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Aines e Risco CardiovascularTRANSCRIPT
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Os anti-inflamatrios no esterides (AINEs) noselectivos e os inibidores especficos da ciclo-oxigenase(COX)-2 so frequentemente utilizados no alvio sintomti-co da dor aguda e crnica que acompanha uma grandevariedade de patologias. Devido sua utilizaoabrangente, os efeitos adversos, mesmo que pouco fre-quentes, traduzem-se num elevado nmero de casos napopulao em geral com implicaes epidemiolgicas.
A utilizao de AINEs foi associada ocorrncia deefeitos adversos cardiovasculares graves em estudos epi-demiolgicos e ensaios clnicos. Por isso pretendemosrever os riscos desta classe de frmacos e o risco relativode cada frmaco individualmente. Tambm exploraremosas caractersticas do doente que o podero predispor paraum maior risco. S este conhecimento permitir fazeropes fundamentadas que privilegiem a eficcia anti--inflamatria num contexto de segurana. Pretendemossintetizar os riscos destes medicamentos, incluindo quan-do administrados a doentes que fazem baixas doses decido acetilsaliclico para cardioproteco.
Os riscos cardiovasculares dos anti-inflamatrios no esterides Perspectiva histrica de uma preocupao recenteOs AINEs so, desde h longa data, utilizados para
reduzir a inflamao e no alvio da dor mas, frequente-mente, associavam-se a efeitos adversos gastrointestinais.Por isso foram desenvolvidos frmacos inibidores selec-tivos da COX-2 com a finalidade de manter as propriedadesanti-inflamatrias e simultaneamente reduzir a prevaln-cia de doena ulcerosa pptica. A utilizao clnica destesfrmacos incluindo rofecoxib, celecoxib e valdecoxib foiaprovada com base em pequenos ensaios clnicos aleato -rizados e de curta durao que demonstraram eficciaanti-inflamatria semelhante aos outros AINEs ediminuio dos efeitos adversos gastrointestinais.
Apesar de inicialmente destinados a doentes com ele-vado risco de eventos gastrointestinais, com a entrada nomercado o seu uso tornou-se generalizado. Esta ampla uti-lizao levou a que, lentamente, fossem revelados algunsdos efeitos adversos desta classe de AINEs qual eraatribuda maior segurana. Em 2000, surgiu a primeirapublicao que sugeria um risco cardiovascular aumenta-do para rofecoxib em comparao com naproxeno (1). Noentanto, s quatro anos depois o foco do aumento de riscocardiovascular recaiu sobre os inibidores selectivos da COX-2 com a suspenso por motivos de segurana de umgrande estudo para avaliao do rofecoxib na prevenode neoplasia do coln. Neste, o rofecoxib associou-se auma duplicao do risco de ocorrncia de efeitos adversoscardiovasculares(2). O efeito meditico foi ainda ampliadopela retirada voluntria do frmaco do mercado. Poucodepois, tambm o celecoxib foi implicado num aumentosignificativo de efeitos adversos cardiovasculares numa
Recebido para publicao: Maio de 2013Aceite para publicao: Maio de 2013
Andreia MagalhesInterna de Cardiologia CHLN- Hospital de Santa Maria
Gesto do Risco dos MedicamentosRisco cardiovascular dos anti-inflamatrios no esteridese recomendaes prticas para o tratamento
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Joo Silva MarquesAssistente de Cardiologia CHLN- Hospital de Santa MariaAssistente Convidado de Farmacologia Faculdade deMedicina de Lisboa
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populao semelhante(3). Paralelamente surgia evidnciade que o valdecoxib e parecoxib, mesmo tomados por cur-tos perodos, aumentavam o risco cardiovascular emdoentes submetidos a revascularizao miocrdica cirrgi-ca(4).
Estes achados levaram, a que as autoridades regulado-ras colocassem alertas de segurana cardiovascular nosfrmacos comercializados.
A evidncia actualmente disponvel permite afirmarque os inibidores selectivos das COX-2 aumentam o riscocardiovascular comparativamente ao placebo. No entanto,os dados referentes aos AINEs no selectivos so escassos,visto que a sua aprovao foi feita numa poca em que afrmaco-vigilncia era menos exigente. Assim, existepouca informao disponvel relativa a eventos cardiovas-culares proveniente de ensaios clnicos aleatorizados econtrolados por placebo. Muita da evidncia clnica comAINEs provm de estudos aleatorizados em que foram uti-lizados como comparadores dos inibidores selectivos daCOX-2. Assim, a maioria da informao relativa aonaproxeno, ibuprofeno e diclofenac, que foram os com-paradores mais frequentemente utilizados nos ensaiosclnicos. Com recurso a meta-anlises e estudos observa-cionais foi possvel verificar que muitos dos AINEs noselectivos correlacionam-se com um aumento daprevalncia de eventos cardiovasculares da mesma mag-nitude dos registados com os inibidores selectivos das COX-2. Por isso todos os AINEs passaram a ter alertas de segu-rana cardiovascular e a sua utilizao est contra-indica-da em doentes com sndromes coronrias agudas. Mesmoa utilizao do paracetamol, cujo mecanismo de aco noest completamente estabelecido e menos dependenteda inibio das COX, correlaciona-se com um aumento daprevalncia de eventos cardiovasculares major em pro-poro quase semelhante aos outros AINEs(5).
A associao dos AINEs com o risco cardiovascular estaparentemente dependente de uma srie de factores.Uma reviso da literatura publicada em 2009(6) revelouque os cinco factores que determinam a gravidade eprevalncia de efeitos cardiovasculares adversos so: 1) aselectividade para a COX-2; 2) a dose de AINE administra-da; 3) a semi-vida plasmtica do AINE; 4) o efeito napresso arterial; e 5) a interaco com o cido acetilsalicli-co (AAS).
Mecanismo de aco dos AINEs(7)
O cido araquidnico libertado por aco da fosfoli-pase A2 em resposta a leso celular ou activao media-da por receptores. Depois, localmente as ciclo-oxigenasescatalisam a transformao do cido araquidnico emprostaglandina H2. Existem duas isoformas das ciclo-oxi-genases: a COX-1 que uma enzima constitutiva e expres-sa na maioria dos tecidos e a COX-2 que indutvel emestados inflamatrios. As isomerases especficas de cadatecido convertem a prostaglandina H2 nos mediadoresque exercem funes locais. Nas plaquetas, o tromboxanoA2 promove a activao plaquetar e vasoconstrio. Asprostaglandinas E2 e I2 conferem proteco a nvel damucosa gstrica e, no territrio vascular, promovemvasodilatao e inibio da agregao plaquetar. Aprostaglandina E2 exerce aces no sistema nervososendo responsvel por desencadear dor e febre.
Assim, as aces anti-inflamatrias, analgsicas eantipirticas dos AINEs resultam predominantemente dainibio da COX-2.
Nos restantes tecidos a inibio das COX, predominan-temente da COX-1, responsvel pelos efeitos adversos eincluem a doena ulcerosa pptica e o desenvolvimentode insuficincia renal.
No entanto, a inibio da COX-1 pode ter utilizaotera putica em doentes com patologia cardiovascular. Embaixas doses o AAS acetila de forma irreversvel a COX-1,eliminando a sua aco enzimtica. As plaquetas, por nopossurem ncleo, no podem sintetizar COX-1 pelo que acessao de produo de tromboxano A2 pelo AAS per-siste durante toda a vida da plaqueta, inibindo a activaoe agregao plaquetar. Nos restantes territrios, as clulasnucleadas so capazes de produzir nova enzima, o queleva a que, nestas baixas doses, os efeitos secundrios doAAS sejam reduzidos.
a irreversibilidade da inibio da COX-1 que distingueo AAS dos restantes AINEs, que apenas consegueminibio incompleta e transitria da funo plaquetar. Umaexcepo o naproxeno, que apesar de ser um inibidorreversvel das COX, inibe a funo plaquetar durante amaioria do tempo de intervalo inter-dose(8). Este mecanis-mo pode justificar o facto de o naproxeno apresentarresultados clnicos cardiovasculares tendencialmentemenos prejudiciais que outros AINEs.
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... todos os AINEs passaram a ter alertas de segurana cardiovascular
e a sua utilizao est contra-indicada em doentes
com sndromes coronrios agudos.
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Possveis mecanismos de efeitos adversos cardiovasculares dos AINEs (Quadro I)Reconhece-se hoje o papel da COX-2, expressa consti-
tutivamente nas clulas endoteliais, na formao deprostaglandina I2 que vasodilatadora e inibe a agre-gao plaquetar. A inibio da formao de prostaglandi-na I2 por inibidores selectivos da COX-2 pode ser umimportante mecanismo no desenvolvimento de eventoscardiovasculares. Desta forma a produo de prostaglandi -na I2 reduzida mas a produo de tromboxano A2 pla-quetar permanece intacta. Especula-se que este dese-quilbrio de prostanides que pode levar promoo daagregao plaquetar e a trombose arterial.
Este mecanismo tambm pode justificar o desenvolvi-mento de eventos cardiovasculares em doentes medica-dos com doses elevadas de AAS e outros anti-infla-matrios no esterides no selectivos visto que estestambm inibem a sntese de prostaglandina I2. No entan-to, nestes casos a sntese de tromboxano A2 pelas plaque-tas tambm se encontra diminuda, levando a um dese-quilbrio menos acentuado na produo destesprostanides. Assim, a selectividade relativa COX-1/COX-2de cada AINE pode justificar as diferenas clnicas na ocor-rncia de eventos cardiovasculares entre os vrios frma-cos.
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Gesto do Risco dos MedicamentosRisco cardiovascular dos anti-inflamatrios no esterides e recomendaes prticas para o tratamento
Quadro IRecomendaes para o tratamento da dor em doentes com risco cardiovascular moderado ou elevado
AAS= cido acetilsaliclico; AINEs= anti-inflamatrios no esterides; COX-2= ciclo-oxigenase 2
No entanto, outros mecanismos concorrem para odesenvolvimento de efeitos adversos cardiovasculares.Tanto os AINEs selectivos como os no selectivos inibem aproduo de prostaglandinas E2 e I2 a nvel renal causan-do reteno hidrossalina e elevao da presso arterial.Tambm, em doentes com doena cardiovascular fre-quente a utilizao de teraputica modeladora do sistemarenina-angiotensina-aldosterona e a administrao con-comitante destes frmacos com AINEs diminui a eficciaanti-hipertensora dos primeiros e pode promover o desen-volvimento de insuficincia renal aguda(9). Esta resulta davasodilatao da arterola eferente promovida pelainibio da angiotensina II e da dilatao da arterola afe -rente condicionada pelos AINEs, levando a diminuio dapresso de filtrao glomerular.
Outro potencial problema a interaco dos AINEscom a anti-agregao plaquetar com AAS de doentes empreveno primria ou secundria. O ibuprofeno podeinterferir com a anti-agregao com AAS por inibio com-petitiva no local de ligao enzima COX-1, levando a umaumento da produo de tromboxano A2 e a promoo da
agregao plaquetar induzida pelo cido araquidnico(10).Um grande estudo observacional revelou que doentesmedicados concomitantemente com AAS em dose anti--agregante e ibuprofeno apresentam maior mortali-dade(11). Este facto sugere que a interaco demonstradaem estudos laboratoriais pode ter relevncia clnica.Considera-se que os outros AINEs no apresentam inter-ferncia na capacidade anti-agregante do AAS, havendoparticular evidncia para o paracetamol e rofecoxib(12).
Como tratar a dor inflamatria? Recomendaes prticas para o tratamento de doentes com risco cardiovascularAs Agncias Reguladoras do Medicamento Europeia e
Americana e as Associaes Americanas de Reuma -tologia(13) e de Cardiologia(14) emitiram recomendaessobre a utilizao de AINEs tendo em conta a evidnciaacumulada. A Sociedade Europeia de Cardiologia contra--indica a utilizao de AINEs em doentes com sndromecoronria aguda, no tendo emitido recomendaesespecficas na abordagem de doentes com risco cardiovas-
- Estratgia inicial: teraputica no farmacolgica (exerccio/fisioterapia)
- Se manuteno da dor: analgsicos tpicos, paracetamol (considerar analgsicos opiides)
- Em caso de dor resistente: utilizar AINEs Na dose mnima eficaz Durante o menor tempo possvel Preferir o naproxeno ou AAS em baixa dose Evitar o ibuprofeno se anti-agregao com AAS Reservar os inibidores selectivos da COX-2 para casos seleccionados (elevado risco gastrointestinal e falncia de
estratgias anteriores)
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cular e dor inflamatria.As recomendaes gerais para o tratamento da dor em
doentes com risco cardiovascular moderado ou elevadoencontram-se sintetizadas no Quadro II.
O tratamento com AINEs sem prescrio mdica desaconselhado, particularmente em doentes com riscocardiovascular moderado ou elevado.
O risco-benefcio da utilizao de AINEs deve ser sem-pre pesado pelo mdico prescritor e a seleco de tera -putica deve ser individualizada.
Inicialmente deve ser tentada uma abordagem nofarmacolgica (exerccio, fisioterapia) e os frmacosdevem ser reservados para os doentes com sintomas nocontrolveis com a estratgia inicial. Quando eles sonecessrios, a segurana deve ser privilegiada e s sedeve efectuar escalada teraputica para frmacos maistxicos se a estratgia inicial foi ineficaz ou insuficiente.Na prtica, o paracetamol utilizado em doses baixas umfrmaco de primeira linha. Tambm deve ser equacionadaa administrao de teraputica anti-inflamatria e anal-gsica de aco tpica e os analgsicos opiides, apesardo risco de abuso, permanecem como alternativa, particu-larmente em casos de dor aguda.
S numa etapa seguinte, quando a dor consideradapersistente e resistente s estratgias iniciais, deve serequacionada a prescrio de AINEs. Estes devem ser man-tidos na dose mnima eficaz e pelo menor tempo poss vel.
Como so atribudas algumas caractersticas farmacolgi-cas e clnicas mais favorveis ao naproxeno, este pode serum frmaco a considerar na escolha inicial a par da utiliza-o de AAS em dose baixa. Os inibidores selectivos daCOX-2 devem ser reservados para doentes em que noexistam alternativas.
Quando o risco de ocorrncia de eventos gastrointesti-nais uma preocupao a teraputica com AINEs deve seracompanhada de misoprostol ou, preferencialmente, deinibidores da bomba de protes. Em casos seleccionadospode ser considerada a utilizao de inibidores selectivosda COX-2 nesta populao.
Um grupo que merece particular meno em relaoao uso concomitante de AINEs o dos doentes que fazemAAS em preveno primria ou secundria de eventos car-diovasculares. Este ser um grupo de especial risco para aocorrncia de eventos cardiovasculares e por isso devemser cumpridas as estratgias anteriormente mencionadasque reservam a utilizao de AINEs para os doentes comdor persistente e refractria a outras medidas. Neles deveser particularmente evitada a administrao de ibupro-feno visto que este interfere com a capacidade de aceti-lao da COX-1 plaquetar pelo AAS. Nos casos em que estaassociao seja considerada indispensvel, para minimizaro risco de interaco, a administrao de AAS (sem reves-timento entrico) deve preceder a administrao deibuprofeno em pelo menos 30 minutos. Se j tiver sido
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... doentes medicados concomitantemente com AAS em
dose anti-agregante e ibuprofeno apresentam maior mortalidade.
Quadro IIPossveis mecanismos dos efeitos adversos cardiovasculares dos AINEs
AAS= cido acetilsaliclico; COX-1= ciclo-oxigenase 1; HTA= hipertenso arterial; SRAA= sistema renina-angiotensina-aldosterona
- Promoo da trombose arterial:desequilbrio da inibio da produo de prostaglandina I2 (anti-agregante) e tromboxano A2 (pr-agregante)
- HTA e reteno hidrossalina:Inibio da sntese das protaglandinas E2 e I2 a nvel renal
- ? da eficcia anti-hipertensora dos frmacos modeladores do SRAA
- Insuficincia renal aguda: Inibio da vasodilatao da arterola aferente renal
- ? da eficcia anti-agregante plaquetar do AAS: o ibuprofeno compete com o AAS na ligao COX-1 plaquetar
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administrado o ibuprofeno deve-se esperar pelo menos 8horas at administrao do anti-agregante plaquetar.
Em concluso, o aumento do risco cardiovascular peloconsumo de frmacos AINEs um problema transversal,ainda que possa diferir na sua magnitude. Apesar doenorme salto no conhecimento dos mecanismos e dassuas repercusses clnicas provavelmente nunca ser com-pletamente esclarecido o risco individual de cada AINE.Assim uma estratgia que minimiza a utilizao destesfrmacos em doentes com risco cardiovascular acrescidoparece ser prudente. Aguardam-se novos desenvolvimen-tos farmacolgicos para que as comorbilidades osteoarti -culares dos doentes com risco cardiovascular possam serabordadas de forma a melhorar a qualidade de vida, semcomprometer a longevidade.
Andreia MagalhesJoo Silva Marques
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