 2009.
4- Garcea G,Ong SL, Rajesh A,Neal
CP, Pollard CA, Berry DP, Dennison
AR. Cystic lesions of the pancreas: A
diagnostic and management dilemma.
Pancreatology 2008;8:236–251.
5- Sakorafas GH, Sarr MG. Cystic
neoplasms of the pancreas: What a
clinician should know. Cancer Treat-
ment Reviews 2005;31:507–535.
6- Mortenson MM, Katz MHG,
Tamm EP, Bhutani MS, Wang H,
Evans DB, Fleming JB. Current di-
agnosis and management of unusual
pancreatic tumors. Am J Surg 2008;
196:100–113.
7- Brugge WR. Management and
ou tcomes o f panc rea t i c cy s t i c
lesions. Digestive and liver disease.
2008;40:854–859.
8 - Townsend CM, Beauchamp
R. Sabiston – Tratado de Cirurgia -
17a Ed. 2004.
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 15
O Desafio da ImagemThe Image Challenge
Analise os dados e as imagens fornecidos e procure chegar ao diagnóstico.A resposta e os comentários se encontram na página 30.
ResuMO – Trata-se do caso de um paciente do sexo masculino, com 38 anos de idade, apresentando febre de 40oC, cefaleia, coriza, odinofagia, icterícia e colúria, tendo sido sub-metido a uma tomografia computadorizada de tórax. (Conduta Médica 2010-12 (45) 15;30)
aBSTRaCT – It is a case report of a 38-year-old man presenting with fever of 40oC, headache, cold, ache on swallowing, jaundice and dark urine. A computed tomography of thorax was performed. (Conduta Médica 2010-12 (45) 15;30)
DescRiTORes – febre; icterícia; cefaleia
KeY-WoRDS – fever; jaundice; headache
Autores:Prof. Edson Marchiori Professor Titular e Chefe do Departamento de Radiologia da UFF,Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da UFRJ
Profa. Gláucia ZanettiDoutora em Radiologia pela UFRJ,Professora de Clínica Médica (Pneumologia) da Faculdade de Medicina de Petrópolis
Paciente masculino, 38 anos, minerador, recém-chegado do Amapá, com
História de Febre de 40o, Cefaleia, Coriza, Odinofagia, Icterícia e Colúria há quatro diasCase report of a 38-year-old man, with
Fever of 40oC, Headache, Cold, Ache on Swallowing, Jaundice and Dark Urinefor four days
FIGURA 1 Tomografia computadorizada de alta resolução mostrando espessamento difuso de septos interlobulares, consolidação no lobo inferior direito e derrame pleural direito
16 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Autores:Fernanda G. MiodownikMorgana O. GazzetaInternas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Dr. Paulo Gabriel BastosChefe do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Ipanema
Dr. José BalliCardiologista, Médico do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Ipanema
Dr. Eduardo GaspariniGastroenterologista, Médico do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Ipanema
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
Manejo da Leptospirose na Terapia IntensivaManagement of Leptospirosis in the Intensive Care Unit
ResuMO – A leptospirose é uma infecção causada por espiroqueta do gênero Leptospira. É uma zoonose difundida mundialmente, sendo sua incidência maior em países em desenvolvimento. Há diversos tipos de sorovares da Leptospira, sendo a forma grave causada pelo grupo icterohaemorrhagiae. Este artigo relata dois casos de leptospirose grave (síndrome de Weil), que foram internados no Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Ipanema, em 2008. (Conduta Médica 2010-12 (45) 16-19)
aBSTRaCT – Leptospirosis is an infection caused by a spirochaet of the gender Leptospira. It is a worldwide zoonosis and its higher incidence is in developing countries. There are different kinds of serovars, and the severe form of the disease is caused by the icterohaemorrhagiae group. This present article is a report of two cases of the severe form of leptospirosis (Weil syndrome), that were admitted in the Intensive Care Unit of the Hospital Geral de Ipanema in 2008. (Conduta Médica 2010-12 (45) 16-19)
DescRiTORes – leptospirose; Leptospira; síndrome de Weil; febre ictero-hemorrágica
KeY-WoRDS – leptospirosis; Leptospira; Weil syndrome; ictero-haemorragic fever
inTRODuÇÃO
A leptospirose é uma infecção aguda
resultante da infestação de espiroquetas
do gênero Leptospira. Há diversas classifi-
cações; porém, a mais utilizada atualmente
é a divisão em sorovares, obtida através da
técnica de microaglutinação. Os sorovares
têm importância clínica e epidemiológica,
já que apresentam virulência diferenciada,
podendo ocorrer reinfecção da leptospirose
em um mesmo indivíduo por sorovares
diferentes1. A forma grave da leptospirose,
em geral, é causada por sorovares do soro-
grupo icterohaemorrhagiae2.
A infecção causada pela Leptospira talvez
seja uma das zoonoses mais difundidas
mundialmente. Para o homem, os hospe-
deiros animais de maior importância são o
rato, o cão, o gado e porcos. A forma de
infecção mais comum é indireta, através
de urina contaminada. A infecção se
dá por pequenas lesões na pele, visíveis
ou não. Os ratos são os disseminadores
do sorogrupo icterohaemorrhagiae1. A
incidência da leptospirose é maior nos
países em desenvolvimento, devido
às condições precárias de saneamento
básico, acúmulo de lixo e enchentes,
principalmente nas periferias. A doença,
em geral, acompanha o índice pluviomé-
trico. Acomete todas as faixas etárias,
mas a maior incidência ocorre entre 15
e 45 anos. A forma grave (síndrome de
Weil) é mais comum em homens que
mulheres. Esse fato pode ser explicado
devido à maior exposição profissional no
sexo masculino ou a um fator hormonal,
já que não se repete em mulheres pré-
púberes ou na pós-menopausa1.
O período de incubação da doença varia
de dois a 30 dias (média de sete dias)3.
Em 90% das infecções as manifesta-
16 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 17
ções são benignas e autolimitadas. As
manifestações graves incluem insufici-
ência renal, hepática e hemorragias. A
doença apresenta duas fases: septicêmica
e imune. As manifestações da primeira
fase ocorrem pela presença da leptospira,
enquanto que, na segunda, pela presen-
ça de substâncias tóxicas liberadas por
bactérias mortas e anticorpos produzidos
pelo hospedeiro. A fase septicêmica re-
presenta uma doença aguda, febril e mi-
álgica, e a fase imune, se sintomática, a
doença ictero-hemorrágica (ver tabela 1).
casO 1
Identificação: Paciente feminina, 17
anos, preta, natural do ES, moradora de
Acari (RJ).
História da Doença Atual: Paciente
transferida por quadro sugestivo de dengue
iniciado há três dias com dor em membros
inferiores, cefaleia, hemoptise volumosa,
hipotensão arterial (80x40mmHg), SpO2
46%, com rápida progressão. Relato de
hemorragia digestiva há 24h. Admitida
no CTI em por taquidispneia, hemoptise,
insuficiência respiratória e instabilidade
hemodinâmica.
História Patológica Pregressa: História
de contato com água de enchente há
cerca de 20 dias. G3: P3, lactante há
10 meses.
Exame Físico da Admissão: FC= 114bpm;
FR=20ipm; PA=160x120mmHg. Sedada
com midazolam (Ramsay VI), tubo oro-
traqueal (TOT) acoplado a ventilação
mecânica, hipocorada (2+/4+), acianó-
tica, anictérica, hidratada, hemorragia
conjuntival bilateral.
Aparelho Respiratório: Murmúrio
vesicular universalmente audível com
roncos e estertores difusos.
Aparelho Cardiovascular: RCR 2T,
BNF, sem sopros, sem turgência.
Abdômen: Flácido, timpânico, peris-
talse reduzida, indolor à palpação, com
hepatomegalia, sem massas.
Membros Inferiores: Sem alterações.
Exames Laboratoriais:
Hem: 4,22; Hb: 11.1; Ht: 33,0; Leuco:
6700 (neutro: 74; eos: 1; linf: 11; mon:
14); Plaquetas: 59000; BT: 1,25 (BD:
0,17; BI: 1,08); Ur: 15; Cr: 0,6; TGO:
1,58; TGP: 44; GGT: 22; Na: 136; K:
2,6; TAP: 16 s; INR: 1,3; PTT: 52s
Gasometria Arterial na Internação:
pH: 7,15; pO2: 83,7; pCO2: 37,9; Sat:
92,8; lactato: 59; BE: -14,4; HCO3-:
12,9; P/F: 83,7
Conduta Inicial: Foi iniciada nora-
drenalina devido a choque refratário
a volume, reposição de K e hidratação
vigorosa. Foram solicitados plasma,
plaquetas, VM em modo PCV com
PEEP=10 e realizadas sedação com
midazolam, sorologia para dengue e
leptospirose.
eVOluÇÃO
Dia 1: Feita vitamina K devido ao dis-
túrbio de coagulação.
Dia 1: Iniciado corticoide 50mg IV
12/12h devido a choque refratário a
aminas.
Dia 2: Paciente evoluiu com icterícia
(2+/4+).
Dia 3: Iniciada hemodiálise (HD)
devido a anúria e retenção de escórias
nitrogenadas.
Dia 3: Ventilada em posição prona.
Dia 5: Desmame de noradrenalina.
Dia 7: Feito recrutamento alveolar.
Dia 9: Iniciados nitroprussiato e uso
regular de amlodipino e captopril, pois a
paciente evoluiu com hipertensão arterial.
Dia 12: Necrose em quirodáctilos
anelar e médio de MSD e pododáctilo
MID.
Dia 14: Resultado de sorologia positiva
para leptospirose.
Dia 26: Passou a ventilar em modo
espontâneo.
Dia 26: Apresentou diurese.
Dia 29: Desmame da prótese ventila-
tória.
Dia 36: Alta do CTI (ver tabela 2)
FASE SEPTICÊMICA FASE IMUNOLÓGICA
Febre Assintomática
Cefaleia Síndrome de Weil – 5 a 10%
Mialgia Leptospirose meníngea
Náuseas e vômitos Trombocitopenia, alterações vasculares e hemorragias
Dor abdominal Insuficiência renal
Hemorragia conjuntival Insuficiência hepática
Exantema Forma pulmonar e SARA
Parotidite, orquite, prostatite, epididimite
Hepatomegalia com palpação dolorosa
Crianças: colecistite acalculosa e pancreatite
TABELA 1
>
18 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
casO 2
Identificação: Paciente feminina, 55
anos, negra, moradora de Queimados
(RJ).
História da Doença Atual: Há cinco
dias apresenta febre não aferida e cefa-
leia retro-orbitária. Refere redução do
volume urinário e estrangúria. Transfe-
rida para o HGI com plaquetas de 59.000
e suspeita de dengue.
História Patológica Pregressa: Hiper-
tensa em uso regular de captopril 25mg
8/8h e diabética tipo II em uso de me-
tformina 850mg 2X dia.
Exame Físico da Admissão: FC=150bpm;
FR=30ipm; PA:120x70mmHg. Paciente
lúcida e orientada, acianótica, ictérica 3+/4+,
desidratada +/4+, corada , taquipneica.
Aparelho Respiratório: Murmúrio
vesicular universalmente audível, com
sibilos difusos.
Aparelho Cardiovascular: RCR 3T
BNF, presença de B4, sem sopros.
Abdômen: Globoso, peristáltico, indolor
à palpação, sem massas ou visceromega-
lias, sem descompressão dolorosa. Punho
percussão negativa.
D1 D3 D5 D8 D16
Leuc (cel/mm³) 10.600 23.500 35.500 37.000 20.700
Plt (/mm³) 79.800 72.100 52.900 120.000 506.000
Ur (mg/dl) 26 94 32 50 26
Cr (mg/dl) 0,8 3.2 1,2 1,9 1,2
FA (U/l) 256 297 899 522
GGT (U/l) 25,48 54,52 63,96 214
BT (mg/dl) 1,3 8,87 8,3 3,37
BD (mg/dl) 0,6 4,1 6,4 5,7 2,3
TGO (U/l) 37 2.058 873 378 27
TGP(U/l) 107 3.145 367 133 49
LDH (U/l) 10152 2130 2165
CK (U/l) 2121 350 33 11
D1 D3 D5 D8 D20
Leuc (cel/mm³) 17.600 24.100 38.800 39.800 24.800
Plt (mm³) 47.300 36.700 46.500 133.000 657.000
Ur (mg/dl) 156 58 83 49 52
Cr (mg/dl) 5 2,1 1,7 0,6 1,5
FA (U/l) 253 346 358 566
GGT (U/l) 99,2 172 196,6 206,4
BT (mg/dl) 21,75 21,75 27,8 29,8 4,47
BD (mg/dl) 12,8 12,8 17,6 15,8 4
TGO (U/l) 69 69 134 166 61
TGP (U/l) 145 145 85 297 23
LDH (U/l) 1180 1180 1116 1353
CK (U/l) 231 231
Membros Inferiores: Edema 2+/4+
indolor, com cacifo.
Eletrocardiograma: Fibrilação atrial.
Hipótese Diagnóstica: ITU? Dengue?
Leptospirose? Hepatites virais?
Exames Laboratoriais:
Hem=4,35; Hb=10,7; Ht=33,7;
Leuco=17.600; Plt=47.300; Gli=224;
Ur=156; Cr=5; Na=141; K=3,6;
INR=1,3; Amilase=543; Lipase=7562;
FA=253; GGT=99,21; TGO=145;
TGP=69; BT=21,75; BD=12,8
Conduta Inicial: Iniciada ampicilina,
dose de ataque de amiodarona, colhidas
culturas, solicitadas sorologias para hepa-
tites virais, dengue e leptospirose.
Quatro horas após internação: Evolui
com queda dos níveis pressóricos,
FR:50ipm, necessitando de TOT+VM
e aminas vasopressoras.
eVOluÇÃO
Dia 2: Piora da acidose metabólica, com
resposta ao HCO3 infundido.
Gasometria arterial:
pH: 7,25; pO2: 176; pCO2: 18,7; Sat: 97,8;
Lactato: 38; BE: -18,1; HCO3-: 10,8
Dia 2: Iniciada HD por oligúria não res-
ponsiva a volume, retenção de escórias.
Dia 2: Abdome doloroso à palpação de
hipocôndrio direito e peristalse dimi-
nuída. Ultrassonografia: Vesícula biliar
normodistendida com paredes discreta-
mente espessadas sem cálculos em seu
interior (colecistite acalculosa).
Dia 3: Evoluiu com anúria.
Dia 5: Manteve febre em todo o período.
Trocado ATB para piperaciclina/tazo-
bactam.
D13: Iniciada gentamicina devido a
cultura de secreção traqueal positiva para
Acinetobacter baumanii.
Dia 15: Sorologia positiva para leptos-
pirose.
Dia 20: Extubação (ver tabela 3).
DiscussÃO
A leptospirose é uma doença febril
aguda, que pode apresentar desde um
curso brando até uma forma grave
íctero-hemorrágica (síndrome de Weil),
podendo ter acometimento pulmonar.
A síndrome de Weil se caracteriza por
icterícia, insuficiência renal e manifes-
TABELA 2 TABELA 3
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 19
tações hemorrágicas. A forma pulmonar
pode se manifestar clinicamente como
SARA, apresentando alto índice de
mortalidade. Em ambos os casos apre-
sentados os pacientes são do sexo femi-
nino, o que foge do perfil epidemiológico
da doença.
A paciente do caso 1 apresentou hemopti-
se com rápida progressão para insuficiência
respiratória aguda e padrão radiológico de
SARA. A severidade dos sintomas respi-
ratórios não se relaciona com a presença de
icterícia2. Não há consenso sobre a forma
de tratamento medicamentoso neste tipo
de acometimento, mas preconiza-se o uso
de corticoides1.
Outro fato marcante neste caso foi o de-
senvolvimento de necrose de quirodác-
tilos e pododáctilos não concomitante
ao uso de aminas vasopressoras. As
alterações vasculares podem causar má
perfusão, o que explicaria o desenvolvi-
mento da necrose. Porém, há relato na
China de pacientes portadores de leptos-
pirose com arterite cerebral semelhante
à síndrome de Moyamoya2 e um com
a síndrome de antifosfolipídeo6, o que
sugere que a leptospirose cause algum
tipo de vasculite.
A paciente do caso 2 apresentou fibri-
lação atrial, o que não é raro, sendo as
manifestações cardíacas mais relatadas
miocardite, miopericardite e arritmias
cardíacas1. Estudos mostram que as ar-
ritmias ocorrem em 70% dos pacientes,
sendo a FA a mais comum6. Em estudos
brasileiros, alterações da repolarização
e arritmias foram consideradas de pior
prognóstico2. Já a colecistite acalculosa
é considerada uma manifestação rara.
Os achados em exames complementares
comuns na leptospirose são: plaqueto-
penia transitória, aumento do VHS,
aumento de escórias nitrogenadas nos
casos de acometimento renal, elevação
de enzimas hepáticas e bilirrubinas,
com predomínio da direta1, assim como
proteinúria, hematúria e presença de ci-
lindros no EAS. No paciente em terapia
intensiva, a leucocitose é comum pela
sobreposição de infecções. O aumento
de lipase e amilase é comum e está re-
lacionado com o desenvolvimento de
insuficiência renal, sem sinais clínicos
de pancreatite 2, 6.
Ambas as pacientes evoluíram com
insuficiência renal aguda/agudizada. A
lesão renal na leptospirose ocorre por
resposta inflamatória e instabilidade
hemodinâmicas4. A principal lesão renal
é a nefrite intersticial, podendo ocorrer
também necrose tubular aguda. A IRA
costuma ser reversível4 e a hipocalemia
é frequente1. No caso 1 a recuperação
da função renal foi total e no caso 2
parcial, pois como a paciente apresen-
tava comorbidades (HAS e DM), é
provável que já existisse algum grau de
acometimento renal.
O tratamento antibiótico da leptospiro-
se, embora recomendado, não é essen-
cial. Mesmo nos pacientes graves não
deve substituir as medidas de suporte1.
A principal medida no tratamento da
leptospirose é a reposição volêmica e
eletrolítica. A hemodiálise é um dos
principais modificadores do curso da
doença4. A forma pulmonar requer
auxílio de ventilação mecânica e mano-
bras de recrutamento5. As alterações na
coagulação são corrigidas com vitamina
K 1. Nos casos graves, monitorização
hemodinâmica e medidas de suporte re-
alizadas nos serviços de terapia intensiva
são indispensáveis para recuperação das
formas graves de leptospirose
cOnclusÃO
A leptospirose é uma zoonose que pode
apresentar uma forma ictero-hemorrági-
ca grave. A forma pulmonar apresenta
alta mortalidade mesmo quando con-
duzida de forma adequada. O principal
diagnóstico diferencial em nosso meio é
com as formas hemorrágicas da dengue.
Os recursos da terapia intensiva são
indispensáveis no manejo das formas
graves de leptospirose.
BiBliOGRaFia
1. Setúbal, Sérgio; Silva JJP; Leptos-
pirose- fundamentação teórica; http://
labutes.vilabol.uol.com.br; Fev/2004.
2. Levett, Paul N.; Leptospirosis, Clini-
cal microbiology reviews, vol 14, nº 2;
296-326; Abril/2001.
3. Zunino, M. Enna; Pizarro, PR; Leptos-
pirosis puesta al dia; Ver Chil Infecto; 24
(3); 220-226; Jan/2007.
4. Visith, S; Kearkiat, P; Nephropathy in
leptospirosis; JPGM; 51 (3); 184-188; 2005
5. Carvalho, CRR; Bethlem, EP; Pulmo-
nary complications of leptospirosis; Clin
Chest Med 23; 469– 478, 2002.
6. Bal, AM; Unusual clinical mani-
festations of leptospirosis; JPGM; 51;
179-183; 2005.
20 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Professor,
qual sua conduta
nos incidentalomas
adrenais?
A CONDUTA DO PROFESSORNeste espaço, renomados professores de Medicina
respondem sobre sua conduta diagnóstica e/ou terapêutica.
O leitor pode enviar sua pergunta para [email protected].
Os “incidentalomas” são achados
cada vez mais frequentes na clínica,
uma vez que a medicina tem, nos
últ imos anos, lançado mão de
exames de imagem cada vez mais
aperfeiçoados e precisos.
Na área da Endocrinologia os inci-
dentalomas são bastante frequentes,
a começar pelos da tireoide. Esti-
ma-se que incidentalomas de tireoi-
de estejam presentes em cerca de
50% dos indivíduos adultos, talvez
em até mesmo 72% das mulheres
adultas. Caberia até uma pergunta
desafiadora: “normais” não seriam
as pessoas adultas portadoras de
nódulos tireoidianos?
Os incidentalomas hipofisários
evidenciados pela tomografia com-
putadorizada ou por ressonância
magnética podem aparecer em até
20% dos adultos; em necropsias,
eles são achados em até 50% dos
casos!
Incidentalomas de adrenais são
vistos em cerca de 7% dos indi-
víduos adultos. O grande desafio
para o clínico frente a um inci-
dentaloma é separar o que seria
“inocente” daquilo que poderia
trazer consequências nefastas para
a saúde do paciente. Os inciden-
talomas adrenais costumam ser
clinicamente inaparentes; são des-
cobertos ao acaso em exames de
imagem, muitas vezes não dirigidos,
originariamente, à investigação de
distúrbios relacionados às adrenais.
São achados em cerca de 4% das
tomografias computadorizadas feitas
em pessoas de meia-idade. Em mais
idosos, essa cifra pode chegar a 10%
dos pacientes. Quase sempre são
unilaterais, benignos (adenomas) e
acabam constituindo um problema
de saúde pública.
Deve-se ter em conta, na conduta
frente aos incidentalomas das adre-
nais, que cerca de 78% deles não
têm importância clínica. O grande
desafio, portanto, reside em identi-
ficar os 22% dos casos que neces-
sitam de tratamento, por constitu-
írem lesões malignas (carcinomas
ou metástases) ou secretoras e os
78% dos casos que correspondem
a lesões benignas, sendo tumores
não funcionantes (a maioria) ou
funcionantes (15% deles).
A conduta nos incidentalomas de
adrenais depende muito do tamanho
da lesão. Lesões de tamanho supe-
rior a 4,5 cm requerem usualmente
cirurgia, porque o risco de câncer
seria maior; lesões de tamanho
abaixo de 4,5 cm merecem o uso de
outros métodos para discriminá-los,
tais como exames de laboratório,
de imagem, ou até mesmo biopsia,
situação muito rara.
O diagnóstico diferencial feito pela
tomografia computadorizada emprega
a análise dos critérios de tamanho e
densidade da lesão, usando unidades
Hounsfield (HU).
A tabela 1 nos dá uma ideia.
A dosagem do sulfato de DHEA é
muito importante. Taxas elevadas
sugerem carcinoma. A investigação
endocrinológica costuma eviden-
ciar lesões funcionantes em cerca de
15% dos casos. As secreções mais
comuns são as de cortisol (9.2%);
catecolaminas (4.2%); mineralo-
corticoides (1.6%) e androgênios
(raro). Quanto menor a lesão,
menor a chance de ela constituir
uma lesão secretora.
Uma questão interessante seria
quando indicar a cirurgia no caso
de uma lesão adrenal secretante.
Os critérios incluiriam o fato de
a lesão ser funcionante (síndrome
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 21
Prof. Mauro Coelho de CarvalhoProfessor do Curso de Pós-Graduação em Endocrinologia do Instituto de Endocrinologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro – RJ)
de Conn, feocromocitoma e sín-
drome de Cushing); ter mais de
4,5 cm; ou menos que 4,5 cm com
imagem suspeita; demonstrar-se
claramente dosagem de sulfato de
DHEA elevada; apresentar a lesão
um crescimento significativo no
acompanhamento.
Outra questão relevante nos inci-
dentalomas de adrenais refere-se
à natureza da lesão, se sólida ou
cística.
No caso do cisto a conduta é aspirar
o conteúdo; se este for de tonalida-
de clara, somente observar clinica-
mente. Caso o conteúdo do cisto
seja sanguinolento, a conduta pre-
conizada é avaliar a função adrenal
e seguir o caso como se se tratasse
de tumor sólido.
No caso do incidentaloma sólido ou
sólido com degeneração cística, a
conduta recomenda, caso o tamanho
seja superior a 4,5 cm, é fazer uma
TABELA 1
TamanhoDensidade
sem contrasteDensidade
com contraste
Adenomas < 4,5 cmHomogênea< de 10 HU
Quase nãose altera
Carcinomas> 4,5 cm
HeterogêneaCalcificações
Necrose> 20 HU
ImpregnaHU > 30
Usando-se a ressonância magnética, temos os critérios da tabela 2:
TABELA 2
T1 T2
Adenoma Isointenso Isointenso
Carcinoma Isointenso Brilhante (++)
avaliação funcional (para feocro-
mocitoma e síndrome de Cushing)
e operar a lesão. Sendo menor do
que 4,5 cm, recomenda-se a avalia-
ção bioquímica do nódulo. Se este
se mostrar ativo bioquimicamente
(síndrome de Cushing, feocromo-
citoma ou hiperaldosteronismo), a
recomendação é operá-lo. Se este se
mostrar inativo bioquimicamente,
repetir exames de imagens três, seis,
18 e 36 meses após. Se a imagem
não se alterar de tamanho em todo
esse período, manter a observação.
Caso o nódulo cresça, a conduta
seria avaliar a função novamente
e operá-lo.
Com bom senso, paciência e o uso
desses algoritmos que recomenda-
mos, o clínico terá mais chance de
sucesso frente a esse desafio que
representam os incidentalomas de
adrenais.
22 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
Infecção e Alterações Motoras em CriançaInfection and Motor Alterations on a Child
Sessão clínica realizada em 7 de outubro de 2009, pelo Departamento Materno-Infantil e pelo Serviço de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (Huap/UFF, Niterói – RJ)
Apresentadora:Bianca Ribeiro Lima FerreiraInterna da Faculdade de Medicina da UFF
Participantes:Dra. Ana Flávia de Araújo MalheirosDra. Fernanda Catta-PretaMédicas do Hospital Getúlio Vargas Filho
Profa. Adriana Rocha BrittoProfessora Assistente de Pediatria
Profa. Márcia Antunes Fernandes Prof. Marcio Moacyr VasconcelosProfessores Adjuntos de Pediatria
Profa. Gesmar Volga Haddad HerdyProfessora Titular de Pediatria
Líllian Kelly PereiraDaniela da Silva Braga Marcus Vinicius de Brito LontraInternos da Faculdade de Medicina da UFF
inTeRna Bianca
Identificação: Paciente do sexo mascu-
lino, idade de um ano e sete meses. A
história da doença atual começa há dois
meses. No dia 4/8 a criança começou a
apresentar sintomas de infecção respira-
tória alta e, duas semanas depois, passou a
ter quedas frequentes atribuídas a fraqueza
dos membros inferiores. No dia 26/8
a criança apresentou dois picos febris,
mas sem sinais ou sintomas associados.
No dia 29/8, ao acordar, o paciente não
conseguia deambular. Os pais observaram
progressão da fraqueza para paraplegia.
Além disso, a mão esquerda começou a
ficar parética e ele parou de falar.
No dia 29/8 o paciente foi conduzido
ao Hospital Estadual Azevedo Lima
(Heal), onde obteve uma tomografia
computadorizada de crânio normal, e
em seguida transferido para o Hospital
Getúlio Vargas Filho (HGVF), onde
realizou alguns exames laboratoriais e
radiológicos, incluindo punção lombar e
várias radiografias de tórax.
A criança recebeu o diagnóstico inicial
de síndrome de Guillain-Barré (SGB), e
foi prontamente tratada com imunoglo-
bulina intravenosa (IGIV) na dose de
400 mg/kg/dia por dois dias. No terceiro
dia o tratamento com IGIV foi suspenso,
porque a criança apresentou hipertensão
arterial sistêmica. Nesse ponto, o pa-
ciente já apresentava retenção vesical.
No dia 31/8 administrou-se uma dose
única de IGIV de 2g/kg. No início da
internação, o tratamento farmacológico
também incluiu o antiviral oseltamivir
em doses regulares.
Entre os dias 31/8 e 22/9 a criança evoluiu
sem melhora clínica na enfermaria do
HGVF, e foi então transferida para o
Hospital Universitário Antônio Pedro
(Huap), onde realizou um exame eluci-
ResuMO – Paciente do sexo masculino, idade de um ano e sete meses, apresentou quadro de infecção respiratória alta e, duas semanas depois, quedas frequentes, com fraqueza de membros inferiores; apresentou ainda dois picos febris e progressão da fraqueza para paraplegia. Foi então encaminhado ao Huap para esclarecimento do quadro. (Conduta Médica 2010-12 (45) 22-25)
aBSTRaCT – It is an one-year-and-seven-months-old child that presented a clinical picture of upper respiratory tract infection and, two weeks later, frequent drops with weakness in inferior members; he presented still fever and progression of the weakness to paraplegia. He was removed to Huap to have the diagnosis of his clinical picture. (Conduta Médica 2010-12 (45) 22-25)
DescRiTORes – febre; paraplegia; infecção.
KeY-WoRDS – fever; paraplegia; infection
22 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 23
>
dativo do diagnóstico, tendo sido trans-
ferido de volta para o HGVF em razão da
preocupação com o risco de insuficiência
respiratória.
Na sua história patológica pregressa, os pais
negam doenças prévias, alergias, ou inter-
nações. O teste do pezinho foi normal, e as
vacinações estavam em dia.
A história gestacional evidenciou uma mãe
gesta II para II, nenhum aborto, pré-natal
com seis consultas, resultados dos testes
sorológicos desconhecidos. A mãe negou
etilismo, tabagismo e uso de drogas. A
gestação transcorreu sem intercorrências.
O parto foi cesáreo, sem intercorrências,
com tempo de bolsa rota desconhecido. A
idade gestacional não foi registrada. O peso
ao nascer era de 2.510g, o comprimento
de 47cm, o perímetro cefálico de 31cm, o
Apgar 8/9. Teve alta hospitalar após dois
dias em bom estado. Não recebeu aleita-
mento materno exclusivo.
A história do desenvolvimento revela
aquisição normal dos marcos de desen-
volvimento. A história familiar mostrava
pais sadios, irmã de 10 anos sadia, avó
materna com hipertensão e diabetes. A
história social e a revisão de sistemas não
revelaram nada digno de nota.
Ao exame físico realizado no dia 23/9, a
criança se apresentava hipocorada (2+/4)
e hidratada, imóvel no leito, com choro
rouco, respiração paradoxal e uma úlcera
no lábio inferior, mais à esquerda, coberta
por crosta.
PROFa. GesMaR
Essa úlcera tinha descrição prévia antes de
virar úlcera? O que ela era antes?
PROFa. MÁRcia
Não tinha relato. Isso foi o primeiro dia
em que ele chegou no Huap.
inTeRna Bianca
Dados Antropométricos: Peso de 13Kg
(75<p<90), perímetro cefálico de 44cm
(p < 5).
Sinais Vitais: Frequência cardíaca de
120 bpm, frequência respiratória de 20
irpm, afebril, pressão arterial não aferida,
saturação de O2 de 95%.
Auscultas cardíaca e respiratória eram
normais, apesar do padrão respiratório
anormal. O abdome estava flácido,
peristáltico, tinha uma borda hepática
palpável a 2cm da margem costal direita.
Não foram palpadas massas. Genitália
masculina normal. Nos membros infe-
riores, não havia edema, mas observou-se
diferença de temperatura entre as coxas e
as pernas, bilateralmente.
Exame Neurológico: Criança alerta e
irritada, chorava com a aproximação do
examinador. Nervos cranianos: pupilas 3
mm em diâmetro, isocóricas e fotorrea-
gentes; movimentos extraoculares pre-
servados; face simétrica; palato e língua
sem alterações.
O exame motor evidenciou hipotonia
difusa, hipotrofia da musculatura distal,
plegia das pernas e do braço esquerdo
e paresia do braço direito e arreflexia
difusa.
Gostaria de enfatizar a assimetria das
anormalidades motoras do paciente,
entre os braços. O exame da sensibi-
lidade detectou ausência dos reflexos
superficiais, cutâneo-plantar, cutâneo-
abdominal e cremastérico. Um dado
importante: encontrou-se abolição de
todas as modalidades sensitivas até
aproximadamente o nível dos dermá-
tomos T1-T2 (isto é, nível sensitivo).
Não foi possível avaliar a coordenação
e a marcha.
Exames Laboratoriais: Mostraram queda
do hematócrito de aproximadamente
oito pontos percentuais em cinco dias;
restante dos exames normais. A análise
do líquor encontrou 3 leucócitos/mm3,
glicose de 58 mg/dL e nível de proteína
bem aumentado, em 240 mg/dL.
Diante dos dados apresentados, podemos
deduzir que o paciente apresenta uma
síndrome medular, com nível sensiti-
vo, retenção vesical, além da paralisia
flácida. Assim, vamos elaborar a lista
de diagnósticos diferenciais: síndrome
de Guillain-Barré, poliomielite vacinal,
mielite transversa, tumores do SNC,
intoxicação e botulismo.
Nesse momento, gostaria de mostrar a
radiografia de tórax do paciente obtida
no dia 18/9 (ver figura 1). A interpre-
tação cuidadosa da radiografia nos leva
a suspeitar que outra doença que não a
síndrome de Guillain-Barré está presen-
te, pois se evidencia uma imagem densa
e abaulada no ápice pulmonar esquerdo,
com a via aérea desviada para o lado
contralateral à lesão, além de aumento
do espaço intercostal e deslocamento da
clavícula para cima. Reparem, ainda,
que a segunda costela esquerda exibe
diâmetro reduzido. Retrospectivamente,
podemos dizer que esses achados eram
sugestivos de uma lesão expansiva. Em
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 23
24 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
sessÃO clínica / CliniCal SeSSion
radiografias anteriores, tais achados já
estavam presentes, mas não eram tão
conspícuos, e suscitaram naturalmente a
impressão inicial de atelectasia pulmonar.
Gostaria de fazer uma breve distinção dos
achados radiológicos entre atelectasia e
lesão expansiva no tórax. Na atelectasia,
a borda da lesão é ligeiramente côncava,
a via aérea tende a desviar-se para o lado
da lesão e os espaços intercostais tendem
a diminuir, e estes são achados opostos aos
da radiografia do paciente (ver figura 1).
O exame elucidativo mencionado no
início da sessão foi uma tomografia com-
putadorizada de tórax (ver figura 2). O
exame detectou uma massa ligeiramente
ovalada, de densidade mais ou menos
homogênea, que desvia a via aérea e
comprime o pulmão esquerdo e vasos
sanguíneos. A massa é bastante volumosa
e se estende em direção ao mediastino
posterior e o canal vertebral. Não se
sabe se ela surgiu no canal vertebral e
atravessou alguns forames intervertebrais
em direção ao mediastino, ou vice-versa.
Neste ponto da investigação concluímos
que o quadro neurológico do paciente
adveio de compressão medular ao nível de
T1-T4, e a principal hipótese diagnóstica
foi de neuroblastoma.
O paciente realizou então uma resso-
nância magnética da coluna cervical e
torácica (ver figura 3). O corte sagital
mostra a massa no canal vertebral pos-
terior à medula cervical e torácica com
compressão medular marcante, enquanto
que no corte axial vemos uma massa lobu-
lada, grande, invadindo o canal vertebral
através do forame intervertebral.
FIGURA 2Tomografia computadorizada de tórax:(A) corte axial mostra a massa arredondada (setas)(B) reconstrução sagital mostra o tumor atravessando forames intervertebrais
FIGURA 1Radiografia de tórax obtida no dia 18/9/2009 delineando uma massa na região do ápice pulmonar esquerdo
FIGURA 3Ressonância magnética da coluna cervical e torácica:(A) imagem sagital ponderada em T2 mostra a extensão do tumor(B) imagem axial delineia a extensão do tumor e o alargamento do forame vertebral esquerdo em comparação com o direito
A
B
B
A
24 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 25
Gostaria de correlacionar o quadro
clínico da síndrome de Guillain-Barré
com o caso em pauta. O paciente não
pertence à faixa etária típica da SGB,
que é considerada rara em crianças
pequenas e cujo pico de incidência é na
adolescência e idade adulta. O quadro
clínico da SGB é paralisia motora ascen-
dente com hiporreflexia ou arreflexia e
ataxia. Pode haver paralisia de nervos
cranianos, mas não há déficit sensitivo
de dor e temperatura, embora possa
acometer a propriocepção. O déficit
motor é relativamente simétrico, e pode
haver dor e parestesias. Lembremos que
o paciente apresentava fraqueza franca-
mente assimétrica. O líquor apresenta a
clássica dissociação albuminocitológica:
ausência de pleocitose com elevação do
nível de proteína. Acho importante
falar também sobre os achados que
refutam o diagnóstico de GB, e nós
vamos lembrar da criança, de algumas
coisas que a criança apresentava que
poderiam afastar o diagnóstico de GB:
fraqueza assimétrica marcante e per-
sistente afasta o diagnóstico de SGB;
disfunção vesical precoce e acentuada
também afasta o diagnóstico de SGB (na
verdade, o acometimento vesical pode
estar presente na síndrome, mas costuma
ser transitório e, se presente, é um mar-
cador precoce da gravidade da doença
e geralmente coincide com o ápice
do déficit motor). A criança também
apresentava retenção vesical, mas os pais
não souberam precisar o seu início. A
presença de nível sensitivo bem definido
também fala contra a SGB. O paciente
apresentava nível sensitivo em T1-T2.
Segundo alguns autores, a febre deve ser
considerada como critério de exclusão
para a SGB. A criança apresentou febre
apenas no dia 26/8, muito próximo do
dia em que ela parou de deambular, mas
depois a febre não recorreu.
Conforme comentado no diagnóstico
diferencial, uma lesão compressiva sobre
a medula espinhal é a melhor hipótese
diagnóstica. As lesões expansivas no
canal vertebral podem ser intramedula-
res, extramedulares mas intradurais, ou
extradurais. O radiologista que avaliou
a ressonância magnética da criança sus-
peitou de ganglioneuroblastoma. Esse
tumor começa num gânglio simpático
e então invade o canal vertebral através
do forame intervertebral. Os tumores
que invadem o canal vertebral também
podem ser linfomas ou PNET (tumores
neuroectodérmicos primitivos), que são
comuns em crianças.
PROFa. GesMaR
Foi solicitado o ácido vanililmandélico
para essa criança?
PROF. MaRciO
Não, mas ele vai ser operado, então logo
saberemos a etiologia da massa.
PROFa. MÁRcia
Como é que a criança está?
inTeRna Bianca
O paciente foi transferido para o Hospital
dos Servidores do Estado, onde será sub-
metido a cirurgia.
PROFa. MÁRcia
Do ponto de vista cirúrgico, por essa
massa ser muito grande, o risco de sequela
também é alto.
inTeRna Bianca
O tumor já comprimiu a medula espinhal
durante muito tempo.
PROF. MaRciO
Não podemos perder de vista aquela
noção de que o médico tem apenas
24 horas para intervir em um paciente
com compressão da medula espinhal,
do contrário o risco de sequelas é muito
alto. Gostaria de frisar que o exame de
ressonância magnética evidenciou uma
massa com morfologia em haltere, a qual
está presente nos neurofibromas, neuro-
blastoma e, mais raramente, em linfoma
e PNET. Acredito que o tumor desse
paciente está crescendo há muito tempo,
portanto é improvável que os seus sin-
tomas tenham começado há apenas
dois meses. Nossa teoria é a de que o
tumor surgiu na região paravertebral e
invadiu o canal vertebral. Sabemos que
a SGB é a principal causa de paralisia
flácida aguda desde a erradicação da po-
liomielite, mas, como a interna Bianca
enfatizou, nós clínicos estamos obrigados
a atentar para os achados que refutam
esse diagnóstico.
Observação final: No Hospital dos Servi-
dores do Estado, o paciente foi submetido
a biópsia da massa. O exame histopa-
tológico revelou que o tumor era um
rabdomiossarcoma.
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 25
26 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
Pelagra: Relato de um Caso Clínico TípicoPellagra: Case Report of a Typical Clinic
(Serviço de Clínica Médica, Enfermaria nº 7 da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro - SCMRJ)
Autores:Prof. José Augusto da Costa Nery Chefe do Serviço de Dermatologia Sanitária do Instituto de Dermatologia Rubem David Azulay, da SCMRJ
Profa. Marcia BelloProfessora Assistente de Clínica Médica da Universidade Gama Filho e da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques pela 7a Enfermaria da SCMRJ
Dra. Caroline Cruz BarbosaDra. Marianna Tavares Fernandes PiresAlunas de Pós-Graduação do Serviço de Clínica Médica da SCMRJ
Dra. Carla Gaspar Di GiácomoDra. Luciana Klein Vicente Mathias do SantosAlunas do Serviço de Dermatologia da Policlínica do Rio de Janeiro
ResuMO – Os autores, após breve revisão da bibliografia, apresentam relato de um caso típico de pelagra em paciente etilista. A pelagra está diretamente relacionada à carência de vitaminas do complexo B, em especial a niacina (vitamina B3, vitamina PP). É um quadro de bom prognóstico quando diagnosticado de forma assertiva e tratado precocemente. Do contrário poderá evoluir de forma grave e até chegar a óbito. É encontrado com certa frequência entre alcoólatras e portadores de síndromes disabsortivas. É preciso estar atento para as formas incompletas, pois podem ser de muito difícil diagnóstico, com sintomatologia por vezes só cutânea, só neurológica ou só gastrintestinal. (Conduta Médica 2010-12 (45) 26-29)
aBSTRaCT – After a brief bibliographic revision, the authors present a typical case of pellagra in an alcoholic patient. Pellagra is direct related to scarcity of vitamins from B complex, in particular the niacin (B3 vitamin, PP vitamin). The case has a good prognosis when diagnosed in a right way and treated rapidly. On the other hand, it can develop a severe form and may cause death. It is found in a certain frequency in alcoholics and patients with malabsorptions syndrome. It is needed to be aware to the incomplete forms, because they can be hard to diagnose, sometimes with only skin changes, neurological symptoms only or gastrointestinal tract symptoms only. (Conduta Médica 2010-12 (45) 26-29)
DescRiTORes – etilistas; niacina; pelagra; síndromes disabsortivas; vitamina B3; vitamina PP
KeY-WoRDS – alcoholic patients; B3 vitamin; malabsorptions syndrome; niacin; pellagra; PP vitamin
inTRODuÇÃO
A pelagra é causada pela deficiência
de niacina (vitamina B3, vitamina
PP)(1,2). A vitamina B3 é fornecida ao
corpo humano através da dieta (levedo
de cerveja, fígado, amendoim, carne
vermelha, carne de porco e salmão) ou
sintetizada endogenamente a partir do
aminoácido triptofano(3).
Niacina é vitamina hidrossolúvel(4);
refere-se ao ácido nicotínico, à nicoti-
namida e seus derivados, e esses servem
como precursores de coenzimas impor-
tantes para inúmeras reações de oxi-
dação e redução no organismo, sendo
componente importante do NAD (ni-
cotinamida adenosina dinucleotídeo)
e do NADP (nicotinamida adenosina
dinucleotídeo fosfato)(3,4). Além disso,
essas coenzimas são envolvidas no
reparo do DNA e na mobilização do
cálcio. O ácido nicotínico é absorvido
no estômago e no intestino delgado.
As principais causas dessa
doença são:
Ingestão inadequada (principalmente
em dietas baseadas em milho) – mais
comum.
Alcoolismo crônico
Doenças disabsortivas, anorexia
nervosa(5)
Drogas – isoniazida (bloqueia ativida-
de da piridoxina, um cofator na síntese
da niacina), 5-fluoracil, azatioprina,
sulfonamidas, pirazinamida, etionami-
26 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 27
da, cloranfenicol, anticonvulsivantes e
antidepressivos (5)
Síndrome carcinoide, já que o triptofa-
no é usado para síntese de serotonina
Congênita – doença Hartnup (AR)
– dificuldade de absorção intestinal e
renal do triptofano, tendo excreção
exagerada do mesmo.
A clínica é caracterizada por “doença
dos quatro Ds”: dermatite, diarreia,
demência e death (morte)(6).
Sintomas
Sintomas gerais precoces: Perda de
apetite, fraqueza generalizada, irrita-
bilidade, dor abdominal e vômitos (7).
Dermatite:
As alterações cutâneas ocorrem em locais
de pressão e em áreas fotoexpostas. A
distribuição simétrica e os limites bem de-
finidos da lesão são bem característicos do
quadro(8). As lesões ao redor do pescoço
restringem-se à área não coberta pela
camisa e são denominadas colar de casal.
As áreas de pele sã na região do dorso
dos pés, protegida da fotoexposição pelo
calçado, circundadas por áreas afetadas,
são denominadas de sinal do tamanco.
Alterações ungueais: Unha meio-a-
meio – caracteriza-se por uma unha
distrófica apresentando duas cores
distintas: branca na porção proximal
à matrix e vermelha amarronzada na
porção distal. Essa alteração é mais
comum em pacientes com pelagra as-
sociada a problemas renais crônicos e
doença de Behcet(4).
Inicialmente a doença se caracteriza
por eritema e leve edema após expo-
sição solar, com prurido e sensação de
queimação. Em estágios mais avan-
çados ocorrem hiperpigmentação da
pele afetada, ressecamento e aspecto
apergaminhado, com escamas gros-
seiras. Além disso ocorre alteração
de mucosas, como queilite angular e
glossite vermelho-vivo.
Diarreia:
Em parte é devida à proctite e em parte
à má-absorção.
Alterações neurológicas (demência,
death):
Pode haver apatia, depressão, pares-
tesia, perda de memória e síncopes.
Em casos mais graves, alucinações,
psicose, convulsões e demência podem
ocorrer(3). A doença tem curso letal,
caso não seja tratada. Esses sintomas
talvez estejam relacionados à alteração
do metabolismo do triptofano com
aumento de produção de serotonina ou
a sua diminuição.
Devem-se excluir outras doenças que
fazem diagnóstico diferencial com a
pelagra, como as neuropatias, a dermatite
de contato tendo lesões eczematosas, a
deficiência de zinco que gera lesões erite-
matodescamativas, e as dermatoses fotos-
sensibilizantes como reticuloide actínico,
lúpus cutâneo subagudo, porfiria cutânea
tarda, rosácea e fotodermatites.
O diagnóstico é principalmente clínico,
feito através de uma anamnese detalha-
da e de exame físico rigoroso. Exames
laboratoriais que confirmam esse quadro
são as baixas concentrações de N-
metilnicotinamida e piridona na urina,
indicando deficiência de niacina(4).
O principal tratamento consiste em
reposição das carências nutricionais
que deram origem ao quadro, com
ênfase para a reposição das vitami-
nas do complexo B (principalmente
niacina, triptofano e vitaminas B1,
B2 e B6(5)). Outras causas que possam
gerar carência ou diminuição da ab-
sorção de niacina também devem ser
eliminadas; logo, devemos proceder à
suspensão de bebidas alcoólicas e de
drogas possivelmente indutoras dessa
carência nutricional, além de controle
das alterações digestivas.
A possibilidade de anorexia nervosa
também deve ser investigada e tratada.
Casos severos de pelagra em pacien-
tes com anorexia nervosa foram bem
resolvidos com a administração oral
de niacina (150 -500 mg /dia), com
melhora do quadro em 48 horas(5).
RelaTO De casO
Anamnese: Paciente masculino de 52
anos, morador de São Gonçalo (RJ),
carregador.
Queixa Principal: Ferida na perna
História da Doença Atual: Há um mês
apresentou lesões eritematodescamati-
vas não pruriginosas em membros infe-
riores e superiores, associadas a perda
ponderal de aproximadamente 10kg,
astenia, déficit cognitivo e diminuição
da acuidade visual. Há 15 dias refere
parestesia em ambas as pernas. >
28 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
História Patológica Pregressa: Nega
doenças e cirurgias prévias, uso de me-
dicamentos regulares e alergia.
História Familiar: Pai falecido de
causa desconhecida. Mãe com hiper-
tensão arterial sistêmica falecida por
coronariopatia (sic); não tem filhos,
nem irmãos.
História Social: Etilista crônico de duas
garrafas de cerveja/dia e três doses de
conhaque/dia. Tabagista de 30 maços/
ano. Alimentação adequada quantitati-
va e qualitativamente. Habitação com
condições adequadas de higiene.
eXaMe FísicO
Paciente em regular estado geral, ema-
grecido, hipocorado 2+/4+, hidratado,
acianótico, anictérico.
Aparelho Respiratório: Tórax atípico.
Murmúrio vesicular universalmente
Hem 3,7 milhões Plq 394.000 Potássio 4,3 meq/l TGP 9 U/L
Hb 12,3g% TAP 13 seg Sódio 133 meq/l Albumina 4,0
Ht 35,7% PTT 35,4 seg Cálcio 10,8 mg/dl FA 26
Leuc 6800/mm INR 1,0 TGO 12 U/L Gama GT 25
FIGURAS 1 E 2Lesões hipercrômicas, descamativas, com crostas espessas, pruriginosas, com contornos bem delimitados localizadas em membros inferiores
audível, porém diminuído em base de
ambos hemitóraces.
Aparelho Cardiovascular: RCR 2T,
sem sopros ou extrassístoles. Pulsos
filiformes e simétricos.
Abdome: Flácido, indolor à palpação
superficial e profunda, hepatimetria
10cm, fígado palpável a 6 cm do RCD,
de consistência elástica.
Exame Dermatológico:
Lesões hipercrômicas, descamativas,
com crostas espessas, pruriginosas, com
contornos bem delimitados, localizadas
em áreas fotoexpostas como membros
inferiores (ver figuras 1 e 2) e membros
superiores (ver figuras 3 e 4)
Lesões hipocrômicas, arredondadas, co-
alescentes, não pruriginosas, entremeadas
por pele sã, em região malar, pescoço (ver
figura 5) e região dorsal posterior próximo
às fossas axilares (ver figura 6). Ver exames
laboratoriais na tabela 1.
HiPÓTese DiaGnÓsTica
Através de anamnese detalhada, exame
físico minucioso e dos resultados dos
exames, chegamos ao diagnóstico de
pelagra.
cOnDuTa
O paciente foi orientado a suspender
as bebidas alcoólicas, e foi introduzida
FIGURA 3Lesão hipercrômica, descamativa, pruriginosa, com bordas bem definidas, localizada em antebraço direito
FIGURA 4Lesão hipercrômica,
descamativa, pruriginosa, com
bordas bem definidas, localizada em antebraço
esquerdo
RelaTO De casO / CaSe RePoRT
TABELA 1 Exames Laboratoriais
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 29
uma suplementação proteica e vita-
mínica com vitamina B1, B6, B12 e
ácido nicotínico 500mg por dia durante
15 dias. Foi obtida total regressão do
quadro após esse período.
Medicamentos usados:
l Citoneurin 5000® 1 cápsula VO por
dia durante 15 dias
l Metri® (ácido nicotínico) 500mg 1
cápsula VO durante 15 dias
DiscussÃO
Atualmente, a pelagra não é uma
doença tão comum quanto no passado,
mas pode ser encontrada com certa
frequência em nosso meio, principal-
mente entre alcoólatras, portadores
de síndromes disabsortivas e anoré-
xicos (5).
É preciso estar atento para as formas
incompletas, pois podem ser de muito
difícil diagnóstico, com sintomatologia
por vezes só cutânea, só neurológica
ou só gastrintestinal. Em alcoólatras
crônicos o quadro cutâneo pode não
estar presente, estando o quadro neu-
rológico exacerbado, dificultando o
diagnóstico (9).
O tratamento implementado é simples
e de grande eficácia, gerando remissão
completa dos sintomas em um curto
período de tempo, bastando para isso
repor a niacina (1, 5). Porém, um retorno
aos hábitos alimentares originais (nos
anoréxicos) ou a manutenção do etilis-
mo podem gerar novo quadro.
É importante que se oriente o paciente
no sentido de reduzir o consumo de
álcool e tratar o distúrbio alimentar
(caso este esteja presente), mesmo que
para isto seja também necessário acom-
panhamento psicológico.
ReFeRÊncias BiBliOGRÁFicas
1- Wilcox, LS; Old black water; Prev.
Chronic Diseases (serial on line), Public
Health research, practice, and policy.
2005, Nov. vol. 2.
2- Azulay RD; Azulay DR; Abulafia LA.
Dermatologia. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 5ª ed, 2008. Cap 30 (477-8).
3-Kasper, DL; Fauci, AS; Longo, DL;
Braunwald, E; Hauser, SL; Jameson, JJ;
HARRISON Medicina Interna. Editora:
McGraw-Hill Interamericana do Brasil
Ltda, Rio de Janeiro, 2006. 16ª ed.; vol.1;
cap: 61; pag:423-4,
4- Cakmak, SK; Gönül, M; Aslan, E;
Gül, U; Kilic, A; Heper AO; Half-and-
half nail in case of pellagra. EJD, 2006
Nov-Dec, 6, vol:16. 695-6
5- Prousky, JE; Pellagra may be a rare sec-
ondary complication of anorexia nervosa:
A systematic review of literature. (Case
report). Altern Med Rev, 2003, 2 vol:
8, 180-5.
6- Aikawa, H; Suzuki, K; Lesions in the
skin, intestine and cental nervous system,
induce by antimetabolite of niacin.
AJP,1986 Feb. 2 vol: 1, 122: 335-42
7- Sampaio SAP; Rivitti EA. Dermato-
logia: Edição Revisada e Ampliada. São
Paulo: Artes Médicas Ltda. 2007. Cap
55 (888-9).
8- Fitzpatrick TB; Wolff, K; Johnson, RA;
Suurmond D. Dermatologia: Atlas e Texto.
Editora: Mc Graw Hill Interamericana do
Brasil Ltda São Paulo, 2006. 5ª ed.
9-Ishii, N; Nishihara, Y ; Pellagra among
chronic alcoholics: clinical and patho-
logical study of 20 necropsy cases. JNNP,
1981, 44, 209-15.
FIGURA 6Lesões hipocrômicas,
arredondadas, coalescentes, não
pruriginosas, entremeadas por pele sã, próximas às
fossas axilares
FIGURA 5Lesões hipocrômicas, arredondadas, coalescentes, não pruriginosas, entremeadas por pele sã
30 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010
Resposta de The Image Challenge
O Desafio da Imagem da página 15
Paciente masculino, 38 anos, minerador, recém-chegado do Amapá, com história de febre de 40o, cefaleia, coriza, odinofagia, icterícia e colúria há quatro dias
Diagnóstico: Edema pulmonar por malária
comentários: A malária é uma doença
infecciosa febril causada por protozoários
do gênero Plasmodium. O acometimento
pulmonar é uma complicação relativamente
frequente e geralmente benigna, com inci-
dência variando de 1% a 40% dos casos, em
algumas séries. Embora todas as espécies
possam causar a doença, o Plasmodium
falciparum é descrito como o agente mais
frequentemente envolvido. Os sintomas
mais comuns são febre alta e calafrios, que
se alternam com ondas de calor e sudorese
intensa. O acometimento pulmonar varia
de sintomas mais leves a insuficiência respi-
ratória. Nas radiografias podem-se identificar
infiltrado intersticial, alveolar e derrame
pleural, além de evidências de edema pul-
monar, uma complicação grave encontrada
em até um terço dos casos fatais de malária.
Sua fisiopatologia, apesar de ainda não
completamente conhecida, parece decorrer
de causas variadas, como por alteração da
permeabilidade capilar (infecção, subs-
tâncias vasoativas, coagulação intravas-
cular disseminada, reações imunológicas,
alterações hemodinâmicas e uremia), por
aumento da pressão hidrostática (excessiva
administração hídrica), por diminuição da
pressão oncótica (hipoalbuminemia), por
insuficiência linfática ou por mecanismos
outros (neurogênico e doença parenqui-
matosa).
Complicações envolvendo os pulmões, rins,
sangue periférico e o sistema nervoso central
já foram amplamente relatadas na literatu-
ra. Os casos mais graves ou complicados
estão relacionados quase exclusivamente à
infecção pelo P. falciparum, ocorrendo prin-
cipalmente em crianças com idade variando
entre um e três anos, gestantes, bem como
em indivíduos não imunes que migram de
regiões de baixa endemicidade. O edema
pulmonar se desenvolve em cerca de um
terço dos casos fatais de malária causada
pelo P. falciparum entre adultos.
As alterações funcionais ocorridas decorrem
da presença de edema intersticial, alveolar,
de infiltrado inflamatório e posterior forma-
ção de membrana hialina, da redução da
complacência pulmonar e da capacidade
residual funcional, além da obstrução da
microvasculatura decorrente dos fenômenos
de citoaderência. O edema pulmonar com
pressão capilar normal está geralmente
associado ao P. falciparum com parasitemia
elevada (> 10%).
Os achados histopatológicos incluem espes-
samento de septos interlobulares e edema
alveolar, com áreas focais de formação de
membrana hialina. Foram observados,
na luz alveolar e no espaço intersticial,
macrófagos contendo pigmento malárico e
eritrócitos. A parasitemia acima de 5% é
exclusiva do P. falciparum e é considerada
indicação de internação em unidade de
terapia intensiva. A leucocitose é achado
incomum (apenas 10% dos casos). A
anemia e a trombocitopenia, por sua vez,
são constantes na malária grave e persistem
mesmo após a “cura parasitológica”. Os
achados radiológicos incluem infiltrado
intersticial ou alveolar, difuso ou não, lo-
calizado preferencialmente nas regiões peri-
hilares e nas bases pulmonares, podendo
estar associado a derrame pleural.
Critérios propostos para o diagnóstico da
malária pulmonar se baseiam nos achados
clínicos, laboratoriais (demonstração do
parasito no esfregaço sanguíneo ou por testes
imunológicos) e radiológicos já descritos. O
tratamento, por sua vez, é baseado no uso de
antimaláricos, antibioticoterapia, medidas de
suporte ventilatório, correção da anemia por
transfusões e dos distúrbios ácido-base.
Em resumo, a malária pulmonar, produzida
por distúrbio na microcirculação pulmonar,
apresenta várias manifestações, e a forma
mais grave parece ser o edema pulmonar
agudo. A forma benigna de acometimento
pulmonar tem poucos relatos na literatura;
inclui desconforto respiratório leve a ine-
xistente e pode se apresentar com derrame
pleural, edema intersticial ou consolidação
lobar. É geralmente não diagnosticada ou
não reconhecida como parte do espectro
clínico e radiológico da malária, e é provavel-
mente bem mais comum do que relatada.
Após realização de esfregaço sanguíneo,
a pesquisa para P. falciparum foi positiva
(500–1.000 parasitas/campo). Durante a
internação evoluiu com coagulação intravas-
cular disseminada. Foi instituído tratamento
com antimaláricos e o paciente recebeu alta
após 11 dias de internação, com acentuada
melhora do quadro clínico e radiológico.
BiBliOGRaFia1. Rodrigues R, Marchiori E, Souza DAT.
Malária pulmonar. Aspectos na TCAR.
Radiol Bras 2004;37(2):139-142.
2. Cayea PD, Rubin E, Teixidor HS. Atypi-
cal pulmonary malaria. AJR 1981;137:51–5.
3. Sheehy TW, Reba RC. Complications
of falciparum malaria and their treatment.
Ann Intern Med 1967; 66:807–9.
4. Boulos M, Costa JM, Tosta CE. Compro-
metimento pulmonar na malária. Rev Inst
Med Trop São Paulo 1993;35:93–102.
5. Hovette P, Camara P, Burgel PR, Mbaye
PS, Sane M, Klotz F. Les manifestations
pulmonaires associées au paludisme. Rev
Pneumol Clin 1998;54: 340–5.
6. Munteis E, Mellibovsky L, Marquez MA,
Mínguez S, Vásquez E, Díez A. Pulmonary
involvement in a case of Plasmodium vivax
malaria. Chest 1997; 111:834–5.
Conduta médiCa ● ano Xii - n045 - jul/ago/set/2010 31
www.condutamedica.com.br
Laura BergalloEditora
O conteúdo e as opiniões expressas nos casos e sessões aqui publicados são de responsabilidade exclusiva de seus relatores e participantes, não expressando obrigatoriamente a posição da revista. Foto de Capa: Getty Images / Stockbite
nORMas PaRa PuBlicaÇÃO De RelaTOs De casO
1. Enviar o relato de caso em CD ou pelo e-mail [email protected], com texto em fonte Times New Roman, corpo 12.2. Redigir o título em português e, logo abaixo, em inglês.3. Em seguida, mencionar nomes dos autores, titulação principal de cada um, e serviço ou instituição a que pertencem.4. Fazer o resumo do relato de caso em português, com não mais que 250 palavras, seguido do abstract, em inglês, também com não mais que 250 palavras.5. Colocar as palavras-chave (ou descritores), num mínimo de três e máximo de cinco, seguidas das key-words, em inglês, também no mínimo de três e máximo de cinco.6. Para o texto do relato de caso, sugerimos itens (não obrigatórios) como apresentação, anamnese, antecedentes, exame físico, impressão diagnós-tica, exames solicitados e seus resultados, evolução e conduta adotados, comentários e discussão, e bibliografia (referida ou não) ao final.7. A bibliografia pesquisada ou as referências bibliográficas não devem ter mais que 10 itens. No caso das referências bibliográficas, todas elas devem estar citadas no texto e numeradas na ordem de seu apa-recimento.8. As figuras e fotos devem estar em arquivo JPG.OBS: Para publicação de sessões clínicas e desafios da imagem, consultar a editora sobre as normas.
PATROCíNIO ExCLUSIVO:
eXPeDienTe
Conduta Médica (ISSN 1519-2938) é uma publicação trimestral de Laura Bergallo Editora, com sede à Rua Bento
Lisboa, 184/302 – Catete – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22221-011 – tel. (21) 2205-1587 e telefax (21) 2205-2085 – e-mail
[email protected], com tiragem de 7 mil exemplares e distribuição gratuita e exclusiva para a classe médica.
eDiTOR Gilberto Perez Cardoso
eDiTORes assOciaDOs Fernando Antonio Pinto Nascimento e Antonio Alves de Couto
editores Juniores Acadêmicos Rafael de Souza Gomes e Renato Bergallo Bezerra Cardoso
cORPO eDiTORial Adauto Dutra Moraes Barbosa; Agostinho Soares da Silva; Antonio Cláudio
Goulart Duarte; Cantídio Drumond Neto; Celso Correa de Barros; Cyro Teixeira da Silva Junior; Edson
Marchiori; Eduardo Augusto Bordallo; Eduardo Nani da Silva; Emilson Ferreira Lorca; Euclides Malta
Carpi; Evandro Tinoco Mesquita; Fernando José Nasser; Hamilton Nunes Figueiredo; Heraldo Belmont;
Honomar Ferreira de Souza; Hugo Miyahira; Ivo Pitanguy; Jodélia Lima Martins Henriques; José Antônio
Caldas Teixeira; José Galvão Alves; José Manoel Gomes Martinho; José Sérgio Franco; Luiz Francisco
Azzini; Luiz Mario Bonfatti Ribeiro; Marcos Raimundo de Freitas; Maria Alice Neves Bordallo; Mario
Barreto Corrêa Lima; Mauro Zamboni; Miguel Houaiss; Osvaldo José Moreira do Nascimento; Rogério
Neves Motta; Rubens Antunes Cruz Filho; Serafim Ferreira Borges; Terezinha Sanfim Cardoso
Jornalista Responsável Luiz Bergallo (Reg. 27552-RJ)
Projeto Gráfico e Diagramação Guilherme Sarmento ([email protected])
edição, Texto e Revisão Laura Bergallo (Reg. Jornalista 31363-RJ)
colaborou nesta edição Rafael de Souza Gomes
impressão Sermograf
EDIÇÃO DE JULHO/AGOSTO/SETEMBRO - 2010 - Nº 45 – ANO XII
ConDUTa®
médica
nOTa DO eDiTOR: Conduta Médica é uma publicação exclusivamente voltada para a educação médica continuada, não sendo destinada à divul-gação de pesquisa médica e/ou experimental de qualquer tipo.
Seus artigos se constituem em relatos e discussões de casos práticos de atendimento ambulatorial e/ou hospitalar, em que é preservada a identidade dos pacientes e em que são utilizados exclusivamente proce-dimentos e condutas consagrados na literatura científica, sem nenhuma finalidade de produzir conhecimento novo que utilize investigação com seres humanos.
32 Conduta médiCa ● ano Xii - n045 -jul/ago/set/2010