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AcústicaCurso de Terapêutica da Fala

Escola Superior de Saúde de Faro1o Semestre, 1o Ano

Ano lectivo de 2005-2006

Rui GuerraDepartamento de Física

Faculdade de Ciências e Tecnologia daUniversidade do Algarve

[email protected]://w3.ualg.pt/ rguerra/acustica0506.htm

15 de Fevereiro de 2006

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Nota prévia

O ensino tradicional da Terapêutica da Fala não costuma englobar uma cadeiraespecí�ca de acústica. A opção mais comum é ensinar os conceitos fundamentaisde acústica à medida que vão sendo necessários. Quando comecei a leccionaresta cadeira em 2003/2004 também estava um pouco imbuído desta perspectivae interrogava-me se conseguiria �encher� um semestre com matéria relevante paraos futuros terapeutas da fala.

A experiência destes três anos mostrou-me que um semestre a estudar acústicaé realmente uma mais valia para os alunos deste curso. Há uma série de conceitosfundamentais para a Terapêutica da Fala que só podem ser bem compreendidoscom uma base razoável de acústica. E essa base não se pode proporcionar commeia dúzia de aulas.

O programa da cadeira é a própria demonstração disso mesmo. O objectivo doprograma é proporcionar a compreensão de temas que um terapeuta da fala deveindubitavelmente dominar e que sem uma base física de acústica não o conseguefazer:

1. A noção de frequência e período2. O que é o som?3. As curvas de audibilidade e o seu signi�cado4. A escala dos decibéis e dos fones5. Como se produz a voz?6. O que são as formantes? Porque é que existem formantes?7. Como funciona o ouvido?

A esta lista devia ainda acrescentar o tema dos espectros, isto é, como é queum som complexo se decompõe em ondas sinusoidais simples. Mas não houvetempo.

A tabela de matérias que aparece três páginas a seguir parece extensa e al-guns temas parecerão desnecessários numa visão pragmática do que deve ser umterapeuta da fala. Eventualmente alguns temas poderão ser omitidos, mas estouconvicto de que a maior parte é necessária para poder ensinar com profundidademínima os temas expostos na lista acima. Explico a seguir, em mais detalhe, oque é necessário para compreender cada um dos pontos eneunciados.

A noção de frequência e período � Este ponto é elementar e não merecegrandes comentários (secs. 3.2 e 3.3).

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O que é o som? � É importante perceber que o som é um caso particu-lar dos fenómenos ondulatórios (sec 3.1). Por isso se dá ênfase numa descriçãomais geral, introduzindo os conceitos de ondas transversais e longitudinais. Étambém através do conceito de onda longitudinal que se percebe como é que asmoléculas do meio transmitem o som (sec. 3.6.2). O som propaga-se e interfere,propriedades que são descritas a um nível básico (secs 3.5, 3.7 e 3.8). Finalmenteé importante os alunos terem a noção de que o som se propaga com velocidadesdiferentes em diferentes meios (sec. 4.3).

As curvas de audibilidade e o seu signi�cado e também A escala dosdecidéis e fones � Para perceber estes conceitos há que perceber bem a escalados decibéis. Isso só se consegue dedicando algum tempo ao assunto, porque ofacto de a escala não ser linear faz muita confusão aos alunos. Atrevo-me a dizerque sem este treino os futuros terapeutas teriam sempre uma noção de�cientedo conceito de decibel. Mesmo depois de muito insistir na natureza logarítmicada escala dos decibéis, é comum descobrir alunos que continuam a achar que aintensidade correspondente a 20 dB é o dobro da intensidade correspondente a 10dB! É por isso que se insiste nos logaritmos (sec. 2.8) e se fazem duas aplicaçõescom o objectivo fundamental de treinar o conceito: a intensidade relativa de doissons em dB (sec. 4.5.4) e a variação da intensidade com a distância à fonte,também em dBs (sec. 4.9). Este último ponto é também útil por si. Permite,por exemplo, ajudar a avaliar como é que a posição de um aluno na sala de aulapode fazer variar a sua percepção auditiva.

Também as curvas de audibilidade (sec 4.6) são muito importantes e tãodifíceis de compreender pelos alunos! É preciso insistir muito para que eles ascompreendam! É preciso tempo. É preciso explicar as curvas de audibilidade emcontextos diferentes. É minha experiência que os alunos não entendem o conceitodas curvas de audibilidade antes de duas ou três aulas a insistir no assunto. Porcerto não as entenderão num �compacto� de acústica, com a �gura a ser mostradanum acetato de 3 minutos.

Como se produz a voz? e também O que são as formantes? Porqueé que existem formantes? � Para perceber como se produz a voz é precisoperceber duas coisas: i) como se faz e o que origina a vibração das cordas vo-cais e ii) como se faz a �ltragem pelas cavidades ressonantes. Para perceber avibração das cordas é necessário explicar a vibração de cordas em geral e o queé a frequência fundamental de vibração de uma corda e as suas harmónicas (secs5.1 - 5.3). Para perceber como se faz a a �ltragem pelas cavidades oral e nasal épreciso perceber primeiro que estas funcionam como colunas de ar fechadas numaextremidade (sec 5.4). Eis porque sem o capítulo 5, "Ondas Estacionárias", emque estes conceitos são explicados, não se pode perceber basicamente nada sobrea produção da voz. E, repito, não será certamente numa cadeira mais avançadaque haverá tempo para discutir isto com rigor. Devo ainda dizer que para explicar

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de forma simples as colunas de ar é necessário explicar o conteúdo aparentementedescabido da secção 4.4.3.

Percebendo isto é fácil perceber o que são as formantes. São os primeiros mo-dos de vibração das cavidades ressonantes e que por isso mesmo constituem assuas ressonâncias. É um modelo simples, associar a cavidade oral a uma colunade ar aberta numa extremidade com 17 cm de comprimento, mas permite com-preender conceptualmente o que são as formantes e porque têm uma distribuiçãode frequências que em geral é "baixa-média-alta".

Fora deste contexto não há forma de dar uma explicação convincente para aorigem das formantes. Existem "porque sim"e nada mais. Parece-me inequívocoque saber a explicação física para a existência de formantes é uma mais valia paraos futuros terapeutas da fala. Com o quadro de competências adquirido é, porexemplo, muito fácil perceber porque é que a voz das crianças é em geral maisaguda, ou porque é que a voz das mulheres é em geral mais aguda do que a doshomens.

Toda esta explicação é dada no capítulo 6.Como funciona o ouvido? �Finalmente o capítulo 7 é dedicado à física do

ouvido, não à anatomia do ouvido, que já é tratada noutra cadeira, mas à formacomo o ouvido funciona. As ideias mais importantes que gostaria de transmitiraos alunos relacionam-se com as funções dos ouvidos externo, médio e interno.

Relativamente ao ouvido externo, explica-se porque é que o ouvido é maissensível cerca dos 4000 Hz. Mais uma vez, isto só se percebe recorrendo ao factode que o canal auditivo é uma coluna de ar com cerca de 25 mm, aberta numaextremidade e que portanto o primeiro modo de vibração ocorre perto dos 4000Hz. Explica-se ainda a função de �funil� do canal auditivo, um efeito que ampli�caa intensidade do som entre 2 a 6 dB.

Porque é que o ouvido não se reduz apenas ao ouvido interno? Em vez dotímpano poderímaos ter directamente a janela oval! A resposta para esta questãosó pode ser entendida por quem perceba que a impedância acústica da perilinfa(que é basicamente a da água) é muito maior que a do ar e que esta escolhaanatómica implicaria uma perda de 30 dB de intensidade sonora devido à re�exãodo som quando passa do ar para a água. É por isso que a membrana timpânicadeve estar no ar e isolada da água. O ouvido médio faz o acoplamento entre oar e a água. Assim, para ensinar estes factos com algum detalhe deve dedicar-sealgum tempo a explicar os conceitos de impedância acústica (sec 3.9.2), no quetambém pareceria à primeira vista um �excesso de zelo� de físico.

É o prodigioso mecanismo do ouvido médio que permite compensar a perdadevido ao desajuste de impedâncias entre o ouvido interno e o ar. Isso é feitoatravés da razão entre as áreas do tímpano e da janela oval (é preciso explicaro conceito de pressão, que está na secção 4.3) e do efeito de alavanca produzidopelo ossículos do martelo e da bigorna.

As descrições anatómicas do ouvido são geralmente omissas a este respeito.

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E se mencionarem algo vago e nebuloso relativamente ao mecanismo de com-pensação do ouvido médio, soarão a algo inintelígivel para quem não tenha asnecessárias bases de acústica!

Finalmente o ouvido interno. Os principais objectivos são: a) explicar omecanismo de transdução das ondas mecânicas em impulsos nervosos e b) explicara teoria da localização, que pretende explicar como se faz a identi�cação dasfrequências pelo cérebro.

Acaba neste ponto a matéria da cadeira. Como disse, seria ainda importantefalar de espectros. Fica para a próxima. Espero ter convencido o leitor/alunoda importância de estudar acústica, que se poderia resumir assim: ter consciên-cia dos termos e conceitos que estarão subjacentes no seu trabalho futuro, deforma a evitar tornar-se mero técnico, manipulando conceitos sem realmente oscompreender.

Rui Guerra,Gambelas, 19 de Fevereiro de 2006

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Conteúdo

1 Introdução: o que é o som? 112 Noções básicas de Matemática 15

2.1 Notação cientí�ca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.1.1 Regras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.1.2 Pre�xos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2 Álgebra Básica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.3 Manipulação de parêntesis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.4 Fracções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.5 Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.6 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.7 Representação grá�ca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.8 Logaritmos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212.9 Regras de três simples (proporcionalidade) . . . . . . . . . . . . . 222.10 Ângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.10.1 Medida de graus em radianos . . . . . . . . . . . . . . . . 232.11 Senos e co-senos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.11.1 Identidades Trigonométricas importantes . . . . . . . . . . 262.12 A importância das funções trigonométricas na acústica . . . . . . 27

3 Movimento Ondulatório 313.1 O que é uma onda? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.2 Ondas periódicas e não periódicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353.3 Comprimento de onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.4 Período e Frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.5 Velocidade de propagação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383.6 Tipos de ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

3.6.1 Exemplos de ondas transversas . . . . . . . . . . . . . . . 423.6.2 Exemplos de ondas longitudinais . . . . . . . . . . . . . . 423.6.3 E o som? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

3.7 Ondas Progressivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433.8 Sobreposição e Interferência de ondas . . . . . . . . . . . . . . . . 463.9 Re�exão e Transmissão de ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

7

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8 CONTEÚDO

3.9.1 Descrição geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493.9.2 Quanti�cação da re�exão e transmissão . . . . . . . . . . . 53

3.10 Ondas Sinusoidais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 563.10.1 Número de onda e frequência angular . . . . . . . . . . . . 573.10.2 Fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4 O som 594.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 594.2 Ondas audíveis, infrasónicas e ultrasónicas . . . . . . . . . . . . . 594.3 Velocidade das ondas sonoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 604.4 O som como onda periódica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

4.4.1 O som como movimento oscilatório das partículas do ar . . 664.4.2 O som como oscilação da densidade do ar . . . . . . . . . 674.4.3 Desfazamanto entre a onda de deslocamento e a onda de

densidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 684.5 A intensidade do som . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

4.5.1 De�nição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 704.5.2 Limiar de audibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 714.5.3 Nível de intensidade sonora (decibel) . . . . . . . . . . . . 714.5.4 Intensidade relativa de dois sons . . . . . . . . . . . . . . . 734.5.5 Variações na diferença mínima de intensidade detectável . 744.5.6 A curva do limiar de audibilidade . . . . . . . . . . . . . . 764.5.7 Uma nota: escala logarítmica . . . . . . . . . . . . . . . . 77

4.6 As curvas de audibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 794.7 Unidade do nível de audibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 804.8 Unidade de audibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 814.9 A lei do inverso quadrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 824.10 Caracterização dos sons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

4.10.1 Intensidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 844.10.2 Altura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 844.10.3 Timbre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

5 Ondas Estacionárias 875.1 O que são ondas estacionárias? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 875.2 Outra forma de ver as ondas estacionárias . . . . . . . . . . . . . 895.3 Ondas estacionárias em cordas �xas nas duas extremidades . . . . 905.4 Ondas estacionárias em colunas de ar . . . . . . . . . . . . . . . . 92

5.4.1 Colunas fechadas numa das extremidades . . . . . . . . . . 935.4.2 Colunas abertas nas duas extremidades . . . . . . . . . . . 96

5.5 Resumo dos modos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

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CONTEÚDO 9

6 As ressonâncias e a voz 996.1 O que é a ressonância? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 996.2 Caixas de ressonância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1016.3 Como é que se produz a voz? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

7 O ouvido 1097.1 Descrição geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1097.2 O ouvido externo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

7.2.1 O pavilhão auricular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1107.2.2 O canal auditivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1107.2.3 O tímpano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1117.2.4 A ampli�cação da intensidade pelo ouvido externo . . . . . 112

7.3 O ouvido médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1157.3.1 O efeito da razão entre as áreas do tímpano e da janela oval 1167.3.2 O efeito de alavanca entre martelo e bigorna . . . . . . . . 1197.3.3 Músculos, tendões e protecção do ouvido . . . . . . . . . . 1217.3.4 A trompa do Eustáquio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

7.4 O ouvido interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1237.4.1 Descrição geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1237.4.2 Estrutura interna da cóclea . . . . . . . . . . . . . . . . . 1247.4.3 O orgão de Corti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1267.4.4 Como se faz a identi�cação dos sons? A teoria da localização128

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10 CONTEÚDO

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Capítulo 1

Introdução: o que é o som?

O som é uma onda e para se propagar precisa de um suporte material. Nocaso mais habitual o suporte é o ar, mas também pode ser qualquer outro gás,líquido ou sólido.

À medida que a onda se propaga as partículas do meio vibram de forma aproduzir variações de pressão e densidade segundo a direcção de propagação. Es-tas alterações resultam numa série de regiões de altas e baixas pressões chamadasde condensações e rarefacções respectivamente.

A vibração do ar é o som. Essa vibração tem de ter uma fonte, uma origem. Éa fonte sonora. É a fonte sonora que força o ar a vibrar. Pode ser um altifalanteou a laringe, através da passagem do ar pelas cordas vocais.

No caso do altifalante é a membrana que vibra e força as moléculas do ar aentrar também em vibração.

No caso da voz, é a passagem do ar pelas cordas vocais, localizadas na laringe,que origina a sua vibração e a transmissão dessa vibração ao ar.

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12 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO: O QUE É O SOM?

Figura 1.1: A vibração do ar traduz-se em zonas de condensação e rarefacção daspartículas.

Figura 1.2: A vibração da membrana do altifalante força a vibração das partículasdo ar.

Depois de originado na fonte e propagado pelo meio material, o som é recebidopor um elemento receptor. Esse elemento receptor tem a capacidade de trans-formar as ondas sonoras em algum outro tipo de sinal que possamos processar.É portanto um elemento transdutor. No caso do ouvido, as vibrações do ar sãoconvertidas em vibrações mecânicas e, em última análise, em impulsos eléctricosque são processados pelo nosso cérebro.

O programa da cadeira de Acústica é precisamente estudar mais detalhada-mente o percurso emissão, transmissão e recepção de ondas sonoras, tentandocompreender qualitativa e quantitativamente os principais processos físicos en-volvidos no fenómeno do som.

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Figura 1.3: A vibração das cordas vocais transmite-se ao ar e origina o som.

Figura 1.4: Que grandes elementos transdutores!

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14 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO: O QUE É O SOM?

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Capítulo 2

Noções básicas de Matemática

2.1 Notação cientí�caPara escrever números muito grandes ou muito pequenos é mais cómodo usar anotação cientí�ca, que consiste em escrever um número na forma

x = a× 10n. (2.1)

n é o expoente de 10. Temos

100 = 1

101 = 10

102 = 100

103 = 1000 . . . (2.2)

Vemos portanto que 10n quer dizer 1 seguido de n zeros.

Para números menores que 1 usam-se os expoentes negativos:

10−1 =1

101= 0.1

10−2 =1

102= 0.01

10−3 =1

103= 0.001 . . . (2.3)

Vemos portanto que 10−n é �0.� seguido de n casas decimais, sendo a última um1 e todas as outras 0.

Exemplo 7, 5× 102 = 7, 5× 100 = 750

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16 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

2.1.1 Regras

1.10n × 10m = 10n+m (2.4)

2.10n

10m= 10n−m (2.5)

2.1.2 Pre�xos

1. Kilo=K=103; mili=m=10−3;2. Mega=M=106; micro=µ = 10−6;3. Giga=k=109; nano=n=10−9;4. Tera=T=1012; pico=p=10−12;

2.2 Álgebra Básica• �Oito vezes o meu número de laranjas é 32� quer dizer

8x = 32.

Quanto é x? Podemos dividir os dois termos da equação por 8:8x

8=

32

8⇒ x = 4.

• �O meu número de laranjas mais 3 é 7� quer dizerx + 3 = 7.

Quanto é x? Podemos adicionar −3 aos dois termos, e �cax + 3− 3 = 7− 3 ⇒ x = 4.

• �O meu número de laranjas a dividir por 2 é 2� quer dizerx

2= 2.

Quanto é x? Podemos multiplicar por 2 os dois termos, e �cax

2× 2 = 2× 2 ⇒ x = 4.

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2.3. MANIPULAÇÃO DE PARÊNTESIS 17

Em geral,a

bx + c = d ⇒

a

bx = d− c ⇒ (2.6)

x =b

a(d− c).

2.3 Manipulação de parêntesis

1. Propriedade distributiva:

a(b + c) = ab + ac. (2.7)

2. Expansão de um quadrado:

(a + b)2 = (a + b)(a + b) = (a + b)a + (a + b)b

= a2 + ba + ab + b2 = a2 + 2ab + b2. (2.8)

3. Uma factorização importante

a2 − b2 = (a + b)(a− b). (2.9)

2.4 Fracções

1. Multiplicação de fracçõesa

b× c

d=

ac

bd. (2.10)

2. Divisão de fracçõesa

bc

d

=a

b× d

c=

ad

bc. (2.11)

3. Para somar (ou subtrair) fracções há que reescrevê-las de forma a terem omesmo denominador:

a

b± c

d=

ad

bd± cb

bd=

ad± bc

bd. (2.12)

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18 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

2.5 PotênciasA notação cientí�ca é um caso particular da aplicação de potências. Como hápouco,

x0 = 1

x1 = x

x2 = x× x

x3 = x× x× x (2.13)x−1 = 1/x1

x−2 = 1/x2

x−n = 1/xn

As regras são

1. Multiplicação

xnxm = xn+m (2.14)2. Divisão

xn

xm= xn−m (2.15)

3. Exponenciação(xn)m = xnm (2.16)

4. Radicaisx1/n = n

√x. (2.17)

O que é n√

x? É um número y tal que yn = x:n√

x = y ⇒ yn = x. (2.18)A raiz mais comum é a quadrada:

2√

x = y ⇒ y2 = x. (2.19)

2.6 FunçõesO que é uma função?

É uma operação que transforma elementos de um dado conjunto A em ele-mentos de outro conjunto B, sendo que a cada elemento de A corresponde apenas

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2.6. FUNÇÕES 19

um elemento de B (mas o mesmo elemento de B pode ser a imagem de várioselementos de A).

Por exemplo, se deixarmos cair um corpo do cimo de uma torre e pudermosmedir a distância que ele vai percorrendo e o tempo em que percorre essa dis-tância, então temos os conjuntos A=tempo de queda e B=distância percorrida.Se representarmos os elementos de A por t e os elementos de B por x, então afunção que faz a correspondência entre os elementos de A e B é

x = f(t) = 4.9t2. (2.20)A ilustração deste exempo está na �gura 2.1.

Figura 2.1: A função �queda livre� transforma os tempos em distâncias

Outro exemplo: o preço a pagar por uma dada quantidade de laranjas. TemosA=quantidade de laranjas (m, em kg) e B=preço a pagar (p, em euros). Então,se o preço por kg for 2 euros, temos

p = f(m) = 2m. (2.21)Agora imaginemos que temos de pagar 50 cêntimos pelo saco que contém as laran-jas, independentemente da quantidade de laranjas a comprar. Então a funçãopreço passa a ser

p = f(m) = 2m + 0.5. (2.22)

As funções podem ser descritas por expressões analíticas simples, como as dosexemplos anteriores, mas também podem ter expressões muito mais complicadas.Podem ainda ser expressas por tabelas, sem que haja alguma fórmula que se lheadapte.

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20 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

2.7 Representação grá�caQuando queremos representar uma função

y = f(x)

recorremos a um grá�co. No eixo horizontal colocamos os valores de x e no eixovertical colocamos os valores de y. Vejamos os grá�cos das funções dos exemplosanteriores nas �guras 2.2 e 2.3:

Figura 2.2: O grá�co da função x = 4, 9t2

Figura 2.3: O grá�co da função p = 0, 5 + 2m

Vejamos ainda outro exemplo: a posição de um carro que viaja à velocidadev=60 km/h. Temos então que a distância percorrida (d, em km) é uma funçãodo tempo de viagem (t, em h). A correspondência é simplesmente

d = 60t, (2.23)

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2.8. LOGARITMOS 21

e o grá�co é também uma linha recta (�gura 2.4).

Figura 2.4: O grá�co da função d = 60t

O seguinte grá�co (�gura 2.5) refere-se também à distância percorrida por umcarro. Como interpretar este grá�co?

Figura 2.5: Que função é esta? O que aconteceu ao carro?

2.8 LogaritmosO logaritmo de um número na base a de�ne-se assim:

Se x = ay então y = loga x. (2.24)Por outras palavras, o logaritmo de x na base a é o número y a que é precisoelevar a para se ter ay = x.

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22 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

Por agora os logaritmos que nos interessam são os de base 10. Por isso, emvez de escrever log10 escrevemos simplesmente log. Temos

x = 10y ⇒ y = log x. (2.25)Por exemplo, 1000 = 103 quer dizer que log 1000 = 3.

Propriedades do logaritmos

1. Valores notáveislog 1 = 0 (2.26)

(porque 100 = 1).log 10 = 1 (2.27)

(porque 101 = 10)2. log do produto

log(ab) = log a + log b (2.28)3. log da divisão

loga

b= log a− log b (2.29)

4. log do expoentelog(an) = n log a (2.30)

O grá�co da função logaritmo (ver a �gura 2.6) mostra que o seu crescimentoé lento: y = log x varia pouco relativamente a x. Na verdade, enquanto x tomaos valores 1, 10, 100, 1000, 10000,..., y toma os valores 0,1,2,3,4,...

Ex.: calcular log(5, 6× 107)

2.9 Regras de três simples (proporcionalidade)Se 1,8 kg de laranjas custa 3 euros, quanto custa 0,6 kg? Uma forma rápida de nãonos enganarmos é fazer uma regra de três simples, exprimindo a proporcionalidadeentre a quantidade de laranjas e o seu preço

1, 8 kg → 3 euros0, 6 kg → x euros (2.31)

Temos então quex =

0, 6× 3 euros1, 8

= 1 euro. (2.32)

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2.10. ÂNGULOS 23

Figura 2.6: O grá�co da função log x (nota: log 1 = 0 e log 0 não está de�nido.A escala é muito grande e parece que o primeiro ponto é 0. Não é. O primeiroponto é x = 1.)

2.10 ÂngulosUma volta completa são 360o graus

Um jogador de futebol disse um dia que �a sua vida tinha levado umavolta de 360o�...

A partir dos 360o os ângulos voltam a repetir-se. Por exemplo:

• 400◦ = 360◦ + 40◦ ≡ 40◦

• 3601◦ = 10× 360◦ + 1◦ ≡ 1◦

2.10.1 Medida de graus em radianos

Os ângulos podem também exprimir-se em radianos. Como se indica na �gura2.7, o ângulo em radianos vale

θ =s

r, (2.33)

em que s é o comprimento do arco subtendido pelo ângulo e r é o raio da circun-ferência.

Como já sabemos que o perímetro da circunferência vale 2πr, então a voltacompleta em radianos (360o) vale

θ(360◦) =2πr

r= 2π. (2.34)

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24 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

Figura 2.7: De�nição de radiano

Para determinar qualquer outro ângulo podemos usar uma regra de 3 simples.Por exemplo, quanto é 45o em radianos?

360◦ → 2π rad

45◦ → θ rad

eθ =

45× 2π

360=

π

4. (2.35)

Outra forma de fazer as conversões é simplemente usar os factores de conversão:• de graus para radianos: multiplicar por π/180

• de radianos para graus: multiplicar por 180/pi

Quanto é um radiano em graus?

2.11 Senos e co-senosA de�nição de seno e co-seno faz-se através da �gura 2.8. É importante notarque o triângulo é recto, isto é, um dos seus ângulos internos é 90o.

As três coisas básicas que se devem saber sobre triângulos rectângulos:

1. Um dos seus ângulos intermos é 90o.

2. Teorema de Pitágoras: a2 = b2 + c2.

3. A soma dos seus três ângulos internos é 180o (válido para qualquertriângulo).

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2.11. SENOS E CO-SENOS 25

Figura 2.8: De�nições de seno e co-seno

Temos quesin θ =

cateto opostohipotenusa =

b

a(2.36)

ecos θ =

cateto adjacentehipotenusa =

c

a(2.37)

Através do teorema de Pitágoras podemos demostrar uma igualdade muitoimportante:

sin2 θ + cos2 θ = 1. (2.38)

Com efeito, temos,

sin2 θ + cos2 θ =b2

a2+

c2

a2=

b2 + c2

a2=

a2

a2= 1.

O círculo trigonométrico (�gura 2.9) também nos ajuda a compreenderestas funções. O círculo trigonométrico tem raio=1 e por isso a hipotenusa dostriângulos que vamos desenhar nesse círculo é 1. Assim temos que sin θ = b/1 = be cos θ = c/1 = c

O valor de cos θ lê-se no eixo dos xx. Em θ = 0 o segmento que de�ne θcoincide com o raio. Portanto cos θ = 1 em θ = 0. À medida que o ângulovai aumentando o segmento que de�ne θ diminui de comprimento. Em θ = 90◦

é mesmo zero. Portanto cos 90◦ = 0. Quando passamos ao segondo quadrante(90◦ < θ < 180◦) passamos a ter valores de cos θ negativos. Em θ = 180◦ ocomprimento do segmento é igual ao raio=1, mas tem valor negativo. ortantocos 180◦ = −1. Se �zermos então o grá�co da função cos θ (em que a cada valorde θ, na horizontal, se faz corresponder o seu valor de cos θ, na vertical), obtemosa �gura 2.10.

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26 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

Figura 2.9: O círculo trigonométrico

Podemos fazer a mesma representação para o seno. Desta vez obtemos a�gura 2.11

Podemos representar as duas funções no mesmo grá�co, tal como está na�gura 2.12.

2.11.1 Identidades Trigonométricas importantes

Seguem-se algumas identidades que podem ser úteis no trabalho com as funçõesseno e co-seno:

1. sin2 θ + cos2 θ = 1

2. sin 2θ = 2 sin θ cos θ

3. cos 2θ = cos2 θ − sin2 θ

4. sin2 θ2

= 12(1− cos θ)

5. cos2 θ2

= 12(1 + cos θ)

6. 1− cos θ = 2 sin2 θ2

7. sin(a± b) = sin a cos b± cos a sin b

8. cos(a± b) = cos a cos b∓ sin a sin b

9. sin a± sin b = 2 sin[12(a± b)] cos[1

2(a∓ b)]

10. cos a + cos b = 2 cos[12(a + b)] cos[1

2(a− b)]

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2.12. A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS NA ACÚSTICA27

Figura 2.10: A função co-seno

Figura 2.11: A função seno

11. cos a− cos b = 2 sin[12(a + b)] sin[1

2(b− a)]

2.12 A importância das funções trigonométricasna acústica

Muitos movimentos periódicos são descritos por uma função seno ou co-seno. Porexemplo, as oscilações numa corda podem ser sinusoidais (ver �gura 2.13)

Se num dado instante de tempo (fotogra�a) �zermos a correspondência entrex (coordenada horizontal dos pontos da corda, com origem no rapaz da direita,p. ex.) e y (altura dos pontos da corda medida a partir da posição de repouso),então obtemos o grá�co de um seno ou co-seno (�gura 2.13).

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28 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

Figura 2.12: As funções seno e co-seno

Figura 2.13: A função seno numa corda

Também podemos pensar no movimento de uma massa ligada a uma mola(�gura 2.14). Se agora �zermos a correspondência entre t (tempo decorrido) ey (altura da massa relativamente à posição de equilíbrio), então também vamosobter o grá�co do co-seno.

Finalmente, e o mais importante para nós, o som é descrito através de funçõestrigonométricas. Como já vimos, o som corresponde à propagação de zonas decompressão e rarefacção do ar. Se �zermos um grá�co em que x é a distânciada fonte (no caso da �gura um altifalante) e y a densidade das moléculas de ar,então obteremos o grá�co de um seno ou de um co-seno. Isto está ilustrado na�gura 2.15.

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2.12. A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS NA ACÚSTICA29

Figura 2.14: A função seno numa mola

Figura 2.15: A função seno no som

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30 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS DE MATEMÁTICA

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Capítulo 3

Movimento Ondulatório

3.1 O que é uma onda?Embora todos tenhamos a experiência do que é uma onda, como podemos for-malizar este conceito?

Figura 3.1: Katsushika Hokusai, The Great Wave Of Kanagawa (1823-29)

Pensemos em vários exemplos:

• Ondas no mar

• Uma onda numa corda

• Uma onda de espectadores num estádio de futebol

• Uma onda num tanque...

31

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32 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.2: Uma onda numa corda

Figura 3.3: Uma onda humana

Em todos estes casos temos um meio que sustenta a onda. Esse meio estáinicialmente em repouso, mas depois há uma perturbação de alguma das suaspropriedades que se vai propagar. Então, de uma forma geral, podemos considerarque uma onda é o movimento de uma perturbação.

Uma outra característica comum ao fenómeno das ondas é que embora aperturbação se propague, as partículas constituintes do meio não se deslocam(ou pelo menos em média não se deslocam). Isto é muito claro no exemplo daonda humana. Mas se pusermos uma rolha no tanque, vemos que a onda nãotransporta a rolha. Da mesma forma, as moléculas de água da superfície tambémnão são transportadas pela onda.

Um outro exemplo é o de um boato: imagine-se um boato tão perigosoque só é propagado de boca a boca. O boato vai de Faro ao Porto, masos seus propagadores não saíram do sítio, ou pelo menos andaram muitomenos (até à casa do vizinho).

Em resumo, uma onda é a propagação de uma perturbação, mas não do meioque a sustenta.

Uma boa de�nição encontra-se na wikipedia [www.wikipedia.com]:A wave is a disturbance that propagates, carrying energy. A mechanical wave

exists in a medium (which on deformation is capable of producing elastic restor-ing forces) through which they travel and can transfer energy from one place to

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3.1. O QUE É UMA ONDA? 33

Figura 3.4: A superfície da água num tanque, depois de lá cair uma pedra

Figura 3.5: Num boato a informação prpopaga-se mas os �boateiros� não!

another without any of the particles of the medium being displaced permanently;there is no associated mass transport. Instead, any particular point oscillatesaround a �xed position. However, electromagnetic radiation, and probably grav-itational radiation are not mechanical waves, and can travel through a vacuum,without a medium.

Vejamos esta de�nição mais em detalhe:

1. A wave is a disturbance that propagates, carrying energyUma onda é uma perturbação que se propaga, transportando energia. Isto éo que já vimos. Aparece no entanto o conceito novo de energia. Realmente,é preciso energia para perturbar um dado meio. Por exemplo, quando umapedra cai num lago, a energia cinética da pedra é transferida em parte

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34 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

para as moléculas da água que sofreram o impacto. Essa energia é depoistransferida para as moléculas vizinhas, o que as faz oscilar. A propagaçãoda oscilação é pois propagação de energia.

2. A mechanical wave exists in a medium (which on deformation is capable ofproducing elastic restoring forces) through which they travel...Também já vimos isto. Uma onda mecânica necessita de um meio para sepropagar. O parêntesis do texto em inglês acrescenta outro conceito novo,o de força restauradora. Pensemos de novo em ondas num lago. Imag-inemos uma molécula de água que está a oscilar e que num dado instanteestá na posição mais baixa da oscilação. Se não houvesse uma força a �puxá-la� para cima, ela continuaria a mover-se para baixo inde�nidamente. Naverdade, quando o meio (a água) se deforma (através das cristas e vales dasondas) gera-se uma força restauradora proporcional à deformação e que acontraria. Assim, quanto mais para baixo vai uma molécula, maior é a forçaque a puxa para cima, até que num dado ponto o deslocamento para baixopára por acção da força restauradora. O mesmo é válido para o movimentopara cima que se inicia a seguir (neste caso a força restauradora apontapara baixo). A origem das forças restauradoras está nas interacções inter-moleculares do meio que tendem a manter as suas moléculas coesas. Nocaso da água essas interacções são sobretudo feitas através das pontes dehidrogénio.

3. ...and can transfer energy from one place to another without any of theparticles of the medium being displaced permanently; there is no associatedmass transport.Esta é a outra característica que também já vimos, a onda desloca-se masas partículas do meio não. Portanto a energia propaga-se e há transportede energia, mas as partículas não se propagam, o que quer dizer que nãohá transporte de massa.

4. Instead, any particular point oscillates around a �xed position.O movimento das partículas é simplesmente oscilatório em torno de umdado ponto. Pode ser para cima e para baixo, ou para a frente e para trás,ou uma mistura das duas, mas em média a posição da partícula é �xa.

5. However, electromagnetic radiation, and probably gravitational radiation arenot mechanical waves, and can travel through a vacuum, without a medium.É importante notar que as ondas mecânicas necessitam de um meio parase propagar, mas que nem todas as ondas são mecânicas. O som é umaonda mecânica, e todos os exemplos de que falámos pertencem à classedas ondas mecânicas. No entanto a radiação electromagnética (a luz, oinfravermelho, o UV, os raios X, as microondas, as ondas de rádio...) não

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3.2. ONDAS PERIÓDICAS E NÃO PERIÓDICAS 35

são ondas mecânicas e propagam-se no vácuo. Se assim não fosse a luznão nos chegaria do Sol! Outro tipo de ondas não mecânicas são as on-das gravitacionais, previstas por Einstein a partir da teoria da relatividadegeral.

Para �nalizar, aqui está a de�nição de onda do Dicionário de Língua Por-tuguesa da Porto Editora:

onda (fís.) perturbação, contínua ou transitória, que se propaga com trans-porte de energia através de um meio, quer em virtude das propriedades elásticase de inércia do meio, quer em virtude das propriedades eléctricas ou magnéticasdo espaço; uma grandeza variável no tempo, que também é função da posição.A característica de uma onda é transferir energia de uma região para outra semdeslocamento de�nitivo das partículas do meio. As partículas oscilam apenas emtorno da sua posição de equilíbrio. O progresso de uma onda é descrito pela pas-sagem da forma de onda através do meio com uma certa velocidade, a velocidadede fase da onda. A energia é transferida à velocidade de grupo das ondas queformam a forma de onda.

3.2 Ondas periódicas e não periódicasUma onda pode ou não ser periódica, isto é, pode ou não exibir um padrãorepetitivo no tempo. Do ponto de vista do movimento das partículas constituintesdo meio há sempre uma oscilação em torno de uma posição média. Essa oscilaçãopode ser periódica, ou seja, repetir-se exactamente da mesma forma passado umdado intervalo de tempo, e depois repetir-se, e depois...; ou então pode dar-se uma oscilação (sempre em torno de uma posição mádia �xa), mas de formaimprevisível. Por exemplo, se uma pedra cair num lago, produz-se um padrão deondas periódicas. Mas imaginemos agora que a origem da perturbação da água éo despejar irregular de um saco de areia. Neste caso a energia é transferida para aágua de uma forma também irregular. A oscilação das moléculas de água tambémvai ser irregular, umas vezes mais intensa, outras vezes menos, e o padrão dasondas também será irregular. Não se vislumbrará nenhum padrão repetitivo. Aoscilação das moléculas de água conduz neste caso a uma onda não periódica.

Consideremos a �gura 3.6. Podemos pensar que se trata de uma perturbaçãodo nível médio da altura da água num dado instante. Podemos ainda pensar quese trata de um conjunto de cristas e fossos originada pelo despejar do tal sacode areia no lago. Estamos apenas a ver algumas das cristas e fossos. Outrasaparecerão, mas com aspecto diferente e de forma irregular no tempo. No eixodas ordenadas temos a variação ada altura relativamente à altura média. Éimportante ter em conta os seguintes factos:• trata-se de uma �fotogra�a� � o grá�co mostra os valores tirados num dadoinstante t;

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36 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

• as �bossas� e os �fossos� vão mover-se nos instantes posteriores.

A onda da �gura 3.6 é não periódica, pois não se detecta nenhum padrão regular.

Figura 3.6: Uma onda não periódica

A onda da �gura 3.7 é periódica. A escala das abcissas marca as distância aolongo da qual se �zeram as medições da altura de uma onda de água relativamenteao nível de repouso. Esse nível está marcado na escala das ordenadas. O nível 0é o nível de repouso.

Uma onda para ser periódica não precisa de ser um seno. Podemos observarisso no exemplo da �gura 3.8:

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3.3. COMPRIMENTO DE ONDA 37

Figura 3.7: Uma onda periódica - grá�co para t=constante (fotogra�a)

3.3 Comprimento de ondaClaro que todas as medições são feitas no mesmo instante de tempo. O grá�coda �gura 3.7 é como se fosse uma fotogra�a da onda. Nesse instante de tempoveri�camos que os máximos são atingidos em x=0, 120 e 240 m. O padrão repete-se portanto a cada 120 metros. Dizemos então que o comprimento de onda é120 m:

λ = 120 m. (3.1)O comprimento de onda é a distância entre pontos que estão na mesma fase dociclo da onda; por exemplo, entre dois máximos ou entre dois mínimos?

E como medir o período através dos zeros? É a distância entre dois zerosconsecutivos? Ou entre o primeiro e o terceiro zero?

3.4 Período e FrequênciaOs outros dois conceitos básicos importantes são os de Período e Frequência.Para compreendê-los vamos ver a �gura 3.9.

Desta vez o grá�co tem em abcissas valores de tempo. Isto quer dizer que osvalores de y são as alturas medidas relativamente ao nível de equilíbrio da águano mesmo ponto x. Então, enquanto o grá�co 3.7 é feito com t=constante,ou seja, uma fotogra�a, este é feito com x=constante, ou seja, é feito no mesmoponto do espaço.

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38 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.8: Uma onda periódica que não é um seno- grá�co para t=constante(fotogra�a)

Tal como no grá�co anterior, vemos que o padrão é repetitivo, desta vez notempo (vimos antes que também é repetitivo no espaço). O ponto de observação�vê� passar uma onda nos instantes t=0, 37 e 74 s, o que quer dizer que o períododesta onda é 37 s:

T = 37 s. (3.2)Então com que frequência é que passa um pico da onda neste ponto? Se passa umpico a cada 37 s, então podemos dizer que em cada segundo passam 1/37=0.027picos, ou seja, 0.027 picos por segundo. Calculámos a frequência como sendo oinverso do período. Podemos ainda escrever 0.027 picos/s. Na verdade não vale apena estar a dizer �picos�, dizemos simplesmente que a frequência desta ondaé de 0.027/s=0.027 s−1:

f =1

T= 0.027 s−1 = 0.027 Hz. (3.3)

Na última igualdade usou-se a unidade de frequência, que é o Hertz (Hz).Uma onda com 1 Hertz de frequência repete-se no período de 1 segundo.

3.5 Velocidade de propagaçãoConsideremos de novo uma onda, que pode ser ou não periódica. Inicialmente,para ser mais fácil de visualizar, consideremos apenas uma �bossa� ou pulso de

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3.5. VELOCIDADE DE PROPAGAÇÃO 39

Figura 3.9: Uma onda periódica - grá�co para x=constante (o memso ponto)

uma dada onda. O grá�co da �gura 3.10 é uma �fotogra�a�: num dado instantet = t1 medem-se as alturas da água ao longo de vários pontos de um canal com300 metros.

E se agora tirarmos outra fotogra�a num instante posterior t = t2 > t1?Essa fotogra�a está sobreposta à inicial no grá�co da �gura 3.10. Na segundafotogra�a pode ver-se que o pico desloca-se para a esquerda ou para a direita.

A velocidade com que a onda se desloca é portanto dada por

vonda =espaço percorrido pelo picotempo gasto neste percurso = (3.4)

posição do pico em t2 − posição do pico em t1t2 − t1

No caso ilustrado na �gura temos portanto

vonda =x2 − x1

t2 − t1=

200− 100

5− 1= 25 ms−1 (3.5)

Esta é a velocidade de propagação da onda.Podemos fazer o mesmo raciocínio a partir de um grá�co com uma onda

sinusoidal. Basta identi�carmos um máximo particular e segui-lo, como �zemoscom o pulso da onda anterior. A velocidade de propagação da onda de�ne-seexactamente da mesma forma.

Valores típicos

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40 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.10: A onda move-se com uma dada velocidade. No grá�co estão sobre-postas as fotogra�as para t = 1 s e t = 5 s

No Sistema Internacional (SI) de unidades a veloidade exprime-se em m/sou ms−1, pois

v =distância [m]

tempo[s]≡ [m/s]. (3.6)

Sendo assim,

• velocidade do som no ar a 20o C: 344 m/s;

• velocidade do som nos sólidos > 344 m/s;

• velocidade da luz no vácuo: 3× 108 m/s;

• carro a 72 km/h: 20 m/s.

3.6 Tipos de ondasAs ondas dividem-se em duas classes fundamentais:

• ondas transversais;

• ondas longitudinais.

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3.6. TIPOS DE ONDAS 41

Já vimos que a propagação de uma onda corresponde à propagação de umaperturbação no meio. As partículas do meio movem-se portanto de alguma formadevido à passagem da onda. É o tipo de movimento das partículas que distigueo tipo da onda.

• Se as partículas se movem perpendicularmente à direcção de propagação daonda, então temos uma onda transversal.

Figura 3.11: Uma onda transversa: as partículas movem-se perpendicularmenteà direcção de propagação da onda

Um exemplo de onda transversa através de uma corda:

Figura 3.12: Uma onda transversa numa corda.

• Se as partículas se movem paralelamente à direcção de propagação da onda,então temos uma onda logitudinalal.

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42 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

3.6.1 Exemplos de ondas transversas

• Como já vimos, as ondas provocadas numa corda são um bom exemplode ondas transversas. A direcção de propagação é a direcção da corda,mas os segmentos de corda que propagam a onda sofrem um movimentoperpendicular à corda. As �gura 3.12 ilustra bem este ponto.

• O movimento dos espectadores numa �ola� também é um exemplo de ondatransversa. A onda propaga-se ao nível das cadeiras, mas os espectadoreslevantam-se das cadeiras, o que é portanto um movimento perpendicular àdirecção da �ola�.

• As ondas sísmicas do tipo S são transversas: a terra move-se perpendicu-larmente à direção de propagação da onda sísmica (ver a �gura 3.13).

Figura 3.13: Numa onda sísmica do tipo S a terra move-se perpendicularmenteà direcção de propagação da onda

3.6.2 Exemplos de ondas longitudinais

• Como já vimos, um exemplo claro de onda longitudinal é o da oscilaçãode uma mola. Uma mola oscila através de zonas alternadas de compressãoe descompressão. Estes movimentos de compressão e descompressão sãofeitos na mesma direcção em que a mola propaga a oscilação. A �gura 3.14ilustra claramente este ponto.

• As ondas sísmicas do tipo P são longitudinais: a terra move-se na direcçãode propagação do sismo (�gura 3.15).

3.6.3 E o som?

O som é uma onda longitudinal. Como vimos, as ondas de som são uma sériede regiões de altas e baixas pressões (altas e baixas densidades) e o movimentodas partículas, oscilando entre essas zonas, é feito na direcção de propagação daonda (�gura 3.16).

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3.7. ONDAS PROGRESSIVAS 43

Figura 3.14: Uma onda longitudinal: as partículas movem-se na direcção depropagação da onda

Figura 3.15: Numa onda sísmica do tipo P a terra move-se na direcção de propa-gação da onda

3.7 Ondas ProgressivasAté agora vimos grá�cos de ondas de dois tipos:• �fotogra�as�, o que quer dizer que se faz o grá�co da onda y = y(x) (em que

y é a alteração ao n�vel de referência, por exemplo, o nível da água numtanque) em t =constante;

• �no mesmo ponto�, o que quer dizer que se faz o grá�co da onda y = y(t)no memso ponto x =constante;

Como já foi referido, as ondas propagam-se, e por isso podemos pensar naevolução da onda ao longo do tempo através da sucessão de grá�cos-fotogra�aem instantes sucessivos.

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44 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.16: O som é uma onda longitudinal

Podemos então pensar que talvez haja uma função que dê o valor da ondapara quaisquer valores de x e t. Essa função seria da forma

y = f(x, t). (3.7)Substituindo os valores de x e t pretendidos na função obteríamos o valor da onda(nível da água, por exemplo) para essa posição e tempo escolhidos.

Um resultado muito importante é o seguinte: se a onda viaja para a direita(esquerda) com velocidade (-)v e a sua forma não se altera, então a dependênciade y em x e t só pode ser da forma

y = f(x, t) = f(x∓ vt). (3.8)Isto quer dizer que a função f não pode envolver x ou t separados, mas apenasatravés da combinação x∓ vt. Por exemplo,

y = f(x, t) =1

x2t2 + 2(3.9)

NÃO pode ser uma onda progressiva, mas

y = f(x, t) =1

(x− vt)2 + 2(3.10)

pode.Vamos tentar compreender porque é que a onda progressiva tem esta forma.Suponhamos que y = f(x− vt) é uma onda progressiva que tem um máximo

em y = f(5), ou seja, tem um máximo sempre que u ≡ x − vt = 5. A função festá ilustrada na �gura 3.17.

Suponhamos ainda que se propaga com uma velocidade v = 1 m/s. Então,

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3.7. ONDAS PROGRESSIVAS 45

Figura 3.17: A função f(u = x− vt) tem um máximo em u = 5 m.

• Em t = 0 s f é máxima em x− 1 · 0 = 5 ⇒ x = 5 m;• Em t = 1 s f é máxima em x− 1 · 1 = 5 ⇒ x = 6 m;• Em t = 2 s f é máxima em x− 1 · 2 = 5 ⇒ x = 7 m;• Em t = 3 s f é máxima em x− 1 · 3 = 5 ⇒ x = 8 m;• ...

Isto quer dizer que se tirarmos fotogra�as da onda nos instantes t =0, 1, 2,3, 4,... (s) vemos que o seu máximo está inicialmente em x = 5 m, depois passapassa a posição x = 6 m, depois para a posição x = 7 m, depois...

Com efeito,

• A fotogra�a em t = 0 s mostra o máximo em x = 5 m;• a fotogra�a em t = 1 s mostra o máximo em x = 6 m;• a fotogra�a em t = 2 s mostra o máximo em x = 7 m;• a fotogra�a em t = 3 s mostra o máximo em x = 8 m;• ...

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46 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.18: A onda f(x− t) desloca-se para a direita vom velocidade de 1 m/s.

A evolução da onda está ilustrada na �gura 3.18:Em qualquer instante t o máximo é dada por x− vt = 5 ⇒ x = 5 + vt

posição do máximo = 5 + vt = 5 + t. (3.11)Portanto, à medida que t aumenta (que é como quem diz, à medida que o tempopassa) a posição x do máximo vai também aumentando. Isto quer dizer que aposição do máximo se vai deslocando para a direita, ao longo do eixo dos xx.Exemplos• f(x− 5t) é uma onda progressiva que se desloca para a direita, com veloci-dade de 5 m/s.

• f(x + 9t) é uma onda progressiva que se desloca para a esquerda, comvelocidade de 9 m/s.

3.8 Sobreposição e Interferência de ondasA maior parte dos fenómenos ondulatórios que encontramos na natureza nãopode ser descrito apenas em termos de uma onda sinusoidal (com a forma deum seno ou co-seno) ou de um pulso (como o da �gura 3.6). Na verdade, amaior parte dos fenómenos ondulatórios só se pode compreender em termos deuma combinação de uma série de ondas progressivas. Isto quer dizer que um

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3.8. SOBREPOSIÇÃO E INTERFERÊNCIA DE ONDAS 47

movimento ondulatório complicado é a soma de muitos movimentos ondulatóriosmais simples. É isto o fundamento do princípio de sobreposição:

Se duas ou mais ondas progressivas se propagam através de um dado meio, afunção de onda resultante em cada ponto é a soma algébrica das funções de ondadas ondas individuais.

Nem todas as ondas obedecem ao princípio da sobreposição. As que obe-decem chamam-se ondas lineares e as que não obedecem chamam-se ondasnão-lineares.

Uma as consequências do princípio de sobreposição é que duas ondas progres-sivas podem passar uma pela outra sem se alterar. Imaginemos uma onda quevem da esquerda e outra que vem da direita. Para simpli�car a visualização,imaginemos que são duas bossas que se deslocam. Enquanto as duas bossas es-tão muito distantes vemo-las claramente diferenciadas, aproximando-se uma daoutra. Quando as bossas se encontram as suas amplitudes somam-se e se am-bas forem positivas a bossa resultante tem uma altura igual à soma das alturasindividuais. Depois as bossas separam-se de novo, cada uma viajando na suadirecção e de novo as vemos claramente diferenciadas.

O efeito da sobreposição de ondas pode ver-se claramente numa tina de ondas.Numa tina de ondas duas esferas batem periodicamente na água, produzindoondas que podemos observar. No caso da �gura 3.19 vemos claramente a so-breposição das ondas produzidas por cada esfera.

Figura 3.19: Sobreposição numa tina de ondas.

Vemos ainda o padrão que se produz entre as esferas por causa da sobreposição.É o padrão de interferência. Podemos também observar a sobreposição das on-das produzidas pela queda de gotas num tanque, como se vê na �gura 3.20 :

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48 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.20: A sobreposição das ondas provocadas pela queda de gotas numtanque.

Vejamos agora em mais detalhe a evolução de duas ondas progressivas, desdeque se dirigem uma para a outra até que se voltam a afastar. O processo estádescrito nas �guras 3.21 e 3.22.

Estas duas últimas �guras permitem-nos compreender as noções de interfer-ência construtiva e de interferência destrutiva.• No caso da �gura 3.21 as amplitudes das duas ondas somam-se e a resul-tante é maior que cada amplitude individual. Trata-se de interferênciaconstrutiva.

Figura 3.21: A sobreposição de duas ondas progressivas numa corda, com inter-ferência construtiva.

• No caso da �gura 3.22 as amplitudes das duas ondas subtraem-se (a somaalgébrica de uma amplitude positiva e uma amplitude negativa) e a resul-tante é menor que cada amplitude individual. Trata-se de interferênciadestrutiva.

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3.9. REFLEXÃO E TRANSMISSÃO DE ONDAS 49

Figura 3.22: A sobreposição de duas ondas progressivas numa corda, com inter-ferência destrutiva.

3.9 Re�exão e Transmissão de ondas

3.9.1 Descrição geral

O que é que acontece quando uma onada (onda incidente) que se propaga nummeio (por exemplo, água) chega a outro meio (por exemplo, ar)? De uma formageral dão-se dois processos, ilustrados na �gura 3.23:

• Re�exão: parte da energia da onda é reenviada para o meio de origem (nocaso do exemplo, a água) na forma de uma onda re�ectida.

• Transmissão: a parte restante da energia atravessa para o outro meio (nocaso do exemplo, o ar) na forma de uma onda transmitida.

Tanto a onda re�ectida como transmitida têm menor amplitude do que a ondaincidente. Em ambos os casos pode ou não dar-se uma inversão da onda.

Para entender melhor o que isto quer dizer comecemos por observar a �gura3.24.

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50 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.23: Ondas incidente, re�ectida e transmitida.

Nesta �gura uma onda propaga-se numa corda à qual está �xa. Quandoa onda se aproxima do ponto de �xação dá-se a re�exão: a onda volta paratrás. Podemos ver na �gura que, além de voltar para trás, a onda também éinvertida: a bossa transforma-se numa depressão após a re�exão.

Este fenómeno dá-se com uma onda numa corda, mas também se dá de umaforma geral com outras ondas. No caso da corda precisamos de aprender uma leibásica da física para compreender o seu comportamento: é a lei da acção-reacção,ou 3a lei de Newton.

Lei da acção-reacção: se um corpo 1 exerce uma força num outrocorpo 2, este reage exercendo uma força igual e de sentido oposto nocorpo 1.

É por isso que nos dói dar um murro na parede: porque ela exerceuma força igual e de sentido contrário na nossa mão!

Assim, vemos que quando a onda chega à parede a corda exerce uma forçapara cima (a corda tenta ccontinuar o seu movimento, o que implicaria puxarpara cima as partículas da parede). Então, pela lei da acção-reacção, a paredeexerce uma força igual e para baixo na corda. Assim as partículas da corda sãopuxadas para baixo e a onda re�ectida passa a propaga-se como uma depressãoe não como uma bossa.

Mas nem sempre a onda é re�ectida om inversão. Para ilustrar este pontovejamos agora a �gura 3.25.

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3.9. REFLEXÃO E TRANSMISSÃO DE ONDAS 51

Figura 3.24: Re�exão com inversão.

Nesta �gura a orda está �xa a um poste através de uma argola muito leve, oque quer dizer que a extremidade da corda se pode mover. Assim, quando a ondachega ao poste a argola move-se para cima. A certa altura a argola já não podesubir mais porque a corda começa a �car tensa. Então a argola omeça a descer,originando uma onda re�etida que não é invertida.

No caso da re�exão só há um meio e uma fronteira (corda e parede ou poste).Mas, omo indicado na �gura 3.23, o caso geral inclui dois meios de propagação.Podemos também ilustrar este ponto com cordas, imaginando que uma ligaçãoentre duas ordas de propriedades físicas diferentes (diâmetros diferentes, por ex-emplo).

O primeiro caso possível está ilustrado na �gura 3.26.Uma onda numa corda leve incide na junção com uma corda pesada. Vai

resultar uma onda re�ectida e uma onda transmitida.

• A onda transmitida propaga-se na corda mais pesada no sentido inicial.Como a corda mais pesada vai apresenta maior inércia, é de esperar que aonda transmitida tenha muito menor amplitude do que a incidente. Alémdisso a onda transmitida não é invertida relativamente à onda incidente.

• A onda re�ectida propaga-se de novo na corda mais leve. Como a amplitudedo movimento da junção é muito pequena comparativamente à amplitudeda onda, dá-se um processo muito pareceido com o da �gura 3.24 e a ondare�ectida é invertida. Também se espera que a amplitude da onda re�etidaseja maior do que a da transmitida.

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52 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.25: Re�exão com inversão.

Figura 3.26: Re�exão com inversão.

E o que acontece se os papéis das cordas forem invertidos? É o que estáilustrado na �gura 3.27.

• A onda transmitida é semelhante à anterior, excepto que agora a sua am-plitude é pouco menor do que a da onda incidente.

• Quanto ao mecanismo de re�exão, ele é agora semelhante ao da �gura 3.25:como a corda leve não oferee grande resistênia, a junção move-se quaselivremente e a onda re�ectida não é invertida.

Os casos aqui apresentados, todos com cordas, têm correspondênia para todasas ondas em geral. No entanto, em cada caso particular, �corda leve� ou �cordapesada� têm de ser traduzidos pela grandeza física pertinente.

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3.9. REFLEXÃO E TRANSMISSÃO DE ONDAS 53

Figura 3.27: Re�exão com inversão.

3.9.2 Quanti�cação da re�exão e transmissão

Consideremos de novo a �gura 3.23. Consideremos que as ondas incidente, re�ec-tida e transmitida têm respectivamente amplitudes Ai, Ar e At. De�nimos entãoos coe�cientes de re�exão e transmissão por

R =Ar

Ai

(3.12)

T =At

Ai

. (3.13)

Estes coe�cientes dão a relação entre as amplitudes das 3 ondas. Vamos ver issoa seguir, mas a energia das ondas não é igual à sua amplitude. Podemos pensarqual é a fracção da energia incidente que é re�ectida e qual é a fracção que étransmitida. Pode mostrar-se que os coe�cientes de re�exão e transmissãoda intensidade do som são dados por

RI = R2 (3.14)TI =

z1

z2

T 2, (3.15)

em que z1 e z2 são as impedâncias acústicas características dos meios 1 e 2.É o conceito de impedância acústica que está relacionado com a analogia anteriorde �corda mais pesada� e �corda mais leve�. A impedância acústica característicade um meio de densidade ρ (kg/m3) onde a velocidade do som é c (m/s) é

z = ρ× c. (3.16)A uidade de impedância acústica é o Rayle (=1 kg/(m2s)).

Consideremos então a �gura 3.28, onde se ilustra o caso mais geral da incidên-cia de uma onda sonora na interface de dois meios.

A incidência não é feita segundo a perpendicular à superfície. É feita segundoum dado ângulo αi com a perpendicular à interface, a que chamamos de normal

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54 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

Figura 3.28: Re�exão e refracção na interface de dois meios.

à interface. A chamada lei da re�exão diz-nos que a onda re�ectida faz omesmo ângulo com a normal. Portanto

αr = αi. (3.17)Quanto à onda transmitida, o ângulo vai ser diferente, e depende das caracterís-ticas dos dois meios. Quando se dá a mudança de direcção de uma onda sonora(ou de luz) dizemos que se dá a refracção. A lei de Snell relaciona alphai comαt:

sin αi

c1

=sin αt

c2

, (3.18)em que c1 e c2 são as velocidades do som nos meios 1 e 2 respectivemente.

O cálculo de R dá

R =z2/z1 − cos αt/ cos αi

z2/z1 + cos αt/ cos αi

=z2/z1 −

√1− (c2/c1)2 sin2 αi

z2/z1 +√

1− (c2/c1)2 sin2 αi

, (3.19)

onde a igualdade se deve à aplicação de lai de Snell. Se a incidência for normal(αi = αr = αt = 0), então a expressão acima simpli�ca-se para

R =z2 − z1

z2 + z1

. (3.20)

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3.9. REFLEXÃO E TRANSMISSÃO DE ONDAS 55

Material Impedância z (Rayles) RAr 415 -1água 1 480 000 0.04

água do mar 1 540 000 0carne de peixe 1 600 000 0.02osso de peixe 2 500 000 0.24borracha 1 810 000 0.08granito 16 000 000 0.82quartzo 15 300 000 0.81argila 7 700 000 0.67arenito 7 700 000 0.67concreto 8 000 000 0.68aço 47 000 000 0.94latão 40 000 000 0.92

alumínio 17 000 000 0.83Tabela 3.1: Impedâncias acústicas características de várias substâncias e coe�-ciente de re�exão para meio 2 = água do mar

Quanto a T , obtém-se simplesmente a partir de

T = 1 + R. (3.21)

Os coe�cientes de intensidade são, para incidência normal,

RI =(

z2 − z1

z2 + z1

)2

(3.22)

e

TI =4z2z1

(z1 + z2)2, (3.23)

e obecem aRI + TI = 1. (3.24)

A tabela 3.1 mostra impedâncias acústicas características de várias substân-cias e coe�ciente de re�exão para meio 2 = água do mar.

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56 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

3.10 Ondas SinusoidaisAgora vamos considerar um pouco mais em detalhe o caso em que as ondas têma forma de um seno ou co-seno. hamam-se de ondas sinusoidais.

Consideremos, para começar, uma onda que em t = 0 é descrita exactamentepor uma função seno. Além disso, assumamos que o seu comprimento de onda éλ. Como havemos de escrever a função de onda y = f(x)? Sabemos que o senotem período 2π. Portanto, se x = λ o argumento do seno deve ser 2π. E qual éo argumento do seno para x arbitrário?

abcissa = λ → argumento do seno = 2π

abcissa = x → argumento do seno = θ,

o que quer dizer θ = 2πx/λ. Portanto, a função de onda é

y = A sin(

λx

), (3.25)

em que A representa a amplitude da onda.Já sabemos que para uma onda progressiva a dependência em x e t é sempre

da forma x± vt. Então a forma de uma onda sinusoidal progressiva é

y = A sin[2π

λ(x± vt)

]. (3.26)

Uma onda desloca-se um comprimento de onda num período.Para perceber isso pensemos em dois grá�cos �fotogra�a�.

No primeiro grá�co um dos máximos do seno está no ponto x1. Osegundo grá�co �fotogra�a� foi tirado quando o o máximo seguinte já estáa passar em x1. Passou portanto um período, T . Onde está entretantoo primeiro máximo? Já está no ponto x2, como se pode ver na segundafotogra�a. Então, pela própria de�nição de comprimento de onda, x2 −x1 = λ. Mas a distânccia entre x1 e x2 foi percorrida no tempo T .Portanto λ = vT , em que v é a velocidade da onda.

Então temosλ = vT ⇒ v =

λ

T. (3.27)

Substituindo este valor de v em (3.26) �camos com

y = A sin[2π(

x

λ± t

T)]. (3.28)

Esta expressão mostra as periodicccidades em x e em t.

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3.10. ONDAS SINUSOIDAIS 57

Figura 3.29: Re�exão com inversão.

• Se tomarmos uma fotogra�a, então t = const e y tem o mesmo valor nasposições x, x + λ, x + 2λ...

É fácil de ver:

y(x + λ) = A sin

[2π(

x + λ

λ± t

T)

]= A sin

[2π(

x

λ+ 1± t

T)]

=

A sin[2π(

x

λ± t

T) + 2π

]= A sin

[2π(

x

λ± t

T)]

= y(x),

onde se usou o facto de que sin(x + 2π) = sin x. Para y(x + 2λ) =y(x + λ) pelo mesmo racioínio e assim sucessivamente.

Portanto a onda tem periodiidade λ segundo x.• Se tomarmos a história, então x = const e y tem o mesmo valor nas posições

t, t + T , t + 2T ...Vê-se da mesma forma.

Portanto a onda tem periodicidade T segundo t.

3.10.1 Número de onda e frequência angular

De�nem-se ainda duas outras quantidades: o número de onda é

k =2π

λ(3.29)

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58 CAPÍTULO 3. MOVIMENTO ONDULATÓRIO

e a frequência angular éω =

T= 2πf, (3.30)

onde se usou o facto de que f = 1/T .Com estas de�nições a equação de onda ainda se pode escrever

y = A sin(kx± ωt). (3.31)Note-se ainda que a velocidade se pode expressar através destas formas equiva-lentes:

v =λ

T= λf =

ω

k. (3.32)

3.10.2 Fase

Nem todas as ondas se podem escrever na forma sin(kx ± ωt) ou cos(kx ± ωt).Com efeito, estas funções só descrevem ondas que em x = 0 e t = 0 tenhamvalores iguais a 0 (caso do sin) ou 1 (caso do cos). E se a onda valer 0.5 emx = t = 0? Nesse caso a solução é escrever a onda na forma mais geral, incluindouma fase constante:

y = A sin(kx± ωt + φ). (3.33)Então a determinação de φ faz-se da seguinte forma: sabemos que em x = t = 0 afunção de onda toma um dado valor, y = y0. Então temos y0 = A sin φ e portanto

sin φ =y0

A. (3.34)

Esta equação pode ser resolvida usando a função arcsin, que é a função inversado seno e nos diz qual é o ângulo a que corresponde a determinado valor do seno.

Por exemplo,sin 30o = 0.5

quer dizer quearcsin 0.5 = 30o.

φ é então determinado por

φ = arcsin(

y0

A

). (3.35)

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Capítulo 4

O som

4.1 IntroduçãoDepois de termos visto propriedades gerais das ondas vamos passar a estudaras ondas de som. Lembremo-nos de que o som é uma onda de densidade daspartículas do meio através do qual o som se propaga.

Figura 4.1: O som é uma onda de densidade das partículas que constituem omeio através do qual o som se propaga.

Na �gura acima vemos um pistão que oscila, empurrando as moléculas do are provocando ondas de densidade das moléculas do ar.

4.2 Ondas audíveis, infrasónicas e ultrasónicasAs ondas sonoras dividem-se em três categorias:• As ondas audíveis são aquelas que conseguimos ouvir. A sua frequência

59

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60 CAPÍTULO 4. O SOM

está compreendida aproximadamente entre as frequências de 20 Hz e 20kHz.

• As ondas infrasónicas têm frequências abaixo de 20 Hz. As ondas dostremores de terra são um exemplo de ondas infrasónicas.

• As ondas ultrasónicas têm frequências acima de 20 kHz. Os morcegosconseguem ouvir frequências até 120 kHz, e portanto ouvem ondas ultra-sónicas, que nós não conseguimos ouvir.

A �gura seguinte ilustra este ponto

Figura 4.2: Ondas audíveis, infrasónicas e ultrasónicas.

4.3 Velocidade das ondas sonorasO mecanismo de propagação do som é o mesmo em todos os meios. A �gura 4.1pode aplicar-se a qualquer meio, só que em vez de um pistão podemos pensarnum martelo a bater num sólido, por exemplo. Claro que num sólido os áto-mos/moléculas não têm a mesma liberdade de movimentos que num gás. Noentanto é ainda é verdade que podem oscilar em torno da sua posição de equi-líbrio.

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4.3. VELOCIDADE DAS ONDAS SONORAS 61

A velocidade de propagação do som depende, no entanto, das propriedadesfísicas do meio material através do qual se propaga o som. Pode mostrar-se quea velocidade do som é dada por

v =

√k

ρ, (4.1)

em que k é uma constante característica de cada material, que descreve as suaspropriedades elásticas, e ρ é a densidade,

ρ =massavolume , (4.2)

que tem unidades de kg m−3 ou kg/m3.No caso dos gases e dos líquidos, k é o módulo volumétrico de elastici-

dade, que se costuma representar por B (do inglês bulk modulus)

k → B = −∆pV

∆V= ∆p

ρ

∆ρ, (4.3)

(tem unidades de pressão: Pascal (Pa), ou seja, N/m2 ou ainda kg m−1 s−2).Nesta expressão ∆p é a pressão aplicada ao gás, V é o seu volume inicial e ∆Vé a variação de volume do gás originada pela aplicação dessa pressão. É fácil dever que −V/∆V = ρ/∆ρ, o que explica a segunda igualdade.

O módulo volumétrico de elasticidade dá pois uma medida das propriedadeselásticas das substâncias, sendo tanto maior quanto menos a substância variar oseu volume em resposta à pressão aplicada. Na verdade, e apedo nome, B mededirectamente a resistência das substâncias à compressão. B é portanto tantomaior quanto maior for a resistência de uma substância à compressão.

A �gura 4.3 ilustra a de�nição de módulo volumétrico de elasticidade.Resta ainda explicar para quem não sabe/não se lembra que a pressão exercida

por uma força F numa dada área A vale

P =F

A[Pa]. (4.4)

A unidade do SI para a pressão é o Pascal (Pa). 1 Pa é a pressão exercida poruma força de 1 N numa área de 1 m2.

Por exemplo, uma pessoa com 100 kg em cima de uma balança de casade banho, com uma área de 0,1 m2 exerce uma pressão de P = F/A =100kg × 9.8ms−1/(0.1m2) = 9800 Pa.

Vejamos um exemplo simples para perceber o conceito de módulo volumétricode elasticidade:

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62 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.3: O módulo volumétrico de elasticidade.

• Se taparmos uma seringa na ponta e pressionarmos o êmbolo conseguimoscontrair o ar. Como a mesma massa de ar passa a ocupar menos volume,então a densidade do ar aumenta e ∆ρ é grande.

• Por outro lado, se repetirmos a experiência com água (e a mesma pressão)não conseguimos variar o volume e a densidade não varia (só varia compressões muito maiores) e ∆ρ é zero ou, pelo menos, muito pequeno.

• Vemos portanto ∆ρ é tanto maior quanto mais elástico for o material, nestecaso é muito maior para o ar do que para a água.

• E quanto a B? Onde é maior? Na água, certamente, porque ρágua >

ρar, ∆ρágua < ∆ρar e B ∝ ρ/∆ρ, ou seja, no cálculo de B da água, erelativamente aos valores do ar, o numerador é maior e o denominador émenor. Os dois factores reforçam-se no sentido de tornar

Bágua > Bar. (4.5)

Portanto, como já se tinha dito, B é maior para a substância mais resistenteà pressão, neste caso a água.

Quanto aos sólidos, o módulo de elasticidade que se deve usar é o módulo deelasticidade de Young. O módulo de Young acaba por ser uma versão unidimen-sional do módulo volumétrico de elasticidade, já que num sólido a variação devolume dá-se essencialmente na direcção da compressão (ou elongação). Assim, a

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4.3. VELOCIDADE DAS ONDAS SONORAS 63

Figura 4.4: p = F/A.

de�nição do módulo de Young é semelhante à anterior, só que em vez de V , vol-ume, passamos a ter L, comprimento. Temos então a seguinte de�nição, relativaà �gura 4.6,

k → Y =F

A

L

∆L, (4.6)

em que L é o comprimento da barra em repouso e ∆L é a sua variação após aaplicação da força F .

Deve notar-se que para um sólido também se de�ne o módulo volumétrico deelasticidade, simplesmente que não é este módulo que deve entrar no cálculo davelocidade do som e sim o módulo de Young.

No âmbito de uma descrição geral para gases, líquidos e sólidos podemos sim-plesmente pensar no módulo de elasticidade k. Embora isto não seja rigorosa-mente verdade, podemos pensar numa primeira abordagem que um material maisrijo tem um valor maior de E (lembrar o exemplo do ar e da água).

Por exemplo, intuitivamente compreendemos que o aço é menos elástico queo plástico (o que quer dizer que oferece maior oposição a alterações elásticas),que é menos elástico que a barro, que é menos elástico que o ar. Assim, podemosantever que

k(aço) > k(plástico) > k(barro) > k(ar), (4.7)como podemos ver também na �gura 4.7.

Agora que já entendemos bem os conceitos relativos ao módulo de elasticidade,podemos passar à pergunta mais importante: onde é que o som se propagamais rapidamente, nos gases, nos líquidos ou nos sólidos?

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64 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.5: O módulo de elasticidade do ar é maior do que o da água.

Entre sólidos e líquidos é fácil de perceber. Se introduzirmos (4.3) em (4.1)obtemos

v =

√∆p

∆ρ, (4.8)

o que indica claramente que nos líquidos a velocidade do som é maior, pois têmvalores de ∆ρ menores do que os dos gases.

Já no caso dos sólidos não conseguimos obter uma expressão tão simplesporque a expressão (4.6) do módulo de Young não permite a mesma simpli�cação.A comparação da expressão (4.1), v =

√k/ρ, para gases e líquidos por um lado e

sólidos por outro, mostra que k e ρ são simultaneamnet maiores para os sólidosque para gases e líquidos. O efeito de um maior valor de k para os sólidos,no numerador, pode eventualmente ser compensado por um valor maior de ρ.Portanto, com base na abordagem simples deste curso não podemos deduzir maisnada.

Na verdade veri�ca-se de uma forma geral que o aumento de k dos líquidospara os sólidos é proporcionalmente maior do que o aumento de ρ. Por isso avelocidade de propagação nos sólidos é maior do que nos gases e noslíquidos.

Segue-se uma tabela com as velocidades de propagação em vários meios ma-

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4.4. O SOM COMO ONDA PERIÓDICA 65

Figura 4.6: p = F/A.

teriaisMeio v (m/s) Meio v (m/s)

Ar (0o C) 331 Água do mar 1533Ar (20o C) 343 Alumínio 5100

Hidrogénio (0o C) 1286 Cobre 3560Oxigénio (0o C) 317 Ferro 5130Hélio (0o C) 972 Chumbo 1322

Água 1493 Borracha vulcanizada 54álcool metílico 1143

Comente os valores para o ar, o chumbo e a borracha

4.4 O som como onda periódicaJá vimos no apítulo anterior que o som é uma onda. Vamos ver agora um poucomais em detalhe como é que é a descrição do som como uma onda periódica.

Podemos descrever as ondas sonoras de três formas equivalentes:• como o movimento oscilatório das partículas do ar;• como a oscilação da densidade do ar;• como a oscilação da pressão do ar.

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66 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.7: O módulo de elasticidade.

4.4.1 O som como movimento oscilatório das partículas doar

Vejamos o primeiro caso. Como já vimos numa animação, o movimento global doar para sustentar a propagação do som é constituído por movimentos oscilatóriosindividuais das partículas.

Cada partícula oscila em torno da sua posição de repouso, e é o conjuntode todos estes movimentos individuais que cria o movimento colectivo a quechamamos som. Essa oscilação individual tem as seguintes características:• é feita sempre em torno do mesmo ponto, o que quer dizer que em média apartícula não sai do lugar;

• faz-se na direcção de propagação do som (onda longitudinal).Podemos então pensar em descrever este movimento matematicamente. Pode-

mos caracterizar o deslocamento da partícula1 em relação à sua posição de equi-1Em rigor a descrição não se faz para uma partícula, mas para o que se chama �um elemento

de volume�, o que quer dizer um volume muito pequeno de ar, que contém portanto váriaspartículas em cada instante. Na verdade, nesta descrição, com elementos de volume, o que se

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4.4. O SOM COMO ONDA PERIÓDICA 67

Figura 4.8: A oscilação das partículas faz-se em torno da posição de equilíbrio.

líbrio. Assim, este deslocamento és(x, t) = smax cos(kx− ωt), (4.9)

em que smax é o deslocamento máximo. Esta expressão quer dizer que a partículaafasta-se da sua posição de equilíbrio por valores que oscilam entre -smax e +smax.

Por exemplo, se smax = 50 µm, então as partículas afastam-se da suaposição de equilíbrio até 50 mícron, quer para a esquerda, quer para adireita, oscilando entre estes dois extremos (-50 µm, desvio máximo paraa esquerda, e 50 µm, desvio máximo para a direita2) à frequência ω/2π.

4.4.2 O som como oscilação da densidade do ar

Também vimos na animação que a sobreposição dos movimentos individuais daspartículas cria zonas mais densas (condensações) e zonas mais rarefeitas (rar-efacções).está a fazer implicitamente é considerar o ar como um meio contínuo, sem levar em conta a suaestrutura microscópica. Para nós, no entanto, que não estamos demasiadamente preocupadoscom o rigor físico, é mais intutivo pensar em termos de partículas.

2�esquerda� e �direita� tomadas na direcção de propagação da onda que, precisamente, seassume a ir da esquerda para a direita

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68 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.9: O som também pode ser visto como uma onda de densidade.

Assim, num dado ponto do espaço a densidade de partículas varia entre �maisdenso que a média� e �menos denso que a média� (para calcular esta densidade us-amos um pequeno volume em torno deste ponto e contamos o número de partícu-las dentro do volume). Assim, se for ∆n a variação da densidade de partículasem relação ao valor médio (variação do número de partículas por m3 em relaçãoao número médio de partículas por m3), temos que

∆n(x, t) = ∆nmax sin(kx− ωt), (4.10)em que ∆nmax é a variação máxima de densidade.

Por exemplo, se a densidade média é 1022 m−3 e ∆n = 1010 m−3, entãoa densidade vai variar periodicamente entre os valores 1022− 1010 m−3 e1022 + 1010 m−3.

4.4.3 Desfazamanto entre a onda de deslocamento e a ondade densidade

Deve notar-se a diferença entre as expressões (4.9) e (4.10): a primeira é emco-seno e a segunda em seno. Isto quer dizer que estão desfazadas de 90o, comoilustra a �gura seguinte:

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4.4. O SOM COMO ONDA PERIÓDICA 69

Figura 4.10: As funções s(x, t) e ∆n(x, t) estão desfazadas de 90o.

Tentemos compreender a �gura. É mais fácil começar pelo grá�co de baixo. Aíilustra-se o comportamento da variação da pressão, que é igual ao comportamentoda variação da densidade. As zonas mais escuras dentro do êmbolo representamzonas de maior densidade de partículas e as mais claras zonas de menor densidade.Assim, o grá�co de P (e portanto tabém o da densidade) é uma representaçãodirecta da imagem: nas zonas mas escuras P é máximo e nas zonas mais clarasP é mínimo.

O grá�co de cima ilustra o comportamento do deslocamento das partículasdo ar relativamente às suas posições de equilíbrio. Veri�camos que nas zonas demaior e menor compressão o deslocamento é nulo. As partículas vão de encon-tro umas às outras nas zonas de maior compressão, mas no ponto onde se dáessa compressão as partículas que lá estão não se deslocam. Por outro lado odeslocamento é máximo quando a variação de densidade é nula.

Em resumo, o importante a reter desta secção é que o som pode ser visto comoum deslocamento sinusoidal da posição das partículas ou como uma variação dedensidade e pressão. Ambasa as variações são sinusoidais, mas estão desfazadas:os máximos e mínimos de uma e outra não são coincidentes.

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70 CAPÍTULO 4. O SOM

4.5 A intensidade do som

4.5.1 De�nição

Como se de�ne a intensidade do som? A intensidade do som é de�nida como aenergia que a onda sonora transporta por unidade de tempo por unidade de área,tal como se ilustra na �gura 4.11. Assim, uma onda mais intensa transporta mais

Figura 4.11: De�nição de intensidade.energia. A de�nição de intensidade é portanto

I =Energia

Area× tempo=

Potencia

Área . (4.11)Pode mostrar-se que a intensidade de uma onda sonora vale

I =1

2ρ(ωsmax)

2v, (4.12)em que ρ é a densidade do meio, ω = 2πf é a frequência angular da onda, smax

é a amplitude do deslocamento das partículas [ver (4.9)] e v a velocidade depropagação das ondas no meio.

Também se pode escrever numa forma equivalente em termos da variaçãomáxima de pressão:

I =∆Pmax

2ρv, (4.13)

em que desta vez ∆ρmax é a amplitude de variação da pressão [equivalente a∆nmax em (4.10)].

Da análise de (4.12) concluímos que a se todos os outros factores se man-tiverem constantes, a intensidade aumenta com

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4.5. A INTENSIDADE DO SOM 71

• a densidade do meio, pois é preciso mais energia para fazer oscilar um meiomais denso;

• com a frequência da onda, pois é preciso mais energia para fazer vibrar omeio a uma frequência mais elevada;

• como deslocamento máximo, pois é preciso mais energia para fazer aspartículas afastarem-se mais da sua posição de equlíbrio;

• com a velocidade de propagação, pois uma onda que vai mais rápido deveter mais energia.

4.5.2 Limiar de audibilidade

O limiar de audubilidade é uma intensidade de referência que nos vai servir parade�nir a escala dos decibéis

É também a intensidade mínima que o ouvido humano consegue detectar.Considera-se que a 1000 Hz esse valor é

I0 = 1.00× 10−12 W/m2. (4.14)Como veremos mais à frente, o limiar de audibilidade depende da frequência. Asfrequências mais baixas (20-100 Hz) têm um limiar bastante mais alto do que asfrequências médias (100-5 kHz) e altas (5-50 kHz). Isto quer dizer que um somde baixa frequência precisa de ter muito maior intensidade do que um som médioou alto para se começar a ouvir. Na origem desta diferença de sensibilidades aossons está a anatomia e a �siologia do ouvido, como também veremos mais tarde.

Notamos ainda que o valor do limiar de audibilidade é muito baixo. Veremosa seguir que a sensibilidade do ouvido permite detectar intensidades com ordensde grandeza muito maiores.

4.5.3 Nível de intensidade sonora (decibel)

O nível de intensidade sonora de um dado som é uma medida da intensidadedesse som relativamente ao nível de referência do limiar de audibilidade. Assim,o nível de intensidade sonora é uma medida relativa.

Consideremos então um dado som, de intensidade I. O seu nível de intensi-dade sonora mede-se em decibéis (dB) e vale

I(dB) = 10 logI

I0

. (4.15)Tentemos perceber o que quer dizer esta escala. Em primeiro lugar consider-

emos um som que tem uma intensidade igual ao limiar de audibilidade. EntãoI = I0 e

I(= I0, dB) = 10 logI0

I0

= 10 log 1 = 0 dB. (4.16)

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72 CAPÍTULO 4. O SOM

Assim, a escala começa em 0 dB, o valor para o limiar de audibilidade, isto é,para uma intensidade de 1.00× 10−12 W/m2.

Consideremos agora uma intensidade 10 vezes maior, I = 10I0. Temos então

I(= 10I0, dB) = 10 log10I0

I0

= 10 log 10 = 10 dB. (4.17)

Consideremos ainda uma intensidade 100=102 vezes maior, I = 100I0. Temosentão

I(= 100I0, dB) = 10 log100I0

I0

= 10 log 100 = 20 dB. (4.18)

Concluímos portanto que se I for 10n vezes maior do que I0 o nível de inten-sidade em dBs vale 10n.

Mais dois exemplos:

• I mil vezes (103) vezes maior que I0 corresponde a 3 × 10 dB=30dB;

• I um milhão de vezes (106) vezes maior que I0 corresponde a 6×10dB=60 dB.

Assim o valor da intensidade em dBs cresce muito mais lentamente do queem W/m2 (último exemplo I variou de 1000 vezes em W/m2 mas apenas de 30dB), o que é uma característica das escalas logarítmicas.

O limiar da dor é o valor da intensidade máxima de um som que se conseguesuportar. O seu valor é de 1 W/m2. Isto quer dizer que vale, em dB,

Idor(dB) = 10 log1

10−12= 10 log 1012 = 120 dB. (4.19)

Assim, a gama de intensidades em que o ouvido trabalha vai de 0 a 120 dB,correspondendo à variação entre 10−12] W/m2 e 1 W/m2.

Porquê uma escala logarítmica? Porquê esta escala?Alguns factos contribuem para que a escala dos dB seja a escala �natural�

para usar.

• Em primeiro lugar uma escala logarítmica aponta para o uso de potênciasde 10. A percepção das intensidades pelo ouvido humano também se baseianuma escala de potências de dez. Assim, uma regra de polegar é que umsom parece 2 vezes mais �forte� se na realidade for 10 vezes mais intenso. Ouseja, é preciso a intensidade variar de 10 para que a nossa �escala� interiorde intensidade varie para o dobro.

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4.5. A INTENSIDADE DO SOM 73

• Por outro lado, outra regra de polegar é que 1 dB é aproximadamente adiferença de intensidades entre dois sons que o ouvido consegue detectar.Por outras palavras, se dois sons da mesma frequência tiverem uma difer-ença de intensidades de menos de 1 dB o ouvido não os consegue distiguir;se tiverem uma diferença de intensidades de mais de 1 dB o ouvido já osconsegue distiguir. Portanto a escala dos decibéis ajusta-se muito bem àescala da sensibilidade do ouvido.

Dá-se de seguida exemplos de níveis de intensidade para sons bem conhecidosSom dB

Limiar de audibilidade 0Rumorejar das folhas 10

Sussurrar 30Barulho de um mosquito 40

Conversa normal 50Aspirador 70

Trânsito intenso 80Metropolitano 100Concerto Rock 120

Martelo pneumático 130Avião a jacto próximo 150Ruptura do tímpano 160

Como é sabido, a exposição prolongada a níveis muito altos de intensidadesonora podem causar lesões auditivas. É recomendado o uso de protectores au-ditivos (tampões) para intensidades superiores a 90 dB.

4.5.4 Intensidade relativa de dois sons

A escala dB dá uma medida relativa ao limiar de audibilidade. Mas tambémpodemos calcular facilmente a diferença da intensidade de dois sons em dB.

Consideremos dois sons de intensidades IA e IB. Sabemos que IA é n vezessuperior a IB,

IA = nIB. (4.20)Qual é a diferença entre os doís níveis de intensidade em dB? Podemos fazer

IA(dB)− IB(dB) = 10 logIA

I0

− 10 logIB

I0

= 10(logIA

I0

− logIB

I0

) = 10 logIA/I0

IB/I0

= 10 logIA

IB

= 10 log n.

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74 CAPÍTULO 4. O SOM

Portanto podemos concluir que se IA = nIB, então

IA(dB)− IB(dB) = 10 log n, (4.21)

mesmo sem saber quais são os valores numéricos de IA e IB. Por exemplo,

• se IA é o dobro de IB, então IA tem mais 10 log 2 = 10 ∗ 0.301 ≈ 3 dB.Daqui vem também esta regra de polegar: se a intensidade aumenta parao dobro o nível de intensidade aumenta 3 dB.

• se IA é o triplo de IB, então IA tem mais 10 log 3 = 10 ∗ 0.477 ≈ 5 dB.Daqui vem também esta regra de polegar: se a intensidade triplica o nívelde intensidade aumenta aproximadamente 5 dB.

• Como o quádruplo é o dobro vezes o dobro, então a quadriplicação daintensidade quer dizer uma variação de 3 dB (dobro) + 3 dB (dobro) = 6dB (quádruplo).

• Como o sextuplo é o dobro vezes o triplo, então a sextuplicação da inten-sidade quer dizer uma variação de 3 dB (dobro) + 5 dB (dobro) = 8 dB(sextuplo).

• Como o óctuplo é o dobro vezes o dobro vezes o dobro, então a octoplicaçãoda intensidade quer dizer uma variação de 3 dB (dobro) + 3 dB (dobro) +3 dB (dobro)= 9 dB (óctuplo).

• etc...

Basta �xar as duas regras de polegar �dobro=3 dB� e �triplo=5 dB� paradeduzir os outros exemplos.

Consegue calcular a variação em dB para a quintuplicação sem recorrerao cálculo de log5?

4.5.5 Variações na diferença mínima de intensidade detec-tável

Dissémos atrás que a diferença mínima de intensidade detectável (DMID) é decerca de 1 dB. Na verdade este valor é indicativo; é verdade em ordem degrandeza. Mas medições da DMID mostram que o seu valor varia com a fre-quência e intensidade do som. Veja-se a �gura 4.12.

Podemos ver desta �gura que

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4.5. A INTENSIDADE DO SOM 75

Figura 4.12: A diferença mínima de intensidade detectável varia com a frequênciae com o nível de intensidade do som.

• a DMID é maior para sons menos intensos. Por exemplo, numa conversaem tom baixinho, 40 dB, é necessário haver uma variação de 1 dB para quehaja percepção de variação de intensidade. A que variação da intensidadecorresponde 1 dB?

1dB = 10 logI

I0

⇒ logI

I0

= 0.1 ⇒ (4.22)

⇒ I

I0

= 100.1 ⇒ I = 1.25I0. (4.23)

Isto quer dizer uma variação de apenas 1.25 I0 (1.25 vezes o limiar deaudição) na intensidade do som emitido pela outra pessoa que está a falar.

• Mas no meio da rotunda do Marquês de Pombal em hora de ponta o nívelde intensidade do ruído é de 90 dB e a DMID é da ordem de 0.4 dB. A quevariação da intensidade corresponde 0.4 dB?

0.4dB = 10 logI

I0

⇒ logI

I0

= 0.04 ⇒ (4.24)

⇒ I

I0

= 100.04 ⇒ 1.096I0. (4.25)

Isto quer dizer uma variação de apenas 1.1 I0 (1.1 vezes o limiar de audição)na intensidade do ruído do trânsito é realmente apercebida como variação.

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76 CAPÍTULO 4. O SOM

• Mas a �gura também mostra que os sons de maior frequência conduzema menores valores para a DMID. Isto quer dizer que é mais fácil percebervariações de intensidade em sons agudos do que em sons graves.

Em resumo,1. é mais fácil perceber variações de intensidade em sons muito intensos do

que em sons pouco intensos.2. É mais fácil perceber variações de intensidade em sons agudos do que em

sons graves.

4.5.6 A curva do limiar de audibilidade

Já referimos que o limiar de audibilidade se convenciona ser 10−12 W/m2 à fre-quência de 1000 Hz. Este é o valor de referência que se usa para calcular o nívelde intensidade em decibéis. No entanto, pode medir-se o limiar de audibilidadepara todas as frequências audíveis. A curva média obtida está patente na �gura4.14.

Figura 4.13: O limiar de audibilidade varia com a frequência.

Aqui pode ver-se que o limiar de audibilidade é muito maior para as frequên-cias baixas (20-100 Hz) do que para as frequências médias e altas. Com efeito, a30 Hz o nível mínimo de intensidade audível é de 60 dB. Abaixo de 60 dB, a 30Hz, não se ouve nada! Por outro lado, a 1000 Hz o limiar de audibilidade é de4 dB. Isto quer dizer que a razão das intensidades limiar a 30 Hz e a 1000 Hz édada por

56 = 10 log I30I0 − 10 log I1000I0 = 10 logI30

I1000

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4.5. A INTENSIDADE DO SOM 77

⇒ I30

I1000

= 105.6 ≈ 400000. (4.26)

Portanto, relativamente ao limiar a 1 kHz, é necessária uma intensidade quatro-centas mil vezes maior a 30 Hz para se começar a ouvir.

Uma questão se levanta: o limiar a 1000 Hz não é 0 dB? Não podemos con-fundir duas coisas distintas: a) I0=0 dB é um nível que se conmvencionou paracalcular os dB; b) o valor que efectivamente se mede a 1000 kHz não é 0 dB, massim 4 dB.

Qual é a zona onde o ouvido é mais sensível? Entre os 3500 Hz e os 4000 Hz.Note-se que nesta zona o limiar de audibildade é aproximadamente -3 dB! O quequer dizer um valor negativo em decibéis? Simplesmente que o valor do limiara 3500-4000 Hz é inferior ao valor de referência I0 = 10−12 W/m2. Quanto? Deacordo com o que já vimos, 3 dB querem dizer uma razão de 2. Portanto o limiarde audibilidade a 3500-4000 Hz é cerca de metade do limiar de referência I0.

Voltamos a encontrar aqui um padrão já observado a propósito da DMID: oouvido é menos sensível às baixas frequências e é necessário que estas tenham umaintensidade muito superior às das frequências médias e altas para produzirem amesma sensação auditiva de intensidade.

4.5.7 Uma nota: escala logarítmica

No grá�co anterior as frequências estão marcadas numa escala logarítmica. Comefeito, um olhar mais atento à escala revela que esta não pode ser uma escalanormal. O espaço que vai de 100 Hz a 1000 Hz é o mesmo que vai de 1000 Hza 10000 Hz. Como é que isso pode ser, se a diferença que vai de 100 Hz a 1000Hz é 900 Hz e a diferença que vai de 1000 Hz a 10000 Hz é 9000 Hz, dez vezessuperior?

A resposta para a pergunta é que no grá�co as distâncias medidas no eixo dosxx não são proporcionais f mas a log f . Assim, log 1000− log 100 = 3− 2 = 1 elog 10000− log 1000 = 4− 3 = 1. Em logaritmo as diferenças são iguais.

Comecemos por ver o grá�co da função √x em escala normal, na �gura 4.14Vamos agora representar a mesma função em escala logarítmica. A escala

começa em 0. Isto quer dizer que log f = 0 ⇒ f = 1 Hz. Então a distância a queoutra frequência ν é marcada é dada por log ν− log f = log ν− 0 = log ν. Assim,por exemplo,

1. a f=1 Hz corresponde a distância log 1 = 0 cm;2. a f=2 Hz corresponde a distância log 2 = 0.301 cm;

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78 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.14: O grá�co de √x numa escala normal.

3. a f=3 Hz corresponde a distância log 3 = 0.477 cm;4. a f=4 Hz corresponde a distância log 4 = 0.602 cm;5. a f=5 Hz corresponde a distância log 5 = 0.699 cm;6. a f=6 Hz corresponde a distância log 2 = 0.778 cm;7. a f=7 Hz corresponde a distância log 2 = 0.845 cm;8. a f=8 Hz corresponde a distância log 2 = 0.903 cm;9. a f=9 Hz corresponde a distância log 2 = 0.954 cm;10. a f=10 Hz corresponde a distância log 10 = 1 cm;A escala �ca portanto distorcida: deixa de ser linear. Ao valor 2 corresponde

30% do espaço entre 1 e 10; e a 5 corresponde 70%; a 8 corresponde 90% mas a9 corresponde apenas 95%.

Esse aspecto da não-linearidade da escala é bem visível nas linhas verticaisque atravessam o grá�co (ver a �gura 4.15)

A escala logarítmica tanto se pode usar nas abcissas como nas ordenadas ousimultaneamente nas duas, como está ilustrado na �gura 4.16.

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4.6. AS CURVAS DE AUDIBILIDADE 79

Figura 4.15: O grá�co de √x numa escala logarítmica.

4.6 As curvas de audibilidadeOs termos intensidade relativa ou nível de audibilidade são traduções possíveis dotermo inglês loudness e têm a ver com a percepção da intensidade do som peloouvido. Como já vimos, a resposta do ouvido à intensidade não é linear. Assim,a escala dos decibéis é mais parecida com a escala interna do ouvido do que umaescala linear. No entanto a escala dos decibéis não depende da frequência do som,mas a percepção do som pelo ouvido sim.

Vejamos então o grá�co da �gura 4.17. Ele ilustra curvas de igual intensidaderelativa.

O que se mostra neste grá�co? Mostram-se as curvas formadas pelos pontosde igual intensidade relativa, isto é, sons de intensidade sonora absoluta diferentemas que são apercebidos pelo ouvido com intensidade relativa igual.• Assim, por exemplo, a curva identi�cada com 20 (já vamos ver a seguir oque quer dizer este 20) passa pelos 20 dB a 1000 Hz e pelos 40 dB a 90 Hz.Isto quer dizer que um som de 40 dB a 90 Hz nos parece tão intenso comoum de 20 dB a 1000 Hz (intensidade absoluta 100 vezes menor).

• outro exemplo: a 200 Hz, 1000 Hz e 7000 Hz os sons de 60 dB são apercedidocom igual intensidade.

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80 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.16: O grá�co de √x numa escala normal.

• a curva a tracejado representa a curva do limiar de audibilidade, que játínhamos visto em separado anteriormente.

De uma forma geral as características da curva do limiar de audibilidademantêm-se nas restantes curvas de igual intensidade relativa:• a sensibilidade máxima dá-se para as frequências de 3-4 kHz, onde se ob-servam os pontos mais baixos de todas as curvas.

• O ouvido é menos sensível a frequências muito baixas.

4.7 Unidade do nível de audibilidadeAs curvas de igual intensidade permitem-nos de�nir uma unidade que caracterizaa intensidade relativa apercebida pelo ouvido. Essa unidade é o fon. As curvasde igual intensidade relativa estão identi�cadas pelo seu número de fones.

Mas qual é exactamente a de�nição de fone?�n fones� quer dizer �com uma intensidade relativa igual à de um

som de n dB a 1000 Hz�.Portanto, a diferença entre dB e fon é que

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4.8. UNIDADE DE AUDIBILIDADE 81

Figura 4.17: Curvas de igual intensidade relativa.

• dois sons de 60 dB (p. ex.) a frequências diferentes são em geral apercebidoscom intensidades relativas diferentes (número de fons diferente);

• dois sons de 60 fons (p. ex.) a frequências diferentes são apercebidos coma mesma intensidade relativa mas em geral têm valores diferentes de nívelde intensidade em dB.

4.8 Unidade de audibilidade

Já dissemos atrás que uma regra aproximada para a percepção do som pelo ouvidoé que é necessário decuplicar a intensidade absoluta de um som para provocar asensação auditiva do dobro da intensidade.

A escala dos fons não é indicada para ilustrar esta regra pois, baseando-se naescala dos decibéis, não é linear.

Exemplo: se decuplicar a intensidade absoluta de um som de 60 fon a1000 Hz (tem 60 dB, isto é, é 106 vezes maior do que I0), então o nívelde intensidade passa a ser I(dB) = 10 log(10 × 106/I0) = 70 dB. Paraoutras frequências que não 1 kHz teremos uma relação da mesma ordemde grandeza.

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82 CAPÍTULO 4. O SOM

Como se pode ver na �gura das curvas de igual intensidade relativa, parapassar de 40 fon para 80 fon a 1000 Hz temos um factor de 10000 e não de 10!

Então há que de�nir outra unidade para medir linearmente a resposta doouvido. Essa unidade é o sone.

Se considerarmos que 40 fon é o nível de base para a escala dos sones, então40 fon = 1 sone.

Quando a intensidade absoluta decuplica passamos a ter 50 fon. Então, paraseguir a resposta do ouvido, fazemos corresponder a 50 fon o valor de 2 sone

50 fon = 2 sone.

A decuplicação deste som dá 60 fon, o que há-de corresponder ao dobro do valorem sone, que é 4 sone. Portanto

60 fon = 4 sone.

A escala de sones é portanto dada pela seguinte tabela:

Fon Sone Fon Sone120 256 50 2110 128 40 1100 64 30 1/290 32 20 1/480 16 10 1/870 8 0 1/1660 4

ou pela expressãoI(sone) = 2I(fon)−40. (4.27)

4.9 A lei do inverso quadradoConsideremos a �gura 4.18. Nesta �gura representa-se uma fonte sonora que estáa emitir com uma potência P (lembremos que potência é energia por umidade detempo, 1 W = 1 J/s).

Se essa potência sonora for emitida uniformemente em todas as direcções (istoé, isotropicamente), então podemos calcular intensidade a uma dada distância rda fonte através de

I =P

4πr2. (4.28)

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4.9. A LEI DO INVERSO QUADRADO 83

Figura 4.18: A lei do inverso quadrado (retirado de http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu) .

Para chegar a esta expressão basta pensar que a potência é distribuída pelasuperfície de uma esfera de raio r centrada na fonte, e que a área dessa esfera é4πr2.

Esta expressão quer dizer que a intensidade diminui com o inverso do quadradoda distância à fonte. Por exemplo, se à distância de 1 m tivermos 10 W/m2, entãoà distância de 2 m (dobro, 2×) termos uma intensidade de 10/22 = 2.5 W/m2 (aquarta parte = �inverso do dobro ao quadrado�). À distância de 10 m teremosuma potência de 10/102 = 0.1 W/m2 (a uma distância 10 vezes maior correspondeuma intensidade 100 menor).

Consideremos então a intensidade medida a duas distâncias diferentes, r1 er2. Teremos

I1 =P

4πr21

e. I2 =P

4πr22

, (4.29)

pelo queI2

I1

=(

r1

r2

)2

. (4.30)

Se relacionarmos isto com a intensidade em dBs vem

I2(dB) = 10 logI2

I0

= 10 logI2

I1

I1

I0

=

= 10 logI2

I1

+ 10 logI1

I0

= 10 log(

r1

r2

)2

+ I1(dB)

= 20 logr1

r2

+ I1(dB). (4.31)

Em suma,I2(dB)− I1(dB) = 20 log

r1

r2

. (4.32)

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84 CAPÍTULO 4. O SOM

Assim, se a distância passar para o dobro de quantos dBs varia o nível de inten-sidade?

I2(dB)− I1(dB) = 20 log1

2= −6. (4.33)

Portanto o nível de intensidade diminui de 6 dB cada vez que se duplica a distânciaa que se recebe o som. Note-se que neste raciocínio não é preciso saber o nívelde intensidade inicial.

4.10 Caracterização dos sonsOs sons caracterizam-se através de 3 parâmetros:• Intensidade• Altura• Timbre

4.10.1 Intensidade

A intensidade do som é o parâmetro de que temos vindo a falar nas últimassecções. A expressão da intensidade está dada em (4.12). Se considerarmosapenas o ar, então a velocidade de propagação e a densidade são valores constante.Se considerarmos sons da mesma frequência, então vemos que a intensidade deum som está relacionada com a amplitude de vibração da onda sonora. Quantomaior a amplitude, mais intenso é o som.

Terminologia:• Em acústica os sons são classi�cados quanto à intensidade como sons fortesou sons fracos;

• Em linguagem corrente os sons são classi�cados quanto à intensidade comosons altos ou sons baixos;

4.10.2 Altura

A altura é o nome que em acústica se dá à frequência. É simplesmente a fre-quência da onda x = ∆x sin(kx− 2πft).

Terminologia:• Em acústica os sons são classi�cados quanto à altura como sons altos(grande frequência, por exemplo 5 kHz) ou sons baixos (baixa frequên-cia, por exemplo 200 Hz);

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4.10. CARACTERIZAÇÃO DOS SONS 85

Figura 4.19: Intensidade.

• Em linguagem corrente os sons são classi�cados quanto à intensidade comosons agudos (alta frequência) ou sons graves (baixa frequência);

Atenção à possível confusão: em linguagem corrente �alto� (�Está muito alto!Baixa a televisão!�) ou �baixo�

(�Está muito baixo, não ouço nada!�) não tem nada a ver com a �altura� dosom em acústica, que só tem a ver com a frequência.

4.10.3 Timbre

O timbre está ligado às características dos sons complexos, constituídos porvários harmónicos.

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86 CAPÍTULO 4. O SOM

Figura 4.20: Altura.

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Capítulo 5

Ondas Estacionárias

5.1 O que são ondas estacionárias?Comecemos por pensar numa onda progressiva,

y1 = A sin(kx− ωt), (5.1)que se propaga num dado meio e que encontra uma parede, sendo re�ectida. Aonda re�ectida, y2, vai na direcção oposta, e por isso escreve-se

y2 = A sin(kx + ωt). (5.2)Note-se que ao passar de uma equação para outra o que se fez foi trocar o sinalde ω, que passou a −ω, pois a velocidade é v = ω/k e tem sentidos opostos nosdois casos.

Estas duas ondas vão coexistir no mesmo meio e portanto vão sobrepôr-se.Pelo princípio da sobreposição sabemos que a onda total é

y = y1 + y2 = A sin(kx− ωt) + A sin(kx + ωt). (5.3)Se usarmos o facto de que sin(a± b) = sin a cos b± sin b cos a, temos

y = A(sin kx cos ωt− sin ωt cos kx) +

+ A(sin kx cos ωt + sin ωt cos kx) =

= 2A sin kx cos ωt (5.4)O que quer dizer esta expressão? Deixou de ser uma onda progressiva, porque

o factor conjunto kx−ωt desapareceu. Uma forma de tentar perceber a expressãoé fazermos um grá�co �história� ou �fotogra�a�. É isso que está feito na �gura5.1.

A �gura 5.1 apresenta várias fotogra�as sobrepostas (tiradas nos instantest=0, t=T/12, t=T/6, t=T/4, t=T/3, t=5T/12 e t=T/2).

87

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88 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

Figura 5.1: Uma onda estacionária.

Veri�camos que para qualquer destes instantes a sobreposição das duas ondas(incidente e re�ectida) dá origem a um padrão estacionário.

Em particular, reconhecemos a existência de pontos para os quais não hávibração - são os nodos.

Por outro lado existem pontos onde se dá a amplitude máxima de vibração -são os antinodos. A �gura 5.2 ilustra este ponto.

É muito fácil prever a posição dos nodos e antinodos. Uma vez que y =2A sin kx cos ωt, os antinodos são dados pela condição de que o seno seja máximo.Temos então

kx =π

2,3π

2,5π

2, . . . (5.5)

Como k = 2π/λ, temos que as posições dos antinodos são dadas porx =

λ

4,3λ

4,5λ

4, . . . , (5.6)

ou seja, de uma forma geral a posição dos antinodos é dada porx =

4, n = 1, 3, 5, 7 . . . . (5.7)

Quanto às posições dos nodos, são dadas pela condição de que o seno sejanulo. Temos então

kx = 0, π, 2π, 3π, . . . (5.8)

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5.2. OUTRA FORMA DE VER AS ONDAS ESTACIONÁRIAS 89

Figura 5.2: Nodos e antinodos.

De novo, como k = 2π/λ, temos que as posições dos nodos são dadas por

x =λ

2, λ,

2, 2λ, . . . , (5.9)

ou seja, de uma forma geral a posição dos nodos é dada por

x =nλ

2, n = 0, 1, 2, 3, 4 . . . . (5.10)

• A distância entre dois antinodos sucessivos é λ/2, ou seja, metade do com-primento de onda.

• A distância entre dois nodos sucessivos também é λ/2, ou seja, metade docomprimento de onda.

• A distância entre um nodo e um antinodos adjacentes é λ/4, ou seja, umquarto do comprimento de onda.

5.2 Outra forma de ver as ondas estacionáriasVamos agora tentar perceber a formação de ondas estacionárias sem recorrer amatemática, mas relembrando o que já aprendemos sobre re�exão de ondas.

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90 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

A �gura 5.3 mostra o que acontece quando uma onda chega a uma parede eé re�ectida.

Figura 5.3: Outra vez uma onda estacionária (retirado do site de Hyperphysics.Ver em http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/hph.html#hph ).

Quando a onda é re�ectida, ela é (neste caso) também invertida. O que queristo dizer? Consideremos a linha tracejada como o nível de referência da onda.Se a onda continuasse a sua evolução natural depois da re�exão ela continuariapara os valores negativos (já que antes da re�exão está nos positivos, acima dalinha de referência). No entanto, como se dá a inversão de fase, a onda volta paratrás, de novo pelos valores positivos.

As duas ondas agora vão sobrepor-se e interferir construtivamente, dandoorigem à onda estacionária.

Note-se, a este propósito que a amplitude máxima da onda estacionária é 2A[ver (5.4)], precisamente o dobro da amplitude das ondas incidente e re�ectida.Isto tem precisamente a ver com o facto de que as ondas interferem construtiva-mente e a amplitude resultante é maior do que as amplitudes individuais.

5.3 Ondas estacionárias em cordas �xas nas duasextremidades

Consideremos uma corda �xa nas duas extremidades. Podemos aplicar à vibraçãoda corda o que já aprendemos sobre ondas estacionárias: se uma onda incidirinicialmente numa das extremidades, ela será re�ectida e a sobreposição das duasondas forma um padrão estacionário, com nodos e antinodos.

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5.3. ONDAS ESTACIONÁRIAS EMCORDAS FIXAS NAS DUAS EXTREMIDADES91

No caso de uma corda com as duas extremidades �xas, no entanto, sabemosde antemão que as duas extremidades vão ser nodos, pois por estarem �xas nãopodem vibrar.

Assim, as possibilidaes para o padrão estacionário de vibração são os que seapresentam a seguir, na �gura 5.4.

Figura 5.4: Harmónicas da vibração de uma corda.

Da �gura vemos que a vibração mais simples tem apenas um antinodo. Se forL o comprimento da corda, vemos que L é metade do comprimento de onda davibração:

L =λ

2. (5.11)

No caso do segundo modo de vibração vemos que L corresponde exactamente aum comprimento de onda:

L = λ. (5.12)No terceiro modo de vibração temos que em L cabe um comprimento de onda eainda sobra outro meio comprimento de onda:

L =3

2λ. (5.13)

É fácil de perceber que a generalização deste resultado é

L =n

2λ, n = 1, 2, 3, 4 . . . (5.14)

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92 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

Este resultado quer dizer que apenas alguns modos de vibração estacionária sãopermitidos numa corda com as extremidades �xas. Esses modos de vibração têmnecessariamente comprimentos de onda da forma

λn =2L

n, n = 1, 2, 3, 4 . . . (5.15)

isto é, submúltiplos de 2L. Dito de outra forma, uma corda com as exttremi-dades �xas pode vibrar apenas com vibrações que tenham comprimento de ondasubmúltiplo de 2L.

Podemos ainda traduzir este resultado em termos de frequência. Lembrandoque f = v/λ e que a velocidade de propagação da onda não depende da frequência,temos que

fn = nv

2L(5.16)

é a frequência do n-ésimo modo de vibração. A f1 = v/2L chamamos a frequên-cia fundamental. Às outras frequências chamamos harmónicas, Por exemplo,f2 = 2f1 = v/L é a segunda harmónica. O conjunto das harmónicas e da fre-quência fundamental constitui uma série harmónica.

5.4 Ondas estacionárias em colunas de arPodem criar-se ondas estacionárias em colunas de ar exactamente da mesmaforma que nas cordas. O princípio é o mesmo: a onda incidente é re�ectida,a onda re�ectida interfere construtivamente com a onda incidente e forma-se opadrão da onda estacionária.

No caso da corda temos a oscilação da própria corda. No caso das colunas dear temos o movimento oscilatório das partículas, a que correspondem ondas dedeslocamento e pressão, como vimos no último capítulo.

Podemos partir da analogia com as cordas para perceber o que se passa comas colunas de ar. No caso das cordas concluímos que as extremidades têm de sernodos porque estão �xas. No caso das colunas de ar temos dois casos distintos,ilustrados na �gura seguinte: as colunas de ar abertas nas duas extremidades eas colunas de ar fechadas numa das extremidades.

Vejamos então o que podemos dizer sobre as duas extremidades diferentes:• extremidade fechadaSe pensarmos em termos das ondas de deslocamento das partículas com-preendemos que a extremidade fechada tem de ser um nodo. Porquê?Porque as moléculas junto à parede não podem oscilar (batem na parede,não é?). Portanto o deslocamento das moléculas encostadas à parede émesmo zero. Temos de ter então um nodo junto à parede. A extremidadefechada comporta-se portanto como a extremidade �xa de uma corda.

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5.4. ONDAS ESTACIONÁRIAS EM COLUNAS DE AR 93

Figura 5.5: Colunas de ar abertas e fechadas.

• extremidade abertaNeste caso é melhor começar por pensar em termos de ondas de pressão. Aextremidade aberta deve ser um nodo para as ondas de pressão. Porquê?Porque a extremidade da coluna está à pressão atmosférica, e a pressãoatmosférica é constante, não se altera. Portanto a amplitude de variaçãoda onda de pressão na extremidade da coluna deve ser nula � temos umnodo na onda de pressão1.Lembremo-nos agora que as ondas de deslocamento e pressão estas des-fazadas de 90o (ver �gura 7 do capítulo anterior), o que quer dizer quequando a onda de pressão está np máximo a onda de deslocamento está emzero, e vice-versa. Isto quer dizer que um nodo da onda de pressão (ampli-tude de oscilação nula) quer dizer um antinodo da onda de deslocamento(amplitude de oscilação máxima). Portanto, enquanto uma extremidadefechada origina um nodo (da onda de deslocamento), uma extremidadeaberta origina um antinodo (da onda de deslocamento).

O resumo desta análise está feito gra�camente na �gura 5.6Vejamos então quais as ondas que se podem formar nas colunas de ar.

5.4.1 Colunas fechadas numa das extremidades

Comecemos pelas colunas fechadas numa das extremidades. A onda estacionáriamais simples tem um nodo na extermidade fechada e um antinodo na extremidadeaberta, tal como ilustrado na �gura 5.7

1Na realidada não é exactamente assim. A pressão não se reduz à pressão atmosféricaimediatamente à saída da coluna, mas um pouco depois. Isto quer dizer que podemos descrevera coluna através de um comprimento efectivo, maior do que o real. No entanto o essencial dafísica das ondas estacionárias em colunas de ar consegue-se perceber através da descrição maissimples que vamos seguir, que assume que o nodo da onda de pressão se situa exactamente naextremidade aberta

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94 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

Figura 5.6: Nodos e antinodos da onda de deslocamento em colunas de ar.

Figura 5.7: Modo fundamental numa coluna com uma extremidade fechada.

Neste caso todo o comprimento da coluna é atravessado por apenas quarto deonda , pois de um mínimo a um máximo vai apenas um quarto de onda. Então,pare o modo fundamental temos

L =λ1

4⇒ λ1 = 4L. (5.17)

Quanto à frequência, ela vale

f1 =v

λ1

=v

4L. (5.18)

O segundo modo está ilustrado na �gura seguinte. Tem mais um nodo e umantinodo no meio.

Figura 5.8: Segundo modo numa coluna com uma extremidade fechada (3a har-mónica).

Neste caso todo o comprimento da coluna é atravessado por três quartos deonda , pois mínimo→máximo→mínimo→máximo é o percurso correspondente

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5.4. ONDAS ESTACIONÁRIAS EM COLUNAS DE AR 95

a três quartos de um ciclo. Então, para o segundo modo temosL =

3λ3

4⇒ λ3 =

4

3L. (5.19)

Quanto à frequência, ela valef3 =

v

λ3

=3v

4L= 3f1. (5.20)

A última igualdade permire compreender porque é que se usou o subscripto 3 enão 2: porque efectivamente a frequência do segundo modo é tripla do modo fun-damental. Portanto podemos dizer que não há 2a harmónica, há só 3a harmónica.

Exempliquemos ainda o terceiro modo, a que, como veremos, corresponde aquinta harmónica. O terceiro modo está ilustrado na �gura seguinte:

Figura 5.9: Terceio modo numa coluna com uma extremidade fechada (5a har-mónica).

Tem três nodos e três antinodos e corresponde a um período e ainda mais umquarto de período, ou seja, a 5/4 de período. Tem-se então, naturalmente

L =5

4λ5 ⇒ λ5 =

4

5(5.21)

ef5 =

v

λ5

=5v

4L= 5f1, (5.22)

o que mostra que realmemte se trata da quinta harmónica.Podemos agora fazer a generalização. A �gura seguinte mostra globalmente os

primeiros cinco modos de vibração de uma coluna com uma extremidade fechada.O comprimento de onda do n-ésimo modo é

λ2n−1 =4L

2n− 1, n = 1, 2, 3, 4, . . . (5.23)

e a frequência que lhe corresponde éf2n−1 =

v

λ2n−1

=(2n− 1)v

4L= (2n− 1)f1, n = 1, 2, 3, 4 . . . . (5.24)

Os valores de 2n−1 correspondem aos ímpares. Assim, concluímos que numa col-una de ar com uma extremidade fechada são possíveis apenas modos de vibraçãocorrespondentes a harmónicas ímpares da frequência fundamental.

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96 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

Figura 5.10: Os primeiros 5 modos numa coluna com uma extremidade fechada(Note-se que a notação da �gura é diferente da notação do texto. No texto usou-seλ1, λ3, λ5, . . ., a que na �gura correspondem λ1, λ2, λ3, . . .).

5.4.2 Colunas abertas nas duas extremidades

Vejamos agora o que acontece com as colunas abertas nas duas extremidades.De acordo com o que vimos atrás temos de ter um antinodo em cada uma dasextremidades. Assim, o modo mais simples é o que está ilustrado na �guraseguinte:

Figura 5.11: Modo fundamental numa coluna com as extremidades fechadas.

Temos apenas um nodo no meio da coluna, o su�ciente para poder passarde um nodo a outro. Neste caso o comprimento da coluna corresponde a meiocomprimento de onda, pois meio comprimento de onda é o que vai de um máximoa outro. Temos então

L =λ1

2⇒ λ1 = 2L (5.25)

ef1 =

v

λ1

=v

2L. (5.26)

Vejamos agora o segundo modo, que está ilustrado na �gura seguinte.

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5.4. ONDAS ESTACIONÁRIAS EM COLUNAS DE AR 97

Figura 5.12: Segundo modo numa coluna com uma extremidade fechada (2aharmónica).

Este modo tem dois nodos. Vemos que em geral o n-ésimo modo há-de ter nnodos. Neste caso o comprimento da coluna corresponde a um comprimento deonda, pois um comprimento de onda é o que vai entre dois máximos sucessivos.Temos então

L = λ2 ⇒ λ2 = L =2L

2(5.27)

ef2 =

v

λ2

=v

L=

2v

2L= 2f1. (5.28)

O segundo modo corresponde realmente à segunda harmónica.Podemos agora fazer uma generalização, como no caso da coluna com uma

extremidade fechada. A �gura seguinte mostra globalmente os primeiros cincomodos de vibração de uma coluna com as extremidades abertas.

Figura 5.13: Os primeiros 5 modos numa coluna com as extremidades abertas.

O comprimento de onda do n-ésimo modo éλn =

2L

n, n = 1, 2, 3, 4, . . . (5.29)

e a frequência que lhe corresponde éfn =

v

λn

=nv

2L= nf1, n = 1, 2, 3, 4 . . . . (5.30)

Assim, concluímos que numa coluna de ar com as duas extremidadea abertas sãopossíveis todos os modos de vibração correspondentes às harmónicas da frequênciafundamental.

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98 CAPÍTULO 5. ONDAS ESTACIONÁRIAS

Meio fn

corda n v2Lcoluna de ar fechada numa extremidade (2n− 1) v

4Lcoluna de ar aberta nas duas extremidades n v2L

Tabela 5.1: Resumo dos três modos

5.5 Resumo dos modosA tabela �nal apresenta o resumo dos três modos estudados: em cordas e emcolunas

As expressões para uma corda e uma coluna aberta nas duas extremidadessão iguais porque as condições aos extremos são, nos dois casos, do mesmo tipo.No caso da corda devemos ter nodos aos extremos; no caso da coluna aberta nasduas extremidades devemos ter dois antinodos. Mas copmo nodos e antinodosestão separados da mesma distância, a peridicidade que daí advém é igual. Porisso a expressão geral de fn é igual nos dois casos.

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Capítulo 6

As ressonâncias e a voz

6.1 O que é a ressonância?

De uma forma geral podemos dizer que um sistema entra em ressonância selhe é fornecida do exterior uma excitação a uma das suas frequências próprias.Dito assim, parece muito complicado, mas o que já aprendemos sobre ondasestacionárias vai ajudar-nos a compreender este conceito.

Figura 6.1: Uma coluna de ar transmite com e�ciência as frequências resonantesa tenua as frequências não ressonantes.

99

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100 CAPÍTULO 6. AS RESSONÂNCIAS E A VOZ

Já vimos que uma coluna de ar só sustém ondas estacionárias a frequênciasbem determinadas. Isso assim acontece porque apenas a essas frequências (quesão as frequências próprias de oscilação da coluna) o comprimento de onda é talque permite satisfazer as condições aos extremos da coluna (de nodo ou antinodo)para que haja interferência construtiva entre as ondas incidente e re�ectida. Paraqualquer outra frequência que não uma das próprias a onda �não se encaixa� bemna coluna, e como consequência não pode haver interferência construtiva entreonda incidente e re�ectida e portanto onda estacionária.

Vejamos agora a �gura 6.1. Nesta �gura temos três altifalantes a emitiremondas de frequências diferentes.

Como se vê, apenas num dos casos se origina uma onda estacionária. Nestecaso a onda é transmitida com bastante e�ciência. Nos outros casos a onda émenos transmitida. Isto tem a ver com o facto de que nas frequências resso-nantes do sistema a amplitude de vibração das ondas estacionárias é grande.Esta vibração é comunicada também à própria coluna. Por sua vez a vibraçãoda coluna comunica ao ar exterior uma vibração forte. Nas frequências nãoressonantes a amplitude de vibração é mais pequena porque as ondas incidentee re�ectida tendem a cancelar-se mutuamente. Como consequência, a vibraçãotransmitida ao ar exterior também é mais fraca.

Concluímos portanto que as frequências ressonantes são as frequências corre-spondentes às ondas estacionárias e que uma coluna de ar vibra e transmite maise�cientemente o som às frequências ressonantes.

Um exemplo mecânico ajuda a compreender o conceito de ressonância. Umacriança num baloiço realiza um movimento com uma dada frequência caracterís-tica (digamos 1 Hz, por exemplo, ou seja, 1 s para o movimento completo devai-vem).

Um robot é incumbido de empurrar a criança. Se a frequência com que orobot empurra a criança for de 1,4 Hz, o que vai acontecer é que na maior partedas vezes o impulso do robot não encontra a criança: dá um empurrão no vazio.Como consequência o movimento do baloiço tende a acabar, ou pelo menos ser�aos engasgões�. Se o robot, porém, for regulado para empurrar a criança àfrequência de 1 Hz, todos os empurrões são e�cazes (se os dois movimentos es-tiverem em oposição da fase, não é?), e o baloiço vai cada vez mais alto no seumovimento. Isto quer dizer que se a energia for transmitida ao sistema (o baloiço)à frequência de ressonância (que é a frequência natural so sistema, 1 Hz), entãoela é e�cientemente transmitida. Por outro lado, fora da frequência de ressonân-cia a energia exterior (do robot) é muito pouco e�cientemente transmitida. Éainda interessante notar que se o robot empurrar o baloiço a 2, 3, 4 ... n Hz(n-ésima harmónica), a criança também vai ganhando sempre energia, emboran− 1 empurrões sejam em vazio e apenas um seja realmente e�caz.

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6.2. CAIXAS DE RESSONÂNCIA 101

Figura 6.2: Para que o balouço absorva ressonantemente a energia fornecidapelo robot é necessário que os impulsos sejam fornecidos à frequência natural deoscilação do balouço.

6.2 Caixas de ressonância

O corpo de um violino é um bom exemplo de caixa de ressonância. A sua es-trutura é bastante mais complexa do que as colunas de ar que estudámos. Noentanto o processo físico da ressonância é fundamentalmente parecido: a estru-tura do violino vibra naturalmente a certas frequências. Qual é a origem destasfrequências naturais? No caso do violino devemos considerar a própria estruturade madeira e a entrada e saída de ar através dos orifícios do violinos, que sechamam de ��� (efes).

Quanto às ressonâncias da madeira, podemos pemsar no que acontece se bater-mos na estrutura do violino. Ouve-se um ligeiro zumbido. Esse zumbido é origi-nado pela vibração da estrutura às suas frequências próprias (que serão tambémas frequências de ressonância).

Quanto à entrada e saída de ar através dos �, podemos pensar no que acon-teceria se aspirarmos um pouco do ar dentro da caixa do violino, reduzindo apressão interna. Quando destaparmos outra vez o violino a pressão tenderá areequilibrar-se e vai entrar ar de fora para dentro do violino. Devido à inérciadas moléculas acaba por entrar um pouco mais de ar do que é necessário paraequilibrar a pressão para dentro da caixa. Assim, neste ponto, acabamos por teruma pressão ligeiramente superior dentro da caixa. Agora o processo reverte-se:como a pressão na caixa é levemente superior, o ar vai sair da caixa para o ex-terior, para de novo reequilibrar a pressão. Também de novo, devido à inércia,

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102 CAPÍTULO 6. AS RESSONÂNCIAS E A VOZ

Figura 6.3: As ressonâncias do violino provêm da própria estrutura damadeira e da entrada e saída de ar através dos ���. Retirado dehttp://202.113.227.137/songz/index/hyper/hbase/music/imgmus/vior3.gif

vai acabar por sair um pouco mais do que é necessário e neste instante a pressãodentro da caixa �ca inferior à exterior...O processo repete-se durante alguns ciclosmais, embora cada vez com menos intensidAde. Esse movimento de vai-vém doar que se estabelece até ao reequilíbrio completo da pressão de ar dentro e forada caixa é também feito a uma dada frequência característica que depende dascaracterísticas da caixa e da forma dos orifícios. Essa frequência é portanto umadas frequências naturais do sistema e corresponderá a uma das suas ressonâncias.

As cordas do violino emitem frequências bem de�nidas, que correspondem àsnotas musicais. A energia sonora emitida pelas cordas funciona como fonte deenergia exterior ao sistema (=caixa). Se as frequências de ressonância do corpodo violino coincidirem com as frequências das notas, então dá-se ressonância. Acaixa do violino vibra ressonantemente com as cordas, reforçando a transmissãodo som. O violino tem então um som cheio e forte.

Por outro lado, se as frequências de ressonância da caixa não coincidirem comas frequências das cordas, então a caixa vibra muito pouco em resposta às cordas.O som é essencialmente fornecido pelas cordas e não pela caixa, e por isso parece��ninho�, débil.

Na �gura 6.4 estão representadas as frequências fundamentais das cordas doviolino e a transmissão das várias frequências pelo corpo do violino.

Veri�camos que na �gura de cima as frequências das cordas são próximas dasfrequências de ressonância do corpo do violino. É assim que deve ser um bominstrumento, ampli�cando as notas das cordas. No entanto nem sempre é assim.

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6.3. COMO É QUE SE PRODUZ A VOZ? 103

Figura 6.4: As ressonâncias do corpo do violino e as frequências fundamentaisdas suas quatro cordas .

Na �gura de baixo vemos que as frequências de ressonância estão bastante maisdesfazadas das frequências fundamentais das cordas.

As cavidades bocal e nasal servem também de estruturas ressonantes quetransmitem selectivamente as frequências emitidas pelas cordas vocais. Tratare-mos este assunto em detalhe na secção seguinte.

6.3 Como é que se produz a voz?Para compreendermos como é que se produz a voz devemos compreender a funçãodos dois componentes fundamentais: as cordas vocais e as cavidades ressonantes(oral e nasal).

Normalmente as cordas vocais estão relaxadas e não constituem qualquerobstrução à passagem do ar. Isto está representado na �gura 6.5a.

Figura 6.5: As cordas vocais contraem-se antes de começar o som.

Antes de falar a tensão das cordas vocais aumenta e estas acabam por fechar.

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104 CAPÍTULO 6. AS RESSONÂNCIAS E A VOZ

Isto está representado am (b) � (d) da �gura 6.5.O ar então é empurrado contra as cordas vocais, exercendo pressão sobre elas.

As cordas suportam essa pressão até um certo ponto, e depois deixam o ar passar.Inicia-se então a vibração das cordas vocais, exactamente da mesma forma queas cordas que vimos no capítulo anterior.

Assim, a vibração das cordas vocais vai dar origem a uma frequência funda-mental e a muitos harmónicos desta frequência. A frequência fundamental e aproporção dos harmónicos depende da tensão das cordas. Na �gura 6.6 mostram-se várias aberturas das cordas (logo várias tensões) e o som fundamental a queessas aberturas correspondem.

Figura 6.6: A frequência fundamental da vibração das cordas vocais depende daabertura.

Na �gura 6.7 mostra-se um espectro típico do som produzido pelas cordasvocais.

Figura 6.7: Espectro do som produzido pelas cordas vocais.

Este grá�co indica a proporção das harmónicas no som produzido. A alturadas barras do grá�co é proporcional ao peso das harmónicas no som emitido.Podemos ver que a frequência fundamental é 125 Hz e que a 24a harmónica, a3000 Hz, ainda tem um peso signi�cativo! A gama de frequências usada na falaé realmente cerca de 100 Hz a 3000 Hz.

O grá�co mostra ainda que o espectro do som emitido pelas cordas vocaisé bastante uniforme, não se salientando particularmente nenhuma frequência.Poderíamos caracterizar o som emitido pelas cordas vocais como �quase ruído�.Realmente, se �zermos o espectro do ruído (recolhido numa zona ruidosa, porexemplo, uma rotunda em hora de ponta ou o ruíodo numa sala grande e cheia

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6.3. COMO É QUE SE PRODUZ A VOZ? 105

de pessoas a conversar), obtemos uma �gura muito semelhante à �gura 6.7, coma única diferença de que será contínuo. O que é que isso quer dizer? O espectroda �gura 6.7 é descontínuo porque só aparecem valores discretos de frequência,correspondentes aos harmónicos. Por exemplo, não há som aos 199 Hz, porqueentre a frequência fundamental a 125 Hz e a 2a harmónica a 250 Hz não há maisnenhuma frequência possível. No caso do ruído todas as frequências são possíveis.Portanto podemos imaginar o espectro do ruído como igual ao da �gura 6.7, masa cheio.

Portanto, o som emitido pelas cordas vocais é muito pouco de�nido parece-sequase com ruído, pois contém quase todas as frequências usadas na fala com igualpeso. É a cavidade ressonante, constituída pelas cavidades oral e nasal, que vaitransmitir selectivamente as frequências presentes no som emitido pelas cordasvocais e moldar o espectro.

De acordo com o que já vimos, esperamos que os sons correspondentes àsfrequências próximas das frequências de ressonância sejam ampli�cados e que ossons correspondentes a frequências afastadas das ressonâncias sejam atenuados.

E quais são as frequências de ressonância associadas às cavidades oral e nasal?Por incrível que pareça, as cavidade oral tem muito aproximadamente as car-

acterísticas de uma coluna de ar fechada numa das extremidades e de compri-mento de 17 cm.

Figura 6.8: A cavidade oral é semelhante a uma coluna de ar aberta numa ex-tremidade e fechada noutra.

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106 CAPÍTULO 6. AS RESSONÂNCIAS E A VOZ

Se nos lembrarmos que as frequências ressonantes para uma coluna fechadanuma extremidade são da forma

fn =(2n− 1)v

4L, n = 1, 2, 3, . . . (6.1)

e que as frequências de maior importância para a fala estão entre 300 e 3000 Hz,vemos que as três primeiras harmónicas da cavidade oral estão aproximadamenteaos 500, 1500 e 2500 Hz.

É claro que se trata de um modelo. No entanto é um modelo que nos permitecompreender bastante bem a física da formação da voz. A realidade é bastantemais complexa, mas a verdade é que as frequências de ressonância encontradasandam perto dos valores que se determinam com este simples modelo.

Quando o espectro da �gura 6.7 é �ltrado pela cavidade oral ressonante, umresultado típico pode ser o que está mostrado na �gura 6.9.

Figura 6.9: Espectro típico de um som depois de �ltrado pela cavivadae oralressonante.

Nets �gura veos as três frequências ressonantes. Estão próximo de 500, 1500 e2500, como se disse, mas apenas próximas. As frequências ressonantes observadasneste caso particular são 1000 Hz, 1750 Hz e 2500 Hz.

Cada som é caracterizado pelas suas três frequências mais fortes, que são asfrequências de ressonância das cavidades oral e nasal. Quando falamos mudamoscontinuamente a conformação da cavidade oral, e é isso que altera os valores dastrês frequências de ressonância.

Por outro ladoa tensão aplicada às cordas vocais faz alterar a frequência fun-damental e portanto o espectro das harmónicas emitidas. É a combinação dosdois efeitos (variação das frequências de ressonância e variação do espectro de har-mónicas emitido pelas cordas vocais) que produz a riqueza de sons que usamospara comunicar.

As três frequências ressonantes formam três picos no espectro do sons falados.Chamam-se a esses picos de formantes, já que correspondem às frequências

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6.3. COMO É QUE SE PRODUZ A VOZ? 107

dominantes que realmente determinam a forma do som. Evidentemente que asoutras frequências também contribuem para o som, mas não há dúvida de que é aposição das formantes que determina a sua estrutura e que o caracteriza. Podemosdizer que o ouvido está treinado para reconhecer as formantes. Veremos isso umpouco melhor no capítulo sobre o ouvido.

Na última �gura vemos a posição e peso relativo das formantes em alguns sonsdo inglês. Nesta �gura só estão representadas as formantes por simplicidade. Éclaro que as outras frequências �continuam lá�, mas não foram representadas,

Figura 6.10: Formantes de vários sons do inglês.

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108 CAPÍTULO 6. AS RESSONÂNCIAS E A VOZ

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Capítulo 7

O ouvido

7.1 Descrição geralA anatomia do ouvido está na �gura 7.1

Figura 7.1: Anatomia do ouvido (�gura retirada do manual Merck on-line, emhttp://www.manualmerck.net/artigos/?id=235&cn=1899#ige1).

Podemos dividir a anatomia do ouvido em três secções:1. O ouvido externo, que engloba o pavilhão auricular e o canal auditivo e

109

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110 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

que faz fronteira com o ouvido médio através do tímpano;2. o ouvido médio, que engloba os três ossículos que se seguem ao tímpano,

e que são o martelo, a bigorna e o estribo;3. o ouvido interno, que faz fronteira com o ouvido médio através da janela

oval, e que contém dois subsistemas: os canais semicirculares, que estãoligados ao sentido de equilíbrio, e o caracol ou cóclea, onde se faz a trans-dução dos impulsos de pressão em sinais eléctricos que são enviados para océrebro através do nervo auditivo.

Vamos ver um pouco mais em detalhe cada uma destas secções

7.2 O ouvido externo

7.2.1 O pavilhão auricular

A função do pavilhão auricular é aumentar a intensidade sonora captada (�gura7.2). Relembremos que para uma fonte pontual a intensidade sonora varia deacordo com a lei do inverso quadrado [secção 9 do capítulo 4, particularmente aexpressão (28)]. Ora, a intensidade I mede-se em W/m2, o que quer dizer quese A for a área do pavilhão auricular, então a potência captada e enviada para ocanal auditivo é

P = IA =P0

4πR2A, (7.1)

em que P0 é a potência da fonte e R a distância da fonte ao ouvido. Fica portantoclaro que um pavilhão auricular maior capta maior potência sonora. Estima-seque a sensibilidade auditiva com pavilhão auricular seja 2 a 3 vezes maior do quese não existisse pavilhão auricular (isto é, se o som fosse captado directamentepelo canal auditivo).

7.2.2 O canal auditivo

O canal auditivo é, em primeira aproximação, uma coluna de ar fechada numadas extremidades, com um comprimento aproximado de 2.4 cm (�gura 7.3). Lem-brando que para estas colunas as frequências dos modos estacionãrios são

fn = (2n− 1)c

4L, (7.2)

então a frequência fundamental vale

f1 =344

4× 0.024= 3583 Hz ≈ 3600 Hz (7.3)

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7.2. O OUVIDO EXTERNO 111

Figura 7.2: O pavilhão auricular serve para captar mais potência sonorahttp://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/sound/ear.html#c2.

e o segundo modo (terceira harmónica) valef2 = 3f1 = 10750 Hz ≈ 11000 Hz. (7.4)

Tal como com a produção da voz, os modos estacionários coincidem comas ressonâncias da coluna de ar e por são os sons de frequências próximas dasfrequências de ressonância que se transmitem melhor ao longo da coluna. Éisto que explica a forma das curvas de audibilidade.A região em que o ouvido émais sensível (perto dos 4000 Hz) coincide com a primeira ressonância do canalauditivo. A partir dos 4000 Hz a sensibilidade vai-se detiorando mas � o que àprimeira vista parece curioso �, volta a ter um aumento de sensibilidade por voltados 13 kHz. Este valor corresponde também, grosso modo, à segunda ressonânciado canal auditivo.

Na verdade o próprio pavilhão auditivo também in�uencia as ressonânciasdo ouvido externo. Com efeito, o canal completo é pavilhão mais canal, nãosimplesmente o canal. Esse é um dos motivos principais porque as ressonânciasobservads estão ligeiramente deslocadas das ressonâncias calculadas através domodelo simples de uma coluna de ar.

7.2.3 O tímpano

O tímpano é a fronteira entre os ouvidos externo e médio. A sua função é vibrarem resposta aos sons recebidos. Essa vibração é depois transmitida aos ossícu-los do ouvido médio. É uma membrana de tecido �broso muito �na, recobertaexternamente por pele e internamente por membrana mucosa. A sua espessuraé aproximadamente 0.1 mm (100 µm!) e tem uma área aproximada de 60 mm2

(aproximadamente um círculo de 8 mm de raio). Como já vimos, o tímpano podeser dani�cado por sons demasiado intensos, cerca de 160 dB.

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112 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.3: O canal auditivo é uma coluna de ar fechada numa extremidade.http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/sound/maxsens.html#c2.

7.2.4 A ampli�cação da intensidade pelo ouvido externo

O ouvido externo funciona também como um �funil�, e isso faz com que a in-tensidade do som seja maior junto ao tímpano do que à entreda do pavilhãoauricular.

A representação deste efeito �funil� está feita na �gura 7.4.Para compreender como é que este efeito funciona apresentar-se-á um argu-

mento geral e depois um modelo para o mecanismo físico particular envolvido.Relativamente ao argumento geral, ele está apresentado na �gura 7.5.Considere-se que o som incide na parte do funil com área maior. Essa área, a

área de entrada Ae, pode ser dividida em duas partes,Ae = A1 + A2, (7.5)

em que A1 = As é a área de saída do funil, na sua parte mais estreita, e A2 é oque sobra de A relativamente a A1 (ver a �gura 7.5). A potência sonora atravésde A1 é P1 e a potência sonora através de A2 é P2. Assumindo uma intensidadeuniforme à entrada do funil, Ie, podemos escrever

Ie =P1 + P2

Ae

=P1

A1

=P2

A2

. (7.6)

A potência que entra através de A1 sai toda pela superfície de saída, tambémde área A1. E o que acontece à potência P2? Esta potência vai de encontro àparede, e aqui pode ser absorvida (aqui, por �absorvida� pode entender-se também�transmitida� � o que importa é que se trata de energia perdida pelo som no ar)

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7.2. O OUVIDO EXTERNO 113

Figura 7.4: O canal auditivo funciona como um funil que ampli�ca a intensidadedo som junto ao tímpano.

ou re�ectida. A potência re�ectida é reenviada para dentro do funil e acabará poratravessar também a superfície de saída. Se chamarmos P3 à potência re�ectida(P2 − P3 é necessariamente a potência absorvida), então a intensidade à saídaserá

Is =P1 + P3

A1

> Ie. (7.7)

Como Is > Ie concluímos que realmente se dá a ampli�cação da intensidade.No caso particular em que toda a potência P2 é re�ectida, então P3 = P2 e

Is =P1 + P2

As

. (7.8)

Comparando com a primeira igualdade de (7.6) obtemos

Is = IeAe

As

, (7.9)

ou seja, a ampli�cação é dada pela razão das áreas.É interessante tentar perceber como é que a re�exão de que acabou de falar

se produz ao nível da interacção microscópica das partículas com as paredes dofunil.

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114 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.5: Ampli�cação da intensidade do som num funil.

Lembremo-nos de que a intensidade de uma onda sonora se pode escrever [ver(12) do capítulo sobre o som]

I =1

2ρ(ωsmax)

2v, (7.10)

em que ρ é a densidade do ar, ω é a frequência angular, smax é a amplitude deoscilação das partículas e v a velocidade do som. Para que haja ampli�cação daintensidade é necessário que um destes factores aumente. Qual?

• a variação de ρ não pode ser signi�cativa. Com efeito, lembremo-nos de queas variações de densidade associadas à propagação do som correspondem a�utuações muito pequenas sobrepostas ao valor médio da densidade do ar.Isto quer dizer, genericamente, que ρ não varia signi�cativamente devido aalgum processo relacionado com a propagação do som.

• De qualquer forma, e particularizando a a�rmação anterior, é provável quemuitos de vós pensem que no efeito funil a densidade deve aumentar, poisas moléculas que entram pela parte mais larga (pavilhão auricular) devemdepois �apertar-se� para caber na parte mais estreita (junto ao tímpano).Este raciocínio está errado porque, como se dicutiu no capítulo sobre movi-mento ondulatório (primeiras páginas), numa onda o que se desloca é aperturbação, não as partículas! Portanto as moléculas da zona do pavilhão

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7.3. O OUVIDO MÉDIO 115

Figura 7.6: Modelo simples para explicar porque é que smax vai aumentando aolongo de um funil. Para entender a �gura deve ler-se o texto pela ordem indicada.

não se vão �apertar� quando entrarem na zona mais estreita do funil, purae simplesmente porque não vão entrar na zona mais estreita; realmente, aspartículas na zona do pavilhão �cam a oscilar na zona do pavilhão.

• A frequência de uma onda não se altera, portanto ω é constante.• A velocidade de propagação também não se altera.

A conclusão é que a ampli�cação da intensidade só se pode dar através da vari-ação de smax. Um modelo simples do que acontece está ilustrado na �gura 7.6.Esta �gura explica porque é que a amplitude de oscilação das partículas vai au-mentando à medida que o funil estreita.

7.3 O ouvido médioUma ampliação do ouvido médio está representada na �gura 7.7.

O ouvido médio faz a ligação entre o ouvido externo e o ouvido interno. Asvibrações do tímpano são comunicadas aos ossículos. Primeiro ao martelo, queestá em contacto com o tímpano, depois para a bigorna e �nalmente ao estribo,que está ligado à janela oval, a entrada do ouvido interno.

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116 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.7: O ouvido médio. Figura retirada de http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/sound/oss.html#c1

Através desta ligação o ouvido interno realiza a importante função de fazero ajuste das impedâncias acústicas do ouvido externo (ar) e ouvido interno(líquido). Esse ajuste é feito através de dois efeitos:

1. o efeito da razão entre as áreas do tímpano e da janela oval.2. o efeito de alavanca entre martelo e bigorna.Veremos agora separadamente vada uma destas duas funções.

7.3.1 O efeito da razão entre as áreas do tímpano e dajanela oval

Se não houvesse ouvido médio teríamos a fronteira entre os ouvidos externoe in-terno feita através do tímpano. Ora, o problema é que o interior do ouvido médioestá cheio de um líquido que do ponto de vista acústico é muito semelhante àágua. Já sabemos que quando uma onda sonora passa de um meio de impedânciaacústica z1 para outro meio de impedância acústica z2, o coe�ciente de re�exãopara a intensidade é [expressão (22) do capítulo sobre movimento ondulatório]

RI =(

z1 − z2

z1 + z2

)2

. (7.11)

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7.3. O OUVIDO MÉDIO 117

No caso ar → água, em que zar = 415 Rayle e zagua = 1480000 Rayle, pelo quese obtém

RI(ar→ água) = 0.99888. (7.12)isto quer dizer que o coe�ciente de transmissão vale

TI(ar→ água) = 1−RI(ar→ água) = 1.121× 10−3, (7.13)a que corresponde uma atenuação em dBs de1

Atenuação (dB) = 10 log T = −29.5 dB. (7.15)Isto quer dizer que um som seria atenuado de 29.5 dBs ao passar directamente doar para o ouvido interno. Por exemplo, um som de 30 dBs (sussurrar) estaria nolimiar de audibilidade! Este �modelo� de ouvido sem ouvido interno não poderiafuncionar muito bem!

A atenuação de 29.5 dB tem precisamente a ver com o desajuste de impedân-cias entre o ar (ouvido externo) e a água (ouvido interno). O ouvido médiocompensa este desajuste. Como?

O processo de compensação do desajuste de impedâncias está ilustrado na�gura 7.8.

Consideremos que as moléculas do ar exercem uma dada força F sobre otímpano2 e que a sua área é

At = 21Ajo, (7.16)em que Ajo é a área da janela oval, a entrada do ouvido interno (esta é a proporçãoreal entre as áreas do tímpano e da janela oval). Como já vimos, a pressão sobreuma dada superfície de�ne-se por P = F/A. Neste caso a pressão sobre o tímpanoserá

Pt =F

At

=F

21Ajo

. (7.17)A força exercida sobre o tímpano é transmitida à janela oval através da vibraçãodos ossículos. Se a força for toda transmitida(já veremos que até é um poucoampli�cada), então a pressão na janela oval será

Pjo =F

Ajo

= 21Pt. (7.18)1É fácil de ver: se IT é a intensidade transmitida e Ii a intensidade incidente, então a

intensidade transmitida em dB é

10 logIT

I0= 10 log

TIIi

I0= 10 log T + 10 log

Ii

I0= 10 log T + Ii(dB). (7.14)

Portanto a variação de intensidade em dBs é dada por 10 log T .2Este força não é a que está associada à pressão atmosférica, pois ambos os lados do tímpano

estão à pressão atmosférica. Esta força tem apenas a ver com as variaçõse de pressão associadasà propagação do som.

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118 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.8: Mecanismo do aumento de pressão entre o tímpano e a janela oval.

Assim, concluímos que a pressão na janela oval é 21 vezes superior à pressão notímpano.

O que é que isto quer dizer em termos de intensidade? Lembremo-nos de queem termos de variação de pressão

I =(∆P )2

2ρv, (7.19)

em que ∆P é a variação de pressão relativamente à pressão atmosférica, ρ é adensidade do ar e v a velocidade do som no ar. Se a pressão varia de 21 vezes,então a intensidade varia de 212=441. Isto quer dizer uma variação em dBs deAmpliação de I em dB (tímpano→ janela oval) = 10 log 212 = 26.4 dB. (7.20)

Portanto, se um som tem 50 dB no tímpano, ele é aplicado à janela oval com umaintensidade de 76.4 dB. Depois há a passagem à água e a atenuação de 29.5 dB,de forma que o som entra no ouvido médio com uma intensidade de 46.9 dB. Aatenuação efectiva do som foi bastante reduzida, para apenasatenuação ouvido externo→ ouvido interno = 26.4− 29.5 = −3.1 dB. (7.21)

Estes 3 dBs de atenuação são compensados pelo efeito de alavanca entre o marteloe a bigorna.

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7.3. O OUVIDO MÉDIO 119

7.3.2 O efeito de alavanca entre martelo e bigorna

O princípio da alavanca está ilustrado na �gura 7.9.

Figura 7.9: O princípio da alavanca.

Este princípio diz-nos que numa alavanca em equilíbrio a que são aplicadasduas forças F1 e F2às distâncias L1 e L2 do fulcro, respectivamente, se tem

F1L1 = F2L2. (7.22)Embora de uma forma não tão linear como na �gura 7.9, a verdade é que oconjunto martelo-bigorna funciona como uma alavanca. Isto pode ser observadona �gura 7.10.

Nesta �gura representa-se um eixo imaginário para ajudar a compreendercomo se articula o movimento do martelo e da bigorna. Rodam de uma formarígida em torno do eixo representado. O eixo representado representa o fulcro daalavanca e as distâncias a que são aplicadas as forças são• a distância entre o extremo do martelo, ligado ao tímpano, e o fulcro(chamemos-lhe Lm);

• a distância entre o extremo da bigorna, ligado ao estribo, e o fulcro (chamemos-lhe Lb).

Estes dois braços da alavanca não estão alinhados, como no exemplo simples da�gura 7.9. Mas como rodam coerentemente em torno de um eixo de rotação oprincípio da alavanca aplica-se da mesma forma. Quanto às forças aplicadas,• no extremo do martelo está aplicada a força comunicada pelo tímpano, Ft;• no extremo da bigorna está a força aplicada pela bigorna ao estribo, Fb,que depois é comunicada à janela oval

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120 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.10: O martelo e a bigorna formam uma alavanca.

O princípio da alavanca diz então queFmLm = FbLb. (7.23)

Ora, é um dado anatómico (representado na �gura 7.10) queLm = 1.3Lb. (7.24)

Inserindo esta igualdade na equação anterior obtemosFm × 1.3Lb = FbLb ⇒ Fb = 1.3Fm. (7.25)

Isto quer dizer que a força transmitida pela bigorna ao estribo é 1.3 vezes maiordo que a força transmitida pelo tímpano ao martelo. Em última análise, a forçacomunicada à janela oval é 1.3 vezes maior do que a força comunicada ao tímpano.

Ora, este novo facto permite-nos corrigir a expressão 7.18. Nesta expressãoassumia-se que F era a força exercida no tímpano, e que era a mesma exercidana janela oval. Ora, a força exercida no tímpano é, na notação empregue nestasecção, Fm, pois é comunicada ao martelo, e a força comunicada à janela oval éFjo. Portanto a pressão exercida na tímpano é

Pt =Fm

21Ajo

, (7.26)

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7.3. O OUVIDO MÉDIO 121

enquanto que a pressão exercida na janela oval é

Pjo =Fb

Ajo

=1.3Fm

Ajo

= 1.3× 21Pt = 27.3Pt, (7.27)

A ampli�cação total da intensidade fornecida pelo ouvido médio é portantoAmpliação de I em dB (tímpano→ janela oval) = 10 log 27.32 = 28.7 dB,

(7.28)o que quase compena os 29.5 dB de atenuação devido ao desajuste de impedâncias.A contribuição do mecanismo de alavanca só por si é

Ampliação de I em dB (alavanca) = 10 log 1.32 = 2.3 dB, (7.29)

7.3.3 Músculos, tendões e protecção do ouvido

A rigidez do sistema dos ossículos é garantida pelos músculos e tendões que ossustentam, para lá dos apoios do tímpano e da janela oval. É por isso que osossículos vibram de uma forma robusta, sem �se desmancharem�.

Figura 7.11: Tensor do tímpano, estapédio e tendões. Figura retirada dehttp://www.stern.de/wissenschaft/gesund leben/koerperhelden/515849.html?nv-=cp L2 rt al

As ligações dos músculos aos ossículos são feitas através dos tendões. Existemdois sistemas músculo-tendão no ouvido médio:

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122 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

1. o tensor do tímpano, situado acima da Trompa de Eustáquio, formando umtendão antes de se �xar no martelo;

2. o músculo do estribo ou estapédio, que se liga ao estribo.Ambos os músculos estão �enervados�. O tensor do tímpano, pela raiz motora

do trigémeo e o estapédio, pelo nervo facial (estas últimas linhas foram retiradasdirectamente de http://www.cienciaviva.pt/projectos/concluidos/genomahumano/

artigos/index.asp?lang=pt&accao=showTexto2&projecto=15).A �gura 7.11 mostra o tensor do tímpano e a inserção do tendão do tensor

do tímpano no martelo. Mostra ainda o estapédio e a inserção do tendão doestapédio no estribo. Finalmente, há que notar os tendões que ligam o martelo ea bigorna à cavidade óssea que sustenta o ouvido médio

Na presença de sons muitos intensos que possam dani�car o ouvido estes doismúsculos entram em acção de forma a diminuir a transferência de som para oouvido interno. O tensor do tímpano contrai-se, retraindo o martelo o tímpano.Isto por sua vez faz com que o estribo se retraia através da bigorna (existe tambémum tendão entre o martelo e a bigorna). O estribo passa a exercer menos pressãona janela oval e portanto a transferência do som é menos e�ciente, protegendo oouvido interno. O estapédio também contribui para este processo.

Este mecansmo de protecção é no entanto relativamente lento (10 ms de tempode resposta) e não protege de um som intenso súbito, por exemplo, o disparode uma arma. Da mesma forma não protegeria contra os primeiros instantes devocalizações intensas pelo próprio indivíduo. Assim, os músculos do ouvido médiocontraiem-se no início das vocalizações e sempre que o seu nível se mantenhaacima de aproximadamente 70 dB.

7.3.4 A trompa do Eustáquio

Retirado do Manual Merck de saúde para a família[http://www.manualmerck.net/?url=/artigos/%3Fid%3D235%26cn%3D1899]:

A trompa de Eustáquio, um pequeno tubo que liga o ouvido médio coma parte posterior do nariz, permite que o ar do exterior entre no ouvidomédio. Este tubo, que se abre quando engolimos, ajuda a manter umamesma pressão atmosférica em ambos os lados do tímpano, um factorimportante para se ouvir com normalidade e não sentir incómodo. É porisso que o acto de engolir pode aliviar a pressão que uma repentina quedada pressão atmosférica provoca sobre o tímpano, como costuma acontecerquando se viaja de avião. A conexão da trompa de Eustáquio com oouvido médio explica porque é que as infecções respiratórias superiores(como uma constipação comum), que in�amam e entopem a trompa deEustáquio, podem provocar infecções no ouvido médio ou aumentar apressão na referida parte do ouvido, o que provoca dor.

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7.4. O OUVIDO INTERNO 123

Figura 7.12: A trompa do esutáquio permite a equalização da pressão dos doislados do tímpano. Figura retirada de http://www.slcent.com/eustachian.html

Porque é que é importante que a pressão seja igual dos dois lados do tímpano?Primeiro porque, sendo o tímpano uma membrana muito �na, uma diferençagrande de pressão entre os dois lados da membrana poderia forçá-la a dobrar-sedemais (para o lado de manor pressão) e dani�cá-la. Por outro lado porque o somé uma �utuação de pressão a partir do nível médio da pressão atmosférica. Sótendo a pressão atmosférica dos dois lados é que o tímpano consegue ser sensívelàs �utuações vindas do lado exterior.

7.4 O ouvido interno

7.4.1 Descrição geral

Uma imagem do ouvido interno e da sua ligação ao ouvido médio está na �gura7.13.

O ouvido interno (a azul, nesta �gura) é basicamente dividido em duas secções:• Os canais semicirculares, ligados ao sentido do equilíbrio.• A cóclea, ou caracol, onde se processa o som, e que é a parte que nosinteressa.

Tal como se disse a propósito da função de ajuste de impedâncias do ouvidomédio, o ouvido interno tem o seu interior repleto de líquido. A vibração dajanela oval é comunicada ao �uido do ouvido interno. O problema é que o módulode elasticidade dos líquidos é muito maior do que o módulo de elasticidade dosgases. Isto quer dizer que a vibração transmitida ao líquido seria quase nula sea cóclea fosse completamente rígida e não permitisse a deformação do líquido. A

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124 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.13: O ouvido interno. Figura retirada dehttp://www.brainconnection.com

janela redonda resolve este problema através da membrana �na e �exivel que arecobre. As vibrações da janela oval acabam por transmitir-se em última análiseà janela redonda através das vibrações do �uido que enche a cóclea.

A cóclea tem exactamente a estrutura de um caracol, correspondendo basica-mente a um tubo (que por sua vez tem uma estrutura interna, como vamos vera seguir) que se vai enrolando sobre si próprio, em espiral, até atingir o centro,ou ápex.

A transdução dos impulsos de pressão (som) para sinais eléctricos faz-se dentroda cóclea. Esses sinais eléctricos são depois enviados para o cérebro através donervo auditivo, que também se encontra visível na imagem.

7.4.2 Estrutura interna da cóclea

Vejamos agora melhor em detalhe como é que é a estrutura interna da cóclea.A �gura 7.14 mostra um corte, revelando que o interior do caracol tem trêscompartimentos, isto é, o tubo que forma o caracol é, na verdade, tripartido. Écomo se pegássemos em três mangueiras e as enrolássemos em simultâneo.

A �gura 7.15 mostra em maior detalhe esses compartimentos. A janela ovalestá num dos canais, o canal vestibular. Se pensarmos nestes três canais comosendo dois externos (os de fora) e um interno (o do meio), então os dois canaisexternos são o vestibular, já referido, e o canal timpânico. O canal do meio éo canal médio ou coclear.

Os canais vestibular encontram-se no �m do enrolamento da cóclea, numazona de transição chamada de helicotrema. Isto quer dizer que o �uido que

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7.4. O OUVIDO INTERNO 125

Figura 7.14: A estrutura da cóclea. Figura retirada dehttp://www.brainconnection.com

enche estes dois canais é o mesmo. É a perilinfa. Já o �uido que enche o canalcoclear é diferente, e é chamado de endolinfa.

A separação entre o canal vestibular e o canal médio é feita através de umamembrana muito �na, chamada de membrana de Reissner. A membrana deReissner tem duas funções:• fazer uma boa transmissão das vibrações para o canal coclear, onde se faráa transdução do som;

• separar a perilinfa da endolinfa.Com efeito, a mistura da endolinfa e a da perilinfa através de uma ruptura damembrana representa um problema grave de audição. Os dois �uidos têm difer-enças na composição dos electrólitos (iões presentes nos �uidos e que têm umpapel importante na transmissão de impulsos eléctricos), e é por isso que não sedevem misturar.

A separação entre os canais coclear e timpânico faz-se através da membranabasilar, que é bastante mais robusta do que a membrana de Reissner. O motivopara que assim seja é que a membrana basilar serve de suporte ao órgão deCorti, que é onde se faz a transdução do som. Além da função de sustentação,a membrana basilar tem também a função de levar as rami�cações do nervo

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126 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.15: Os canais e o orgão de Corti. Figura retirada dehttp://www.brainconnection.com

auditivo ao orgão de Corti, o que implica também uma membrana mais espessae robusta.

7.4.3 O orgão de Corti

Vejamos agora como é a estrutura do orgão de Corti e como é que se faz atransdução do som. A �gura 7.16 mostra essa estrutura

O essencial sobre o orgão de Corti é que contém as células auditivas quetransformam os impulsos de pressão em impulsos nervosos. Em inglês as célulasauditivas são muitas vezes desigbadas simplesmente por hair cells, o que mostraque elas são células capilares adaptadas às funções de audição. Assim, cada célulaauditiva contém cerca de 100 cílios.

As células auditivas estão em cima da membrana basilar e por cima delasergue-se uma membrana que parece um �tecto� e que por isso mesmo se chamade membrana tectorial. As pontas dos cílios das células auditivas externas(mais perto da �borda� do tecto) estão ligeiramente inseridos na membrana tec-torial, enquanto os cílios das células auditivas internas estão livres e �utuamna endolinfa. A imagem de uma célula auditiva está patente na �gura 7.17.

Outro factor importante a ter em conta é que as células auditivas estão a umpotencial negativo relativamente à endolinfa. Podemos imaginar que a endolinfa

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7.4. O OUVIDO INTERNO 127

Figura 7.16: Estrutura do orgão de Corti. Figura retirada dehttp://ourworld.compuserve.com/homepages/dp5/corti.jpg

e as células auditivas constituem uma pilha, tal como as pilhas que usamos naslanternas. A endolinfa é o pólo positivo e as células auditivas constituem o pólonegativo.

Se houver possibilidade de estabelecer uma ligação entre os dois pólos estabelece-se corrente. Np caso das lanternas, é isso que o interruptor faz, realizando umaligação entre os dois pólos através da lâmpada.

No caso da endolinfa e das células auditivas passa-se a mesma coisa: se houveruma oportunidade de estabelecer uma ligação de corrente eentre as duas vaiestabelecer-se corrente. A única diferença é que no caso da lanterna a corrente éestabelecida pelo �uxo de electrões enquanto que aqui a corrente será estabelecidopelo �uxo de electrólitos, em particular o potássio, na forma K+ (é um ião: oátomo de potássio perde um electrão e �ca com carga positiva).

Este modelo simples, que permite compreender a relação eléctrica entre en-dolinfa e células auditivas, está ilustrado na �gura 7.18.

Quando a vibração passa do canal vestibular para o canal coclear a membranatectorial vai oscilar. Quando isso acontece as células auditivas externas sentemum pequeno �esticão� que transmitem à membrana basilar (pois estão presas àmembrana tectorial por cima e à membrana basilar por baixo). O movimento damembrana basilar, por sua vez, induz o movimento das células auditivas intyernas.Lembremo-nos de que estas células não estão �xas pela parte de cima. Assim,

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128 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.17: Uma célula auditiva. Figura retirada dehttp://www.familydoctor.co.uk/htdocs/deafness/deafnessspecimen.html

vão oscilar na endolinfa. Este balançaré reforçado pelo facto de que a vibração damembrana basilar também aumenta a vibração do �uido. Devido a esta oscilaçãodos cílios abrem-se pequenos canais nas células auditivas internas, junto à basedos cílios. É a abertura destes canais que é equivalente ao interruptor na analogiacom a pilha: os canais abrem-se e os iões de potássio podem entrar dentro dacélula. É a variação do potencial dentro da célula que é transmitida através das�bras nervosas até ao nervo auditivo e �nalmente ao cérebro.

7.4.4 Como se faz a identi�cação dos sons? A teoria dalocalização

S�nos falta perceber como é que se faz a identi�cação dos sons. De acordo com ateoria aceite actualmente, o mecanismo essencial para a percepção dos sons tema ver com o facto de que a cóclea exibe um comportamento ressonante em quea profundidade de penetração do som ao longo dos seus canais depende da suafrequência. Assim, as frequências elevadas viajam relativamente pouco dentro docanal vestibular e �morrem� quase à entrada. Isto quer dizer que é como se acóclea fosse uma caixa de ressonância para os sons agudos apenas numa pequenasecção à entrada. Então nesta zona a intensidade destes sons é elevada, mas

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7.4. O OUVIDO INTERNO 129

Figura 7.18: A endolinfa e as células auditivas comportam-se como pólos de umapilha, já que estão a potenciais eléctricos (voltagem) diferentes (cerca de 0,150V).

para lá desta zona decai muito rapidamente. Por outro lado, os sons de baixafrequência viajam mais dentro da cóclea, sendo que os sons de 20 Hz viajammesmo atá ao �m, na zona do helicotrema.

Este comportamento do som tem a ver com a estrutura complexa da cóclea,mas pensa-se que tem sobretudo a ver com o estreitamento da secção dos canaise com a forma como os cílios vão mudando de conformação ao longo do percurso(são mais compridos e mais �nos para o �m).

Sendo assim, para uma dada frequência há um comjunto de células auditi-vas que é mais fortemente estimulado. É a localização dessas células que dá ainformação ao cérebro sobre a frequência do som ouvido.

Este processo está esquematizado na �gura 7.19.A forma como este mecanismo se relaciona com a identi�cação de palavras

está na �gura 7.20

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130 CAPÍTULO 7. O OUVIDO

Figura 7.19: A teoria da localização dos sons na cóclea diz para cada frequênciahá uma posição em que as células auditivas são mais fortemente estimuladas.Figura retirada de http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/hframe.html

Figura 7.20: A teoria da localização e a identi�cação de palavras. Figura retiradade http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/music/vowel2.html#c3