boletim da sociedade portuguesa de psicologia clínica · das licenciaturas e mestrados à...

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1 SOCIEDADE PORTUGUESA DE PSICOLOGIA CLÍNICA Nº1 – Julho 2006 Coordenação: Sector de Publicações da SPPC KAIROS Boletim da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica “A arte é longa, o tempo curto, a ocasião (KAIROS) fugidia, a experiência enganosa.” NOTA EDITORIAL Recentemente foi lançada a Newsletter da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica que terá uma periodicidade trimestral. Este é o primeiro número de uma nova série do boletim “Kairos”. A sua periodicidade será semestral. São ambos veículos de comunicação interna, espaços informativos e de publicação (boletim). Outros objectivos estão programados: uma linha editorial de apoio à formação (interna e externa) e o estudo da possibilidade do lançamento de uma Revista Científica. O grupo de trabalho do Sector “Publicações” está estruturado, motivado e começa a mostrar produtos do seu esforço poucos meses após a tomada de posse da Direcção. Outros sectores têm outros trabalhos produzidos, em gestão ou em projecto. Em prol dos interesses associativos é este o exemplo que nos parece dever ser atendido. António Jorge Andrade ÍNDICE Índice……………….………………............1 Nota Editorial…………..........................1 Artigos de Opinião - Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom Vítor Franco……..………………………..2 - Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Self Self Self Self José Carlos Coelho Rosa………….........4 - A Impor A Impor A Impor A Importância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção com Crianças com Crianças com Crianças com Crianças Raíssa Marcelino dos Santos……..........7 Sublimações…………..………………….10 Eventos Científicos………………………11 Actividades Culturais………...............12 Normas para Publicação no Boletim Kairos, Contactos e Ficha Técnica…..13 Eros e Psique Adaptação de Isaque Neves…….........14 Miguel Ângelo

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SOCIEDADE PORTUGUESA DE PSICOLOGIA CLÍNICA Nº1 – Julho 2006 Coordenação: Sector de Publicações da SPPC

KAIROS Boletim da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica

“A arte é longa, o tempo curto, a ocasião (KAIROS) fugidia, a experiência enganosa.”

NOTA EDITORIAL Recentemente foi lançada a Newsletter da Sociedade

Portuguesa de Psicologia Clínica que terá uma periodicidade

trimestral.

Este é o primeiro número de uma nova série do boletim

“Kairos”. A sua periodicidade será semestral.

São ambos veículos de comunicação interna, espaços

informativos e de publicação (boletim).

Outros objectivos estão programados: uma linha editorial de

apoio à formação (interna e externa) e o estudo da

possibilidade do lançamento de uma Revista Científica.

O grupo de trabalho do Sector “Publicações” está estruturado,

motivado e começa a mostrar produtos do seu esforço poucos

meses após a tomada de posse da Direcção. Outros sectores

têm outros trabalhos produzidos, em gestão ou em projecto.

Em prol dos interesses associativos é este o exemplo que nos

parece dever ser atendido.

António Jorge Andrade

ÍNDICE Índice……………….………………............1

Nota Editorial…………..........................1

Artigos de Opinião

---- Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom Um psicólogo que seja bom

Vítor Franco……..………………………..2

---- Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso

SelfSelfSelfSelf

José Carlos Coelho Rosa………….........4

---- A Impor A Impor A Impor A Importância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção tância do Brincar na Intervenção

com Criançascom Criançascom Criançascom Crianças

Raíssa Marcelino dos Santos……..........7

Sublimações…………..………………….10

Eventos Científicos………………………11

Actividades Culturais………...............12

Normas para Publicação no Boletim

Kairos, Contactos e Ficha Técnica…..13

Eros e Psique

Adaptação de Isaque Neves…….........14

Miguel Ângelo

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Um psicólogo que seja bom

Vítor Franco*

Há poucos dias, telefonou-me uma pessoa amiga pedindo se lhe poderia

indicar um psicólogo, que fosse bom, para uma amiga, uma senhora de sessenta e tal anos,

como fez questão de logo esclarecer.

Dei conta que já tive de procurar responder a pedidos iguais a este muitas

dezenas de vezes; ora para crianças, ora para adultos, casais ou famílias; ora para problemas

específicos ora para situação sobre as quais não havia qualquer informação adicional.

Constatei ainda, e aí com espanto, que a dificuldade em responder a esta solicitação não é

hoje muito menor do que era há 10 ou 15 anos, e que os nomes que acabo por incluir na

minha lista de sugestões não aumentaram por aí além e ela continua a ser demasiado curta e

repetitiva.

No entanto, nos últimos 10 anos o número de licenciados em Psicologia

cresceu exponencialmente, numa autêntica explosão formativa que produziu milhares de

psicólogos, nada tendo a ver com os escassos 250 que em cada ano entravam nas

Universidades portuguesas quando da criação das licenciaturas, em finais dos anos 70. O

número de psicólogos e a sua disseminação por sectores e áreas de actividade não

correspondeu, no entanto, a um significativo aumento das respostas de qualidade em domínios

da avaliação e intervenção clínica, nomeadamente a psicoterapia.

Também há já muitos anos encaro outra dificuldade recorrente: sempre que é

preciso escolher um psicólogo aparecem centenas de candidatos, num ostensivo excesso de

oferta, mas quando é preciso um profissional com formação e experiência clínica sólidas e

consistentes a dificuldade é enorme.

Por certo estas dificuldades não se encontram igualmente repartidas por todo o

território nacional e à carência em algumas cidades e regiões pode opor-se o excesso de oferta

* Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica

Artigos de OpiniãoArtigos de OpiniãoArtigos de OpiniãoArtigos de Opinião

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na capital e nos maiores centros.

A maior procura de psicólogos conduz, sem dúvida, a uma cada vez maior

exigência de formação dos profissionais que querem ter uma actividade clínica,

independentemente dos contextos em que trabalham (sejam serviços de saúde, escolas,

instituições de solidariedade ou consultórios privados).

Desde 1989 a Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica tem vindo a cumprir

um papel fundamental na formação dos psicólogos clínicos de orientação psicodinâmica.

Papel esse hoje ainda mais decisivo, pois alicerça a actividade de um psicoterapeuta que não

centra a sua preocupação no sintoma mas na pessoa, na compreensão da sua vida mental e das

suas relações, na sua subjectividade e motivações, e, por isso, assume que a mudança se

inscreve no desenvolvimento e que a clínica não tem a ver apenas com a patologia.

Dois grandes desafios se nos colocam no avançar neste caminho de coerência

com que a SPPC se comprometeu:

O primeiro consiste em darmos à Sociedade uma dimensão verdadeiramente

nacional, descentralizada, de forma a que os psicólogos espalhados por todo o país possam

aceder, em condições adequadas, às suas iniciativas formativas, profissionais e científicas.

Um primeiro grande passo neste sentido será dado, a breve prazo, com o início do programa

de formação no Porto.

O segundo concretiza-se em assumirmos a Sociedade como um ponto de

intersecção dos Psicólogos Clínicos de orientação psicodinâmica, contribuindo para a sua

formação e actualização permanentes. Vão nesse sentido, a preparação do II Forum de

Psicologia Clínica, de carácter internacional, a realizar no início de 2007 em Lisboa, e o

projecto de um programa de publicações de que faz parte o próprio retomar da edição deste

boletim.

Os desafios que se vão colocar à formação profissional dos psicólogos nos

próximos anos serão grandes e estão já definidas as suas duas grandes balizas: a adequação

das licenciaturas e mestrados à Declaração de Bolonha e a regulação da actividade

profissional decorrente da criação da Ordem dos Psicólogos.

Cremos que daí resultará maior clarificação das competências e

responsabilidades dos psicólogos psicoterapeutas. Pela nossa parte, continuaremos a

privilegiar uma formação psicoterapêutica sólida e coerente que dê aos profissionais bases

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teóricas e técnicas claras, mas que salvaguarde a supervisão enquanto cerne do processo de

formação clínica, entendendo o processo terapêutico pessoal como uma dimensão

fundamental e diferenciadora desse percurso face a outras formações. Mas a qualidade da

prática clínica não se esgota na formação inicial e, por isso, queremos continuar a colocar ao

dispor dos psicoterapeutas meios para irem integrando a sua experiência clínica com

actualização e formação permanentes.

Este é, assim, um projecto de unidade, inovação e coerência a que queremos

agregar todos os sócios na SPPC, assim como aqueles que com ela têm colaborado e, de um

modo geral, todos os que se dedicam à prática psicoterapêutica.

Reflexões sobre o verdadeiro e o falso “self” ∗∗∗∗ José Carlos Coelho Rosa∗∗ Quando se fala de “self”, palavra inglesa que pretende designar o que é próprio de

cada um, há a tendência para pensar de imediato que nos estamos a referir ao autêntico, genuíno

de cada um de nós.

E é verdade. Quer se trate do próprio genuína e autenticamente verdadeiro; quer

do próprio genuína e autenticamente falso. E isto porque o ser falso ou verdadeiro não retira a

genuinidade e autenticidade da sua propriedade.

Uma ideia muito divulgada nos meios próximos da psicanálise é a de que o

desejável é funcionar sempre pelo verdadeiro “self”, sendo o falso “self” uma manifestação de

doença neurótica, quando não mesmo psicótica.

Com o devido respeito, devo dizer que não sou da mesma opinião. ∗ Comunicação apresentada no XV Colóquio da Sociedade Portuguesa de Psicanálise "Entre a Fantasia e a Realidade: o Processo Criativo" A Obra de Donald Winnicott. Coimbra, Novembro de 2002. Publicado na Rev.Port.Psiacnálise, vol. 26(1) em 2005. ∗∗ Psicólogo e Psicanalista

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O verdadeiro “self” é aquela parte do próprio que está mais próxima do pulsional,

como diz Winnicott, enquanto o falso “self” seria produto da educação e resultado da

sociabilização.

Como já Freud dizia em vários dos seus escritos1, o Homem é um animal de horda

que se foi sociabilizando. Assim, foi-se progressivamente adaptando a regras que ele próprio foi

criando e que lhe permitiram ir construindo a sociedade civilizada.

Toda a aquisição tem um preço e, obviamente, a construção da civilização e a

aquisição da cultura foram pagas com o afastamento cada vez maior do estilo de vida e dos

comportamentos mais espontâneos, próprios da horda primitiva.

Nem todos podemos ser artistas, nem todos somos capazes de grande criatividade,

nem todos somos já capazes de “gesto espontâneo”. Dificilmente algum artista hoje pode dizer

que produziu uma obra sem trabalho. Basta olharmos a dificuldade de pintar e desenhar com a

genialidade pseudo-espontânea, mas profundamente cheia de sentido de humor de Miró.

Há uma “falsidade” necessária à sobrevivência da sociedade e da cultura. O

verdadeiro “self”, a manifestar-se na sua genuinidade sem a filtragem do processo secundário,

seria, na maior parte das vezes, de uma violência anti-social sem nome.

Certos procedimentos em pessoas analisadas, não representam uma maior

desinibição, nem informalidade, nem sequer uma maior libertação da expressão e da linguagem,

mas antes impulsividade, egoísmo, anti-sociabilidade ou, no mínimo, falta de educação e

representam, para além de uma análise não conseguida, um ataque aos valores da civilização que

tão caro têm custado ao Homem desde a horda primitiva.

A sociabilização e a educação, para além de resultado da civilização, são

fenómenos estéticos e culturais e, por isso mesmo, criativos e, consequentemente, muito

próximos também do verdadeiro “self”.

Só a contestação impensada e impulsiva pode confundir educação com rituais,

mais ou menos “possidónios” ou “pirosos”, de fala ou de gesto, esses sim provenientes de um

também genuíno, autêntico e, quantas vezes descaradamente estudado, falso “self”.

“Crianças para Sempre” é o título de um livro recente do meu amigo Eduardo Sá.

Mas com cultura, educadas, sociabilizadas e integradas na civilização.

1 “Moisés e o Monoteísmo”, “Totem e Tabú”, “Psicologia de Massas e Análise do Eu”, “O mal-estar na Civilização”, etc.

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Contestar com respeito, afirmar-se sem se impor, saber receber e dar, negociar e

trocar são outras tantas formas de manifestação do verdadeiro “self” suficientemente adaptado

por um certo condimento de contenção a que poderíamos chamar “falsidade”.

Estou em crer, por isso, que não há na saúde mental do homem actual,

propriamente lugar para o verdadeiro nem para o falso “self”. Há sim, um espaço de

sobrevivência e de convivência ironicamente virado para o que se procura ser verdadeiro sem

descurar a possibilidade e a existência do falso que sempre existe em toda a chamada “verdade”.

Winnicott chamou a esse espaço, o “espaço transicional” do jogo.

Jogo, transacção, negociação, flexibilidade contra a cristalização, a rigidez e o

integrismo de qualquer espécie.

Esse “espaço transicional” não permite dogmas, religiões de qualquer natureza.

No entanto, Winnicott, que tanta importância deu ao jogo, nunca se debruçou

sobre um dos temas mais característicos dessa actividade: o humor.

O humor não é bem tolerado pelas religiões, pelos dogmáticos, pelos ditadores e

pelos autocratas. Basta como exemplo ver como Umberto Eco pôde escrever o extraordinário

romance “O Nome da Rosa” baseado só no perigo que constitui o humor, a ironia e o riso para os

dogmas.

Com efeito, com os dogmas não se brinca... Só se pode brincar com a inteligência

e a flexibilidade com que uma criança se olha, sem se levar demasiadamente a sério, mas com a

dignidade de quem realmente se olha, para que a brincadeira e o humor também não descambem

na troça.

Na verdade, o humor só é possível pela manifestação do verdadeiro “self” através

de um processo em que ele mesmo se esconde. Efectivamente, é um processo em que o

verdadeiro “self” transparece, mas não aparece; se exprime escondido atrás da máscara trágica

que é a “persona”2 do teatro grego.

A vida humana parece, pois, só poder ser autenticamente vivida nesse espaço de

jogo, recheado de humor e ironia em que o “verdadeiro” e o “falso” coexistem, permitindo a

desdramatização e relativização do verdadeiro trágico, pela arte do uso moderado e ajustado da

máscara da personalidade civilizada.

2 Não esqueçamos que, para os gregos, a “persona” é o que se mostra, não é o verdadeiro; esconde a verdadeira face do actor, para dar vida à personagem.

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Neste encontro científico, que tem como pano de fundo a evocação do pensamento

e obra de Winnicott, não quero deixar de acentuar a grande contribuição que, em minha opinião,

ele deu para a compreensão das civilizações modernas e para a prática da liberdade nas relações

entre as diversas culturas.

Com efeito, quem poderá viver, sem entrar num violento processo destrutivo, fora

deste “espaço transicional” de coexistência do “verdadeiro” e do “falso”?

Creio que é também neste sentido que o Prof. Doutor Eduardo Sá espera que

sejamos “Crianças para Sempre”, aproveitando o espaço de jogo que a vida em sociedade e o

convívio com os outros e com a diferença nos proporciona.

Como já é bastante frequente, concordo inteiramente com ele.

A Importância do Brincar na Intervenção Psicoterapêutica com Crianças

Raíssa Marcelino dos Santos*

A tentativa de definir “brincar” conduz muitas vezes a descrições alargadas que se

confundem com outros conceitos ou a definições tão reduzidas que se tornam demasiado

limitativas. Não existe uma definição compreensiva do brincar completamente aceite e

generalizada. Inclusivamente, as primeiras definições surgiram caracterizando-o como algo

negativo e prejudicial, como um mal necessário às crianças, sendo considerado de pouco

interesse em termos científicos e de investigação. A definição que aqui interessa e se procura,

constitui-se como uma tentativa de entender o brincar como instrumento de grande relevância

para a intervenção psicoterapêutica com crianças.

Aquilo que poderá distinguir o brincar de outras actividades do ser humano (como

o trabalho, as actividades sociais ou as relações sexuais, por exemplo) será a consciência de que

aquilo que se está a fazer não é real. É uma brincadeira – o comportamento é acompanhado por

* Psicóloga Clínica

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um significado de nível simbólico, sendo isso que permite que a actividade esteja liberta de

consequências. E é este um dos factores que torna o brincar algo de muito importante, de

essencial. Não pode de modo algum ser algo de trivial como noutros tempos se pensava (e, creio

eu, ainda hoje muitas vezes se pensa).

Ao brincar a criança está a ser constantemente estimulada e não apenas a queimar

energia. Ao mesmo tempo que brinca conhece o mundo, as suas regras e as pessoas que a

rodeiam. O brincar permite a expressão de conflitos e afectos, oferecendo-se como uma via de

exprimir aquilo que não é acessível pela palavra. Brincando a criança expressa-se, expressa o seu

mundo e a forma como o vê. Ao mesmo tempo recria esse mundo, procurando, inventando e

experimentando novas formas de compreensão da realidade e das relações. Prepara-se para o

futuro e aprende formas de resolver as situações que se lhe apresentam.

Paralelamente, ao brincar a criança pode imitar o adulto, sem receio de uma

comparação que a colocaria sempre numa posição desfavorável. Este distanciamento leva a

criança a um mundo onde ela tem todo o poder, onde pode criar sem receio, onde as regras dos

adultos não têm valor.

O brincar de uma criança é sem dúvida um indicador do seu desenvolvimento e

uma forma de a compreendermos. Por outro lado, o brincar é por si só uma forma de

desenvolvimento e de estruturação, em que se ensaiam diferentes papéis, se mobilizam defesas e

se integram e elaboram os acontecimentos. Pelo brincar é possível entrar no mundo dos adultos e

treinar os seus comportamentos. Pelo brincar é possível dar nome aos fantasmas internos e

derrotá-los de modo simbólico.

Para além de todas estas funções o brincar tem influência nas diversas áreas da

vida psicológica da criança, sendo um erro considerá-lo uma simples ocupação de tempo livre.

Obviamente a criança não tem consciência disto. Brinca porque é divertido, porque lhe dá prazer.

Deste modo, negar à criança que brinque é negar-lhe a oportunidade de se desenvolver, perdendo

por vezes momentos únicos de aprendizagem, que podem não se repetir. Em nenhum momento a

criança se deve sentir culpada por brincar ou por estar a perder tempo, quando deveria estar a

fazer coisas mais úteis.

Por tudo isto, na psicoterapia, em que a criança é a pessoa mais importante e em

que “comanda” a situação, onde ninguém lhe diz o que fazer ou como fazer, onde não é criticada

(mas onde existem limites, e por isso se sente segura), o brincar desempenha um papel

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fundamental. Há mensagens importantes no brincar da criança, para as quais o psicoterapeuta

deve estar atento e, sobretudo, disponível. As crianças estão em constante crescimento e

mudança, interna e externamente, e este processo dinâmico deve ser acompanhado por uma

abordagem terapêutica igualmente dinâmica.

Apesar de muitas crianças possuírem vocabulário, não têm estruturalmente a

maturação suficiente para poderem associar verbalmente. Os brinquedos servem de mediadores

entre a criança (e as suas vivências internas) e o psicoterapeuta, porque são, por excelência, o seu

meio de comunicação. Os brinquedos são usados como palavras e o brincar é a sua linguagem.

A possibilidade de brincar livremente, ao que quiser, como quiser, facilita a

expressão, a projecção de emoções e de sentimentos. Ao mesmo tempo, a criança experiência um

momento de independência e de autonomia. Escolherá os brinquedos que lhe forem mais

convenientes, fará e dirá aquilo para que estiver preparada e da forma que lhe for possível na

altura.

O psicoterapeuta, ao conter e interpretar, ao dar significado ao que é inominável,

permite à criança transformar e transformar-se. A criança que está perante o psicoterapeuta não

representa um problema para ser analisado, mas é sim uma pessoa que deve ser compreendida.

Porque a brincar podemos fazer tudo... Podemos relacionar-nos, zangar-nos,

podemos amar, matar e morrer. E, sobretudo podemos viver.

Bibliografia:

- Axline, V. (1975). Play Therapy. New York: Ballantine Books.

- Chateau, J. (1987). O Jogo e a Criança. São Paulo: Summus Editorial.

- Coelho Rosa, J. C. & Sousa, S. (coord.) (2006). Caderno do Bebé. Lisboa: Fim de Século.

- Garvey, C. (1992). Brincar. Lisboa: Edições Salamandra.

- Klein, M. (1973). La técnica psicoanalítica del juego, su historia y significado. In Bierman (ed.), Tratado de

Psicoterapia Infantil, Vol. 1 (pp. 170-186). Barcelona: Espax.

- Landreth, G. (2002). Play Theraphy: the art of the relationship. New York: Brunner-Routledge.

- Sá, E. (2000). Psicologia dos Pais e do Brincar. Lisboa: Fim de Século.

- Solnit, A. (coord.) (1987). Psychoanalytic Study of the Child, Vol. 42, 48 e 50. Newhaven: Yale University

Press.

- Winnicott, D. (1975). Jeu et Réalité. Paris: Gallimard.

- Yawkey, T. (1984). Child’s Play – Developmental and Applied. New York: Lawrence Erlbaum.

- Sá, M. (1991). Actas de Psicologia Clínica. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica.

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Fotografia de Henrique Bento

“São coisas do Mundo Retalhos da Vida

São coisas de qualquer lugar” Excerto de “Retalhos” (compositores: Paulo Debétio; Paulinho Rezende / intérprete: Alcione - 1976)

Escritor austríaco nascido em Praga, em 1875, tendo falecido em Valmont, na Suiça, em 1926. A sua criação poética iniciou-se com composições de estilo impressionista, nas quais se antecipam alguns dos temas centrais da sua obra, como por exemplo: a morte, a pobreza, a mística, temas estes envoltos na tendência decadentista da época. A partir de um certo momento, a sua poesia tornou-se impessoal, objectiva, criada a partir das coisas que alcançam a sua expressão na poesia, tendo-se esta atitude desenvolvido em paralelo com um profundo misticismo, culminando nos Sonette an Orpheus (1923) e nas Duineser Elegien(1923). Estas obras questionam quais as possibilidades do homem viver sem Deus, sendo que, desta maneira, a única forma de redenção se vislumbra apenas na criação poética.

Sublimações

A Nona ElegiaA Nona ElegiaA Nona ElegiaA Nona Elegia “Porquê, se é possível viver o prazo da existência, Até ao seu termo, como loureiro, um pouco mais escuro do que Todos os outros tons de verde, com pequenas ondas no rebordo Da folhagem (como o sorriso de um vento) – : porquê então esta Forçosa existência humana –, e, evitando o destino, Ter saudade do destino?... Oh! não porque há a felicidade, Proveito antecipado de uma perda próxima. Não por curiosidade, ou para exercitar o coração, que também haveria no loureiro… Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisas efémeras, que estranhamente nos dizem respeito. A nós, os mais efémeros. Cada uma uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também uma vez. E nunca mais. Mas o ter sido uma vez, mesmo uma só vez: o ter sido terreno, parece irrevogável.” (…)

Rilke, R.M. (2002). As Elegias de Duíno (2ªed.). Lisboa: Assírio & Alvim

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EventosEventosEventosEventos Científic Científic Científic Científicoooossss Julho:Julho:Julho:Julho: II Conferência de Neuropsicologia Data: 1 Julho 2006 Local: Auditório Agostinho da Silva – ULHT, Lisboa, Portugal Organização: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) 45th IPA Congress – Remembering, Repeating & Working Through in Psychoanalysis & Culture Today Data: 25 a 28 de Julho de 2007 Local: Berlim, Alemanha Organização: International Psychoanalytical Association (IPA) Agosto:Agosto:Agosto:Agosto: 114th Annual Convention of the American Psychological Associatiom (APA) Data: 10 -13 Agosto 2006 Local: New Orleans, Louisiana, EUA Organização: APA Outubro:Outubro:Outubro:Outubro: 3rd International Conference on the Work of Frances Tustin Data: 13 a 15 de Outubro de 2006 Local: Veneza, Itália Novembro:Novembro:Novembro:Novembro: VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia Data: 28, 29 e 30 de Novembro de 2006 Local: Universidade de Évora, Portugal Organização: Associação Portuguesa de Psicologia Colóquio “Psicanálise e Cultura ” - O Homem e a(s) Mentira(s) Data: 17 e 18 de Novembro de 2006 Local: Fundação Eng. António de Almeida, Porto, Portugal Organização: Instituto de Psicanálise do Porto

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Actividades CulturaisActividades CulturaisActividades CulturaisActividades Culturais Pintura

Grandes Mestres da Pintura Grandes Mestres da Pintura Grandes Mestres da Pintura Grandes Mestres da Pintura Europeia: de Fra Angelico a Europeia: de Fra Angelico a Europeia: de Fra Angelico a Europeia: de Fra Angelico a Bonnard. Colecção RauBonnard. Colecção RauBonnard. Colecção RauBonnard. Colecção Rau Museu Nacional de Arte Museu Nacional de Arte Museu Nacional de Arte Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) Antiga (MNAA) Antiga (MNAA) Antiga (MNAA) 18-05-2006 a 17-09-2006 «Quartos imaginários» «Quartos imaginários» «Quartos imaginários» «Quartos imaginários» ---- pintura de Nikias Skapinakispintura de Nikias Skapinakispintura de Nikias Skapinakispintura de Nikias Skapinakis Museu Arpad SzéneMuseu Arpad SzéneMuseu Arpad SzéneMuseu Arpad Szénes s s s ---- Vieira da Silva Vieira da Silva Vieira da Silva Vieira da Silva 05-05-2006 a 23-07-2006

Dança «Zero Degrees», de Sidi Larbi «Zero Degrees», de Sidi Larbi «Zero Degrees», de Sidi Larbi «Zero Degrees», de Sidi Larbi Cherkaoui e Akram KhanCherkaoui e Akram KhanCherkaoui e Akram KhanCherkaoui e Akram Khan Centro Cultural de Belém Centro Cultural de Belém Centro Cultural de Belém Centro Cultural de Belém (CCB) (CCB) (CCB) (CCB) 05-07-2006 a 06-07-2006 ««««O Quebra NozesO Quebra NozesO Quebra NozesO Quebra Nozes»»»» Coliseu doColiseu doColiseu doColiseu do Porto Porto Porto Porto 28-11-2006

Fotografia «Na Dupla Sombra das «Na Dupla Sombra das «Na Dupla Sombra das «Na Dupla Sombra das Árvores»Árvores»Árvores»Árvores» Instituto de Investigação Instituto de Investigação Instituto de Investigação Instituto de Investigação Científica Tropical Científica Tropical Científica Tropical Científica Tropical ---- IICT IICT IICT IICT Rua da Junqueira, nº 86 - 1º Lisboa

«1755 O Grande «1755 O Grande «1755 O Grande «1755 O Grande Terramoto», de FilTerramoto», de FilTerramoto», de FilTerramoto», de Filomena omena omena omena Oliveira e Miguel RealOliveira e Miguel RealOliveira e Miguel RealOliveira e Miguel Real Teatro da Trindade Teatro da Trindade Teatro da Trindade Teatro da Trindade De 19 Abril a 29 Julho 4ª-Sab: 21h00; Dom: 16h00 «Metamorphoses», de «Metamorphoses», de «Metamorphoses», de «Metamorphoses», de OvídioOvídioOvídioOvídio Ruínas do Convento do Ruínas do Convento do Ruínas do Convento do Ruínas do Convento do Carmo (Lisboa) Carmo (Lisboa) Carmo (Lisboa) Carmo (Lisboa) 21 e 22 Julho - 22h00

Teatro «Electra», de Sófocles, «Electra», de Sófocles, «Electra», de Sófocles, «Electra», de Sófocles, Eurípedes Eurípedes Eurípedes Eurípedes ---- pelo Théatre pelo Théatre pelo Théatre pelo Théatre National Radu Stanca de SibiuNational Radu Stanca de SibiuNational Radu Stanca de SibiuNational Radu Stanca de Sibiu Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) (TNDMII) (TNDMII) (TNDMII) 4 e 5 Julho - 21h30 «Urgências 2006»«Urgências 2006»«Urgências 2006»«Urgências 2006» Teatro Municipal Maria Matos Teatro Municipal Maria Matos Teatro Municipal Maria Matos Teatro Municipal Maria Matos De 6 a 30 Julho 4ª-Sab: 21h30; Dom: 17h00

«Ilíada,«Ilíada,«Ilíada,«Ilíada, Odisseia e Eneida» Odisseia e Eneida» Odisseia e Eneida» Odisseia e Eneida» ---- encenação de Gianluigi encenação de Gianluigi encenação de Gianluigi encenação de Gianluigi TostoTostoTostoTosto Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II De 19 a 21 de Julho - 21h45 «The Pillowman», de Martin «The Pillowman», de Martin «The Pillowman», de Martin «The Pillowman», de Martin McDonaghMcDonaghMcDonaghMcDonagh Teatro Municipal Maria Teatro Municipal Maria Teatro Municipal Maria Teatro Municipal Maria Matos Matos Matos Matos De 7 Setembro a 15 Outubro 4ª-Sab: 21h30; Dom: 17h00

Música

Ute Lemper Ute Lemper Ute Lemper Ute Lemper –––– Auditório dos Auditório dos Auditório dos Auditório dos Oceanos, Casino de LisboaOceanos, Casino de LisboaOceanos, Casino de LisboaOceanos, Casino de Lisboa 13 de Julho – 22h00 PixiesPixiesPixiesPixies ---- Pavilhão Atlântico Pavilhão Atlântico Pavilhão Atlântico Pavilhão Atlântico 20 de Julho - 21H00 Depeche Mode «PlayinDepeche Mode «PlayinDepeche Mode «PlayinDepeche Mode «Playing The g The g The g The Angel» Angel» Angel» Angel» Estádio José de Alvalade Estádio José de Alvalade Estádio José de Alvalade Estádio José de Alvalade 28 de Julho - 21h30

Caetano VelosoCaetano VelosoCaetano VelosoCaetano Veloso Centro Cultural de BelémCentro Cultural de BelémCentro Cultural de BelémCentro Cultural de Belém 2 de Agosto – 22h00 Rolling StonesRolling StonesRolling StonesRolling Stones Estádio do DragãoEstádio do DragãoEstádio do DragãoEstádio do Dragão 12 de Agosto Simply Red Simply Red Simply Red Simply Red PavilPavilPavilPavilhão Atlânticohão Atlânticohão Atlânticohão Atlântico 07 de Setembro - 21h00

Cinema

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NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE TEXTOS NO BOLETIM “KAIROS”NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE TEXTOS NO BOLETIM “KAIROS”NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE TEXTOS NO BOLETIM “KAIROS”NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE TEXTOS NO BOLETIM “KAIROS” - O(s) autor(es) deverão ser membros da SPPC. - Os textos devem ser originais, podendo ser de opinião ou reflexão acerca de assuntos gerais da actualidade e, sobretudo, de temáticas relevantes para a Psicologia Clínica e para a Psicoterapia Psicodinâmica. - Os textos não devem exceder as 3 páginas dactilografadas a espaço e meio, com letra Times New Roman ou Arial tamanho 12, marginadas a 4 e 1,5 cm. - Os textos devem ser enviados em suporte electrónico (compatível com Word), por email ou em disquete ou CD. - A publicação dos textos será sempre sujeita ao parecer da Coordenação do Boletim, tendo em conta a sua relevância, qualidade e possíveis condicionamentos face ao espaço disponível, estrutura e objectivos do Boletim. - Os textos originais não serão devolvidos, quer sejam ou não publicados. - Os textos serão sempre da exclusiva responsabilidade dos seus autores. - Os membros da SPPC poderão ainda fazer chegar à Coordenação do Boletim informações de interesse geral ou para a classe, para eventual publicação. Morada para envio: A/C Sector Publicações Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica Rua Andrade Corvo Nº50, 6ºdto 1050-009 Lisboa Email: [email protected]

Ficha Técnica

Equipa Isaque Neves, Nádia Oliveira, Raíssa Santos, Teresa Cunha

SECTOR PUBLICAÇÕES: Coordenação: António Jorge Andrade, Graça Marrocano Colaboradores: Isaque Neves, Maria do Céu Paulo, Nádia Oliveira, Raíssa Santos, Teresa Cunha

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EROS E PSIQUE – ADAPTAÇÃO DA NARRATIVA DE APULEIO, POR ISAQUE NEVES

Psique era a mais nova de três filhas de um rei e era extremamente bela. A sua beleza era tamanha que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que apenas eram prestadas à própria Afrodite, mas que agora via os seus templos serem abandonados. Esta, levada pelo ciúme incontido pede ao seu filho Eros para, com uma das suas setas, ferir de amor Psique levando-a a apaixonar-se pelo homem mais vil e desengraçado da Terra. Porém, assim que Eros se confrontou com a sua beleza recaiu sobre ele o próprio amor impedindo-o, por isso, de cumprir o pedido da mãe.

Entrementes, o pai de Psique, vendo que esta não era desposada por nenhum homem, julgou, por esse facto, ter ofendido os deuses e decidiu consultar o oráculo de Apolo. Eros havia falado com Apolo acerca do amor que sentia por Psique e por isso pediu-lhe auxílio. Desse oráculo resultou que o pai devia levar a sua filha, vestida de vestes muito negras, para o cume de uma montanha a fim dela ser desposada por uma terrível serpente alada. Assim o pai fez. Quando a bela jovem foi abandonada à sua sorte, sozinha, no cume da montanha foi imediatamente invadida por um medo profundo. Enquanto chorava chegou até ela uma brisa suave, silenciosa. Era o Zéfiro. Sentiu-se transportada, flutuando pelos ares para um manto de relva ornamentado de aromáticas flores. Adormeceu. Quando acordou encaminhou-se para o interior de um palácio que se exibia à sua frente majestoso. Foi recebida por umas vozes que a despiram dos medos e das roupas para que lhe fosse proporcionado um divino banho e uma olímpica refeição.

Quando a noite inundou o palácio, Psique, sentiu, no lugar de escamas, umas mãos humanas a percorrerem-lhe o corpo ao mesmo tempo que uma voz indizivelmente melíflua e bela lhe falava. Compreendeu com todos os sentidos que não era uma serpente mas sim um deus quem lhe tocava e falava e, na escuridão plena, deu-se ao Amor. Foi a primeira de muitas outras noites semelhantes.

Não passado muito tempo, Psique foi acometida por um sentimento de saudade tremendo pelas suas irmãs, as quais por esta altura a procuravam. Eros, ao saber do seu desejo de reencontrar as irmãs, disse-lhe, com alguma relutância, que poderia vê-las mas alertou-a para que ela nunca, independentemente do que acontecesse, lhe visse o rosto.

Assim se fez. Psique encontrou-se com as irmãs no opulento palácio. Estas, ao avistarem tamanha riqueza e opulência, foram acometidas por uma inveja brutal. Também as suas irmãs logo compreenderam que não poderia ser uma serpente o seu esposo mas sim um deus. Iniciaram imediatamente a fazer perguntas mil a Psique sobre a identidade do seu esposo. Todavia, ela não tinha respostas. Destas perguntas sem resposta começou a nascer a dúvida e a curiosidade dentro de Psique acerca da identidade do seu esposo. “Seria deveras uma serpente como vaticinara Apolo ou seria um deus?” perguntava-se.

Certa noite, motivada não pelo amor mas pelo medo, e enquanto Eros dormia profundamente, Psique aproximou-se lentamente dele, com uma candeia numa das mãos e uma faca na outra, no intuito de ver o seu rosto, o seu desconhecido rosto. Eis o Espanto. O seu esposo não era um mostro mas sim um deus belíssimo. Apesar do alívio não deixou de se sentir culpada por ter violado a sua promessa. Neste turbilhão de sentimentos inclinou-se e um pingo de azeite caiu sobre a carne divina de Eros acordando-o. Este irado com a falta de confiança de Psique diz-lhe, por palavras outras, que ela o traiu e que por isso mesmo ele a abandonaria porquanto o Amor não pode conviver com a desconfiança.

Tudo à volta de Psique desapareceu. Ficou sozinha entregue à solidão e ao desespero durante uns tempos, tempos que pareceram séculos. Porém, decidiu reconquistar a confiança de Eros e para isso encetou uma viagem por todos os cantos do mundo à sua procura.

Após múltiplas provações, proporcionadas pela raiva e ciúme de Afrodite, Psique foi inundada pelo sono profundo.

Eros, que havia estado a recuperar da ferida infligida por Psique, foi ao encontro dela para resgatá-la ao letargo.

E assim, foi Eros quem, uma vez mais, encontrou Psique, e, quem, com o consentimento de Zeus a levou para o Olimpo onde, com uma taça de Ambrósia, ingeriu a imortalidade. Com a imortalidade pôde, para todo o sempre, permanecer ao lado de Eros.