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Page 1: Acp Legitimidade Do Municipio

AÇÃO CIVIL PÚBLICA: LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA SUA PROPOSITURA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA ORDEM

URBANÍSTICA

PUBLIC CIVIL ACTION: CITY LEGITIMACY FOR ITS PROPOSAL IN DEFENSE OF THE ENVIRONMENT AND THE URBANISTIC ORDER

Lucíola Maria de Aquino Cabral1

RESUMO

Este artigo analisa a possibilidade de cobrança de indenização por parte dos municípios, em decorrência dos causados ao meio ambiente e à ordem urbnística, em virtude da inobservância das normas que disciplinam a matéria. Indaga-se, no caso, se o município possui legitimidade para propositura de ação civil pública para promover a respectiva cobrança, questionando-se, ainda se esta constitui o instrumento processual mais adequado a essa finalidade. A pesquisa tem como ponto de partida as disposições constantes da Constituição Federal de 1988, que estabelece normas de proteção ao meio ambiente em seu art. 225 e, em seu art. 182, cuida das normas concernentes a política de desenvolvimento urbano, afirmando que esta deverá ser executada pelo município, conforme diretrizes fixadas em lei, visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Palavras-chave: Ação civil pública. Dano ambiental. Dano à ordem urbanística. Indenização. Legitimidade.

1 Doutoranda em Direito Constitucional (UNIFOR – Fortaleza), Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires), Mestre em Direito Constitucional (UNIFOR – Fortaleza), Especialista em Direito Público (UFC – Fortaleza), Procuradora do Município de Fortaleza e membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP.

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ABSTRACT

This paper analyses the possibility of compensation claims by the cities, as a result of damages caused to the environment and the urbanistic order, due to the noncompliance to the norms that discipline this matter. It is questioned, in this case, if the city has the legitimacy to propose public civil action to promote such claims. It is also questioned if these constitute the most appropriate procedural instrument to this end. The research is based on the dispositions of the 1988 Federal Constitution, which establishes environment protection norms in its 255th article and, in its 182nd article deals with the norms concerning urban development policy, stating that this shall be executed by the city, according to directives set by law, with the goal to order the full development of the social functions of the city and to guarantee the well-being of its inhabitants.

Key-words: Public civil action. Environmental damage. Urbanistic order damage. Compensation. Legitimacy.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a nova ordem jurídica por ela implantada, resta incontroversa a competência dos Municípios para a defesa do Meio Ambiente por meio da interposição de Ação Civil Pública.

O art. 1º, inciso I e III da Lei nº 7.437/85, Lei da Ação Civil Pública, autoriza o ajuizamento de ação civil pública por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente e à ordem urbanística.

A legitimidade para propositura da ação civil pública por parte do município fundamenta-se nas disposições constantes do art. 5º da citada Lei. Salienta-se, porém, que o município não é o único legitimado para a propositura da ação civil pública, podendo ajuizá-la o Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal e o os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, a associação que, concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e a Defensoria Pública.

Os dispositivos acima referidos são bastante claros e evidenciam o cabimento de Ação Civil Pública para proteção do meio ambiente e da ordem urbanísitca, bem como afirmam a legitimidade dos entes do Poder Público, Estados , Municípios e União para propor a sobredita ação.

De mais a mais, com o advento da Lei n. 10.257/2001, o Estatuto das Cidades, consagrou-se a ação civil pública como instrumento próprio para a proteção e preservação da ordem urbanística, conforme alteração introduzida pelo art. 53 da referida Lei. Portanto, considerando-se que cabe ao Poder Público a defesa do meio ambiente (art. 225, caput, CF),

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e que o Município compõe o Poder Público (arts. 1º e 18, CF), é inconteste a competência da municipalidade para intentar a ação civil pública, inclusive em sede de cautelar, tendo em vista o disposto no art. 54 da Lei nº 10.257/2001 que deu nova redação ao art. 4º da Lei nº 7.347/1985.

Este artigo tem como objetivo geral investigar se os danos causados ao meio ambiente e à ordem urbnística são passíveis de indenização, em decorrência da inobservância da legislação que disciplina a matéria. E, como objetivo específico, indagar sobre a possibilidade de ajuizamento da ação civil pública pela municipalidade, para exigir do responsável o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, seja para proceder a recuperação de dano causado ao meio ambiente e à ordem urbanística, seja para fazer cessar esse dano.

Questiona-se, portanto, se a ação civil pública constitui instrumento hábil para exigência de indenização por danos ambientais e urbanísticos.

Em primeiro é necessário salientar que esta pesquisa possui fins apenas descritivos e natureza qualitativa, tendo sido realizada com base na legislação federal e municipal, bem como na doutrina. Em segundo, quanto ao resultado ela é pura, não se propondo a promover ou sugerir transformações no objeto analisado, destinando-se, portanto, ao conhecimento. Adota-se, no caso, o método qualitativo.

A proteção ao meio ambiente é o primeiro item deste artigo. Em seguida, analisa-se a proteção à ordem urbanística, para, no terceiro item, destacar a importância do licenciamento ambiental e, por último, a importância das normas urbanísticas.

1 A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

A Constituição Federal brasileira de 1988 estabeleceu tratamento diferenciado aos diversos tipos de meio ambiente. Isto pode ser observado através do disciplinamento conferido à matéria ao longo do texto constitucional observando-se, por exemplo, que, o art. 225, trata do ambiente natural; os artigos 182 e 183 referem-se ao ambiente artificial ou construído, onde foram destacadas a função social da cidade e a exigência de plano diretor para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes; os artigos 215 e 216 referem-se ao ambiente cultural, ressaltando-se que o dever de proteger os bens culturais é atribuído ao Poder Público e à comunidade; o art. 200, inciso VIII, trata da proteção ao meio ambiente do trabalho.

A obrigação de proteger o meio ambiente é imposta aos municípios pela própria Constituição de 1988, conforme se pode verificar através do art. 225 e § 1º da Carta da República:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

De acordo com Meirelles, os entes estatais legitimados a propor ACP devem-no fazer tendo em vista a proteção de interesses diretamente ligados às suas atividades e competências.2

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 27ª edição, 2005, p.173, nota 1, p. 173

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Assim, considerando-se que cabe ao poder público a defesa do meio ambiente (art. 225, caput e § 1º da CF/1988), e que o município constitui entidade federada com status e autonomia igual aos demais entes políticos, nos termos dos arts. 1º e 18 da Constituiçaõ Federal de 1988, é inconteste a competência da municipalidade para promover a ação civil pública. Ademais, havendo ofensa à ordem pública municipal, indiscutível não só a competência, como também a obrigação do município de propor esta ação.

Vale salientar que, embora o texto constitucional disponha de forma bastante abrangente sobre o tema meio ambiente, seu conceito encontra-se delineado no art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 1981, que regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente, cuja redação assevera que é considerado meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. A legislação brasileira acolheu um conceito amplo de meio ambiente, na medida em que reconhece seus elementos naturais, artificiais e culturais.3

Segundo Meirelles, o meio ambiente deve ser compreendido como,

[....] o conjunto de elementos da natureza – terra, ar, água, flora e fauna – ou criações humanas essenciais à vida de todos os seres e ao bem-estar do homem na comunidade. [...]

Na proteção ao meio ambiente há que se considerar o impacto ambiental, ou seja, a degradação que o ato ou fato provoca nos elementos da Natureza – terra, água, ar, flora e fauna – ou nos sítios, naturais ou artificiais, dignos de preservação.4

O direito ao meio ambiente sadio, conforme anota Santiago Felgueras, foi reconhecido pela primeira vez em 1972, consubstanciado no Princípio I da Declaração de Estocolmo, que alude ao direito fundamental do homem de desfrutar de condições de vida adequadas em meio ambiente de qualidade:

El hombre tiene el derecho fundamental a la libertad, la igualdad y el desfrute de condiciones de vida adecuadas en un medio de calidad tal que le permita llevar una vida digna y gozar de bienestar, y tiene la solemne obligación de proteger y mejorar el medio para las generaciones presentes y futuras.5

Observa-se que a norma insculpida no art. 225 da Constituição Federal brasileira de 1988 corresponde quase que integralmente ao conteúdo do Princípio I descrito acima, afastando dúvidas quanto ao objeto tutelado pela norma. Resta claro que o bem jurídico tutelado é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ora colocado como pressuposto essencial para a sadia qualidade de vida. A norma constitucional objetiva assegurar às presentes e futuras gerações o direito de usar, gozar e ter acesso ao patrimônio

3 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, rev., atual. e ampliada., 2003, p. 91.4 Hely Lopes Meirelles. Ob. cit., p.1675 FELGUERAS, Santiago. Derechos Humanos y Médio Ambiente. Buenos Aires: Ad-Hoc SRL, 1996, p. 31-32. (O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a desfrutar de condições de vida adequadas em um mundo de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o ambiente para as gerações presentes e futuras).

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natural, preservando a harmonia nas relações entre o homem e a natureza. Pode-se concluir, por conseguinte, que o princípio referido acima abriga em seu núcleo não só com a proteção do meio ambiente, mas, sobretudo a preocupação com os direitos humanos.

Salienta-se, ainda, que embora o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não esteja inserido no catálogo do art. 5º da Constituição, tal fato não retira seu caráter de fundamentalidade, uma vez que o § 2º do aludido artigo consiste em uma cláusula aberta ou de não tipicidade dos direitos fundamentais, como o afirma Canotilho, por permitir a inclusão de novos direitos.6

No entendimento de Medeiros, a cláusula de abertura inserida no § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, possibilita o reconhecimento de outros direitos fundamentais, ainda que não expressos na Constituição, bem como daqueles que são expressos, porém, não constam do catálogo do art. 5º.7

Schafer explica que essa textura aberta dos direitos fundamentais é que permite a incorporação de novos direitos fundamentais ao rol constante da Constituição, em virtude da evolução da consciência política e jurídica da sociedade.8 O referido autor afirma ser esta a primeira conseqüência da adoção de um conceito material de direitos fundamentais, sendo a segunda a aplicação do regime específico dos direitos, liberdades e garantias a todos os direitos fundamentais, quer constem ou não do catálogo formal, destacando que a cláusula de abertura constitui princípio destinado a maximização da esfera de proteção desses direitos e não a imposição de restrições.9

A norma constitucional constante do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal brasileira de 1988, permite efetuar o reconhecimento da existência de direitos fundamentais oriundos de leis e das regras de direito internacional, ensejando que estes tenham maior alcance.

É possível concluir, portanto, que o constituinte de 1988, ao tratar dos direitos fundamentais, dentre eles o direito ao meio ambiente, construiu um sistema compatível com o princípio democrático, que viabiliza a concessão de novos direitos fundamentais aos cidadãos.

2 A PROTEÇÃO À ORDEM URBANÍSTICA

A Constituição Federal de 1988 conferiu à União, em seu art. 21, incisos XX e XXI, competência para disciplinar o desenvolvimento urbano, inclusive no que concerne à habitação, saneamento básico, transportes urbanos, além do sistema nacional de viação.

Demais disso, a Constituição de 1988 é inovadora também por ter tratado pela primeira vez de forma expressa da matéria urbanística e, seguindo a técnica da repartição de competências inerente a um Estado federado, como é o caso do Estado brasileiro, reservou à União a competência para estabelecer normas gerais sobre direito urbanístico, como se verifica em seu art. 24, inciso I e § 1º.

Observa-se, porém, que a Carta da República conferiu à União competência apenas para estabelecer normas gerais sobre urbanismo, reservando aos municípios competência para

6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 5ª edição, 1992, p. 539.7 MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 84.8 SCHAFER, Jairo. Classificação dos Direitos Fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 36.9 SCHAFER, Jairo. Ob. cit., p. 37.

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promover adequado ordenamento terrritorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo.

O ordenamento federativo brasileiro não tolera a usurpação de competências, prevendo, inclusive, hipótese de intervenção quando não forem observados os princípios constitucionais arrolados no art. 34, inciso VII da Constituição de 1988. Nesse contexto, indiscutível a competência municipal para disciplinar o oredenamento de seu território, ressaltando Meirelles que:

A competência dos Municípios em assuntos de Urbanismo é ampla e decorre do preceito constitucional que lhes assegura autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30,I), promover, no que couber, adequado oredenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo (art. 30, VIII), e, ainda, executar a olítica de desenvolvimento urbano, de acordo com as diretrizes fixadas pela União (art. 182), bem como suplementar a legislação federal e a estadual no âmbito de sua competência (art. 30,II).10

A proteção expressa à ordem urbanística foi inserida no ordenamento jurídico pátrio por meio do art. 53 da Lei nº 10.257/2001, Estatuto da Cidade, que alterou o art. 1º da Lei nº 7.347/85 que regulamenta a ação civil pública.

Salienta Gasparini, entretanto, que tal dispositivo, na verdade, não era necessário, uma vez que a ordem urbanística podia ser defendida contra danos morais e patrimoniais via ação civil pública com base no, hoje, inc. V, pois estava implícita na hipótese ali prevista a defesa de outro interesse difuso ou coletivo.11

O tema da ordenação dos espaços urbanos concerne ao direito urbanístico. Para Silva, as normas urbanísticas são normas jurídicas de ordenação dos espeços habitáveis e que a convivência urbana pressupõe regras especiais que a ordenem.12

Ordem urbanística, por sua vez, é o conjunto de padrões e regras urbanos definidos em leis e atos regulamentares que visam o uso e ocupação do solo de maneira planejada e ordenada para garantia da qualidade de vida sustentável nas cidades.

A matéria recebeu tratamento específico na Constituição de 1988, merecendo destaque as normas constantes do art. 30, inciso VIII e do art. 180, transcritos em seguida:

Art. 30 Compete aos municípios:

.................................................................................................................

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo.

.................................................................................................................

Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, 2003, p. 517. 11 GASPARINI, Diógenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002, p. 23.12 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 61.

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A ordenação territorial promovida pelo município envolve dois aspectos distintos: i) ordenação espacial; ii) controle das construções. As normas urbanísticas municipais compreendem, portanto, um conjunto de instrumentos legais orientados a ordenar o crescimento das cidades e a convivência harmoniosa de seus habitantes. Dentre estes instrumentos podem ser citados os seguintes: a) plano diretor; b) lei de uso e ocupação do solo; lei do parcelamento do solo; lei de posturas e edificações etc.

Dessa forma, qualquer construção irregular ou contrária à legislação urbanística municipal, vale dizer, em desacordo com as regras estabelecidas pelo plano diretor, em sua lei de uso e ocupação do solo e pela legislação de posturas e edificações da municipalidade acarreta orfensa à ordem urbanísitca.

Não resta dúvida que o ato de construir ou implantar qualquer empreendimento, notadamente aqueles de grande porte e com potencial risco de degradação ambiental, sem as necessárias autorizações e em desacordo com a legislação urbanística e ambiental é passível de acarretar dano ao meio ambiente e à ordem urbanística.

A ordem urbanística compreende os elementos do meio ambiente artificial ou construído. O conceito de meio ambiente definido por Silva corresponde a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.13 Consoante destaca o autor, o conceito põe em evidência três aspectos do meio ambiente: o meio ambiente artificial ou construído, o meio ambiente cultural e o meio ambiente natural ou físico. 14

Cotejando, pois os conceitos de meio ambiente natural e de meio ambiente artificial, vislumbra-se a interrelação entre o princípio do desenvolvimento e o meio ambiente adequado, podendo-se afirmar que o objeto da tutela jurídica do meio ambiente consiste em proteger a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Existe, portanto, um objeto imediato que é identificado com a qualidade do meio ambiente e um objeto mediato, que corresponde à saúde, ao bem-estar e à segurança da população, sintetizado na expressão qualidade de vida.15

3 A IMPORTÂNCIA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A implantação de qualquer empreendimento utilizador de recursos naturais, ou, potencialmente poluidor, sem a necessária licença ambiental, ofende frotalmente o art. 60 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98). Tal a gravidade da ausência de licença ambiental, que o fato é tipificado como crime pela legislação ambiental nacional, como se pode observar em seguida:

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

13 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 4ª edição, rev. e atual., 2003, p. 20.14 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 21.15 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 81.

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Pena – detenção de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Ademais, como o exige a Lei municipal n° 8.230/1998, alterada pela Lei nº 8.738/2003, o licenciamento dos empreendimentos de potencial impacto ambiental é obrigatório, sujeitando-se o infrator ao pagamento de multa além da aplicação de outras penalidades, na hipótese de proceder ao início da obra ou da atividade sem a licença ambiental.

É que o art. 225 da Constituição Federal de 1988, em seu § 3º estatui que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Assim, constatado o dano ambiental, pode-se afirmar que a responsabilidade por sua reparação será exigível. Tal disciplinamento foi introduzido pela Lei nº 6.938/1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, constando do § 1º do seu art. 14, que diz o seguinte:

Art. 14

.................................................................................................................

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

O dispositivo acima citado relaciona-se ao princípio do poluidor-pagador, que constitui um dos pilares do direito ambiental brasileiro e tem sua gênese nas regras econômicas de mercado, produção e consumo, tendo por finalidade internalizar no preço dos produtos todos os custos sociais (externalidades negativas) causados pela produção desse mesmo bem.16 Significa dizer que o direito ambiental brasileiro não autoriza o enriquecimento do empreendedor à custa dos efeitos negativos suportados pela sociedade. Dizendo de outra forma, as externalidades negativas não podem legitimar a privatização de lucros e a socialização de perdas, notadamente pelo fato de que a função do princípio do poluidor-pagador consiste em redistribuir equitativamente as externalidades ambientais.17 É razoável que se exija do empreendedor a compensação pelo uso dos recursos naturais e que esse custo seja inserido em seu planejamento, sob pena de onerar a sociedade e o Estado. E mais, a reparação de eventual dano decorrente da implantação de um empreendimento ou atividade deve ser suportada pelo proprietário/interessado.

O licenciamento ambiental, portanto, poderá contribuir para que os custos sociais decorrentes da implantação de um empreendimento ou atividade sejam repartidos de forma mais equânime, garantindo a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Assim, os empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental devem ser submetidos ao licenciamento para que a municipalidade, através de seus órgãos e agentes, possa analisar a possibilidade de sua implantação ou não. Vale

16 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Max Limonad, 2002, p. 140-141.17 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ob. cit., p. 142-143.

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destacar que o órgão ambiental deverá exigir o estudo ambiental apropriado para determinar a viabilidade ou não da implantação de um determinado empreendimento ou atividade.

Sendo o empreendimento ou a atividade instalado sem a licença ambiental e, por conseguinte, sem análise do necessário estudo ambiental, deixam de serem avaliados e mensurados eventuais danos, perdendo-se com isso a possibilidade de se exigir sua recuperação ou até mesmo de se obstar a concessão da licença, se constatada a irreversibilidade dos mesmos.

Disso, resulta que, em sede de eventual ação civil pública será necessária a realização de perícia judicial para identificação dos danos causados ao meio ambiente, assim como sua extensão, a possibilidade de recuperação e a identificação das medidas mitigadoras.

4 A IMPORTÂNCIA DAS NORMAS URBANÍSTICAS

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao meio ambiente urbano a mesma dignidade conferida ao meio ambiente natural. A razão é simples. Para dar cumprimento as normas constantes dos arts. 225 e 182 que tratam do meio ambiente e da política urbana, respectivamente, necessário que se tenha assentado que para assegurar o direito a cidades sustentáveis, conforme estabelecido no art. 2º, inciso I do Estatuto da Cidade, não é possível dissociar o ambiente – natural e artificial - e tratá-lo como departamentos estanques. Não são coisas isoladas, haja vista que qualquer intervenção urbana afeta de alguma forma o ambiente natural, transformando-o, modificando-o ou até degradando-o, muitas vezes sem possibilidade de recuperação. Não é por outro motivo que Antunes chega a afirmar que os principais problemas ambientais globais, pode-se dizer, têm sua origem na urbanização e na industrialização18.

As intervenções nos espaços urbanos, públicos ou privados, devem ser precedidas das necessárias licenças municipais. A ausência das licenças exigidas pela municipalidade, seja licença ambiental, seja alvará de construção, configura infração administrativa às normas urbanísticas e ambientais, podendo, eventualmente configurar crime ambiental. Acarreta, por conseguinte, a incidência das penalidades previstas em lei. Tais infrações, de regra, constituem irregularidades materiais insanáveis, tornando-se mais graves, por exemplo, quando o empreendimento é edificado em área não parcelada, eximindo-se o loteador de sua obrigação de proceder à doação das áreas públicas, conforme determina o art. 4º, I da Lei nº. 6.766/1979, Lei Nacional do Parcelamento do Solo.

Nesse contexto, a propositura da ação civil pública deve ter por finalidade obter indenização em decorrência dos danos causados ao município e à coletividade, na forma estatuída pelo art. 3º. da Lei no. 7.347/1985 cumulado com o art. 43 da Lei nº 6766/1979, que estabelece o seguinte:

Art. 43 - Ocorrendo a execução de loteamento não aprovado, a destinação de áreas públicas exigidas no inciso I do art. 4º desta Lei não se poderá alterar sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas, civis e criminais previstas.

Parágrafo único. Neste caso, o loteador ressarcirá a Prefeitura Municipal ou o Distrito Federal quando for o caso, em pecúnia ou em área equivalente, no

18 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 4ª edição, 2000, p. 134.

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dobro da diferença entre o total das áreas públicas exigidas e as efetivamente destinadas. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

O que se conclui é que a falta de alvará de construção afasta a prévia análise do projeto de construção pelo órgão municipal competente, o que significa dizer que o empreendimento foi construído em desacordo com as normas urbanísticas, sendo, assim considerado como edificação irregular. Em se tratando de edificação ou venda de terreno em área não parcelada caracteriza parcelamento irregular ou loteamento clandestino.

Uma das mais importantes restrições impostas aos empreendedores é a necessidade de, somente implantar seus empreendimentos após análise e aprovação de projeto de construção pelo município, extamente para que possa ser verificada a adequabilidade da edificação com as normas urbanísticas, ou seja, com o conjunto de regras e diretrizes garantidores do correto uso e ocupação do solo. Por outro lado, é dever do empreendedor submeter seu projeto de construção ao órgão técnico municipal para que este proceda a respectiva análise, inclusive quanto a necessidade de prévio parcelamento do solo ou de licenciamento ambiental, devendo as respectivas licenças serem expedidas somente quando atendidas as exigências da legislação ambiental e urbanística.

O alvará de construção possui, portanto, importância fundamental, significando, na prática, uma certificação pelo ente público municipal no sentido de que a edificação obedece às regras urbanísticas. A inobservância da legislação municipal, ambiental ou urbanística, poderá acarretar danos ao meio ambiente e à ordem urbanísticas, salientando-se que, no caso, as análises são independentes e que a adequabilidade a legislação ambiental não necessariamente resultará na adequabilidade urbanística. Isto porque, a implantação de um determinado empreendimento poderá atender aos requisitos da legislação urbanística, mas encontrar impedimentos de ordem ambiental, o que só será possível verificar através de estudo ambiental. Poderá ocorrer também que o órgão municipal constate que o empreendimento ou atividade objeto do licenciamento ambiental não seja adequado à via, vale dizer, não obedeça ao plano de zoneamento da cidade.

O zoneamento corresponde, em geral, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, cujas normas definem o planejamento, o ordenamento e o uso do solo urbano, objetivando promover o crescimento da cidade de modo organizado e sustentável. Nessa lei são definidas as áreas e vias da cidade onde poderão ser implantadas as diferentes atividades, de modo que um empreendimento ou atividade pode ser classificado, inclusive, como projeto especial e pólo gerador de tráfego, necessitando de diretrizes específicas para sua implantação ou até mesmo de estudo de impacto de vizinhança, instrumento previsto no art. 36 do Estatuto da Cidade.

A necessidade de fazer cessar um eventual dano urbanístico pode ser atendida através de uma decisão liminar para determinar a suspensão de quaisquer obras ou atividades iniciadas irregularmente, em sede de ação civil pública, consoante estatuído em seu art. 4º.

É recomendável, no entanto, que antes de se ingressar com qualquer medida judicial seja instaurado procedimento administrativo junto aos órgãos municipais responsáveis pela proteção do meio ambiente e do controle urbano, visando a realização de vistorias e a elaboração de relatório técnicos.

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CONCLUSÃO

No exercício do poder de polícia ambiental e urbanístico, compete ao município traçar regras e padrões definidos em leis e atos regulamentares no intuito de disciplinar o uso racional dos recursos naturais, bem como o uso e a ocupação do solo de seu território, de maneira planejada e ordenada. Tais regras visam a, portanto, proteger o meio ambiente natural e o artificial, identificado com a ordem urbanística, assim como assegurar o desenvolvimento sustentável nas cidades e o equilíbrio urbano.

De par com o art. 225, diversas outras passagens do texto constitucional corroboram essa assertiva, tal como o artigo 182 que inaugura o Capítulo que trata da política urbana, a qual deverá ser implementada pelos municípios objetivando ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

Pode-se, então, afirmar que a legislação ambiental, federal e municipal, aliada ao Plano Diretor, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, a lei municipal referente a posturas e edificações e a lei municipal do parcelamento do solo, constituem o conjunto de normas mais importantes de um município. Tal conjunto de normas foi ampliado com a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), quando os municípios passaram a contar com valiosos instrumentos de planejamento urbano, além de institutos tributários, financeiros, jurídicos e políticos.

De acordo com o art. 2º do Estatuto da Cidade, a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento da cidade e da propriedade urbana. Dentre as diretrizes gerais estabelecidas no citado art. 2º, merecem destaque as seguintes: i) garantia do direito à cidades sustentáveis, entendido como o direito à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; ii) cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; iii) planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

Verifica-se, portanto, que a ordenação do espaço urbano envolve, necessariamente, a observância de normas ambientais e de normas urbanísticas e que a infringência a essa legislação legitima a atuação do município através da ação civil pública, importante instrumento processual que, por sua natureza e complexidade, permite que se exija do réu o cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer, bem como o pagamento de indenização por dano causado ao meio ambiente ou à ordem urbanística.

Salienta-se, por último, que as normas urbanísticas são normas cogentes. Por conseguinte, não é dado ao particular optar ou não por seu cumprimento, assim como não concede ao poder público simples faculdade para fiscalizar ou não sua observância. As normas urbanísticas consubstanciam um poder-dever. O desrespeito às normas ambientais e urbanísticas não pode ser tolerado sob o argumento, por exemplo, da teoria do fato consumado. É inadmissível que, para evitar a demolição total ou parcial de um empreendimento ou atividade instalada sem licença ambiental ou situada em via inadequada, o poder público se quede a esse tipo de argumento, inaceitável sob todos os aspectos, por submeter o planejamento das cidades a um grande caos.

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