análise de obras literárias -...

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ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS VÁRIAS HISTÓRIAS JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700 CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP www.sistemacoc.com.br

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Análise de obrAs literáriAsvárias histórias

joAquim mAriAmAchAdo de Assis

Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP

www.sistemacoc.com.br

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sumário

1. contexto sociAl e histÓrico .................................................... 7

2. estilo literário dA épocA ........................................................... 9

3. o Autor ................................................................................................. 11

4. A obrA .................................................................................................... 14

5. exercícios ........................................................................................... 43

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várias histórias

joAquim mAriAmAchAdo de Assis

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1. Contexto soCial e HistÓRiCo

o brasil da segunda metade do século xix sofreu grandes transformações. A Guerra do paraguai (1864-1870), o crescimento da campanha abolicionista, o enfraquecimento do governo de Pedro II e a intensificação das ideias republicanas contribuíram para agitar a vida intelectual brasileira. A década de 1880, particu-larmente, foi marcada por grandes agitações políticas, econômicas e intelectuais. Em 1888, a Abolição da Escravatura deu início à vinda do trabalhador assalariado da europa para cá, ao mesmo tempo em que marcou o deslocamento do negro para a periferia e para os morros. A proclamação da República, em 1889, intro-duziu o princípio do voto na eleição dos governos, assinalando um processo de modernização da economia e da política.

A mentalidade científica começou a ser valorizada pela classe intelectual e a sua entrada no brasil é antes obra do esforço pessoal do que de um sistema educacional que propiciasse seu desenvolvimento sistematizado. Assim, o gosto pela retórica e pela oratória disseminado pelos jesuítas, ao longo de três séculos, impregnou a mentalidade dos estudiosos. A ausência de um ensino científico sistematizado levou a prática da retórica a preencher as lacunas do conheci-mento científico. Se levarmos em consideração a mentalidade local em relação à mentalidade europeia, perceberemos como a nossa elite abre-se não às ciências, mas às pseudociências europeias: a fundamentação científica da crítica literária por taine, para quem a obra literária resultava de três fatores – raça, meio e mo-mento histórico; o fator racial como condição essencial do desenvolvimento de um povo, na teoria de Fouillée; a ideia de letourneau de que a hereditariedade é fator predominante sobre a educação no desenvolvimento de um determinado grupo social; a luta das raças pela dominação como força motriz da história, na

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tese de Gumplowicz; a predisposição para o mal por parte da multidão, na teoria de scipio sighele; teorias arianizantes de lapouge e Gobineau.

mesmo a chegada do positivismo, que se fez pela escola militar com uma tese sobre matemática, defendida em 1850 por miguel joaquim pereira de sá, intitulada Dissertação sobre os princípios da estática, não foi capaz de mudar a mentalidade retrógrada erigida durante três séculos. o positivismo foi bem recebido por políticos e militares não em função da valorização do conhecimento científico, mas pelo caráter conservador das ideias de Augusto Comte, sobretudo no que diz respeito ao caminho para o progresso com a manutenção da ordem. A aversão ao pensamento especulativo, pelo positivismo, sua marca antimetafísica e sua aparência de verdade rigorosa vieram ao encontro de uma mentalidade alimentada pela escolástica*. sua aparência nova com uma essência conservadora contribuiu em nosso país, tão carente do rigor científico, para o desenvolvimento de explicações simplistas alimentadas pela força da retórica.

os problemas da política interna, o fato de esta sociedade, ainda no século XIX, estar organizada mais em função de normas familiares que propriamente das normas civis do Estado, propiciaram o florescimento de uma cultura jurídica marcada pelo formalismo e pela retórica. O discurso e o sermão, tão praticados na era colonial, fundem-se ao discurso jurídico, dando continuidade à prática cultural do discurso eloquente.

A obra de machado de Assis analisa sutilmente essa característica da so-ciedade brasileira. Nela, encontramos uma sutil ironia às pretensões científicas, como acontece com o humanitismo de quincas borba em Memórias póstumas de Brás Cubas e com Simão Bacamarte no conto O alienista. num estilo muitas vezes próximo da afetação e da frivolidade, o autor soube como ninguém apresentar ao seu público uma obra aparentemente marcada pelo tom da oratória comum aos nossos intelectuais, possibilitando uma leitura superficial da sua obra. Entretanto, a aparência de frivolidade é, na verdade, um trabalho sutil da linguagem e do estilo capaz de ironizar uma sociedade que se vangloriava de viver à sombra da sociedade europeia.

* escolástica – Sistema teológico-filosófico surgido nas escolas da Idade Média e caracterizado pela coordenação entre teologia e filosofia.

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2. estilo liteRáRio da époCa

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A palavra realismo vem de real, do latim res, que significa coisa. no rea-lismo, impera a realidade externa. A palavra realismo designa um movimento artístico da segunda metade do século XIX contrário à estética romântica. Tem início na pintura de G. Coubert (1819-1877), pintor que deu nome à escola quando denominou de realismo uma exposição de seus quadros.

como movimento literário, teve origem na França, em 1856, com a publi-cação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert. o realismo voltou a valorizar a razão, repudiando o idealismo romântico, interessando-se pela ciência, pela técnica e pelo progresso.

Para os realistas, a beleza se identifica com a verdade. Daí o fascínio pela representação fiel e objetiva da vida humana. A arte deve refletir a realidade, no sentido de refletir simultaneamente o individual e o universal, captando o traço essencial do objeto que representa a particularidade da classe.

O romancista realista observa atentamente todas as circunstâncias do seu objeto de interesse, tomando nota de todos os detalhes. A descrição deve ser extremamente fiel aos fatos, o que apenas na superfície o aproxima do romance naturalista.

enquanto o romance realista consiste em um romance documental, ba-seado apenas na observação, o romance naturalista baseia-se na observação, na formulação de hipóteses e na experimentação, criando o chamado romance experimental.

o romance documental baseia-se apenas na primeira etapa do método cien-tífico, fica na fase de observação, tomando um momento da vida para estudá-lo detidamente, mas sem experimentar nada. o romance naturalista parte de um princípio semelhante, mas, após a observação, vem o momento da hipótese ex-plicativa, baseada nas informações científicas do momento. Em seguida, vem a experimentação, que consiste em variar a observação, modificando-lhe as circuns-tâncias. A observação pode ser indutiva ou dedutiva. O método indutivo parte da análise de casos particulares, suficientemente enumerados, para a afirmação geral que pode ser uma lei. No método dedutivo, parte-se de leis científicas para explicar casos particulares.

O movimento realista ocorre sobretudo no gênero romance, não havendo grande entusiasmo pela poesia. nesse sentido, o parnasianismo preencherá o vácuo deixado pelo realismo.

Em Portugal, a chamada Questão Coimbrã ou Questão do Bom Senso e bom Gosto, no ano de 1865, envolvendo jovens de tendências realistas da universidade de coimbra e mestres da universidade de lisboa defensores dos ideais românticos, marcou o início da estética realista. No Brasil, em 1881, com a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, de machado de Assis, e de O mulato, de Aluísio Azevedo, teve início o realismo-naturalismo.

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3. o aUtoR

joaquim maria machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, filho de um mulato descendente de escravos, o pintor de paredes Francisco José de Assis, e de Maria Leopoldina Machado da Câmara, branca, nascida na ilha de São Miguel, nos Açores. O futuro escritor nasceu nos fundos da propriedade de dona maria josé de mendonça barroso, que foi sua madrinha e primeira protetora.

Autodidata, passou de simples aprendiz de tipógrafo a jornalista e alto fun-cionário de secretaria. mulato, numa sociedade preconceituosa, gago, epilético, impossibilitado de ter uma educação sistemática, Machado de Assis tornou-se, entretanto, o maior escritor brasileiro do século xix e, para muitos, juntamente com Guimarães Rosa no século XX, o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

em 1869, casou-se com carolina xavier de novais, depois de vencer as resistências da família da moça contra a sua condição de mulato. Conseguiu respeito e reconhecimento ainda em vida, chegando a ser eleito presidente da Academia brasileira de letras, que ajudou a fundar, em 1897.

machado de Assis foi poeta, contista, dramaturgo, romancista, cronista e crítico literário e teatral. Faleceu no rio de janeiro, em 1908.

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CRonologia das obRas

1861 – Queda que as mulheres têm para os tolos1861 – Desencantos1863 – teatro1864 – Quase ministro1864 – Crisálidas1866 – Os deuses de casaca 1870 – Falenas1870 – Contos fluminenses1872 – ressurreição1873 – histórias da meia-noite1874 – a mão e a luva1875 – americanas1876 – helena1878 – iaiá Garcia1881 – Memórias póstumas de Brás Cubas1881 – tu, só tu, puro amor1882 – Papéis avulsos1884 – histórias sem data1891 – Quincas Borba1896 – várias histórias1899 – Páginas recolhidas1899 – D. Casmurro1901 – Poesias completas1904 – Esaú e Jacó1906 – relíquias da casa velha1908 – Memorial de aires

• publicações póstumas1910 – Crítica 1910 – Outras relíquias

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1910 – teatro (coligido por mário Alencar)1914 – a semana1921 – Estante clássica, in revista de Língua Portuguesa, v. ii1921 – Páginas escolhidas1923 – Machado de assis e Joaquim Nabuco1931 – Cartas de Machado de assis e Euclides da Cunha1932 – Correspondência de Machado de assis1932 – Novas relíquias1937 – Crônicas1937 – Contos fluminenses (segundo volume)1937 – Crítica literária1937 – Crítica teatral1937 – a semana (segundo e terceiro volumes)1937 – histórias românticas1937 – relíquias da casa velha (segundo volume)1939 – Páginas esquecidas1944 – Casa velha

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4. a obRa

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publicado em 1896, várias histórias pertence à segunda fase da obra ma-chadiana. Normalmente, a obra de Machado de Assis é dividida em duas fases: a fase romântica e a fase realista. Memórias póstumas de Brás Cubas marca o início da fase realista do autor e também o início do realismo na literatura brasileira.

várias histórias contém dezesseis contos, sendo alguns deles os mais repre-sentativos do gênero, como a cartomante, a causa secreta, O enfermeiro, trio em lá menor, Um homem célebre.

A análise psicológica, a ironia e o humor fino são características marcantes de Machado de Assis que estão presentes nas dezesseis narrativas do livro.

Dos dezesseis contos, apenas três são narrados em primeira pessoa: Entre santos, Conto de escola e O enfermeiro.

a CaRtomantehamlet observa a horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a

nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.

– ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. apenas começou a botar as cartas, disse-me: “a senhora gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

– Errou! interrompeu Camilo, rindo. – Não diga isso, Camilo. se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa.

você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria... Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito,

que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. vilela podia sabê-lo, e depois...

– Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa. – Onde é a casa? – aqui perto, na rua da Guarda velha; não passava ninguém nessa ocasião. Des-

cansa; eu não sou maluca. Camilo riu outra vez: – tu crês deveras nessas cousas? perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia hamlet em vulgar, disse-lhe que havia

muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? a prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita.

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A narrativa começa no auge da ação: Camilo é amante de Rita, esposa de Vilela, um amigo de infância de Camilo. O leitor toma ciência, de imediato, que está diante de um caso de adultério, um dos temas favoritos do realismo.

no início do conto, rita conta a camilo a visita que fez a uma cartomante, por causa de suas dúvidas amorosas. Camilo afirma que ela foi imprudente, pois se o marido viesse a saber da visita poderia suspeitar de alguma coisa.

Ao término da conversa, camilo volta para casa feliz por saber que rita havia se aventurado por causa dele. Mesmo criado por uma mãe supersticiosa, Camilo parece não acreditar em nada que escape aos domínios da razão, mas sente-se aliviado pela fala de rita, pois anda apreensivo com cartas anônimas que vem recebendo, sendo acusado de adultério e de trair a confiança de um amigo.

Alguns dias depois, Camilo fica surpreso e apreensivo ao receber um bilhete de Vilela, no escritório da repartição em que trabalha. O bilhete pedia pela sua presença na casa de Vilela, imediatamente.

preocupado, ele imagina que o amigo pudesse ter descoberto tudo. Antes de seguir para a casa do amigo, resolve passar na sua casa para saber se havia uma carta de Rita que lhe explicasse o convite repentino, porém não há nenhuma carta ou bilhete. Segue, então, para a casa do amigo.

no meio do caminho, uma carroça impede a passagem da carruagem de camilo. este, impaciente, ao olhar para fora, percebe que está diante da casa da cartomante que Rita havia consultado. Tomado por uma agitação nervosa, oscilan-do entre o desprezo e o desejo em consultar a cartomante, ao dar por si, percebe que já está subindo as escadas que conduzem à adivinha. Esta o recebe e o faz sentar-se contra a luz de uma janela. percebendo-lhe o semblante preocupado, enquanto mistura as cartas do baralho, ela insinua os motivos que o estariam deixando aflito. Sem perceber, ele vai expondo seus motivos à cartomante. Ela, então, lhe pede que fique tranquilo, pois o outro de nada sabe.

Aliviado e feliz, Camilo paga generosamente à cartomante e segue em direção à casa de Vilela. Ao chegar à casa do amigo e da amante, estranha o silêncio. Bate à porta, Vilela abre e Camilo não pode conter um grito ao ver Rita morta e ensanguentada, antes de cair morto com dois tiros.

nesse conto, machado de Assis explora de forma irônica a fragilidade humana ante o destino. Ante a inexorabilidade da morte, os homens apegam-se a ilusões na tentativa vã de burlar o destino. Mas este conhece todos os artifícios humanos e, quanto maior a ilusão, maior a tragédia.

entRe santos

Quando eu era capelão de s. Francisco de Paula (contava um padre velho) acon-teceu-me uma aventura extraordinária.

Morava ao pé da igreja, e recolhi-me tarde, uma noite. Nunca me recolhi tarde que não fosse ver primeiro se as portas do templo estavam bem fechadas. achei-as bem

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fechadas, mas lobriguei luz por baixo delas. Corri assustado à procura da ronda; não a achei, tornei atrás e fiquei no adro, sem saber que fizesse. A luz, sem ser muito intensa, era-o demais para ladrões; além disso notei que era fixa e igual, não andava de um lado para outro, como seria a das velas ou lanternas de pessoas que estivessem roubando. O mistério arrastou-me; fui a casa buscar as chaves da sacristia (o sacristão tinha ido passar a noite em Niterói), benzi-me primeiro, abri a porta e entrei.

O corredor estava escuro. Levava comigo uma lanterna e caminhava devagari-nho, calando o mais que podia o rumor dos sapatos. a primeira e a segunda porta que comunicam com a igreja estavam fechadas; mas via-se a mesma luz e, porventura, mais intensa que do lado da rua. Fui andando, até que dei com a terceira porta aberta. Pus a um canto a lanterna, com o meu lenço por cima, para que me não vissem de dentro, e aproximei-me a espiar o que era.

Detive-me logo. Com efeito, só então adverti que viera inteiramente desarmado e que ia correr grande risco aparecendo na igreja sem mais defesa que as duas mãos. Correram ainda alguns minutos. Na igreja a luz era a mesma, igual e geral, e de uma cor de leite que não tinha a luz das velas. Ouvi também vozes, que ainda mais me atrapalharam, não cochichadas nem confusas, mas regulares, claras e tranquilas, à maneira de conversação. Não pude entender logo o que diziam. No meio disto, assaltou-me uma ideia que me fez recuar. Como naquele tempo os cadáveres eram sepultados nas igrejas, imaginei que a conversação podia ser de defuntos. recuei espavorido, e só passado algum tempo, é que pude reagir e chegar outra vez à porta, dizendo a mim mesmo que semelhante ideia era um disparate. a realidade ia dar-me cousa mais assombrosa que um diálogo de mortos. Encomendei-me a Deus, benzi-me outra vez e fui andando, sorrateiramente, encostadinho à parede, até entrar. Vi então uma cousa extraordinária.

Dois dos três santos do outro lado, S. José e S. Miguel (à direita de quem entra na igreja pela porta da frente), tinham descido dos nichos e estavam sentados nos seus altares. as dimensões não eram as das próprias imagens, mas de homens. Falavam para o lado de cá, onde estão os altares de s. João Batista e s. Francisco de sales. Não posso descrever o que senti. Durante algum tempo, que não chego a calcular, fiquei sem ir para diante nem para trás, arrepiado e trêmulo. Com certeza, andei beirando o abismo da loucura, e não caí nele por misericórdia divina. Que perdi a consciência de mim mesmo e de toda outra realidade que não fosse aquela, tão nova e tão única, posso afirmá-lo; só assim se explica a temeridade com que, dali a algum tempo, entrei mais pela igreja, a fim de olhar também para o lado oposto. vi aí a mesma cousa: s. Francisco de sales e s. João, descidos dos nichos, sentados nos altares e falando com os outros santos.

tinha sido tal a minha estupefação que eles continuaram a falar, creio eu, sem que eu sequer ouvisse o rumor das vozes. Pouco a pouco, adquiri a percepção delas e pude compreender que não tinham interrompido a conversação; distingui-as, ouvi claramente as palavras, mas não pude colher desde logo o sentido. Um dos santos, falando para o lado do altar-mor, fez-me voltar a cabeça, e vi então que s. Francisco de Paula, o orago da igreja, fizera a mesma cousa que os outros e falava para eles, como eles falavam entre si.

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as vozes não subiam do tom médio e, contudo, ouviam-se bem, como se as ondas sonoras tivessem recebido um poder maior de transmissão. Mas, se tudo isso era espantoso, não menos o era a luz, que não vinha de parte nenhuma, porque os lustres e castiçais estavam todos apagados; era como um luar, que ali penetrasse, sem que os olhos pudessem ver a lua; comparação tanto mais exata quanto que, se fosse realmente luar, teria deixado alguns lugares escuros, como ali acontecia, e foi num desses recantos que me refugiei.

Uma noite, o capelão da igreja S. Francisco de Paula, antes de dormir, veri-fica se as portas da igreja estavam trancadas. As portas estavam trancadas, mas o capelão viu luz por baixo de uma delas e estranhou o fato. Mesmo assustado, resolveu verificar e deparou-se com uma cena fantástica: os santos haviam des-cido dos altares e estavam conversando entre eles, comentando os pedidos que os homens haviam feito durante o dia.

s. Francisco de sales resolve contar uma história que lhe pareceu inte-ressante. Um homem chamado Sales veio lhe pedir pela saúde da esposa, a quem amava e que estava enferma. sales, conhecido pela sua avareza, deseja a saúde da mulher, mas não consegue empenhar-se numa promessa, pois a cada oferenda que imagina dar ao santo, assalta-lhe os sentidos o dinheiro que teria de gastar. Assim, em lugar de prometer uma perna de cera ao santo, sales, tomado pelo desespero (pois realmente amava a mulher), oferece mil padre-nossos e mil ave-marias ao santo, mas não consegue oferecer nada que lhe custasse algum dinheiro.

Os santos terminam a conversa rindo dos homens, pois estes não con-seguem se libertar da triste e estranha condição humana, que é marcada pelo sofrimento.

O capelão diz, por fim, que ao acordar na manhã seguinte encontrava-se deitado no chão do templo.

o conto apresenta, de forma irônica, os sofrimentos vivenciados por um avarento. A avareza de sales o faz sofrer. ciente de que pode oferecer algo va-loroso ao santo, pois ele tem condições materiais para tanto, sofre duplamente. Sofre por temer perder a esposa e sofre por não conseguir “abrir mão” de seu dinheiro. o amor pela esposa, que é uma virtude, convive com a avareza, que é um vício. Assim, arrastando-se entre os vícios e as virtudes, a vida humana é um espetáculo que oscila entre a tragédia e a comédia.

Uns bRaços

inácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco.

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– Onde anda que nunca ouve o que lhe digo? hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não. Estúpido! maluco!

– Olhe que lá fora é isto mesmo que você vê aqui, continuou, voltando-se para D. severina, senhora que vivia com ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso quebrar-lhe os ossos.. . Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura!

D. severina tocou-lhe no pé, como pedindo que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns impropérios, e ficou em paz com Deus e os homens.

Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propria-mente menino. tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870.

A causa do esquecimento de Inácio são os braços de D. Severina.inácio tem quinze anos e foi morar na casa de borges a pedido do pai, que

pretendia que o filho aprendesse um ofício burocrático. Borges vivia maritalmente com D. Severina, que contava então com vinte e sete anos. Esta percebe o que está se passando com Inácio, percebe que os seus braços são a causa da distração do rapaz. pensa em contar para borges, mas no íntimo sentia-se lisonjeada pelos olhares do rapaz.

num domingo, durante a ausência do companheiro, d. severina foi ao quarto do rapaz, querendo convencer-se de que agia como uma mãe. Ao entrar no quarto, encontra Inácio dormindo. O rapaz tem uma expressão de alegria, pois estava sonhando que D. Severina entrava no seu quarto e vinha lhe dar um beijo. Ela encaminha-se até a rede e beija Inácio. Nesse momento, sonho e realidade se fundem, pois Inácio estava exatamente sonhando com esse beijo.

d. severina arrepende-se de sua atitude e passa a cobrir os braços e a tratar mal o rapaz. tempos depois, borges o dispensa. no dia da sua saída, d. severina evita despedir-se do rapaz, alegando uma dor de cabeça.

o conto aponta para o cruzamento entre o sonho e a realidade, tomando como referência a descoberta do amor de um rapaz por uma mulher doze anos mais velha. o desejo de inácio desperta a vaidade de d. severina. o sonho dele encontra ressonância nos desejos dela, que, entretanto, se recusa a admitir que sinta alguma atração pelo rapaz.

Inácio guardará as sensações do beijo, imaginando ter sido apenas um so-nho, sem desconfiar de que certos sonhos têm fortes vínculos com a realidade.

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Joaquim Maria Machado de assis

Um Homem CélebRe

– ah! o senhor é que é o Pestana? perguntou sinhazinha Mota, fazendo um largo gesto admirativo. E logo depois, corrigindo a familiaridade: – Desculpe meu modo, mas. .. é mesmo o senhor?

Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sim, que era ele. Vinha do piano, enxu-gando a testa com o lenço, e ia a chegar à janela, quando a moça o fez parar. Não era baile; apenas um sarau íntimo, pouca gente, vinte pessoas ao todo, que tinham ido jantar com a viúva Camargo, Rua do Areal, naquele dia dos anos dela, cinco de novembro de 1875... Boa e patusca viúva! amava o riso e a folga, apesar dos sessenta anos em que entrava, e foi a última vez que folgou e riu, pois faleceu nos primeiros dias de 1876. Boa e patusca viúva! Com que alma e diligência arranjou ali umas danças, logo depois do jantar, pe-dindo ao Pestana que tocasse uma quadrilha! Nem foi preciso acabar o pedido; Pestana curvou-se gentilmente, e correu ao piano. Finda a quadrilha, mal teriam descansado uns dez minutos, a viúva correu novamente ao Pestana para um obséquio mui particular.

– Diga, minha senhora. – É que nos toque agora aquela sua polca Não bula comigo, nhonhô. Pestana fez uma careta, mas dissimulou depressa, inclinou-se calado, sem gentileza,

e foi para o piano, sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros compassos, derramou-se pela sala uma alegria nova, os cavalheiros correram às damas, e os pares entraram a sara-cotear a polca da moda. Da moda, tinha sido publicada vinte dias antes, e já não havia recanto da cidade em que não fosse conhecida. Ia chegando à consagração do assobio e da cantarola noturna.

Sinhazinha Mota estava longe de supor que aquele Pestana que ela vira à mesa de jantar e depois ao piano, metido numa sobrecasaca cor de rapé, cabelo negro, longo e cacheado, olhos cuidosos, queixo rapado, era o mesmo Pestana compositor; foi uma amiga que lho disse quando o viu vir do piano, acabada a polca. Daí a pergunta admirativa. vimos que ele respondeu aborrecido e vexado. Nem assim as duas moças lhe pouparam finezas, tais e tantas, que a mais modesta vaidade se contentaria de as ouvir; ele recebeu-as cada vez mais enfadado, até que, alegando dor de cabeça, pediu licença para sair. Nem elas, nem a dona da casa, ninguém logrou retê-lo. Ofereceram-lhe remédios caseiros, algum repouso, não aceitou nada, teimou em sair e saiu.

reconhecido e aclamado como compositor de polcas (gênero musical popu-lar), o sonho de Pestana era compor uma música erudita ao estilo de Beethoven ou Mozart, ou qualquer outro grande músico europeu que ele tanto admirava. O seu talento nato, entretanto, parece ser o da composição popular, o que tanto o aborrece e o angustia.

Apesar dos esforços e dos estudos apurados, quando sente vir a inspiração de uma música refinada e elevada, Pestana corre ao piano, mas o resultado é uma nova polca, para desespero do compositor.

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o sucesso popular de suas composições chega a agradá-lo nos primei-ros momentos, mas logo em seguida descrê da qualidade da composição e deseja mais uma vez compor uma música “séria”. No desejo de realizar a tão sonhada música, chega a se casar com uma cantora tuberculosa. Mas nem a morte da esposa fornece-lhe a inspiração para a composição de um réquiem, que ele contava executar para celebrar o primeiro ano do aniversário da morte da esposa.

dois anos se passam desde a morte da esposa e pestana, procurado pelo seu editor e impelido pela necessidade financeira, aceita compor umas polcas. O editor, entretanto, tem urgência na composição de uma peça para comemorar a subida dos conservadores ao poder. Ao que Pestana comenta:

– Olhe, disse o Pestana, como é provável que eu morra por estes dias, faço-lhe logo duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais.

Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os homens e mal consigo mesmo.

entre as diversas possibilidades de leitura que o conto oferece, duas pare-

cem ter maior importância. Em primeiro lugar, Pestana seria o símbolo do artista moderno marcado pela insatisfação ante a realização da criação artística. O artista moderno, à procura de uma criação sublime, sente-se frustrado à medida que o resultado do seu esforço é incompatível com o seu desejo criativo.

num segundo momento, pestana seria o brasil inconformado com seus dotes criativos, ansiando por aproximar-se dos modelos europeus, aos quais vê como sinônimo da grande arte, sem, contudo, compreender que a sua capacidade criativa possui outros contornos e relevos, que podem possuir tantas qualidades quanto as que almeja imitar.

a desejada das gentes

– ah! conselheiro, aí começa a falar em verso. – todos os homens devem ter uma lira no coração, – ou não sejam homens. Que

a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o digo eu, mas de longe em longe, e por algumas reminiscências particulares... sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do reino e dos cabelos grisalhos? é porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a secretaria de Estrangeiros... Lá está o outeiro célebre... adiante há uma casa...

– vamos andando. – vamos... Divina Quintília! todas essas caras que aí passam são outras, mas

falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a lira que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília!

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– Chamava-se Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de Medicina, uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da cidade.

– há de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta?– Isso. Que fim levou? – Morreu em 1859. Vinte de abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou contar-

lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o senhor. Olhe, a casa era aquela... Morava com um tio, chefe de esquadra reformado, tinha outra casa no Cosme velho. Quando conheci Quintília... Que idade pensa que teria, quando a conheci?

– Se foi em 1855... – Em 1855. – Devia ter vinte anos. – tinha trinta. – trinta?

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o diálogo entre dois amigos tem por objetivo apresentar ao leitor uma personagem que marcou a vida do narrador: Quintília.

O narrador, em conversa com um amigo, recorda-se de uma paixão da ju-ventude. quintília era uma das mulheres mais bonitas da época e facilmente des-pertava paixão nos rapazes. Entretanto, todos os jovens que dela se aproximavam com propostas de casamento eram descartados, o que despertou a curiosidade do narrador e de um amigo e seu sócio à época – João Nóbrega. Os dois, então, resolvem apostar para saber qual deles conseguiria se casar com a moça.

A paixão pela moça acaba por afastar os dois amigos. João Nóbrega, quan-do se soube rejeitado, abandonou o Rio de Janeiro e mudou-se para o sertão da bahia, onde, em menos de quatro anos, veio a falecer.

com a morte do pai do narrador e do tio de quintília, surge entre ambos um forte laço afetivo. da parte do narrador existe o desejo da conquista amoro-sa; da parte de Quintília há apenas uma afeição sensível e amigável. Quando o narrador se declara, é rejeitado do mesmo modo que os pretendentes anteriores, o que motiva seu afastamento.

quintília escreve ao narrador e pede-lhe que retorne, pois desejava since-ramente a sua presença – como amigo. Imerso na desilusão amorosa, o narrador aceita retornar.

pouco a pouco, quintília apresenta sintomas de uma grave moléstia, que acaba por vitimá-la. Já bastante enferma e à beira da morte, dois dias antes de morrer ela se decide casar com o narrador. este apenas lhe fez companhia até a hora fatal.

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este conto apresenta ao leitor a complexidade da psique humana. o desejo e a repulsa convivem intimamente em Quintília. A sua aversão ao casamento não significa aversão ao narrador. Ela deseja a presença dele, mas sente-se incapaz de viver ao seu lado como esposa.

Vale lembrar aqui os famosos versos de camões, que caracterizam o amor como um sentimento de natureza contraditória: “É um não querer mais que bem querer; / É solitário andar por entre a gente”.

a CaUsa seCReta

Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, – de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se expli-cará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço.

tinham falado também de outra cousa, além daquelas três, cousa tão feia e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. agora mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender é preciso remontar à origem da situação.

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Na sequência, para explicar a situação em que se encontram as personagens, o narrador retrocede dois anos no tempo. Garcia, um jovem estudante de medicina, viu Fortunato pela primeira vez na porta da santa casa. o acaso fez com que o visse poucos dias depois num teatro, assistindo a um drama de baixa qualidade. Garcia reparou que as situações dolorosas da peça despertavam sobremaneira a atenção de Fortunato. À saída do teatro, o estudante o seguiu por algumas quadras e o viu distribuir bengaladas aos cães que dormiam pelas calçadas.

Algumas semanas depois, às nove horas da noite, no sótão onde morava, Garcia foi atraído por rumores no andar de baixo. Ao descer, deparou com For-tunato, que socorria um homem que acabara de ser esfaqueado.

com a chegada de um médico e de um subdelegado, Fortunato dá o seu depoimento e passa a auxiliar o médico e o estudante de medicina nos curativos da vítima. nos dias seguintes, Fortunato visita a vítima, mas, como esta logo se restabelece, ele desaparece.

informado por Garcia sobre o endereço de Fortunato, o rapaz agora resta-belecido resolve fazer-lhe uma visita de agradecimento. entretanto, Fortunato

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o recebe friamente e o despacha com ironias, humilhando o rapaz. este, por sua vez, tomado pela humilhação, logo esquece a gratidão pela ajuda que lhe fora prestada.

tempos depois, estando Garcia já formado, ocorre novo reencontro entre eles. Fortunato o convida para um jantar no domingo, informando-lhe que está casado há quatro meses.

em visita ao casal, Garcia percebe que existem graves diferenças entre eles. Maria Luísa aparenta ter certo temor do marido e fica admirada quando ouve do jovem médico a história do socorro prestado por Fortunato ao homem que fora esfaqueado, pois jamais suspeitara que o marido tivesse tal componente em seu caráter. O marido, entretanto, desfaz logo a impressão da esposa, relatando a humilhação que infringira ao rapaz quando este quis lhe agradecer.

Garcia tenta remediar a situação, dizendo a Maria Luísa que o seu marido havia, na ocasião, atuado como um autêntico enfermeiro. Diz-lhe, ainda, que se algum dia abrisse uma clínica, gostaria de tê-lo como enfermeiro.

A ideia de uma casa de saúde agrada Fortunato, que acaba por convencer Garcia a fundá-la. Fortunato entraria com os recursos financeiros necessários e o médico entraria com a sua formação.

Com o surgimento da clínica, Fortunato desperta admiração de todos pelo empenho com que se dedica aos enfermos, mesmo aos que sofrem das moléstias mais graves. Seu interesse se estende também à anatomia, e ele passa a dissecar animais em casa, para desespero de sua esposa.

maria luísa pede a Garcia que convença o marido a parar com as disseca-ções em casa, o que o médico consegue. um dia, porém, em visita ao casal, é sur-preendido pelo desespero da mulher. o médico adentra o gabinete de Fortunato e o vê torturar um rato. Fortunato segurava o animal por um cordão e com uma tesoura amputava-lhe as patas. para prolongar o sofrimento do animal, cauteri-zava-lhe as feridas nas chamas que se desprendiam de uma tigela com álcool.

Ao perceber a presença de Garcia, Fortunato acaba por matar o animal e a forjar uma desculpa para justificar sua atitude.

Em seguida, a narrativa retorna à cena inicial, o que explica o silêncio constrangedor que impera entre os personagens. o desfecho é dado pela doença e consequente morte de maria luísa. Antes, porém, Garcia sente nascer o amor pela esposa de seu sócio.

Fortunato acompanha toda a agonia da esposa, procurando auxiliá-la sempre. na noite do velório, enquanto Fortunato repousa, Garcia vela o corpo de Maria Luísa. Garcia não consegue reprimir o amor que sentia por ela e acaba por romper em prantos e lágrimas. Fortunato, que não conseguira dormir, retorna silenciosamente à sala e, sem ser visto, contempla a cena. “ Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.”

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O título do conto torna-se bastante claro: a causa secreta refere-se ao comportamento sádico de Fortunato. Por trás de suas intenções benéficas está um componente perverso de sua personalidade, que se regozija diante do sofrimento alheio.

tRio em lá menoR

Adágio cantabille

Maria regina acompanhou a avó até o quarto, despediu-se e recolheu-se ao seu. a mucama que a servia, apesar da familiaridade que existia entre elas, não pôde arrancar-lhe uma palavra, e saiu, meia hora depois, dizendo que Nhanhã estava muito séria. Logo que ficou só, Maria Regina sentou-se ao pé da cama, com as pernas estendidas, os pés cruzados, pensando.

a verdade pede que diga que esta moça pensava amorosamente em dous homens ao mesmo tempo, um de vinte e sete anos, Maciel – outro de cinquenta, Miranda. Con-venho que é abominável, mas não posso alterar a feição das cousas, não posso negar que se os dous homens estão namorados dela, ela não o está menos de ambos. Uma esquisita, em suma; ou, para falar como as suas amigas de colégio, uma desmiolada. Ninguém lhe nega coração excelente e claro espírito; mas a imaginação é que é o mal, uma imaginação adusta e cobiçosa, insaciável principalmente, avessa à realidade, sobrepondo às cousas da vida outras de si mesma; daí curiosidades irremediáveis.

a visita dos dous homens (que a namoravam de pouco) durou cerca de uma hora. Maria regina conversou alegremente com eles, e tocou ao piano uma peça clássica, uma sonata, que fez a avó cochilar um pouco. No fim discutiram música. Miranda disse cou-sas pertinentes acerca da música moderna e antiga; a avó tinha a religião de Bellini e da Norma, e falou das toadas do seu tempo, agradáveis, saudosas e principalmente claras. a neta ia com as opiniões do Miranda; Maciel concordou polidamente com todos.

ao pé da cama, Maria regina reconstruía agora tudo isso, a visita, a conversação, a música, o debate, os modos de ser de um e de outro, as palavras do Miranda e os belos olhos do Maciel. Eram onze horas, a única luz do quarto era a lamparina, tudo convidava ao sonho e ao devaneio. Maria Regina, à força de recompor a noite, viu ali dous homens ao pé dela, ouviu-os, e conversou com eles durante uma porção de minutos, trinta ou quarenta, ao som da mesma sonata tocada por ela: lá, lá, lá...

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em um conto dividido em quatro partes (adágio cantabille, allegro ma non troppo, allegro appassionato, Minueto), machado de Assis vale-se da estrutura mu-sical para compor a narrativa. maria regina oscila entre dois pretendentes que são muito diferentes entre si: Maciel é jovem e bonito, mas extremamente banal; Miranda é inteligente e maduro, mas não possui beleza física.

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sempre que maria regina se aproxima de um deles, começa logo a ima-ginar o outro. como as características de um completam as do outro, ela deseja para si um homem perfeito, capaz de ser jovem, bonito, inteligente e maduro ao mesmo tempo. Como ela não se decide por nenhum, ambos acabam por se afastar, e Maria Regina acaba ficando sozinha.

Valendo-se da estrutura de uma sonata, com uma melodia oscilando entre dois temas que jamais se sobrepõem um ao outro, machado de Assis apresenta o dilema de uma personagem que não consegue realizar seu desejo porque se sente incapaz de fazer uma escolha. Como deseja para si a perfeição, e a perfeição não existe no ser humano, a impossibilidade de fazer uma escolha a condena à solidão.

adão e eva

Uma senhora de engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos, tendo algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande lambareiro, um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a dona da casa chamou-lhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a adão. as senhoras diziam que a adão, os homens que a Eva, menos o juiz-de-fora, que não dizia nada, e Frei Bento, carmelita, que interrogado pela dona da casa, D. Leonor:

– Eu, senhora minha, toco viola, respondeu sorrindo; e não mentia, porque era insigne na viola e na harpa, não menos que na teologia.

Consultado, o juiz-de-fora respondeu que não havia matéria para opinião; porque as cousas no paraíso terrestre passaram-se de modo diferente do que está contado no pri-meiro livro do Pentateuco, que é apócrifo. Espanto geral, riso do carmelita que conhecia o juiz-de-fora como um dos mais piedosos sujeitos da cidade, e sabia que era também jovial e inventivo, e até amigo da pulha, uma vez que fosse curial e delicada; nas cousas graves, era gravíssimo.

– Frei Bento, disse-lhe D. Leonor, faça calar o sr. veloso. – Não o faço calar, acudiu o frade, porque sei que de sua boca há de sair tudo com

boa significação. – Mas a Escritura... ia dizendo o mestre de campo João Barbosa. – Deixemos em paz a Escritura, interrompeu o carmelita. Naturalmente, o Sr.

veloso conhece outros livros... – Conheço o autêntico, insistiu o juiz-de-fora, recebendo o prato de doce que D.

Leonor lhe oferecia, e estou pronto a dizer o que sei, se não mandam o contrário. – vá lá, diga. – aqui está como as cousas se passaram. Em primeiro lugar, não foi Deus que

criou o mundo, foi o Diabo...

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Ao informar que vai servir um doce delicioso, d. leonor desperta a curio-sidade dos convidados, que, aliás, passam a discutir quem seria mais curioso, o homem ou a mulher. A discussão passa para o pecado original, sobre quem teria a maior culpa, Adão ou Eva. Um convidado, um juiz-de-fora, chamado Veloso, diz que os cinco livros iniciais da bíblia, o pentateuco, estavam errados quanto ao que havia se passado no paraíso. para espanto e curiosidade dos ouvintes, ele narra a sua versão sobre a origem do mundo. Segundo ele, a criação do mundo foi ideia do Diabo; porém, para cada criação do Diabo, Deus realizou também uma criação. O Diabo criou as trevas, Deus fez a luz. O Diabo criou o homem e a mulher, mas foi deus que lhes atribuiu uma alma e os transportou para o paraíso.

O Diabo, como não poderia entrar no Paraíso, para lá enviou a serpente, com a missão de levar ao casal a tentação. A serpente entra no Paraíso, mas Adão e Eva resistem à tentação. Deus, então, feliz com a pureza do casal, os conduziu direto para os céus.

Ao terminar a narrativa, o juiz deixa os convidados embasbacados:

...tendo acabado de falar, o juiz-de-fora estendeu o prato a D. Leonor para que lhe desse mais doce, enquanto os outros convivas olhavam uns para os outros, embasbacados; em vez de explicação, ouviam uma narração enigmática, ou, pelo menos, sem sentido aparente. D. Leonor foi a primeira que falou:

– Bem dizia eu que o sr. veloso estava logrando a gente. Não foi isso que lhe pedi-mos, nem nada disso aconteceu, não é, Frei Bento?

– Lá o saberá o sr. juiz, respondeu o carmelita sorrindo. E o juiz-de-fora, levando à boca uma colher de doce: – Pensando bem, creio que nada disso aconteceu; mas também, D. Leonor, se tivesse

acontecido, não estaríamos aqui saboreando este doce, que está, na verdade, uma cousa primorosa. É ainda aquela sua antiga doceira de itapagipe?”

nesse conto, machado de Assis apresenta ironicamente o tema da futili-dade humana. Um jantar numa família de “bem”, isto é, entre gente de posses, pode ser uma fonte de prazeres. As coisas supérfluas da vida podem conter prazer, mas é preciso ter certas condições materiais para usufruí-las. nas coisas mais banais da vida pode existir motivo para a alegria. entretanto, parece que somente as pessoas que têm algumas posses podem se dar ao luxo de valorizar tais banalidades.

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o enfeRmeiRo

Parece-lhe então que o que se deu comigo em 1860 pode entrar numa página de livro? vá que seja, com a condição única de que não há de divulgar nada antes da minha morte. Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos; estou desenganado.

Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida inteira, em que há outras cousas interessantes, mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel; o ânimo é frouxo, e o tempo assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o sol do outro dia, um sol dos diabos, impenetrável como a vida. adeus, meu caro senhor, leia isto e queira-me bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento humano, ei-lo aqui. Não me peça também o império do Grão-Mogol, nem a fotografia dos Macabeus; peça, porém, os meus sapatos de defunto e não os dou a ninguém mais.

Já sabe que foi em 1860. No ano anterior, ali pelo mês de agosto, tendo eu quarenta e dois anos, fiz-me teólogo, – quero dizer, copiava os estudos de teologia de um padre de Niterói, antigo companheiro de colégio, que assim me dava, delicadamente, casa, cama e mesa. Naquele mês de agosto de 1859, recebeu ele uma carta de um vigário de certa vila do interior, perguntando se conhecia pessoa entendida, discreta e paciente, que quisesse ir servir de enfermeiro ao coronel Felisberto, mediante um bom ordenado. O padre falou-me, aceitei com ambas as mãos, estava já enfarado de copiar citações latinas e fórmulas ecle-siásticas. Vim à Corte despedir-me de um irmão, e segui para a vila.

Chegando à vila, tive más notícias do coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. a dous deles quebrou a cara. respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois de entender-me com o vigário, que me confirmou as notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade, segui para a residência do coronel.

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no conto, narrado em primeira pessoa, o narrador personagem procópio José Gomes Valongo, que se encontra à beira da morte, decide contar uma im-portante passagem da sua vida, ocorrida no ano de 1860.

no ano de 1859, no mês de agosto, o narrador, aos quarenta e dois anos de idade, estava em niterói, residindo e trabalhando como copista na casa de um amigo, que era padre, quando este recebeu um pedido de um vigário do interior solicitando um enfermeiro para o coronel Felisberto.

cansado de trabalhar como copista, procópio aceitou a nova proposta de emprego. Ao chegar à vila, obteve péssimas informações sobre o Coronel Felis-berto. tratava-se de um homem agressivo e impaciente.

O primeiro encontro entre Procópio e o Coronel Felisberto não foi de todo ruim. os primeiros sete dias foram bastante razoáveis. A partir do oitavo dia, entretanto, procópio passa a ser maltratado e humilhado, como antes haviam sido os seus antecessores.

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No auge de uma discussão, ao receber uma bengalada do Coronel, Pro-cópio decidiu abandonar o emprego e retornar à corte. O Coronel, entretanto, o persuadiu a permanecer.

o passar do tempo faz com que o narrador acumule o salário recebido, pois não havia onde gastá-lo no interior, o que o motiva a voltar para a corte. Comunica sua decisão ao vigário local, dando-lhe um mês de prazo para que conseguisse um novo enfermeiro.

um incidente fatal, entretanto, viria mudar os planos do narrador. na noite do dia 24 de agosto de 1859, o coronel rejeita um prato de mingau entregue por procópio e atira o prato na parede. por volta das onze horas, o doente recolhe-se ao quarto. À meia-noite, Procópio deveria acordá-lo para dar-lhe o remédio. Mas o enfermeiro começou a ler um romance, ali mesmo, no quarto do Coronel, à pequena distância da cama e acabou adormecendo. Foi acordado pelos gritos do doente, que lhe atirou uma moringa. esta atingiu a face esquerda do enfermeiro e a dor o deixou privado dos sentidos. Num acesso de dor e fúria, entrou em luta com o coronel e acabou por matá-lo.

o narrador deixa o quarto, mas é assombrado pelos fantasmas da culpa. Passa algumas horas em extremo desespero. Pela manhã, manda um escravo comunicar ao vigário o falecimento do coronel Felisberto.

com alguma calma, procópio, ao preparar o corpo do defunto, consegue esconder as marcas que estavam no pescoço do coronel. o medo de ser desco-berto o deixa profundamente angustiado, o que é interpretado pelos presentes como sinal de afeto pelo defunto.

Atormentado ainda pela culpa, Procópio retorna à corte, onde as pessoas também interpretam sua angústia e seu silêncio como sinais de amizade ao falecido.

Alguns dias depois, o narrador recebe uma notícia surpreendente: o Coronel Felisberto havia feito um testamento e deixado toda sua fortuna para procópio José Gomes Valongo. Sua primeira reação foi interpretar a carta enviada pelo vigário como uma armadilha. eles saberiam a verdadeira causa da morte do coronel e desejavam prendê-lo. logo percebe, entretanto, o absurdo da ideia, pois se soubessem a verdade não precisariam desse álibi para prendê-lo.

Ao retornar à vila, é tomado pelo pânico, mas Procópio estava ciente de que não poderia mais recuar. Confirma mesmo o fato: é o herdeiro universal do coronel. inicialmente, pensa em desistir da herança, mas conclui que tal gesto poderia despertar suspeitas. Pensa então em doar a fortuna herdada ao pobres, mas lentamente vai mudando de ideia.

Enquanto permanece na vila, procura abrandar a opinião dos moradores sobre o Coronel. Todos eram unânimes em considerar o falecido uma pessoa desagradável. Procópio tenta, em vão, amenizar a opinião das pessoas.

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pouco a pouco, a consciência de procópio dilui o peso do ocorrido, alegando mesmo que o coronel já estava velho e que o incidente poderia mesmo ter sido uma coincidência, isto é, o coronel poderia ter morrido naquela noite, ainda que não tivesse sofrido nenhuma agressão. Para livrar-se da culpa que insistia em permanecer, Procópio faz algumas doações à igreja e à Santa Casa e manda erguer um túmulo ao Coronel. Em seguida, retorna ao Rio de Janeiro.

Ao terminar a narração, estando livre da culpa dos primeiros tempos, Procópio conclui:

Os anos foram andando, a memória tornou-se cinzenta e desmaiada. Penso às vezes no coronel, mas sem os terrores dos primeiros dias. todos os médicos a quem contei as moléstias dele foram acordes em que a morte era certa, e só se admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode ser que eu, involuntariamente, exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a verdade é que ele devia morrer, ainda que não fosse aquela fatalidade...

adeus, meu caro senhor. se achar que esses apontamentos valem alguma coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio esta emenda que faço aqui ao divino sermão da montanha: “Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados.

esse conto de machado de Assis ressalta um curioso aspecto da persona-lidade humana: a consciência parece ser bastante susceptível à ação do tempo; os erros e culpas do passado podem ser diluídos na consciência, pois o tempo faculta à consciência encontrar os atenuantes para o peso negativo das etapas vencidas. já que nesta vida ninguém é perfeito, um erro pode converter-se em acerto, conforme a disposição moral de cada um. Em outras palavras, o mais importante na vida é ter a consciência tranquila, ainda que para isso a tranqui-lidade tenha que ser forjada.

diplomátiCo

A preta entrou na sala de jantar, chegou-se à mesa rodeada de gente, e falou baixinho à senhora. Parece que lhe pedia alguma cousa urgente, porque a senhora levantou-se logo.

– Ficamos esperando, D. adelaide? – Não espere, não, sr. rangel; vá continuando, eu entro depois. rangel era o leitor do livro de sortes. voltou a página, e recitou um título: “se

alguém lhe ama em segredo.” Movimento geral: moças e rapazes sorriram uns para os outros. Estamos na noite de São João de 1854, e a casa é na rua das Mangueiras. Chama-se João o dono da casa, João Viegas, e tem uma filha, Joaninha. Usa-se todos os anos a mesma reunião de parentes e amigos, arde uma fogueira no quintal, assam-se as

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batatas do costume, e tiram-se sortes. Também há ceia, às vezes dança, e algum jogo de prendas, tudo familiar. João viegas é escrivão de uma vara cível da corte.

– vamos. Quem começa agora? disse ele. há de ser D. Felismina. vamos ver se alguém lhe ama em segredo.

D. Felismina sorriu amarelo. Era uma boa quarentona, sem prendas nem ren-das, que vivia espiando um marido por baixo das pálpebras devotas. Em verdade, o gracejo era duro, mas natural. D. Felismina era o modelo acabado daquelas criaturas indulgentes e mansas, que parecem ter nascido para divertir os outros. Pegou e lançou os dados com um ar de complacência incrédula. Número dez, bradaram duas vozes. Rangel desceu os olhos ao baixo da página, viu a quadra correspondente ao número, e leu-a: dizia que sim, que havia uma pessoa, que ela devia procurar domingo, na igreja, quando fosse à missa. Toda a mesa deu parabéns a D. Felismina, que sorriu com desdém, mas interiormente esperançada.

Outros pegaram nos dados, e rangel continuou a ler a sorte de cada um. Lia es-pevitadamente. De quando em quando, tirava os óculos e limpava-os com muito vagar na ponta do lenço de cambraia, – ou por ser cambraia, – ou por exalar um fino cheiro de bogari. Presumia de grande maneira, e ali

chamavam-lhe “o diplomático”. – ande, seu diplomático, continue. Rangel estremeceu; esquecera-se de ler uma sorte, embebido em percorrer a fila de

moças que ficava do outro lado da mesa. Namorava alguma? Vamos por partes. Era solteiro, por obra das circunstâncias, não de vocação. Em rapaz teve alguns

namoricos de esquina, mas com o tempo apareceu-lhe a comichão das grandezas, e foi isto que lhe prolongou o celibato até os quarenta e um anos, em que o vemos. Cobiçava alguma noiva superior a ele e à roda em que vivia, e gastou o tempo em esperá-la. Chegou a frequentar os bailes de um advogado célebre e rico, para quem copiava papéis, e que o protegia muito. tinha nos bailes a mesma posição subalterna do escritório; passava a noite vagando pelos corredores, espiando o salão, vendo passar as senhoras, devorando com os olhos uma multidão de espáduas magníficas e talhes graciosos. Invejava os ho-mens, e copiava-os. Saía dali excitado e resoluto. Em falta de bailes, ia às festas de igreja, onde poderia ver algumas das primeiras moças da cidade. também era certo no saguão do paço imperial, em dia de cortejo, para ver entrar as grandes damas e as pessoas da corte, ministros, generais, diplomatas, desembargadores, e conhecia tudo e todos, pessoas e carruagens. voltava da festa e do cortejo, como voltava do baile, impetuoso, ardente, capaz de arrebatar de um lance a palma da fortuna.

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Na casa de João Viegas e D. Adelaide alguns amigos se divertem na noite de São João. Um dos amigos é o Sr. Rangel, conhecido como “diplomático”, dada a sua polidez. solteiro aos quarenta e um anos de idade, rangel imagina

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desposar Joaninha, de dezenove anos, filha dos proprietários da casa em que se encontra. Está à espera da hora ideal para entregar à moça uma carta contendo sua declaração. Entretanto, a hora ideal parece nunca chegar.

no decorrer da festa, chega um convidado a muito esperado, calisto, trazendo com ele um rapaz chamado queirós. jovem e bonito, queirós atrai olhares de joaninha.

seis meses depois, rangel será testemunha no casamento entre joaninha e queirós.

nesse conto, machado de Assis apresenta uma personagem que se fecha em um mundo próprio, sem estabelecer vínculos com a realidade. rangel é um so-nhador, mas é incapaz de estabelecer vínculos entre seus sonhos e a realidade.

maRiana

“Que será feito de Mariana?” perguntou Evaristo a si mesmo, no largo da Carioca, ao despedir-se de um velho amigo, que lhe fez lembrar aquela velha amiga.

Era em 1890. Evaristo voltara da Europa, dias antes, após dezoito anos de au-sência. Tinha saído do Rio de Janeiro em 1872, e contava demorar-se até 1874 ou 1875, depois de ver algumas cidades célebres ou curiosas, mas o viajante põe e Paris dispõe. Uma vez entrando naquele mundo em 1873, Evaristo deixou-se ir ficando, além do pra-zo determinado; adiou a viagem um ano, outro ano, e afinal não pensou mais na volta. Desinteressara-se das nossas cousas; ultimamente nem lia os jornais daqui; era um es-tudante pobre da Bahia, que os ia buscar emprestados, e lhe referia depois uma ou outra notícia de vulto. Senão quando, em novembro de 1889, entra-lhe em casa um repórter parisiense, que lhe fala de revolução no rio de Janeiro, pede informações políticas, sociais, biográficas. Evaristo refletiu.

– Meu caro senhor, disse ao repórter, acho melhor ir eu mesmo buscá-las. Não tendo partido, nem opiniões, nem parentes próximos, nem interesses (todos

os seus haveres estavam na Europa), mal se explica a resolução súbita de Evaristo pela simples curiosidade, e contudo não houve outro motivo. Quis ver o novo aspecto das cousas. indagou da data de uma primeira representação no Odéon, comédia de um amigo, calculou que, saindo no primeiro paquete e voltando três paquetes depois, chegaria a tempo de comprar bilhete e entrar no teatro; fez as malas, correu a Bordéus, e embarcou.

– Que será feito de Mariana? repetia agora, descendo a rua da assembleia. talvez morta... se ainda viver, deve estar outra; há de andar pelos seus quarenta e cinco... Upa! quarenta e oito; era mais moça que eu uns cinco anos. Quarenta e oito... Bela mulher; grande mulher! belos e grandes amores!

teve desejo de vê-la. indagou discretamente, soube que vivia e morava na mesma casa em que a deixou, rua do Engenho Velho; mas não aparecia desde alguns meses, por causa do marido, que estava mal, parece que à morte.

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– Ela também deve estar escangalhada, disse Evaristo ao conhecido que lhe dava aquelas informações.

– homem, não. a última vez que a vi, achei-a frescalhona. Não se lhe dá mais de quarenta anos. Você quer saber uma coisa? Há por aí roseiras magníficas, mas os nossos cedros de 1860 a 1865 parecem que não nascem mais.

– Nascem; você não os vê, porque já não sobe ao Líbano, retorquiu Evaristo.

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Após dezoito anos vivendo na europa, evaristo, agora com cinquenta e três anos de idade, retorna ao Rio de Janeiro, por ocasião da queda da monarquia. deseja rever mariana, mulher a quem amou e por quem deixou o brasil.

Evaristo fica sabendo que Mariana reside no mesmo endereço e que se encontra casada com xavier, que está doente e próximo da morte.

Em visita à casa de Mariana, enquanto a aguarda, Evaristo olha para um retrato da antiga amante e começa a se recordar do tempo passado em sua com-panhia, dos amores e do ciúme que teve de Xavier. Mariana o tivera como amante, porque, segundo lhe dizia, o tempo havia dissolvido o amor pelo marido.

subitamente, porém, evaristo deixa suas recordações, pois o criado anuncia que a patroa já está vindo. mariana o recebe sem entusiasmo algum, deixando-o confuso com tal indiferença.

Por ocasião da morte do marido, Mariana externa todo o seu sofrimento, o que confunde ainda mais evaristo. este tenta reaproximar-se da antiga amante, mas é sempre tratado com indiferença.

semanas depois, evaristo acaba retornando a paris, sem ter conseguido se despedir de Mariana. Em Paris, pensa em assistir à comédia de seu amigo, mas a peça não fez sucesso e foi retirada de cartaz.

Nesse conto, Machado de Assis chama a atenção para a natureza das pai-xões humanas. teria mariana amado evaristo? em caso positivo, como explicar a indiferença com que o tratou tantos anos depois? em caso negativo, por que o adultério? Machado não nos fornece respostas; faz com que pensemos nos labirintos por onde percorrem os sentimentos humanos.

Conto de esCola

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. – Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...

– tome, tome...

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relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e – tanto se ilude a vontade! – não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.

– Dê cá... raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças,

com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.

De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, im-paciente. sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.

– Precisamos muito cuidado, disse eu ao raimundo. – Diga-me isto só, murmurou ele. Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me

o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.

– Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão. Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o

mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.

– venha cá! bradou o mestre. Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos

pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.

– Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.

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– Eu... – Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou. Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo

bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagaro-samente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de cousas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória.

– Perdão, seu mestre... solucei eu. – Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! vamos! sem-vergonha! dê cá a mão! – Mas, seu mestre... – Olhe que é pior! Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima

dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!

Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dous serem cinco.

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narrado em primeira pessoa, o narrador personagem recorda-se de uma passagem da infância, mais particularmente de um episódio ocorrido na escola. Em certa ocasião, chegando atrasado para as aulas, consegue entrar antes do professor pilar. o mestre passa aos alunos a tarefa do dia e se põe a ler os jornais. A situação política é grave, pois o ano de 1840 é o ano do golpe da maioridade de D. Pedro, razão pela qual o mestre acompanha passo a passo as notícias dos jornais.

Enquanto o professor lê os jornais, Raimundo, que é filho do professor, precisa falar urgentemente ao narrador personagem. Raimundo não consegue entender certo ponto da gramática e oferece ao narrador personagem uma moedinha de prata em troca das informações sobre aquele assunto. enquanto conversam, os dois meninos percebem que são observados por um terceiro, de nome curvelo.

Aceita a proposta, o narrador recebe o pagamento. em seguida, avista uma pipa no céu e entrega-se a devaneios. subitamente, porém, a voz do mestre

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o traz à realidade. O narrador observa Curvelo na mesa do mestre. Este chama pelo narrador e pelo filho e acaba por castigar ambos. Apanha a moedinha de prata e a atira pela janela.

o primeiro desejo do narrador foi de espancar curvelo, mas este consegue escapulir ao término da aula.

No dia seguinte, vai mais cedo à escola, com o intuito de encontrar a mo-edinha. No meio do caminho avista um batalhão de fuzileiros e resolve seguir a batida do tambor, esquecendo-se da escola.

Nesse conto, Machado de Assis apresenta um visão realista da infância, vista como uma fase em que os valores positivos como os sonhos e os devaneios convivem lado a lado com a aprendizagem da corrupção e da delação. Ironica-mente, é na escola que o narrador personagem aprende, num único dia, o que é corrupção e delação.

Um apÓlogo

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: – Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que

vale alguma coisa neste mundo? – Deixe-me, senhora. – Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insu-

portável? repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. – Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça.

Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

– Mas você é orgulhosa. – Decerto que sou. – Mas por quê? – É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os

cose, senão eu? – você? Esta agora é melhor. você é que os cose? você ignora que quem os cose

sou eu, e muito eu? – você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou

feição aos babados... – Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você,

que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando... – também os batedores vão adiante do imperador. – você é imperador?

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– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.

a linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. a agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. a costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando com-punha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

– Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não me-nor experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

narrado em terceira pessoa, o conto apresenta estrutura de fábula, porque a linha, a agulha e o alfinete estão personificados. Existe também uma espécie de “moral da história”.

na vida social, existem os que produzem e aqueles que vivem do trabalho alheio. A agulha representa os que de fato produzem, material ou intelectual-mente, e a linha personifica os que vivem do trabalho alheio. No conto, a agulha está para a costureira assim como a linha está para a baronesa. na vida, parece sugerir o autor, a futilidade é irmã gêmea da evidência.

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d. paUla

Não era possível chegar mais a ponto. D. Paula entrou na sala exatamente quan-do a sobrinha enxugava os olhos cansados de chorar. Compreende-se o assombro da tia. Entender-se-á também o da sobrinha, em se sabendo que D. Paula vive no alto da Tijuca, donde raras vezes desce; a última foi pelo Natal passado, e estamos em maio de 1882. Desceu ontem, à tarde, e foi para casa da irmã, Rua do Lavradio. Hoje, tão depressa almoçou, vestiu-se e correu a visitar a sobrinha. a primeira escrava que a viu, quis ir avisar a senhora, mas D. Paula ordenou-lhe que não, e foi pé ante pé, muito devagar, para impedir o rumor das saias, abriu a porta da sala de visitas, e entrou.

– Que é isto? exclamou. Venancinha atirou-se-lhe aos braços, as lágrimas vieram-lhe de novo. A tia beijou-a

muito, abraçou-a, disse-lhe palavras de conforto e pediu, e quis que lhe contasse o que era, se alguma doença, ou...

– antes fosse uma doença! antes fosse a morte! interrompeu a moça. – Não digas tolices; mas que foi? anda, que foi? Venancinha enxugou os olhos e começou a falar. Não pôde ir além de cinco ou seis

palavras; as lágrimas tornaram, tão abundantes e impetuosas, que D. Paula achou de bom aviso deixá-las correr primeiro. Entretanto, foi tirando a capa de rendas pretas que a envolvia, e descalçando as luvas.

Era uma bonita velha, elegante, dona de um par de olhos grandes, que deviam ter sido infinitos. Enquanto a sobrinha chorava, ela foi cerrar cautelosamente a porta da sala, e voltou ao canapé. No fim de alguns minutos, Venancinha cessou de chorar, e confiou à tia o que era.

Era nada menos que uma briga com o marido, tão violenta, que chegaram a fa-lar de separação. a causa eram ciúmes. Desde muito que o marido embirrava com um sujeito; mas na véspera à noite, em casa do C..., vendo-a dançar com ele duas vezes e conversar alguns minutos, concluiu que eram namorados. voltou amuado para casa de manhã, acabado o almoço, a cólera estourou, e ele disse-lhe cousas duras e amargas, que ela repeliu com outras.

– Onde está teu marido? perguntou a tia. – saiu; parece que foi para o escritório. D.Paula perguntou-lhe se o escritório era ainda o mesmo, e disse-lhe que des-

cansasse, que não era nada, dali a duas horas tudo estaria acabado. Calçava as luvas rapidamente.

– titia vai lá? – Vou... Pois então? Vou. Teu marido é bom, são arrufos. 104? Vou lá; espera por

mim, que as escravas não te vejam.Tudo isso era dito com volubilidade, confiança e doçura. Calçadas as luvas, pôs o

mantelete, e a sobrinha ajudou-a, falando também, jurando que, apesar de tudo, adorava

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o Conrado. Conrado era o marido, advogado desde 1874. D. Paula saiu, levando muitos beijos da moça. Na verdade, não podia chegar mais a ponto. De caminho, parece que ela encarou o incidente, não digo desconfiada, mas curiosa, um pouco inquieta da realidade positiva; em todo caso ia resoluta a reconstruir a paz doméstica.

Chegou, não achou o sobrinho no escritório, mas ele veio logo, e, passado o primeiro espanto, não foi preciso que D. Paula lhe dissesse o objeto da visita; Conrado adivinhou tudo. Confessou que fora excessivo em algumas cousas, e, por outro lado, não atribuía à mulher nenhuma índole perversa ou viciosa. só isso; no mais, era uma cabeça de vento, muito amiga de cortesias, de olhos ternos, de palavrinhas doces, e a leviandade também é uma das portas do vício. Em relação à pessoa de quem se tratava, não tinha dúvida de que eram namorados. venancinha contara só o fato da véspera; não referiu outros, quatro ou cinco, o penúltimo no teatro, onde chegou a haver tal ou qual escândalo. Não estava disposto a cobrir com a sua responsabilidade os desazos da mulher. Que namorasse, mas por conta própria.

D. Paula ouviu tudo, calada; depois falou também. Concordava que a sobrinha fosse leviana; era próprio da idade. Moça bonita não sai à rua sem atrair os olhos, e é natural que a admiração dos outros a lisonjeie. Também é natural que o que ela fizer de lisonjeada pareça aos outros e ao marido um princípio de namoro: a fatuidade de uns e o ciúme do outro explicam tudo. Pela parte dela, acabava de ver a moça chorar lágrimas sinceras, deixou-a consternada, falando de morrer, abatida com o que ele lhe dissera. E se ele próprio só lhe atribuía leviandade, por que não proceder com cautela e doçura, por meio de conselho e de observação, poupando-lhe as ocasiões, apontando-lhe o mal que fazem à reputação de uma senhora as aparências de acordo, de simpatia, de boa vontade para os homens?

Não gastou menos de vinte minutos a boa senhora em dizer essas cousas mansas, com tão boa sombra, que o sobrinho sentiu apaziguar-se-lhe o coração. resistia, é verdade; duas ou três vezes, para não resvalar na indulgência, declarou à tia que entre eles tudo estava acabado. E, para animar-se, evocava mentalmente as razões que tinha contra a mulher. A tia, porém, abaixava a cabeça para deixar passar a onda, e surgia outra vez com os seus grandes olhos sagazes e teimosos. Conrado ia cedendo aos poucos e mal. Foi então que D. Paula propôs um meio-termo.

– Você perdoa-lhe, fazem as pazes, e ela vai estar comigo, na Tijuca, um ou dous meses; uma espécie de desterro. Eu, durante este tempo, encarrego-me de lhe pôr ordem no espírito. valeu?

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Conrado aceitou e D. Paula tomou para si a missão de infundir algum juízo na cabeça de Venancinha, levando a sobrinha para a casa da Tijuca, onde passaria dois meses. Mas ao ouvir o nome do rapaz com quem a sobrinha estaria flertan-do, D. Paula teve uma vertigem. Vasco Maria Portela era filho de um diplomata homônimo com quem ela mantivera uma relação adúltera.

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As duas mulheres seguem para a casa na Tijuca. Duas semanas depois, conrado vem visitá-las e embora estivesse disposto a perdoar a esposa, insinua certo desprezo por ela, o que deixa Venancinha com muito medo de perder o marido.

No dia seguinte à visita do marido, durante um passeio, Venancinha pro-cura se esconder de um jovem que por ali passa. d. paula tudo compreende, inclusive porque o rapaz se parece muito com o pai.

A situação vivenciada pela sobrinha faz com que D. Paula procure relem-brar-se do passado, quando vivenciou seus amores. entretanto, as lembranças são opacas e ela não consegue recompor nem as imagens nem as emoções do passado. por isso, procura utilizar-se das emoções presentes da sobrinha para tentar reviver as emoções do passado.

Na noite após o incidente no qual Venancinha avistou o filho do diplomata, ela confidencia à tia o que eles vivenciaram. Não havia sido nada além de um simples flerte. D. Paula, entretanto, ficou bastante comovida. Em seguida, a so-brinha retirou-se para o quarto e d. paula permaneceu na sala, olhando a noite e as folhas pela janela, procurando em vão unir o presente ao passado.

nesse conto, machado explora mais um aspecto da personalidade huma-na. As emoções pretéritas não podem ser revividas como ocorreram. D. Paula tenta em vão reviver, através das ingênuas aventuras da sobrinha, as emoções amorosas do passado. Estas, entretanto, negam-se à memória. O tempo, o grande alquimista, transforma a intensidade das emoções pretéritas em mero registro de acontecimentos idos e vividos.

viveR

Fim dos tempos. Ahasverus, sentado em uma rocha, fita longamente o horizonte, onde passam duas águias cruzando-se. Medita, depois sonha. vai declinando o dia.

Ahasverus. – Chego à cláusula dos tempos; este é o limiar da eternidade. A terra está deserta; nenhum outro homem respira o ar da vida. sou o último; posso morrer. Morrer! deliciosa ideia! Séculos de séculos vivi, cansado, mortificado, andando sempre, mas ei-los que acabam e vou morrer com eles. velha natureza, adeus! Céu azul, imenso céu for aberto para que desçam os espíritos da vida nova, terra inimiga, que me não comeste os ossos, adeus! O errante não errará mais. Deus me perdoará, se quiser, mas a morte consola-me. aquela montanha é áspera como a minha dor; aquelas águias, que ali passam, devem ser famintas como o meu desespero. Morrereis também, águias divinas?

Prometeu. – Certo que os homens acabaram; a terra está nua deles. ahasverus. – Ouço ainda uma voz... voz de homem? Céus implacáveis, não sou

então o último? Ei-lo que se aproxima... Quem és tu? Há em teus grandes olhos alguma cousa parecida com a luz misteriosa dos arcanjos de israel; não és homem...

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Prometeu. – Não. ahasverus. – raça divina? Prometeu. – tu o disseste. ahasverus. – Não te conheço; mas que importa que te não conheça? Não és homem;

posso então morrer; pois sou o último, e fecho a porta da vida. Prometeu. – a vida, como a antiga tebas, tem cem portas. Fechas uma, outras se

abrirão. És o último da tua espécie? virá outra espécie melhor, não feita do mesmo barro, mas da mesma luz. sim, homem derradeiro, toda a plebe dos espíritos perecerá para sem-pre; a flor deles é que voltará à terra para reger as coisas. Os tempos serão retificados. O mal acabará; os ventos não espalharão mais nem os germes da morte, nem o clamor dos oprimidos, mas tão somente a cantiga do amor perene e a bênção da universal justiça...

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Ahasverus é o último dos homens e se despede da Terra, “lugar de mui-ta miséria e pouca diversão”. Para seu espanto, entretanto, ainda ouve uma voz. Prometeu ainda resiste. Ahasverus conta-lhe, então, a sua história. Por ter ofendido a cristo, ele foi condenado a vagar sem destino pela terra. Ao saber a identidade de seu interlocutor, Ahasverus amaldiçoa prometeu, pois este roubara o fogo sagrado dos deuses e insuflara vida nos seres humanos, sendo, portanto, o criador da raça humana.

O último dos homens deseja atar Prometeu à rocha de seus suplícios, pois, por ter roubado o fogo dos deuses, ele fora condenado a um suplício eterno: acorrentado a uma rocha, uma águia lhe devoraria o fígado. hércules, entretanto, o livrou desse tormento.

Ahasverus acorrenta Prometeu novamente à rocha, mas este lhe diz que o judeu será o seu novo Hércules. Prometeu diz então a Ahasverus as maravilhas que estão por vir: o último dos homens será o rei de uma nova raça; raça esta que não conhecerá nem a dor nem o desespero. Fascinado pelas promessas, o judeu o liberta.

Nesse conto, construído à moda de uma fábula, Machado apresenta a “es-tranha sina, triste condição” da humanidade: ser eternamente arrastada pelas ilusões e pela esperança de uma vida melhor.

o Cônego oU a metafísiCa do estilo

– “vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano, vem... as mandrágoras deram o seu cheiro. Temos às nossas portas toda casta de pombos...”

– “Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que se encontrardes o meu amado, lhe façais saber que estou enferma de amor...” Era assim, com essa melodia do velho drama de Judá, que procuravam um ao outro na cabeça do Cônego Matias um substantivo e

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um adjetivo... Não me interrompas, leitor precipitado; sei que não acreditas em nada do que vou dizer. Di-lo-ei, contudo, a despeito da tua pouca fé, porque o dia da conversão pública há de chegar.

Nesse dia, – cuido que por volta de 2222, – o paradoxo despirá as asas para vestir a japona de uma verdade comum. Então esta página merecerá, mais que favor, apoteose. hão de traduzi-la em todas as línguas. as academias e institutos farão dela um pequeno livro, para uso dos séculos, papel de bronze, corte-dourado, letras de opala embutidas, e capa de prata fosca. Os governos decretarão que ela seja ensinada nos ginásios e liceus. As filosofias queimarão todas as doutrinas anteriores, ainda as mais definitivas, e abra-çarão esta psicologia nova, única verdadeira, e tudo estará acabado. até lá passarei por tonto, como se vai ver.

Matias, cônego honorário e pregador efetivo, estava compondo um sermão quando começou o idílio psíquico. tem quarenta anos de idade, e vive entre livros e livros para os lados da Gamboa. Vieram encomendar-lhe o sermão para certa festa próxima; ele que se regalava então com uma grande obra espiritual, chegada no último paquete, recusou o encargo; mas instaram tanto, que aceitou.

– vossa reverendíssima faz isto brincando, disse o principal dos festeiros. Matias sorriu manso e discreto, como devem sorrir os eclesiásticos e os diplomatas.

Os festeiros despediram-se com grandes gestos de veneração, e foram anunciar a festa nos jornais, com a declaração de que pregava ao Evangelho o Cônego Matias, “um dos ornamentos do clero brasileiro”. Este “ornamento do clero” tirou ao cônego a vontade de almoçar, quando ele o leu agora de manhã; e só por estar ajustado, é que se meteu a escrever o sermão.

Começou de má vontade, mas no fim de alguns minutos já trabalhava com amor. A inspiração, com os olhos no céu, e a meditação, com os olhos no chão, ficam a um e outro lado do espaldar da cadeira, dizendo ao ouvido do cônego mil cousas místicas e graves. Matias vai escrevendo, ora devagar, ora depressa. as tiras saem-lhe das mãos, animadas e polidas. algumas trazem poucas emendas ou nenhumas. De repente, indo escrever um adjetivo, suspende-se; escreve outro e risca-o; mais outro, que não tem melhor fortuna. Aqui é o centro do idílio. Subamos à cabeça do cônego.

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Embora muito atarefado, um cônego aceita a missão de escrever um sermão para uma cerimônia pública. Principia a compor o sermão, mas a ausência de um adjetivo plenamente adequado a um substantivo interrompe sua composição. O narrador, então, convida o leitor a entrar na mente do cônego. Dentro da mente do padre, passamos a observar os seus movimentos externos e internos. A ins-piração surge lentamente das profundezas da consciência. O narrador elabora explicações psicológicas para o ato da criação literária, chegando mesmo a sugerir que o gesto criativo pode ser motivado por um desejo sexual inconsciente.

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o narrador descreve o caminho difícil e intrincado das palavras pela cabeça do cônego. este se levanta, olha pela janela, volta ao texto, sorri de suas próprias idéias, até que, finalmente, encontra a palavra desejada.

nesse conto, machado de Assis procura sondar o processo enigmático da criação literária. O bem intencionado cônego procura produzir um sermão refinado, contendo sutilezas estilísticas. Mas o resultado não vai muito adiante de um pastiche bíblico, porque a consciência do cônego é um depósito onde as energias mais profundas são diluídas pelo solvente da moral e do cristianismo, acrescentando-se-lhes, ainda, o corante da vaidade.

5. exeRCíCios1. O conto “A cartomante” integra a obra várias histórias, de machado de Assis. dele, é incorreto afirmar que:a) se desenvolve a partir da afirmação de Horá-

cio de que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa filosofia.

b) apresenta um triângulo amoroso no qual Rita, casada com Vilela, o trai com o amigo camilo.

c) caracteriza a personagem feminina como uma dama formosa e tonta e mostra-a insinuante como uma serpente.

d) apresenta um final feliz, já que a previsão da cartomante sobre o amor dos dois realiza-se plenamente.

e) se trata de uma narrativa tradicional com estrutura bem definida, conduzindo a história para um clímax inesperado, o chamado elemento surpresa.

2.No conto “Um homem célebre”, da obra várias histórias, de machado de Assis, há uma profunda investigação da alma humana que pode ser resumida na afirmação do narrador de que o primeiro lugar na aldeia não contentava a este César, que continuava a preferir-lhe, não o segundo, mas o centésimo em roma. isso se justifica porque:a) Romão Pires, exímio regente de orquestra, busca aquilo que não consegue

alcançar.b) Pestana, exímio em sua atividade de compositor de polcas, não se satisfaz

com a perfeição que atinge.c) Fortunato, dono de uma casa de Saúde, diante da dor alheia sente um enorme

prazer e a saboreia deliciosamente.

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d) Vilela, afamado advogado e marido de rita, mata a mulher e o amante, aco-metido de indignação e furor.

e) inácio, jovem aprendiz de escritório, refugia-se no sonho/realidade, envolvido pelo objeto de sua obsessão amorosa.

texto para as questões 3, 4, 5 e 6Um apólogo

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: – Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que

vale alguma coisa neste mundo? – Deixe-me, senhora. – Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insu-

portável? repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. – Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça.

Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

– Mas você é orgulhosa. – Decerto que sou. – Mas por quê? – É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os

cose, senão eu? – você? Esta agora é melhor. você é que os cose? você ignora que quem os cose

sou eu, e muito eu? – você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou

feição aos babados... – Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você,

que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando... – também os batedores vão adiante do imperador. – você é imperador? – Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante;

vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

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– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.

a linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. a agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. a costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando com-punha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

– Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não me-nor experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

3.No texto anterior, a linha e a agulha estão humanizadas. Que nome recebe essa figura de linguagem?

4.No texto “Um Apólogo”, a linha e a agulha relacionam-se à baronesa e à costu-reira. Nessa relação, quais são os dois pares que possuem afinidades semânticas? Justifique a resposta.

5.No último parágrafo, onde se lê “também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária”, a quem é atribuída essa frase?

6.Apólogo é um tipo de fábula, em que figuram, falando, animais ou coisas inani-madas. Assim sendo, as figuras da linha e da agulha podem ser relacionadas a determinadas pessoas ou classes sociais. tomando como referência a realidade de nossos dias, quem seriam as pessoas ou classes sociais representadas pela linha e pela agulha?

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texto para a questão 7

– vamos, disse ele agora ao criado que o esperava. Xavier estava no gabinete próximo, estirado em um canapé, com a mulher ao lado

e algumas visitas. Evaristo penetrou ali cheio de comoção. a luz era pouca, o silêncio grande; Mariana tinha presa uma das mãos do enfermo, a observá-lo, a temer a morte ou uma crise. Mal pôde levantar os olhos para Evaristo e estender-lhe a mão; voltou a fitar o marido, em cujo rosto havia a marca do longo padecimento, e cujo respirar parecia o prelúdio da grande ópera infinita. Evaristo, que apenas vira o rosto de Mariana, retirou-se a um canto, sem ousar mirar-lhe a figura, nem acompanhar-lhe os movimentos. Chegou o médico, examinou o enfermo, recomendou as prescrições dadas, e retirou-se para voltar de noite. Mariana foi com ele até à porta, interrogando baixo e procurando-lhe no rosto a verdade que a boca não queria dizer. Foi então que Evaristo a viu bem; a dor parecia alquebrá-la mais que os anos. Conheceu-lhe o jeito particular do corpo. Não descia da tela, como a outra, mas do tempo. antes que ela tornasse ao leito do marido, Evaristo entendeu retirar-se também, e foi até a porta.

– Peço-lhe licença... sinto não poder falar agora a seu marido. – agora não pode ser; o médico recomenda repouso e silêncio. será noutra ocasião... – Não vim há mais tempo vê-lo porque só há pouco é que soube... E não cheguei

há muito. – Obrigada.

a) No fragmento anterior, extraído do conto “Mariana”, de várias histórias, de Machado de Assis, que relação existe entre as personagens Evaristo, Mariana e xavier?

b) O comportamento de Mariana com Evaristo é o mesmo do passado? Justifique.

8. pUC-spos contos machadianos de várias histórias surpreendem pelo final inesperado que foge à estrutura da narrativa tradicional. Assim, identifique o trecho final que não corresponde ao do conto indicado.a) Não sei o que dirá a sua filosofia. A minha, que é de profano, crê que aquela moça

tinha ao casamento uma aversão puramente física. Casou meio defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente divino, de a desejada das gentes, que aborda, também, a recusa amorosa de quintília, envolvida em disputa sentimental de dois amigos.

b) O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, de-liciosamente longa, de a causa secreta, e revela o ápice do prazer pela contemplação da desgraça alheia.

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c) todos os médicos, a quem contei as moléstias dele, foram acordes em que a morte era certa, e só se admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode ser que eu, involuntaria-mente, exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a verdade é que ele devia morrer, ainda que não fosse aquela fatalidade..., de O enfermeiro, e que ironicamente se vale da afirmação bíblica: Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados.

d) – Olhe, disse o Pestana, como é provável que eu morra por estes dias, faço-lhe logo duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais, de Um homem célebre, e que enfoca a frustração de um compositor insatisfeito com as próprias com-posições.

e) Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária, de Conto de escola, que enfoca o tema da corrupção e da delação.

9. entre as narrativas que compõem a obra várias histórias, escrita por machado de Assis, destaca-se trio em lá menor. Indique a alternativa que confirma o tema da narrativa referida.a) A arte da adivinhação da história do homem e a ação do destino.b) Indecisão e insegurança de uma moça que pende amorosamente entre dois

homens ao mesmo tempo.c) sexualidade adolescente despertada pelo feminino das formas.d) Frustração de um compositor de polcas, insatisfeito com as próprias compo-

sições.e) história de um professor de melancolia que se sente agulha para muita linha

ordinária.

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gabaRito1. d 2. b3. Personificação ou prosopopeia4. Os pares são linha e baronesa e agulha e

costureira. Assim como a linha, a baronesa vive do trabalho alheio; ambas usufruem do trabalho da agulha e da costureira. A agulha e a costureira executam o trabalho, mas não usufruem do resultado dele.

5. A frase é atribuída a um professor de me-lancolia.

6. em nossos dias, a agulha representaria a classe operária, os trabalhadores, enquanto a linha representaria a elite ou a classe patronal.

7. a) mariana é esposa de xavier e no passado

fora amante de evaristo.c) Não. No passado, Mariana entregou-se

completamente a evaristo, tornando-se sua amante. no presente, entretanto, ela o trata com indiferença, como se nada tivesse ocorrido entre eles no passado.

8. e o fragmento pertence ao conto Um apólogo.9. b