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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República infra-assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, artigos 3°, 5° e 21 da Lei n° 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública e artigo 6°, inciso VII, alíneas “a” e “d” da Lei Complementar n° 75/93, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da UNIÃO FEDERAL, com representação judicial à Av. Paulista, n° 1804, 20° andar, São Paulo/SP, em litisconsórcio passivo com o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS -, com endereço no Viaduto Santa Ifigênia, n.º 266, nesta Capital, pelas razões que seguem:

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da

República infra-assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais,

com fulcro nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, artigos 3°, 5° e 21 da

Lei n° 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública e artigo 6°, inciso VII, alíneas “a” e “d”

da Lei Complementar n° 75/93, vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face da UNIÃO FEDERAL, com representação judicial à Av. Paulista, n° 1804,

20° andar, São Paulo/SP, em litisconsórcio passivo com o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS -, com endereço no Viaduto Santa

Ifigênia, n.º 266, nesta Capital, pelas razões que seguem:

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

1. DO OBJETO DA AÇÃO

A presente ação tem por objeto (a) obrigar os réus a deixar de

proceder ao desconto do Imposto sobre a Renda relativamente aos montantes

dos benefícios previdenciários e assistenciais recebidos acumuladamente por

demora nas respectivas concessões, cujo valor mensal originário era inferior ao

limite de isenção do tributo (atualmente R$ 900,00), bem como (b) condená-los a

proceder à restituição aos segurados, pensionistas e beneficiários, das

importâncias a esse título indevidamente recolhidas nos últimos cinco anos.

Em suma, a exigência fiscal que se ataca é aquela relativa ao

Imposto sobre a Renda cobrado sobre prestações pagas pelo INSS

acumuladamente, em decorrência de atrasos e erros nos processos de

concessão. São prestações que, se tivessem sido satisfeitas mensalmente –

como de direito -, estariam abrangidas por “isenção”1 do tributo. Como, todavia, o

beneficiário, em virtude de processo administrativo ou judicial, obtém o

ressarcimento dos atrasados em parcela única, compreensiva das importâncias

acumuladas. Nesse momento, os réus fazem incidir o IR, sob o pretexto de que a

prestação única ultrapassa o limite de isenção do tributo. Trata-se, no entanto, de

cobrança inconstitucional e ilegal, conforme se demonstrará.

2. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Através da presente ação civil pública exerce o Ministério Público

Federal a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos de patente

1 referimo-nos a isenção, em função da terminologia utilizada na lei. No entanto, somos convictos de que se trata de imunidade em virtude do mínimo existencial.

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relevância social, em face do elevado número de pessoas abrangidas e do caráter

alimentar das prestações pagas pela previdência e assistência social.

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, os direitos individuais

homogêneos são:

“... direitos subjetivos titularizados nas mãos de determinadas pessoas, divisíveis pela sua própria natureza, até porque cada titular pode perfeitamente pleitear a sua defesa isoladamente, a título individual, pelos esquemas clássicos ou pela figura do litisconsórcio.”2

Mas, como alerta Hugo Nigro Mazzilli:

“... os chamados interesses individuais homogêneos, em sentido lato, na verdade não deixam de ser também interesses coletivos. Encontram-se reunidos por essa categoria de interesses os integrantes determinados ou determináveis de um grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilham prejuízos oriundos das mesmas circunstâncias de fato”.3

Seja pela origem comum, como pelo grande número de titulares de

interesses a serem defendidos, justifica-se e recomenda-se a defesa dos

interesses individuais homogêneos de maneira coletiva, conforme salienta

Rodolfo de Camargo Mancuso:

“... nos individuais homogêneos, é o fato circunstancial de derivarem de origem comum que lhes confere coalizão,

2 da autora, “A Coisa Julgada perante a Constituição, a Lei da Ação Civil Pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor” in Estudos Jurídicos, IEJ, n. 5, p. 412.3 in “A Defesa dos Interesses Difuso em Juízo”, 7ª ed., rev., ampl., e atual., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 10

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agregação e portanto uniformidade, qualidade essa que, aliada ao expressivo número dos sujeitos concernentes, recomenda o ajuizamento da ação em modalidade coletiva”4

No caso, a defesa coletiva dos interesses individuais homogêneos

pelo Ministério Público está fundada em expressos preceitos da Lei de Ação Civil

Pública (LACP) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicáveis,

combinadamente, a qualquer ação de defesa coletiva, conforme dispõe o artigo

21 da LACP:

“Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”

Perceba-se que o Título III do Código de Defesa do Consumidor

engloba o parágrafo único, inciso III, do artigo 81, bem como o artigo 82, inciso I,

que dispõem:

“Art. 81.....Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de :(...)III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.

“Art. 82. Para fins do artigo 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:I - O Ministério Público”

4 in “Ação Civil Pública. lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação- Coord: Édis Milaré, São Paulo, Editora RT, 1995, p. 440

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Assim, o artigo 21 da Lei n.º 7.347/85 estendeu de forma expressa o

alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e direitos individuais

homogêneos, embora o art. 1º, inciso IV da referida lei não os contemple

expressamente. É o que destacam os eminentes professores Nelson Nery Júnior

e Rosa Maria Andrade Nery:

“o inciso IV (do artigo 1º da LACP)... trata-se de norma de encerramento, exemplificativa, que se aplica a todo e qualquer direito ou interesse difuso, coletivo ou individual tratado coletivamente”5

“Nada obstante a norma comentada mencione apenas os direitos difusos e coletivos, aplica-se as disposições processuais da LACP bem como do Título III do CDC às ações coletivas que versem sobre outros direitos individuais homogêneos”6

Nessa linha, aliás, já se posicionou o E. Superior Tribunal de Justiça,

em recente acórdão, do qual foi relator o Ministro Demócrito Reinaldo:

“A Lei 7.347, de 1985, é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar o procedimento da ação coletiva e não se entremostra incompatível com qualquer norma inserida no Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90).

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei da mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu contexto.

5 in “Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante em vigor”, 2ª ed., rev. e ampl., São Paulo, Ed. RT, 1996, nota 22 ao artigo 1º da LACP, p. 14056 ob. cit., nota 23 ao artigo 1º da LACP, p. 1405

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O artigo 21 da lei n.º 7.347/85 (inserto pelo artigo 117 da lei n.º 8.078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e “direitos individuais homogêneos”, legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, parágrafo único, III da Lei n.º 8.078/90).” (destaques nossos. REsp 49.272-6 - RS - 1ª T., /rel.: Min. Demócrito Reinaldo - DJU 17.10.94, in RT 720/289).

Além desses dispositivos do CDC e da LACP, dispõe no mesmo

sentido a Lei Complementar n.º 75/93 - Lei Orgânica do Ministério Público da

União:

“Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:(...)VII - promover o inquérito civil público e a ação civil pública para:a) proteção dos direitos constitucionais;(...)b) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.” (grifamos)

Trata-se de norma que vem complementar o quadro traçado pela

Constituição e o CDC, valendo registrar o dito por Nelson Nery Júnior e Rosa

Maria Andrade Nery:

“As ações coletivas (CDC 81 par. ún., 91 e ss; LACP) foram criadas pela lei em razão do interesse público e social. A falta de previsão constitucional expressa para a defesa coletiva, pelo MP, dos direitos individuais homogêneos (art. 129 III), ocorreu também porque a categoria foi criada por lei posterior (CDC 81 par. ún. III), mas a legitimação do MP

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está assegurada pela autorização da CF 129 IX, que permite à lei federal a atribuição ao MP de outras funções que sejam compatíveis com a sua finalidade institucional. Como a defesa coletiva de interesses sociais, como o são o do consumidor (CDC 1º), é função institucional do MP (CF 127, “caput”), a legitimação dada ao “parquet” pelo CDC 82, para a tutela em juízo dos direitos individuais homogêneos, está em perfeita consonância com o sistema constitucional brasileiro.”7

“(o Ministério Público) Pode mover qualquer ação coletiva, para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. (...) Como as norma de defesa do consumidor (...) são “ex vi legis”, de interesse social (CDC 1º), é legítima e constitucional a autorização que o CDC 82 I dá ao MP de promover a ação coletiva ainda que na defesa de direitos individuais disponíveis. O cerne da questão é que a ação coletiva, em suas três modalidades, é de interesse social”8

Em recente decisão, proferida na ADInMC 1.852-DF, Relator o

Ministro Marco Aurélio (publicada no Informativo n.º 117, de 12 de agosto de

1998, j. 05/08/98), o E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sufragou, em hipótese

semelhante, esse entendimento:

“Ministério Público do Trabalho.Indeferida medida cautelar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos - CNTM - contra o inciso IV, do art. 83, da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União), que determina a competência do Ministério Público do Trabalho para propor as ações cabíveis para a declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que

7 ob. cit., nota 2 ao art.1º do CDC, p. 1651.8 ob. cit., nota 6 ao art. 82, I, CDC, p. 1707.

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viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais dos trabalhadores. Ao primeiro exame, o Tribunal entendeu juridicamente irrelevante a tese de inconstitucionalidade sustentada pela autora da ação no sentido de que a norma impugnada teria ultrapassado as funções institucionais do Ministério Público, previstas no art. 129, da CF, cerceando a liberdade sindical quanto à formalização de acordos e convenções coletivos. Considerou-se que o Ministério Público atua como fiscal da lei, podendo, ainda, exercer outras funções além das mencionadas expressamente na CF, nos termos do art. 129, IX, da mesma Carta (art. 129. ‘São funções institucionais do Ministério Público ... IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade ...’)”

De ressaltar, ser indiscutível, na espécie, a relevância social dos

direitos defendidos, seja pelo número de pessoas tuteladas por essa ação, seja

em vista do caráter alimentar da prestação previdenciária ou assistencial.

Note-se, ainda, que cada vez mais é anseio da sociedade a

existência de instrumentos processuais eficazes para a defesa de direitos,

especialmente quando o Poder Público se encontra na qualidade de seu principal

violador, sendo a ação civil pública importante instrumento de acesso à justiça

(inciso XXXV do artigo 5º da CF) evitando (a) que centenas de milhares de

segurados e beneficiários que recebem valores acumulados referentes a

benefícios previdenciários ou assistenciais tenham que se socorrer

individualmente do Poder Judiciário a fim de buscar a composição do direito

lesionado pelo Poder Público - o que resultaria em um volume excessivo de

processos, inviabilizando a adequada prestação jurisdicional -, e (b) outros

milhares fiquem sem qualquer prestação jurisdicional, em face da impossibilidade

material e cultural de acessar a Justiça.

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Esse, aliás, o entendimento exarado pelo E. SUPERIOR TRIBUNAL

DE JUSTIÇA em recente acórdão, proferido no Mandado de Segurança n.º 5.187-

DF (97/0027182-0) - relator: Ministro Humberto Gomes de Barros - cuja ementa

transcreve-se a seguir:

I - As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil. De outro lado, a substituição do indivíduo pela coletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à função jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se da democracia.

II - O sindicato está legitimado para requerer Mandado de Segurança coletivo em favor de uma parcela da categoria profissional, ameaçada pela liquidação do respectivo órgão de previdência complementar”

Tal circunstância foi, aliás, analisada pelo eminente Prof. Hugo Nigro

Mazzilli ao discorrer sobre a legitimidade do Ministério Público no caso de

ajuizamento de ação visando a “obter a devolução de tributo ilegalmente retido ou

recolhido de milhares ou milhões de contribuintes”: “negar o interesse da

sociedade como um todo na solução desses litígios e exigir que cada lesado

comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais seria negar os

fundamentos e objetivos da ação coletiva ou da ação civil pública.”9

9 in “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, Saraiva, 7ª ed., p. 80

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Tem, pois, o Ministério Público, por determinação constitucional, a

missão de, via ação civil pública, representar a sociedade perante o Poder

Judiciário, levando-lhe as causas de projeção social, e que defendidas

coletivamente, tornam concreto o acesso à justiça e impedem que, pela

multiplicação das demandas atomizadas, entre o Poder Judiciário em colapso.

3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

Conforme ensinamento do ilustre professor Arruda Alvim10, a

”legitimatio ad causam é a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação

do autor, possível titular de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a

sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença”, ou

como prefere Humberto Theodoro Júnior, a legitimação passiva cabe ao “titular do

interesse que se opõe ou resiste à pretensão”11 (grifo nosso).

Na espécie, a UNIÃO e o INSS são exatamente aqueles que irão

arcar com os efeitos da sentença e são os mesmos que se opõem à pretensão do

autor.

A legitimidade passiva do INSS decorre, antes de tudo, da sua

condição de retentor, na fonte, do imposto sobre a renda cobrado sobre os

benefícios pagos, por ele, acumuladamente.

Por sua vez, a UNIÃO figura no pólo passivo enquanto sujeito ativo

da relação jurídico tributária concernente ao imposto sobre a renda.

10 in “Manual de Direito Processual Civil, v. 1, Parte Geral, São Paulo, Ed. RT, 1979, p. 226/22711 in “Curso de Direito Processual Civil”, v. 1, 3ª ed., p. 60

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Ademais, tanto o INSS como a UNIÃO são responsáveis por

assegurar o pagamento dos benefícios aos segurados e aos assistidos. No

entanto, quando procedem ao indevido desconto do imposto sobre a renda lesam

o direito desses cidadãos de perceberem os rendimentos totais a que fazem jus.

Dessarte, resta inconsteste que o pólo passivo da presente demanda

deve ser integrado pela União Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

4. DOS FATOS E DO DIREITO

4.1. Da exação

Dispõem os artigos 3º e 12 da Lei n.º 7.713/88 (legislação do

Imposto sobre a Renda):

“Art. 3º. O imposto incidirá sobre o rendimento bruto ...§ 1º. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda a os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados”.

“Art. 12. No caso de rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto incidirá, no mês de recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, diminuídos do valor das despesas com ação judicial necessárias ao seu recebimento, inclusive de advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização”.

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O Decreto n.º 1.041/94, que aprova o regulamento para a cobrança

do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza, reproduz em seu

artigo 61 a norma da Lei nº 7.713/88, nos seguintes termos:

“Art. 61. No caso de rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto incidirá, no mês do recebimento, sobre o total dos rendimentos, inclusive juros e atualização monetária (Lei n.º 7.713/88, artigo 12).Parágrafo único: Para efeitos deste artigo, poderá ser deduzido o valor das despesas com ação judicial necessárias ao recebimento dos rendimentos, inclusive com advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização (Lei n.º 7.713/88, artigo 12)”

Uma primeira leitura dos dispositivos legais acima transcritos poderia

levar o intérprete à conclusão de que os descontos referentes ao Imposto sobre a

Renda cobrado sobre os valores de benefícios de previdência e assistência social

recebidos em atraso, acumuladamente, pela via judicial ou administrativa, seriam

legítimos, conforme justificam os réus (vide documentos anexos).

No entanto, a exação em análise é manifestamente indevida, além

de injusta, pois penaliza o segurado ou beneficiário que, caso o INSS cumprisse

o prazo legal para a concessão das prestações, estaria recebendo corretamente

seu benefício ou pensão de valor inferior a R$ 900,00 (valor atual do limite de

isenção) sem a incidência do Imposto sobre a Renda.

Isso porque esses benefícios e pensões não são pagos no prazo

legal por demora do Instituto Nacional do Seguro Social em processá-los, ou erro no seu indeferimento. E, tendo o beneficiário ou segurado que buscar o

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reconhecimento do seu direito ao crédito através da via administrativa ou judicial,

obtém o ressarcimento dos atrasados em prestação única compreensiva das

importâncias acumuladas. Nesse momento, os réus fazem incidir, mediante

retenção na fonte, o Imposto sobre a Renda que, repita-se, caso tivessem sido as

prestações recebidas no tempo certo, mês a mês, estariam livres da incidência do

tributo.

4.2. Do caráter indenizatório da prestação correspondente aos

valores atrasados

A natureza jurídica dos benefícios previdenciários ou assistenciais

recebidos acumuladamente pela via judicial ou administrativa é de indenização,

com caráter de mera reposição patrimonial, pois, como visto, o seu pagamento

acumulado decorre de ato ilícito do INSS.

Ao satisfazer seu débito junto ao segurado ou beneficiário, o INSS

nada mais faz do que reparar o dano, pagando-lhe de uma só vez importâncias

que eram devidas mês a mês. Com esse pagamento atrasado não experimenta o segurado, beneficiário ou pensionista, qualquer acréscimo patrimonial, mas mera reposição dos benefícios que lhe eram devidos.

Assim, a União Federal, ao fazer incidir o IR sobre os valores de

benefícios recebidos acumuladamente, acaba por considerar renda algo que não

o é, em frontal incompatibilidade com a competência legislativa a ela conferida

pelos artigos 145, § 1° e 153, inciso III, ambos da Constituição Federal, e em

dissonância com o conceito de fato gerador do tributo traçado no artigo 43 do

Código Tributário Nacional.

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De fato, o beneficiário da prestação previdenciária ou assistencial

não experimenta nenhum acréscimo patrimonial em face do recebimento

acumulado das importâncias a que tinha direito. Na verdade, ao perceber de uma

vez o que não lhe foi pago oportunamente, ele obtém tão somente uma reposição

do seu patrimônio, que fora desfalcado pela demora ou erro do INSS em pagar as

prestações devidas.

Nesse sentido, aliás, é o teor da Súmula nº 215 do SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA, resultante de diversos julgados nos quais se

reconheceu que a indenização em decorrência de adesão a programa de

demissão voluntária não representa acréscimo patrimonial justamente pela sua

natureza reparatória:

“A indenização recebida pela adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda.”

Há, ainda, as Súmulas nº 125 e 136 da mesma Corte, relacionadas

com não incidência do imposto sobre a renda no caso de férias e licenças-prêmio

indenizadas:

Súmula n. 125. O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda.

Súmula n. 136. O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade de serviço não está sujeito ao Imposto de Renda.

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Com efeito, tudo aquilo que tem natureza indenizatória não há de ser confundido com riqueza nova ou acréscimo patrimonial, porquanto não

passa de recomposição do patrimônio desfalcado pelo dano, fazendo-o retornar

ao status quo anterior.

De lembrar, mais uma vez, que originariamente os valores

percebidos inseriam-se no “limite de isenção” do tributo, justamente pela não

representação de acréscimo patrimonial, mas sim de importância assecuratória do

mínimo existencial.

De lembrar, que embora receba tratamento legislativo de isenção, a

intributabilidade do mínimo existencial tem espeque constitucional, conforme

observa RICARDO LOBO TORRES:

“Algumas imunidades estão implícitas no texto maior. Sendo o seu fundamento pré-constitucional, não as prejudica a falta de declaração expressa. (...)

O imposto de renda não incide sobre o mínimo existencial familiar, podendo a imunidade se expressar sob a forma de isenção da faixa mínima de renda, abatimento para os filhos e de isenção para os velhos. Essas imunidade funcionam freqüentemente como mecanismo de compensação das prestações positivas estatais representadas pelas subvenções ou pela entrega de bens. A imunidade do mínimo existencial familiar também se estende ao imposto territorial rural, que não incide sobre as pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possuía outro imóvel (art. 153, § 4º, CF).

O imposto de renda não incide sobre o mínimo imprescindível à sobrevivência do declarante. Cuida-se de

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imunidade do mínimo existencial, embora apareça na lei ordinária, posto que remonta às fontes constitucionais.”12

A exação, portanto, beira ao absurdo, por alcançar a reparação de

um dano decorrente do não pagamento de uma prestação pecuniária que originalmente era imune ao Imposto sobre a Renda.

Ora, se a própria prestação original não era tributável, o que dizer da

indenização que tem origem na reparação do seu inadimplemento?!

Através da tributação dessa prestação correspondente aos

benefícios não pagos oportunamente, está o Estado atingindo a esfera do mínimo

existencial do cidadão, ou seja, a sua própria dignidade.

Nem seria necessário registrar que o direito à dignidade é um dos

fundamentos do Estado de Direito, conforme, aliás, consagra o artigo 1º, inciso III

da Constituição de 1988.

Dessa forma, qualquer norma infra-constitucional que atente contra a

dignidade do cidadão, especialmente no que diz respeito à sua própria

sobrevivência, não pode ser acolhida.

Essa, aliás, a lúcida lição de CANOTILHO:

“... as normas constitucionais consagradoras de direitos econômicos, sociais e culturais implicam a inconstitucionalidade das normas legais que não desenvolvem a realização do direito fundamental ou a

12 RICARDO LOBO TORRES, Os Direitos Humanos e a Tributação. Imunidades e Isonomia. Renovar, 1995, p. 140-2. Grifamos.

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realizam diminuindo a efectivação legal anteriormente atingida...”13

Incabível, pois, a cobrança do imposto sobre a renda relativamente a

importâncias recebidas em decorrência do ressarcimento de obrigações

previdenciárias e assistenciais não recebidas oportunamente e que

originariamente eram não tributáveis, seja (a) por caracterizar tributação de mera

indenização, como (b) por ser essa reparação oriunda de um dano ao mínimo de

sobrevivência do cidadão.

5.3. Da violação ao princípio da isonomia e da capacidade

contributiva

A cobrança ora impugnada viola, ainda, o princípio da isonomia, ao

tratar contribuintes de igual capacidade contributiva diferentemente. Vejamos.

(a) O conteúdo do princípio da isonomia

Nas constituições modernas a igualdade, ou isonomia, é princípio

fundamental. No entanto, ocorre de, muitas vezes, só ser, aparentemente,

positivada no seu sentido formal, de igualdade perante a lei, conforme, aliás,

começou por fazê-lo o constituinte brasileiro: Todos são iguais perante a lei

(Constituição de 1988, art. 5º, caput).

Não obstante, a igualdade formal não satisfaz. Pelo contrário, o

tratamento igualitário perante a lei é a perfeita justificativa para o efetivo

tratamento não isonômico. De fato, a administração, vinculada à legalidade,

13 J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Almedina, 1991, p. 556.

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concretizará o comando abstrato da norma. E, se residir neste critério posto na lei

o cerne da discriminação, o agente cuidará tão somente de, perante a lei, aplicá-lo

igualitariamente, ou seja, discriminar conforme a lei.

CANOTILHO lembra que hoje o princípio da igualdade condensa

uma grande riqueza de conteúdo, mas “a afirmação - ‘todos os cidadãos são

iguais perante a lei’ - significava, tradicionalmente, a exigência de igualdade na

aplicação do direito. Numa fórmula sintética, sistematicamente repetida, escrevia

ANSCHÜTZ: ‘as leis devem ser executadas sem olhar às pessoas’.” 14

A verdadeira igualdade, porém, não é aquela obtida pela aplicação da lei

igualmente entre os homens. Só há efetiva igualdade quando a própria lei

observa, na escolha dos critérios de discrímem, elementos que encontrem

fundamento em valores pertinentes ao objetivo da norma e compatíveis com

aqueles acolhidos pela Constituição. Trata-se, assim, de haver uma igualdade na

lei.

“Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A lei, ela própria, deve tratar por igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um direito igual para todos os cidadãos.”15

Com efeito, de que adianta a aplicação isonômica da lei, se é a

própria lei que distingue onde não poderia?

No Brasil, apesar do art. 5º, caput da Constituição iniciar por

determinar uma igualdade perante a lei, o constituinte inseriu esse valor isonômico em diversos outros dispositivos, em contextos que não deixam 14 J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 563; grifamos.15 J.J. GOMES CANOTILHO, Direito ... cit., p. 563.

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dúvidas quanto à obrigação de ser observado na formulação da lei. É assim que

o preâmbulo registra ser o Estado brasileiro constituído sob o valor supremo da igualdade, ao lado da liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e

justiça.

É, ademais, objetivo da nossa República a redução das

desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção de todos sem

preconceitos ou discriminações (art. 3º, III e IV).

O próprio caput do art. 5º, após determinar que “Todos são iguais

perante a lei”, garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à igualdade. Não se trata aqui de apenas ser tratado

igualmente perante a norma, mas sim de um direito à igualdade que precede à

norma.

JOSÉ AFONSO DA SILVA adverte que, no Brasil, ao contrário do

estrangeiro, a doutrina e a jurisprudência já antes da Constituição de 1988 não

distinguiam a igualdade perante a lei da igualdade na lei:

“Entre nós, essa distinção é desnecessária, porque a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem sentido que, no estrangeiro, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei.” 16

O mestre paulista registra, ainda, com espeque em FRANCISCO

CAMPOS, que:

“o legislador é o destinatário principal do princípio, pois se ele pudesse criar normas distintivas de pessoas, coisas ou

16 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso ... cit., p. 197.

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fatos, que devessem ser tratados com igualdade, o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil, concluindo que, ‘nos sistemas constitucionais do tipo do nosso não cabe dúvida quanto ao principal destinatários do princípio constitucional de igualdade perante a lei. O mandamento da Constituição se dirige particularmente ao legislador e, efetivamente, somente ele poderá ser destinatário útil de tal mandamento.” 17

Não há, pois, dúvida sobre o alcance do princípio da isonomia no

Brasil: ele abrange tanto o processo de criação e instituição das normas como o

de aplicação. Ou, como prefere CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“... o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.” 18

O próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL registra a existência de

conteúdo material no princípio, que, inclusive, implica na inconstitucionalidade da

norma infra-constitucional dele inobservadora:

“O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa.

Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de

17 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso ... cit., p. 197.18 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 9.

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obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório.

A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” 19

19 Mandado de Injunção nº 58 - DF, Rel. p/ acórdão Ministro CELSO DE MELLO, RTJ 134:1025.

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(b) Isonomia no Sistema Tributário Nacional

O princípio da isonomia é geral e sua observância constitui direito

fundamental. Dessa forma, encontra expressão em todos os ramos do direito,

inclusive no Direito Tributário.

Diversos são os preceitos constitucionais impregnados por esse

princípio no campo tributário, podendo se citar o disposto no artigo 151, através

do qual veda-se à União instituir tributo não uniforme em todo o território nacional

ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal

ou a Município, em detrimento de outro, salvo no caso de incentivos fiscais

destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as

diferentes regiões do País.

Também o artigo 152, ao proibir os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios de estabelecerem diferença tributária entre bens e serviços em razão

de sua procedência ou destino e o art. 153, § 2º, inciso I, estipulando seja o

Imposto sobre a Renda, geral, universal e progressivo.

Todas essas normas são corolários do princípio da igualdade no

direito tributário. No entanto, o princípio da isonomia é postulado geral,

expressamente consagrado mediante uma regra de limitação ao poder de tributar

e uma de imposição de gradação dos encargos segundo a capacidade

econômica.

O artigo 150, inciso II é tido pela doutrina como o princípio da

isonomia tributária propriamente dito e está vazado nos seguintes termos:

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“Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:II - instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Esse dispositivo representa, todavia, apenas uma face da isonomia, consistente na vedação do arbítrio.

CANOTILHO registra que o princípio da proibição do arbítrio

funciona como um limite a tratamentos desiguais, mas não soluciona por inteiro a

questão concernente a se assegurar um efetivo tratamento igualitário :

“A fórmula ‘o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente’ não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão pode colocar-se nestes termos: o que é que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade?Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional, reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade. Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade com o

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princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um critério material objectivo. Este costuma ser sintetizado da forma seguintes: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem fundamento razoável.“20 (grifamos)

Dessa forma, a real isonomia não é apenas um princípio de vedação

à arbitrariedade, mas também de imposição de um tratamento igual ou desigual

conforme sejam as situações confrontadas.

Depara-se o intérprete, nesse particular, com a maior dificuldade na

aplicação do princípio, consistente em identificar o critério legítimo de

diferenciação.

De fato, o princípio da igualdade impõe que, muitas vezes, se

desiguale para que se o observe. Ao contrário, aplicar o mesmo tratamento a

situação distintas também é antiisonômico.

Todavia, no campo do direito tributário a tarefa não é tão difícil, pois

o próprio constituinte fixou o critério de desigualação geralmente aplicável: o da

capacidade econômica. Determina a Constituição de 1988 que “os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” (art.

145, § 2º).20 J.J. GOMES CANOTILHO, Direito ... cit., p. 565; grifamos.

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Trata-se do princípio da capacidade contributiva, que, em matéria de

impostos, impõe como critério para a distribuição da carga tributária a

consideração da capacidade econômica do contribuinte.

Destarte, é com a conjugação do artigo 150, II e do artigo 145, § 2º que se tem a norma da isonomia real em matéria de impostos.

Nesse particular, também a opinião de JOSÉ AFONSO DA SILVA:

“O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria fiscal. Diz respeito à repartição do ônus fiscal do modo mais justo possível. Fora disso a igualdade será puramente formal. Diversas teorias forma construídas para explicar o princípio, divididas em subjetivas e objetivas.

As teoria subjetivas compreendem duas vertentes: a do princípio do benefício e a do princípio do sacrifício igual. O primeiro significa que a carga dos impostos deve ser distribuída entre os indivíduos de acordo com os benefício que desfrutam da atividade governamental: conduz à exigência da tributação proporcional à propriedade ou à renda; propicia, em verdade, situações de real injustiça, na medida em que agrava ou apenas mantém as desigualdades existentes. O princípio do sacrifício ou do custo implica que, sempre que o governo incorre em custos em favor de indivíduos particulares, estes custos devem ser suportados por eles. (...) Esse critério de sacrifício igual redunda, na verdade, numa injustiça, porque, numa sociedade dividida em classes, não é certo que todos se beneficiem igualmente das atividades governamentais.

As teorias objetivas convergem para o princípio da capacidade contributiva, expressamente adotada pela

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Constituição (art. 145, § 1º), segundo o qual a carga tributária deve ser distribuída na medida da capacidade econômica dos contribuintes,...

Não basta, pois, a regra de isonomia estabelecida no caput do art. 5º, para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou a regra, pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica dos contribuinte (art. 145, § 1º). É o princípio que busca a justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuintes, já discutido antes. Aparentemente as duas regras se chocam. Uma veda tratamento desigual; outra o autoriza. Mas em verdade ambas se conjugam na tentativa de concretizar a justiça tributária. A graduação, segundo a capacidade econômica e personalização do imposto, permite agrupar os contribuintes em classes, possibilitando tratamento tributário diversificado por classes sociais, e, dentro de cada uma, que constituem situações equivalentes, atua o princípio da igualdade.” 21

Em suma, o preceito do artigo 150, inciso II veda a instituição na lei

de tratamentos desiguais entre contribuintes na mesma situação. A ele, todavia,

se soma o princípio da capacidade contributiva, fazendo registrar que o critério de

21 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso ... cit., p. 201/3, destaques nossos.

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desigualação – para fins de aplicação de tratamento isonômico – é,

necessariamente, o de capacidade econômica.

A norma da isonomia tributária exige, pois, o tratamento igual dos

contribuintes que, com base em um critério de capacidade econômica, estejam

em situações equivalentes.

Assim, sempre que possível, a iguais capacidades econômicas corresponderá igual carga tributária.

É verdade, outrossim, que a igualdade tributária com base em

elementos de capacidade contributiva não é facilmente aplicável a todos os

tributos. Por esse motivo a Constituição admite que taxas, contribuições de

melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, contribuições de

intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias

profissionais e econômicas relevem esse dispositivo, pois tratam-se de tributos

que consideram mais diretamente outros valores, especialmente o da

contraprestação e o do interesse econômico das categorias e do Estado.

A isonomia, para esses casos, atuará mais fortemente na vertente

‘vedação do arbítrio’, relativizando-se a isonomia-capacidade contributiva. Note-

se, todavia, que não se trata de simplesmente afastar a capacidade contributiva,

mas de compatibilizá-la com outros valores.

Em matéria de impostos, todavia, a isonomia via capacidade econômica é imperativo inafastável, exceto naqueles casos em que a natureza do tributo não permita.

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Nesse particular, e adotando-se a classificação dos impostos em

pessoais e reais, os impostos pessoais, cujo maior expoente é o Imposto sobre a

Renda, sempre permitem e, por conseguinte, atraem insuperavelmente a

graduação segundo a capacidade econômica.

(c) O pagamento acumulado dos benefícios não implica em maior capacidade econômica e, portanto, o tratamento desigual viola o princípio da isonomia

No caso concreto, (i) ainda que se considere o pagamento dos

atrasados como fonte de acréscimo patrimonial – o que a jurisprudência do

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já repudiou, conforme demonstrado acima -,

ou (ii) se admita a tributação do mínimo existencial pelo imposto sobre a renda, há

clara afronta ao princípio da isonomia tributária.

Com efeito, o mero pagamento acumulado dos benefícios não

expressa aquisição de capacidade econômica superior àquela que teria o

contribuinte caso tivesse auferido mês a mês as importâncias correspondentes às

prestações a que tem direito.

No entanto, a norma reproduzida no início desta inicial impõe

tratamento mais oneroso ao contribuinte que, ao invés de receber – como de

direito – os seus rendimentos mês a mês, o logra obter, com atraso, de uma vez

só.

Isso porque o Imposto sobre a Renda é graduado conforme o

montante dos rendimentos mensais do contribuinte, de acordo com a tabela

progressiva.

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Nessa sistemática, a maioria dos benefícios pagos no País, quando

recebidos mensalmente, gozam de isenção do imposto, pois se situam em

montante inferior ao de incidência do tributo. No entanto, quando pagos

acumuladamente, alcançam muitas vezes a faixa de tributação mais onerosa da

tabela, fazendo com que a mesma importância seja tributada diferenciadamente.

Salta aos olhos, nesse particular, a violação à isonomia tributária.

Cidadãos com a mesma capacidade econômica são tratados distintamente,

tão somente porque uns receberam seus benefícios mês a mês e outros o perceberam – por culpa do Estado – com atraso, em prestação única.

Não há fundamento para essa diferenciação, mormente por ter o

constituinte acolhido o critério da capacidade contributiva como elemento de

discrímem na distribuição dos encargos tributários. E, com toda evidência, o simples fato do pagamento dos atrasados se dar em prestação única não indica aumento de capacidade econômica e, em conseqüência, não autoriza tratamento tributário desigual.

Destaque-se, aliás, que justamente aqueles lesados pelo não-

pagamento oportuno dos benefícios é que sofrem a incidência do tributo,

enquanto os que receberam no momento correto nada devem ao erário. Patente,

pois, a desigualação infundada, reveladora de profunda injustiça e de violação ao

preceito da igualdade.

5. CONCLUSÃO

Resta, pois, inconteste a inconstitucionalidade e ilegalidade da

conduta do réus consistente em fazer incidir o Imposto sobre a Renda

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relativamente a benefícios ou pensões recebidos acumuladamente, em virtude de

indevido atraso por parte do INSS, no âmbito da previdência ou assistência social,

cujo valor mensal não exceda ao limite de isenção do tributo (atualmente R$

900,00), seja por tratar-se de mera indenização, especialmente por dano ao

mínimo existencial, seja por violar o princípio da isonomia tributária.

Surge, assim, inexoravel obrigação (a) da União Federal e do

Instituto Nacional do Seguro Social não mais exigirem o Imposto sobre a Renda

relativamente às verbas tratadas na presente demanda, bem como (b) da União

proceder à devolução do Imposto sobre a Renda indevidamente recolhido.

6. DO PEDIDO DE CONCESSÃO LIMINAR DE TUTELA ANTECIPADA

O eminente professor Cândido Rangel Dinamarco22 traduz a alma do

novo instituto:

“O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no processo”.

Elenca a lei as condições para a antecipação da tutela: (a) prova

inequívoca dos fatos, (b) verossimilhança da alegação; e (c) fundado receio de

dano irreparável ou de difícil reparação.

22 in “A Reforma do Código de Processo Civil”, 2ª ed., rev. e ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995, p.

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No caso em tela, todos os requisitos necessários ao deferimento da

tutela antecipada encontram-se presentes.

Os fatos são incontroversos, tratando-se, aliás, de matéria

estritamente de direito.

A verossimilhança da alegação é patente, em face das razões acima

expostas, que demonstram a inconstitucionalidade e ilegalidade da exação

imposta pelos réus a todos os hipossuficientes que receberam ou recebem

diferenças referentes a benefícios no âmbito da previdência ou assistência social

pagas acumuladamente por força do atraso.

Note-se que os beneficiários da tutela são, em regra, pessoas cuja

situação remuneratória já é bastante difícil e ainda vêem seus parcos benefícios

serem ilicitamente reduzidos pelas condutas da União Federal e do INSS. Não

bastasse a demora em receber os benefícios a que fazem jus e, ainda, os

percebem reduzidos por incidência tributária incabível.

Por fim, também está presente o requisito do dano irreparável ou de

difícil reparação, uma vez que a demora na obtenção da tutela impõe aos

beneficiários e suas famílias uma vez injusta redução nos valores das prestações

previdenciárias ou assistenciais. Note-se que se trata de prestação de caráter

alimentar, na maioria das vezes única e mísera fonte de sustento desses

cidadãos.

Impor-lhes o término da ação para o gozo desse direito – e remetê-

los ao demorado procedimento da repetição – é manter a injusta situação hoje

vivenciada por esses cidadãos, que não só são prejudicados pela demora na

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percepção dos rendimentos, como ainda os percebem drasticamente reduzidos

por exação inconstitucional.

Há que se ressaltar, outrossim, que se requer a tutela antecipada

parcial, uma vez que o pedido, em sua totalidade, abrange não apenas a

suspensão do desconto do Imposto de Renda sobre os valores pagos em atraso,

acumuladamente, bem como o pedido de restituição aos segurados, pensionistas

ou beneficiários, dos valores já indevidamente recolhidos a título de Imposto de

Renda, durante os últimos cinco anos, nos moldes acima expostos.

Cabe, também, desde logo, destacar que a presente ação civil

pública não comporta a aplicação da recente Lei n.º 9.494/97, pois trata-se de

diploma legal que veda a antecipação de tutela tão somente quando for caso de

reajuste, reclassificação, equiparação ou extensão de vantagens de servidores.

Destarte, com supedâneo nos §§ 1º e 2º do artigo 273 do CPC e

artigo 12 da Lei n.º 7.347/85, o Ministério Público Federal requer Vossa

Excelência se digne a conceder, liminarmente, tutela parcial antecipada para

determinar à União Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social que

deixem de proceder ao desconto na fonte referente ao Imposto sobre a Renda no

caso do pagamento acumulado - através de procedimento administrativo ou

processo judicial - de benefícios ou pensões previdenciários ou assistenciais,

cujos valores mensais originários sejam inferiores ao limite de isenção do referido

tributo, fixando-se o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da ordem

judicial, sob pena de imposição de multa diária correspondente a R$ 10.000,00

(dez mil reais), a ser recolhida para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos

Difusos, nos moldes do artigo 13 da Lei n.º 7.347/85 e Decreto n.º 1.306/94.

7. DO PEDIDO PRINCIPAL

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Ante o exposto, o Autor requer seja, a final, julgado totalmente

procedente o pedido para o fim de:

a-) reconhecer a inexistência de relação jurídico tributária entre a

União Federal e os beneficiários de prestações previdenciárias ou assistenciais

pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a qualquer título,

relativamente ao Imposto sobre a Renda que é exigido pelo recebimento desses

benefícios e pensões, quando pagos acumuladamente em decorrência de

processo administrativo ou judicial, mas que correspondem a créditos

originariamente abrangidos pelo limite mensal de isenção do referido tributo;

b-) condenar as Rés à obrigação de não fazer, consubstanciada

em deixar de exigir a qualquer tempo e de efetuar, na fonte, o desconto do

Imposto sobre a Renda relativo às prestações previdenciárias ou assistenciais

referidas no item precedente;

c-) condenar a União à obrigação de restituir a todos os

segurados, pensionistas ou beneficiários, tanto da previdência quanto da

assistência social, os valores monetariamente atualizados e acrescidos de juros

de mora, recolhidos a título de Imposto sobre a Renda incidente sobre as

prestações previdenciárias ou assistenciais recebidas em atraso e

acumuladamente, em virtude de procedimento administrativo ou processo judicial,

mas que correspondiam a créditos originariamente abrangidos pelo limite mensal

de isenção do referido tributo, nos últimos cinco anos, contados da data da

propositura da presente ação.

Para viabilizar a execução deste item do pedido, requer-se sejam as

Rés condenadas a efetuar a restituição das importâncias correspondentes ao

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Imposto sobre a Renda indevidamente retido através de sua inclusão no montante

dos benefícios ou pensões pagos em até três meses após o do trânsito em

julgado da sentença, para aqueles que ainda os percebam.

Pede o Autor, desde já, seja eventual sentença de procedência

proferida nesta ação civil pública publicada em dois jornais de grande circulação

no Estado de São Paulo, dando publicidadade do conteúdo da decisão.

Por derradeiro, requer-se (i) a citação da União Federal, na pessoa

do Procurador-Chefe da Procuradoria da União no Estado de São Paulo, bem

como do Instituto Nacional do Seguro Social, na pessoa do Procurador-Chefe

neste Estado, nos endereços já constantes no início desta petição para,

querendo, oferecerem resposta no prazo facultado pela lei, bem como (ii) as

respectivas intimações para cumprirem a tutela antecipada.

Pede, ainda:

(a) a publicação do Edital a que se refere o artigo 94 do Código de Defesa do

Consumidor;

(b) a produção de prova por todos os meios admitidos; e

(c) a condenação dos réus nos ônus da sucumbência eventualmente cabíveis.

Atribui à causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$

1.000,00 (um mil reais).

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P. Deferimento.

São Paulo, 8 de Abril de yyyy.

MARLON ALBERTO WEICHERT Procurador da República

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão23

Em anexo:Representação nº 160/98, com documentos que demonstram a cobrança do Imposto sobre a Renda nos casos ora discutidos

23 a tese que ora se traz ao conhecimento do Judiciário foi desenvolvida, na sua quase totalidade (exceção apenas ao tema da isonomia e da imunidade do mínimo existencial) pela Excelentíssima Procuradora Regional da República Doutora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, anterior Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo.

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