actividade 2 -...

18
1 ACTIVIDADE 2 RELATÓRIO CLÍNICO ANA RITA FAGUNDES GONÇALVES MARGARIDA, Nº 1885 MÓDULO 10 | RACIOCÍNIO CLÍNICO NAS DISFUNÇÕES PEDIÁTRICAS UNIDADE CURRICULAR | ESTUDOS DE CASO I RESPONSÁVEL DO MÓDULO | PROF. ALDINA LUCENA 2011-2012

Upload: trinhhuong

Post on 14-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

ACTIVIDADE 2

RELATÓRIO CLÍNICO

ANA RITA FAGUNDES GONÇALVES MARGARIDA, Nº 1885

MÓDULO 10 | RACIOCÍNIO CLÍNICO NAS DISFUNÇÕES PEDIÁTRICAS

UNIDADE CURRICULAR | ESTUDOS DE CASO I

RESPONSÁVEL DO MÓDULO | PROF. ALDINA LUCENA

2011-2012

2

ÍNDICE

Introdução ……………………………………………………………………………………………………………………..3

Avaliação ………………………………………………………………………………………………………………………3

Principais Problemas ……………………………………………………………………………………………………….11

Diagnóstico Funcional ……………………………………………………………………………………………………...12

Prognóstico …………………………………………………………………………………………………………………..12

Objectivos de Intervenção ………………………………………………………………………………………………….13

Intervenção …………………………………………………………………………………………………………………..14

Indicadores de reavaliação …………………….………………………………………………………………………….15

Critérios de alta ……………………………………………………………………………………………………………...17

Bibliografia …………………………………………………………………………………………………………………...17

3

Introdução

Este relatório foi elaborado no âmbito da unidade curricular de Estudos de Caso I, referente ao módulo

Raciocínio Clínico nas Disfunções Pediátricas e apresenta o caso do Silvino, uma criança de 4 anos, de Cabo

Verde. Apresenta-se na fisioterapia na presença da mãe com uma queimadura térmica na região palmar de

ambas as mãos por contacto com a porta do forno, que ocorreu acerca de 2 meses. Os acidentes (eventos

independentes da vontade humana) são a principal causa de morte e incapacidade em crianças, assumindo um

elevado custo nas mais diferentes áreas. Mais concretamente, os acidentes domésticos assumem alguma

relevância, tornando-se assim “a causa mais frequente de morbilidade e mortalidade infantil” (Von Amann, G.,

Nunes, E., et al., 2009) e acontecem, principalmente, entre os primeiros anos de vida (1-14 anos). Facilmente se

compreende o porquê de, nesta faixa etária, existir um elevado número de acidentes, uma vez que, é na idade

pré-escolar que estão na fase de descoberta, da curiosidade, estão mais irrequietos dada a necessidade de

explorar o meio, daí que as crianças sejam mais vulneráveis e os acidentes sejam mais recorrentes nesta fase,

afectando as mais diferentes fases de desenvolvimento (Tecklin, J., 2002; Silva, I. & Santos, A., 2011).

Sabe-se que, segundo Sethi, D., Towner. E., Vincenten, J., Segui-Gomez, M., Racioppi, F. (2008), as

queimaduras ocupam o 4º lugar na tabela de acidentes em crianças da Europa e, em relação a Portugal, sabe-

se que, assume o 3º acidente mais recorrente. A lesão por queimadura é das lesões que mais originam dor,

independentemente da idade do utente e tem grande influência em diferentes áreas como biológicas, sociais e

emocionais, daí a sua relevância na prática clínica e sua prevenção. Para além disso, as queimaduras são

lesões produzidas na pele e são classificadas como 1º grau (caracterizada por eritema, hiperestesia, ligeiro

edema e dor, atingindo somente a epiderme), de 2º grau que atingem toda a epiderme e parte da derme

(superficial caracterizada hiperestesia, edema acentuado e por formação de flictenas contendo líquido claro e

eritema na base da flictena; profunda caracterizada pela formação de flictenas contendo líquido claro, coloração

cinzenta ou pérola na base da flictena, edema acentuado, hipoestesia (atinge a derme e portanto os receptores

sensoriais, bem como as glândulas sebáceas), de 3º grau (caracterizada pela destruição total da epiderme e

derme, sem flictenas, coloração escura ou avermelhada e anestesia) e, ainda não há consenso entre este último

grau que, consiste no 4º grau (caracterizado por carbonização total, perda de estrutura como os músculos e

consequentemente perda de função) (Antoon A., Donovan M., 2009; Tecklin, J., 2002; Porter, S., 2005). A

funcionalidade e a taxa de mortalidade são directamente relacionadas com a extensão e profundidade da lesão e

a idade da vítima.

Avaliação

O objectivo da avaliação é determinar o estadio da criança num plano inicial para que possa identificar as

necessidades e antecipar os problemas para que possa direccionar a intervenção (Campbell, S., Vander, D,

Palisano, R., 2000). Assim, o Silvino é uma criança de 4 anos, do género masculino, de raça negra, originário

de Cabo Verde (ilha do Sal), apresentando uma queimadura térmica profunda na região palmar de ambas as

mãos por contacto com a porta do forno (ocorreu à 2 meses), uma queimadura no antebraço esquerdo e parede

4

abdominal anterior por fogo (aos 2 anos) e infecções respiratórias por repetição. Nas crianças, a área total da

superfície da queimadura (ATSQ), é fundamental uma vez que quanto maior a área afectada, pior é o

prognóstico. No entanto, o Silvino apresenta sequelas de uma lesão anterior que lhe proporciona grandes

limitações a nível funcional, como a brida retráctil que apresenta no antebraço esquerdo e zona antero-lateral do

tronco da 1ª lesão. Esta grande limitação indica que o Silvino pode ter adquirido uma posição anti-álgica, comum

em crianças queimadas, uma vez que, é das lesões que mais origina dor, devido às grandes consequências que

tem esta lesão e ao seu longo processo de recuperação (Schechter, N., Berde, C., Yaster, M. (ed.), 2003) Como

há uma lesão das terminações nervosas (considerando que a queimadura é profunda), pode existir, segundo

Campbell, S. et. al. (2000), áreas de hipersensibilidade, bem como alteração nos receptores sensoriais que se

situam na derme. Ou seja, acredita-se que o Silvino adquiriu uma posição anti-álgica, de protecção. Segundo

Schechter, N. et. al. (ed.) (2003), os nociceptores são activados devido à estimulação térmica originando

hiperestesia, sendo interpretada pelo córtex como dor, e a resposta (feedforward) é a posição de flexão/anti-

álgica. Segundo Schechter, N. et. al. (ed.) (2003), “(…) a posição de conforto dos utentes é a de flexão, que

pode originar contraturas. A manutenção de uma posição de flexão permite a fusão entre as novas fibras de

colagénio, resultando na formação de contratura.” Este fenómeno acontece uma vez que é iniciado o processo

de cicatrização, há uma deposição e um aglomerado de fibras de colagénio e de substância sem elasticidade,

que simultaneamente com a contracção das miofibrilhas (derivante da manutenção da posição de flexão)

originam contratura. A deposição de colagénio termina entre 6 a 12 meses após a lesão, resultando a longo

prazo numa cicatriz hipertrófica devido à fusão completa das fibras de colagénio – brida retráctil presente no

cotovelo esquerdo, originando um flexo do cotovelo (-15º) e brida retráctil presente na zona antero-lateral

esquerda do tronco, sendo responsável pelo encurtamento do tronco e um flexo da anca do lado esquerdo

(Schechter, N. et. al. (ed.), 2003). Além disso, segundo Schechter, N. et. al. (ed.) (2003), utentes com pele

escura (como o Silvino), devido às características da pele, estão mais pré-dispostos a hipertrofia das cicatrizes, e

ainda as crianças são mais susceptíveis ao mesmo fenómeno. Ou seja, a posição anti-álgica adquirida durante o

período pós a lesão, bem como a ausência de correcção postural durante o processo de maturação da cicatriz (6

meses), foi propulsor da contracção da cicatriz e consequente diminuição de amplitude articular, perda de

movimento e alteração postural (Tecklin, J., 2002). Conhecer os cuidados que foram prestados ao Silvino após a

1ª lesão são fundamentais para corroborar esta hipótese. Além disso, seria importante conhecer os sinais e

sintomas que o Silvino apresentou aquando da 2ª queimadura, ou seja, se apresentou edema, eritema, o

tamanho da ferida, a cor, presença de flictenas, uma vez que nos permite definir qual o grau concreto de

queimadura a que o Silvino foi sujeito e as suas repercussões. Em relação a esta 2ª lesão, Schechter, N. et. al.

(ed.) (2003) afirma que, a hipertrofia persiste até haver uma maturação completa da cicatriz (que segundo

Campbell, S. et. al., 2000, acontece entre 1.5 e 2 anos após a lesão). Pode ser possível a existência de

cicatrizes hipertróficas nas mãos, uma vez que passaram 2 meses após a lesão (ou, seja, não há ainda uma

maturação da cicatriz) e o Silvino apresenta feridas nas mãos e utiliza um penso fechado, apresentando uma

flexão metacarpo-falângicas e extensão das primeiras falanges e flexão das restantes (da mão esquerda e

direita), resultado da posição anti-álgica, sem qualquer controlo sob a hipertrofia da cicatriz evidenciando-se nas

5

posições já mencionadas, segundo o processo descrito anteriormente. Para além disso, sabe-se que estas

alterações têm repercussões directas na funcionalidade do Silvino como a dificuldade que sente a manusear

objectos pequenos e a pintar animais e flores com os lápis de cera, actividades preferidas desta criança (ver

CIF). Outro factor de extrema importância é o facto de o Silvino só ter procurado assistência média 3 dias após a

2ª lesão, e a intervenção ser procurada 2 meses após o incidente. Este seria um parâmetro importante para

questionar a mãe do Silvino, ou seja, “Porque é que só se dirigiu ao Posto Médico três dias após a lesão?”,

sendo fundamental para conhecer quais os sinais que esta mãe considera serem de alerta, uma vez que,

condiciona a intervenção do Silvino. A intervenção na fase aguda da queimadura nas mãos foi apenas uma

desinfecção com Betadine (sic), sem penso e sem indicação para nova visita. No entanto, a literatura indica que

quanto mais precoce for a intervenção, menor é a limitação ao nível da amplitude articular, formação de cicatriz e

aderências, justificando o motivo pelo qual o Silvino apresenta estas limitações (Campbell, S. et. al., 2000).

Uma vez que a queimadura é uma lesão que afecta a pele, e esta é um órgão vital, afecta a maior parte das

importantes funções da mesma, como a regulação da temperatura, protecção contra infecções, produção de

vitamina D, função sensorial e excretora e regulação dos fluidos corporais. Para além disso a pele é agente

determinante da identidade de cada indivíduo e por isso caracteriza individualmente cada pessoa, daí que

quando afectada tenha grandes repercussões (Tecklin, J., 2002). A avaliação que foi feita no serviço de

urgência aquando da 2ª lesão, indica que a queimadura na região palmar das mãos é profunda e como tal

implica lesão da derme, receptores sensoriais e restantes constituintes da pele, o que, adjunto com as

repercussões já mencionadas, implicam uma alteração do padrão de movimento normal, com alteração dos

mecanismos de feedback e feedforward (Shumway-Cook A. & Woollacott M.J., 2003). Segundo

Shumway-Cook A. & Woollacott M.J. (2003), “as informações periféricas dos sistemas visual,

somatossensorial (proprioceptivo, cutâneo e receptores articulares), e vestibular estão disponíveis para detectar

o movimento e a posição do corpo no espaço em relação à gravidade e ao ambiente”. Com isto, pretende-se

dizer, que estas referências ao SNC (sistema nervoso central) - para que exista o controlo postural – podem

estar alteradas no Silvino, devido às lesões a que foi sujeito. Atentando que é necessário uma avaliação a este

nível para que seja possível definir quais as suas necessidades/problemas. Todas estas posturas são

consequência da dor que a criança sente/sentiu devido às lesões a que foi sujeita. Para além disso, uma vez que

a dor já é um acontecimento com experiência prévia, ou seja, a sensação de dor repetida faz com que o Silvino

recorde a dor inicial (memória) e reage protegendo-se, ou chorando ao contacto, provocando uma pré-

disposição negativa ao toque e à dor. Para além das limitações apresentadas na área da músculo-esquelética, o

Silvino apresenta tosse produtiva (arrastando-se à 1 semana), rinorreia anterior de cor amarela, discreta tiragem

supra costal e cerca de 37.5ºC de febre. Segundo Palminha, J. & Carrilho, E. (2003) a febre é um sinal

comum a quase todos os processos inflamatórios do organismo daí ser inespecífica. Podendo então assumir que

a febre está um pouco acima dos valores normativos (36º - 37ºC) e que pode estar implícito um processo

inflamatório. Atentando aos outros sintomas característicos de patologia respiratória, a rinorreia representa as

secreções oriundas das fossas nasais, variando a sua cor e fluidez (propriedades reológicas). A tosse é o

6

sintoma respiratório mais frequente e a sua principal função é a defesa das vias aéreas, limpando-as de

secreções e corpos estranhos. A tosse é um reflexo a nível laringo-traqueo-brônquico e que se traduz num

processo repentino, e se é produtiva significa que consegue eliminar as secreções da árvore traqueobrônquica,

ou seja produz expectoração (Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). Como dura há uma semana no Silvino, é

aguda, mas também seria importante conhecer as propriedades reológicas da expectoração e podem ser

interpretadas como uma possível infecção respiratória. Uma vez que o Silvino apresenta alterações posturais ao

nível do tronco, segundo Des Jardins, T. (2002), isso implica que os músculos responsáveis pela respiração não

estão no seu comprimento óptimo (mais concretamente o diafragma) e por isso estão em desvantagem

mecânica, provocando diminuição da expansão toráxica e pulmonar, podendo significar uma diminuição da

ventilação, e consequente aumento de trabalho respiratório, traduzindo-se num trabalho dos músculos

inspiratórios acessórios, evidenciando-se numa tiragem supra costal (presente no Silvino). Estando pré-disposto

a infecções respiratórias derivado da diminuição da ventilação por alteração postural, pode existir aumento da

resistência ao fluxo aéreo e originar uma estase de secreções nas vias aéreas (aumenta pelo facto de possuírem

um maior numero de glândulas produtoras de muco), traduzindo-se na tosse, na rinorreia e podendo estar na

origem da febre, dai que seja fundamental uma avaliação mensurável destas alterações pois podem estar

associadas a infecções respiratórias (Pountney, T., 2008). Para além disso, uma vez que o Silvino tem 4 anos, o

sistema respiratório ainda não está completamente maturo e por isso há uma diminuição do número de alvéolos

e uma diminuição do lúmen das vias aéreas, estas características do desenvolvimento aumentam a resistência

ao fluxo aéreo que, como já mencionado, tem as devidas repercussões na acumulação de secreções (Pountney,

T., 2008). Nesta fase, também é relevante lembrar as infecções respiratórias recorrentes que o Silvino

apresenta, sendo possível fazer a associação entre as consequências posturais da primeira queimadura por fogo

e as infecções respiratórias, pelo raciocínio já referido. Infecções respiratórias por repetição, segundo Palminha,

J. & Carrilho, E. (2003), significa que em menos de um ano, o Silvino teve mais de 6 episódios de infecção

respiratória e há uma maior incidência dos 2 aos 4 anos (idade onde se insere o Silvino). Para isso, sabemos

que existem factores predisponentes como as repercussões ao nível do aparelho respiratório derivadas da

alteração postural, o ambiente familiar, ou mesmo agentes infectantes (vírus ou bactérias) ou ambientais

(poluição, más condições habitacionais, fumo de tabaco, humidade, temperatura, etc.). Outro parâmetro

indispensável de ser avaliado será a fase de desenvolvimento onde se encontrava o Silvino antes da

queimadura nas mãos, uma vez que é fundamental para averiguar se ocorreu um possível atraso devido à lesão.

Para isso, perguntas à mãe como: “O Silvino começou a gatinhar com que idade?”; “Com que idade começou a

andar?”; “O Silvino dá-se bem com outras crianças?” seriam fundamentais para relacionar um atraso no

desenvolvimento com as lesões do Silvino. Além desta informação é importante analisar a situação sócio-

familiar do Silvino, uma vez que a última lesão ocorreu derivado de um acidente doméstico na presença da irmã

e a primeira queimadura foi por fogo. Além disso, o irmão (9 anos) também apresenta sequelas de queimadura

por fogo aos 7 anos e a irmã (2 anos) apresenta infecções respiratórias de repetição e anemia, sendo a mãe e a

irmã mais velha (12 anos) saudáveis e o pai desconhecido. Palminha, J. & Carrilho, E. (2003), afirmam que

famílias numerosas, com más condições habitacionais constituem factores de hospedeiro para as infecções

7

respiratórias de repetição, daí que seja fundamental questionar a mãe acerca das condições da casa, do dia-a-

dia da criança (jardim de infância), pois podem existir outros factores propulsores da infecção respiratória. Para

além disso, considerando que o Silvino só se apresentou no posto médico 3 dias após a lesão e ele e o irmão

serem vítimas de queimaduras recorrentes, segundo Tecklin, J. (2002), pode ser indicador de negligência uma

vez que adiou a ida ao posto médico por mais de 12 horas sem justificação viável. Neste sentido, algumas

questões acerca de como aconteceram os acidentes seriam pertinentes. Como: “Onde estava, quando o seu

filho sofreu os acidentes?”; “Onde é que ficam as crianças quando está a trabalhar?”; “Tem medidas contra

acidentes domésticos?”, uma vez que é fundamental perceber o acompanhamento que estas crianças têm, para

eliminar a opção de negligência e desenvolver um plano nesse sentido. Com esta informação pode-se deduzir

que talvez a mãe não seja uma pessoa muito presente no contexto familiar ou alerta para algumas situações,

sendo que Von Amann, G., Nunes, E., et al. (2009) afirma que, esta é um dos factores de risco dos acidentes no

contexto familiar. Além disso, a irmã apresenta anemia revelando má nutrição (restrição dos nutrientes

essenciais ao metabolismo) e infecções respiratórias de repetição (existentes também no Silvino) releva que,

podem estar num ambiente que seja propício a agentes infecciosos (Tecklin, J., 2002). No entanto, o Silvino

apresenta um bom estado de saúde geral, apesar de não sabermos se o Plano Nacional de Vacinação (PNV)

está actualizado e apresenta o peso (18kg) que, segundo Feigelman S., (2009) está dentro do esperado para a

idade dele (± 20kg), apesar disso, não podemos excluir a hipótese de défice nutritivo ou défice imunológico, uma

vez que este pode estar na origem das infecções respiratórias recorrentes (Palminha, J. & Carrilho, E., 2003).

Apesar disso, o Silvino e a mãe recorrem a Portugal por iniciativa própria mas, apenas por preocupação com o

aspecto cicatricial das mãos. Ou seja, a principal preocupação desta mãe é o aspecto estético e não a

funcionalidade da criança. Não será esta uma preocupação menor, considerando os sintomas e repercussões

das lesões major que o Silvino apresenta?

Considerando ainda que a queimadura originou hiperalgesia é de realçar o motivo pelo qual o Silvino reage mal

ao toque e é apreensivo em relação a sair do colo da mãe, sendo este o local de consolo (Silva, I. & Santos, A.,

2011). Com isto pretende-se fazer a ligação entre a figura de vinculação que é a mãe, sendo enfatizada pela 2ª

queimadura podendo estar associada sentimentos de angustia e/ou stress (Lundy-Ekman, L., 2008) e são

determinante para o desenvolvimento do self da criança, uma vez que influenciam a forma como a criança lida

com as lesões recorrentes, a forma como interage com o meio, como decorre o desenvolvimento nas sociedade,

sendo ele a sua independência, as suas competências e a própria aparência (Santos, A., & Silva, I., 2011). Caso

contrário desenvolve um self negativo, comprometendo todos os factores acima mencionados. Para além disso,

a mãe do Silvino assume um papel preponderante na recuperação do filho uma vez que é uma figura

determinante do sucesso da recuperação pois é nela que a criança espelha o conforto e a segurança que

necessita para se familiarizar com as alterações a que foi sujeita (Santos, A., & Silva, I., 2011). Desta forma, é

fundamental alertá-la para a importância da recuperação, bem como as repercussões das queimaduras uma vez

que é de notar uma falta de informação a este nível. Além disso é fundamentar consciencializar a mãe para os

cuidados após alta uma vez que é necessário centrar a intervenção segundo as variáveis que o Silvino

8

apresenta em Cabo Verde, sendo o principal objectivo promover a integração do Silvino no meio onde estava

inserido. Existe ainda a preocupação com a questão cultural uma vez que incluem crenças e valores diferentes

em relação à família, á saúde e doença e que por isso a nossa visão do caso deve incluir estas interpretações

(Stanton B., 2009). Ou seja, a importância que a queimadura assume e as suas repercussões pode ser

diferente e daí as escolhas desta mãe.

Em relação ao exame objectivo, este terá uma grande componente centrada na observação, uma vez que

numa criança desta idade, sabendo que é irrequieta, é difícil avaliar de uma forma quantitativa. O objectivo é

observar de que forma as alterações posturais condicionam a sua mobilidade, bem como um possível atraso do

desenvolvimento psico-motor (DPM) (Tecklin, J., 2002). Todos os parâmetros avaliados nesta fase são devido

ao raciocínio demonstrado no exame subjectivo, ou seja, vamos testar hipóteses e avaliar dados para conseguir

definir problemas com maior exactidão. Uma vez que sofreu a queimadura aos dois anos, pode ser possível que

existam repercussões da mesma (a nível físico, social e emocial) e é fundamental avaliar a sua influência na

aquisição de competências motoras ou até mesmo na DPM normal. Assim, avaliaria o desenvolvimento motor –

Escala de Desenvolvimento Motor Peabody (PDMS) – Sendo que esta escala avalia o desenvolvimento motor,

habilidades finas e grossas em crianças desde o nascimento aos 6 anos, avaliando reflexos, postura,

locomoção, manipulação de objectos, motricidade fina e integração visuo-motora (Saraiva, L. & Rodrigues, L.,

(2007). Através do que já afirmado em relação aos problemas do Silvino, penso ser uma escala pertinente

considerando que dado apresentar tabelas estandardizadas, permite que a criança inicie o teste, considerando

os itens para a sua idade, seguindo uma classificação de 0 a 2 (0- não executa; 1- proficiência mínima; 2-

proficiência óptima), podendo ainda ser possível uma avaliação individual de cada grupo através da consulta das

tabelas estandardizadas (Saraiva, L. & Rodrigues, L., 2007). Esta escala tem a vantagem de permitir a

comparação das skills que são esperadas para uma criança sem patologia para a idade do Silvino e caso

apresente um atraso de desenvolvimento, iremos reabilitá-lo nesse sentido, uma vez que este apresenta uma

lesão que pode ter um atraso ou mesmo um comprometido do desenvolvimento neuro-motor (Saraiva, L. &

Rodrigues, L., 2007). Um factor importante a considerar a quando da aplicação desta escala é o facto de o

Silvino apresentar dor sempre que se mexe ou se pede movimentos ao nível do punho e dedos, por isso é

fundamental que se ao nível do grupo da manipulação de objectos e motricidade fina, caso seja demasiado

desconfortável para o Silvino não aplicar este grupo e considerar somente a pontuação dos grupos restantes,

sem que esta seja alterada, pelas tabelas de estandardização. A avaliação da cicatriz é fundamental para

determinar a necessidade e a eficácia do tratamento, no entanto esta será avaliada de uma forma qualitativa,

sendo que o objectivo é medir a sua mobilidade, flexibilidade, aderências, vascularização de forma a documentar

as alterações da cicatriz ao longo da intervenção. A utilização de fotografias pode ser pertinente como forma de

comparação/documentação da evolução da mesma. A avaliação das cicatrizes do antebraço e na zona antero-

lateral do tronco pode ser efectuada através da palpação ou até mesmo da massagem (Tecklin, J., 2002).

Neste caso, como se trata de uma brida retráctil poderá existir grandes aderências, perda de mobilidade e de

flexibilidade, resultando no encurtamento que é evidenciado no cotovelo, na anca e no tronco. Avaliação dos

9

Sinais Vitais, uma vez que são responsáveis pela monitorização dos órgãos vitais do organismos e representam

valores de alerta indispensáveis de serem avaliados numa criança que apresenta alterações respiratórias e

febre. A medição destes valores é fundamental pois permite-nos monitorizar a condição, o processo de tomada

de decisões, a intervenção e perceber qual a sua efectividade sobre o Silvino. Assim avaliaria a dor com a

Escala de dor Face, Legs, Activity, Cry and Consolability – FLACC - Esta deve ser avaliada para existir uma

monitorização da mesma, uma vez que a dor em excesso pode ser responsável por um aumento do

metabolismo, por aquisição de posturas indesejáveis, e aumento do stress (Tecklin, J., 2002), que podem ser

factores presentes no Silvino e que é necessário eliminar para uma recuperação efectiva. A avaliação da dor

deve ser realizada várias vezes ao longo da intervenção diária, considerando que esta é o 5º sinal vital e que por

vezes esta é menosprezada (Batalha L., Reis, G., Costa, L., Carvalho, M., Migues, P., 2009). Além disso, é

fundamental considerar a dor, numa criança que já foi vítima de duas queimaduras e apresenta uma pré-

disposição negativa para o toque. A FLACC inclui indicadores como a expressão facial, o movimento das pernas,

a actividade, o choro e a consolabilidade em que cada item é medido de 0-2 pontos, sendo a pontuação total de

0-10 pontos (0 - sem dor e 10 - maior dor) (Batalha, L. et. al., 2009). A escolha desta escala permite uma

avaliação da intensidade da dor de uma forma rápida e simples, avaliando a dor de diferentes formas, sendo

benéfico para a população pediátrica, permitindo um controlo seguro sobre esta variável, podendo ser utilizada

desde o nascimento até aos 4 anos (Batalha, L. et. al., 2009). Esta escala é também vantajosa uma vez que a

criança já verbaliza e pode fazer uma auto-avaliação da dor. Avaliava também a temperatura uma vez que o

Silvino apresenta febre ligeira e pode ser indicador de infecção ou risco de infecção como foi descrito

anteriormente (Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). Além disso, enquanto o Silvino apresentar uma temperatura

acima dos valores normativos, irá ter uma pré-disposição à infecção respiratória, que como foi descrito, pode

estar presente nesta criança. Outro indicador que seria relevante de avaliar seria a frequência respiratória, uma

vez que, foi colocada a hipótese de existir alterações ao nível da ventilação e este parâmetro pode ser útil para

averiguar qualquer alteração nos valores de referência para determinar se poderá estar presente uma possível

insuficiência respiratória, de forma a não colocar em risco o bem-estar da criança (Des Jardins, T. 2002).

Considerando a amplitude de movimento, a sua avaliação é fundamental, uma vez que há a presença de bridas

retrácteis, podem ser um factor preponderante na limitação do movimento (Tecklin, J., 2002). Sendo assim

avaliaria as amplitudes articulares com o goniómetro de forma a conseguir uma avaliação mensurável e ao

mesmo tempo fácil de executar numa criança de 4 anos. Esta avaliação permite perceber o grau exacto de

encurtamento ou comprometimento articular no Silvino e, a não esquecer, a importância de o informar de tudo o

que vai acontecer uma vez que este não aceita bem o contacto manual. Esta deve ser efectuada na articulação

do cotovelo (flexão e extensão), rádio cárpica inferior (pronação e supinação), no entanto não deve ser

efectuada nas restantes articulações do punho e dedos, uma vez que a cicatriz não se encontra fechada e

podem estar a ser implementadas forças de tensão que podem levar a um aumento do diâmetro da ferida. Na

articulação coxo-femural deve ser realizada medição da flexão, extensão, hiperextensão, abdução, adução e

rotação interna e externa. A avaliação da amplitude articular do tronco deve ser feita qualitativamente, ou seja,

10

ver até onde consegue chegar com as mãos (percorrendo os membros inferiores) nos movimentos de flexão,

extensão, inclinação lateral e rotação direita e esquerda do tronco, para se averiguar a presença de

restrição/ausência de movimento. Na avaliação da força esta é pertinente de ser avaliada uma vez que devido à

posição anti-álgica e com a diminuição de movimento das articulações pode existir alteração da força uma vez

que há uma alteração do comprimento óptimo muscular (Magee, D., 2002). Desta forma, esta seria avaliada

através de teste musculares nos principais grupos musculares das zonas afectadas com excepção do punho e

dedo, uma vez que o Silvino apresenta ainda uma ferida aberta na zona palmar de ambas as mãos. Assim a

força seria avaliada nos abdominais, flexores e extensores do cotovelo esquerdo, flexores e extensores da anca

esquerdas, usando o membro contra lateral como forma de comparação.

Considerando que ocorreu uma lesão tecidular, comprometendo a integridade das terminações nervosas e dos

receptores sensoriais é de extrema importância avaliar a sensibilidade da área lesionada da primeira lesão, uma

vez que a função sensorial pode estar afectada (Lundy-Ekman, L., 2008). Da segunda queimadura, a ferida

ainda se encontra aberta e iria estar a colocar a estrutura sob demasiado stress colocando em risco o bem-estar

do utente. A avaliação da sensibilidade é fundamental como mecanismo de protecção, uma vez que tem como

objectivo impedir o surgimento de novas lesões accionando um alerta sobre ao córtex, havendo então uma

resposta/reacção. Este alerta é fundamental como forma de prevenir novas lesões, bem como para a mãe, para

que esta consiga impedir o surgimento de novas lesões ou ainda orientar para os cuidados a ter nas AVD’s. A

sensibilidade engloba a sensibilidade dolorosa e térmica. Sendo que a dolorosa pode ser avaliada através do

contacto de uma superfície afiada (agulha) e uma ponta arredondada (ponta de um lápis) na pele cicatrizada,

sendo que o Silvino deve identificar que tipo de objecto (afiado/redondo) sente. E a sensibilidade térmica é

avaliada colocando um objecto frio (gelo) e um objecto quente (tudo de ensaio com agua morna) na pele

cicatrizada e o Silvino deve discriminar quais das sensações térmicas que sente (Shumway-Cook, A. &

Woollacott, M., 2003). Para além disso sem a função sensorial não é possível que o corpo se adapte as

modificações posturais na realização de actividades funcionais, uma vez que não possui capacidades

antecipatórias do movimento, sendo que este é responsável pelo controle postural (Pountney, T., 2008). Para

além disso, é ainda indispensável de avaliar a propriocepção, para isso o Silvino tinha de ser capaz de

discriminar os movimentos que estivessem a ser sujeitos na articulação do cotovelo e da anca esquerdas, sendo

capaz de descrever a posição da articulação, caso contrário pode estar presente uma alteração da sensibilidade

profunda (Shumway-Cook, A. & Woollacott, M., 2003).

Em relação à área cardio-respiratória, sabe-se que a rinorreia do Silvino é amarela (purulenta), mas seria

importante conhecer outras características como a fluidez e quantidade, uma vez que estas propriedades podem

traduzir diferentes patologias (Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). O Silvino apresenta as mucosas hidratadas

e coradas, indicando que não há aderências das secreções e não é necessária hidratação das mesmas

(Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). No entanto, e uma vez que o Silvino apresenta tosse produtiva seria

fundamental avaliar a auscultação, sendo que é possível identificar a localização de obstruções nas vias aéreas

e a localização de zonas de ventilação reduzida (Poustiaux, G., 1990). A partir disso, é importante interpretar que

como o Silvino tem tosse produtiva não é necessária nenhuma técnica específica para remoção ou libertação de

11

secreções uma vez que elas se apresentam nas vias aéreas proximais, caso contrário a técnica seria

seleccionada consoante a fase onde foram sentidas os ruídos respiratórios. Caso existisse ausência de ruído

respiratório poderia significar zonas de ventilação reduzida e/ou ausente, podendo ser indicativo de outra

patologia. A expectoração deve ser avaliada nas mesmas medidas que a rinorreia, ou seja, conhecer as

propriedades reológicas do muco, para conseguir discriminar a sua origem/processo patológico (Des Jardins, T.

2002).

Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) do Silvino:

Estrutura/função Actividade Participação social

Queimadura cicatrizada e brida na

região anterior do cotovelo

esquerdo;

Queimadura cicatrizada e brida na

região antero-lateral do tronco

esquerdo;

Diminuição da amplitude dos

movimentos globais;

Flexo do cotovelo (-15º);

Encurtamento do tronco

esquerdo;

Flexo da anca;

Infecções respiratórias por

repetição;

Ferida aberta na palma das mãos

derivado da queimadura.

Dificuldade em utilizar lápis de

cor;

Dificuldade em desenhar flores e

animais;

Dificuldade em manusear

objectos pequenos.

Limitação em brincadeiras que

exijam motricidade fina,

movimentos do tronco,

movimentos da anca e cotovelo

esquerdo;

Presença de cicatrizes (alteração

do aspecto físico).

Factores pessoais Factores ambientais

Peso (-) ?;

PNV (-) ?;

Apreensivo ao toque (-);

Consolável ao colo da mãe (+);

Raça Negra (+-);

Colaborante (+).

Condições habitacionais? (-);

Família numerosa e monoparental (-);

Deslocado de casa (-);

Cultura diferente (-).

Principais problemas

- Limitação das AVD’s que envolvam o manuseamento de objectos pequenos como os lápis de cor, a mobilidade

do tronco, da anca ou das mãos, e outras actividades que promovam o desenvolvimento e integração social;

12

- Presença de ferida aberta na palma das mãos;

- Dor ao toque e movimento de ambas as mãos;

- Diminuição da amplitude articular do punho e dedos de ambas as mãos;

- Aumento da hipertrofia da cicatriz na zona antero-lateral esquerda do tronco (presença de brida

retráctil);

- Aumento da hipertrofia da cicatriz na zona anterior do antebraço esquerdo (presença de brida

retráctil);

- Diminuição das amplitudes articulares do cotovelo esquerdo (extensão);

- Diminuição das amplitudes articulares da coxo-femoral esquerda (extensão);

- Diminuição da amplitude articular do tronco esquerdo (consoante as limitações apresentadas no

exame objectivo);

- Presença de infecções respiratórias recorrentes (apresentando sinais de tosse produtiva, rinorreia e febre).

Diagnóstico funcional

Tendo em conta os aspectos avaliados anteriormente, foi estabelecida uma hipótese explicativa que permitiu a

formulação de um diagnóstico funcional.

J.I.V., de 4 anos, é uma criança que, apresenta limitações ao nível das actividades que envolvam motricidade

fina como a utilização de lápis de cera e em desenhar animais e flores, no movimento do tronco e do cotovelo

esquerdo e ambos os punhos, afectando portanto a funcionalidade desta criança na realização das AVD’s. No

entanto o Silvino, é uma criança colaborante, mas apreensiva ao toque sendo reconfortável ao colo da mãe. Foi

diagnosticada uma queimadura térmica profunda ao nível da região palmar de ambas as mãos por contacto com

a porta do forno que ocorreu à 2 meses. Apresenta ainda cicatriz na zona abdominal antero-lateral e na zona do

antebraço/punho esquerdo, resultado de uma queimadura térmica profunda por fogo aos 2 anos. Neste

momento, apresenta como principais problemas a presença de ferida aberta nas cicatrizes das palmas das

mãos, limitações articulares ao nível da extensão do cotovelo esquerdo (-15º), inclinação lateral esquerda do

tronco e flexo da anca esquerda, bem como, limitações ao nível do punho e dedos e dor ao toque e ao

movimentos dos punhos. O Silvino apresenta ainda infecções respiratórias recorrentes (traduzindo-se em tosse

produtiva, rinorreia, ligeira tiragem supra-costal e febre - 37ºC), que são agravadas pela formação de brida

retráctil na região antero-lateral esquerda do tronco. Sendo que, apresenta ainda alterações posturais agravadas

pela formação da brida na região anterior do cotovelo esquerdo e zona antero-lateral do tronco esquerdo, bem

como e das feridas abertas presentes na zona palmar das mãos.

Prognóstico

Como factores positivos temos o facto de ser consolável ao colo da mãe, sendo este um refúgio, o facto de o

Silvino ser uma criança colaborante é indispensável para uma intervenção eficaz, a presença de rinorreia que

indica fluidez das secreções sem aderências, a tosse produtiva sendo que é eficaz na expulsão de secreções,

evitando um episódio de obstrução (Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). Em relação aos factores negativos

13

estes incluem a idade, uma vez que implica maiores repercussões (Campbell, S. et. al., 2000), o facto de estar

deslocado de Cabo Verde, existindo ainda uma ansiedade extra por parte da mãe para voltar para junto da

restante família e ainda o facto de o Silvino ser uma criança chorosa ao contacto, uma vez que comprometem o

desenvolver da intervenção. Ainda neste contexto o facto de ser uma família numerosa e monoparental é

negativo uma vez que há uma menor atenção para cada criança e são mais susceptíveis a acidentes (Silva, I. &

Santos, A., 2011). O facto de o Silvino apresentar infecções respiratórias por repetição, febre e ligeira tiragem

supra-costal são factores negativos, uma vez que condicionam a actual situação de saúde da criança

(Palminha, J. & Carrilho, E., 2003). Aquando da primeira lesão, o Silvino desenvolveu bridas retrácteis na

zona do antebraço esquerdo e zona antero-lateral esquerda do tronco, uma vez que a lesão ocorreu aos 2 anos

e as cicatrizes já se encontram maturas (Tecklin, J., 2002). Considerando as repercussões da segunda lesão, o

Silvino apresenta como factores negativos a ausência/escassez de intervenção na fase aguda e por isso

apresenta ainda feridas abertas nas palmas das mãos e dor ao toque e movimento, condicionando assim, a

intervenção (Campbell, S. et. al. 2000). Além disso o Silvino apresenta encurtamento ao nível do tronco

esquerdo, flexo da anca, flexo do cotovelo e dificuldade em manusear objectos pequenos, como os lápis,

condicionando assim a mobilidade do Silvino. Outro factor negativo seria a profundidade da lesão, no entanto

não existe informações suficientes a esse nível. Analisando os factores enumerados acima, considera-se que o

Silvino apresenta um prognóstico positivo, uma vez que, apesar de existir muitos factores que influenciam

negativamente a intervenção, estes são modificáveis e serão alterados com a intervenção. Espera-se que a

cicatriz das mãos esteja matura entre 1.5 e 2 anos (Campbell, S. et. al., 2000).

Objectivos de Intervenção

Uma vez que a mãe do Silvino pretende regressar a Cabo Verde dentro de um mês, este será, então o limite

possível para a recuperação desta criança em Portugal. Assim o plano de intervenção irá ser definido dando

enfoque à funcionalidade, diminuindo as limitações funcionais já mencionadas, bem como devolver ao Silvino a

função que lhe foi retirada pelas restrições e sequelas das queimaduras. Uma vez que o período de intervenção

é curto, achei pertinente não definir objectivos de curto prazo, uma vez que nesse período não iria terminar

nenhum objectivo e este seria continuado no médio prazo, sendo mais ou menos relevante consoante a resposta

do Silvino à intervenção.

Curto e Médio prazo (1 mês) – todos os dias

- Controlo do processo de retracção e hipertrofia das feridas abertas das mãos;

- Diminuição da dor/sensação de desconforto ao toque e aos movimentos dos punhos e mãos;

- Diminuição dos sinais e sintomas provocados pela infecção respiratória

- Informar/aconselhar a mãe do Silvino para os cuidados na prevenção de acidentes domésticos,

nomeadamente as queimaduras, bem como nos cuidados a ter com a condição actual do Silvino;

- Diminuição da hipertrofia e contractura resultante da brida retráctil na região anterior do antebraço

esquerdo e na região abdominal antero-lateral esquerda;

14

- Diminuição das alterações posturais, nomeadamente, do encurtamento do tronco à esquerda, do flexo

da anca esquerda e do flexo do cotovelo esquerdo;

- Aumento das amplitudes articulares no tronco, na anca esquerda e no cotovelo esquerdo;

- Diminuição da flexão do punho e das metacarpo-falângicas, extensão das primeiras falanges e flexão

das restantes em ambas as mãos;

- Aumento da funcionalidade em actividades que envolvam movimentos do tronco, da anca esquerda e

do cotovelo esquerdo;

- Aumento da funcionalidade em actividades que exijam manipulação de pequenos objectos, como na

actividade de pintar com lápis de cor.

Longo prazo (em Cabo Verde)

- Promover a independência e autonomia do Silvino em actividades;

- Maximizar a função do Silvino em actividades que exijam a motricidade fina;

- Inserção de actividades físicas que promovam a funcionalidade e intervenção contínua.

Intervenção

A Massagem como forma de iniciar a intervenção ajuda o utente a relaxar para então depois progredir para

exercícios mais desconfortáveis ou que exijam mais dor (Campbell, S. et. al., 2000). Tem como objectivo

promover a diminuição/libertação das aderências, aumentar a elasticidade dos tecidos, bem como promover o

alongamento tecidular visando um aumento da amplitude articular do cotovelo e da anca e tronco esquerdos.

Tem ainda efeitos na diminuição de dor, do stress e da depressão, ajudando o Silvino a ser mais colaborante na

intervenção. Segundo Domenico, G. (n.d.), seleccionaria as técnicas de effleurage (superficial e profunda) e

petrissage (amassamento, rolamento, torção e descolamento) e seria aplicada entre 15 a 20 minutos. A selecção

destas técnicas consistiu nos seus efeitos ao nível da dor, pelo que com a aplicação da massagem os

mecanoreceptores (presentes na pele) são estimulados, transmitindo informação ao Sistema Nervoso Central

(SNC) inibindo a transmissão de dor, diminuindo o seu score (Domenico, G., n.d.). Através da técnica de

descolamento na petrissage é possível diminuir as aderências dos tecidos. Esta aderência é uma consequência

da manutenção da posição anti-álgica, que originou a formação de cicatrizes hipertróficas (bridas retrácteis) e

que poderá ser alterada pela massagem promovendo um aumento de mobilidade e extensibilidade da pele e dos

tecidos subcutâneos que resulta num aumento de amplitude articular (Campbell, S. et. al., 2000). Sem estes

ganhos, não irá ser possível promover um aumento da amplitude articular, parâmetro fundamental nesta fase de

intervenção. Aqui, a preocupação, será a ferida aberta na zona palmar das mãos uma vez que não poderá ser

realizada massagem nessa área. A aplicação de parafina acompanhada com o alongamento passivo é

fundamental, sendo que promove, segundo Campbell, S. et. al., 2000, o alongamento, bem como a

extensibilidade da cicatriz que limita a amplitude articular. A parafina só deve ser utilizada nas cicatrizes

15

já maturas, uma vez que utiliza propriedades como o calor superficial que não são aconselháveis a

cicatrizes que ainda estão susceptíveis às alterações térmicas (Campbell, S. et. al., 2000). A parafina é

preferencialmente aconselhada para cicatrizes que limitam a amplitude de movimento, assim deve ser

utilizada nas cicatrizes que são responsáveis pelo encurtamento do tronco, pelo flexo da anca e do

cotovelo esquerdos. A parafina deve ser aplicada após promover um alongamento máximo passivo da

articulação, em que de seguida é aplicada uma camada de parafina e deve manter-se durante 20 a 30

minutos (Campbell, S. et. al., 2000). Segundo o mesmo autor, a literatura evidencia um aumento da

amplitude de movimento de cerca de 5 a 10º após o tratamento. Para as bridas presentes na zona

anterior do cotovelo esquerdo e zona antero-lateral esquerda do tronco, Campbell, S. et. al., (2000),

aconselham a utilização de ultra-som, uma vez que este produz um aumento da temperatura nos

tecidos profundos, aumentando assim a extensibilidade dos tecidos e diminui a dor associada ao

alongamento. Esta intervenção vai permitir a libertação de algumas aderências ao nível das bridas

retrácteis de forma a promover um aumento da amplitude articular e consequente diminuição dos

encurtamentos (Campbell, S. et. al., 2000). Uma vez que ainda que o processo de maturação da

cicatriz presente na palma das mãos ainda mão terminou, o processo de intervenção neste caso, pode

ainda ser conservador, atendendo que ainda apresenta feridas abertas e limitações ao nível das

amplitudes articulares do punho e dedos de ambas as mãos (Tecklin, J., 2002). A intervenção a este

nível é imprescindível considerando as limitações funcionais que o Silvino apresenta. Considerando

isto e, segundo Tecklin, J. (2002), uma das intervenções que poderá ser útil será a utilização de talas, uma vez

que estas visam o alinhamento correcto do segmento, bem como um comprimento óptimo dos tecidos,

promovendo assim um alongamento das estruturas que se encontram encurtadas. Com isto pretende-se afirmar

que às forças existentes de retracção da ferida, irão ser sujeitas forças de tracção, confrontando assim os efeitos

da deposição de colagénio, promovendo um alinhamento correcto dessas fibras, impedindo assim a posição

anti-álgica preferencial do Silvino. Uma vez que o Silvino apresenta ainda feridas abertas com aplicação de um

penso fechado é fundamental uma boa interacção entre a equipa multidisciplinar aquando da mudança do penso

desta criança, uma vez que, segundo Tecklin, J. (2002), a mudança de penso é um dos momentos com maior

stress. Esta informação aliada ao stress provocado pelas queimaduras e pela própria situação onde se encontra

o Silvino é fundamental diminuir toda a ansiedade, promovendo um ambiente familiar e óptimo para a

recuperação. Usufruindo do facto da ferida estar exposta durante o período de mudança de penso, deve,

segundo Tecklin, J., (2002), proceder-se à mobilização passiva das articulações afectadas contrariando os

movimentos adquiridos pela posição anti-álgica, procedendo assim à sua avaliação. Na colocação do novo

penso, devem ser tidos cuidados extra, nomeadamente no alinhamento articular, na exacerbação da dor, para

que os objectivos sejam cumpridos (Tecklin, J., 2002). Relativamente à presença dos encurtamentos ao nível

dos flexores do cotovelo esquerdo, inclinação lateral esquerda e flexores da anca esquerdo, é necessário, um

plano de alongamento, uma vez que já foi iniciada a intervenção ao nível das bridas retrácteis. Assim já existem

16

ganhos ao nível da amplitude articular, que foram conseguidos pela intervenção anterior. Os alongamentos

estáticos, apresentam uma maior efectividade nesta fase, promovendo uma flexibilidade segura e é importante

considerar a mesma dadas as restrições apresentadas pelo Silvino (Petty, N., 2008). Os alongamentos estáticos

consistem na permanência de uma posição durante um espaço de tempo, servindo-se de movimentos

controlados, lentos, promovendo um alinhamento correcto, contribuindo para um aumento da flexibilidade

(Porter, S. 2005). Relacionando este parâmetro com a aplicação da parafina ou dos ultra-sons, que já promovem

uma libertação de aderências, atingindo ganhos directos na amplitude articular, os alongamentos diminuem o

encurtamento responsável pelas alterações posturais presentes no Silvino. É indispensável lembrar que os

alongamentos não irão ser efectuados na zona dos punhos devido à presença das feridas abertas. Assim que o

Silvino apresentar um melhoramento ao nível do alinhamento do tronco e diminuição dos encurtamentos ao nível

da anca, é esperado alteração ao nível da ventilação e hipersecreção, pelo que as infecções respiratórias devem

ser menos frequentes. Segundo Campbell, S. et. al. (2000), “a aplicação de exercícios de neuro-

desenvolvimento como técnicas de intervenção é fundamental para atingir o objectivo de ganho de amplitude

articular, através do ganho de controlo postural, mobilidade com actividade apropriadas para o estadio de DPM

onde se encontra”. Para além disso, nunca esquecer a componente lúdica de todos os exercícios, que é

fundamental para que o Silvino apresente uma abertura disponível à intervenção e ainda se mostre colaborante

(Campbell, S. et. al., 2000). Tudo é útil, como os brinquedos didácticos ou ainda brincar com um bocadinho de

plasticina. O objectivo será sempre promover o bem-estar físico e psicológico destas crianças. Em casa, é

fundamental que a família esteja dentro das necessidades do Silvino e que o ajudem a cumprir os objectivos, ao

mesmo tempo que o preparam para um aumento da sua funcionalidade. É indispensável realizar um folheto para

a família do Silvino onde estejam descritos os sinais e sintomas de alerta das infecções respiratórias, bem como

um plano de cuidados a ter com o tecido cicatrizado e um plano de alongamentos para optimizar a

funcionalidade do Silvino. É indispensável que o Silvino continue a fazer os exercícios de alongamento em casa

e que estes estejam inseridos no dia-a-dia da criança, considerando a dinâmica familiar existente (Campbell, S.

et. al., 2000). Informar a mãe do Silvino que é fundamental que ele seja inserido em actividades físicas que

promovam os objectivos definidos, mas também a interacção social, bem como um aumento da funcionalidade e

sejam ao mesmo tempo agradáveis e divertidas para o Silvino. Actividades como a natação, o ciclismo e/ou a

dança (Campbell, S. et. al., 2000).

Indicadores de reavaliação

Fundamental continuar a monitorizar os sinais vitais, uma vez que dizem respeito à monitorização dos órgãos

vitais, responsáveis por manter um bom funcionamento do organismo. O preenchimento da FLACC e da Escala

de Peabody (PDMS) são fundamentais para que haja um método de comparação entre o inicio da intervenção e

o final, de forma a prever se houve uma recuperação fase às lesões apresentadas pelo Silvino, espera-se ainda,

uma diminuição da dor e um retorno do desenvolvimento psico-motor (caso o tivesse apresentado aquando a

primeira avaliação). Da mesma forma que, devem ser constantemente reavaliadas as amplitudes articulares dos

movimentos já referidos no exame objectivo, da força muscular, e caso tenha existido alteração aquando da

17

avaliação da sensibilidade, é necessário realizá-la novamente. Nestes parâmetros espera-se ainda que haja um

aumento da amplitude articular, uma diminuição dos encurtamentos, um aumento de força muscular,

acompanhados pela diminuição da hipertrofia das bridas retrácteis.

Critérios de alta

Para que o Silvino tenha alta da fisioterapia deve:

- Ausência de sinais e/ou sintomas de infecção respiratória;

- Diminuição do encurtamento do flexo do cotovelo esquerdo, da inclinação lateral esquerda do tronco esquerdo

e do flexo da anca esquerda;

- Aumento das amplitudes articulares ao nível da extensão do cotovelo e da extensão da anca;

- Diminuição da hipertrofia das cicatrizes que o Silvino apresenta na zona anterior do cotovelo esquerdo e zona

antero-lateral esquerda;

- Abolição da dor ao toque e diminuição da dor ao movimento dos punhos;

- Ausência de dificuldade em actividades funcionais como manusear objectos pequenos, usar lápis de cor e

pintar flores e animais;

- Demonstração de conhecimento acerca dos sinais e sintomas das infecções respiratórias, bem como dos

cuidados a ter perante as queimaduras.

Bibliografia

Antoon A., Donovan M., 2009, “Queimaduras” in Kliegman, Behrman, Jenson, Stanton in “Tratado de Pediatria”,

18º Edição, Elsevier – Rio de Janeiro;

Batalha L., Reis, G., Costa, L., Carvalho, M., Migues, P. (2009). Adaptação cultural e validação da

reprodutibilidade da versão Portuguesa da escala de dor Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) em

crianças. Revista Referência. II Série, nº10:7-14.

Campbell, S., Vander, D, Palisano, R. (2000). Physical Therapy for Children. (2ª ed.). 29:818-835. Linden:

Phyladelphia.

Des Jardins, T. (2002). Cardiopulmonary anatomy e physiology – Essentials for respiratory care. (4º ed.). USA:

Delmar (Thomson Learning).

Domenico, G. (n.d.). Técnicas de Massagem de Beard – Princípios e Práticas de Manipulação de Tecidos Moles.

(trad. 5ª ed.). Elsevier.

Feigelman S., 2009, “A criança Pré – Escolar”, Kliegman, Behrman, Jenson, Stanton in “Tratado de Pediatria”,

18º Edição, Elsevier – Rio de Janeiro;

Lundy-Elkman L. (2008). Neurociência. Fundamentos para a reabilitação. (3ª ed.) Brasil: Elsevier Editora Lda.

Magee, D. (2002). Avaliação Musculoesquelética. (3ª ed.). Manole: Brasil.

18

Palminha, J., Carrilho, E. (2003). Orientação Diagnóstica em Pediatria - Dos Sinais, Sintomas ao Diagnóstico

Diferencial. 17:247-310. Lidel:Lisboa.

Porter, S. (2005). Fisioterapia de Tidy (13ª edição). Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda.

Postiaux, G. (1990). Kinésitherapie respiratoire et Auscultation Pulmonaire. Bruxelles: Editions Universitaires.

Pountney, T., (2008). Fisioterapia Pediátrica. Rio de Janeiro, Brasil: Elsevier Editora Lda;

Report on Child Injury Prevention. Retrieved October 10, 2011, from

http://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/European_report.pdf

Saraiva, L. & Rodrigues, L. (2007). Peabody developmental motor scale-2 (PDMS-2): definição e aplicabilidade

no contexto educativo, clínico e científico. Desenvolvimento Motor da Criança. 285-292. Faculdade de

Motricidade Humana: Lisboa .

Schechter, N., Berde, C., Yaster, M. (ed.). (2003). Pain in Infants, Children, and Adolescents. Brun Pain

Management – Avoiding the “Private Nightmare”. (2ªed). 35:642-648. Lippincott Williams & Wilkins: Philadelphia.

Sethi, D., Towner. E., Vincenten, J., Segui-Gomez, M., Racioppi, F. (2008). European

Shumway-Cook A. & Woollacott M.J. (2003). Controle Motor. Teoria e aplicações práticas. (2ª ed.) Brasil:

Manole.

Silva, I., Santos, A. (2011). Qualidade da vinculação e modelo interno de funcionamento do Self, em crianças

vítimas de queimaduras. Revista de Enfermagem Referência. III Série, 3:85-93.

Stanton B., 2009, “ Questões Culturais no atendimento Pediátrico”, Kliegman, Behrman, Jenson, Stanton in

“Tratado de Pediatria”, 18º Edição, Elsevier – Rio de Janeiro;

Tecklin, J. (2002). Fisioterapia Pediátrica. (3a edição). Artmed: Porto Alegre, Brasil

Von Amann, G., Nunes, E., et al. (2009). Programa Nacional de Prevenção de Acidentes 2009-2016. Lisboa:

Direcção-Geral da Saúde.

Petty, N. (2008) Príncipios de Intervenção e Tratamento do sistema Neuro-Músculo-Esquelético, Um guia

para terapeutas. Oxford, Reino Unido: Elsevier.