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Manual de Direito Financeiro (2015) 4a edição: Revista, ampliada e atualizada
NOTA DE ATUALIZAÇÃO – EC N. 86/2015
Ao longo do nosso trabalho, insistimos na tese de que a Constituição Federal não
precisaria ser alterada para se afirmar que nosso orçamento é impositivo. É dizer, não há norma
constitucional a suportar a tese vencedora de um orçamento autorizativo. Sendo assim, como lei
é lei e deve ser cumprida, nada respaldaria um orçamento facultativo no seu cumprimento. No
entanto, doutrina e jurisprudência majoritárias confirmavam a tese do orçamento autorizativo, o
que fez suscitar a ideia de que eventual orçamento impositivo careceria de alteração
constitucional. E a alteração veio através da EC n. 86/2015.
Quando falamos da natureza jurídica do orçamento público no nosso livro (Capítulo 2,
Item 3 - p. 58), mencionamos a PEC 22A/20001, convertida na EC n. 86/2015, que tratava do
orçamento impositivo. Tudo o indicado no nosso material se concretizou. Vejamos o texto do
nosso livro:
Como a execução do orçamento perpassa pela vontade do Executivo, o que deixa o
Legislativo sem segurança quanto à efetivação de suas emendas, tramita no Congresso
Nacional, em última votação, a PEC 22A/2000, chamada de “PEC do orçamento impositivo” que,
além de alterar regras relacionados às emendas parlamentares ao orçamento, torna obrigatória a
execução de emendas parlamentares ao orçamento da União. Assim, a faculdade do governo
em decidir quando e quanto libera das emendas parlamentares, numa verdadeira “troca de
favores”, potencialmente deixa de existir, restando ao Executivo mais uma vinculação pré-
orçamentária na execução do orçamento. Com a PEC, o orçamento fica impositivo apenas num
percentual para as aludidas emendas, continuando autorizativo nas demais áreas não
vinculadas. Se aprovada dessa forma, tornará impositivo o gasto individual de cada deputado e
senador, sem se importar, muitas vezes, com a relação entre esse gasto e os programas de
governo aliados com projetos de maior alcance.
Enquanto a Emenda Constitucional não é aprovada, o Executivo segue dando provas que
tende a aceitar a tese imposta pelo Legislativo de tornar as suas emendas impositivas. Assim,
como parte de acordo político para aprovação de medidas do Executivo, a atual LDO da União,
Lei n. 12.919, de 24 de dezembro de 2013, previu no seu art. 52 mais uma impositividade para o
orçamento, na medida em que rezou a obrigatoriedade da execução orçamentária e financeira,
de forma equitativa, da programação de despesas incluídas no orçamento por emendas
parlamentares individuais, nos seguintes termos:
Art. 52. É obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma
equitativa, da programação incluída por emendas individuais em lei
orçamentária, que terá identificador de resultado primário 6 (RP-6), em
montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da
receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios
1 A PEC 22A/2000 possui relação com outros números no Legislativo, pois foi transformada em PEC 353/2013, arquivada, e posteriormente em PEC 358/2013 e 359/2013.
para execução equitativa da programação definidos na lei complementar
prevista no § 9º, do art. 165, da Constituição Federal.
§ 1º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas
no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente
líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a
metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de
saúde.
§ 2º As programações orçamentárias previstas no caput deste artigo não
serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica;
nestes casos, no empenho das despesas, que integre a programação prevista
no caput deste artigo, serão adotadas as seguintes medidas:
I – até cento e vinte dias após a publicação da lei orçamentária, os Poderes, o
Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União enviarão ao
Poder Legislativo as justificativas do impedimento;
II – até trinta dias após o término do prazo previstos no inciso I deste
parágrafo, o Poder Legislativo indicará ao Poder Executivo o remanejamento
da programação cujo impedimento seja imsuperável [sic];
III – até 30 de setembro, ou até trinta dias após o prazo previsto no inciso II, o
Poder Executivo encaminhará projeto de lei ao Congresso Nacional sobre o
remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável; e
IV – se, até 20 de novembro, ou até trinta dias após o término do prazo
previsto no inciso III, o Congresso Nacional não deliberar sobre o projeto, o
remanejamento será implementado por ato do Poder Executivo, nos termos
previstos na lei orçamentária.
§ 3º Após o prazo previsto no inciso IV do § 2º deste artigo, as programações
orçamentárias previstas no caput deste artigo não serão consideradas de
execução obrigatória nos casos dos impedimentos justificados na notificação
prevista no inciso I do § 2º deste artigo.
§ 4º Os restos a pagar poderão ser considerados para fins de cumprimento
da execução financeira prevista no caput deste artigo, até o limite de 0,6%
(seis décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício
anterior.
§ 5º Se for verificado que a reestimativa da receita e da despesa poderá
resultar no não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de
diretrizes orçamentárias, o montante previsto no caput deste artigo poderá ser
reduzido em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto
das despesas discricionárias.
§ 6º Para fins do disposto no caput deste artigo, a execução da programação
será:
I – demonstrada no relatório de que trata o art. 165, § 3º da Constituição
Federal;
II – objeto de manifestação específica no parecer previsto no art. 71, I da
Constituição Federal; e
III – fiscalizada e avaliada quanto aos resultados obtidos.
§ 7º Considera-se equitativa a execução das programações de caráter
obrigatório que atenda de forma igualitária e impessoal as emendas
apresentadas, independente da autoria.
Medidas como essa paulatinamente dão ares de impositividade ao orçamento, mas, por serem temporárias, podem não se repetir nos exercícios vindouros, muito embora não se creia ser essa a tendência. Por ora, enquanto não convertida em emenda à Constituição, permanece vigorante e predominante a tese do orçamento autorizativo, a carecer de maior debate teórico, que ultrapassa os lindes do propósito desse manual.
Com a EC n. 86/2015, o previsto na LDO acima comentada passou a fazer parte do
texto definitivo da Constituição. Eis o seu teor:
Art. 1º Os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 165. .................................................................................
...................................................................................................
§ 9º............................................................................................
.........................................................................................................
III - dispor sobre critérios para a execução equitativa, além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, para a realização do disposto no § 11 do art. 166."(NR)
"Art. 166. .................................................................................
..........................................................................................................
§ 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
§ 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais.
§ 11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º do art. 165.
§ 12. As programações orçamentárias previstas no § 9º deste artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica.
§ 13. Quando a transferência obrigatória da União, para a execução da programação prevista no §11 deste artigo, for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169.
§ 14. No caso de impedimento de ordem técnica, no empenho de despesa que integre a programação, na forma do § 11 deste artigo, serão adotadas as seguintes medidas:
I - até 120 (cento e vinte) dias após a publicação da lei orçamentária, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública enviarão ao Poder Legislativo as justificativas do impedimento;
II - até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso I, o Poder Legislativo indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
III - até 30 de setembro ou até 30 (trinta) dias após o prazo previsto no inciso II, o Poder Executivo encaminhará projeto de lei sobre o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
IV - se, até 20 de novembro ou até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso III, o Congresso Nacional não deliberar sobre o projeto, o remanejamento será implementado por ato do Poder Executivo, nos termos previstos na lei orçamentária.
§ 15. Após o prazo previsto no inciso IV do § 14, as programações orçamentárias previstas no § 11 não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos justificados na notificação prevista no inciso I do § 14.
§ 16. Os restos a pagar poderão ser considerados para fins de cumprimento da execução financeira prevista no § 11 deste artigo, até o limite de 0,6% (seis décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.
§ 17. Se for verificado que a reestimativa da receita e da despesa poderá resultar no não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias, o montante previsto no § 11 deste artigo poderá ser reduzido em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas discricionárias.
§ 18. Considera-se equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que atenda de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria."(NR)
"Art. 198. .................................................................................
..........................................................................................................
§ 2º ...........................................................................................
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);
..........................................................................................................
§ 3º ..........................................................................................
I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º;
..................................................................................................
IV - (revogado).
............................................................................................. ."(NR)
Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:
I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.
Art. 3º As despesas com ações e serviços públicos de saúde custeados com a parcela da União oriunda da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, serão computadas para fins de cumprimento do disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal.
As alterações ocorridas suscitam as seguintes observações:
1 – Da vinculação pré-orçamentária das emendas individuais
Conforme previsto e apontado no livro, o percentual de 1,2% da Receita Corrente
Líquida do Orçamento da União está vinculado por uma norma constitucional, portanto, pré-
orçamentária, às emendas individuais dos deputados e senadores. Tendo em vista o caráter da
vinculação, neste ponto o orçamento se torna impositivo. Vejamos a redação que garante a
impositividade:
§ 11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se
refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois
décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme
os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar
prevista no § 9º do art. 165.
Só não haverá execução obrigatória nos casos de impedimentos de ordem técnica (§
12), que não permitam a realização do empenho da despesa. Nesses casos, os §§ 14 e 15 do
mesmo artigo previram as seguintes medidas:
§ 14. No caso de impedimento de ordem técnica, no empenho de despesa que integre a programação, na forma do § 11 deste artigo, serão adotadas as seguintes medidas:
I - até 120 (cento e vinte) dias após a publicação da lei orçamentária, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública enviarão ao Poder Legislativo as justificativas do impedimento;
II - até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso I, o Poder Legislativo indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
III - até 30 de setembro ou até 30 (trinta) dias após o prazo previsto no inciso II, o Poder Executivo encaminhará projeto de lei sobre o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
IV - se, até 20 de novembro ou até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso III, o Congresso Nacional não deliberar sobre o projeto, o remanejamento será implementado por ato do Poder Executivo, nos termos previstos na lei orçamentária.
§ 15. Após o prazo previsto no inciso IV do § 14, as programações orçamentárias previstas no § 11 não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos justificados na notificação prevista no inciso I do § 14.
Logo, não sendo possível a execução obrigatória do gasto por razões de ordem técnica,
nos termos do § 15, a emenda passa a ser meramente autorizativa, e com razão, tendo em vista
a série de requisitos porque passa a realização do gasto público, que não poderá ser efetivado
pela sua simples previsão no orçamento com “status” de impositividade.
Por fim, como toda emenda, estas também deverão obedecer o rito do ciclo
orçamentário, inclusive quanto à compatibilidade com o PPA e com a LDO. A diferença dessas
para as demais é que há uma reserva orçamentária de 1,2% da RCL para as emendas
impositivas, não carecendo anular despesas indicadas pelo Executivo.
Os perigos são os apontados em nosso livro. Para além daqueles, tornar impositivo
apenas a parte do orçamento vinculado às emendas individuais atende interesses eleitorais dos
próprios parlamentares em detrimento do interesse global de toda uma lei orçamentária. Ao final,
ao revés de fortalecer a lei orçamentária, a enfraquece, pois o projeto continua não sendo
obrigatório no seu todo, até porque a única obrigação a ser cumprida volta-se aos interesses
individuais vertidos nessas emendas. Havendo liberação das emendas individuais no percentual
apontado, o cumprimento das demais normas orçamentárias restará pouco cobrado. Para os
parlamentares valeu o entendimento de que, se o orçamento impositivo total não é alcançável,
deve-se buscar a impositividade possível, apenas de parte de suas emendas.
2 – Das transferências voluntárias advindas de emendas impositivas e da suspensão das
restrições
Conforme mencionado no Capítulo 4, Item 11.2.1, do nosso livro, o Estado, DF ou
Município, para receberem transferências voluntárias, devem observar diversos requisitos
elencados no art. 25, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim escrevemos:
A LRF estabelece que outras exigências, além das nela previstas, podem existir para a
realização das transferências voluntárias. No entanto, o § 1º do art. 25 estabelece apenas três
condições:
i. Existência de dotação específica, que se dirige ao ente que faz a transferência;
ii. Observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição, ou seja, não destinar a
transferência ao pagamento de pessoal ativo, inativo e de pensionista do beneficiário;
iii. Comprovação, por parte do beneficiário:
1. De que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e
financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de
contas de recursos anteriormente dele recebidos;
2. Do cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;
3. Da observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de
crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de
despesa total com pessoal; e
4. Da previsão orçamentária de contrapartida.
Sem a comprovação desses requisitos, o ente não poderá receber recursos voluntários, o que
inviabiliza o seu desenvolvimento, uma vez que a receita própria, na maioria das vezes, é insuficiente
para atender despesas de investimento.
Ocorre que, sendo a transferência voluntária oriunda de emenda individual impositiva,
aludidas restrições não são analisadas, nos termos da nova Emenda Constitucional. É dizer, as
emendas individuais impositivas fazem parte da exceção das transferências voluntárias, assim
como o fazem as transferências para a saúde, educação e assistência social (art. 25, § 3º da
LRF).
No ponto, reza o § 13 do art. 166 da CF:
§ 13. Quando a transferência obrigatória da União, para a execução da programação prevista no
§11 deste artigo, for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da
adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente
líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art.
169.
Portanto, os parlamentares poderão indicar suas emendas para quaisquer Estados e
Municípios, que receberão os recursos, mesmo inadimplentes com a União e com os demais
entes quanto aos limites de gastos de pessoal, prestação de contas de convênios, dívidas com
INSS, PASEP, FGTS, dentre outras. Foi a alternativa encontrada para tornar viável o repasse,
tendo em vista a elevada inadimplência dos entes federativos, por conta da grave crise nas suas
receitas.
3 – Da base de cálculo da Receita Corrente Líquida
No Capítulo 3, Item 7.1, tratamos da Receita Corrente Líquida (RCL), conceito
introduzido pela LRF. Mostramos a importância do conceito, pois serve de parâmetro para os
limites de endividamento público, gastos com pessoal, dentre outros.
A EC n. 86/15 chama atenção ao fato de que as transferências voluntárias advindas das
emendas individuais impositivas não integram a base de cálculo da RCL para fins de aplicação
dos limites de despesa de pessoal. Assim, as transferências integram o conceito para outros fins
que não os parâmetros dados pela LRF aos gastos com pessoal.
4 – Da potencial redução do percentual da RCL para as emendas impositivas
O constituinte, atento ao grau de previsibilidade das receitas e a potencialidade de
alterações na despesa, tudo por conta de fatores extrajurídicos, criou norma de calibração para
as emendas impositivas, no sentido de que todas as restrições impostas para as demais
despesas discricionárias do Executivo alcançariam também as emendas impositivas, pois
nenhuma despesa está livre de controle ou restrição:
§ 17. Se for verificado que a reestimativa da receita e da despesa poderá resultar no
não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de diretrizes
orçamentárias, o montante previsto no § 11 deste artigo poderá ser reduzido em até a
mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas
discricionárias.
Sendo assim, todas as medidas deverão ser tomadas para o cumprimento da meta de
resultado fiscal estabelecida na LDO, a ponto de até as emendas impositivas estarem
alcançadas pela restrição, nos mesmos limites das demais limitações de gastos da União.
5 – Da isonomia das emendas individuais
As emendas impositivas são protegidas pelo manto da igualdade, o que não poderia ser
diferente. É dizer, não há preferência entre parlamentares para a liberação de emendas. Todos
terão suas emendas atendidas, em termos equitativos na programação orçamentária:
§ 18. Considera-se equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que atenda
de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria.
Sendo assim, a vetusta prática de liberação de emendas como moeda de troca nas
relações entre Executivo e Legislativo é minimizada, pois todo parlamentar tem assegurado, no
mínimo, um valor igual aos demais a ser liberado através de emendas.
As demais emendas sem cunho de impositividade continuarão sendo liberadas com a
mesma dinâmica atual, fruto de apoio partidário, variável por ser oposição ou situação.
6 – Da vinculação de parte das emendas a gastos com saúde
Não há discricionariedade dos parlamentares quanto ao objeto das suas emendas. Pela
dicção do § 9º do art. 166 da CF, metade do percentual das emendas impositivas será destinado
a ações e serviços de saúde.
§ 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
Sendo assim, atentos à proteção de direito social deveras combalido, 50% das emendas
deverão versar sobre aparelhamento da rede pública com ações e serviços públicos de saúde,
inclusive com custeio, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais (§
10). De lembrar que os valores das emendas destinadas à saúde são computados no montante
anual de gastos da União com a saúde, nos termos da vinculação constitucional.
7 - Do limite constitucional da União para os gastos com a saúde
No nosso livro, falamos do princípio da não afetação das receitas de impostos (Capítulo
2, Item 5.10). Ali mencionamos algumas exceções, dentre elas, a exceção de gastos com saúde
e educação.
Em relação aos gastos com a educação, o art. 212 da Constituição traz os percentuais
mínimos que os entes federativos devem vincular de suas receitas para este fim, incluindo-se aí
as receitas dos impostos.
Quanto aos gastos com a saúde, a Constituição Federal até o presente não havia
mencionado os percentuais mínimos de vinculação dos entes federativos. Atribuiu esse papel à
lei complementar (art. 198, § 3º da CF), o que se deu com a LC n. 141/12. Esta lei definiu que os
Estados e o Distrito Federal devem gastar no mínimo 12% de sua receita, incluindo a receita dos
impostos, em saúde. Os Municípios, deveriam gastar no mínimo 15%. No entanto, não havia
qualquer vinculação em percentuais à União:
Art. 5o A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual.
§ 1o (VETADO).
§ 2o Em caso de variação negativa do PIB, o valor de que trata o caput não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro.
Art. 6o Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios.
Parágrafo único. (VETADO).
Art. 7o Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal.
Parágrafo único. (VETADO).
Art. 8o O Distrito Federal aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) do produto da arrecadação direta dos impostos que não possam ser segregados em base estadual e em base municipal.
Como se observa, a União não possuía norma vinculando percentual do seu orçamento
com gastos com a saúde. No entanto, com a nova emenda, este percentual ficou em 15% da
RCL, a partir de 2020:
Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:
I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.
Trata-se de aparente avanço, pela certeza de que os percentuais crescentes alcançarão
patamar de maior investimento da União em área tão carente, muito embora não se traga aqui
dados no sentido de que os percentuais trazidos com a novel emenda significam, na atualidade,
aumento real dos gastos com a saúde. No entanto, admitido o avanço do ponto de vista de
percentual mínimo vinculado, até então inexistente, tem-se que o mesmo poderia ter sido maior,
pois, para se chegar ao percentual de 15%, a União incluiu suas receitas de royalties, bem como
as emendas individuais impositivas, o que poderiam ficar de fora. Vejamos:
Art. 3º As despesas com ações e serviços públicos de saúde custeados com a parcela
da União oriunda da participação no resultado ou da compensação financeira pela
exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição
Federal, serão computadas para fins de cumprimento do disposto no inciso I do § 2º do
art. 198 da Constituição Federal.
Assim, na hipótese de arrecadação elevada com as receitas de royalties, tão esperada
com o pré-sal, a União quedará da obrigatoriedade de investimento maior em saúde, se o piso
de 15% da RCL restar atingido. Aludidas receitas não operam como acréscimos aos
investimentos na saúde, como se esperava. Ao contrário, soma-se às demais, o que configura
elevada perda frente ao prometido com as receitas do pré-sal, anunciadas como ingressos para
investimentos em saúde e educação.
Por fim, a conclusão a que se chega é que a emenda do orçamento impositivo serviu
como alento a alguns deputados e senadores que não precisarão mais negociar com o governo
para ver suas emendas liberadas. Torna obrigatória a lei apenas na parte que interessa, quando,
na verdade, o ideal seria, com raríssimas exceções, tratar a norma orçamentária com o “status”
de verdadeira lei. Toda a emenda merece elevada atenção do estudioso do direito financeiro,
seja pela sua repercussão na natureza jurídica do orçamento, seja pelo seu reflexo em diversos
outros pontos deveras relevantes citados no manual.
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