allport, g. personalidade, carater e temperamento (cap.2)

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    PERSONALIDADE(Preparada pelo Centro de O!taloga

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    didato quanto a "personalidade". Geralmente, 0 que se de-aeja, nesse caso, e uma avalia:ao da eficiencia ou da atra:aosocial do candidato.

    Urn pesquisador procurou verificar as qualidadeg

    que permitem elevada avaliac;ao em "personalidade",no caso de professoras. Segundo se verificou, uma professora com "muita personalidade" e a que pa-rece, aos outros, apresentar oito qualidadeatraentes:"e interessante na conversa, e competente, tern inte-resses amplos, e inteligente, atlHica, bem humorada,sincera e adaptltvel".2

    A concepC;aopopular de personalidade refere-se a umdeterminado feixe de trac;os que sejam socialmente atraentest' efic:entes. Os propagandistas que prctcndem ajudar no"desenvolvimento da personalidade" procuram fortalecer esse

    conjuiito, atraves de instruc;ao para falar em publico, para postura, dan:a, conversa j me~anoseus an(mcios de cosmeticos pretendem esse objetivo. Diz-se que certo baton ou roupada moda "da personalidade". Neste caso, a personalidadenao chega a atingir a pele.

    Nao podemos aceitar a afirma:ao de que uma pessoatem "mais" ou "menos" personalidade do que outra. Nosentido psicologico, as pessoas que nao tern encantos san tao bem dotadas quanto as atraentes, e san igualmente intereq-santes para a ciencia.

    UIll pouco mais complexas, mas com 0 mesmo sentido basico, san as defini:oes apresentadas por alguns psicologos,

    e qne igualmente aceitam uma visao social on "externa" da personalidade. 3 A personalidade e

    a soma total do efeito provocado por urn individuo na sociedade.habitos ou ac;ao que conseguem influir em outras pessoas.respostas apresentadas pelos outros ao individuo, considerado como

    estimulo.o que os outros pensam de voce.

    2 E. G. Flemming, The "halo" around "personality", Tea-chers College Record, 1942, 43, "1-6.

    3 Essas e outras definic;oes "bicrsociais" (externas) saoenumeradas em Personalitv: a psychological interpretaUon, pp.39-43.

    Existe um aspecto que justifica essas defini:oesbaseadasno "efeito externo". Apcnas atraves dos julgamentos feitos pelos outros nossas personaJidades podem ser conhecidas.Se nao influfrnos nos outros, como podemos ser conhecidos 1Isso e verdade, mas 0 que ocorre se influimos de diferentes

    maneiras em diferentes pessoas? Teremos muitas personali-dades? AcasQ nao ocorrera que um juiz possa ter uma im- pressao correta de nos, enquanto outros tem uma impressaoerrada? Se isso e verdade, devemos ter algo, no interior de nossa pele, que constitui nossa natureza "verdadeira"(por variavel que seja). As defini:oes atraves de efeitosextern os confundem personalidade COm reputcu;iio j uma pes-soa pode ter muitas reputa:oes.

    E 0 que dizer do ermitao solitario, da crianc;a-fera (quevive entre lobos), ou de Robinson Crusoe antes do apareci-mento de seu homem da sexta-feira 1 Essas pessoas isoladm;nao terao personalidade porque nao exercem influencia em

    outros 1 Nossa opiniao pessoal e que essas criaturas excep-eionais tern qualidades pessoais nao menos fascinantes doque as dos homens que vivem na sociedade humana. UIllator de televisao pode eausar impacto em milhoes de pessoas,mas pode ter uma personalidade menos complexa do que uml'ecluso que vive na obscuridade de um sotao.

    Evidentemente, a impressao que causaiUOsaos outros csuas respostas a nos san fatores importantes no desenvolvi-mento de nossas personalidades. Esses aspectos serao estu-dados em capitulos posteriores. No entanto, confundir osefeitos externos da personalidade com a estrutura intern a eapenas desl10rtear nosso pCl1samento.

    A palavra pe,.sonalidade e sua raiz, pessoa, de ha muitosao fascinantes para os estudiosos da linguagem. MaxMuller, por exemplo, entusiasma-se com sua abstra(;ao e suautilidade:

    Consideremos uma palavra como pe.ssoa. Nada pode ser maisabstrato. Nilo e masculina, nem feminina, nem jovem, nem velha.Como substantivo, e POllcO mais do que S8I", como verbo. Em

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    frances, pode ate significar ninguem. Se, em Paris, voce per-gunta a porteira se alguem 0 procurou em sua ausencia, respon-dera "Personne, monsieur", 0 que signifiea "Ninguem, meusenhor."

    Mas essa palavra persona passou por extraordinarias fron-teiras, foi para a direita e para a esquerda, sugeriu novos pensa~mentos, provoeou inumeras controversias, e ocupa, ate hojs, umnotavel lugar em todas as diseussoesde teologia e filosofia, embon poucos, dos que a empregam, saibam comoehegou a essa posi\tao."4

    Os termos personality, em ingles, personnalite, em fran-ces, Personlichkeit, em alemao, SaD muito semelhantes ao personalita.~ do latim medieval. No latim classico, usava-seapenaspersona. Todos os eruditos admitem que essa palavraoriginal mente significava mascara. (Este fato pode justifi-car, ate certo ponto, os que preferem definir personalidadeatraves de efeitoexterno. A aparencia, e nao .a organiz~aointerior, recebe a enfase.) Todavia, persona, mesmo antiga-

    mente, passou a significar outras coisas, entre as quais 0

    ator eoloc.ado atras da mascara, isto e, seu verdadeiro conjuntode qualidades intimas e pessoais. Passou a signifiear, tam- bern, uma pessoa importante (donde personage, parson). 0termo foi tambem usado para designar as tres pessoas daSantissima Trindade. E saber se essas tres personae eramtres mascaras de urn Deus, ou tres pessoas iguais, tornou-seuma discussao teologiea muito duradoura. Talvez a defini-:aomais famosa de persona seja a apresentada por Boecio,no seculo VI: Persona est substantia individua ratitmalisnaUtrae - uma pessoa e uma substaneia individual de na-tureza raeional.

    Assim, vemos que 0 termo oseilou entre varios sentidos,mesmo no latim classieo. Alguns desses sentidos antecipamas definic;oes atuais de "efeito externo"; outros, as de es-trutura interna".

    Estrutura Interna ~.( < 0

    Quase todos os filosofos e psicologos (com excec;;iiodos positivistas contemporaneos, que consideraremos mais adi-

    4 F. M. Muller, Biographies of words (Nova York: Long-mans, Green, 1888), p. 32.

    ante) preferem definir a personalidade como uma entidadeobjetiva, como algo que "realmente existe". Admitem quea pessoa esta aberta para 0 mundo que a cerea, e influenciada por este e, a cada passo, 0 influencia tambem. No

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    todos os aspectos do carater h)lmano, do intelecto, do tempera-mento, da habilidade, da moralidade e todas as atitudes consti-tuidas durante a vida da pessoa. 7

    A personalidade e 0 conjunto organizado de processos eestados psico16gicos que pertencem ao individuo. 8

    Algumas definijetivo, que permite a organiza~ao interna, e dizem que a personalidade e

    urn esquema unificado de experi;ncia, uma organizaltao de valoresque sac mutuamente consistentes. 9

    Minha definiao tambem se baseia em estrutura interna.(Alguns autores denominariam "essencialistas" as defini~i5esdesse tipo). Mas antes p;recisamosexaminar uma abordagemoposta.

    Alguns psie610gos contemporaneos opoem-se violenta-mente as definioes essencialistas. Sustentam que a "estru-tura interna" e inaccessivel a cH\ncia. Nao podemos conhecer a "unidade dinilmica multiforme" que "realmente existe"A estrutura interna, se e que existe, nao pode ser direta-mente estudada.

    A respeito de personalidade conhecemos apenas nossas"opera~oes." Se aplicamos urn teste de personalidade e obte-mos tal ou qual resultado - essas SaDnossas 6perai5es,istoe , nosso metodo. Portanto, de acordo com 0 ponto de vista positivista, a personalidade interior e um mito, "urn simplesconceito ligado por urn nome pr6prio." Quando muito, po-demos apenas tel' opinioes a respeito - "conceitualiza-Ia."

    7 H. C. Warren e L. Carmichael, Elements of human psych.o-logy (Ed. rev.; Boston: Houghton Mifflin, 1930), p. 333.

    8 R. Linton, The cultural background of personality (NovaYork: Appleton-Century-Crofts, 1945), p. 84.

    9 P. Lecky, Self-consistency: QI theory of personality (NovaYork: Island, 1945), p. 90.

    A conceitualizaaonao pode ultrapassar os metodos cientificosque empregamos.

    Urn exemplo dessa definiao operacional e a seguinte. A personalidade e

    a conceitualiza ao mais adequada do comportamento de uma pessoa, considerada em todos os seus pormenores, e que urn cien-tista pode dar em determinado momento. 10

    Aqui encontramos uma semelhan

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    fato existente na natureza. Na medida do possivel, devemosadaptar nossos metodos ao objeto, e nao definir 0 objetoatraves de nossos metodos incompletos.

    E'videntemente, nao existe uma definil;ao .correta ouincorreta. Os termos podem, apenas, ser definidos de maneira utilpara um determinado objetivo. Para os objl;!tivosdeste livro, precisamos deuma defini.;ao "essencialista" de personalidade. Trataremos a pernonalidade como uma uni-dade "existente na pessoa", e que tem uma estrutura interna propria. Todas as maneiras de falar estao cheias de erros possiveis, mas, embora correndo esse risco, nossa defini~ao ea seguinte:

    A PERSONALIDADE E A ORGANIZACAO DINA-MICA, NO INDIVfDUO, DOS SISTEMAS PSICOFt.SICOS QUE DETERMINAM SEU COMPORTAMENTOE SEU PENSAMENTO CARACTERfSTICOS.

    Agora, podemos examinar, resumidamente, os conceitos fun-damentais dessa definil;ao.

    OrganizlL9iiodinamica. Ja vimos que as defini.;;oesgeraisou inclusivas nao saD ad~quadas. 0 problema central da

    psicologia e a organizac:;aomental (a formac:;aode padroesou hierarquias de ideias e habitos que dirigem, dillamica-mente, a atividade). A integrac:;ao e outros processos deorganizRl;aoSaDnecessarios para explicar 0 desenvolvimentoe a estrutura da personalidade. Por isso, "organizac:;ao"deve aparecer na definic:;ao. 0 termo supoe tambem 0 pro-cesso reciproco de "desorganizal;iio", sobretudo nas persona-lidades anormais, marcadas por progressiva desintegrac:;ao.

    Psicofisico. Este termo lembra que a personalidade naoe exclusivamente mental, nem exclusivamente neural (fisica).Sua organiza.;ao supae 0 funcionamento, em unidade insepa-ravel, de "mente" e "corpo."

    Sistema. Urn sistema (qualquer sistema) e urn conjuntode elementos em interac:;aomutua. Urn habito e um sistema,

    e 0 mesmo ocorre com urn sentimento, urn tra.;o, um conceito,urn estilo de comportamento. Tais sistemas estao latentesno organismo, mesmo quando nao ativos. Os sistemas saonossos "potenciais para atividade."ll

    Determinam. A personalidade e e faz algo. Os sistemas psicofisicos latentes, quando chamados a a.;ao, motivam oudirigem atividades e pensamentos especificos. Todos os siste-mas incluidos na personalidade devem ser vistos como ten-dbtcias determinantes. Exercem uma influencia diretiva emtodos os atos expressivos e de ajustamento, atraves dos quaisa personalidade se torna conhecida.

    Caracteristicos. Todos os comportamentos e pensamentossiio caracteristicosda pessoa e, como se procurou mostrar noCapitulo 1, sao exclusivamente da pessoa. Mesmo os atos econceitos que, aparentemente, "compartilhamos" com osOlltrossao, basicamente, individuais e idiomaticos. E verdadeque alguns at08 e conceitos SaDmais idiossincraticos do que

    outros, mas nao se encontra urn so que nao tenha um colorido pessoal. Portanto, de certo modo, e redundancia empregar o termo caracteristicos em nossa definic:;ao. No entanto, aredundancia nao e, necessariamente, ma; auxilia a frisar umdeterminado aspecto.

    Comportamento e ptmsamento. Esses dois termos pre-tendem abranger tudo que um individuo pode fazer. Funda-mentalmente, 0 que 0 individuo faz e ajustar-se a seu am- biente. Mas nao seria correto definir a personalidade apenasatraves de ajustamento. Niio apenas nos ajustamos ao nossoambiente, mas tambem refletimos a respeito dele. Alem disso, procuramos domina-Io, e, as vezes, conseguimos faze-Io. Por-

    tanto, 0

    comportamento e 0

    pensamento permitem a sobrevi-vencia e 0 crescimento. Sao formas de ajustamento e supe-rac:;ao,provocadas pela situa.;ao ambiental em que estamoscoloeados, sempre selecionadas e dirigidas pelos sistemas psi-cofisicos incluidos em nossa personalidade.

    11 R. R. S'ears define personalidade como "0 potencial paraatividade", em A theoretical framework for personality and social behavior, Amer. PBychol-Ogist, 1951, 6, 476-483. Essa sentenl;atem muita coisa a seu favor. Todavia sua fraqueza reside nofato de niio admitir .0 criterio necessario de organiza\:iio. Umneuronio tem um potencial para atividade, mas niio podemosconsiderar tal estrutura isolada como possuidora da personali-dade.

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    Pode-se perguntar se, por essa definic;ao, os animais temou nao personalidade. A resposta e um "sim" cauteloBo.Sem duvida, os animais tem formas rudimentares de siste-mas psicofisicos herd ados e aprendidos, que conduzem a ati-vidade caracteristica (singular) . (Nada sabemos a respeito

    de seu pensamento). Mas essa concessao nao nos leva muitolonge. A individualidade psicofisica de animais inferiorese extraordinariamente primitiva e nao pode servir de proto-tipo util da personalidade humana. Nos nos aventuramosa dizer que a diferenc;a entre duas especies quaisquer devertebrados sub-humanos e menor do que a diferenC;aentreum ser humano qualquer e outro. Aparentemente, a extra-ordinaria complexidade do cerebro hlJmano, comparado aoscerebros mais simples dos outros vertebra dos, permite essaafirmallao.

    taremos a essa dificil questao no Capitulo 6. Agora, e sufi-ciente dizer que a objec;ao interpret a erradamente 0 nossoemprego do termo individuo. Quando dizemos que a organi-zlH;aodinamica esta no individuo, queremos dizer, apenas,que esta no interior do organismo, isto e, "dentro da pele."

    E n()ssa maneira de negar que a personalidade seja apenasHma questao de "efeito externo."Quanto ao conceito de eu, nao vemos a necessidade de

    inclui-Io em nossa definiC;ao. Como veremos mais tarde, 0 u de uma pessoa e certamente um importante (e, sem duvida,o mais importante) sistema psicofisico da personalidade. To-davia, neste momento nao precisamos deter-nos nesse pro- blema.

    ~ao menos fascinante do que 0 termo personalidade e 0termo carater. Muitas vezes, os dois sao usados como sino-nimos, embora 0 primeiro seja de origem latina, e, 0 segundo,de origem grega. xapaXT'T/p significa gravar. E a marcade urn homem - seu padrao de trac;os ou seu estilo de vida.o escritor mais famoso a empregar 0 termo na Grecia antigafoi Teofrasto, discipulo de Arist6teles. Apresentou muitas eillteligentes descric;oesde carater, das quais possuimos trinta.

    No Capitulo 3, examinaremos 0 seu interessante metodo.Boje, ja 0 dissemos, os dois termos sao muitas vezes

    usados como sinonimos. No entanto, os psic610goseuropeus parecem preferir carMer, enquanto os americanos preferem

    personalidade. Existe uma interessante razao para essa dife-renQa. Persona significava, originalmente, mascara; xapaKTT/p ,gravar. 0 primeiro termo sugere aparencia, comportamentovisivel, qualidade superficial; 0 segundo sugere estrutura basica, profunda (talvez inata) e fixa. Ora, a psicologia ame-ricana tern preferencia por ambientalismo; sua tendenciacomportamentista leva a acentuar movimento externo, ac;;aovisivel. A psicologia europeia, ao contrario, tende a acentuar o que e inato na natureza do homem, 0 que esta profunda-mente enraizado e e relativamente imutavel. Freud, por exemplo, fala muitas vezes de estrutnra de carater, mas rara-mente de personalidade. Na Europa, usa-se freqiientemente

    o termo caracterologia, mas isso raramente ocorre nos Estados

    Um termo de nossa definiC;aoainda nao foi comentado -o indimduo. Alguns filosofos diriam que cometemos 0 pe-cado imperdoavel da petic;ao de principio. Quem e esse indi-viduoem que reside a personalidadeT Nao estaremos secreta-mente admitindo urn organizador - um "eu" T Nao temosem nOssas maosuma entidade nao explicada que, de algumaforma, cria uma unidade de personalidade Y

    Essa objec;ao e apresentada principalmente por fil6sofoB personalistas, para os quais todas as definic;oes de persona-lidade sup5em (ou exigem) urn agente unificador e conti-nuador. Um desses filosofos, Bertocci, modificaria da se-guinte maneira a nossa definic;ao:

    A personalidade de um eu e a organizacao dinamica, feita por esse eu, de suas capacidades e necessidadespsicofisicassingu-lares, e que torna singular os ajustamentos ao seu ambiente. 12

    Estamos prontos a admitir a existencia de um urgente problema quanto a rela~ao entre 0 eu e a personalidade. Vol-

    12 P. A. Bertocci, Personality. In P. L. Harriman (Ed.), Encyclopedia of pB1JcholoUY (Nova York: Philosophical Library,1946), p. 458.

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    Unidos. Os psic610gos americanos escreveram muitos livroscom 0 titulo de Personalidaile, mas poucos com 0 titulo deOarater, A antiga diferen~a de colorido entre as duas pala-vras parece explicar as atuais preferencias regionais,13

    o termo carater adquiriu uma conota~ao especifica,

    alheia ao seu sentido original de gravac;ao. Quando dizemosde um homem que tem "bom cara,ter," fazemos referenciaas suas qualidades morais. (Se dizemos que tem "boa per-sonalidade" fazemos referenda, apenas, a sua eficienciasocial - isto e , 0 uso popular que anteriormente discutimosneste capitulo.) Sempre que falamos de carMer, tendemosa supor um padrao moral e a fazer urn julgamento de valor.Essa complicac;aopreocupa os psic6logos que desejam separar a estrutura real e 0 funcionamento da personalidade dos julgamentos de aceitabilidade moral. E em grande parte por isso que este livro prefere 0 termo persanalidade. (0leitor arguto pode dizer: "a sua acentua~ao da estrutura

    interna corresponde muito bem ao que os gregos antigosentendiam por carater." Isso e verdade, mas as conota90es posteriores, que incluem julgamentos de valor, fazem comque hesitemos em empregar 0 termo.)

    Naturalmente, podemos fazer um julgamento de valor referente a personalidade como um todo, ou referente a qual-quer parte da personalidade: "e uma pessoa nobre." "Elatern muitas qualidades cativantes." Em ambos os casos, dize-mos que a pessoa tem certos trac;os que, quando vistos deacordo com certos padroes externos, sociais ou morais, saodesejliveis. 0 fato psico16gicobruto e que as qualidades da pessoa sao apenas 0 que sao. Alguns observadores (e algu-

    mas culturas) podem considera-Ios nobres ou cativantes;outros podem nao aceitar essa valoriza~ao. Por essa razao -e para sermos coerentes com nossa defini~ao - preferimosdefinir 0 carater como personalidade valorizada; e a perso- ,tUl-lidade, como carater niio-valorizado.

    o termo caracteristica tem outra conota~ao. Emprega.mo-Io em nossa defini~ao de personalidade, pois, felizmente,cscapou a aura de valor do termo primitivo. Nao tem refe-rencia a julgamento moral. Como est a proximo do sentido

    original de carater, e util para nos. Serve para designar habitos, trac;os, atitudes e interesses - qualquer marca nitidade individualidade. E curioso que" caracteristico" tenha mantido seu sentido primitivo, enquanto sua forma originalreuniu tantos sentidos eticos.

    Antes de passar a outro assunto, devemos fazer refe-rencia a emprego diferente do termo carater. Alguns psico-logos veem 0 termo como uma parte especifica da persona-lidade. Um psicologo 0 define como "0 grau de organiza~aoeticamente eficiente de todas as forc;as do individuo." Outro,"como uma disposi~ao psicofisica duradoura para inibir osimpulsos, de acordo com urn principio regulador." Algumas pesquisas foram publicadas sob 0 titulo de Estudos do Oarater ou Dimensoes do Oarater,14 Tais descric;oes referem-se a pesquisas sobre honestidade das crian~as, autocontrole, con-sidera~ao pelos outros, fidelidade religiosa.

    o rato de uma crianC;aou urn adulto terem ideais morais,

    eonsciencia moral e crenc;as religiosas e muito importante para um estudo de sua personalidade, pois sao caracteristicasde sua estrutura interna. E tambem importante saber seuma pessoa tern ou nao "disposi~ao para inibir impulsos,de acordo com urn prinCipio regulador." Mas todas essastendencias estao na personalidade. 0 fato de serem perce- bidas e julgadas favoravelmente nao altera a situac;ao. Por isso, preferimos nao considerar 0 carater como uma regiaoespecifica da personalidade. Podemos ficar com nossa defi-nic;ao simples de carater como personalidade valorizada. Ateoria etica e um dominio importante da filosofia, mas nnodeve ser confundida com a psicologia da personalidade.

    Desde a Antigiiidade ate hoje, encontramos a teoria deque 0 temperamento de uma pessoa e, em grande parte,

    14 A primeira definicao citada e de W. S. Taylor, Character and abnormal psychology, J. abnorm. soc. Psychol., 1926, 21, 86.A segunda e de A. A. Roback, The psychology of character, (NovaYork: Harcourt, Brace, 1927),p. 450. A serie de Estudos sobreo Carater e sumariada in H. Hartshorne, M. A. May, e F. K.Shuttleworth, Studies in the organization of character (NovaYork: Macmillan, 1930). Ver tambem E. M. Ligon, Dimenswnsof character (Nova York: Mf!.cmillan,1956).

    13 Para discussao mais completa das diferencas, ver G. W.Allport, European and American theories of personality. In H.P. David e H. von Bracken (Eds.), Perspectives in personalitytheory (Nova York: Basic Books, 1957), Cap. 1.

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    determinado pelos "humores" (secre'1oes giandulares) docorpo. 0 termo temperamento passou para 0 ingies medieval, juntamente com a doutrina dos quatro humores (Capitulo3) . Nessa epoca, como agora, significava uma "constitui\laoou habito de mente, sobretudo quando ligados a constitui~aofisica, ou desta dependentes." Atualmente, a pesquisa arespeito do temperamento e apresentada sob 0 titulo de "psi-cologia constitucional."

    Pode-se dizer que 0 temperamento, como a intcligenciae 0 fisico, designa uma classe de "material bruto" a partir do qual se forma a personalidade. Os tres fatores dependem,em grande parte, da determina

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    por influencias medicas, cirurgicas e de nutril