alvares de azevedo

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Sem título Se Eu Morresse Amanhã Álvares de Azevedo Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã, Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que doce n’alva Acorda ti natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! Lelia Álvares de Azevedo Passou talvez ao alvejar da lua, Como incerta visão na praia fria... Mas o vento do mar não escutou-lhe Uma voz a seu Deus!...ela não cria! Uma noite, aos murmúrios do piano Pálida misturou um canto aéreo... Parecia de amor tremer-lhe a vida Revelando nos lábios um mistério! Porém, quando expirou a voz nos lábios, Ergueu sem pranto a fronte descorada, Pousou a fria mão no seio imóvel, Sentou-se no divã... sempre gelada! Passou talvez do cemitério à sombra Mas nunca numa cruz deixou seu ramo, Ninguém se lembra de lhe ter ouvido Numa febre de amor dizer: eu amo! Não chora por ninguém... e quando, à noite, Lhe beija o sono as pálpebras sombrias Página 1

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Alvares Azevedo poemas literatura romantismo brasileiro

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Page 1: Alvares de Azevedo

Sem títuloSe Eu Morresse Amanhã

Álvares de Azevedo

Se eu morresse amanhã, viria ao menosFechar meus olhos minha triste irmã,Minha mãe de saudades morreriaSe eu morresse amanhã!Quanta glória pressinto em meu futuro!Que aurora de porvir e que manhã!Eu perdera chorando essas coroasSe eu morresse amanhã!Que sol! que céu azul! que doce n’alvaAcorda ti natureza mais louçã!Não me batera tanto amor no peitoSe eu morresse amanhã!Mas essa dor da vida que devoraA ânsia de glória, o dolorido afã...A dor no peito emudecera ao menosSe eu morresse amanhã!

Lelia

Álvares de Azevedo

Passou talvez ao alvejar da lua,Como incerta visão na praia fria...Mas o vento do mar não escutou-lheUma voz a seu Deus!...ela não cria!

Uma noite, aos murmúrios do pianoPálida misturou um canto aéreo...Parecia de amor tremer-lhe a vidaRevelando nos lábios um mistério!

Porém, quando expirou a voz nos lábios,Ergueu sem pranto a fronte descorada,Pousou a fria mão no seio imóvel,Sentou-se no divã... sempre gelada!

Passou talvez do cemitério à sombraMas nunca numa cruz deixou seu ramo,Ninguém se lembra de lhe ter ouvidoNuma febre de amor dizer: eu amo!

Não chora por ninguém... e quando, à noite,Lhe beija o sono as pálpebras sombrias

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Page 2: Alvares de Azevedo

Sem títuloNão procura seu anjo à cabeceiraE não tem orações, mas ironias!

Nunca na terra uma alma de poeta,Chorosa, palpitante e gemebundaAchou nessa mulher um hino d´almaE uma flor para a fronte moribunda.

Lira sem cordas não vibrou d´enlevo,As notas puras da paixão ignora,Não teve nunca n´alma adormecidaO fogo que inebria e que devora!

Descrê. Derrama fel em cada riso,Alma estéril não sonha uma utopia...Anjo maldito salpicou venenoNos lábios que tressuam de ironia.

É formosa contudo. Há dessa imagemNo silêncio da estátua alabastrinaComo um anjo perdido que ressumbraNos olhos negros da mulher divina.

Há nesse ardente olhar que gela e vibra,Na voz que faz tremer e que apaixonaO gênio de Satã que transverbera,E o langor pensativo da Madona!

É formosa, meu Deus! Desde que a viNa minh´alma suspira a sombra dela...E sinto que podia nesta vidaNum seu lânguido olhar morrer por ela.facebooktwittergoogle+Minha Desgraça

Álvares de Azevedo

Minha desgraça não é ser poeta,Nem na terra de amor não ter um eco,E meu anjo de Deus, o meu planeta Tratar-me como trata-se um boneco...Não é andar de cotovelos rotos,Ter duro como pedra o travesseiro...Eu sei... O mundo é um lodaçal perdidoCujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro... Minha desgraça, ó cândida donzela,O que faz que o meu peito blasfema,É ter para escrever todo um poema

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Page 3: Alvares de Azevedo

Sem títuloE não ter um vintém para uma vela.facebooktwittergoogle+Amor

Álvares de Azevedo

Amemos! Quero de amorViver no teu coração!Sofrer e amar essa dorQue desmaia de paixão!Na tu´alma, em teus encantosE na tua palidezE nos teus ardentes prantosSuspirar de languidez!Quero em teus lábio beberOs teus amores do céu,Quero em teu seio morrerNo enlevo do seio teu!Quero viver d´esperança,Quero tremer e sentir!Na tua cheirosa trançaQuero sonhar e dormir! Vem, anjo, minha donzela,Minh´alma, meu coração!Que noite, que noite bela! Como é doce a viração!E entre os suspiros do ventoDa noite ao mole frescor,Quero viver um momento,Morrer contigo de amor!facebooktwittergoogle+Soneto

Álvares de Azevedo

Pálida, à luz da lâmpada sombria,Sobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! Na escuma friaPela maré das águas embalada!Era um anjo entre nuvens d´alvoradaQue em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! O seio palpitando...Negros olhos as pálpebras abrindo...Formas nuas no leito resvalando...Não te rias de mim, meu anjo lindo!Por ti - as noites eu velei chorando,

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Page 4: Alvares de Azevedo

Sem títuloPor ti - nos sonhos morrerei sorrindo!facebooktwittergoogle+Cismar

Álvares de Azevedo

Fala-me, anjo de luz! és glorioso À minha vista na janela à noite, Como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos froixos olhos Do homem que se ajoelha para vê-lo, Quando resvala em preguiçosas nuvens Ou navega no seio do ar da noite. Romeu Ai! Quando de noite, sozinha à janela, Co´a face na mão te vejo ao luar, Por que, suspirando, tu sonhas donzela? A noite vai bela, E a vista desmaia Ao longe na praia Do mar! Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos, Como água da chuva cheiroso jasmim? Na cisma que anjinho te conta segredos? Que pálidos medos? Suave morena, Acaso tens pena De mim? Donzela sombria, na brisa não sentes A dor que um suspiro em meus lábios tremeu? E a noite, que inspira no seio dos entes Os sonhos ardentes, Não diz-te que a voz Que fala-te a sós Sou eu? Acorda! Não durmas da cisma no véu! Amemos, vivamos, que amor é sonhar! Um beijo, donzela! Não ouves? No céu A brisa gemeu... As vagas murmuram... As folhas sussurram: Amar!facebooktwittergoogle+

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