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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO - CAPITAL Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão Que muita gente boa pôs os pés na profissão De tocar um instrumento e de cantar (...) Com a roupa encharcada e alma repleta de chão Todo artista tem de ir aonde o povo está Se foi assim Assim será Cantando me desfaço e não me canso de viver Nem de cantar (Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento e Fernando Brant) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem, perante esse Juízo, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL, autarquia corporativa federal, criada e instituída pela Lei 3857/60, com sede

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Page 1: ACP - Ordem dos Músicos

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO - CAPITAL

Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pãoQue muita gente boa pôs os pés na profissão

De tocar um instrumento e de cantar(...)

Com a roupa encharcada e alma repleta de chãoTodo artista tem de ir aonde o povo está

Se foi assimAssim será

Cantando me desfaço e não me canso de viverNem de cantar

(Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento e Fernando Brant)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da

República ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais

e legais, vem, perante esse Juízo, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face da ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL,

autarquia corporativa federal, criada e instituída pela Lei 3857/60, com sede

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

em Brasília – DF, à SCS, Quadra 4, nº 230, Edifiício Israel Pinheiro, 3º

andar, CEP 70300-500, representada pelo seu Presidente, Sr. WILSON SANDOLI, brasileiro, casado, portador da cédula de identidade nº

1.148.382-9, com endereço no Largo Paissandu, 51, 3º andar, nesta Capital,

e a UNIÃO FEDERAL, representada pelo seu Procurador-Chefe no Estado

de São Paulo, pelos motivos que a seguir passa a expor.

1. DA SITUAÇÃO JURÍDICA E DE FATO QUE ORIGINOU ESTA AÇÃO

A Ordem dos Músicos do Brasil - OMB é uma autarquia

federal, criada pela Lei nº 3.857, de 22 de dezembro de 1960, nos termos

do seu artigo 1º:

“Art. 1º - Fica criada a Ordem dos Músicos do Brasil com a

finalidade de exercer, em todo o país, a seleção, a disciplina,

a defesa da classe e a fiscalização do exercício da profissão

de músico, mantidas as atribuições do Sindicato respectivo.”

Trata-se, pois, de uma daquelas “autarquias corporativas”, com

regime jurídico “especial”, a exemplo do que ocorre com a Ordem dos

Advogados do Brasil – OAB, e Conselhos Profissionais, como Conselho

Federal de Medicina, Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura,

Conselho Federal de Contabilistas, dentre outros.

Essas instituições justificam-se na medida em que destinadas

a prestar serviços públicos, concernentes em realizar o controle e a

fiscalização de profissões regulamentadas, cujo exercício produza reflexos

no interesse público. Ou seja, são corporações investidas de poder de

polícia em relação a determinadas profissões com atuação em áreas de

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manifesto interesse público, nas quais o indevido exercício profissional gera

prejuízos individuais e coletivos de grave repercussão. É justamente o caso

dos advogados, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, engenheiros,

arquitetos e contadores1.

Integradas exclusivamente por membros da mesma profissão,

essas autarquias possuem, em tese, melhores condições para apreciação

da habilidade técnica e da conduta ética do inscrito. Ao mesmo tempo, a

fiscalização e o controle da atuação profissional por seus pares, permite

proteção à independência técnica da carreira, que não será avaliada por

grupos estranhos à realidade do seu trabalho2.

Exercem essas instituições, portanto, típica função pública,

conforme, aliás, decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ao suspender

a eficácia do caput e parágrafos do artigo 58 da Lei nº 9649/98, que tratava

da privatização dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas.

Decidiu, então, a Corte Máxima:

“Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de

Inconstitucionalidade do art. 58 e seus parágrafos da Lei

1 Veja-se o que dispõe o artigo 44 da Lei nº 8906/94, Estatuto da Advocacia e da OAB:“Art.44 - A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”2 Confira-se, ainda, o artigo 2º da Lei nº 3268/57, ao dispor sobre os objetivos do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Medicina:“Art. 2 - O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.”

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Federal nº 9649, de 27.05.98, que tratam dos serviços de

fiscalização de profissões regulamentadas. (...)

Quanto ao mais, porém, as considerações da inicial e do

aditamento de fls. 123/125 levam ao reconhecimento da

plausibilidade jurídica da ação, satisfeito, assim, o primeiro

requisito para a concessão da medida cautelar (‘fumus boni

juris’). Com efeito, não parece possível, a um primeiro

exame, em face do ordenamento constitucional, mediante a

interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21,

XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da CF, a delegação, a

uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que

abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no

que tange ao exercício de atividade profissional. ...” (Ementa

da decisão proferida no pedido de medida cautelar da ADIn

1717-6, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJU 25.2.2000;

grifamos)

Em se tratando, portanto, de instituição pública, que presta

serviço público, inclusive investida de poder de polícia e de tributar, é

evidente que essas corporações somente se justificam constitucionalmente

se presente um interesse público no controle e fiscalização das profissões

regulamentadas.

Esse é justamente o cerne da presente ação: convenceu-se o

Ministério Público Federal, a partir de representação de diversas entidades

representativas de músicos3, que não há interesse público a justificar a limitação imposta ao exercício da profissão de músico, inclusive mediante o reconhecimento de poder de polícia e de tributar à Ordem dos Músicos do Brasil – OMB, e necessidade de registro perante o

3 Representações na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, registradas sob os números 1705/2000 e 4070/2000.

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Ministério da Educação e Cultura, nos termos dos artigos 16, 17 e 18 da

Lei nº 3.857/60:

“Art. 16 – Os músicos só poderão exercer a profissão depois

de regularmente registrados no órgão competente do

Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos

Músicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de

sua atividade.

Art. 17 – Aos profissionais registrados de acordo com esta

lei, serão entregues as carteiras profissionais que os

habilitarão ao exercício da profissão de músico em todo o

país.

...

Art. 18 – Todo aquele que, mediante anúncios, cartazes,

placas, cartões comerciais ou quaisquer outros meios de

propaganda se propuser ao exercício da profissão de músico,

em qualquer de seus gêneros e especialidades, fica sujeito

às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão4, se

não estiver devidamente registrado.”

Da mesma forma, a própria expressão artística musical como

profissão encontra séria – e inconcebível – limitação na norma do artigo 28

do mesmo diploma legal, que reconhece a condição de músico somente

àqueles que cursaram escolas específicas, inclusive de nível superior, se

submeteram a exames de aprovação, tenham experiência internacional ou,

em 1960, estivessem na atividade profissional, senão vejamos:

4 Essas penalidades estão previstas no artigo 19 da Lei.

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“Art. 28 – É livre o exercício da profissão de músico, em todo

o território nacional, observados os requisitos da capacidade

técnica e demais condições estipuladas em lei:

a) aos diplomados pela Escola Nacional de Música da

Universidade do Brasil ou por estabelecimentos equiparados

ou reconhecidos;

b) aos diplomados pelo Conservatório Nacional de Canto

Orfeônico;

c) aos diplomados por conservatórios, escolas ou institutos

estrangeiros de ensino superior de música, legalmente

reconhecidos, desde que tenham revalidados os seus

diplomas no país na forma da lei;

d) aos professores catedráticos e aos maestros de renome

internacional que dirijam ou tenham dirigido orquestras ou

coros oficiais;

e) aos alunos dos dois últimos anos dos cursos de

composição, regência ou de qualquer instrumento da Escola

Nacional de Música ou estabelecimentos equiparados ou

reconhecidos;

f) aos músicos de qualquer gênero ou especialidade que

estejam em atividade profissional devidamente comprovada,

na data da publicação da presente lei;

g) aos músicos que forem aprovados em exame prestado

perante banca examinadora, constituída de três

especialistas, no mínimo, indicados pela Ordem e pelos

sindicatos de músicos do local e nomeados pela autoridade

competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

§ 1º - ...

§ 2º - Os músicos estrangeiros ficam dispensados das

exigências deste artigo, desde que sua permanência no

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território nacional não ultrapasse o período de 90 (noventa)

dias e sejam:

a) compositores de música erudita ou popular;

b) regentes de orquestra sinfônica, ópera, bailado ou coro,

de comprovada competência;

c) integrantes de conjuntos orquestrais, operísticos,

folclóricos, populares ou típicos;

d) pianistas, violinistas, violoncelistas, cantores ou

instrumentistas virtuoses de outra especialidade, a critério

do órgão instituído pelo art. 27 desta lei.”

Essas limitações, impostas ao exercício profissional do músico,

não se sustentam em face do ordenamento constitucional de 1988, que

consagrou como direito fundamental tanto a liberdade de expressão artística

(art. 5º, IX), como a de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão

(art. 5º, XIII). Impõe-se, isso sim, permitir espaço à criação musical, sem

prejuízo da regulamentação da profissão relativamente ao exercício de

determinadas funções, especialmente as públicas e de magistério (nesse

sentido, entende o Ministério Público Federal como recepcionadas pela

Constituição as demais normas da Lei nº 3857/60).

Dessa forma, propõe o Ministério Público Federal a presente

ação civil pública para garantir a todos os músicos o livre exercício da

profissão e da produção artística, mediante o reconhecimento da revogação

dos artigos 16, 17, 18 e 28 da Lei nº 3857/60 pela Constituição Federal de

1988, e a condenação da OMB e da União a não mais compelirem esses

cidadãos a manterem-se registrados em quaisquer dos seus órgãos

(Conselhos Regionais, MEC), como condição para a atuação laboral.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Esclarece o Ministério Público Federal que não pretende, com

esta ação, a desconstituição da OMB, mas apenas que, diante do

ordenamento constitucional de 1988, limite-se ela a exercer a representação

dos músicos que, voluntariamente, venham a manter-se filiado a essa

entidade, conforme uma associação de direito privado (ainda que

remotamente criada por Lei).

2. DO DIREITO

O livre exercício de profissão ou ofício é consagrado como

direito fundamental individual no artigo 5º, inciso XIII, da Constituição de

1988: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas

as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”.

Trata-se, pois, de norma que, a par de consagrar o direito à

liberdade de profissão e trabalho, admite contenção por lei ordinária. “A lei

referida não cria o direito [à liberdade de escolha e exercício da profissão e

ofício], nem atribui eficácia à norma. Ao contrário, ela importa em conter

essa eficácia e aplicabilidade, trazendo norma de restrição destas.” (José

Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 16 ed., São Paulo,

Malheiros, 1999, p. 261). Assim, embora haja a consagração da liberdade

de escolha e exercício de profissão, admite-se que o regramento infra-

constitucional possa, em relação a algumas profissões, instituir certas

exigências para o seu desempenho.

Nesse passo, importa saber se o legislador tem ampla e total

liberdade para definir quais profissões serão passíveis de limitação, assim

como se lhe é dado fixar esses limites sem observância de critérios

objetivos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

De fato, se não houver limites à atividade legisferante,

poderemos chegar à situação de toda e qualquer profissão ser

regulamentada e submetida ao atendimento de exigências as mais

disparatadas possíveis, para poder ser exercida. Evidentemente que essa

não é a solução.

No Estado Democrático de Direito, nem mesmo o Poder

Legislativo dispõe de discricionariedade absoluta no ato de produção de

normas legais. De fato, conforme anota CLÈMERSON MERLIN CLÈVE:

“Pode ocorrer também a inconstitucionalidade material

quando a norma, embora disciplinando matéria deixada pelo

Constituinte à ‘liberdade de conformação do legislador’,

tenha sido editada ‘não para realizar os concretos fins

constitucionais, mas sim para prosseguir outros, diferentes

ou mesmo de sinal contrário àqueles’; ou, tendo sido

editada para realizar finalidades apontadas na Constituição,

ofende a normativa constitucional por fazê-lo de modo

inapropriado, desnecessário, desproporcional ou, em síntese,

de modo não razoável. Trata-se, no primeiro caso, da

hipótese tratada como desvio ou excesso de poder

legislativo; no segundo manifesta-se ofensa ao princípio da

razoabilidade dos atos do Poder Público, e aqui, do Poder

Legislativo.”5

Em especial, o princípio da razoabilidade das normas jurídicas

assume capital importância, pois, ao lado do princípio da proporcionalidade,

enseja a possibilidade de análise da congruência do mérito dos atos

normativos com a pauta de valores consagrada na Lei Fundamental, 5 A fiscalização abstrata de constitucionalidade do direito brasileiro. 2 ed, São Paulo, 2000, RT. p. 45/46.

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operando como limitação heterônoma à discricionariedade legislativa. É o

que, aliás, observa GILMAR FERREIRA MENDES:

“A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se

tratando de imposição de restrições a determinados direitos,

deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade

constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva

legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições

estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da

reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva

legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen

Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios

utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas

também a adequação desses meios para consecução

dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a

necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder

Erforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a

proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de

resultar da rigorosa ponderação entre o significado da

intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos

pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade

em sentido estrito).” 6

Note-se que o princípio da razoabilidade não é mera

construção dos adeptos do direito natural. Na verdade, a doutrina nacional

e alienígena identificam esse princípio positivado constitucionalmente no

âmbito da cláusula do devido processo legal substantivo. JOÃO BATISTA

GONÇALVES bem observa esse fenômeno, citando a jurisprudência

desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana:

6 GILMAR FERREIRA MENDES, A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de Jurisprudência 23/94, p. 475; negrito não é do original.

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“Outros juízes americanos (Holmes, Hughes, Black)

passaram a seguir na Suprema Corte os princípios

proclamados por Marshall que, com base na estruturação

dos valores da liberdade e riqueza, vislumbrou na cláusula

‘due process of law’ a medida de expansão do ‘judicial

review’ a ponto de controlar a ‘razoabilidade’ e a

‘racionalidade’ das leis e dos atos de governo em geral.

(...)

Nossa Constituição Federal acolhe expressamente o devido

processo legal e isso significa a aplicação nas decisões

judiciais dos princípios constitucionais, devendo o juiz, para

bem cumprir sua missão, caso necessário, postergar a

literalidade da lei ordinária em favor dos princípios contidos

na Constituição Federal. E, ante a possibilidade de conflito

entre princípios de índole igualmente constitucional,

determinar a proeminência do que se revelar juridicamente

mais valioso à garantia dos direitos fundamentais do

homem.”7

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em várias oportunidades,

admitiu a tese do desvio de poder legislativo ou falta de razoabilidade, como

causa de inconstitucionalidade material. Em julgamento datado de 1951, a

Excelsa Corte enfrentou essa questão no âmbito da instituição de tributos,

tendo registrado que:

“O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de

destruir, uma vez que aquêle sòmente pode ser exercido

7 Revista AJUFESP nº 3, Outubro 2000, p. 13 e 17; grifos no original.

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dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade

do trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de

propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o

abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a

doutrina fecunda do ‘détournemente de pouvoir’. Não há

que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da

inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado

que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei

Maior pode se acender não sòmente considerando a letra, o

texto, como também, e principalmente, o espírito e o

dispositivo invocado.” (Revista Forense 145/164).

E, mais recentemente, a decisão proferida pelo Plenário por

ocasião da apreciação do pedido de liminar da ADIN nº 885-2:

“Gás liqüefeito de petróleo: lei estadual que determina a

pesagem de botijões entregues ou recebidos para

substituição à vista do consumidor, com pagamento imediato

da eventual diferença a menor: argüição de

inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI, energia e

metrologia), 24 e parágrafos, 25, parágrafo 2º, e 238, além

de violação do princípio da proporcionalidade e

razoabilidade das leis restritivas de direitos:

plausibilidade jurídica da argumentação, que aconselha a

suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos

irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-

se a inconstitucionalidade. Liminar deferida.” (DJU de

01.10.93; grifos nossos)

A aplicação do princípio do devido processo legal substantivo

demonstra, pois, que o Poder Legislativo não pode, irrazoavelmente, através

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de leis ordinárias, manipular o cerne do direito fundamental assegurado na

Constituição, ainda que tal norma seja de eficácia contida.

E qual seriam as limitações à liberdade de profissão cabíveis

de serem impostas através de lei ordinária? Pensa este órgão do Ministério

Público Federal que apenas as limitações indispensáveis à garantia do

interesse social (público).

De fato, não há direitos absolutos, devendo até mesmo os

fundamentais individuais ceder diante de interesse social de maior

relevância. Justamente por esse motivo a Constituição autorizou que, com

relação a determinadas profissões, pudesse a lei estipular exigências para o

seu livre exercício. Destarte, toda e qualquer profissão cujo exercício

indevido possa acarretar graves danos aos demais cidadãos ou à

coletividade, autoriza o Poder Legislativo a regulamentá-la e a instituir

corporações públicas com atribuição para a fiscalização, controle,

regulamentação e punição dos profissionais faltosos. No entanto, todas as

demais profissões – que não acarretam riscos a terceiros ou à sociedade –

não são passíveis de limitações, por carência de fundamento que as

justifiquem.

Vale dizer, se e somente quando houver interesse público

(primário), poderá a lei restringir o exercício de profissão.

No caso concreto, por mais esforço que faça, este membro do

Ministério Público Federal não consegue identificar qual interesse público

está sendo tutelado com a existência da Ordem dos Músicos do Brasil e

seus Conselhos federal e regionais. Qual a necessidade de conferir poder

de polícia a essa instituição? Se é apenas o interesse corporativo, não seria

uma autarquia federal o meio adequado, mas sim entidades particulares,

como sindicatos e associações.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Não se vislumbra nenhum dano individual ou coletivo que o

exercício indevido da profissão de músico possa causar.

Interessante observar que a Justiça Federal já vem extinguindo

execuções fiscais da OMB reconhecendo esse fato, conforme revela a

sentença do magistrado SERGIO FERNANDO MORO, da Seção Judiciária

do Paraná:

“16. Proliferam no Brasil, há longa data, Conselhos

profissionais, à semelhança do ora Exequente, criados por

lei, aos quais foi atribuída a função de regulamentação e

fiscalização de diversas atividades profissionais, como a dos

advogados, dos médicos, dos engenheiros, dos

farmacêuticos, etc.

17. Ora, atividade de regulamentação e fiscalização da

espécie só se legitima se presente justificativa razoável para

tanto. Entendo que esta se encontra presente quando se

trata de profissões cujo exercício indevido possa acarretar

sérios danos à comunidade. Advogados, médicos,

engenheiros, por exemplo, podem causar danos irreparáveis

aos usuários de seus serviços caso exerçam de forma

temerária sua profissão.

18. Não se justificam restrições legislativas ao exercício de

atividades profissionais sem significativo potencial lesivo.

Esse é o caso dos músicos. É certo que algum cliente pode,

eventualmente, ficar insatisfeito com o trabalho

desenvolvido pelo músico. No entanto, para problemas da

espécie é suficiente a lei civil ou, ainda, as leis de proteção

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ao consumidor, não se justificando interferência do Poder

Público através da criação de conselhos profissionais, com

funções normativas e de fiscalização.” (sentença proferida

na execução fiscal nº 97.0023934-9, 2ª V.F. de Execuções

de Curitiba – cópia em anexo)

No caso dos músicos, há de se considerar, ainda, que outro direito fundamental está sendo violado pela limitação da atuação

profissional. Trata-se do direito à liberdade de expressão da atividade artística, consagrado no inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal: “é

livre a expressão artística da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença;”.

Com efeito, ao restringir a atividade profissional de músico

apenas aos cidadãos inscritos na OMB e quites com suas anuidades, a lei

ordinária impede que haja a plena liberdade de expressão artística. De fato,

não raro se verifica a existência de grandes músicos sem nenhum

conhecimento teórico ou formação acadêmica. Será que essas pessoas

não podem legalmente retirar seu sustento dessa capacidade artística?

Será necessário submetê-las a um exame do Poder Público?8 E qual o

critério para habilitá-las? O bom gosto da banca? A erudição do candidato?

Ora, Excelência, com toda certeza a produção artística e

cultural não se compatibiliza com essa forma de controle, fiscalização e

regulamentação. Pelo contrário, a criação musical e sua interpretação

dependem da liberdade!

8 Lembre-se que o artigo 28 da Lei nº 3857/60 exige para o livre exercício da profissão de músico a formação acadêmica ou a aprovação “em exame prestado perante banca examinadora, constituída de três especialistas, no mínimo, indicados pela Ordem e pelos sindicatos de músicos do local e nomeados pela autoridade do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.” (alínea g).

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Aliás, em vetor contrário ao da limitação da expressão artística

musical, o artigo 215 da Constituição de 1988 consagra justamente que o

“Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso

às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a

difusão das manifestações culturais.” Assim, o Estado não só está impedido

de impor limitações à expressão artística (limite negativo), como deve

estimular essa manifestação cultural (prestação positiva).

Nesse contexto, a exigência de que o exercício da profissão de

músico só possa se dar sob a “batuta” da OMB e do MEC acarreta uma

indevida intromissão do Estado na produção cultural, limitando a

manifestação cultural e colidindo, portanto, com o conteúdo do preceito do

artigo 215 da Constituição Federal.

A interposição da OMB e do MEC entre o músico e a

sociedade acarreta uma restrição à produção artística e, em conseqüência,

ao acesso da sociedade à cultura.

Logo, é evidente ao Ministério Público Federal que a

regulamentação da profissão de músico, nos moldes dos artigos 16, 17, 18

e 28 da Lei nº 3857, de 1960, não foi recepcionada pela Constituição

Federal de 1988, pois (a) implica em indevido cerceamento ao direito de

exercício profissional, (b) restringe a plena liberdade de expressão artística e

(c) limita o acesso à cultura. Essas normas, portanto, foram revogadas por

incompatibilidade com a nova ordem constitucional.

3. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

O primeiro objetivo da presente ação é garantir à coletividade

composta pelos músicos – inscritos ou não na Ordem dos Músicos do Brasil

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-o direito ao livre exercício profissional e à expressão artística, que vem

sendo cerceado em decorrência das limitações impostas pela Lei nº

3.857/60, arts. 16, 17, 18 e 28, os quais conferem à OMB poder de polícia e

de tributar e impõe a esses artistas o dever de inscrição e registro nessa

autarquia e no Ministério da Educação e Cultura.

Cuida-se, pois, de tutela de interesses transindividuais de

natureza indivisível, de que é titular classe de pessoas (os músicos) ligada

com a parte contrária (OMB e União) por relação jurídica base9, nos exatos

termos do artigo 81, inciso II do Código de Defesa do Consumidor10. De

fato, o cerceamento à atuação profissional dos músicos atinge, de modo

uniforme e indivisível, a todos os membros dessa classe. A indivisibilidade,

em especial, se reconhece na espécie pela circunstância da norma afetar a

todos os músicos de igual forma, permitindo que a OMB e a União

restrinjam o livre exercício profissional e a expressão artística.

Mediatamente, através desta ação o Ministério Público Federal

busca tutelar também o acesso da sociedade à cultura, pois a existência das

limitações apontadas impede a livre produção cultural na área da música,

gerando prejuízos a toda a população. Cuida-se, assim, de proteger um

direito difuso de toda a comunidade, em ter acesso à produção artística e

cultural.

E, tratando-se da defesa de interesses difusos e coletivos,

está o Ministério Público Federal autorizado a propor ação civil pública em

9 Interesses de uma categoria determinada ou ao menos determinável de pessoas, reunidas por situação jurídica básica comum, nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli, in A Defesa dos Direitos Difusos em Juízo, p.22.10 Dispõe o artigo 81, parágrafo único, inciso II da Lei nº 8078/90:“Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;”

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sua defesa, seja por expressa previsão constitucional (art. 129, III), seja

pelas diversas normas infra-legais que tratam da matéria (Lei nº 7347/85,

art. 1º, IV e 5º; Código de Defesa do Consumidor, artigo 81, parágrafo único,

I e II e 82, I). Não bastasse, há também a Lei Complementar nº 75/93,

artigo 6º, inciso VII, a e d.

Note-se, ademais, que in casu trata-se de típica violação a

direitos constitucionais por ato do Poder Público (em acepção ampla,

inclusiva das autarquias corporativas), de nítido interesse social (pois está

em jogo a própria sobrevivência profissional dos músicos e o acesso à

cultura por toda a sociedade), o que autoriza a atuação do parquet com

fundamento no artigo 127, caput, e 129, II da Constituição Federal.

Inegável, pois a legitimidade ativa ad causam do Ministério

Público para propor esta demanda.

4. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL E DA UNIÃO FEDERAL

A Ordem dos Músicos do Brasil, como visto, foi criada e

instituída pela Lei nº 3857, de 22 de dezembro de 1960, sendo uma

autarquia federal. Sendo ela quem exerce em concreto a parcela mais

expressiva dos atos lesivos previstos nos artigos 16, 17, 18 e 28 da

mencionada Lei, está legitimada a figurar no pólo passivo da presente

demanda.

Note-se que a Ordem dos Músicos do Brasil está organizada

através de um Conselho Federal e de descentralizações administrativas

estaduais, os Conselhos Regionais (art. 2º da Lei 3.857/60). Não obstante

os Conselhos Regionais gozem de relativa autonomia administrativa, a Lei

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

nº 3857/60 não deixa dúvidas de que, a nível nacional, a OMB é uma única

entidade. É o que se verifica do teor do artigo 3º: “A Ordem dos Músicos do

Brasil exercerá sua jurisdição em todo o país, através do Conselho Federal,

com sede na capital da República.”11 Percebe-se, ademais, pelo disposto no

artigo 5º, alíneas b, e, g, h, i e j, e artigo 8º, que os Conselhos Regionais

estão em situação de plena subordinação ao Conselho Federal, o que os

caracterizam como meros órgãos da OMB, ainda que dotados de pequena

esfera de autonomia.

Logo, buscando a presente ação proteger a atuação dos

músicos e o acesso à produção cultural em todo o País, legitimado para

representar a OMB é o seu Conselho Federal.

E, nos termos do artigo 8º dessa Lei, cabe ao Presidente do

Conselho Federal representá-la em juízo:

“Art. 8- Ao presidente do Conselho Federal compete a

direção do mesmo Conselho, representá-lo ativa e

passivamente em juízo ou fora dele e velar pela

conservação do decoro e da independência dos Conselhos

Regionais dos Músicos e pelo livre exercício legal dos direitos

de seus membros.” (grifamos)

Por oportuno, de observar que o atual Presidente da Ordem

dos Músicos do Brasil (Conselho Federal e Conselho Regional de São

Paulo) é o Sr. Wilson Sandoli, (também o Presidente do Sindicato dos

Músicos).12 11 Apesar da previsão de dever ser a sede situada em Brasília, o Ministério Público Federal apurou que, de fato, funciona juntamente com o Conselho Regional de São Paulo.12 Vide fls. 23 da Rep. 1705/2000-17. Aliás, o Sr. Wilson Sandoli é Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil – OMB desde 1964, ou seja, há mais de 35 anos!!! Note-se, ainda, que, em face dos demais aspectos denunciados pelos profissionais músicos nas missivas encaminhadas à Procuradoria da República, a representação nº 1.34.001.001705/2000-17 continuará a ser instruída pelo Ministério Público Federal, com a finalidade de apurar

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A legitimidade passiva da UNIÃO FEDERAL, por sua vez,

decorre da exigência constante no artigo 16 da Lei nº 3.857/60 ora atacada,

de deverem os músicos se registrar, também, perante o Ministério da

Educação e Cultura. Tratando-se de órgão da administração federal, deverá

ser representado em juízo pela pessoa jurídica de direito público respectiva.

5. DO PEDIDO

5.1. De tutela antecipada

Estão presentes os pressupostos que autorizam a concessão

liminar de antecipação de tutela, seja com fundamento no artigo 12 da Lei nº

7347/85, seja com espeque no artigo 273 do CPC.

Trata-se de ação em que se discute apenas matéria de direito,

o que levaria à dispensabilidade, em tese, da comprovação do requisito da

prova inequívoca referida no artigo 273 do CPC. Não obstante, os músicos

que representaram ao Ministério Público Federal demonstraram

adequadamente que a Ordem dos Músicos do Brasil atua ordinariamente,

inclusive cobrando anuidades (doc. 2 e 3 em anexo).

A verossimilhança da alegação (que em conjunto com a

comprovação dos fatos formam o clássico requisito do fumus boni jure)

decorre das próprias razões expostas nesta inicial e, especialmente, da

direta colisão entre a conduta das Rés e os direitos fundamentais

consagrados no artigo 5º, IX e XIII e 215 da Constituição Federal.

irregularidades na gestão da Ordem dos Músicos do Brasil.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Já o risco de dano de difícil reparação (inciso I do art. 273 do

CPC: o periculum in mora das liminares e cautelares) decorre da

continuidade da conduta ilegal da Ordem dos Músicos do Brasil e da União

de violar direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Note-se, aliás,

que a OMB faz inadmissíveis ameaças aos profissionais músicos, inclusive

de terem seus documentos de identificação profissional apreendidos,

responderem a processo administrativo e serem “processados”

criminalmente (fls. 5 da Representação). Ressalte-se, ademais, que os

músicos noticiam que têm sido coibidos de atuar em face da suposta

inadimplência com a OMB (fls. 1 da Representação).

Dessa forma, requer o Ministério Público Federal que, após a

oitiva dos réus no prazo de 72 horas (Lei nº 8437/92, art. 2º), seja concedida

liminarmente tutela antecipada para:

1. suspender a exigência de observância das regras do

artigo 28 da Lei nº 3857/60 para o exercício da profissão de músico,

autorizando todo cidadão a - independentemente de formação acadêmica,

realização de provas perante o Poder Público, ou qualquer outra exigência -

,exercê-la livremente;

2. suspender a obrigação prevista nos artigos 16, 17 e 18

da Lei nº 3.857/60 de inscrição dos músicos perante a Ordem dos Músicos

do Brasil, seu Conselho Federal ou quaisquer dos seus Conselhos

Regionais, e o Ministério da Educação e Cultura, para fins de exercício

dessa respectiva profissão;

3. determinar à Ordem dos Músicos do Brasil que

suspenda toda e qualquer cobrança de pagamento compulsório de anuidade

de seus membros, esteja ela sendo feita através de seu Conselho Federal

ou Conselhos Regionais;

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4. determinar à Ordem dos Músicos do Brasil que

suspenda todo e qualquer processo disciplinar instaurado com fundamento

no exercício do poder de polícia previsto no artigo 18 da Lei nº 3857/60, que

esteja tramitando em seu Conselho Federal ou Conselhos Regionais, assim

como toda e qualquer aplicação de sanção regulada no artigo 19 da mesma

Lei;

5. determinar à Ordem dos Músicos do Brasil – Conselho

Federal, que dê ampla divulgação do conteúdo da liminar a todos os

Conselhos Regionais, assim como a todos os profissionais inscritos na

entidade, através de correspondência com Aviso de Recebimento.

Pede seja fixada multa diária de, no mínimo, R$ 10.000,00

(dez mil reais) por cada caso de descumprimento da decisão, a ser revertido

ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, previsto no artigo 13 da

Lei nº 7347/85, sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas

cabíveis.

5.2. Principal

Requer o Ministério Público Federal seja julgado procedente, a

final, o presente pedido para:

1. declarar a inexistência de relação jurídica que limite o

exercício da profissão de músico apenas aos cidadãos que preencham os

requisitos do artigo 28 da Lei nº 3857/60, assim como que obrigue qualquer

cidadão a se inscrever perante a Ordem dos Músicos do Brasil, seu

Conselho Federal ou quaisquer dos seus Conselhos Regionais, e o

Ministério da Educação e Cultura, para fins de exercício dessa profissão;

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2. condenar a Ordem dos Músicos do Brasil, inclusive seu

Conselho Federal e Regionais, a (i) suspender toda e qualquer cobrança

compulsória de anuidade de seus membros, (ii) exigir registro dos cidadãos

que desejem exercer a profissão de músico, (iii) anular todo e qualquer

processo disciplinar instaurado com fundamento no exercício do poder de

polícia previsto no artigo 18 da Lei nº 3857/60, e (iv) cancelar toda e

qualquer sanção aplicada nos termos do artigo 19 da mesma Lei.

3. condenar a União Federal a não mais exigir, através do

Ministério da Educação e Cultura ou qualquer outro órgão seu, o registro do

músico como condição ao exercício da profissão.

Pede seja fixada multa diária de, no mínimo, R$ 10.000,00

(dez mil reais) por cada caso de descumprimento da decisão, a ser revertido

ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, previsto no artigo 13 da

Lei nº 7347/85, sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas

cabíveis.

Requer, ainda:

. sejam os Réus citados, destacando-se que, embora o

Conselho Federal da Ordem dos Músicos do Brasil tenha sede formal em

Brasília, seu representante legal – Sr. Wilson Sandoli -, pode ser encontrado

no Largo Paissandu, 51, 3º andar, nesta Capital paulista, onde se requer

seja inicialmente promovida a citação;

. seja deferida a produção de provas por quaisquer meios

juridicamente admitidos;

. a condenação dos Réus nos eventuais ônus de

sucumbência cabíveis.

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Dá à causa, para fins fiscais, o valor de R$ 1.000,00.

Termos em que

P. Deferimento,

São Paulo, 29 de novembro de 2000.

Marlon Alberto WeichertProcurador da República

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

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Em anexo:

1. Cópia da Lei nº 3857/60;

2. Cópia de algumas folhas da Representação nº

1.34.001.001705/2000-17;

3. Original da Representação nº 1.34.001.004070/2000-00;

4. Cópia da sentença proferida na Execução Fiscal nº

97.0023934-9, 2ª Vara Federal de Curitiba – PR.

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