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MINISTRIO PBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPBLICA NO DISTRITO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADO

EXCELENTSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (JUZA) FEDERAL DA ___ VARA CVEL DA SEO JUDICIRIA DE BRASLIA/DF

- A chave do bem morrer est no bem viver. Se o Brasil no garante dignidade de pessoa humana a quem vive, como pretender garantir dignidade no morrer? - Em todo pedido de paciente terminal para morrer est implcito um pedido de socorro. - O direito vida tem um contedo proteo positiva que impede configur-lo com um direito de liberdade que inclua o direito prpria morte. O Estado, principalmente por situaes fticas, no pode prever e impedir que algum disponha de seu direito vida, suicidando-se ou praticando eutansia. Isso, porm, no coloca a vida como direito disponvel, nem a morte como direito subjetivo do indivduo. O direito vida no engloba, portanto, o direito subjetivo de exigir-se a prpria morte, no sentido de mobilizar-se o Poder Pblico para garanti-la, por meio, por exemplo, de legislao que permita a eutansia ou ainda que fornea meios instrumentais para a prtica de suicdios. O ordenamento jurdico-constitucional no autoriza, portanto, nenhuma das espcies de eutansia, quais sejam, a ativa ou passiva (ortotansia). (MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. So Paulo: Atlas, 2002. p. 92) - MAS morremos de morte igual, mesma morte severina: que a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doena que a morte severina ataca em qualquer idade, e at gente no nascida). Joo Cabral de Melo Neto

O MINISTRIO PBLICO FEDERAL, pelo Procurador da Repblica signatrio, no exerccio de suas atribuies legais e constitucionais, vem, perante Vossa Excelncia, propor a presente AO CIVIL PBLICA C/C REQUERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA em face do Conselho Federal de Medicina, Pessoa Jurdica de Direito Pblico, a ser citado na pessoa do Presidente do Conselho, com endereo na SGAS 915 Lote 72, CEP 70390-150, com os seguintes fundamentos.

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Tudo comeou quando este Procurador dos Direitos do Cidado do Distrito Federal tomou conhecimento, ainda antes da publicao, da Resoluo n.CFM N 1.805/2006 (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seo I, pg. 169), do Conselho

Federal de Medicina regulamentando para os mdicos a prtica da ortotansia como conduta que no seria punida como falta tica. Instaurou-se o Procedimento Administrativo n. 1.16.000.002480/200621 com Recomendao para imediata revogao da mencionada Resoluo. A Recomendao tem estes termos, ad litteris:RECOMENDAO N. 01/2006 WD PRDC 1. Considerando o Procedimento Administrativo n. 1.16.000.002480/2006-21; 2. Considerando que so funes institucionais do Ministrio Pblico Federal: a. Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos aos direitos assegurados na Constituio Federal (Inc. II, do art. 129 da CF/88); b. A proteo dos direitos constitucionais e a proteo dos interesses individuais indisponveis (Inc. VII, do art. 6 da LC n. 75/93), principalmente, A PROTEO DO DIREITO VIDA; c. Promover o inqurito civil e a ao civil pblica para defesa de direitos constitucionais e quaisquer interesses difusos e/ou coletivos (Inc. III, do art. 129 da CF/88 e inc. VII, do art. 6 da LC n. 75/93); 3. Considerando que a Lei Complementar 75/93 prev, especialmente acerca da defesa dos Direitos Constitucionais, elencando deveres do Procurador Regional dos Direitos do Cidado, que, litteris: Art. 11. A defesa dos direitos constitucionais do cidado visa garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Pblicos e pelos prestadores de servios de relevncia pblica. Art. 12. O Procurador dos Direitos do Cidado agir de ofcio ou mediante representao, notificando a autoridade questionada para que preste informao, no prazo que assinar. Art. 13. Recebidas ou no as informaes e instrudo o caso, se o Procurador dos Direitos do Cidado concluir que direitos constitucionais foram ou esto sendo desrespeitados, dever notificar o responsvel para que tome as providncias necessrias a prevenir a repetio ou que determine a cessao do desrespeito verificado. Art. 14. No atendida, no prazo devido, a notificao prevista no artigo anterior, a Procuradoria dos Direitos do Cidado representar ao poder 2

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ou autoridade competente para promover a responsabilidade pela ao ou omisso inconstitucionais. 3. Considerando que o seguinte sobre a aprovao pelo Conselho Federal de Medicina da Resoluo sobre terminalidade da vida: a. Tal resoluo regulamenta e autoriza a prtica da ortotonsia; b. A ortotansia, assim com a eutansia, ainda considerada HOMICDIO pelo Cdigo Penal Brasileiro. c. Ainda se encontra em apreciao pelo Legislador Ordinrio o Anteprojeto de Cdigo Penal. d. O referido Anteprojeto de Cdigo Penal, ao tratar do homicdio no art. 121, dispe no 3.: "Se o autor do crime cnjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmo ou pessoa ligada por estreitos laos de afeio vtima, e agiu por compaixo, a pedido desta, imputvel e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento fsico insuportvel, em razo de doena grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena - recluso, de dois a cinco anos. e. J no 4. estabelece: No constitui crime deixar de manter a vida de algum por meio artificial, se previamente atestada por dois mdicos a morte como iminente e inevitvel, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cnjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmo. 4. Considerando que o mencionado Anteprojeto, SE E QUANDO APROVADO, regular, assim, a eutansia e a ortotansia, respectivamente. 5. Considerando que, mesmo se aprovado, surgiro questionamentos SERISSIMOS e CONSISTENTES acerca da INCONSTITUCIONALIDADE destes institutos (eutansia e ortotansia). 6. Considerando que o direito vida o principal e primeiro direito de TODOS os seres humanos, direito esse consagrado saciedade na Constituio Federal de 1988. 7. Considerando a indisponibilidade do direito vida, sendo penalizado at o auxlio ao suicdio, inadmissvel que se deixe ao alvedrio de mdicos, parentes ou do prprio doente abreviar a vida (praticar homicdio), a pretexto de deixar o doente morrer no tempo adequado. 8. Considerando as importantssimas lies de RENATO MARCO1, comentando as alteraes em discusso na comisso encarregada da reforma da Parte Especial do Cdigo Penal, ad litteris: A ortotansia, prevista no 4. do art. 121 do Anteprojeto, a nosso ver1 MARCO, Renato. Homicdio eutansico: eutansia e ortotansia no anteprojeto de Cdigo Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2006.

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apresenta-se inapropriada, distante da realidade cultural ptria. No constitui crime, pelo dispositivo em comento, deixar de manter a vida de algum por meio artificial, se previamente atestada por dois mdicos, a morte como iminente e inevitvel, e desde que haja consentimento do paciente, ou, em sua impossibilidade, de cnjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmo. Poder-se-ia cogitar, primeira vista, de tpico caso de crime comissivo por omisso (crime de resultado que s pode ser praticado por certas pessoas, chamadas garantes, que por lei tm o dever de impedir o resultado e a obrigao de proteo e vigilncia em relao a algum), em que os mdicos, pelo comportamento anterior (receber o paciente para tratamento), teriam assumido a responsabilidade de impedir o resultado extremo, dentro dos limites da cincia moderna, e acabaram por tomar caminho diverso. De se observar, entretanto, que a proposta no cuida de conduta prpria, no exige que a ortotansia seja praticada por dois mdicos. Exige apenas que eles atestem previamente, em conjunto ou separado, a morte como iminente e inevitvel. Deixar de manter a vida de algum por meio artificial no ser comportamento exclusivo dos mdicos atestadores da situao extrema, podendo qualquer pessoa o fazer. Alis, evidente que se a ortotansia for praticada por um mdico no poder ser ele um dos subscritores do atestado, que o documento autorizador. Tambm bvio que a iminncia e inevitabilidade da morte s podem ser atestadas previamente. Quadra ressaltar, por oportuno, que no se trata de caso em que tenha ocorrido a morte cerebral do paciente que permanece vivo "por aparelhos", j que o dispositivo fala em "deixar de manter a vida de algum, se previamente atestada, por dois mdicos, a morte como iminente e inevitvel". Portanto, no ocorreu morte cerebral. O momento ltimo da vida apenas se aproxima na viso mdica. Haver certa probabilidade da morte que se apresentar como iminente e inevitvel. Ainda que se admita em um determinado caso que a morte certa, porquanto atestada por dois mdicos como iminente e inevitvel, considerando que iminente aquilo que est j no momento de ser realizado, no vejo motivos para a interveno humana naquilo que nunca lhe coube determinar, por princpios vrios, por questo de bom senso e pela impossibilidade de existir um verdadeiro Direito fundamentador. De se salientar, ainda, que a ortotansia no seria praticada por compaixo, para abreviar sofrimento fsico insuportvel, em razo de doena grave e em estado terminal. A meu ver, aquele que mata nos termos do 4. do art. 121 do Anteprojeto no menos homicida que aquele que o faz em conformidade com o 3. do mesmo dispositivo, e ambos, na essncia, no se diferenciam dos que se amoldam ao caput do art.121 do CP. Na 4

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verdade, muitas vezes estar praticando homicdio qualificado, pois na impossibilidade de colher-se o consentimento do paciente/vtima possvel a prtica extrema com a autorizao de cnjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmo, e poder estar ocorrendo paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe; motivo ftil, ou emprego de asfixia ou outro meio insidioso, hipteses que se nos afiguram de mais fcil verificao. Se aprovada, a previso violar regras morais, religiosas e legais, notadamente o art. 5., caput, da CF, que determina que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida. Saudvel ou acometido de doena grave, e nesta hiptese, ainda que em situao extrema, no h como se estabelecer distino ou fundamento de qualquer natureza que legitime e autorize a terminao voluntria e dolosa da vida de algum, praticada por outrem, sem esbarrar na regra constitucional. O certo que, a exemplo do que redigiu no art. 127, III, do Anteprojeto, mais uma vez a Comisso revelou suas tendncias eugnicas relacionadas quilo que os alemes e americanos denominaram no passado de higenizao da raa. 5. Crtica O trabalho de Binding e Hoche conclui que a eutansia visa cortar a dor humana e melhorar a espcie, mediante a eliminao dos menos aptos. Quer nos parecer, entretanto, que a vida das pessoas infelizmente acometidas de molstias graves, e que por um determinado instante possam estar mais prximas da morte do que nunca antes, no perdeu a qualidade de bem jurdico constitucionalmente tutelado. Conforme assinalou Asa, trs interrogaes se erguem entre ns, repassadas de inquietaes: 1) to intolervel a dor que seja preciso faz-la calar com a morte e to espantosa a agonia que se imponha o seu aceleramento ?; 2) Pode-se decidir de um modo irrevogvel a incurabilidade de um doente?, e, 3) O critrio da inutilidade autoriza a eliminao ? Respostas: 1) No podemos confiar dor a influncia decisiva de determinar a eutansia. A medicina moderna no est demarcada perante as dores mais agudas. O risco em razo da suportabilidade ou no dos pacientes grande. 2) A incurabilidade um dos conceitos mais duvidosos. Prolongar a vida viv-la. Para estas situaes, em que a morte no imediata, a eutansia no deve ser praticada, ainda que a enfermidade continue a destruir o organismo e acabe por fim com a existncia. 3) Motivar o extermnio pela inutilidade o extremo da insensibilidade moral. preciso organizar na vida uma concepo tica da qual o Positivismo e o Idealismo se achem de acordo. A ortotansia no passa de um artifcio homicida; expediente desprovido de razes lgicas e violador da Constituio Federal, mero desejo de dar 5

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ao homem, pelo prprio homem, a possibilidade de uma deciso que nunca lhe pertenceu. Assim, no pode ser considerado lcito o homicdio praticado nas circunstncias estabelecidas no 4. do art.121 do Anteprojeto. Conforme os ensinamentos de Arturo Santoro: "Il diritto alla vita indisponibile da parte del titolare; dimodoch, il consenso alla propria soppressione, prestata ad altri dal Iavente diritto, non elimina l antigiuridicit del fatto" (Manuale di diritto penale, Torino, 1968, Unione Topografico-Editrice Torinese - UET, v. V, p. 117). O consentimento do paciente-vtima no legitima o homicdio. Eventual direito de morrer que possa passar pela mente atormentada do que padece no legitima nenhum direito de matar. 6. Concluso A eutansia e a ortotansia no encontram fundamento nos princpios sociais e morais, tanto que o Anteprojeto cuida do homicdio praticado por motivo de relevante valor social ou moral no 2. do art. 121, e delas em dispositivos outros ( 3. e 4.). A modernizao legislativa pretendida tambm contraria mandamento religioso e o art. 5, caput, da CF, conforme acima mencionado. Bento de Faria (Cdigo Penal brasileiro comentado, Rio de Janeiro : Record, 1959, v. IV, p. 14), apoiando-se nos ensinamentos de Nelson Hungria (op. cit., p. 117), escreveu em sua obra que o sofrimento o preo da perfeio moral, o tributo de peagem na peregrinao do homem pelo mundo. A licena para o homicdio eutansico deve ser repelida, principalmente, em nome do direito. Defend-la , sem mais nem menos, fazer apologia de um crime. No desmoralizemos a civilizao contempornea com o preconcio do homicdio. Uma existncia humana, embora irremessivelmente empolgada pela dor e socialmente intil, sagrada. A vida de um homem at o seu ltimo momento uma contribuio para a harmonia suprema do Universo e nenhum artifcio humano, por isso mesmo, deve trunc-la. A abnegao para assistir a enfermos repugnantes, a compaixo pelos nossos prximos doentes, a simpatia por toda a criatura viva, so valores altamente teis, aos quais no devemos renunciar. Por tudo isto, foroso concluir, como exclamou Morselli: "No nos desmoralizemos!". 9. Considerando, como bem assentado pelo doutrinador retromencionado, que Defend-la (o ortotansia) , sem mais nem menos, fazer apologia de um crime e que incitar ou fazer apologia ao crime tipificado como tal no Cdigo Penal Brasileiro (artigos 286 e 287, respectivamente). 10. Considerando faticamente palavras de um ento Ministro, quando, aps um infarto e vrios dias internado, foi necessrio coloc-lo, o 6

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doente, em coma induzido para melhor trat-lo: LUTEM POR MINHA VIDA. E o doente no mais acordou. a. E se j tivesse sido aprovada a tal ortotansia? b. Viriam mdicos e parentes decidindo por fim vida do doente a pretexto de que este morresse no momento adequado? c. Isso ultrapassa as questes morais, ticas e religiosas. Mais. 11. Considerando que essa matria tem disciplina JURDICA, TCNICA, pois, segundo o Cdigo Penal Brasileiro, a ortotansia uma forma de HOMICDIO, tipificado no artigo 121 do cdigo penal. E que se houver o consentimento do doente, trata-se de fato tpico, antijurdico e culpvel, induzimento, instigao ou auxlio ao suicdio, tipificado no artigo 122 do mesmo Cdigo Penal. 12. Tal essa a realidade que tramita no Congresso Nacional o Anteprojeto de Reforma do Cdigo Penal, j dantes citado. 13. Considerando que a Resoluo aprovada pelo Conselho Federal de Medicina um afronta ao direito vida e trata-se de, em suma e como j dito, de incitao e apologia ao homicdio. O Ministrio Pblico Federal, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidado do Distrito Federal, resolve RECOMENDAR Ao Conselho Federal de Medicina a imediata revogao da Resoluo sobre a terminalidade da vida. Para o atendimento desta Recomendao, assinala-se um prazo de 4 (quatro) dias corridos, at a prxima sexta-feira, 24, devendo as providncias ser informadas a esta Procuradoria da Repblica. Ressalta-se que se DEVE informar a esta Procuradoria da Repblica mesmo o no-atendimento desta RECOMENDAO. Na informao enviada a esta Procuradoria da Repblica, DEVERO ser informadas todas as ocorrncias, se houve, de ortotansias praticadas sob a gide ou no da combatida Resoluo. A apurao das responsabilidades seguiro no Procedimento Administrativo suso mencionado. Braslia-DF, 20 de novembro de 2006.

J se passou algum tempo desde o incio do PA. Exatamente cinco meses na data em que comeo definitivamente escrever esta Ao Civil Pblica. Nesse perodo, li muito. H muito argumentos a favor e contra. Principalmente a favor.7

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Argumentam que em pases como Holanda, Blgica e alguns Estados Norte-Americanos j se admite at a Eutansia (ver infra). De tudo o que se leu, a nica concluso a que se chegou que, filosoficamente, TUDO, TUDO MESMO, pode ser fundamentado. Despiciendo falar sobre a cultura e os costumes. A teoria dos valores, em cada poca e em cada povo, considera determinada conduta primeiramente tica (interna ao ser humano conduta tica, irreprochvel); posteriormente, a conduta que se considera tica para uma ou outra pessoa passa a ser aceita por todos daquela comunidade, nascendo ou florescendo a moral (externa); culminando na regulao de tal conduta pelo Poder Constitudo, pelo Legislador, que confere a fora do aparato estatal de cobrana a uma norma, agora legal, amparada pela super-estrutura do Estado. Sim. Antes de uma conduta ser legal, ela foi e ainda deve ser enquanto viger a norma tica e moral. Falam-se de coisas que at podem ser legais, mas no morais, como o nepotismo. Tudo para se perquirir:

possvel que o Conselho Federal de Medicina diga a um mdico

que a conduta deste pode at ser ilegal, ilcita, considerada at crime, mas que no seja anti-tica?

O Conselho Federal de Medicina teria competncia regulamentar para

dizer que algo que hoje no Brasil ainda pode ser considerado como crime?8

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Poderia regular to simplesmente, somente ouvindo-se mdicos e

pacientes e/ou representantes legais/familiares?

Poderia regulamentar simplesmente, sem quaisquer critrios mais

objetivos ou subjetivos como o fez em outras tantas resolues (vide infra)?

Poder-se-ia subtrair da apreciao prvia do Ministrio Pblico e do

Judicirio a disposio, mesmo em casos extremos, do indisponvel direito vida, consagrado constitucionalmente? Sim, porque nestes casos extremos algum ousaria dizer que algum paciente ou seu representante legal quando decide pelo fim da vida encontra-se irremediavelmente estado, ainda que temporrio, de incapacidade absoluta, onde somente seria vlida uma disposio de vontade aps a oitiva do Ministrio Pblico e do Judicirio? COMPLEXIDADE DO TEMA O tema desperta acaloradas discusses entre os que admitem e os que no admitem em hiptese alguma. Dworkin (vide infra) tentou mudar o foco da questo, mas, no nosso modesto entendimento, simplesmente se utilizou de argumentos diferentes para optar pelo lado dos que admitem a eutansia, ativa ou passiva. Muitos livros, artigos, revistas foram lidos. H maravilhosos argumentos pr e contra a tese. Todos esses argumentos sero colocados nesta ACP exausto. Querendo ou no, a Resoluo do CFM combatida nesta Ao conseguiu o que mais almejava: levar o foco da discusso sobre algo to antigo e que merece maior ateno da sociedade e, se constitucionalmente possvel, do Legislador9

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Ordinrio. Far-se- abaixo escoro sobre a evoluo da regulao tentativa de da eutansia ativa e/ou passiva no Brasil, at chegar-se ao Anteprojeto de alterao da Parte Especial do Cdigo Penal referida na Recomendao. Buscar-se-o no direito comparado subsdios para a formao adequada do convencimento desse i. juzo. Far-se-o muitas transcries, pois no se concorda com o muito que se v de parfrases em muitos textos. Tudo o que escreverei ou estou neste momento escrevendo de cabea foi lido em algum lugar e o autor merece no s a citao, mas que tenha suas palavras preservadas. No ser uma petio enfadonha, garanto, pois tentar-se-o, mesmo sem a competncia necessria, demonstrar ambos os lados da discusso. Mostraremos casos reais e a difcil deciso do mdico, dos parentes, do paciente, de pr fim vida. Pacientes idosos, bem idosos, que se sentem somente um estorvo para a famlia. A quem interessa mais o apressamento da morte destes? Ao paciente? famlia (problemas pessoais e/ou financeiros? Ao mdico e enfermeiro que podero dar mais ateno a outros pacientes mais viveis? Esse s um exemplo. Sero tambm abordadas, com nfase para a concluso do trabalho, as excessivas contenes de gastos dos Governos nas trs esferas que levam o SUS no Brasil a um CAOS literalmente. Na mesma linha, far-se- uma breve abordagem sobre a guerra civil ocorrente no Brasil, para, juntamente com o CAOS instalado no SUS, demonstrar a10

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dificuldade, o sofrimento diuturno que vivem mdicos, enfermeiros, funcionrios de hospitais pblicos, defrontados, diante da guerra instaurada e da excluso social (mistansia vide infra), todos vivem a todo momento a Escolha de Sofia, decidindo quem vai receber ou no atendimento; quem vai viver ou morrer; onde acomodar mais um paciente que chega. Dificlima a situao dos mdicos. Com os parcos recursos de que dispem ou melhor, de que no dispem, podem sentir-se, todos mdicos, enfermeiros, tentados a encerrar o sofrimento de algum sem mais perspectiva alguma de cura para tentar salvar a vida de outro que pode, utilizando-se do material/equipamento do doente terminal. Disso resulta que uma deciso de pr ou no termo a uma vida, ainda que terminal, depende de inmeras variveis, como estado psicolgico do paciente, parentes e mdicos (pode estar com depresso), fatores sociais (custo do tratamento, presso dos planos de sade, vontade de deixar de incomodar a famlia por parte dos velhos, o sentimento de estorvo, os equipamentos hospitalares disponveis, os remdios disponveis, as limitaes sociais, scio-econmicas. Ser concludo assim que somente uma equipe multidisciplinar (psiclogos, psiquiatras, assistentes sociais, etc.) teria plenas condies de realmente avaliar uma possibilidade de pr termo vida de pacientes terminais, tudo, SEMPRE, com a participao efetiva dos rgos constitucionalmente legitimados para zelar efetivamente pelos direitos e garantias individuais, O Judicirio e o Ministrio Pblico. Abordaremos tambm, em captulo menor, o que pensam as mais tradicionais religies profetizadas no Brasil sobre o tema.11

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At sobre eugenia haver pequena meno. Tem este rgo do Ministrio Pblico opinio prpria, que ser assentada na concluso, mas jamais deixa de dar a esse i. juzo todas as condies para adequadamente decidir, mesmo que nesta ACP constem mais transcries a favor da ortotansia que contra. O compromisso do MP, do Judicirio, de todos com a justia. Especialmente quando se trata de defender os direitos e garantias fundamentais de pessoas momentaneamente incapazes absolutamente de decidir adequadamente. Ao termo deste j grande intrito, impressionante quando iniciamos um trabalho de pesquisa, lendo-se tanto, para ao final, ainda bem, encontrar um livro que aborda e praticamente esgota o assunto. Tivemos essa felicidade com o livro resultante da tese de mestrado da mdica e mestra em direito Dra. MARIA ELLISA VILLAS-BOAS, Da eutansia ao prolongamento artificial da vida, que ser parte de uma das concluses deste trabalho. Interessante que a Dra. MARIA ELLISA d embasamento tericojurdico-tcnico para concluir que a ortotansia no seria mais crime tipificado no Cdigo Penal no Brasil (vide infra). Assim, com esta ACP, contribui-se para o alargamento do dilogo necessrio, ainda que se considere o assunto de lege ferenda, que deve, em nosso Estado Democrtico de Direito, ser tratado no foro adequado, o Congresso Nacional. Posto isso, passo ao trabalho propriamente dito com frase que li em quase todos os bons livros sobre o tema:

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PARA O DOENTE TERMINAL, O PEDIDO PRA MORRER NO PASSA DE UM PEDIDO DE SOCORRODA RESOLUO DO CFM Eis o teor da Resoluo, juntamente com a respectiva exposio de motivos, ad litteris:RESOLUO CFM N 1.805/2006 (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seo I, pg. 169) Na fase terminal de enfermidades graves e incurveis permitido ao mdico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessrios para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistncia integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuies conferidas pela Lei n 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei n 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto n 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina so ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe mdica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho tico da Medicina e pelo prestgio e bom conceito da profisso e dos que a exeram legalmente; CONSIDERANDO o art. 1, inciso III, da Constituio Federal, que elegeu o princpio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil; CONSIDERANDO o art. 5, inciso III, da Constituio Federal, que estabelece que ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; CONSIDERANDO que cabe ao mdico zelar pelo bem-estar dos pacientes; CONSIDERANDO que o art. 1 da Resoluo CFM n 1.493, de 20.5.98, determina ao diretor clnico adotar as providncias cabveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu mdico assistente responsvel, desde a internao at a alta; CONSIDERANDO que incumbe ao mdico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunio plenria de 9/11/2006, 13

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RESOLVE: Art. 1 permitido ao mdico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurvel, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. 1 O mdico tem a obrigao de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades teraputicas adequadas para cada situao. 2 A deciso referida no caput deve ser fundamentada e registrada no pronturio. 3 assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinio mdica. Art. 2 O doente continuar a receber todos os cuidados necessrios para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistncia integral, o conforto fsico, psquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3 Esta resoluo entra em vigor na data de sua publicao, revogando-se as disposies em contrrio Braslia, 9 de novembro de 2006 EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE LVIA BARROS GARO Presidente SecretriaGeral EXPOSIO DE MOTIVOS A medicina atual vive um momento de busca de sensato equilbrio na relao mdico-enfermo. A tica mdica tradicional, concebida no modelo hipocrtico, tem forte acento paternalista. Ao enfermo cabe, simplesmente, obedincia s decises mdicas, tal qual uma criana deve cumprir sem questionar as ordens paternas. Assim, at a primeira metade do sculo XX, qualquer ato mdico era julgado levando-se em conta apenas a moralidade do agente, desconsiderando-se os valores e crenas dos enfermos. Somente a partir da dcada de 60 os cdigos de tica profissional passaram a reconhecer o doente como agente autnomo. mesma poca, a medicina passou a incorporar, com muita rapidez, um impressionante avano tecnolgico. Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e novas metodologias criadas para aferir e controlar as variveis vitais ofereceram aos profissionais a possibilidade de adiar o momento da morte. Se no incio do sculo XX o tempo estimado para o desenlace aps a instalao de enfermidade grave era de cinco dias, ao seu final era dez vezes maior. Tamanho o arsenal tecnolgico hoje disponvel que no descabido dizer que se torna quase impossvel morrer sem a anuncia do mdico. Bernard Lown, em seu livro A arte perdida de curar, afirma: As escolas de medicina e o estgio nos hospitais os preparam (os futuros mdicos) 14

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para tornarem-se oficiais-maiores da cincia e gerentes de biotecnologias complexas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser mdico. Os mdicos aprendem pouqussimo a lidar com a morte. A realidade mais fundamental que houve uma revoluo biotecnolgica que possibilita o prolongamento interminvel do morrer. O poder de interveno do mdico cresceu enormemente, sem que, simultaneamente, ocorresse uma reflexo sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefcios auferidos com as novas metodologias diagnsticas e teraputicas. Incontveis so as vidas salvas em situaes crticas, como, por exemplo, os enfermos recuperados aps infarto agudo do miocrdio e/ou enfermidades com graves distrbios hemodinmicos que foram resgatados plenamente saudveis por meio de engenhosos procedimentos teraputicos. Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, tambm, enfermos portadores de doenas crnico-degenerativas incurveis, com intercorrncias clnicas as mais diversas e que so contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos agudamente enfermos. Se para os ltimos, com freqncia, pode-se alcanar plena recuperao, para os crnicos pouco se oferece alm de um sobreviver precrio e, s vezes, no mais que vegetativo. importante ressaltar que muitos enfermos, vtimas de doenas agudas, podem evoluir com irreversibilidade do quadro. Somos expostos dvida sobre o real significado da vida e da morte. At quando avanar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade? Aprendemos muito sobre tecnologia de ponta e pouco sobre o significado tico da vida e da morte. Um trabalho publicado em 1995, no Archives of Internal Medicine, mostrou que apenas cinco de cento e vinte e seis escolas de medicina norte-americanas ofereciam ensinamentos sobre a terminalidade humana. Apenas vinte e seis dos sete mil e quarenta e oito programas de residncia mdica tratavam do tema em reunies cientficas. Despreparados para a questo, passamos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo com doena incurvel em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte s custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua famlia. A terminalidade da vida uma condio diagnosticada pelo mdico diante de um enfermo com doena grave e incurvel; portanto, entende-se que existe uma doena em fase terminal, e no um doente terminal. Nesse caso, a prioridade passa a ser a pessoa doente e no mais o tratamento da doena. As evidncias parecem demonstrar que esquecemos o ensinamento clssico que reconhece como funo do mdico curar s vezes, aliviar muito freqentemente e confortar sempre. Deixamos de cuidar da pessoa doente e nos empenhamos em tratar a doena da pessoa, 15

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desconhecendo que nossa misso primacial deve ser a busca do bemestar fsico e emocional do enfermo, j que todo ser humano sempre ser uma complexa realidade biopsicossocial e espiritual. A obsesso de manter a vida biolgica a qualquer custo nos conduz obstinao diagnstica e teraputica. Alguns, alegando ser a vida um bem sagrado, por nada se afastam da determinao de tudo fazer enquanto restar um dbil sopro de vida. Um documento da Igreja Catlica, datado de maio de 1995, assim considera a questo: Distinta da eutansia a deciso de renunciar ao chamado excesso teraputico, ou seja, a certas intervenes mdicas j inadequadas situao real do doente, porque no proporcionais aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua famlia. Nestas situaes, quando a morte se anuncia iminente e inevitvel, pode-se em conscincia renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precrio e penoso da vida. Inevitavelmente, cada vida humana chega ao seu final. Assegurar que essa passagem ocorra de forma digna, com cuidados e buscando-se o menor sofrimento possvel, misso daqueles que assistem aos enfermos portadores de doenas em fase terminal. Um grave dilema tico hoje apresentado aos profissionais de sade se refere a quando no utilizar toda a tecnologia disponvel. Jean Robert Debray, em seu livro Lacharnement thrapeutique, assim conceitua a obstinao teraputica: Comportamento mdico que consiste em utilizar procedimentos teraputicos cujos efeitos so mais nocivos do que o prprio mal a ser curado. Inteis, pois a cura impossvel e os benefcios esperados so menores que os inconvenientes provocados. Essa batalha ftil, travada em nome do carter sagrado da vida, parece negar a prpria vida humana naquilo que ela tem de mais essencial: a dignidade. No Brasil, h muito o que fazer com relao terminalidade da vida. Devem ser incentivados debates, com a sociedade e com os profissionais da rea da sade, sobre a finitude do ser humano. importante que se ensine aos estudantes e aos mdicos, tanto na graduao quanto na psgraduao e nos cursos de aperfeioamento e de atualizao, as limitaes dos sistemas prognsticos; como utiliz-los; como encaminhar as decises sobre a mudana da modalidade de tratamento curativo para a de cuidados paliativos; como reconhecer e tratar a dor; como reconhecer e tratar os outros sintomas que causam desconforto e sofrimento aos enfermos; o respeito s preferncias individuais e s diferenas culturais e religiosas dos enfermos e seus familiares e o estmulo participao dos familiares nas decises sobre a terminalidade da vida. Ressalte-se que as escolas mdicas moldam profissionais com esmerada preparao tcnica e nenhuma nfase humanstica. O mdico aquele que detm a maior responsabilidade da cura e, portanto, o que tem o maior sentimento de fracasso perante a morte do enfermo sob os seus cuidados. Contudo, ns, mdicos, devemos ter em 16

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mente que o entusiasmo por uma possibilidade tcnica no nos pode impedir de aceitar a morte de um doente. E devemos ter maturidade suficiente para pesar qual modalidade de tratamento ser a mais adequada. Deveremos, ainda, considerar a eficcia do tratamento pretendido, seus riscos em potencial e as preferncias do enfermo e/ou de seu representante legal. Diante dessas afirmaes, torna-se importante que a sociedade tome conhecimento de que certas decises teraputicas podero apenas prolongar o sofrimento do ser humano at o momento de sua morte, sendo imprescindvel que mdicos, enfermos e familiares, que possuem diferentes interpretaes e percepes morais de uma mesma situao, venham a debater sobre a terminalidade humana e sobre o processo do morrer. Torna-se vital que o mdico reconhea a importncia da necessidade da mudana do enfoque teraputico diante de um enfermo portador de doena em fase terminal, para o qual a Organizao Mundial da Sade preconiza que sejam adotados os cuidados paliativos, ou seja, uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenas que pem em risco a vida. A atuao busca a preveno e o alvio do sofrimento, atravs do reconhecimento precoce, de uma avaliao precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza fsica, psicossocial ou espiritual.

De antemo a pergunta que j resolve esta Ao Civil Pblica: A Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957 confere ao Conselho Federal de Medicina poder regulamentar para dispor sobre matria privativa de lei (direito vida)? A Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957 confere ao Conselho Federal de Medicina poder regulamentar para regulamentar diretamente a Constituio Federal de 1988? H algo no ordenamento jurdico que confira ao Conselho Federal de Medicina o poder/competncia/atribuio para declarar que a ortotansia no mais tipificada como crime aps a CF/88, ou seja, para dizer a todos os mdicos da norecepo de tal matria?17

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A Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957 confere ao Conselho Federal de Medicina poder regulamentar para dizer que uma conduta tipificada como crime pode at ser crime, mas no anti-tica? Um ADENDO: seria o mesmo que se admitir possa a OAB expedir resoluo regulamentando que pode at ser crime a Fraude Processual (art. 347 do CPB), ou cometer o ilcito tipificado no art. 343 do CPB, PORM no seria antitico, visto a necessidade de, em nome do contraditrio e da ampla defesa, ser necessrio utilizar-se de quaisquer meios para defender o constituinte (os meios justificariam os fins). Ou a mesma OAB afirmar que no seria anti-tico ao advogado a tergiversao ( nico do art. 354 do CPB) ou nem mesmo o patrocnio infiel (caput do art. 354 do CPB), pois livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, de acordo com a CF/88. POIS . Foi isso que fez o Conselho Federal de Medicina. Extrapolou com a resoluo o simples poder de regulamentar, jamais de inovar no ordenamento jurdico. Feriu o princpio da legalidade. que o tema deve ser discutido no for adequado, no Congresso Nacional, de lege ferenda. Mesmo nos sistemas jusnaturalistas, nada pode ser tico sem ser legal. Os dispositivos constitucionais caracterizadores do princpio da legalidade no Brasil impem ao regulamento o carter de ato estritamente subordinado, meramente subalterno, inferior, totalmente dependente da lei. O ponto diferencial entre lei e regulamento no direito brasileiro e que18

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possui relevo mximo que somente a lei inova originariamente a ordem jurdica na ordem jurdica, ou seja, somente a lei fonte primria do Direito, ao passo que o regulamento fonte secundria, inferior.2 A CF/88 prescreve que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei (inc. II, do art. 5). Note-se que se exige lei. A CF/88 no diz decreto, regulamento, resoluo, portaria, etc. Ainda h mais. No caput, do art. 37, a CF/88 estabelece para a Administrao Pblica o princpio da legalidade estrita. Assim, no sistema constitucional vigente, Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, no h regulamentos, - h abuso do poder regulamentar, invaso de competncia legislativa. O regulamento no mais do que auxiliar das leis, auxiliar que si pretender, no raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem categoria de lei.3 Para vincar ainda mais reiteradamente a diretriz consagradora da subordinao da Administrao lei, a Constituio, em inmeros dispositivos atinentes a presumveis atuaes estatais, agrega um cauteloso acrscimo: nos termos da lei.

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FAGUNDES, Seabra. Princpios Gerais de Direito Administrativo. 2. ed. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 316, Apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 310. 3 MIRANDA, Pontes de. Comentrios Constituio de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. 2. ed. t. III. So Paulo, Revista dos Tribunais, 1970. p. 314. Apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 311.

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Em suma: livre de qualquer dvida que, na ordem constitucional vigente, s por lei se regula liberdade e propriedade; s por lei se impem obrigaes de fazer ou no fazer. Restrio alguma liberdade ou propriedade pode ser imposta se no estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e s para cumprir dispositivos legais que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos. Sem a lei, no Direito ptrio, no haveria espao jurdico para o regulamento.Se o regulamento cria direitos ou obrigaes novas, estranhos lei, ou faz reviver direitos, deveres, pretenses, obrigaes, aes ou excees, que a lei apagou, inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que taxativo, ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar, ou ampliar direitos, deveres, pretenses, obrigaes ou excees proibio (...). Nenhum princpio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em conseqncia disso, no fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui penas, emolumentos, taxas ou isenes. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta, ou das outras leis, no vale. Em se tratando de regra jurdica de direito formal, o regulamento no pode ir alm da edio de regras que indiquem a maneira de ser observada a regra jurdica. Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou para menos, da lei, nulo, por ser contrria lei e regra jurdica quer se tentou embutir no sistema jurdico. Se, regulamentando a lei a, o regulamento fere a Constituio ou outra lei, contrrio Constituio, ou lei, e em conseqncia nulo o que editou. A pretexto de regulamentar a lei a, no pode o regulamento, sequer, ofender o que, a propsito da lei b, outro regulamento estabelecera.4

Essa citao do Grande Mestre perfeita para indicar que ao regulamento defeso incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigao novos, ou seja, ao regulamento proibido inovar originariamente a ordem jurdica. Nem favor nem restrio que j no se contenham previamente na lei regulamentada podem ser agregados pelo regulamento.4 MIRANDA, Pontes de. op. cit. t. III, pp. 316 e 317. Apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. op. cit. pp. 320/321.

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Pois somente lei que compete indicar as condies de aquisio ou restrio de direito. Ao regulamento s pode assistir, vista das condies preestabelecidas, a especificao delas. E esta especificao tem que se conter no interior do contedo significativo das palavras legais enunciadoras do teor do direito ou restrio e do teor das condies a serem preenchidas. Deveras, disciplinar certa matria no conferir a outrem o poder de disciplin-la. Fora isto possvel, e a segurana de que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei deixaria de se constituio em proteo constitucional. Em suma: no mais haveria a garantia constitucional aludida, pois os ditames ali insculpidos teriam sua valia condicionada s decises infraconstitucionais, isto , s que resultassem do querer do legislador ordinrio. Se lei fosse permitido dispor que o Executivo disciplinaria, por regulamento, tal ou qual liberdade, ou restrio, o princpio da legalidade perderia o carter de garantia constitucional, pois o administrado, o cidado, seria obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa ou em virtude de regulamento, ora em virtude de lei, ao talante do Legislativo. Por isso, se houver lei que se limitasse a (pretender) transferir ao Executivo o poder de ditar, a seu arbtrio, as condies ou meios que permitem restringir um direito, esta seria uma inconstitucional delegao disfarada e, no sistema constitucional de tripartio de poderes, as funes correspondentes a cada um dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judicirio) so, como regra, indelegveis, exceo somente as leis delegadas, nos termos previstos no inc. IV, do art. 59 e no art. 68, ambos da CF/88. Se a regra a no-delegao e a nica exceo est prevista, bvio que no podem existir delegaes disfaradas.Se o Poder Legislativo deixa ao Poder Executivo fazer lei, delega; o poder regulamentar o que se exerce sem criao de regras jurdicas 21

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que alterem as existentes e sem alterao da prpria lei regulamentada. (...) Nem o Poder Executivo pode alterar regras jurdicas constantes de lei, a pretexto de editar decretos para a sua fiel execuo, ou regulamentos concernentes a elas, nem tal atribuio pode provir de permisso ou imposio legal de alterar regras legais, ou estend-las, ou limit-las.5 29. Atualmente, entretanto, estas leis inconstitucionais, bem como os atos que acaso se pretenda expedir com base nelas, esto fulminados por expressa determinao do art. 25 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, o qual, se, de um lado, vale como confirmao de que foram inmeros os abusos, de outro, representa a expresso clara de que no se deseja mais neles reincidir. o seguinte o seu teor: Ficam revogados, a partir de 180 dias da promulgao da Constituio, sujeito este prazo a prorrogao por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a rgo do Poder Executivo competncia assinalada pela Constituio ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I ao normativa; II alocao ou transferncia de recursos de qualquer espcie..6 Resolues, instrues e portarias Tudo o quanto se disse a respeito do regulamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razo, a instrues portarias, resolues, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. que, na pirmide jurdica, alojam-se em nvel inferior ao prprio regulamento. Enquanto este ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalo mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores. ... Assim, toda a dependncia e subordinao do regulamento lei, bem como os limites em que se h de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instrues, portarias, resolues, regimentos ou normas quejandas. Desatend-los implica inconstitucionalidade. A regra geral contida no art. 68 da Carta Magna, da qual procedente inferir vedao a delegao ostensiva ou disfarada de poderes legislativos ao Executivo, incide e com maior evidncia quando a delegao se faz em prol de entidades ou rgos administrativos sediados em posio jurdica inferior do Presidente e que se vo manifestar, portanto, mediante atos de qualificao menor. Se o regulamento no pode criar direitos ou restries liberdade, propriedade e atividades dos indivduos que j no estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda podero faz-lo instrues, portarias ou resolues. Se o regulamento no pode ser instrumento para regular matria que, por ser legislativa, insuscetvel de delegao, menos ainda5 MIRANDA, Pontes de. op. cit. t. III, pp. 312/313. Apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. op. cit. pp. 324/325. 6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. op. cit. p. 325.

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podero faz-lo atos de estirpe inferior, quais instrues, portarias ou resolues. Se o Chefe do Poder Executivo no pode assenhorear-se de funes legislativas nem receb-las para isso por complacncia irregular do Poder Legislativo, menos ainda podero outros rgos ou entidades da Administrao direta ou indireta.7

Assim, requer-se expressamente que este i. juzo diga a respeito:

da legalidade da respectiva resoluo, ou seja, da conformidade com

o poder regulamentar do Conselho Federal de Medicina estabelecido na Lei n. 3268/57;

da constitucionalidade de uma Resoluo que se atreve a tentar ser

um decreto executivo.

O ATUAL CDIGO PENAL A primeira pergunta: a ortotansia, ou a eutansia passiva, ainda crime tipificado no art. 121 do Cdigo Penal. Na recomendao transcrita supra, j se mencionou sobre a eutansia e a ortotansia serem tipificados como crimes previstos no art. 121 do Cdigo Penal. a posio de Renato Marco e nossa posio. J se asseverou na Recomendao supra que, se no fosse crime, no seria necessria lei descriminalizante. Lgica simples. Na mesma recomendao, j se asseverou sobre o anteprojeto de reforma da parte especial do Cdigo Penal, colocando a eutansia como privilgio ao homicdio e descriminando a ortotansia.7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. op. cit. pp. 335/336.

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Mas, acaso aprovado tal reforma no Cdigo Penal, a quem ser cometido o dever de fiscalizao acerca do que j acontece hoje em hospitais (vide infra) em que mdicos plantonistas, insuficientes para tantos martrios do povo brasileiro que no condies de arcar com os custos de um plano de sade, faz diuturnamente a escolha de Sofia, determinando, s vezes s de olhar, quem deve ou no receber atendimento, isso em corredores abarrotados. Mais. H locais em que essa escolha de Sofia nem chega aos mdicos e/ou enfermeiros, fica a cargo dos prprios seguranas dos hospitais. Retomando a pergunta. Quem fiscaliza o Guarda? Ou melhor. Quem fiscalizaria o direito vida?

Somente o mdico, para o paciente indigente? Os parentes e o mdico, para o paciente que no pode manifestar

validamente sua vontade (crianas, doentes mentais, etc.)?

O paciente pode dispor sobre sua prpria vida?

Retomaremos tais perquiries mais abaixo. Volta-se discusso e pergunta: hoje ainda crime no Brasil a prtica da eutansia ativa ou passiva (ortotansia), tratando-se, em regra, o homicdio cometido nestas situaes como privilegiados em virtude de relevante valor moral ou social (art. 121, 1 do CPB). Vejamos,e entendemos suficiente, as assertivas de Guilherme de Souza24

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Nucci8, ad litteris:14. Relevante valor social ou moral: (...) No caso do relevante valor moral, o valor em questo leva em conta interesse de ordem pessoal. Ex.: agresso (ou morte) contra amante do cnjuge; apressar a morte de est desenganado. curial observar que a existncia dessa causa de diminuio de pena faz parte do contexto global de que o direito vida no absoluto e ilimitado. Quando um traficante distribui drogas num colgio, sem qualquer ao eficaz da polcia para cont-lo, levando um pai desesperado pelo vcio que impregna seu filho a matar o criminoso, surge o aspecto relativo do direito vida (fosse absoluto e nada justificaria uma pena menor). Embora haja punio, pois no se trata de ato lcito (como no caso de legtima defesa ou estado de necessidade), o Estado, por intermdio da lei, entende ser cabvel uma punio menor, tendo em vista a relevncia do motivo que desencadeou a ao delituosa. Protege-se, indiscutivelmente, a vida do traficante, embora os valores que esto em jogo devam ser considerados para a fixao da reprimenda ao autor do homicdio. De outra parte, no se deve banalizar a motivao relevante no enfoque social ou moral para a eliminao da vida alheia, tornando-a um fator emocional ou individual, significando que o homicdio somente foi cometido porque houve uma saliente valia, de reconhecimento geral, ainda que os efeitos se conectem a interesses coletivos (social) ou particulares (moral). Criticando a diviso do relevante valor em moral e social est a posio de Euclides Custdio da Silveira: So motivos de relevante valor moral ou social, (...) aqueles que a conscincia tica de um povo, num dado momento, aprova. E bastaria falar-se de motivo moral, uma vez que a tica individual e social ao mesmo tempo: a expresso social pleonstica e equvoca (Direito penal crimes contra a pessoa. p. 44) ... 15. Eutansia e homicdio privilegiado: h pelo menos trs conceitos diversos para o mesmo fenmeno: a) eutansia: homicdio piedoso (chamado tambm de homicdio mdico, compassivo, caritativo ou consensual), para abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente, reconhecidamente incurvel (Hungria, Ortotonsia ou eutansia por omisso, p. 14), que se encontra profundamente angustiado. Nesse caso, o paciente ainda no se encontra desenganado pela medicina. No sentido etimolgico da palavra, quer dizer morte suave, doce, fcil, sem dor, mas no antecipao; b) ortotansia: homicdio piedoso omissivo (eutansia omissiva, eutansia moral ou teraputica), deixando o mdico de ministrar remdios que prolonguem artificialmente a vida da vtima, portadora de enfermidade incurvel, em estado terminal e irremedivel, j desenganada pela medicina; c) distansia: morte lenta e sofrida de uma8 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal Comentado. 6. ed. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2006. pp. 525 e 526

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pessoa, prolongada pelos recursos que a medicina oferece. Sob o ponto de vista legal, qualquer dessas formas de matar o paciente, que se encontra angustiado por uma doena, criminosa. No se inclui a distansia, pois esta forma de prolongar o sofrimento at o fim natural da pessoa humana. Sob o ponto de vista mdico, no entanto, conforme Resoluo 1.246/88, aprovando o art. 66 do Cdigo de tica Mdica, trata-se a ortotansia de procedimento tico. Entende-se, no entanto, pelos valores morais que esto em jogo, buscando evitar o sofrimento prolongado de algum vitimado por doena grave, que se trata de um homicdio privilegiado, com base no relevante valor moral. Debate-se no direito brasileiro a possibilidade de se acolher a eutansia ao menos a ortatansia como excludente de ilicitude, fundada no consentimento do ofendido. Contrariamente, levantam-se os seguintes argumentos: a) a santidade da vida humana; b) a eutansia voluntria abriria espao para a involuntria; c) poderia haver abuso de mdicos e familiares, por interesses escusos (herana, v.g. acrescentei); d) h sempre possibilidade de diagnstico errneo; e) h possibilidade do surgimento de novos medicamentos para combater o mal. Cita-se, por oportuno, caso ocorrido na Frana, referente filhinha de 5 anos de um mdico que adoeceu gravemente a vrios quilmetros de Paris. Atacada por difteria, molstia de grande gravidade poca, cujo grau de letalidade atingia 99% dos bitos. Tendo utilizado o pai de todos os recursos possveis e vendo avizinharem-se os sintomas precursores da morte, tais como, dispnia, cianose e os sinais de asfixia, resolve, desolado, pr fim ao sofrimento da filha, infetando-lhe forte dose de pio que, em poucos segundos, produziu seu efeito. Realizado o enterro, ao voltar do cemitrio, triste, a imensa dor da saudade e a sensao de um cruel dever cumprido, depara-se com um telegrama a si dirigido, cujo texto dizia: Roux acaba de descobrir o soro antidiftrio, aplicando-o com xito. Aguarde remessa... (Ana Raquel Colares dos Santos Soares, Eutansia: direito de morrer ou direito de viver?. P. 151-152); f) h sempre a possibilidade de reaes orgnicas do paciente, consideradas milagres, restabelecendo-se o enfermo (Hungria, Ortotansia ou eutansia por omisso, p. 16). Ainda assim, no Anteprojeto da Parte especial do Cdigo Penal, prov-se, como excludente de ilicitude, a possibilidade de realizao da ortotansia, (...) So argumento favorveis ao acolhimento da eutansia pelo Direito ao menos a ortotansia: a) a Assemblia do Conselho da Europa, por meio da Recomendao 79/66, estabeleceu os direitos dos doentes e moribundos, mencionando o direito ao respeito da vontade do paciente quanto ao tratamento a ser utilizado, o direito sua dignidade e integridade, o direito de informao, o direito de cura apropriada e o direito de no sofrer inutilmente. No mesmo sentido: Patitents Bill of Rights (Estados Unidos); Carta sobre Deveres e Direitos dos Doentes (Frana); Carta dos Direitos dos Enfermos (Itlia). Narra-se que o fim da trajetria de Freud deveu-se eutansia. (...) Enfim, longe 26

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de estar resolvida a questo, preciso considerar que muitos aspectos de ordem religiosa esto envolvidos na discusso do tema. Por tal razo, dificilmente, em breve tempo, haver soluo legal para a eutansia (ou ortotansia) no Brasil. Enquanto tal no se der, resume-se o assunto a dois prismas: se algum matar o paciente em agonia, levando em conta esse estado, cometer homicdio privilegiado. Diz Amadeu Ferreira que o homicdio resultar no s da compaixo pelo sofrimento daquele a quem se vai matar, mas tambm pela insuportabilidade e pelo sofrimento que acarretam para o prprio homicida. A morte, muitas vezes conjunta, acaba por ser vista como a nica sada para tais situaes (Homicdio privilegiado, p.66). Entretanto, estando desenganado, pode-se argumentar ter havido consentimento do ofendido (causa supralegal de excluso da ilicitude). Nada que se afirme, nesse contexto, definitivo, merecendo a anlise da situao concreta uma viso particularizada.

Poder-se-ia parar por aqui. O mestre dantes citado praticamente esgota o tema. Mas h os que acham que a ortotansia no mais crime desde a Constituio Federal de 1988, ao consagrar o princpio da dignidade da pessoa humana, partindo-se da premissa de que o direito vida no seria absoluto, assim, a prtica da ortotansia no mais seria tipificada como crime. Ou seja, os defensores desta tese afirmam a no-recepo pela CF/88 de que a ortotansia estaria tipificada no art. 121 do Cdigo Penal. Infelizmente, este signatrio pesquisou e no encontrou nenhuma deciso a respeito, mas, se isso fosse verdade, j que o STF no admite controle concentrado de constitucionalidade sobre leis anteriores CF/88, teramos a SuperResoluo do CFM a suprir esta lacuna do STF: a Super-Resoluo do CFM estaria dizendo pra todo mundo no Brasil que pode ser praticada a ortotansia e que no mais crime, pois no foi recepcionada pela CF/88. Sobre o tema de o direito vida no ser absoluto, tambm o mestre

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Guilherme de Souza Nucci9 escreveu, ad litteris:1. Direito vida: a proteo vida, bem maior do ser humano, tem seu fundamento na Constituio Federal, propagando-se para os demais ramos do ordenamento jurdico. O direito vida, previsto primordialmente no art. 5, caput, da Constituio, considerado um direito fundamento em sentido material, ou seja, indispensvel ao desenvolvimento da pessoa humana, o que Pontes de Miranda chama da supra-estatal, procedente do direito das gentes ou direito humano no mais alto grau. Entretanto, nenhum direito fundamental absoluto, pois necessita conviver harmoniosamente com outros direitos igualmente essenciais. (...) o que indispensvel a um Estado Democrtico de Direito a Constituio prever os direitos supra-estatais, que buscam assegurar a construo de uma personalidade digna e feliz para os membros da coletividade, embora restries sejam paralelamente necessrias e possveis. O direito vida, ora em destaque, encontra limitao quando h confronto com outros interesse do Estado, razo pela qual a prpria Carta Magna prev a possibilidade, em tempo de guerra de haver pena de morte (art. 5, XLVII, a) e o Cdigo Penal Militar estabelece as hipteses de sua aplicao (...) Assim, em tempo de guerra, entende-se indispensvel haver uma disciplina rgida e indeclinvel, no se tolerando traio, covardia, motim, revolta, incitamento, quebra dos deveres militares, entre outros fatores,n colocados acima do bem jurdico vida, sujeitando o infrator pena de morte. Mencione-se, ainda, a autorizao legal para a prtica do aborto, quando a mulher que engravidou foi estrupada ou est correndo risco de vida com a gestao. Assim, como menciona o art. 4, 1, da Conveno Americana de Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepo. Ningum pode ser privado da vida arbitrariamente (grifamos). Em regra, protege-se a vida, mas nada impede que ela seja perdida, por ordem do Estado, que se incumbiu de lhe dar resguardo, desde que interesses maiores devam ser abrigados. O traidor da ptria, em tempo de guerra, no tem direito ilimitado vida. A mulher, ferida em sua dignidade como pessoa humana, porque foi estuprada, merece proteo para decidir pelo aborto. O seqestrador pode ser morto pela vtima, que atua em legtima defesa. Enfim, interesses podem entrar em conflito e, conforme o momento, a vida ser o bem jurdico de menor interesse para o Estado, o que no o torna menos democrtico. A vida direito fundamental, somente no podendo ser atacada arbitrariamente, o que no chega a abranger nem mesmo a possibilidade de aplicao da pena de morte. A Conveno Europia dos Direitos do Homem preceitua (art. 2, 1) que o direito de qualquer pessoa vida protegido pela lei. Ningum poder ser intencionalmente9 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 519

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privado da vida, salvo em execuo de uma sentena capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pela pela lei (grifo nosso). Admite-se, pois, em tese, a existncia de pena de morte, sem que isso, por si s, seja uma violao dos direitos humanos fundamentais. Logo, o direito vida verdadeiramente essencial, embora no seja absoluto. A Constituio Brasileira, alm do art. 5, tambm o prev nos arts. 227 e 230.

Sobre

direitos

fundamentais,

colho

alguns

ensinamentos

de

ALEXANDRE DE MORAIS10, ad litteris:A previso desses direitos [fundamentais] coloca-se em elevada posio hermenutica em relao aos demais direitos previstos no ordenamento jurdico, apresentando diversas caractersticas: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependncia e complementariedade:

... irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais no podem ser objeto de renncia. Dessa caracterstica surgem discusses importantes na doutrina e posteriormente analisadas, como a renncia ao direito vida e a eutansia, o suicdio e o aborto. ... Complementariedade: os direitos humanos fundamentais no dever ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte.

(...) O Poder Judicirio ... sua funo no consiste somente em administrar a Justia, pura e simplesmente, sendo mais, pois seu mister e ser o verdadeiro guardio da constituio, com a finalidade de preservar os direitos humanos fundamentais e, mais especificamente, os princpios da legalidade e da igualdade, sem os quais os demais tornariam-se (sic) vazios. ... Dessa forma, competir ao Poder Judicirio garantir e efetivar o pleno respeito aos direitos humanos fundamentais, sem que possa a lei excluir de sua apreciao qualquer leso ou ameaa de direito (CF, art. 5, XXXV).10 MORAIS, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2002. pp. 41, 52, 54

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... apontam como primordial finalidade do controle constitucionalidade a proteo dos direitos fundamentais.

de

Dessa forma, o controle de constitucionalidade configura-se como verdadeira e primordial garantida de supremacia dos direitos humanos fundamentais previstos na Constituio Federal, que alm de configurarem, conforme j analisado, limites ao Poder do Estado, so tambm parcela da legitimao do prprio Estado, determinando seus deveres e tornando possvel o processo democrtico em um Estado de Direito. (...) Na Constituio Federal de 1988, o Ministrio Pblico recebeu esa vital incumbncia, ao ter consagrado com uma de suas funes o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia pblica aos direitos assegurados na Constituio, promovendo as medidas necessrias a sua garantia (art. 129, III). ... (...) ... rompeu o Constituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional teoria da separao de poderes, atribuindo funo de atuao a determinado rgo do Estado, que o Ministrio Pblico, para assegurar a eficcia dos direitos indisponveis previstos pela prpria Constituio ... 5.3 Direito vida ... O direito vida o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impe-se, j se constitui um pr-requisito existncia e exerccio de todos os demais direitos. A Constituio Federal assegura, portanto, o direito vida, cabendo ao Estado assegur-lo em sua dupla acepo, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter vida digna quanto subsistncia. ... O Estado dever garantir esse direito a um nvel de vida adequado com a condio humana respeitando os princpios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil de construo de uma sociedade livre, justa e solidria, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalizao, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais. ... Ningum pode ser privado arbitrariamente de sua vida. Esse direito, que 30

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o primeiro da pessoa humana, tem em sua concepo atual conflitos com a pena de morte, as prticas abortivas e a eutansia, como posteriormente analisados. 5.3.2 Questo da eutansia e do suicdio O direito vida tem um contedo proteo positiva que impede configur-lo com um direito de liberdade que inclua o direito prpria morte. O Estado, principalmente por situaes fticas, no pode prever e impedir que algum disponha de seu direito vida, suicidando-se ou praticando eutansia. Isso, porm, no coloca a vida como direito disponvel, nem a morte como direito subjetivo do indivduo. O direito vida no engloba, portanto, o direito subjetivo de exigir-se a prpria morte, no sentido de mobilizar-se o Poder Pblico para garanti-la, por meio, por exemplo, de legislao que permita a eutansia ou ainda que fornea meios instrumentais para a prtica de suicdios. O ordenamento jurdico-constitucional no autoriza, portanto, nenhuma das espcies de eutansia, quais sejam, a ativa ou passiva (ortotansia). Enquanto a primeira configura o direito subjetivo de exigir-se de terceiro, inclusive do prprio Estado, a provocao da morte (morte doce ou homicdio por piedade), a segunda o direito de opor-se ao prolongamento artificial da vida, por meio de artifcios mdicos, em casos de doenas incurveis e terrveis, seja em caso de acidentes gravssimos (chamado direito morte digna). (destaquei)

DIREITO COMPARADO Assim escreve a mdica e mestra em Direito Dra. Maria Elisa Villas Bas11, no captulo 6, sobre direito comparado, ad litteris:Tomando-se as codificaes latino americanas, tem-se que o primeiro pas a abordar de forma francamente benvola a questo da eutansia foi o Uruguai, ainda em 1933 ( tendo Cdigo Penal em questo entrado em vigor em 1 de agosto do ano seguinte), quando, seguindo as lies de Jimenez de Asa, previu se o perdo judicial para quem cometesse eutansia, ento dita "homicdio piedoso", nos seguintes termos: "Art. 37 - Del homicidio piedoso - Los jueces tienem la facultad de exonerar de castigo al sujeito de antecedentes honorables, autor de un homicidio, efectuado por mviles de piedad, mediante splicas reiteradas de la victima." Nessa ocasio, o Cdigo uruguaio, surpreendentemente inovador para a poca, ainda admitiu, originalmente, o aborto consentido. Em detalhada anlise acerca dos Cdigos Penais iberoamericanos, Jimenez de Asa narra que os catlicos uruguaios ficaram alarmadssimos com a11 VILLAS-BAS, Maria Elisa. Da Eutansia ao Prolongamento Artificial. Aspectos Polmicos na disciplina jurdico-penal do final de vida. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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admisso do aborto consentido, bem como " por la facultad judicial de perdonar en caso de homicdio por piedad", tendo-se tentado modificaes legais. Em 1938, essas modificaes lograram xito em relao ao aborto, que se tornou permitido apenas em casos especficos, mas foi mantida a disciplina tocante eutansia. Alm do artigo 37, o artigo 310 daquele Cdigo trata do homicdio, mencionando, entre as causas de impunidade, o homicdio piedoso. de se notar tambm que o artigo 315 tipifica a participao em suicdio, no se prevendo, nesse caso, a possibilidade de perdo judicial, o que termina por tornar mais grave a conduta de auxiliar algum a matar-se do que a de mat-la pessoalmente, sob motivao compassiva. Como requisitos para o perdo judicial ao homicdio piedoso, mister que o agente tenha bons antecedentes, que tenha agido mobilizado pela piedade e atendendo a splicas reiteradas da vtima. Acrescente-se que a compaixo do agente deve se direcionar a condies objetivas de padecimento da vtima e que a conduta s pode ser assim compreendida quando que exercida com dolo. Se ausentes esses pressupostos, ainda pode remanescer causa atenuante, nos termos do artigo 46, n.10, do Cdigo Penal Uruguaio, segundo o qual: Atenan el delito an cuando no hubieran sido especialmente contempladas por la ley al determinar la infraccin, las siguientes (...) 10 (Mviles jurdicos, sociales o altruistas) El haber obrado por mviles de honor o por otros impulsos de particular valor social o moral. de se concluir, entretanto, que, apesar de tamanhos cuidados na abordagem legal da eutansia naquele pas, est possivelmente no era uma efetiva necessidade local, uma vez que, segundo observaes de Almada e colaboradores, ao longo dos mais de sessenta anos de vigncia da norma referente ao homicdio piedoso, as colees de jurisprudncias uruguaias no contam uma s sentena em que tenha sido aplicada a hiptese. No esclarecem os autores se por ausncia de casos ou se por inaplicao da faculdade de perdoar. Outro pas da Amrica do Sul que suscitou a polmica em relao ao tratamento jurdico conferido eutansia foi Colmbia. O artigo 364 do cdigo de 1936 continha disposio semelhante do cdigo penal uruguaio acerca da possibilidade de perdo judicial, mantida a ilcitude da conduta. Posteriormente, o benefcio do perdo judicial para a eutansia foi retirado do sistema e, somente em maio de 1997, em sentena que ultrapassou cento e cinqenta pginas, a Corte colombiana decidiu, por seis votos contra trs, a excluso de penalidade para os mdicos que cometessem a " eutansia piedosa, permitindo ao paciente uma morte digna ". Por " eutansia piedosa " entendeu se a hiptese de eutansia passiva voluntria, ento trazida como a suspenso de meios extraordinrios de sustentao da vida, em caso de pacientes cuja teraputica se revela ftil, com sua anuncia. Aproximou-se, portanto, da definio de ortotansia. Para Dbora Diniz, o grande mrito da mudana implementada pela sentena no ordenamento jurdico colombiano foi a nfase dada a vontade do doente. Isso no significa dizer que se deva inferir que a despenalizao decorra basicamente da aquiescncia do ofendido. O consentimento apenas se aliou, imprescindvel, a tolerncia legal, somando-se aos demais requisitos. No grupo minoritrio dos que admitem o perdo judicial para o homicdio compassivo, cite-se, ainda, a Bolvia, cujo Cdigo Penal data de 1935 e segue, no artigo 257, o modelo uruguaio, possibilitando tambm, segundo o que dispe o artigo 39 do diploma boliviano, a substituio por penas alternativas. 32

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Em outros pases latinos-americanos, a tendncia que a eutansia, enquanto morte dada ao doente por comiserao ante seu sofrimento, faa jus atenuao da pena, tal como se observa na Costa Rica ( artigo 116, Cdigo Penal de 1941), Argentina ( aps a reforma de 1967. Por no haver meno expressa a eutansia, h quem considere que se aplica a ela o artigo 83, referente participao em suicdio, com pena reduzida em relao ao homicdio. O artigo 41, pargrafo 2 fala em " mveis altrustas" como causa de reduo de pena) e Brasil. No Peru, o projeto Cornejo - Jimenez para o Cdigo peruano inclua o tipo homicdio piedoso, com pena atenuada em relao ao homicdio simples, mencionado como causa de no temibilidade o " agir por impulso de um motivo altrusta". O Cdigo Penal do Peru de 1924, por seu turno, foi bastante benfico quando, em seu artigo 157, admitiu a impunidade do auxiliador que agiu por compaixo, punindo a ajuda ao suicdio apenas se movida por motivao egosta. No h remisso expressa a eutansia, o que leva parte da doutrina supor que deva ela ser tratada nesse pas de modo equivalente ao auxlio a suicdio, resultando em possvel causa de absolvio. No mbito da Amrica Central, destaque-se que o extenso Cdigo de Defesa Social de Cuba ( 1936 ) refere-se, no mesmo artigo 437, a eutansia e ao induzimento ao suicdio como delitos autnomos, distintos do homicdio e com penas aqum deste. Dentre os pases da Amrica do Norte, os cdigos estaduais mexicanos no tratam da eutansia, embora prevejam sanes para a participao em suicdio. No Canad, o Cdigo Penal no contempla o tipo " eutansia ", mas deixa expresso, em seu artigo 14, que o consentimento da vtima no afeta a responsabilidade penal de quem lhe promove a morte. Em 1983, todavia, a Comisso de Reforma do Direito daquele pas props a legalizao da interrupo de tratamento em doentes terminais, submetendo-se a sanes penais o mdico que mantivesse tais tratamentos contra a vontade do paciente. Grife-se que o mvel humanitrio somente aceito nesse pas quando implica um transtorno mental transitrio, causado pela emoo experimentada ante o sofrimento do padecente. Por fim, importante frisar que, em 1974, o Conselho Geral da Associao Mdica Canadense j considerara a ordem de no reanimar como deciso exclusivamente mdica, no exerccio da adequada prtica profissional. Nos Estados Unidos, a legislao varia de estado a estado, j se tendo discutido mesmo se haveria um direito constitucional a morrer, o que foi repelido pela Suprema Corte. Essa deciso, todavia, no obsta que alguns estados sejam mais benevolentes quanto possibilidade de antecipao da morte. J se teve ocasio de comentar que, em 1994, o Estado de Oregon aprovou lei - the Death with Dignity Act - que autoriza o auxlio ao suicdio no estado de Michigan, resultando na libertao do mdico Jack Kevorkian, ento preso por essa causa. Desde 1976, o Estado da Califrnia j reconhecera ao paciente o direito de recusar o tratamento que o mantinha com vida - the Natural Death Act - e, em 1983, a Comisso Presidencial para o Estudo de Problemas ticos na Medicina publicou o informe Deciding to Forego Life Sustaining Treatment, sobre a possibilidade de omisso e suspenso de suporte vital, as chamadas condutas mdicas restritivas. Em 1985, o estado de Connecticut passou a admitir a suspenso de suporte vital, exceto pela alimentao e hidratao que devem ser mantidas, assim como os cuidados de conforto e analgesia. Nesse mesmo ano, a Sociedade Mdica de Massachusetts aprovou a seguinte resoluo, motivada pelo caso Paul Brophy : A Sociedade Mdica de Massachusetts reconhece o direito de autonomia dos pacientes terminais e dos indivduos em estado vegetativo que tenham manifestado previamente sua vontade de recusar o tratamento, includo o uso da hidratao parenteral e 33

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alimentao enteral por sondas. Historicamente, Evandro de Menezes lembra que a discusso sobre o tema nos Estados Unidos antiga, narrando que o primeiro projeto a respeito da eutansia naquele pas data de 1906, motivado por uma carta endereada ao governador de Ohio por uma jovem senhora, paciente terminal. O projeto no prosperou, mas a discusso tomou vulto e ainda hoje no alcanou pacificao, alimentada, sobretudo, pelos novos casos concretos gerados evoluo biotecnolgica, a qual permitiu a manuteno de existncias antes inviveis. Entre os pases europeus, o Cdigo Penal Portugus de 1984, em seu artigo 133, tipificava o homicdio privilegiado por compaixo ou relevante valor moral, com pena prevista de um a cinco anos. O artigo 134 desse cdigo tratava de homicdio a pedido da vtima, a qual deveria ser imputvel e maior, bem como " instante, consciente, livre e expresso " o pedido. Nesse caso, a pena seria de seis meses a trs anos. Isso faz supor um tratamento diversificado conforme se tratasse de eutansia voluntria ( aplicvel ento o artigo 134 ) ou involuntria ( aplicvel o artigo 133). O artigo 135, que tratava do auxilio a suicdio, seguia as mesmas penas referentes ao homicdio consentido. O Cdigo Penal Portugus de 1995 manteve as disposies com redao semelhante, conservando tambm a numerao dos artigos. Assim, o artigo 133 determina que: " quem matar outra pessoa dominado por compreensvel emoo violenta, compaixo, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, punido com pena de priso de 1 a 5 anos ". O artigo 134, por sua vez, fala no homicdio " determinado por pedido srio, instante e expresso que ele ( o doente) lhe tenha feito ", ao que corresponde pena de " at 3 anos "( a pena do homicdio simples naquele ordenamento de oito a dezesseis anos; a do homicdio qualificado, de quinze a vinte e cinco anos). Segundo Mrio Raposo, a pena em questo habitualmente suspensa, com base no artigo 50, n.1, daquele Cdigo, equiparvel ao instituto do sursis no ordenamento brasileiro. O artigo 135 ( ajuda ao suicdio) trata, ainda, do incitamento e o da ajuda ao suicdio como realidades distintas, vez que, nesta, o indivduo j formara seu propsito. Ambas so, entretanto, punveis naquele pas. O Cdigo Deontolgico portugus, em seu artigo 46, estipula que " o mdico tem o direito liberdade de diagnstico e teraputica, mas deve abster-se de prescrever exames ou tratamentos desnecessariamente onerosos ou de realizar actos mdicos suprfluos ". Veda - se, com isso, a obstinao teraputica. O artigo 47 veda a eutansia, mas esclarece que no se considera eutansia a recusa de tratamento consistente na absteno de teraputica. Tais disposies tm sede, possivelmente, no artigo 1 da Constituio da Repblica Portuguesa, que assegura a dignidade da pessoa humana. Na Espanha, o artigo 28 do Cdigo de tica e Deontologia mdica posiciona-se em sentido similar ao do Cdigo Deontolgico da Ordem dos Mdicos de Portugal, pela absteno da distansia. A norma espanhola se ope a eutansia ativa, voluntria ou involuntria, mas, em seu n.2, o artigo 28 mais tolerante no que tange " eutansia passiva", em que inclui a interrupo de suporte de vida. Nesse pas, tem-se entendido que a no iniciao ou a interrupo de tratamento que retarde a morte de pacientes terminais, em vida vegetativa ou de neonatos problemticos pode ser admitida, se consentida pelo paciente ou por seu representante legal, como exerccio de recusa teraputica. A Constituio espanhola - que tambm protege a dignidade da pessoa em seu artigo 10 - assevera que, conquanto todos tenham direito vida, em nenhum caso haver submisso a torturas, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o que tem permitido a interpretao de 34

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que possvel a absteno consentida de tratamento, em casos nos quais se considere que h degradao na manuteno da vida. Isso se corrobora pelo fato de o Diploma Penal Espanhol, em seu artigo 143. 4, tratar apenas de quem " causar ou cooperar ativamente com atos necessrios e diretos para a morte de outrem "; omitiu se, portanto, quanto a forma passiva, fazendo presumi-la atpica. A conduta ativa ter pena reduzida em relao ao homicdio simples, quando presentes os requisitos da petio sria, expressa e inequvoca, feita por quem sofra de "enfermidade grave, que conduziria necessariamente a sua morte, ou que produza graves padecimentos permanentes e difceis de suportar ". A eutansia indireta ou de duplo efeito no punvel naquela legislao sob dois fundamentos: a ausncia de dolo e dever o objetivo de cuidado pelo mdico, manifestado, in casu, na analgesia adequada, solicitada pelo paciente, ainda que esta venha a encurtar a perspectiva vital, no intencionalmente. No que tange ao suicdio assistido, vrios projetos vieram a tratar da matria, aps a repercusso do caso Sampedro, mas a Lei Orgnica 10/95, que acrescentou o artigo 143.4 ao Cdigo Penal Espanhol, manteve-se como delito o auxlio ao suicdio de paciente terminal, apresentando o como tipo privilegiado em relao ao homicdio. Na Frana, o Cdigo Penal de 1810, vigente at 1993, era bastante rigoroso com condutas de eutansia ativa, apenando as como no homicdio simples. Considerando-se que o recente Cdigo Penal de 1993, em seu artigo 221, n.1, estabelece para o homicdio simples a pena de at trinta anos, tamanho rigor parece no corresponder atual valorao social. Admite-se a suspenso de tratamento na Frana apenas em caso de doente terminal, o que se v amparado tambm pelo artigo 37 do Decreto francs n. 95 - 1000, de 1995, que aprova Cdigo Deontologia Mdica nesse pas e dispe em contrrio futilidade teraputica. Diante disso, fato que cidados franceses incurveis, mas no terminais, viajam para outros pases prximos, com o fim de obter autorizao para morrer. Quando isso no possvel, tm-se casos como o que surpreendeu o mundo, em setembro de 2003, quando a me de um jovem francs de vinte e dois anos, tetraplgico, surdo e cego h trs anos, aps acidente de carro, promoveu a morte do filho mediante uma overdose de barbitricos, a seu pedido e com a aprovao do pai e dos irmos do paciente. O jovem j tentara solicitar em juzo o " direito de morrer ", tendo elaborado, inclusive, um livro com esse nome: " Eu vos peo o direito de morrer " ( "Je vous demande le droit de mourir"), produzido com os parcos movimentos que conservava e demonstrando a preservao de sua lucidez. O caso comoveu a populao, que se mostrou sensvel situao da famlia. A me e aguarda julgamento em uma casa de sade. Na Alemanha, o artigo 1. da Lei Fundamental, seguindo a tendncia ocidental aps a Declarao Universal dos Direitos do Homem, salvaguarda tambm a dignidade do indivduo, dizendo que " a dignidade da pessoa humana inviolvel ". No que tange a eutansia, em 1903 e 1909, projetos j buscavam conferir " direito de morrer " aos enfermos sem esperana. A abordagem tornou-se, entretanto, particularmente difcil naquele pas, em razo dos traumas provocados pelo chamado " programa de eutansia nazista ", verdadeiro programa genocida, ocorrido na poca da Segunda Guerra Mundial. Por causa disso, ainda, a prpria expresso " eutansia e " vista com reservas, preferindo a doutrina local falar em " ajuda para morrer ". O Cdigo Penal Imperial da Alemanha, de 1817, falava em " homicdio a pedido da vtima ". A reforma de 1973 manteve o tipo da " morte a pedido", determinando que " Art 216. ( Morte a pedido) . Pargrafo 1: Se algum foi determinado a matar, por expresso e srio pedido da vtima, ento sentenciado priso de seis meses a cinco anos. Paragrfo 2 : a tentativa punvel ". Na redao original, a tentativa era impunvel, remanescendo, todavia, a punio para a ofensa 35

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fsica decorrente, pois vontade de morrer no incluiria a de ser lesado. Von Liszt distingue o pedido da mera anuncia, comentando que, para a tipificao em tela, faz se mister " a livre e consciente solicitao de um adulto capaz de imputao. A resoluo do crime deve ter sido provocada no agente pela vtima; consequentemente no basta o consentimento ". Para esse autor, a morte a pedido da vtima constitui infrao "sui generis" e no uma forma de homicdio atenuado ou privilegiado. No caso da eutansia passiva, a posio de garantidor por parte do mdico e de parentes prximos afasta o tipo da omisso de socorro (StGB, artigo 323 c), recaindo se na hiptese de delito comissivo por omisso, nos termos do artigo 13 daquele Diploma. Diz - se, porm, naquele pas, que " no permitido tratar um paciente contra a sua vontade", mesmo em caso de risco de morte, se tal recusa resulta de deciso consciente do enfermo. Dispensa se tambm o uso de medidas prolongadoras da vida, mesmo a alimentao artificial, quando o paciente j se encontra imerso no processo de morrer. Em caso de pacientes incurveis, mas no terminais, como no estado vegetativo persistente, em que existe perda irrecupervel da conscincia, um projeto de lei de 1986 defendeu ser possvel tambm a a suspenso do suporte vital, inclusive na hiptese de recmnascidos com graves deficincias. de bom alvitre lembrar que, no ordenamento alemo, a participao em suicdio impunvel, desde que o ato final seja perpetrado pelo prprio suicida, que deve estar em pleno gozo de suas faculdades mentais. Quem ajuda doente mental a suicidar-se, entretanto, incorre nas penas do homicdio simples ( artigo 212 ) ou mesmo qualificado ( artigo 211 ), pois foge da noo de " suicdio responsvel" - esfera de autodeterminao do indivduo naquele pas - j que no havia, nesse caso, condies psquicas do enfermo para autodeterminar-se. Na Itlia, a histria do direito informa que, na poca do direito romano, o pater familias era investido do jus vitae et necis, dizer: do direito de vida e de morte sobre seus descendentes. O Cdigo de 1930 ( Cdigo Rocco), por sua vez, conquanto tenha tratamento menos gravoso que o anterior Cdigo Zanardelli, mantm o omicidio del consenziente como situao de homicdio privilegiado em razo da petio da vtima ( artigo 579 ). O artigo 580 tipifica a instigao e o auxlio ao suicdio. Apesar da influncia de Enrico Ferri na confeco do presente cdigo, este autor no logrou xito na defesa da impunibilidade da eutansia, como lembra Paulo Daher Rodrigues, remanescendo a previso da pena em abstrato de seis a quinze anos. Ainda na Itlia, o projeto de Lei n 2405, de 1984, props a suspenso de suporte vital em caso de pacientes terminais, tendo sido, entretanto, bastante criticado na ocasio. Em 1989, o Cdigo Italiano de Deontologia Mdica determinou, no artigo 43, que, ainda que a pedido, no pode o mdico instituir prticas que reduzam a integridade fsica ou psquica do doente o que lhe abreviem a vida, o que aparentemente penaliza mesmo a eutansia de duplo efeito. No artigo seguinte, todavia, ressalvou que, estando o paciente em fase terminal, pode o mdico, segundo a vontade do enfermo, limitar-se a cuidados paliativos. Em caso de indivduo inconsciente, a terapia s deve ser mantida enquanto se mostrar " racionalmente til". Diz se nessa ocasio, ainda, expressamente, que deve ser mantida a vida do paciente em coma, sem esclarecer, entretanto, acerca da situao do indivduo em estado vegetativo persistente. Em outros pases europeus, o tratamento jurdico dado interveno no momento da morte varivel: na Austria, a eutansia configura delito autnomo desde 1934, sob o ttulo de " homicdio com solicitao da vtima ", tendo sido influenciado pelo Cdigo Alemo de 1930, inclusive na dimenso da pena. Distintamente do modelo germnico, no entanto, tem se que , na ustria, a participao em suicdio punvel. 36

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Na Dinamarca, onde a eutansia crime, o debate intensificou se aps os anos 60, temendo se que, com os novos recursos tecnolgicos, os doentes passassem a ser mantidos vivos alm de seu tempo natural de vida, como " refns da tecnologia ", prolongando o sofrimento intratvel. regra tradicional naquele pas que os pacientes passam recusar mesmo um tratamento potencialmente salvador, mas, quando o paciente se torna incompetente, o paternalismo mdico passa a viger, da o temor. A possibilidade de suspenso mdica do tratamento ftil existe na Dinamarca desde 1972, por recomendao da Comisso Dinamarquesa de Sade, mas s foi efetivamente legalizada em 1992. Nesse mesmo ano, passou-se a admitir como vlidos os testamentos vitais registrados, o que foi de grande valia contra o paternalismo mdico, j que, somente em 1998, a lei conferiu oficialmente a famlia o poder de decidir em nome do indivduo inconsciente. O testamento vital pode consignar o desejo da pessoa doente de no vir a ser tratada ou de ter seu tratamento suspenso caso se encontre in extremis ou " se o envel