aÇÃo de restituiÇÃo de dinheiro dos correntistas na

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA Nova Lima 2008

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Page 1: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Nova Lima

2008

Page 2: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

PATRÍCIA FARIA MORAES DE ARAÚJO GONÇALVES

AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Direito Empresarial. Área de Concentração: Falência Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Nova Lima

2008

Page 3: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

GONCALVES, Patrícia Faria Moraes de Araújo.

G635 a Ação de restituição de dinheiro dos correntistas na falência de instituição

financeira./ Patrícia Faria Moraes de Araújo Gonçalves – Nova Lima: Faculdade de

Direito Milton Campos / FDMC, 2008

104 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.

Bibliografia: f. 98 - 104

1. Falência. 2. Instituição Financeira. 3. Depósito Bancário. 4. Restituição. I.

Vinicius, José Marques Gontijo. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347.736:336.7

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

Page 4: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito

Empresarial

Dissertação intitulada “Ação de restituição de dinheiro

dos correntistas na falência de instituição financeira ,

de autoria da Mestranda Patrícia Faria Moraes de

Araújo Gonçalves”, para exame da banca constituída

pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo Orientador

Prof. Dr.

Prof. Dr.

Nova Lima, novembro de 2008.

Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

Page 5: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

À minha mãe.

Page 6: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor Vinícius José Marques Gontijo, pela paciência, seriedade e

incentivo na elaboração deste trabalho.

À professora Lúcia Massara, por ser meu modelo de ética, competência e dedicação, desde os tempos

da graduação na Universidade Federal de Minas Gerais, e por despertar em mim a inspiradora

curiosidade jurídica e o desejo de excelência.

Ao meu pai, pelo exemplo de força, garra, persistência e sucesso.

À Foy, pelo orgulho de ser advogada.

Ao Mauro e à Kiki, pelo carinho, sempre.

Page 7: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

“Cheguem até a borda – ela disse.

Temos medo – eles responderam.

Cheguem até a borda – ela insistiu.

Eles chegaram. Ela os empurrou.

... E eles voaram”

(Autor desconhecido)

Page 8: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

RESUMO

A ação de restituição na falência tem por objetivo destacar, do

montante arrecadado pelo síndico, os bens que não pertencem a ele. Este

instituto está fundado essencialmente no direito de propriedade e visa

lapidar o patrimônio arrecadado que será utilizado no pagamento dos

débitos do falido. A característica fundamental deste tipo de ação é a

possibilidade de identificar e individualizar o objeto a ser restituído, de forma

que a possibilidade de restituição de dinheiro na falência já mereceu amplo

debate em nosso sistema jurídico. Se, por um lado, é impossível

individualizar a cédula depositada e devolver esta mesma cédula, por outro,

admitir que o depósito bancário implica transferência de propriedade e que

portanto o dinheiro depositado passa a ser propriedade da instituição

financeira parece-nos constitui violação aos pilares de nosso direito. Devido

à relevância do tema para o sistema financeiro e para a economia de uma

nação, a diversidade de interpretações e as diversas perspectivas

levantadas sobre o tema são capazes de influenciar todo o país.

Palavras Chave: Falência. Instituição Financeira. Depósito Bancário.

Restituição.

Page 9: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

ABSTRACT

The restitution lawsuit in bankruptcy aims to detach, from the amount of

assets colleted by the administrator, the ones that do not belong to the debtor.

Its foundation is essentially on the property law, and aims at polishing the

assets that are to be used on the payment of the debts. The most important

characteristic of this kind of lawsuit is for the object to be capable of

identification and individualization, so, it has been widely questioned by the

doctrine whether money may be this object. If, on one hand, it is impossible do

know which bill was deposited, in order to be returned to the owner, on the

other, it sounds incredibly awkward to admit that the money a person deposits

in a bank belongs to the bank. Due to its significant relevance to the economy

and finance of a country, the diversity of interpretation and the different

perspectives the theme brings are capable of influencing an entire generation of

a nation.

Key-words: bankruptcy; bank, financial institution; deposit; restitution.

Page 10: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 AÇÃO DE RESTITUIÇÃO...................... .................................................. 16

2.1 Evolução histórica..................................................................................... 16

2.2 Cabimento da restituição.......................................................................... 21

3 DO CONTRATO DE DEPÓSITO ................................................................26

4 DO DEPÓSITO IRREGULAR.................... .............................................. 27

4.1 Do depósito bancário................................................................................ 36

4.2 Da diferença e semelhança com o mútuo................................................ 44

5 DA CONFIABILIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO.. ............................ 49

5.1 Da relação entre o banco e o correntista.................................................. 52

5.2 Da autonomia do banco na gestão de quantia depositada...................... 54

6 DA ORIGEM DA RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO – SÚ MULA 417.......... 56

6.1 Da propriedade dos valores depositados em conta corrente................... 63

6.2 Da individuação de valores depositados em conta corrente.................... 69

6.3 Da transferência de propriedade.............................................................. 78

6.3.1 Penhora na boca do caixa........................................................................ 80

6.3.2 Fungibilidade ...............................................................................................81

7 DA POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO ARREC ADADO

EM PODER DO FALIDO ................................ ....................................................

84

8 CONCLUSÃO................................ ........................................................... 94

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 98

Page 11: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

1 INTRODUÇÃO

O tema da presente dissertação insere-se nas mais recentes questões

que vêm permeando a evolução do Direito Comercial. Muitas vezes, as

limitações de análise favorecem, de forma inoportuna e contra legem, grupos

em detrimento de outros em situações relacionadas à restituição de dinheiro de

terceiros na falência.

Antes de definirmos o recorte específico da hipótese, pretendemos

estabelecer as questões gerais que devem balizar a discussão em termos

amplos, ainda que das respostas finais estejamos sempre a muitos passos de

distância.

Não pretendemos, e nem devemos, dentro do limite desta dissertação,

responder, de forma cabal, às questões enfrentadas. No decorrer de nosso

estudo, muitos foram os acórdãos estudados, em todas as instâncias.

Percebemos que as decisões dos tribunais muitas vezes envolvem questões

políticas, fundadas em ideologias que pretendem estabelecer o que é correto e

em que medida a realização dos resultados sociais dos julgados é mais

benéfica ou maléfica, especialmente em termos econômicos, à sociedade em

geral. Não seria adequado, embora pudesse ser interessante, lançar mão de

cálculos econômicos ou estatísticas, a fim de se verificar o maior ou o menor

efeito das decisões, especialmente tendo-se em vista que a jurisprudência

acerca do tema já se encontra, em grande parte, sedimentada.

Não obstante, alguns dos tópicos tratados extrapolam o âmbito do

Direito Comercial. Apesar disso, entendemos que o Direito, como o estudamos,

é um todo, não homogêneo, interpenetrado e relacionado. Não há como

explicar um órgão do corpo sem que se explique como ele funciona em

conexão com todo o organismo, ou dispositivos legais sem inseri-los no

empreendimento maior que o direito pretende.

A escolha do tema foi marcada pelo interesse em compreender melhor e

discernir tecnicamente a incongruência das interpretações que dão os tribunais

Page 12: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

a questões relativas à possibilidade de restituição de dinheiro de terceiros no

processo falimentar. Esse interesse nasceu da indignação pela interpretação

dada pelos tribunais aos casos de restituição aforados quando da falência do

Banco do Progresso S/A, ocorrida em Belo Horizonte, no final da década de 90.

Aliados a essa situação, nutrimos o desejo de melhor compreensão do

instituto da propriedade privada, cuja garantia está expressa na nossa Magna

Carta e as limitações ao seu exercício, à luz da idéia de que a propriedade

privada é uma das cláusulas pétreas da nossa Constituição, o que faz dela pilar

do Estado Democrático de Direito.

GIORGIO DEL VECCHIO1 afirma, in verbis:

Não há interferência entre homens, não há controvérsia possível, por mais complicada e imprevista que seja, que não admita e exija uma solução jurídica. Dúvidas e incertezas podem persistir por longo tempo no campo teórico: todos os ramos do saber e a própria jurisprudência, como ciência teórica, oferecem exemplos de questões discutidas por séculos, e, não obstante, sem solução, ou talvez, insolúveis. Mas à pergunta ‘quid juris' é necessário, em qualquer caso concreto, dar-se resposta, certamente não infalível, mas praticamente definitiva.

Em se tratando de um tema tão complexo, controverso, longe de uma

pacificação doutrinária ou pretoriana, com valiosos argumentos e fundamentos

para os dois lados, buscaremos respostas para as nossas inquietações no

estudo dos institutos de Direito correlatos à questão, confiantes na idéia de que

o conhecimento nos traz maior certeza nas posições assumidas.

Entende-se, de um lado, que o depósito em conta bancária é

caracterizado como depósito irregular, equiparável ao mútuo, com transferência

da disponibilidade daquele capital para o banco. Nesse sentido, impossível

seria restituir valores depositados em conta corrente, pois, decretada a

falência, esses valores são arrecadados e compõem a massa falida, servindo

como garantia aos credores.

1 VECCHIO, Giorgio Del. Princípios gerais do direito. Traduzido por Fernando de Bragança. São Paulo: Ed. Líder, 2003. p.7

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De outra banda, vê-se que, devido às características próprias do

depósito irregular, marcadas especificamente pela permanência da

propriedade/titularidade do depositante e, evidentemente, pela sua

disponibilidade, chega-se à conclusão de que diverge substancialmente do

mútuo, uma vez que a disponibilidade é característica inerente à propriedade.

Ao manter a propriedade dos valores depositados em conta corrente, conclui-

se que não há transferência ao banco, que atua como simples guardião de bem

de terceiro, tornando-se imperativa a lapidação da massa falida, através da

desintegração dos bens e valores que dela não fazem parte, antes de submeter

seus bens ao concurso de credores.

Finalmente, a presente dissertação foi marcada por uma constante

preocupação com a linguagem, não apenas no sentido da polidez e gramática,

mas também, e principalmente, no sentido da lingüística e comunicação, já que

as idéias se expressam pelas palavras, as quais são dotadas de diversos

sentidos e subsistem em inúmeras acepções, assim como nas diversas áreas

do conhecimento e da sociedade.

Por fim, a Filosofia do Direito, em sua constante preocupação em

determinar novas e possíveis soluções para antigas questões sobre a justiça

dos homens, sobre as conseqüências morais e fáticas de nossos atos, e como

a sociedade se relaciona com a linguagem jurídica e seus efeitos, não poderia

deixar de estar presente em algumas passagens, para iluminar os caminhos da

crítica e análise dos institutos estudados. Foi através da Filosofia do Direito que

buscamos compreender os institutos estudados de forma mais objetiva e

sintética, sem, entretanto, comprometer o sentido de nossas idéias.

Ao discorrer sobre o assunto, o jusfilósofo Gustav Radbruch2 adverte

que o Direito deve ser manobrado com segurança, que necessita ser atingida

pela regulamentação uniforme das coisas. O leitor perceberá, em todo o

trabalho, uma busca incessante por um padrão que ampare a obrigatoriedade

2 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Ed. Livraria Almedina, 1974. p. 74.

Page 14: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

do Direito e seu princípio de eficácia. Tal filosofia de contradições, reinante em

nosso sistema legal, infirma as regras de validade e aumenta a probabilidade

de conflito, uma vez que, sem uma exegese substancial, não se consegue

erradicar a equivocidade legiferante.

Não são raras as vezes em que nos deparamos com uma miscelânea de

leis contraditórias aprovadas pelo Legislativo, que representam forças políticas

momentâneas e antagônicas. O Poder Judiciário, entretanto, possui

independência frente ao Legislativo e ao Executivo, o que fornece à

administração da justiça, maior isenção e garantia de entendimento. É que,

através da observância dos princípios contidos na Constituição, o Poder

Judiciário possui meios de impedir que forças políticas subvertam a toda hora

os direitos, como se estes pudessem ser medidos pelos interesses dos

vencedores do momento.

Assim é que a Constituição da República foi o instrumento desenvolvido

para dar e manter o equilíbrio das forças antagônicas em busca de um

entendimento, fornecendo, portanto, direções, caminhos para a busca da paz e

harmonia.

Cabe à Constituição fornecer norte de atuação, estabelecer limites, fixar

regras e princípios. E cabe ao Juiz pesar os dois lados, antes de chegar a um

veredito. Julgamentos ancorados em conceitos comerciais, contábeis ou

consuetudinários serão sempre parciais, e adotarão o ponto de vista de uma

das partes. No entanto, adotar-se sempre a defesa dos mais fracos seria uma

opção política muito partidária.

Não é preciso ir muito longe para perceber quanto é favorável a situação

do mais forte, e qual a função original da construção dos ideais de justiça em

torno da defesa dos mais fracos. Os fortes não precisam da justiça. Uma

pretensa neutralidade apenas acoberta o forte subjugando o fraco, já que não

se pode julgar igualmente situações desiguais. Como disse Aristóteles: “Os

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fracos anseiam sempre por justiça e igualdade. Já os fortes não se importam

com nenhuma das duas”3.

Acerca da aplicação da filosofia ao estudo dos institutos do Direito,

Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, em seu Hermenêutica e aplicação do

direito, sustenta e explica o dispositivo amortecedor do rigor excepcional das

leis – a equidade – como "regra de suavização e humanização do direito", na

feliz imagem de Dilvanir José da Costa, em artigo sobre o hermeneuta.4

Pois bem: às páginas 79 e 80 daquela obra, que já comemora seu 80º

aniversário (18ª edição - Revista Forense - 1998) o jurista pondera, in verbis:

Todo Direito escrito encerra uma parcela de injustiça. Parece justa a regra somente quando as diferenças entre ela e o fato são insignificantes, insensíveis. Preceitua de um modo geral; é impossível adaptá-la, em absoluto, às mil circunstâncias várias dos casos particulares. Permitir abandoná-la então, sob o pretexto de buscar atingir o ideal de justiça, importaria em criar mal maior; porque a vantagem precípua das codificações consiste na certeza, na relativa estabilidade do Direito. A norma positiva não é um conjunto de preceitos rijos, cadavéricos, e criados pela vontade humana; é uma força viva, operante, suscetível de desenvolvimento; mas o progresso e a adaptação à realidade efetuam-se de acordo, aproximando, ou pelo menos aparente, com o texto; não em contraste com este.

E mais:

Não basta a elaboração lógica dos materiais jurídicos que se encontram num processo, para atingir o ideal de justiça baseada nos preceitos codificados. Força é compreender bem os fatos e ser inspirado pelo nobre interesse pelos destinos humanos; compenetrar-se do sofrimento e aspirações das partes, e lhes não oferecer "uma pedra de simples raciocínio, e, sim, o pão de amparadora simpatia". O juiz, embora se não deixe arrastar pelo sentimento, adapta o texto à vida real e faz do Direito o que ele deve ser, uma condição da coexistência humana, um auxiliar da idéia, hoje vitoriosa, da solidariedade social. Por isso, o magistrado ficará abaixo do seu ministério sublime, se lhe faltar algum dos requisitos seguintes: "inteligência suficiente por natureza, estudo e exercício; ânimo

3 ARISTÓTELES. Ética a Nicômano. São Paulo: Atena, [1950]. (Biblioteca Clássica, 33), Livro V, Cap.1, p.136. 4 Atualidade de Carlos Maximiliano, publicado no jornal Estado de Minas, p. 7, edição de 17.11.2003.

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simples e imparcial por estar livre de preconceitos, paixões e interesses: intenção de conhecer a verdade; estudo diligente; minuciosa e contínua observação das mais insignificantes circunstâncias de fato”.

Foi à luz dessas premissas que iniciamos nosso estudo. E é com tal

norte que pretendemos desenvolver as idéias que nos surgiram, que,

certamente, trouxeram mais perguntas do que respostas.

Page 17: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

2 DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO

2.1 Evolução histórica do instituto

A ação de restituição de valores possui grandes ligações com a ação de

reivindicação.

A restituição pressupõe a perda da posse injustamente ocorrida com a

arrecadação.

Carlos Henrique Abrão5, com apoio em Pontes de Miranda, pontifica que

a expressão “restituição” pode apresentar múltiplas interpretações, dentre as

quais se poderia destacar a entrega de bem que poderia ser alvo de pleito

reivindicatório, a entrega de bem gravado, conferido somente o uso e o

usufruto; a entrega do bem não mais sujeito à posse do falido e a entrega de

bem do qual o falido só tinha a posse.

Assim, as quatro acepções coadunam-se com a idéia de lapidação da

massa falida, para, após a exclusão dos bens que dela devam ser excluídos,

poder-se aferir o montante arrecadado e efetuar-se a divisão segundo os

critérios de igualdade definidos pelo princípio do par conditio creditorum.

Foi Pontes de Miranda, também, quem se propôs a classificar o direito

do terceiro em relação à arrecadação. Em sua obra Tratado de Direito

Privado6, este jurista elencou a ação de reivindicação, a vindicatória baseada

em direito real e as ações indicativas de posse. No entanto, a própria

classificação do direito real é de per si suficiente e fundamental para o

exercício da reclamação. É o direito real que move o agente no sentido de

requerer a decotação de um bem que esteja na massa arrecadada de forma

que tal bem não fique subordinado ao concurso de credores.

5 ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de restituição na concordata e na falência. São Paulo: Ed. Leud, 1991. p. 9. 6 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1960. p. 78. Tomo XXIX.

Page 18: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

As mais remotas referências à questão da quebra, em nosso

ordenamento, remontam à legislação de 1850. Tal lei declinou os credores da

massa da seguinte forma: credores de domínio, privilegiados, hipotecários e

quirografários. Especificamente, foi o artigo 874 da Lei 556, de 5 de junho de

1850, revogada em 1945 pela Lei 7661, que especificou os credores de

domínio, da seguinte forma:

“Art. 874 - Pertencem à classe de credores do domínio:

I - Os credores de bens que o falido possuir por título de depósito,

penhor, administração, arrendamento, aluguel, comodato, ou usufruto;

II - Os credores de mercadorias em comissão de compra ou venda,

trânsito ou entrega;

III - Os credores de letras de câmbio, ou outros quaisquer títulos

comerciais endossados sem transferência da propriedade (art. 361 n. 3);

IV - Os credores de remessas feitas ao falido para um fim determinado;

V - O filho famílias, pelos bens castrenses e adventícios, o herdeiro e o

legatário pelos bens da herança ou legado, e o tutelado pelos bens da tutoria

ou curadoria;

VI - A mulher casada: I. pelos bens dotais, e pelos parafernais que

possuísse antes do consórcio, se os respectivos títulos se acharem lançados

no Registro do Comércio dentro de quinze dias subseqüentes à celebração do

matrimônio (art. 31): II. pelos bens adquiridos na constância do consórcio por

título de doação, herança ou legado com a cláusula de não entrarem na

comunhão, uma vez que se prove por documento competente que tais bens

entrarão efetivamente no poder do marido, e os respectivos títulos e

documentos tenham sido inscritos no Registro do Comércio dentro de quinze

dias subseqüentes ao do recebimento (art. 31);

VII - O dono da coisa furtada existente em espécie;

VIII - O vendedor antes da entrega da coisa vendida, se a venda não for

a crédito (art. 198)”.

A posição do terceiro interessado assume, a partir de então, enorme

leque de possibilidades, tendo o legislador se superado nas diversas

Page 19: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

conjugações, fazendo com que o instituto da reivindicação tivesse sua

compreensão significativamente dificultada.

Em 1890, foi o Decreto 917, de 24 de outubro de 1890 que veio tratar da

figura do credor reivindicante, dispondo sobre as várias hipóteses de restituição

fundadas no direito de propriedade. E foi a partir de então que se viu surgirem

sintonias entre os créditos de domínio e as ações de reivindicação, no âmbito

da falência.

A Lei 859, de 1902, estruturou as classes de credores reivindicantes.

Seu artigo 76 estatuiu a ação real reipersecutória, vislumbrando a propriedade

plena jus in re.7

A Lei 2024, de 1908, trouxe, em seu artigo 138, a positivação de casos

de reivindicação em falência, suprimindo, porém, a figura do credor de terceiro,

que passa a ser tratado como reivindicante.

O mesmo diploma legal contemplava a reclamação reivindicatória e o

remédio dos embargos de terceiro senhor e possuidor. Se porventura o terceiro

não conseguisse demonstrar sua qualidade de possuidor da coisa e,

conseqüentemente, tivesse inviabializados os embargos, ainda assim poderia

reivindicar o bem, nos casos em que a decisão judicial fosse omissa acerca do

domínio do bem perseguido. Assim, o reivindicante poderia ser, tanto o

comerciante, como qualquer terceiro que tivesse fundamento para uma simples

reclamação.

Em 1929, com o advento do Decreto 5746, a reivindicação passou a

estender seus efeitos à concordata preventiva.

7 Jus in re: direito de propriedade. “in re” ou “in rem”. Re ou rem, de res, rei (coisa material, coisa corpórea), são palavras latinas que, sob a regência das preposições “ad” e “in”, formam várias locuções de uso freqüente na terminologia jurídica, para exprimir fatos ou ações, que se referem às coisas ou que se fundam no direito de propriedade (jus in re), em distinção ao que se possa referir às pessoas ou se mostre questões de caráter pessoal. (In: DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 435.

Page 20: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Tal visão era baseada no fato de que o comerciante, embora

impossibilitado de exercer suas atividades, poderia não estar totalmente

impossibilitado de cumprir com obrigações que lhe coubessem. Waldemar

Ferreira8 (1966) foi um dos grandes defensores desta questão, ao ensinar:

Nada obsta, todavia, antes de tudo aconselha que também se permita a reivindicação no processo da concordata preventiva, principalmente das coisas vendidas a crédito na véspera do requerimento desta, e ainda em poder do devedor. Inúmeros são os casos de comerciantes que, dias antes do requerimento da convocação dos credores, para lhes propor concordata preventiva, compram mercadorias, só com o intuito de não pagar.

Com a depressão econômica de 1929, que culminou no crash da bolsa

de valores dos Estados Unidos, as relações jurídicas foram profundamente

modificadas, em virtude da insegurança jurídica que permeava a economia da

época. Vários foram os comerciantes que sucumbiram, tendo o número de

pedidos de concordatas e falências crescido, paulatinamente, na época.

Assim, a intervenção do legislador no domínio econômico foi se tornando

cada vez mais presente e imperativa, dada a imprescindibilidade de

interferência no curso dos negócios e respaldar os comerciantes que agiam

impelidos pelo desenvolvimento econômico.

Assim, fez-se terreno fértil para a ampliação da utilização do Decreto

5746, que previa e balizava a forma através da qual o terceiro poderia reclamar

o bem de sua propriedade. Muitos comerciantes, ao ensejo do pedido de

concordata preventiva, aumentaram adredemente seus acervos patrimoniais,

constituindo um estoque considerável e dissimulando a verdadeira situação de

seu negócio.

A disciplina normativa específica sobreveio, portanto, no intuito de

minimizar esse expediente e limitar os efeitos maléficos que surgiam no cenário

8 FERREIRA, Valdemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1960. v. 15, p. 91.

Page 21: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

econômico. É bem verdade que o legislador da época pretendia resguardar os

contratos de compra e venda mercantil. Não obstante, foi a premente

necessidade de se acautelarem os interesses dos que, conduzidos pelas leis

do mercado, se viram compelidos a entregar mercadorias a compradores que

não iriam cumprir com seus compromissos que representou um fértil campo ao

desenvolvimento do instituto.

O pedido de reivindicação distinguia-se da simples restituição,

especialmente em virtude do fato de que, na reivindicação, a coisa móvel

deveria estar com o agente, enquanto o pedido de restituição encontrava-se

amparado em contrato.

Os atributos legais disciplinados nos diplomas normativos permitiam a

visão do conjunto e, por corolário, o estabelecimento de fonte de referência

entre passado e presente.

Nesse cenário é que o legislador de 1945 desenvolveu o procedimento

do pedido de restituição e dos embargos de terceiro (arts. 76 a 78). Por essa

lei, definiu-se o pedido de restituição como o exercício de um direito real, quer

decorrente de domínio, quer decorrente de qualquer dos vínculos a ele

inerentes, ou de um direito obrigacional anterior à quebra ou dela decorrente. É

a evolução de um instituto no decorrer dos tempos, em face das condicionantes

sociais.

No art. 76 do Decreto-Lei 7661/45, encontravam-se as hipóteses de

intervenção de terceiros na esfera dos bens constantes da massa arrecadados

pelo síndico. Paralelamente, o parágrafo 2º do artigo 76 tratou da restituição

nos contratos de compra e venda e o parágrafo 1º autorizou a restituição em

casos nos quais a coisa tivesse sido alienada pela massa, e o art. 79 garantiu o

manejo dos embargos de terceiro nas situações não abrangidas pelo pedido de

restituição, referenciando expressamente à situação de terceiro que se vê

esbulhado ou turbado na sua posse, o que quer dizer, qualquer

constrangimento sofrido e que demanda reparação do ato.

Page 22: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

A Lei 11.101, promulgada em 9 de fevereiro de 2005, após tramitar no

Congresso Nacional por onze anos, inseriu relevantes e profundas alterações

na sistemática do Direito Falimentar Brasileiro, sendo a primeira delas a

substituição do instituto da concordata pelo da recuperação da empresa.

Não obstante as profundas alterações trazidas por essa lei, o instituto da

restituição permaneceu praticamente intocado. A única alteração foi a inserção

de uma hipótese entre os casos de restituição, concernente ao contrato de

câmbio.

Entretanto, cabe-nos destacar que o pagamento de restituições em

dinheiro foi postergado para depois do pagamento dos saldos salariais a que

alude o art. 1519 da Nova Lei de Falências, o que não lhe retira a natureza

extraconcursal, pois os referidos saldos, limitados a cinco salários mínimos,

têm caráter de mera antecipação, já que o respectivo valor atualizado será

deduzido do pagamento final do crédito a que tem direito o empregado.10

2.2 Cabimento do pedido de restituição

Determina o art. 108 da Lei 11.101/2005 que a decretação da falência

será seguida in continenti pela nomeação do síndico e pela arrecadação.

9 “Art. 151: Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.” 10 A Confederação Nacional das Profissões liberais ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de suspensão cautelar da eficácia das normas impugnadas, ADI 3424, impugnando os arts. 83,inciso I e inciso VI, alínea C, que se insere os créditos trabalhistas em primeiro ligar na ordem de classificação dos créditos, porem limitados a 150 salários mínimos; art. 83 paragrafo 4º. Que transforma o crédito trabalhista objeto de cessão em crédito quirografário, art. 86, inciso II, que consagra a restituição em dinheiro da importância entregue ao devedor decorrente de adiantamento a contrato de cambio para exportação ; art. 84 inciso V, que considera extraconcursais os créditos correspondentes a obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, ou após a decretação da falência. A referida ação tinha como relator o Ministro Carlos Velloso. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 10 de outubro de 2008.

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No dizer de Fábio Ulhôa Coelho11, “a arrecadação é um ato e a

restituição um procedimento. A restituição visa a definir o ativo da falida,

decotando-se dele aqueles bens ou coisas que não o integram ou seja,

destacar os bens cuja propriedade não devem compor a massa falida”.

Pode ocorrer, no entanto, que, no momento da arrecadação, alguns

bens ou coisas que estavam na posse do falido não lhe pertencessem.

Assim, é cabível a restituição dos bens que se encontravam em posse

da massa, dos quais a massa fosse comodatária, depositária ou locatária, por

exemplo.

Esses bens de terceiros em poder do falido podem aí estar:

a) em virtude de direito real

b) em virtude de contrato.

Entende Bezerra Filho12 (2008) que a restituição só é possível para o

proprietário, ou seja, apenas com fundamento em direito real de propriedade,

limitando a disposição constante no art. 76 da lei anterior, que previa também a

restituição para bem devido em virtude de contrato. É que no sistema da lei

atual, embora seja prevista a restituição de outros bens, além daqueles devidos

em razão do direito de propriedade, essas outras restituições estão previstas

em outros artigos da legislação, como, por exemplo, no art. 86 e no art. 136, ou

em lei especial, como é o caso da alienação fiduciária. (Decreto-Lei 911/69).

Assim é que o pedido de restituição só pode referir-se a coisas sobre as

quais o falido não tenha direito real ou direito a posse. Não se pode pleitear a

restituição de bens que devam integrar a massa falida.

11 COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito comercial – de acordo com a nova lei de falências.

5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 3. p. 311. 12 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada. 5. ed. São Paulo: Ed. RT., 2008. p. 230-231.

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Assim, a lei prevê a ação de restituição ou pedido de restituição como

um meio de se decotar da massa aqueles bens ou coisas que não pertencem

ao falido, ou seja, sempre que algum bem tenha sido incorporado no patrimônio

do falido de forma ilegítima. Daí a terminologia, utilizada por Waldemar

Ferreira13, de chamar a arrecadação de integração da massa e a restituição de

desintegração.

Havia, na vigência da Lei 7.661 de 1945 uma controvérsia acerca da

palavra “coisa”. VALVERDE (1948, p.455)14 só admitia a restituição de coisa

corpórea, já que a lei falava em coisa e não em bens, sendo que coisa é uma

espécie do gênero bens.

Rubens Requião15, de maneira diversa, já entendia que a palavra coisa

era mais adequada à definição do instituto, uma vez que um bem pode ser

incorpóreo e os bens incorpóreos não podem, em seu entender, ser objeto de

restituição.

Destaca-se do enunciado do art. 7616 a expressão “cousa”. Pode ser

pedida a restituição de “cousa arrecadada em poder do falido, enuncia

textualmente a norma indicada. Vê-se que o legislador um momento sequer, no

decorrer do Título V, da Lei de Falências, usou da expressão bens.17

Entretanto, a doutrina moderna superou essa questão ao reconhecer

que também bens incorpóreos podem ser encontrados na massa falida, como,

por exemplo, a licença do uso de uma marca. Encontrados tais bens em poder

13 FERREIRA, W. op. cit., 1966. v. 15. 14 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências. Rio de Janeiro: Forense, 1948. V.II, n.502, p.455: “Objeto do pedido de restituição, quer fundado em direito real, quer em contrato, há de ser coisa corpórea, móvel ou imóvel, (corpus certum), arrecadada em poder do falido, a qual deverá ser designada por seus sinais característicos, se é móvel, pela situação e confrontações se é imóvel”. 15 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 12ª. Ed. São Paulo: Ed. Saraiva,1998. p.244-245. vol.1 16 Referência ao artigo da lei 7661/45. 17 REQUIÃO, R. op. cit., 1998. p. 242. vol.1.

Page 25: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

da falida, é inquestionável o cabimento do pedido de restituição, nos termos do

art. 85 da Lei 11.101, de 2005.

Diante de tais considerações, tornou-se cada vez mais disseminada a

idéia de que uma expressão poderá ser utilizada por outra, sem maiores

distinções.

No entanto, tal discussão acaba por transpor, para o Direito Falimentar,

uma antiga antinomia existente entre os civilistas, acerca da propriedade de

uma ou outra expressão.

Parte da doutrina entende que “bens” constituem-se o gênero, nele

compreendendo tanto os bens materiais como os bens imateriais; e “cousa”

destina-se a designar, apenas, a espécie que corresponde aos bens materiais.

Assim, cousa seria sinônimo de bens materiais.

Outra corrente considera irrelevante a distinção, permitindo o uso

indistinto das duas expressões que seriam sinônimas.

A questão toma corpo à luz da noção de que, no Direito pátrio, existem

duas correntes que restringem ou não a reivindicatória, por assim dizer

subjacente ao pedido restituitório, à coisa corpórea.

Silva Pacheco18 analisa esse aspecto da questão formulando uma

opinião liberal que merece ser posta em destaque: expostas as duas

orientações, em campo doutrinário, cabe-nos concluir que: a) o legislador, ao

redigir o art. 76, usou, propositadamente, a palavra “cousa” para significar o

bem material quantificado e medível, o bem corpóreo, em consonância com a

doutrina consubstanciada na primeira orientação, por nós esboçada; b)

contudo, existindo bens incorpóreos, apreendidos pela arrecadação e sobre

eles tenha alguém qualquer vínculo real ou obrigacional, capaz de justificar o

pedido de restituição, não se pode deixar de ter este como viável e procedente. 18 PACHECO, José da Silva. Processo de falência e concordata: comentários à lei de falências: doutrina, prática e jurisprudência. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. vol. II, pág. 660.

Page 26: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Assim, havendo bens arrecadados – materiais ou imateriais, corpóreos

ou incorpóreos – sobre os quais o falido ou a massa não tenha titularidade ou

direito, sendo tal titularidade demonstrada por terceiros, a ele deverá ser

deferido o pedido de restituição.

A esse respeito, manifesta-se José da Silva Pacheco (1999)19:

Existindo bens incorpóreos, apreendidos pela arrecadação e sobre eles tenha alguém vínculo real ou obrigacional, capaz de justificar o pedido de restituição, não se pode deixar de ter este como viável e procedente. Desde que haja bens arrecadados – corpóreos ou incorpóreos, materiais ou imateriais – sobre os quais não tenha o falido ou a massa qualquer direito ou titularidade, e esta seja demonstrada por terceiro, cabível o pedido de restituição.

E de tal forma nos parece mais adequado. Difícil seria a um tribunal

negar ao titular de uma patente de invenção, por exemplo, arrecadada pelo

síndico em poder do falido, devido a um contrato de licença, que não se lhe

reconhecesse o direito de reclamar a restituição da mesma. A patente, sabe-

se, constitui-se apenas o certificado da concessão de privilégio, isto é, de um

direito imaterial ou incorpóreo.

O art. 85 da Lei 11.101/2005, ao tratar do tema, parece-nos que

pretendeu fugir desta celeuma. Não se percebe, pela leitura do texto legal,

intenção de se fazer tal distinção.

Isto porque ora o legislador se refere a bem, e diz coisa, e vice-versa. E

como a lei nova não distingue entre coisa e bem, não há sentido em proibir a

restituição de um e autorizar a do outro.

A questão está em definir se, no depósito bancário, há ou não a

transferência de propriedade do dinheiro dos correntistas à instituição bancária

e, em virtude disto, se tem ou não o direito à restituição dos valores

19 PACHECO, J. da S., op. cit., 1999, p. 660.

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depositados, com preferência, em relação aos demais credores habilitados, em

caso de decretação da falência.

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3 DO CONTRATO DE DEPÓSITO

O contrato de depósito é regulado pelo artigo 627 do Código Civil, que

estabelece que “pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto

móvel, para guardar, até que o depositante o reclame”.

Assim, trata-se de um contrato tradicional, pelo qual uma pessoa recebe,

para guardar, um objeto móvel alheio. Divide-se em duas modalidades:

a) O depósito regular, atinente à coisa individuada, infungível e

inconsumível, que deve ser restituída in natura.

b) O depósito irregular, que recai sobre bem fungível ou consumível. Este é

o depósito bancário, envolvendo dinheiro.

No depósito bancário, o depositário pode dispor da coisa depositada,

consumindo-a e restituindo ao depositante, oportunamente, outra da mesma

espécie, quantidade e qualidade.

Maria Helena Diniz20 acrescenta à definição legal as noções de que o

contratado (depositário) recebe do contratante (depositante) um bem móvel,

corpóreo, obrigando-se a guardá-lo, temporária e gratuitamente, para restituí-lo

quando lhe for exigido.

A doutrina tem, no entanto, elastecido a noção de bem corpóreo,

admitindo que se possa transferir por depósito um bem incorpóreo, como, por

exemplo, o direito de uso de uma marca ou patente. Tal idéia, no entanto, é de

plano rechaçada por Venosa (2007)21, que defende que a definição legal

reporta-se a, exclusivamente, coisa móvel. Para esse autor, as coisas

incorpóreas não podem ser objeto de restituição, porquanto não são passíveis

de individuação.

20 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002. 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie. 7. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. p 232

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O termo depósito, além de designar a espécie de contrato, refere-se,

também ao objeto do depósito. Pelo contrato de depósito, impõe-se ao

depositário a responsabilidade de cuidar para que a coisa não se perca ou

deteriore, e ele responde se culposamente concorreu para com tal situação.

A responsabilidade do depositário estende-se, até mesmo, quando às

condições físicas da coisa entregue, dispondo a lei, especificamente, que ele

deverá respeitar o segredo do bem sob sua guarda, o invólucro, o selo,

constituindo infração contratual, até mesmo a devassa da embalagem.

É contrato primordialmente unilateral e gratuito, contendo obrigações

assumidas somente pelo depositário da coisa. Nos termos do art. 629 do

Código Civil, incumbe ao depositário a obrigação de guardar a coisa sob seu

poder, que fica sob sua responsabilidade. Ele deve cuidar da coisa como se

fosse sua, tendo para com ela o máximo de diligência e cuidado possíveis, de

modo a, ao restituí-la, fazê-lo com o acréscimo dos frutos e acessórios. Quanto

à gratuidade, embora seja de sua essência, pode haver cláusula que preveja a

onerosidade, estipulando uma gratificação ao depositário, seja pela sua

atividade profissional ou por um serviço prestado.

Ensina Pontes de Miranda22: “O contrato de depósito irregular é, em

regra, contrato unilateral”.

Nesses casos, ou ainda em casos nos quais o depositante vier a se

tornar credor do depositário, a característica de bilateralidade se faz presente.

Essa idéia é bastante difundida, tendo sido defendida por Osmar Brina

Corrêa Lima23 às fls. 42 dos autos 024.00.033.958-0. Segundo esse jurista,

22 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte Especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1964. p.374. Tomo 42. 23 CORRÊA LIMA, Osmar Brina. Autos 024.00.033.958-0, p. 42.

Page 30: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

quanto à sua formação, todo contrato é bilateral. Quanto aos seus efeitos, os contratos podem ser bilaterais ou unilaterais. O contrato bilateral gera efeitos para ambos os contratantes. O unilateral, apenas para um deles. No contrato bilateral, ambas as partes são simultânea e reciprocamente, credora e devedora. No unilateral, há um credor e um devedor. São exemplos de contrato unilateral o comodato, o mútuo, a fiança, a doação e o depósito bancário.

Assim, é de se considerar o caráter unilateral desse contrato, uma vez

que gera obrigações apenas para o falido.

O artigo 643 do Código Civil, que regula essa hipótese, traz a noção de

que o depositante fica obrigado a pagar ao depositário as despesas com a

coisa e o prejuízo decorrente de seu depósito; tal dispositivo agrega a esse

contrato, características de sinalagmático imperfeito.

Como se disse acima, embora o contrato seja de natureza gratuita, as

partes podem estabelecer que o depositário receba gratificação, como os

depósitos de natureza bancária, que é, por hora, o que nos interessa.

O parágrafo único do artigo 628 estabelece que “Se o depósito for

oneroso e a retribuição do depositário não constar da lei, nem resultar de

ajuste, será determinada pelos usos e, na falta destes, por arbitramento”.

O ônus do depositário é, portanto, zelar por uma coisa que, em verdade,

não lhe pertence, até a sua devolução. Recebe a contrapartida do depositante,

para cumprir o seu dever de guarda.

Não sendo de sua propriedade, a coisa não pode ser por ele utilizada, a

não ser mediante expressa anuência do depositante.

Page 31: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

4 O DEPÓSITO IRREGULAR

Por depósito irregular de coisas fungíveis entende-se aquele em que o

depositário recebe a coisa para guarda e conservação, obrigando-se a restituir

outra equivalente, do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Contudo, o

depósito bancário não se enquadra, de forma simplista e literal, em tais regras

e conceito.

A respeito, manifestou-se Orlando Gomes24:

Para alguns, não passa de forma irregular do depósito comum; para outros, tem a configuração do mútuo feneratício; predomina, entretanto, a opinião de que constitui contrato típico, misto, formado pela conjunção de prestações característica de outros contratos. O cliente do banco tem fundamental interesse na guarda, por estabelecimento de sua confiança, do capital depositado, para o ter à sua disposição. Esse interesse influi na causa do contrato que assim não coincide com a do mútuo, embora, do ponto de vista do banco, o interesse de obter recursos para a realização de operações ativas empreste ao contrato função análoga ao utendum dare daquele. Será um misto de depósito e mútuo, mas, com tais particularidades que se torna impraticável aplicar-se-lhe as disposições concernentes aos dois contratos. Rege-se, realmente, por normas próprias.

Depreende-se de suas lições que a divergência acerca das definições

aplicáveis é reconhecida e amplamente debatida em nosso ordenamento. De

fato, há fundamental interesse do depositante na guarda do capital depositado,

sendo a liquidez do investimento um dos fatores que maior interesse desperta

no correntista.

Não obstante, é majoritário o entendimento de que as particularidades

desse instituto, ao mesmo tempo aproximam-no e afastam-no do mútuo.

Este é também o entendimento de Sílvio Rodrigues25:

24 GOMES, Orlando. Contratos. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 365-366. 25 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 1977. Vol. III.

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A doutrina chama de irregular o depósito de coisas fungíveis, no qual o depositário não precisa devolver exatamente a coisa que lhe foi confiada, podendo restituir coisas da mesma espécie, quantidade e qualidade. A lei equipara esse contrato, cujo objeto na prática é o dinheiro, ao mútuo (Cód. Civil art. 1280); de modo que através dele o depositário se torna proprietário da coisa depositada. Este negócio tem seu habitat predileto no comercio bancário, pois para os bancos converge, em forma de depósito irregular, a maior parte do dinheiro em circulação no mundo inteiro.

Não obstante, Caio Mário da Silva Pereira26 acrescenta, em sua

definição do instituto, requisitos extras, como a fungibilidade, ao ensinar:

Diz-se que o depósito é regular quando tem por objeto coisas não fungíveis, obrigando-se o depositário a restituir especificamente a própria coisa depositada, que se identifica pelos seus caracteres individuais. Chama-se irregular, quando incide sobre coisas fungíveis, obrigando-se o depositário a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade – tantumdem eiusdem generis et qualitatis. Há, neste caso, transferência de domínio da coisa depositada, regulando-se o contrato pelas disposições relativas ao mútuo (Código Civil, art. 627), cuja dogmática atrai, embora as duas espécies contratuais continuem passíveis de distinção.

Neste diapasão, seria possível até mesmo a responsabilização civil

daquele que, por qualquer motivo, deixa de restituir os valores que recebeu em

depósito.

Como se sabe, os requisitos da responsabilidade civil são: ato ilícito,

dano e nexo causal. Ora, ao deixar de entregar ao proprietário bem que lhe

pertence, o depositário comete, portanto, ato ilícito passível de reparação.

A instituição que presta ou fornece serviço público tem responsabilidade

objetiva pela segurança e qualidade do serviço que presta. No caso de

falência, a massa falida tem responsabilidade objetiva pela segurança dos

valores que se encontram em seu poder.

26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Vol. III, p. 249-250.

Page 33: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Arnoldo Wald27 levantou a seguinte questão:

Enquanto para os civilistas tradicionais o depósito bancário se equipara ao mútuo, para os comercialistas enseja uma dupla disponibilidade dos recursos que passam a poder ser usados simultaneamente pelo depositante e pelo banqueiro, caracterizando um depósito sui generis, com regras e responsabilidades próprias.

Muito embora por remissão (art. 645 do Código Civil)28, tenha-se que o

depósito transfere ao mutuário o domínio da coisa emprestada (art. 587 do

Código Civil), na verdade a situação que se configura no depósito bancário é

outra. Embora depósito voluntário, vê-se que, no caso, por se tratar de coisa

fungível, o depositário pode ter eventual disponibilidade da coisa (dinheiro),

mas não terá sua propriedade, pois que, em qualquer tempo, está na obrigação

de lho devolver ao depositante.

Grande parte da celeuma que envolve a questão da propriedade dos

valores depositados em conta bancária deve-se ao disposto no art. 645 do

Código Civil, como se afirmou acima.

Como já se disse, alguns doutrinadores defendem que o depósito

bancário equipara-se ao mútuo, por lhe serem aplicadas as regras relativas a

tal instituto. Não obstante, ao depósito se aplicam as regras do penhor, à

permuta se aplicam as regras da compra e venda. O fato de serem aplicadas

regras de um instituto a outro não significa que os institutos se confundam.

Assim, o fato de o depositante facultar ao depositário o uso do objeto de

depósito não o transforma em mútuo.

27 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro - obrigações e contratos. 11. ed. São Paulo: Ed. RT, 1998. p. 449. 28 “Art. 645: O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo”.

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Carvalho dos Santos29, depois de salientar que o depósito irregular não

se confunde com o mútuo, escreve:

Os elementos me melhor distinguem o depósito irregular do mútuo são os fins econômicos que lhes servem de base, o que vale dizer, em última análise, que a intenção das partes é que determina quando seja um e quando seja outro o contrato. De fato, assim acontece. No depósito irregular, o fim principal do contrato é a guarda da coisa, constituindo o uso apenas um fim acidental acessório; ao passo que no mútuo o uso é o fim principal e direto da convenção. É o que ensinam PAUL PONT, WINDISCHEID (Pandette, 3, 379) Scheinder e Frick (Com. Du Code Federal des Obligations, 1, art. 481, com.1) e entre nós Carvalho de Mendonça, que estuda a fundo a distinção entre os dois contratos.

Assim é que a remissão legal não autoriza a modificação da natureza do

instituto. A remissão legal visa a determinar que as regras já dispostas em lei

acerca do mútuo deverão ser aplicadas ao depósito bancário. Em nenhum

momento promove a alteração da natureza do instituto.

Ademais, ainda que assim não fosse, no mútuo a propriedade continua

sendo daquele que realizou a transferência. É que, mesmo nesse instituto, a

transferência é de domínio e não de propriedade. O domínio é um dos

requisitos que implicam em propriedade, porém, dela apresenta substanciais

diferenças.

Nem mesmo presumidamente seria possível admitir que o depósito

irregular transfere a propriedade do bem ao depositário, seja em face do que se

contém na Lei 6.024, de 1974, seja em razão do disposto na Lei de Proteção

ao Consumidor (Lei 8.078/90). Tal entendimento poderia enquadrar o depósito

bancário como até mesmo uma doação.

Considerar o depósito bancário um depósito irregular parece ser a

tendência majoritária e inescusável da maior parte da doutrina.30 Ainda assim,

29 CARVALHO DOS SANTOS. Código civil interpretado. Rio de Janeiro: Calvino Filho, 1937. v. XVIII, p.61-62. 30 Como dito anteriormente, esse é o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira.

Page 35: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

com relação à transferência de propriedade, até mesmo a doutrina

suprarreferida entende que há limitações a ela.

É que, no dizer de Pontes de Miranda31, a transferência de propriedade

é questão que muito inquieta os juristas brasileiros. Assim se manifesta aquele

jurista:

Depósito Bancário – O depósito bancário é a mais relevante das operações dos bancos. Por ele, põe-se à disposição do depositante a provisão, o fundo disponível a que se refere a lei sobre cheques. [...] O depósito bancário é depósito irregular, que é subespécie do contrato e não do mútuo. No depósito bancário, como em todo depósito irregular, o depositário tem o dever de restituir o tandundem, quando o exija o depositante, ainda que o contrato seja a prazo. [...] Ninguém pode deixar de ver a diferença entre o empréstimo de x feito ao banco e o depósito de x no mesmo banco. [...] No mútuo, a disponibilidade da coisa pelo depositário é essencial; no depósito irregular, inclusive no depósito bancário, a disponibilidade pelo depositário há de ser tal que não exclua a disponibilidade pelo depositante: o depositário pode dispor, desde que assegure a disponibilidade pelo depositante. Ora, esse elemento é de guarda, de custódia, se bem que a organização e as operações bancárias permitam custodiar a despeito da fungibilidade do bem depositado e da sua disponibilidade técnica. [...] O depósito bancário, que permite a emissão de cheques, é o depósito irregular, pelo qual alguém dá ao banco ou o banco considera como entregue, quantia sobre a qual o depositante tem o poder de dispor, portanto – de atribuir a outrem o direito à provisão, ou parte dela. A disponibilidade pelo depositante coexiste com a disponibilidade pelo banco, mas passa-lhe à frente quando o depositante o entenda. Se o depositário tem a propriedade, é propriedade limitada pelo poder de dispor, que tem o depositante. Situação semelhante à do marido, que pode dispor dos bens móveis comuns, sem que se possa dizer que a mulher perdeu a propriedade. É bem exígua a propriedade que se transfere, retendo-se a disponibilidade (depositum regulare); porém, não no é menos a da mulher casada quanto aos bens móveis de que o marido pode dispor. De nenhum modo se poderia pensar em espécie de mútuo. O depositante pode dispor e dispõe, a despeito da entrega, sem ser em depósito simples; o depositário pode dispor e dispõe, a despeito de estar exposto ao ato de disposição por parte do depositante. Em relação a outros depósitos irregulares, o depósito bancário tem a característica – subjetiva – de ser feito com depositário profissional, que se dedica a tais operações em massa, o que lhe facilita a solução prática do problema técnico-econômico dos dois poderes de disposição. O banco tem o poder de disposição de x, x`e x”; cada depositante sobre x ou sobre x` ou sobre x”; de modo que, se só dispõe de fração de x + x`+ x”, pois que nem todos os depositantes dispõem simultaneamente. Nos momentos de alarma, as corridas dos clientes mostram que, nos tempos normais, tudo se passa tranquilamente, permitindo estatísticas de depósitos e de retiradas e o trabalho técnico com as médias de disponibilidade provável, inclusive atendidas as datas e considerados os meses: os deveres e

31 PONTES DE MIRANDA, op. cit., 1963. p. 372-374. Tomo 42.

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obrigações são do depositário; por isso mesmo, não tem ele a ação de resolução por inadimplemento (Código Civil, art. 1092, parágrafo único), nem a exceção non adimpleti contractus (art. 1092). É, normalmente, contrato real: só se conclui como encaixe do banco, ou a outra pessoa que seja depositaria. Às vezes, é oneroso, porque produz interesses. Na dimensão econômica, o depositário-banqueiro, pois que tem consigo o depósito, dele dispõe, com preterição eventual do depositante; na dimensão jurídica, o poder de dispor, que tem o depositário, passa à frente.

Inicialmente, observe-se a correlação apresentada por Pontes de

Miranda: “[...] O depósito bancário é depósito irregular, que é subespécie do

contrato e não do mútuo [...]”. Significa dizer portanto, que as disposições

gerais aplicáveis ao depósito bancário são aquelas atinentes aos contratos, e

não aquelas referentes ao mútuo. De se reconhecer assim, a maior

proximidade do depósito bancário com o depósito – mantendo-se a

propriedade da coisa – do que com o mútuo.

Sustenta esse doutrinador ainda que a irregularidade do depósito

bancário encontra-se na disponibilidade simultânea do bem para o depositante

e para o depositário, e não na transferência de propriedade. A idéia de que a

propriedade dos valores depositados continua com o depositante é ainda

reafirmada pelo argumento de que a disponibilidade do depositário fica

condicionada ao não exercício do poder de dispor que tem o depositante, que

continua com a propriedade.

Assim, depreende-se de suas lições que a propriedade dos valores

depositados é concomitantemente exercida pela instituição bancária e pelo

depositante; porém, a disponibilidade do depositante prevalece sobre a do

banco sempre que o depositante assim o desejar.

É bem clara, na lição de Pontes de Miranda que a propriedade dos

valores depositados permanece com o depositante. O próprio doutrinador

assim afirma, ao apresentar, como característica marcante do depósito

bancário, o fato de ser concomitante a disponibilidade do depósito pelo

depositante e pelo banco.

Page 37: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Conclui-se, ainda, que esse doutrinador considera o contrato de depósito

bancário uma mistura de depósito e mútuo, mas, com particularidades tais, que

se torna impraticável aplicar-se-lhe integralmente, nos termos dispostos em lei,

as disposições concernentes a qualquer um dos dois contratos. Assim, infere-

se que o depósito bancário rege-se, realmente, por normas próprias, não sendo

possível a aplicação dos arts. 627 a 652, do Código Civil.

Assim, no depósito bancário, que é uma espécie de depósito irregular, a

disponibilidade do dinheiro pelo banco não pode excluir a do correntista, pelo

que ambas coexistem, com preferência desta sobre aquela, e o banco vincula-

se a restituir a quantia depositada. Assim, se o banco falido não tinha plena

disponibilidade sobre o dinheiro dos seus depositantes, e pelo contrato de

depósito obrigava-se a restituí-lo, mostra-se cabível a restituição dos depósitos

na falência, conforme expressa o art. 85 da Lei de Falências e Recuperação

Judicial.

Assim se manifestou a nossa jurisprudência:

No contrato de depósito bancário, o banco não tem plena disponibilidade sobre o dinheiro dos seus depositantes, pois obriga-se a devolvê-lo tão logo lhe seja solicitado pelo depositante, o que torna possível a sua restituição na falência, conforme expressa o artigo 76 do Decreto-lei nº 7,661/45." (TJMG, 1ª Câm. Cív., Emb. Inf. Nº 204950-0/01, rel. Des. Antônio Hélio, julg. 11.12.01).

O caráter irregular do depósito bancário é também oriundo do fato de

que suas operações se submetem às estritas normas que regem as instituições

financeiras, emanadas inclusive do BANCO CENTRAL DO BRASIL, como, por

exemplo a RES. 2.211, de 16.11.95 que "aprova o estatuto e o regulamento do

Fundo de Garantido de Crédito - F.G.C. -" que inclusive prevê no Art. 2º,

parágrafo 2º:

Page 38: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

"O total de créditos de cada pessoa contra a mesma instituição ou contra

todas as instituições do mesmo conglomerado financeiro será garantido até o

valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.

Assim, parte da doutrina sustenta que o deferimento de pedidos de

restituição, em casos de falência decretada, representaria verdadeira

ampliação desse limite, agora com prejuízo aos demais credores da massa

falida, vindo, assim, a ferir o principio da par conditio creditorum.

Não obstante os reflexos que serão detidamente analisados nos

próximos capítulos, para o professor Nelson Abrão32 a discussão jurídica do

depósito bancário

nada apresenta de interesse prático: é puramente acadêmica... Pode-se frisar que a análise do contrato em um depósito se aproxima da psicologia das partes e do espírito do serviço de caixa: o cliente se desonera da guarda dos fundos e o banco sustenta a caixa do cliente.

32 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 4. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1985. p.88.

Page 39: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

4.1 Do contrato de depósito bancário

As operações bancárias realizam-se mediante contratos. No dizer de

Fran Martins33,

Entende-se por depósito pecuniário, ou simplesmente depósito, a operação bancária segundo a qual uma pessoa entrega ao banco determinada importância em dinheiro, ficando o mesmo com a obrigação de devolvê-la no prazo e condições determinadas.

Especificamente no depósito bancário percebem-se certas

peculiaridades, como, por exemplo, a obrigação do banco em restituir, ad

nutum34, o valor depositado. Em conseqüência, a instituição depositária adquire

apenas o gozo da quantia depositada, podendo, inclusive, efetuar empréstimo

a terceiros, mas com disponibilidade, portanto, limitada sobre a mesma, vez

que deve restituí-la ad nutum, assim que requisitada pelo depositante.

Permanece, pois, a propriedade/titularidade do depositante e prevalece a sua

disponibilidade sobre a do depositário (instituição bancária/financeira).

Acerca da origem de tão difundido instituto, ensina Paula Camanho35:

O contrato de depósito de disponibilidades monetárias (ou depósito de numerário), doravante designado por contrato de depósito bancário, surgiu na Babilônia, no século VI a. C. O papel dos bancos era o de colocar em segurança os fundos que os seus proprietários não utilizavam e não queriam levar consigo, com receio de furtos e outros perigos e, ao receber esses fundos dos depositantes com a possibilidade de os utilizar, os bancos começam apagar juros aos clientes. E, conseqüentemente, com a obrigação de restituir, não exatamente as moedas depositadas, mas o equivalente.

33 MARTINS, Fran. Contratos de obrigações comerciais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1993. p. 516. 34 Ad nutum: expressão usada para indicar que o ato pode ser revogado pela vontade da pessoa que o praticou, independentemente de qualquer outra formalidade ou condição. Desse modo, qualquer ato ou contrato que possa ser desfeito pelo simples arbítrio da outra parte, diz-se resolvido ad nutum. Mostra, pois, o ato que possa ser revogado pela vontade de uma só pessoa. (DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., 2000, p. 41. 35 CAMANHO, Paula Ponces. Do contrato de depósito bancário. Coimbra: Ed. Livraria Almedina, 1998. p. 98

Page 40: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Segundo a doutrina, essa espécie de contrato (de depósito

bancário/abertura de conta corrente/abertura de conta poupança) possui

características limitadas, peculiares e particulares, sui generis, que impedem

sejam aplicadas, de modo simplista, literal e amplamente, as disposições

concernentes aos contratos convencionais de depósito irregular e/ou de mútuo

(arts. 627 a 652 do Código Civil). A instituição bancária é, portanto, guardiã do

dinheiro que é do depositante, do correntista.

Tratando especificamente de contrato de depósito bancário, Caio Mário

da Silva Pereira36 ensina:

Já estudamos o contrato de depósito e, evidentemente, uma remissão a este é necessária, porque o depósito bancário é uma subespécie sua, misto de depósito irregular e de mútuo, e pode ser definido como aquele pelo qual uma pessoa entrega uma quantia de dinheiro a um banco, o qual adquire a sua propriedade, o brigando-se a restituir-lhe na mesma quantidade e na mesma espécie monetária, quando lhe for exigida. [...] As obrigações fundamentais do banco são a restituição do depósito e o pagamento dos juros, quando devidos. O depósito deve ser devolvido na mesma espécie monetária e na mesma quantidade (tantundem), e, em princípio, ao arbítrio do depositante, o que o caracteriza e diferencia do mútuo [...]. Havendo litígio, ou sendo penhorado o depósito, o banco suspenderá a restituição, até decisão judicial.

Da leitura de seus ensinamentos, depreende-se que:

1) O direito depositado é dinheiro transferido à guarda de outrem,

ficando retido com o depositante o poder de dispor.

2) A qualquer tempo, poderá o depositante requerer a devolução dos

valores, ad nutum.

3) O banco pode dispor do dinheiro que recebe em depósito a

despeito da disposição por parte do depositante. E a disposição pelo banco há

de ser tal que não exclua a disponibilidade pelo depositante. Assim, se o banco

36 SILVA PEREIRA, C.M., op. cit., 1996, p. 340-341.

Page 41: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

tem a propriedade, esta propriedade é limitada pelo poder de dispor, porque ele

deve estar, a qualquer momento, em situação de restituir o recebido, mantendo

à disposição do depositante coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Na celebração do contrato de depósito bancário típico, como é o caso do

contrato de abertura de conta-corrente ou conta-poupança, o depositante já

anui, expressamente, com o uso, por parte do depositário (banqueiro) do

dinheiro que lhe foi confiado.

Por se tratar de bem fungível, o depositário-banqueiro fica autorizado a

substituir o montante depositado, pelo mesmo valor, tão logo o depositante lhe

solicite.

Não obstante o fato de o depositante anuir para com a utilização de seu

dinheiro não conduz à conclusão de que teria havido transferência de

propriedade. A prevalecer tal premissa, a maioria das instituições financeiras

seria levada à bancarrota, porque não se pode aceitar, no meio social, que um

cidadão transfira seus valores a outrem, sem a exigência de qualquer garantia.

A abertura de conta numa instituição bancária é realizada mediante a

celebração de um contrato (de abertura de conta), de acordo com o tipo de

conta que se pretende, no qual uma ou mais pessoas entregam algo seu

(valores) à instituição bancária, em função da confiança e solvabilidade

presumidas que essa lhes transmite, para que o guarde ou movimente, mas

lhes restitua em valor, nos termos, prazos e remunerações resultantes do

contrato, denominado Contrato de Depósito Bancário ou Depósito de

Disponibilidades Monetárias.

Neste sentido ensina Fran Martins37:

[...] os bancos, nas operações e nos contratos que realizam, agem sempre em seu próprio nome. Ao receberem depósitos pecuniários,

37 MARTINS, F., op. cit., 1991, p. 485.

Page 42: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

constituem-se devedores dos depositantes; assumindo a propriedade desses depósitos, empregando-os em seguida em empréstimos aos que necessitam de capital, dão esses empréstimos não em nome dos depositantes mas em seu nome próprio, tornando-se, desse modo, credores dos prestamistas.

Os depósitos realizados em bancos são regidos pelos respectivos

estatutos, em todos os seus aspectos, salvo o que se convencionar entre as

partes, ou estiver prevenido por lei.

A abertura de conta demonstra a existência de uma convenção sobre o

conjunto de regras que norteiam créditos e débitos que possam nascer entre

ambos os contraentes.

Por via do contrato de depósito – escrito (como requisito formal – ao

abrir a conta corrente, presume-se anuir com um contrato de depósito, ainda

que, no ato de abertura, não sejam efetivamente depositados valores) – a

instituição bancária solicita ao cliente que assine um documento de abertura de

conta, de acordo com a modalidade que se pretende, tendo em conta o seu

funcionamento e movimentação.

Deve-se, contudo, salientar que esses contratos que a instituição

bancária apresenta ao cliente constituem-se contratos de adesão, definidos

como tal em função da vedação da alteração ou mesmo negociação de

conteúdo, objetivando a salvaguarda da posição contratual do banco.

Não obstante, não estão dispensados os bancos da observância das leis

civis contratuais e, especificamente, das leis consumeristas quando da

formação e negociação de tais contratos.

Esses contratos de depósito, típicos contratos de adesão, revelam-se,

em sua maioria, pactos leoninos, nos quais a hipossuficiência do depositante

frente ao depositário é verificada em grau máximo, pelo que o legislador

Page 43: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

procurou estabelecer um conjunto de regras respeitantes à interpretação de

suas condições gerais.

De fato, a abertura de conta em banco é precedida pela apresentação

de um conjunto de cláusulas previamente elaboradas, restando ao

destinatário/cliente a aceitação e assinatura, vedada qualquer possibilidade de

negociação ou alteração de seu conteúdo.

Ora, certo é que, diante de tal situação e premido pela necessidade

imperiosa de se ajustar ao mercado financeiro, raramente, para não dizer

nunca, o cliente se propõe a analisar o conteúdo, limites e obrigações do

contrato que está celebrando, não se inteirando, portanto, das condições

que estão ali sendo contratadas.

É, contudo, importante relembrar que, à entidade bancária cabe um

conjunto de deveres pelos quais se deve reger. Dentre eles, e com

significativa relevância frente aos demais, apontamos o dever de informação

e o dever de comunicação, que devem pautar a conduta da instituição

bancária quando propõe a celebração do contrato aqui referido.

A existência de exigências extras direcionadas aos bancos,

especialmente através da vasta legislação específica e do estrito controle

realizado pelo Banco Central do Brasil, fornece indícios de que a

propriedade dos valores depositados continua com o depositante. É que, no

tocante à informação, além de obedecer às regras insertas na Lei 8.078/90,

a legislação correlata estabelece outras de caráter específico e cunho

especialmente direcionado àquele que se utiliza dos serviços bancários.

O dever de comunicação, conforme dispositivo expresso constante do

Código de Defesa do Consumidor, é a comunicação, de modo adequado e com

a antecedência necessária, de todas as obrigações constantes do contrato,

Page 44: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

ressaltando-se que as cláusulas restritivas de Direito do Consumidor devem ser

destacadas do texto, de forma a permitir sua imediata compreensão.

Da mesma forma, cabe à instituição financeira, nos termos da legislação

pertinente, informar, mensalmente ao correntista acerca dos valores

depositados em conta, periodicamente.

No que respeita ao dever de informação, deve o contratante informar o

destinatário dos aspectos nela compreendidos, cuja aclaração se justifique,

devendo ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Desse modo, e no tocante às cláusulas de um contrato de depósito

bancário, é possível a presença de cláusula na qual a instituição bancária se

reserve o direito de compensar contra-créditos sobre o saldo positivo da conta,

ou seja, conforme prescreve o regulamento interno do Banco (compensação

convencional), este deve, no momento da celebração do contrato, advertir,

clara e expressamente, os futuros titulares da conta. Em outras palavras, o

funcionamento das “cestas” de serviços oferecidas pelo banco, deve,

claramente, ser informado aos potenciais contratantes em detalhes. Significa

dizer que todos os valores, prazos, alcance, vencimentos, devem constar

expressamente do contrato, de forma que não haja nenhuma dúvida acerca

dos serviços oferecidos.

Assim, a qualificação jurídica dada a esse tipo de contrato, enquanto

contrato de adesão, tal como já oportunamente referido, deve respeitar a

segurança e a confiança das partes inerentes à sua celebração, de acordo a

lei, bem como o princípio da boa fé, garantia fundamental nesses contratos.

Os depósitos bancários podem revestir-se das seguintes modalidades:

depósitos a ordem, a prazo, depósitos com prévio aviso, a prazo não

mobilizáveis antecipadamente e, por último, os depósitos constituídos em

regime especial.

Page 45: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Podem ser diversos os contratos que servem de base à constituição de

depósitos bancários. Dentre os mais usuais, podemos destacar o simples e

corriqueiro contrato de depósito bancário ou os contratos mistos que permitem

a realização de saques a descoberto, ou seja, contratos de abertura de crédito,

contratos de conta corrente ou outros de natureza atípica.

Fran Martins38 define o contrato de depósito bancário: “Contrato pelo

qual alguém entrega em propriedade valores monetários ao banco para que

este restitua a importância equivalente no prazo e nas condições avençadas.”

O fato de ser o depósito a prazo fixo não altera a natureza do depósito,

pois, com prazo ou sem prazo, ele continua a ser um depósito irregular.

No “depósito irregular”, o depositário tem a vantagem do uso da coisa,

com os direitos de proprietário; e tanto assim é, que o dinheiro depositado sem

individuação nos bancos a título de guarda, passam a sua livre disposição,

para que possam ser aplicados no desenvolvimento de seus negócios e

créditos.

Limitaremos o nosso estudo aos contratos simples de depósito bancário,

nas modalidades acima referidas, e, em particular, à ordem e a prazo,

atendendo ao regime de exigibilidade, porquanto constituem as modalidades

mais adotadas pelos clientes dos bancos.

Um depósito a prazo é aquele no qual estipula-se um termo para o

reembolso, só podendo ser levantados os valores ao final do prazo avençado,

devendo constar do título nominativo, representativo desse depósito, os

elementos essenciais da operação.

O fato de ser o depósito a prazo fixo não altera a sua natureza, pois,

com prazo ou sem prazo, ele continua a ser um depósito irregular.

38 MARTINS, F., op. cit., 1990, p. 527.

Page 46: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Cabe-nos questionar, ainda, acerca da irregularidade do depósito no

contrato de abertura de conta-corrente. Todos os autores consultados afirmam

que se trata de um depósito irregular.

A questão é: em que residiria a irregularidade dessa espécie contratual?

Na transferência da disponibilidade? Ou se diz que o contrato é irregular

porque, embora se tenha operado a tradição do bem móvel, a propriedade

continua sendo do depositante?

Ensina Caio Mário da Silva Pereira39 que:

[...] não é sempre que a fungibilidade do objeto cria o depósito irregular. Se ficar caracterizada a obrigação de devolver a mesma coisa, embora fungível, o depósito é regular. Para que se tenha como irregular, é mister ocorram dois fatores, que se apuram em razão da destinação econômica do contrato: o primeiro, material, é a faculdade concedida ao depositário de consumir a coisa; o segundo, anímico, é o propósito de beneficiar o depositário. Sem perder de vista que o depósito se presume regular, deve o interessado dar prova que o ilida, podendo demonstrar o seu caráter irregular por vários meios, como sejam a profissão do depositário, o modo de sua realização, etc. Não obstante sua proximidade com o mútuo, deste difere pelo poder reconhecido ao depositante de recobrar a coisa ad nutum (Código Civil, art. 1.265), uma vez que o depositário há de estar, a todo momento, em situação de restituir o recebido, mantendo à disposição daquele coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Tipo apontado como o mais comum desse contrato é o depósito bancário, mediante a entrega de uma soma em dinheiro, de que o banco se utiliza em suas operações, com a obrigação de restituir, total ou parceladamente, a todo instante em que lhe for reclamada.

Como se depreende do trecho citado, no entender desse doutrinador, a

irregularidade do tipo de contrato em comento reside, precipuamente, no fato

de que, embora o objeto envolvido seja fungível, e, em relação aos bens

fungíveis, prevaleça o princípio de que a tradição implica transferência de

propriedade, o depósito bancário constitui uma exceção, na medida em que a

39 SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1998. Vol. III, p.227-228.

Page 47: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

propriedade do objeto do depósito é, ao mesmo tempo, do depositante e do

depositário.

Pode-se apontar, ainda, um outro fundamento que justifica a ausência

de transferência de propriedade no depósito bancário. É que, pelo princípio

geral do não confisco, a anuência da parte que está transferindo a propriedade

é requisito essencial para a caracterização da transferência de propriedade.

Noutro giro, nem sempre que se transfere a disponibilidade do bem está

se transferindo a propriedade. No contrato de locação, não é necessário que o

locatário tenha ingerência sobre o bem locado. Ele transmite o direito de usar o

bem ao locador e não transfere a propriedade daquele bem.

Num depósito à ordem, em função de não estarem as partes sujeitas a

qualquer termo, pode o titular movimentar a conta, levantando o montante

depositado, a todo o tempo, sem necessidade de aviso prévio.

Ainda no tocante às modalidades de depósitos bancários, e tendo em

conta o número de titulares, podemos encontrar os depósitos singulares e os

depósitos plurais ou coletivos, caracterizados, respectivamente, pela presença

de um ou mais de um titular.

Os depósitos plurais podem subdividir-se em duas modalidades:

depósito conjunto e depósito solidário.

O depósito solidário caracteriza-se por ser um depósito realizado por

duas ou mais pessoas, podendo, contudo, qualquer um dos seus titulares

movimentar ou proceder aos levantamentos dos montantes depositados,

sempre que o entenda. Este contrato é vulgarmente denominado conta-

conjunta.

Page 48: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

4.2 Da diferença e semelhança com o mútuo

No depósito bancário, permitindo-se o uso da coisa, estabelece-se a

restituição em coisa da mesma equivalência. E, por princípio, é o depositário

quem paga ao depositante certa vantagem pela entrega da coisa.

Nesse particular, o depósito bancário possui caráter de mútuo, pois que

resulta numa modalidade de empréstimo, feito pelo depositante ao depositário,

a título oneroso.

E, na verdade, traz consigo vários requisitos exigidos pelo mútuo:

a) entrega da coisa pelo depositante-mutuante ao depositário- mutuário;

b) transferência do domínio da coisa depositada, uma vez que ao

depositário se confere seu uso;

c) a partir da tradição, os riscos sobre a coisa depositada correm por

conta do depositário;

d) restituição da coisa quando exigida, em coisa do mesmo gênero e na

mesma equivalência, acrescida dos juros, se estipulados.

Outro não era o entendimento de Orlando Gomes40 sobre a natureza

jurídica do depósito bancário:

Quando um recebe certa soma em dinheiro, obrigando-se a restituí-la em determinado prazo, ou 'ad nutum' de quem a entrega, realiza o contrato de depósito bancário. Adquire, nesse caso, pleno gozo da quantia depositada. Não a recebe para guardá-la. Aceitando-a, não está a prestar serviço ao depositante, como ocorre no depósito regular. Depositando, o cliente empresta ao banco, em última análise, a soma depositada. O depósito bancário não se confunde com a custódia, que é depósito regular. Nesta, o depositante não perde a propriedade da coisa depositada. Naquela, torna-se credor do banco [...].”

40 GOMES, O. op. cit., 2005, n. 261, p. 394.

Page 49: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Com efeito,

o depósito de valores mobiliários identificáveis por números e outras características ser regular, se não for estipulado que o depositário pode consumi-los, obrigando-se apenas a restituir a mesma quantidade. Pactuada essa cláusula, ser irregular.

Ocorre que, embora o dinheiro seja bem extremamente fungível, ele

pode ser objeto de mútuo ou entregue ao depósito de terceiro. No caso de

mútuo, o mutuário adquire a propriedade sobre o numerário, até mesmo porque

não faria sentido o contrário. Entretanto, se não há contrato de mútuo, a

entrega de dinheiro à entidade bancária configura o contrato de depósito.

Não obstante sua proximidade com o mútuo, desse difere o depósito

bancário pelo poder reconhecido ao depositante de recobrar a coisa ad nutum

(Código Civil, art. 627), uma vez que o depositário há de estar, a todo

momento, em situação de restituir o recebido, mantendo à disposição daquele

coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Logo, o depositário não é mutuário dado à transitoriedade da guarda do

dinheiro. No mútuo, o mutuário ajusta o prazo para efetuar o pagamento, o que,

insista-se, não ocorre com o depósito. Tanto assim é que o correntista pode,

em qualquer momento, exigir a restituição, o que acontece não só mediante a

apresentação de um cheque ou, na atualidade, por comando em terminal

eletrônico.

Já se foi o tempo em que o depósito bancário era equiparado ao mútuo.

Wald41 faz estudo sobre o tema e ressalta:

1. No passado, a doutrina e a jurisprudência, influenciadas pelas lições dos autores clássicos, cujos estudos datam de uma fase anterior à autonomia e ao desenvolvimento do direito bancário,

41 WALD, A., op. cit., 1990, p. 5-12.

Page 50: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

equipararam o depósito irregular (inclusive o depósito bancário) ao mútuo. Essa foi a lição de Marcel Planiol (Marcel Planiol, Traité Élémentaire de Droit Civil, revisto por Ripert e Boulanger, 3ª ed., v. 2, Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1949, nºs. 2.868 a 2.870, pp. 876 e 877) que foi adotada, em linhas gerais, por alguns dos nossos autores, como Washington de Barros Monteiro42.

Arnoldo Wald demonstra que hoje o pensamento dominante é de que se

trata de um terceiro gênero, especial, que requer assim tratamento especial:

2. Ocorre todavia que a doutrina e a jurisprudência mais modernas têm salientado as peculiaridades do depósito bancário. Este tem merecido tratamento legislativo próprio nas codificações mais recentes, como o Codice Civile Italiano, que estabeleceu o seu regime legal, nos seus arts. 1.834-1.838, e os projetos brasileiros (anteprojeto de Código das Obrigações de 1963, arts. 840 - 846, Projeto de Código Civil Brasileiro - Mensagem 634/75 - arts. 866-868), assim como a legislação bancária de vários outros países (art. 4º da Lei Francesa de 13.06.41), distinguindo-se, pois, pela sua natureza e finalidade, o depósito bancário tanto do mútuo, como dos demais depósitos irregulares. Do Regime Jurídico dos Depósitos Bancários e o "Plano Collor".

E adiante:

3. Na própria legislação civil brasileira, não há equiparação do depósito irregular ao mútuo, como pretenderam alguns autores, mas, tão-somente, aplicação, por analogia legalmente determinada, das normas do mútuo ao depósito irregular (art. 1.280), que pressupõe a incidência das mesmas, tão-somente, no que couber, sem que haja identificação dos dois institutos, mas simples similaridade. Acresce que o art. 1.280 do CC é norma geral aplicável ao depósito comum de direito civil e que não se aplica sempre e necessariamente ao depósito bancário, que tem características próprias e natureza específica, sendo regido pelo Direito Comercial.

Todas as legislações modernas guardam hoje esse entendimento,

embora reconhecendo o caráter especial desse tipo de depósito, o que não

42 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Obrigações. 2ª parte. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p.224-225.

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exclui, porém, o direito do correntista à devolução dos valores que deposita em

sua conta-corrente.

Por sua vez, levando em consideração os mesmos princípios, Lauro

Muniz Barreto43 distingue o depósito bancário do mútuo e do depósito comum

regido pelo Código Civil, para, em seguida, salientar que, embora transferida a

propriedade da soma depositada para o banco, a mesma fica à disposição do

cliente, "que pode retirá-la, no todo ou em parte, diretamente ou por

pagamentos a terceiros, por meio de ordens ou cheques".

Esclarece ainda esse jurista: “Eis aí o caso típico do depósito bancário

chamado irregular e que tem por objetivo o uso da coisa, pelo depositário e a

restituição do equivalente. O depositário adquire assim a propriedade da coisa

de que pode, pois, dispor jure domine, com a obrigação apenas de restituir o

equivalente”44.

Gilberto Nóbrega45 faz a adequada distinção entre o depósito bancário e

as demais formas de depósito previstas pelo Código Civil e lembra a tradição

do nosso direito de não confundir o depósito irregular com o mútuo, tratando-se

de institutos distintos, embora com aplicação comum de algumas das regras

que sobre ambos podem incidir. E lembra a lição do Prof. Noé Azevedo, que

salientava que, se o depósito irregular se confundisse com o mútuo, não teria o

legislador consagrado a sua existência e, se o fez, é por ter entendido que se

justificava a existência do depósito irregular e especialmente a do depósito

bancário.

Outros estudiosos de direito bancário reconhecem a natureza sui generis

do depósito bancário e salientam que um dos seus resultados é "a

disponibilidade (por parte do depositante) pela criação da moeda escritural ou

bancária".46

43 BARRETO, Lauro Muniz. Depósito bancário. 2.ed. São Paulo: Ed. Leud, 1975.p. 165 44 BARRETO, L.M. op.cit., 1975. p. 171-176. 45 NÓBREGA, Gilberto. Depósito bancário. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1966. p. 23. 46 COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. São Paulo: Ed. Saraiva, 1981. p. 71; ABRÃO, Nelson. Curso de direito bancário. São Paulo: Ed. RT, 1982. p 24-44.

Page 52: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Finalmente, não se verifica no depósito bancário, stricto sensu, a figura

jurídica do mútuo. Não bastasse o exposto pelos juristas citados, é ainda de se

reconhecer que, no depósito bancário não há, como regra, a data do

vencimento. O correntista pode, quando bem lhe aprouver, “sacar” os valores

depositados, sendo que, tratando-se de importância investida, receberá os

valores sem correção.

Nesse muito bem chamado "depósito irregular", o depositante sabe que

o depósito feito será, aí sim, convertido em mútuo pelo banco, que repassará

esse valor a terceiro mutuário.

Page 53: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

5 DA CONFIABILIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO

A atividade das instituições de crédito ou bancárias consiste na recepção

de fundos reembolsáveis do público, com vistas a serem utilizados por conta

própria, bem como concessão de crédito.

Os bancos exercem uma atividade de relevância social na vida nacional,

penetrando e dominando a vida de pobres, de ricos, ora concedendo

empréstimos, ora financiando empreendimentos, incentivando a poupança,

gerindo capitais destinados ao bem-estar social, razão pela qual estão sujeitos

a uma vasta legislação.

Outrossim, a atividade financeira envolve interesses públicos, e estes,

segundo Celso Antônio Bandeira de Mello47, “correspondem à dimensão

pública dos interesses individuais”.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello48:

Princípio, já averbamos de outra feita, "é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. Neste diapasão, pode-se concluir que o art. 192 da Constituição Federal49 indicou e definiu o princípio que rege o Sistema Financeiro Nacional, como aquele "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade...

47 BANDEIRA DE MELO, Celso A. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Ed. RT, 1980. p. 87 48 BANDEIRA DE MELO, Celso A. op. cit.,1980. p.88 49 “Art. 192: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade , será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: [...] I – a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso; [...]”.

Page 54: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Isso significa que a atividade bancária, parte do sistema financeiro,

submete-se essencialmente ao enunciado nesse princípio. Tal fato não

importa, porém, na inobservância de outros princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito.

Estamos nos referindo aos princípios da propriedade privada, da defesa

do consumidor, da isonomia, do não confisco e da segurança jurídica.

A propriedade é um direito garantido na Magna Carta, que tem como um

de seus requisitos primordiais o poder de disposição sobre o bem. Nesse

sentido é que a intervenção na propriedade importa em intervir no direito do

particular, o que só se sustenta em casos em que haja relevante interesse

público envolvido.

A jurisprudência acerca do tema insiste que o Princípio da Propriedade

Privada não pode ser suscitado a fim de justificar o cabimento da restituição em

contratos de depósito bancário. É que esse princípio justifica também a

possibilidade de qualquer outro credor da massa se valer do pedido de

restituição, o que viria a desconfigurar o concurso de credores.

Assim, ao se assegurar a propriedade privada, é essencial que se

assegure também a igualdade de tratamento, expresso pelo princípio do par

conditio creditorum.

Ainda se referindo ao sistema financeiro e à influência direta deste na

vida das pessoas e empresas, com propriedade, comenta Nelson Abrão50:

"Nada pior do que a derrocada do banco e sua situação falimentar, que gera

efeito cascata, atinge outras instituições e leva riscos e insegurança para todo

o mercado..."

A instituição financeira negocia com recursos que pertencem a toda a

coletividade de seus clientes. Há uma pluralidade de interesses envolvidos, e é

50 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 7. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998. p. 292.

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exatamente visando à proteção dessa pluralidade de credores que a

fiscalização da atividade é realizada por um ente estatal.

A Lei 6.024/74 teve como objetivo maior exercer um controle sobre a

atividade das instituições financeiras que atuam no País, captando a poupança

popular, de forma que se pudesse conferir aos depositantes e investidores

maior credibilidade e maior garantia.

Nesse diapasão, ao utilizar-se dos serviços prestados por uma

instituição financeira, o depositante ou investidor com esta entabula um

negócio jurídico que encerra uma relação de consumo. Tal relação nasce não

apenas da habilidade dos bancos em captar seus clientes, bem como da

imperatividade do cidadão de manter seu dinheiro em um banco.

Nos dias atuais, não se pode conceber que uma pessoa, esteja ela em

plena atividade profissional ou não, possa sobreviver ao arrepio do sistema

financeiro. Ninguém guarda dinheiro embaixo do colchão. Todo ser humano

deposita suas economias em um banco, que irá gerenciar aqueles valores e

restituir ao depositante sempre que instado a tanto.

Assim, é inegável que a atividade financeira envolve interesse público,

ao atingir, indiscriminadamente, todos os cidadãos nos mais distantes rincões

do país.

A obtenção de lucros com os investimentos em dinheiro não é vedada,

ao contrário: é amplamente estimulada no país. Um país que tem uma

poupança popular forte é um país no qual há maior circulação de dinheiro,

maior consumo gerando incentivos à produção e, portanto, apresenta maior e

mais ampla circulação de bens e capital.

Diante desse argumento, a proteção da poupança popular é do interesse

de todos, sendo lícita e até mesmo aconselhável a intervenção do Estado no

Page 56: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

âmbito das relações privadas estabelecidas entre o cidadão depositante e o

banco depositário de valores.

5.1 Da relação entre o banco e o correntista

Como foi dito no capítulo anterior, o depositante e o investidor, ao

utilizarem os serviços prestados por instituição financeira, entabulam um

negócio jurídico que encerra relação de consumo, que nasce principalmente da

necessidade de o cidadão manter seu dinheiro em banco.

Em conseqüência disso, os contratos bancários sujeitam-se às normas

do Código de Defesa do Consumidor. Essa questão também já mereceu muito

debate entre os juristas brasileiros.

A celeuma foi tão grande que culminou na edição da súmula 297 do STJ

que dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às Instituições

Financeiras”.

Atualmente, a questão relativa à aplicação do Código de Defesa do

Consumidor aos contratos bancários encontra-se sedimentada na

jurisprudência brasileira.

Afinal, dispõe o parágrafo 2º do art. 3º. da Lei 8.078/90 que: “Serviço é

qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,

inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as

decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

O depositante, ao fazer um depósito bancário, acredita que possui duas

opções: a primeira é manter, indefinidamente, o depósito de seus recursos,

enquanto deles não necessitar. A segunda é sacar, a qualquer momento, os

recursos depositados, quando assim o desejar.

Page 57: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Em ambos os casos, a devolução ao depositante deve ser feita ad

nutum, não cabendo nem mesmo questionar as aplicações de prazo certo, pois

nesses casos, a imediata devolução do capital aplicado é feita, ainda que com

perda dos rendimentos.

Assim não pode prevalecer o entendimento de que o depositante

transfere a propriedade de seus recursos para o banco, isso porque a vontade

do cliente de transferir a titularidade de seus recursos, não pode ser presumida,

diante dos princípios constitucionais do não confisco e da plena propriedade.

Uma eventual transferência de propriedade no depósito bancário

consistiria em verdadeira afronta ao princípio constitucional da proteção ao

consumidor, pois, possibilitaria enriquecimento sem causa, onerando de forma

absoluta o depositante consumidor do serviço bancário, e retirando a

segurança do depositante ou investidor, que o legislador buscou proteger não

só com a Lei 6.024/74, mas também com a Lei 8.078/90.

Afinal, não se pode admitir que um cidadão que tenha acumulado algum

valor oriundo da venda de seus bens ou do próprio suor de seu rosto deposite

seu dinheiro em um banco, sabendo que a propriedade está sendo transferida

ao banco, sem a exigência de qualquer garantia.

Dessa forma, se o depositante não desejou nem sabia da transferência

da titularidade do dinheiro, porque não era razoável nem racional que assim

entendesse, deveria ser previamente cientificado, em cláusula bem destacada,

quer em comunicado escrito do banco, quer no contrato de abertura de conta,

desta condição grave, que, sem dúvida, interfere e compromete a vontade de

contratar, conforme determina o art. 6º, III e IV, do Código de Defesa do

Consumidor51.

51 “Art. 6. : São direitos básicos do consumidor: […] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Page 58: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Um argumento final: o art. 54, § 4º, do referido Código estabelece que,

nos contratos de adesão, as cláusulas que implicarem limitação de direito do

consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e

fácil compreensão, o que não se verifica nos contratos bancários.

5.2 Da autonomia do banco na gestão de quantia depo sitada

Uma questão que surge para sustentar a tese da transferência de

propriedade dos valores objeto de depósito bancário é que o correntista não

possui qualquer ingerência sobre os valores que deposita no banco. Não

interessa a ele conhecer o destino que o banco dará ao seu dinheiro. De outro

norte, não lhe cabe definir se o dinheiro que entregou ao banco será utilizado

para a realização de operações financeiras, empréstimos ou aplicações; estas

decisões são tomadas independentemente da vontade ou concordância do

depositante.

Assim, nesse sentido é que uma parte da doutrina sustenta que, caso

não houvesse transferência ao banco da propriedade do dinheiro, seria

impossível à instituição financeira a utilização dos valores depositados para o

exercício de sua atividade fim, que é a circulação de recursos.

Nesse sentido é a lição de Aramy Dorneles da Luz52, apud Arnaldo

Rizzardo:

Se há um contrato de conta corrente vinculado ao depósito, o lançamento, na coluna haver, do valor depositado apaga sua identidade, entra no jogo de compensação com outros créditos e débitos e não subsiste mais que uma só massa patrimonial que tem a representá-la o saldo disponível. Perde, por esta forma, sua característica de coisa autônoma, individuada, para se transformar

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; [...]”. 52 RIZZARDO, Arnaldo. Negócios jurídicos bancários. São Paulo: Ed. RT, 1996. p. 76.

Page 59: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

numa entidade abstrata chamada crédito. Nessa desfiguração ou configuração nova é que se pode considerar que o valor depositado passa à propriedade do depositário e, isso mesmo, é preciso aprofundar a compreensão de como se dá esta aquisição.

Como o banco tem plena disponibilidade sobre os valores depositados,

ao depositante cabe apenas o direito de crédito desse valor, crédito esse que

se equipara ao dos demais credores quirografários, razão pela qual se submete

a par condicio creditorum.

A falência está sujeita ao princípio da igualdade entre os credores no

rateio do ativo. E, assim sendo, a desintegração da massa é medida

amplamente combatida no direito falimentar.

Assim é que as restituições antecipadas somente deveriam ser

admitidas nas hipóteses taxativamente previstas em lei. Como já explanado,

durante muito tempo combateu-se a possibilidade de restituição de dinheiro, ao

fundamento de que, ao se permitir a restituição, estar-se-ia violando a

igualdade dos credores e, assim, o princípio maior do direito falimentar estaria

sendo ferido.

Esta questão tomou corpo e culminou na edição da súmula 417 do STF:

“Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido

recebido em nome de outrem, ou do qual por lei ou contrato, não tivesse ele a

disponibilidade”, que será analisada no próximo capítulo.

Page 60: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

6 DA ORIGEM DA RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO – SÚMULA 417

A questão que bateu às portas dos tribunais, e que, após anos de

debates, culminou com a edição da Súmula 417 do STF, é oriunda dos pedidos

de restituição aforados pelos Institutos de Previdência, referindo-se ao repasse

das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e ainda em

poder da falida, quando da sentença declaratória de falência.

Sustentava-se que a retenção dos valores devidos à Previdência Social,

descontados dos empregados e não repassados, seria objeto de crime de

apropriação indébita perpetrada pelo empresário. Esse crime, atualmente

definido no art. 168-A do Código Penal, encontra-se tipificado da seguinte

forma:

“Art. 168 A: Deixar de repassar à Previdência Social as contribuições

recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional [...]”53.

Assim, o sujeito ativo é o empresário e o passivo o erário público. Isso

porque considera-se que os valores descontados do empregado pertencem ao

Instituto de Previdência, que pode reivindicá-los, em defesa de sua

propriedade.

A respeito, veja-se o disposto no art. 33 parágrafo 5º da Lei 8.212/91:

“Art. 33 (...)

Parágrafo 5º: O desconto da contribuição e de consignação legalmente

autorizadas sempre se presume feito oportuna e legalmente pela empresa a

isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do

recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de

receber ou arrecadou em desacordo com o disposto nessa lei”.

53 Artigo inserido no Código Penal pela Lei 9.983, de 2000.

Page 61: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Há, portanto, a presunção iuris tantum de que os valores foram

descontados pelo empregador de seus empregados e internados na empresa

falida, incumbindo pois, à falida, a desconstituição da presunção legal,

utilizando-se, para tanto, dos meios de prova conhecidos e admitidos em nosso

ordenamento.

Não obstante, aponte-se ainda que a previsão da contribuição dos

trabalhadores devidas para o fundo de custeio de seus benefícios

previdenciários54 é de relevante interesse social e está em consonância com o

disposto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.55

Não é possível, portanto, sujeitar as contribuições previdenciárias

descontadas dos salários e retidas pelo empregador ao concurso de credores,

sequer em relação aos créditos acidentários ou trabalhistas, porque tais valores

não pertencem à massa falida, como o são, “v.g”, os créditos quirografários.

Cada objeto deve caber dentro de seu próprio instituto, portanto, devem ser

entregues à Previdência Social, com prioridade absoluta, efetivando-se antes

de qualquer crédito.

Ainda que o art. 151 da Lei n. 11.101/2005 determine que os créditos

trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 (três) últimos

meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários

mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade de caixa,

não possui, este dispositivo, o condão de alterar a natureza extraconcursal do

crédito da Previdência Social, posto que tais pagamentos são considerados

mera antecipação, já que o valor atualizado será deduzido no pagamento final

do crédito a que faz jus o trabalhador.

54 “Art. 195: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] Parágrafo 5º.: Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. 55 “Art. 5º LICC: Na aplicação da Lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Page 62: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Esta natureza extraconcursal do crédito previdenciário está amparada no

instituto da propriedade, uma vez que os valores descontados dos

trabalhadores pertencem, efetivamente, ao Instituto de Previdência, sendo o

empregador mero depositário dos referidos valores.

Esta conclusão originou-se dos recursos apresentados por intermédio do

Tribunal do Distrito Federal, RE 24.015, de 11.12.1953, de relatoria do Ministro

Orosimbo Nonato; RE 24.471, de 04.01.1954, de relatoria do Ministro Barros

Monteiro e do ERE 24.471, de 17.10.1958, de relatoria do Ministro Vilas Boas.

Consta da ementa do RE 24.015, de 11.12.1953, a idéia de que os

institutos de previdência agem como mandatários legais. Discutiu-se se o art.

102, parágrafo 2º, do Decreto 7.661/4556 teria ou não revogado o art. 9º do

Decreto 65/3757.

Concluiu-se que o preceito do art. 9 do Decreto-Lei 65/37 constitui regra

especial que pode, nos melhores ramos do direito – da doutrina e da lei positiva

– subsistir com a regra geral posterior que não aludia à hipótese discutida.

O acórdão referiu-se a um pedido de restituição de valores devidos pela

massa falida da Casa Freitas Tecidos e Confecções ao Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Industriários. O Instituto sustentou que seu

crédito junto ao falido era especial, na medida em que era constituído por

valores oriundos de descontos dos empregados. Nesse sentido, o empregador

ficaria encarregado de tal arrecadação em virtude de um mandato legal e,

portanto, agiria como mandatário. As quantias assim descontadas teriam

caráter de depósito, e jamais se incorporariam ao patrimônio da massa.

56 “Art. 102, par. 2º. Decreto-Lei 7.661/45: Têm privilégio especial: [...]”. Art. 102, par. 3º. Decreto-Lei 7.661/45: Têm privilégio geral: [...] II – Os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadorias e Pensões, pelas contribuições que o falido dever. 57 “Art. 9 Decreto 65/37: São reputados privilégios nos processos de falência, concordata o concurso de credores, os créditos de Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, incluídos, porém, como reivindicantes em relação às quantias recebidas pelos empregadores de seus empregados”.

Page 63: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Os empregadores, nesse caso, seriam como que verdadeiros

depositários, cabendo, pois, o pedido de restituição, sendo que, cabendo o

pedido de restituição, esse crédito não se confunde com o crédito reconhecido

na Justiça do Trabalho.

Assim, das importâncias descontadas dos salários pelo empregador

para o Instituto, é ele simples depositário, o que atende à realidade jurídica.

Nesse caso, o acórdão só não reconheceu ao Instituto o direito à

restituição porque não houve nenhuma quantia arrecadada; porque considerou

que a arrecadação seria requisito essencial da restituição. Assim, o pleito era

de que, reconhecida a propriedade do Instituto de Previdência sobre o dinheiro,

a massa entregasse ao Instituto um bem destacado, cujo valor correspondesse

ao valor devido ao referido Instituto, por ter se operado a sub-rogação.

O Ministro Orozimbo Nonato, em seu voto, integralmente acompanhado

pelos demais, inicialmente destaca que o dinheiro é fungível e irreivindicável,

porém, reconhece a possibilidade de individuação e, por conseguinte, da

reivindicação, ao citar Trajano de Miranda Valverde58:

Objeto do pedido de restituição, quer fundado em direito real, quer em contrato, há que ser coisa corpórea móvel ou imóvel, (corpus certum) arrecadada em poder do falido, a qual deverá ser designada por seus sinais característicos, se é móvel, pela sua situação e confrontações se é imóvel... As coisas fungíveis, não tendo individualidade própria (espécie), não podem, em regra, ser reivindicadas. Abre-se exceção se se tornam identificáveis, ainda na lição aludida, verbis: Mas, desde que se não tenham confundido com as coisas do mesmo gênero e sejam identificáveis, já podem ser objeto de restituição. O próprio dinheiro corrente, se passa de gênero a espécie, o é, assim, identificável, pode, como é sabido, ser objeto de reivindicação: se quidem peoun extat, vindicare e cun potest.

58 VALVERDE, T. de M., op. cit., 1948, vol. I, p. 455.

Page 64: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Depreende-se de suas citações, como já dito alhures, que o Ministro

admite a possibilidade de reivindicação, por exemplo, quando se trata de coisa

consignada a título de mandato.

A amparar tal tese, pontua Nelson Abrão59:

Entretanto, fica a observação fulcral no sentido da compreensão do espírito que norteia o instituto, dando como regra da conditio sine qua son, o pressuposto da arrecadação para o ensejo da restituição, contrariamente a isso estaria havendo distorção da instrumentalidade, uma vez que o interessado não concorreria ao concurso e obteria, de forma antecipada, aquilo pretendido, retirando da massa algo que poderia ter espaço e conceito na representação de seu ativo.

No ano seguinte, a questão foi novamente submetida à apreciação da

Suprema Corte através do RE 24.471 de 04.01.1954.

Nesta ocasião, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários

sustentou que a restituição é não apenas possível, mas também representa um

direito do credor.

Apesar disso, foi negado o pedido de restituição, ao fundamento de que

tais quantias não haviam sido arrecadadas pelo síndico. A idéia de que o

cabimento da restituição é condicionado à arrecadação foi, novamente,

levantada pelo Relator.

Nesse caso, também o parecer do Procurador Geral da República foi

pelo acolhimento do recurso, entendendo que a quantia descontada dos

empregados teria ficado sub-rogada em outros bens da massa, não importando

que não se tivesse arrecadado nenhum valor em espécie.

No voto, porém, o relator considerou irretorquível o direito do Instituto de

Previdência à restituição, apesar de não ter sido encontrado dinheiro em poder 59 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar – revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 225.

Page 65: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

da massa. Ressaltou que, “inexistindo em poder do falido a coisa a restituir,

deve-se reduzir a dinheiro outros bens da massa, aos quais, por certo, foram

sub-rogadas as quantias descontadas e não recolhidas aos cofres do Instituto

de Aposentadoria e Pensões.”

O Ministro Afrânio Antônio da Costa acompanhou o voto, porém o

Ministro Nelson Hungria divergiu, sustentando que “há um depósito em

dinheiro, que a lei civil expressamente considera mútuo. [...]. E tanto a

obrigação de restituir, no caso, é idêntica à que ocorre no caso de mútuo, que a

lei prevê o pagamento de juros moratórios.

Em seu voto-vista, o Ministro Mário Guimarães distingue os dois tipos de

contribuições devidas aos Institutos de Previdência: aquelas de

responsabilidade do empregador e aquelas de responsabilidade do

empregado. Quanto às contribuições devidas pelo empregador, tratam-se de

valores com privilégio geral, nos termos do parágrafo 2º, já citado. No entanto,

com relação aos valores descontados dos empregados, admite a restituição

quando tenham sido encontrados e arrecadados valores em poder do falido.

Não obstante, conclui que, se não foi arrecadado dinheiro algum, a restituição

não é possível, de forma que os créditos ficariam transformados em dívidas,

certamente privilegiadas, porém, não passíveis de restituição.

O Ministro Nelson Hungria retificou seu voto, vindo a acompanhar o

Ministro Mário Guimarães. E o Ministro Ribeiro da Costa acompanhou Nelson

Hungria, com o adendo do Ministro Mário Guimarães.

O fato é que, portanto, ficou definido, a partir desse julgamento, que,

embora a restituição em dinheiro seja possível, para o deferimento da

restituição é imprescindível que quantias em dinheiro tenham sido arrecadadas

pelo síndico, exatamente como havia sido decidido no RE 24.015,

anteriormente comentado.

Da decisão, o Instituto de Previdência interpôs Embargos Declaratórios.

E foi por ocasião do julgamento desses embargos que o Instituto de

Page 66: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Previdência teve reconhecido o seu direito à restituição das parcelas

descontadas dos empregados pelo empregador. Assim, o Supremo Tribunal

Federal reconheceu, em sede de Embargos Declaratórios em Recurso

Extraordinário, que os créditos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões,

pelos valores descontados dos empregados, tem privilégio geral e devem ser

restituídos porque o falido as retinha como depositário, não importando que a

res não mais existisse em poder do falido, e aplicando a regra segundo a qual

a inexistência da res autoriza a conversão em dinheiro.

O acórdão estabeleceu ainda que, não havendo dinheiro na massa,

dever-se-ia fazer pronta conversão de bens da massa em dinheiro, para que a

entrega fosse de pronto efetuada.

A partir de então, passou-se a reconhecer a possibilidade de restituição

em dinheiro, nos casos de falência, ainda que nenhum dinheiro tenha sido

arrecadado em poder do falido, o que levou à edição da súmula 417, já

referida.60

Assim, o falido recebe dinheiro em nome de outrem – que é o

depositante. Esse dinheiro pode, sim, ser objeto de restituição.

Pode-se ainda entender essa súmula da seguinte forma: é possível

restituir dinheiro do qual, por lei ou contrato, não tem o falido a disponibilidade.

De qualquer forma, entendemos que a decisão acerca da destinação do

dinheiro depositado no banco é característica da transferência da

disponibilidade e não da transferência da propriedade.

Ao depositante compete a boa escolha do estabelecimento bancário,

uma vez que entrega o dinheiro em depósito a prazo ou sem prazo, já sabendo

do uso que o banco fará e do risco de sua restituição.

60 Súmula 417 STF: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.

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Grande parte da doutrina sustenta61, não sem algum fundamento, que o

depositante ou aplicador quando busca o estabelecimento bancário para

depositar ou aplicar seu dinheiro, assume o risco dessa sua escolha. Se não

fosse assim, todo mundo aplicaria suas economias no banco, que pagasse as

melhores taxas, confiando em que na hipótese de falência dele, como se deu

aqui, poderia pedir a restituição do seu numerário. Aliás, diga-se, porque

pertinente, que não há regime capitalista sem risco. Se o depositante passa às

mãos do banco seu dinheiro, sequer lhe interessando saber o que dele será

feito, assume, integralmente, os riscos dessa operação e, no caso da falência

do Banco, é desse credor, devendo concorrer com o seu crédito nos termos da

lei de falências.

61 Cf. especialmente, Nelson Abrão e Aramy Dornelles da Luz.

Page 68: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

6.1 Da propriedade do dinheiro depositado em conta- corrente

O dinheiro entregue à Instituição bancária pelo cliente não é doação e a

possibilidade de o banco aplicá-lo ou geri-lo, como melhor lhe aprouver, não

lhe transfere a titularidade, que permanece com quem o depositou. É que,

embora o banco tenha a disponibilidade física da moeda ou disponibilidade de

fato, não detém a disponibilidade jurídica, ou seja, não pode dispor daquela

quantia que alguém lhe confiou.

Assim, o depositante sempre continuará titular do poder de troca

representado pelo valor depositado.

Trata-se de um direito “de fácil verificação a sua existência e de cômoda

apuração o vínculo real” e, portanto, perfeitamente cabível a restituição.

Entende Silva Pacheco62 que é injurídica, imoral e insana defender uma

teoria segundo a qual o perecimento do direito de propriedade ocorre

simplesmente porque o dinheiro é bem fungível e não pode ser individuado.

A questão acerca da ausência de transferência de propriedade aos

bancos no depósito bancário encontra amparo legal no art. 17 da Lei 4.595 de

31 de dezembro de 1964, que dispõe:

“Art. 17 – Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da

legislação em vigor, as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que tenham

como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de

recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou

estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor,

equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam

62 PACHECO, J. da S., op. cit., 1997.

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qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou

eventual”.

Assim, na própria definição legal de instituição financeira encontra-se

fundamento à conclusão de que os valores custodiados são de propriedade de

terceiros. Como se depreende da simples leitura do dispositivo supra, em

nenhum momento a lei reconhece que os valores depositados tenham sido

transferidos ao banco. Ao contrário: verifica-se, na legislação específica, que o

banco é aquela empresa que custodia valores de terceiros.

Nem mesmo a questão dos juros e correção monetária poderiam levar a

conclusão diversa. É que os recursos são atualizados monetariamente, como

forma de se evitar a desvalorização do dinheiro. A atualização monetária não

representa acréscimo de capital e, sim, a manutenção do status da coisa (no

caso dinheiro) depositada.

Da mesma forma, os juros representam a remuneração pela utilização

do capital do terceiro-depositante. É a contraprestação paga pelo banco pela

utilização de um bem que lhe foi entregue e do qual o banco está se utilizando

para o exercício de suas atividades econômicas. Uma forma de se

recompensar o depositante por ele ter cedido a disponibilidade de seu dinheiro

a um banco e não importa em assunção de qualquer risco.

A assunção de risco ocorreria caso houvesse a possibilidade de ganhos

e perdas reais, situação inexistente no caso.

Os recursos captados pelos bancos são repassados a terceiros, pessoas

físicas e jurídicas, utilizando-se operações de crédito, como, por exemplo, os

contratos de mútuo, as cédulas de crédito e os contratos de abertura de crédito

em conta-corrente.

Os juros pagos pelos devedores ao banco são superiores àqueles pagos

pela instituição bancária aos seus clientes. É que a diferença deve fazer frente

aos custos do banco, folha de pagamento, encargos sociais, impostos, lucro da

Page 70: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

instituição bancária, etc. Além disso, a atividade bancária visa exatamente a

promover a circulação de valores monetários e a intermediação desses valores

junto à sociedade em geral.

José Afonso da Silva63 salienta que "da rigidez constitucional emana,

como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição, que

no dizer de Pinto Ferreira, é reputado como uma pedra angular, em que

assenta o edifício do moderno direito político".

Para a boa interpretação constitucional, segundo Michel Temer64, "é

preciso verificar, no interior do sistema, quais as normas que foram

prestigiadas pelo legislador constituinte ao ponto de convertê-las em princípios

regentes desse sistema de valoração".

O ponto nuclear, no caso, é questionar o entendimento de que, no

contrato de depósito, o depositante transfere a coisa ao depositário, logo, o

crédito dos depositantes equipara-se aos dos credores quirografários, ficando,

então, vedadas as restituições antecipadas.

A origem desse entendimento distorcido, segundo escreveu Aramy

Dornelles da Luz65, "encontra-se no artigo 1280 do Código Civil, atrelador do

depósito irregular à disciplina do mútuo, o qual tem no preceito do artigo 1257,

que é específico, a definição do efeito transferência de domínio".

São essas as suas palavras:

A rigor, quem deposita dinheiro no Banco pensa em colocá-lo em lugar seguro, por isso não o deixa embaixo do colchão... Logo, o depositante, ao efetuar o depósito, tem em mente a custódia, que resulta apenas na transferência da posse direta. Nada autoriza admitir-se que em um contrato de depósito bancário haja manifestação de concordância sobre a transferência de domínio do

63 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Ed.RT, 1992. p. 45 64 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 25 65 Referências ao Decreto 7.661/45.

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dinheiro. Tampouco pode-se pensar constar de seu conteúdo implícito acordo.66

Arnaldo Rizzardo67 assinala que

Opera-se a transferência da posse direta, mas não a transferência do domínio direto. Sendo inerente ao depósito a obrigação de restituir, é porque não se adquire o domínio sobre o bem depositado... Não há proibição do uso e do consumo, mas sem resultar forçosamente uma transferência de propriedade.

A questão está em se definir sobre se, ao fazer o depósito, a prazo fixo

ou não, o depositante transferiu a propriedade do seu dinheiro para o banco. A

resposta é não.

Nem mesmo presumidamente seria possível admitir que o depósito

irregular transfere a propriedade do bem ao depositário, seja em face do que se

contém na Lei 6.024, de 1974, seja em razão do disposto na Lei de Proteção

ao Consumidor (Lei 8.078/90). Tal entendimento poderia enquadrar o depósito

bancário como até mesmo uma doação.

Nem mesmo se pode dizer que não é possível restituir a própria coisa.

Pode, em razão mesmo de sua fungibilidade.

A Constituição da República assegura ao cidadão o respeito à

propriedade de seus bens, materiais ou imateriais, e o respeito ao consumidor

naturalmente hipossuficiente frente às grandes organizações existentes no

mercado atual globalizado.

No Sistema Financeiro Nacional vige a Lei n. 6.024/74, cujo propósito

maior é o controle das instituições financeiras que atuam no País, captando a

66 LUZ, Aramys Dorneles da. Negócios jurídicos bancários. 2. ed. reformulada São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 1999. p.92-95. 67 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de créditos bancários. 5. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 33.

Page 72: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

poupança popular, sendo seu objetivo o de dar maior credibilidade ao sistema

financeiro e maior garantia aos depositantes e investidores.

Ainda que se possa considerar o depósito bancário um depósito

irregular, em que há transferência da propriedade, como já levantado neste

estudo, as limitações a essa transferência desautorizam tal conclusão.

É que, como vimos, a disponibilidade do depositante prevalece sobre a

do banco. Sobre as características essenciais do depósito bancário, elucida

Nelson Abrão68:

O contrato de depósito bancário tem como características essenciais ser real e unilateral. Real, porque só se aperfeiçoa com a efetiva entrega do dinheiro ou seu equivalente ao banco. Tal entrega é o elemento constitutivo do negócio, iniciando-se com ela os efeitos próprios do contrato, a transferência da propriedade do dinheiro do depositante ao banco e a obrigação deste último à restituição.

Tais lições coadunam-se com os ensinamentos de Pontes de Miranda69

que afirma:

"Objeto e Natureza de depósito bancário - [...] O banco vincula-se a

restituir a quantia, no mesmo gênero e qualidade, e não a restituir com as

mesmas cédulas ou, sequer, do mesmo valor (e.g., em cédulas de mil

cruzeiros) [...]".

O contrato de depósito bancário é uma mistura de depósito e mútuo,

mas, com tais particularidades, que se torna impraticável a aplicação das

disposições concernentes aos dois contratos. Rege-se, realmente, por normas

próprias, não sendo possível a aplicação dos arts. 1.257 e 1.280, do Código

Civil.

68 ABRÃO, Nelson, op. cit., 1993, p. 215. 69 PONTES DE MIRANDA, op. cit., 1960, p. 216.

Page 73: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Na hipótese, pois, a instituição bancária equipara-se à guardiã do

dinheiro do correntista, não havendo que se falar em transferência de

propriedade da coisa depositada, vez que a depositária teria apenas o gozo

desse bem.

Não havendo transferência da propriedade do dinheiro em contrato de

depósito, o depositante não é credor do banco, logo, na falência deste, o

dinheiro tem que ser devolvido aos correntistas, sob pena de configurar-se

ofensa ao princípio constitucional que regula o Sistema Financeiro Nacional,

indicado no caput do art. 192 da Constituição da República.

Na realidade, não há como adotar-se outro entendimento, que

equivaleria a um indevido apossamento do dinheiro alheio e tiraria toda a

garantia que deve existir no sistema bancário, sob pena de retroagirmos àquela

época em que o cidadão guardava o seu dinheiro debaixo do colchão, em face

dessa insegurança.

Também a respeito já vem se manifestando a nossa jurisprudência:

"EMENTA: FALÊNCIA - RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO - DEPÓSITO

BANCÁRIO.

O depósito bancário, embora irregular, não transfere o valor à

propriedade do Banco, que tem a obrigação de devolvê-lo ao titular assim que

solicitado, nos termos do contrato. À cooperativa de crédito aplica-se a mesma

conclusão.

Eventual quebra ou intervenção não exime a Cooperativa de devolver os

depósitos aos correntistas ou aplicadores, não sendo cabível a suspensão das

ações para esse fim ajuizadas, por não se sujeitarem à mesma.

"A regra do art. 1.266 do Código Civil aplica-se também ao depositário

judicial, que se obriga 'a ter na guarda e conservação da coisa depositada o

cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence'". (Relator:

MINISTRO BARROS MONTEIRO. Acórdão: AGA 59460/RS. RSTJ, v. 91, p.

331).

Page 74: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Efetivamente, a regra contida no artigo 1.266 do Código Civil aplica-se

também ao banco depositário, que se obriga "a ter na guarda e conservação da

coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence".

Sendo o depósito em dinheiro, o banco há de diligenciar para devolver o

valor ao depositante quando lhe for solicitado. Como vimos, a disponibilidade

do banco e a do correntista são simultâneas, de modo que, em caso de quebra

do banco, os valores de terceiros em depósito não devem ser atingidos pela

quebra.

Isto porque uma decisão assemblear não pode prejudicar o direito de

propriedade constitucionalmente protegido, e não exclui o direito líquido e certo

da minoria.

6.2 Da individuação dos valores depositados em cont a-corrente

De um lado, sustenta-se que o cabimento do pedido de restituição na

falência de Instituições Financeiras fica comprometido em razão da

fungibilidade do dinheiro, característica que o torna impossível de ser

destacado da massa falida, requisito essencial do cabimento da restituição.

A atividade bancária, objeto social de empresas regularmente

constituídas, deve ser autorizada pelo Banco Central do Brasil, nos termos do

disposto no art. 10 da Lei 4595/64, in verbis:

“Art. 10: Compete privativamente ao Banco Central do Brasil:

[...]

X – Conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que

possam:

a) funcionar no País;

[...]”.

Page 75: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

É a partir dessa autorização que a empresa fica habilitada a atuar no

mercado e a captar a poupança popular.

Tendo em vista a relevância e a abrangência da atividade, conforme

análise constante do capítulo 4, item 4.1.1, além de manter rigorosa

fiscalização sobre os bancos, a lei exige, para o funcionamento da instituição, a

disponibilização de um capital mínimo, destinado não apenas à compra de

móveis e imóveis para instalação de agências, mas também à concessão de

empréstimos de recursos próprios.

A captação de recursos de terceiros encontra-se prevista no art. 17 da

Lei 4.595/64, in verbis transcrita:

“Art. 17: Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da

legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham

como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de

recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou

estrangeiram e a custódia de valor de propriedade de terceiros ”. (sem grifos

no original)

Ademais, os recursos captados junto a correntistas-depositantes devem

ser contabilizados, de forma discriminada e individualizada, nos termos da

legislação pertinente.

A título de esclarecimento, trazemos à colação trechos do COSIF -

PLANO CONTÁBIL DAS INSTITUIÇÕES DO SISTEMA FINANCEIRO

NACIONAL N. 39, de 05 de abril de 1999, editado pelo Banco Central do

Brasil70, que demonstra como deve ser feita a escrituração e o registro dos

valores depositados em instituição financeira:

“Título: Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional –

Cosif

70 Disponível em www4.bcb.gov.br. Acesso em: 08 out. 2008.

Page 76: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Capítulo: Normas Básicas – I

Seção: Recursos de Depósitos, Aceites Cambiais, Letras Imobiliárias e

Hipotecárias, Debêntures, Empréstimos e Repasses – 12

1 – Depósitos a vista:

1 – Conceituam-se como de livre movimentação os depósitos à vista

mantidos por pessoas físicas e jurídicas de direito público e privado. Para fins

deste Plano, consideram-se também como depósitos à vista os saldos das

contas DEPÓSITOS VINCULADOS, CHEQUES MARCADOS, CHEQUES

SALÁRIO, CHEQUES DE VIAGEM, DEPÓSITOS JUDICIAIS, DEPÓSITOS

OBRIGATÓRIOS, DEPÓSITOS PARA INVESTIMENTOS, DEPÓSITOS

ESPECIAIS DO TESOURO NACIONAL, SALDOS CREDORES EM CONTAS

DE EMPRÉSTIMOS E FINANCIAMENTOS, bem como depósitos à prazo não

liquidados no vencimento.

[...]

8 – Os saldos devedores em contas de depósito devem ser inscritos

diariamente pelo valor global em ADIANTAMENTO A DEPOSITANTES, do

subgrupo Operações de Crédito, devendo ser novamente levantados a

Depósitos no dia útil imediato.

2 – Depósitos a prazo

1 – Os depósitos a prazo, com ou sem a emissão de certificado, quando

não liquidados no vencimento, devem ser transferidos imediatamente para

DEPÓSITOS VINCULADOS.

2 – Os controles contábeis e extracontábeis devem permitir a apuração

da exata posição dos depósitos captados, valores, depositantes, vencimento e

despesas apropriadas em cada período mensal.

3 – Depósitos de Poupança

1 – Por ocasião dos balancetes/balanços a instituição deve proceder ao

registro dos encargos “pro rata temporis” relativos ao período compreendido

entre a data do depósito ou o “dia do aniversário” de cada conta e a data do

balancete/balanço.

2 – As despesas de depósitos de poupança a incorporar devem ser

registradas nas adequadas contas de depósitos de poupança, mediante o

controle em subtítulos de uso interno.

Page 77: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

3 – Os controles contábeis destinam-se a permitir a verificação da exata

posição dos depósitos da instituição a cada movimentação, com a identificação

dos depositantes, valores captados, encargos apropriados em cada período de

competência e retiradas efetuadas. [...]”.

Consta ainda das normas referentes ao assunto que a instituição

bancária deve emitir demonstrativos e extratos dos recursos depositados,

enviando-os aos seus titulares, mensalmente:

“Manual de normas e Instruções do Banco Central do Brasil n. 1.527, de

25 de setembro de 2000.

1 – é vedada às instituições financeiras e demais instituições autorizadas

a funcionar pelo Banco Central do Brasil a cobrança de remuneração peça

prestação dos seguintes serviços: [...]

a) fornecimento de um extrato mensal contendo toda a

movimentação do mês (Res. 2303, art. 1º a VI; Res. 2747, art. 2º)”

Acrescente-se ainda que, anualmente, a instituição deve emitir

demonstrativo especial dos recursos financeiros depositados para que os

correntistas-depositantes possam incluir na declaração de seus rendimentos os

recursos de sua propriedade custodiados pelo banco:

“Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal no. 121, de 28 de

dezembro de 2000

“Estabelece normas para a emissão de comprovantes de rendimentos

pagos ou creditados a pessoas físicas e jurídicas, no ano-calendário,

decorrentes de aplicações financeiras, aprova modelo de Informe de

Rendimentos Financeiros e dá outras providências.

Art. 1º. As instituições financeiras, as sociedades corretoras de títulos e

valores mobiliários, as sociedades seguradoras, as entidades de previdência

privada e as demais fontes pagadoras deverão fornecer a seus clientes,

pessoas físicas e jurídicas, informe de rendimentos financeiros, conforme

disposto nesta Instrução Normativa”.

Page 78: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Assim é que, registre-se, os recursos depositados pelos correntistas em

um banco são passíveis de individuação a qualquer tempo, bastando, para

tanto, que se proceda à mais superficial análise dos livros contábeis.

Além disso, é importante destacar que os correntistas-depositantes,

mesmo após a liquidação extrajudicial e a declaração da falência, continuam

apontando, em suas declarações de renda, os recursos de sua propriedade,

que permanecem depositados no banco, nos termos da legislação bancária:

Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n. 123, de 28 de

dezembro de 2000.

“Dispõe sobre a apresentação, pelas pessoas físicas, da declaração de

Ajuste Anual, ano-calendário 2000, exercício 2001.”

Declaração de Bens e Direitos

Art. 13: A pessoa física sujeita à apresentação da Declaração de Ajuste

Anual deverá apresentar relação descritiva dos bens e direitos que, no País ou

no exterior, constituam, em 31 de dezembro de 2000, seu patrimônio e o de

seus dependentes.

Parágrafo único: Fica dispensada a inclusão, na declaração de bens e

direitos:

a) de saldos de contas correntes bancárias, cadernetas de poupança

e demais aplicações financeiras, cujo valor unitário não exceda a R$ 140,00”.

Também a jurisprudência reconhece a plausibilidade da tese, como se

depreende dos seguintes julgados:

“O cidadão que efetua depósitos em dinheiro em instituição

intensamente fiscalizada pelo Estado, o faz na segurança e certeza de reaver

tais valores ao tempo e modo que lhe aprouver, justamente porque recebeu do

próprio Estado garantias quanto ao direito de propriedade, não apenas como

seca previsão literalmente inserta na Carta Maior. Porém, mais do que isso, há

toda uma estrutura legal pormenorizada disposta na lei 4595/64ª dar eficácia

Page 79: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

ao direito, conhecido como um dos fundamentais à manutenção da dignidade

humana: o de propriedade”.

(Acórdão proferido pelo TRF 3ª Região na apelação 95.03.062.744-3, in

SADDI, Jairo; “Intervenção e Liquidação Extrajudicial no Sistema Financeiro

Nacional 25 anos da lei 6.024/74” Texto novo, 1. ed., São Paulo, 1999, p. 204).

“O dinheiro existente em conta corrente não é do Banco mas constitui-se

propriedade do correntista, e o Banco somente pode movimentá-lo para outros

fins quando devidamente autorizado por escrito, não valendo para isso

autorizações de caráter permanente, adesivas e abusivas tomadas do cliente

por ocasião da elaboração de fichas cadastrais ou abertura de conta, bem

como em outras oportunidades”.

(TA/RS, Mandado de Segurança n. 19409283, julgados do TA/RS n. 93,

p. 72/73 in MARINS, James, “Proteção Contratual do CDC a contratos

Interempresariais, Inclusive Bancários”. Revista do Consumidor, v. 18, p. 94-

104).

A garantia à propriedade, pois, é ampla e largamente fundamentada em

nosso ordenamento. Os bens das pessoas – assim como sua liberdade – só

podem ser retirados como conseqüência de um processo na forma legal, onde

se respeitem o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos

a tanto necessários.

Ora, importa lembrar que a contra corrente é a expressão do bolso do

cidadão, que a caderneta de poupança é o sucedâneo do colchão, do pé-de-

meia, do porquinho de barro. A apropriação ou o bloqueio de qualquer delas

atenta contra a propriedade das pessoas, significa tomar-lhes os cordões da

própria bolsa...

Ou alguém haverá que negue o direito líquido e certo que todos têm de

dispor daquilo que possuem no bolso ou debaixo do colchão, que licitamente

foi adquirido? Ou alguém negará que o ato de tomar esses valores, mesmo sob

motivos justificados, necessariamente deve ser precedido de um processo, no

qual se garantisse a ampla defesa, o contraditório, enfim, o due process of law?

Page 80: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Augusto Aras71, jurista baiano, assim se manifesta sobre o tema:

“[...] excepcionalmente, se o caso for de falência da instituição financeira, em tese, haveria a possibilidade de aplicação do Decreto-lei 7.661/45, consoante prevê a Lei 6.024/74, ressalvados os direitos dos correntistas, seus clientes, qualificados pelo CDC como consumidores, que, no nosso entendimento, tem direito ao saque imediato dos seus saldos. A seu turno, o art. 1º. da lei 7492/86 conceitua a instituição financeira como [...] à pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de (vetado) de terceiros, [...].”

Dos ensinamentos desse jurista ressai que o conceito de instituição

financeira, ao menos em sentido penal, é mais restrito que a lei disciplinadora

do mercado financeiro, uma vez que, naquela, somente será assim

considerada a instituição que operar com recursos de terceiros.

A restrição é aplaudida por alguns e criticada por outros. Mas certa ou

errada é inegável que existe, revelando que a lei em comento pretende

proteger, essencialmente, os recursos de terceiros geridos pela instituição

financeira, devido ao seu caráter relevante para a economia do país.

De tal conceituação não diverge Eduardo Luiz Lundberg72, ao afirmar:

Instituições Financeiras tem características distintas das demais empresas. A primeira e mais óbvia diferença é que trabalham com uma mercadoria singular: dinheiro, ou seja, a moeda e a poupança dos indivíduos e das empresas. [...] no caso das instituições financeiras, esse atributo é essencial. Ninguém confia seu dinheiro a um banco se não houver a segurança de que ele será devolvido nas condições pactuadas.

71 ARAS, Augusto. A responsabilidade da União pelos depósitos bancários. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, v. XXXVI, ano 1996, p.173-180. 72 LUNDBERG, Eduardo Luiz, in SADDI, Jairo. Intervenção e liquidação extrajudicial no Sistema Financeiro Nacional – 25 anos da Lei 6.024/74. 1. ed. Texto Novo, São Paulo, 1999.

Page 81: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Apesar disso, ainda há autores, como Walter Álvares73 que sustentam

de forma diversa:

Deve-se ainda indicar que na esfera de relações contratuais muitas hipóteses podem ocorrer como, por exemplo, o caso de conta corrente bancária, cujo saldo não se restitui, na hipótese de falência do banco, pois se constitui crédito quirografário do depositante correntista.

Silva Pacheco74 ensina:

Pode-se pedir a restituição só de coisas no sentido estrito ou de coisas no sentido lato, equivalentes a bens? Antes da resposta, insta fixar se haveria possibilidade de, na prática, ocorrer pedido de restituição de bens que não fossem coisas materiais. Haveria possibilidade de, entre os bens arrecadados, existir dinheiro, papéis, documentos, créditos, direitos de ação, patentes, marcas, dividendos, ações, títulos de crédito, direito autoral, nomes, produtos, frutos, benfeitorias, direito de lavra, de exploração etc. Tudo que, tendo valor, faça parte do patrimônio do falido e não seja inarrecadável o síndico arrecada, quer esteja em seu poder ou em poder de terceiro. São bens incorpóreos os direitos reais sobre objetos e ações correspondentes, os direitos de obrigações ou pessoais e as ações respectivas, os direitos do autor, todos eles arrecadáveis. A palavra bens abrange coisas, direitos reais, pessoais ou obrigacionais, hereditários e autorais de reprodução e exploração, de patentes de invenção, dos desenhos, modelos industrias e projetos. Logo, se a lei quisesse abranger todos os bens e não somente os bens corpóreos, teria usado o termo bens, como o fez em todos os artigos. Se, ao contrário, usou a palavra "coisa", foi para significar que só de objeto material pode ser pedida a restituição, por ser de fácil verificação a sua existência e de cômoda apuração o vínculo real ou contratual, baseado no qual se faz o pedido.

De Plácido e Silva75, em seu Vocabulário jurídico, assim se manifesta

sobre a distinção entre depósito regular e depósito irregular, ressaltando que

essa última qualificação aplica-se ao depósito bancário:

73 ÁLVARES, Walter T. Direito falimentar. São Paulo: Sugestões Literárias, 1966. p. 439. 74 SILVA PACHECO. Processo de falência e concordata. 12. ed. São Paulo: Forense, 1997. p. 415-416 75 DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., 1996.

Page 82: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

O depósito bancário, que se tem também denominado de depósito irregular, não participa, assim, dos mesmos requisitos do depósito comum. Neste, como é de sua substância, a coisa depositada (custodiae causa) deve ser restituída in natura (a mesma coisa). No depósito bancário, permitindo-se o uso da coisa, estabelece-se a restituição em coisa da mesma equivalência. E, por princípio, é o depositário quem paga ao depositante certa vantagem pela entrega da coisa.

Segundo o magistério de Fran Martins76, ao contrário "do que acontece

com o depósito regular, em que a propriedade do objeto depositado permanece

com o depositante, no irregular essa se transfere ao depositário, ficando este

apenas com a obrigação de restituir a coisa", vale dizer, "não a própria coisa

recebida, mas outra do mesmo gênero, qualidade e quantidade", nos termos do

art. 1.280 do Código Civil.

Também o Superior Tribunal de Justiça tem sustentado, reiteradamente,

que "não é dos clientes o depósito que se acha no banco", uma vez que, sendo

irregular, a ele se aplicam as regras do mútuo. "Assim, transfere-se a

propriedade para o depositário, contra quem o depositante passa a ter um

crédito (RESP 98.623 e RMS 7.230)..." (REsp 212.886-MA, Relator o Ministro

Eduardo Ribeiro, julg. em 29/06/2000).

Na mesma esteira dessa orientação pretoriana, por diversas vezes o

Tribunal de Alçada de Minas Gerais reconheceu a viabilidade jurídica, em

execuções promovidas contra instituições bancárias, da penhora incidente

sobre valores que, uma vez depositados pelos respectivos correntistas, caem

na vala comum dos recursos apropriados pelos bancos depositários com a

finalidade de convertê-los em objeto de suas movimentações financeiras, na

mesma medida em que os transformam em créditos dos depositantes.

76 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 464.

Page 83: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Em se tratando de depósito irregular, na medida em que a instituição

bancária, ao receber determinada quantia em depósito, assume o compromisso

de atender às ordens de pagamento emitidas pelo depositante, a doutrina é

quase unânime em reconhecer que esse depósito opera a transferência da

propriedade do dinheiro para o depositário.

O ato de depositar e transferir ao banco a disponibilidade do dinheiro

depositado, circunstância inerente à própria natureza do ajuste celebrado entre

as partes, tem só o efeito de viabilizar a eventual utilização pelo depositante, no

todo ou em parte, do saldo da conta-corrente de que é titular, de sorte que, se

o banco assume o compromisso de devolver o dinheiro do depositante, nas

condições pactuadas, o que esse adquire, pelo depósito, é apenas um crédito

junto ao depositário, crédito que seria desarrazoado equiparar à simples

mercadoria arrecadada e passível de restituição ao falido, nos termos do art. 76

da Lei n. 7.661/45, pois uma coisa nada tem a ver com a outra.

Page 84: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

6.2 Da transferência de propriedade do valor deposi tado em conta

corrente

Sustenta parte da doutrina77 que a cláusula de transferência existe,

ainda que implicitamente considerada. Nessa hipótese, não há dúvida de que a

referida cláusula consiste em vício oculto no serviço prestado, pois induz a erro

aquele que realiza o depósito, já que o depositante não teria nenhuma razão

para imaginar que estivesse, ao realizar um depósito bancário, transferindo a

titularidade do seu dinheiro à uma instituição financeira.

Deve-se esclarecer ainda que, no esteio deste entendimento, o

depositante não poderia alegar o não conhecimento da transferência da

propriedade, pois, esta é prevista nos arts. 627 a 652 do Código Civil, e o art.

3º da Lei de Introdução dispõe que ninguém se escusa de cumprir a lei,

alegando que não a conhece.

Assim é que, para Sérgio Carlos Covello78, "esse contrato, oriundo da

prática bancária, obedece a normas próprias, usos e costumes bancários,

possuindo sem dúvida uma natureza creditícia; torna-se, assim, impossível

enquadrá-lo dentro das figuras clássicas do direito privado. É contrato

autônomo".

Ao lado da tese apresentada acima, grande parte da doutrina79 sustenta

que, com a transferência de propriedade operada pela tradição do dinheiro no

contrato bancário, configura-se a impossibilidade de aplicação do pedido de

restituição na falência.

É que, em sendo o depósito bancário um “depósito irregular”, o

depositário tem a vantagem do uso da coisa, com os direitos de proprietário; e

tanto assim é, que o dinheiro depositado sem individuação nos bancos a título

77 Especialmente Nelson Abrão e Orlando Gomes. 78 COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. São Paulo: Leud, 1983. p. 78 79 Novamente capitaneada por Nelson Abrão, Aramy Dorneles e Orlando Gomes.

Page 85: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

de guarda, passa à sua livre disposição, para que possa ser aplicado no

desenvolvimento de negócios e atividades da instituição.

A fim de ilustrar tal entendimento, trazemos à colação os seguintes

julgados:

EMENTA: FALÊNCIA – RESTITUIÇÃO – Somente versa coisa que

possa ser individuada e identificada (art. 76, par. 1º. E 2º. Da Lei 7661/45). A

restituição do dinheiro estará assim subordinada a individuação das notas ou

do metal que o represente. (Recurso Extraordinário no. 28415 – Arq.

Jud.118/72)

“O Dec. 7.661 de 21 de junho de 1945, exatamente para por um

paradeiro a faculdade com que a massa falida era desfalcada para atender as

reivindicações, delas não mais cuidou, mandando fazer restituição de coisas

arrecadadas em poder do falido, quando fossem devidas em virtude de direito

real ou contrato.

É de ver, porém, a cautela usada pelo legislador em tais restituições,

para por logo de manifesto que a restituição somente compreende as coisas

devidamente individuadas. (art. 76 par 1º e 2º).

A restituição do dinheiro estará assim subordinada à individuação das

notas ou do metal que o represente.”

EMENTA: FALÊNCIA – DEPÓSITO BANCÁRIO – PENHORA –

DEPÓSITO JUDICIAL – Decretada a falência do Banco, os depósitos em conta

corrente bancária incorporam-se à massa falida, devendo os credores reclamar

os direitos deles decorrentes, sujeitos à classificação que lhes couber.

A penhora que recai sobre tais depósitos não lhes altera a natureza nem

os efeitos jurídicos.

Não cabe a ação de restituição para reivindicar depósito irregular

bancário (Agr. No. 461 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Revista

Forense 136/149).

Page 86: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Não obstante os entendimentos acima esposados, é de se melhor

pontuar a questão da individuação dos valores depositados pelos correntistas

nas instituições financeiras, à luz da legislação contábil.

6.2.1 Da penhora na boca do caixa

Outro ponto bastante controvertido acerca da natureza do depósito

bancário relaciona-se à penhora denominada na “boca do caixa”.

Assim, ao deferir-se este tipo de penhora, está-se reconhecendo que os

valores que os depositantes entregaram ao caixa passaram para a propriedade

do banco. Como se sabe, a transferência de propriedade de bens móveis se dá

pela tradição e, portanto, os valores entregues em depósito bancário não são

passíveis de restituição nos termos do disposto no art. 85 da Lei 11.101, de

2005.

Este é o entendimento dominante na nossa jurisprudência, que

prevaleceu na maioria dos casos envolvendo correntistas na falência do Banco

do Progresso. Milhares de pessoas sofreram incontáveis perdas e foram

prejudicadas por decisões judiciais, nesse sentido.

Ilustra o ponto sob comento o julgado a seguir:

EMENTA: (...) PENHORA. BANCO COMO DEVEDOR. DINHEIRO EM

CAIXA. Possibilidade. Inocorrência de ofensa ao art. 620, CPC. Precedente.

Recurso acolhido. (...) Não há ilegalidade na penhora de dinheiro em caixa,

desde que não recaia sobre as reservas técnicas existentes junto ao Banco

Central."

Page 87: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

(Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, acórdão: RESP. nº

98623/MG, decisão em 02/09/1997, in JUIZ Jurisprudência Informatizada

Saraiva, CD- Rom nº 24, 4o trimestre de 2001, Saraiva Data, São Paulo).

Pois bem.

A prevalecer a tese de que o Banco não tem disponibilidade dos

depósitos, obviamente essa penhora não poderia ser deferida.

6.2.3 Da fungibilidade

Acerca de nosso tema, releva abordar ainda a questão da fungibilidade.

Como já explanado, parte da doutrina80 sustenta que a atipicidade do contrato

de conta-corrente reside na responsabilidade do banco de acatar as ordens de

pagamento emitidas pelo depositante.

Nesse sentido, ao realizar um depósito bancário, o depositante transfere

a propriedade do bem ao banco depositário, e passa a ter, com esse, um

direito de crédito.

O dinheiro é o maior dos bens fungíveis, uma vez que sua restituição

dar-se-á sempre por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Não é

possível que, tendo depositado valores em um banco, passados alguns anos

ou meses, quando o correntista pretender receber de volta o que depositou, o

banco venha a lhe restituir o mesmo dinheiro depositado.

O ponto controvertido assenta-se, portanto, na impossibilidade de

restituição do mesmo bem e na imperiosidade de restituição de outro da

80 Cf. SILVA PEREIRA, C.M. op.cit.,1996 p.340-341.

Page 88: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

mesma qualidade, quantidade e espécie, o que implicaria na transferência da

propriedade.

A mesma situação aplica-se a todos os bens infungíveis. Por exemplo:

um cidadão deixou uma caneta Mont Blanc com seu nome gravado em uma

loja da Clássico Jóias para ser consertada. Decretada a falência da Clássico

Jóias, a caneta foi restituída ao seu proprietário antes de se computar o ativo

da empresa, arrecadado pelo síndico.

Nesse sentido é que Waldemar Ferreira fala em “integração” e

“desintegração” da massa falida. É que, antes de se verificar o montante que

integra a massa, é imperativo que dela sejam excluídos os bens de terceiros, a

fim de que se tenha uma idéia exata dos valores a sofrerem o rateio.

No exemplo dado, o bem jamais pertenceu à massa, que, porém,

durante certo tempo teve a sua posse. Não obstante a loja Clássico Jóias

tivesse a posse da caneta, a propriedade sempre permaneceu com o dono.

Neste sentido esclarece Darcy Bessone81:

Em relação às coisas fungíveis, ainda que haja uma relação do tipo das indicadas, elas se incorporam ao patrimônio do falido, que terá a seu cargo apenas a obrigação de restituir outras do mesmo gênero. Neste caso, não caberá pedido de restituição das coisas recebidas. O interessado terá crédito quirografário. É imprescindível no pedido de restituição a individuação da coisa para que, perfeitamente identificada, se saiba o que deve ser restituído.

Os ensinamentos de Bessone não conflituam com os de Valverde82: “As

coisas fungíveis, não tendo individualidade própria não podem, em regra, ser

reivindicadas”.

Essa lição tem ainda mais pertinência, quando o dinheiro arrecadado é,

como no caso presente, absolutamente não identificável. 81 BESSONE, Darcy. Instituições de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 120. 82 VALVERDE, T. de M., op. cit., 1948, p.455.

Page 89: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Não há como se saber se o dinheiro arrecadado pertenceria a "a" ou a

"b", porque foi ele disponibilizado pelo banco falido em empréstimo a

aplicações várias.

Ademais, quando o banco assume a obrigação de restituir ao correntista

um bem da mesma espécie, qualidade e quantidade, o depositante adquire um

crédito junto ao banco. E, tendo crédito, seu crédito será desprovido de

qualquer privilégio, ficando, em eventual falência, relegado ao plano dos

créditos quirografários.

Não se poderia falar, portanto, em ação de restituição de dinheiro em

falência de instituição financeira, uma vez que um dos pressupostos da ação

de restituição é exatamente a propriedade.

Nesse sentido, a lição de Nelson Abrão83:

Não vemos como caber restituição de dinheiro, coisa fungível, não individuada, confundida no patrimônio do falido. A exata interpretação da súmula 417 do Supremo Tribunal há de se amoldar a lição de Miranda Valverde, a ela anterior: o dinheiro, só quando identificável e não confundido no patrimônio da massa, é suscetível de devolução; é o caso, p.ex. de alguém que tenha importâncias em dinheiro nos cofres de aluguel de um banco, de que esse, a teor da aludida súmula, não tivesse a disponibilidade. Não seria o caso de depósito em conta corrente no banco.

83 ABRÃO, N., op. cit., 1997, p. 227.

Page 90: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

7 DA POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO ARREC ADADO EM

PODER DO FALIDO

“Por vários motivos pode a falência encontrar dinheiro de terceiro em

mãos do falido, seja proveniente de contrato de depósito, de mandato, de

comissão mercantil, seja de operação confiada ao falido, que a tendo realizado,

não fez a respectiva prestação de contas”84.

E a via processual adequada para o depositante requerer a restituição é

a prevista no art. 85 da Lei de Falências.

Como já estudado no capítulo 2, como regra geral temos que o pedido

de restituição será cabível quando se pretender a restituição de coisa certa,

identificável e infungível, indevidamente arrecadada por ocasião da

arrecadação.

De fato, tendo-se em vista que um dos requisitos essenciais para tornar

possível a restituição é exatamente a possibilidade de individuação da coisa

arrecadada, levanta-se a questão da possibilidade da restituição de dinheiro.

O dinheiro é um bem fungível, isto é, um bem que poderá sempre ser

substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, conforme

prescrição constante do art. 85 do Código Civil.

Dispõe aquele artigo:

“Art. 85: São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da

mesma espécie, qualidade e quantidade.”

Assim é que muito já se sustentou a impossibilidade de restituição em

dinheiro, em decorrência de sua fungibilidade.

84 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 248.

Page 91: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

A jurisprudência já se debruçou sobre a questão da fungibilidade, tendo

ficado consolidado o seguinte entendimento:

“Fungíveis são as coisas que se contam, se medem ou se pesam, e, não

se consideram objetivamente como individualidades. Infungíveis são as coisas

que, em determinada relação jurídica, são consideradas tendo em vista sua

específica individualidade (STF – RT 806/116).

Nesse sentido, a discussão que se encontra na doutrina reside na

dificuldade de se individuar o bem. Assim, durante muito tempo, discutiu-se a

possibilidade de se admitir a restituição de dinheiro arrecadado em poder do

falido, ao fundamento de que, sendo o dinheiro bem fungível, não admitiria tal

individuação.

A questão só encontrou maior pacificação a partir da edição da Súmula

417 do STF, que dispõe: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro

em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou

contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.

A edição dessa súmula importa em reconhecer a possibilidade de

restituição de dinheiro na falência, dinheiro este que não tenha sido

incorporado ao patrimônio do falido. São os casos em que, apesar de este ter a

disponibilidade física da moeda, ou a disponibilidade de fato, não tem a sua

disponibilidade jurídica, ou seja, dele não poderia dispor.

Neste diapasão, a restituição do dinheiro é assegurada ao depositante

em virtude de não haver, no depósito bancário, transferência de titularidade do

dinheiro depositado. Ademais, o requisito exigido para o cabimento da ação de

restituição é a demonstração de que a pretensão tem apoio na lei. E esta se

encontra expressa no artigo 85 da Lei de Falências:

“Pode ser pedida a restituição de coisa arrecadada em poder do falido

quando seja devida em virtude de direito real ou do contrato”.

Page 92: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Assim, como se disse acima, a par do conteúdo do disposto no art. 85,

analisado em conjunto com o disposto na Súmula 417 do STF, encontra-se

cabalmente demonstrado o cabimento da restituição de valores depositados

em conta-corrente a aplicações.

Ademais, consoante Pontes de Miranda, ao qual se reporta Amador

Paes de Almeida85:

As coisas fungíveis não tendo individualidade própria (espécie), não podem, em regra, ser reivindicadas. Mas, desde que se não tenham confundido com coisas do mesmo gênero e sejam identificáveis, já podem ser objeto de pedido de restituição. O próprio dinheiro corrente pode, como é sabido, ser objeto de reivindicação: "Se quidem pecuniam extat, vindicare eam potest.

Irrelevante a afirmação de que a ausência de disponibilidade de dinheiro

deva ensejar a recusa da devolução ad nutum ao depositante.

Nelson Nery Júnior86 lembra que, no Congresso Internacional de Direito

do Consumidor (Brasília, abril de 1994), o plenário aprovou conclusão unânime

no sentido de que os "bancos e as atividades bancárias se encontram sob o

regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor" (em Código de Processo

Civil Comentado, RT, 3. ed., p. 1.372).

Os depositantes do banco não se situam na categoria de credores do

mesmo, em razão de não ter ocorrido transferência de propriedade do dinheiro.

Aqueles celebraram um contrato com o Banco que lhes garante a devolução do

dinheiro depositado, no momento em que o pedido é feito, embora, no caso de

aplicação a prazo, possam perder rendimentos.

85 ALMEIDA, Amador Paes. Curso de falência e concordata. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 262. 86 NERY JR., Nelson. Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo; Ed. RT., 1994. p. 1372.

Page 93: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Sustentar tese diversa configuraria violar tanto o princípio constitucional

estampado no artigo 192 da Constituição da República, quanto o da segurança

jurídica. Essa, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello87,

[...]é a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente - e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso - comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas.

A bem dizer, afirma Aramy Dornelles da Luz88,

Toda doutrina, nacional e estrangeira, inclusive Pontes, é unânime em reconhecer que a obrigação do banqueiro é restituir o que recebeu em depósito. Restituir significa devolver e só se devolve o que se possui e é alieno iuris. Aqui se trata de restituição de dinheiro. Se se falar em restituição de crédito, estar-se-á falando em conta corrente. A restituição é própria como obrigação de depositário que não tenha adquirido o domínio sobre o bem depositado.

O direito não pode permitir que efeitos jurídicos mal interpretados

justifiquem uma violência à intenção da parte que, ao fazer um depósito

bancário, tem a certeza de aquele bem é somente seu, uma vez que não deu,

não doou, nem o transferiu ao banco.

Esse entendimento importa, sem sombra de dúvida, na maior

credibilidade ao setor bancário, de vez que, em todas as liquidações de banco

processadas no Brasil, – sempre – o grande prejudicado acaba sendo o

correntista.

87 BANDEIRA DE MELO, Celso. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 94. 88 LUZ, A.D., op. cit., 1999.p.56.

Page 94: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

É bem verdade que a referida súmula foi expedida a partir de

precedentes relativos à contribuição previdenciária descontada e não recolhida,

como já detidamente explanado no presente trabalho, no capítulo 4.

Entretanto, o cerne da questão é saber se dinheiro depositado em conta

corrente, tal como o numerário descontado dos empregados pelo falido, a título

de contribuição previdenciária e não recolhido aos cofres do credor, é passível

de restituição. Como vimos anteriormente, atualmente, a resposta é positiva.

Ocorre que, embora o dinheiro seja bem extremamente fungível, ele

pode ser objeto de mútuo ou entregue ao depósito de terceiro. No caso de

mútuo, o mutuário adquire a propriedade sobre o numerário até mesmo porque

não faria sentido o contrário. Entretanto, não havendo contrato de mútuo,

configurado está o contrato de depósito.

Dispõe o art. 85 da Lei de Falências: "O proprietário de bem arrecadado

no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na

decretação da falência poderá pedir a sua restituição.”

A primeira questão que se coloca é se "dinheiro", em poder do falido,

pode ser objeto de restituição.

Nesse sentido, diverge a doutrina, considerando que, por se tratar de

"dinheiro", não pode haver pedido de restituição. Já vimos que o depósito

bancário não deve ser considerado mútuo apenas pelo fato de o dinheiro ser

um bem fungível.

A questão que se coloca é que, ao receber uma quantia em depósito, a

instituição bancária assume o compromisso de atender às ordens de

pagamento emitidas pelo depositante, o que demonstra, como nos ensina

Pontes de Miranda, que ambas as partes tem, simultaneamente, a

disponibilidade dos valores depositados.

Page 95: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Essa disponibilidade concomitante oferece intransponível óbice ao

argumento de que a operação caracterizaria uma doação do depositante para o

depositário.

Afinal, o ato de depositar e transferir ao banco a disponibilidade do

dinheiro depositado, circunstância inerente à própria natureza do ajuste

celebrado entre as partes, tem o único efeito de viabilizar a eventual utilização

pelo depositante, no todo ou em parte, do saldo da conta corrente de que é

titular, de sorte que o banco assume o compromisso de devolver o dinheiro do

depositante, nas condições pactuadas.

O Des. Brandão Teixeira, quando juiz do T.A.M.G., já asseverava, no

A.I., n. 203.370-3: "O depósito bancário oferece peculiaridades que o

distinguem do típico contrato de depósito disciplinado pela legislação civil, em

que a coisa depositada é entregue a outrem para ser restituída, sem

transmissão de propriedade".

Diverge aqui, da figura jurídica do mútuo, até porque não há no depósito

bancário sempre a data do vencimento do "mútuo", podendo o correntista,

quando lhe aprouver, "sacar" o principal, inclusive quando se tratar de

importância "aplicada", neste caso sem qualquer correção. Nesse muito bem

chamado "depósito irregular", o depositante sabe que o depósito feito será, aí

sim, convertido em mútuo pelo banco que repassará esse valor a terceiro

mutuário. Como então dizer-se que o banco não tem a disponibilidade dos

depósitos?

Também o Superior Tribunal de Justiça tem assentado entendimento no

sentido de que "não é dos clientes o depósito que se acha no banco", uma vez

que, sendo irregular, a ele se aplicam as regras do mútuo. "Assim, transfere-se

a propriedade para o depositário, contra quem o depositante passa a ter um

crédito (RESP 98.623 e RMS 7.230)..." (REsp 212.886-MA, Relator o Ministro

Eduardo Ribeiro, julg. em 29/06/2.000).

Page 96: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

A Lei 6.024, de 13.03.74, que "dispõe sobre a intervenção e a liquidação

extrajudicial de instituições financeiras e dá outras providências", prevê no seu

art. 7º, "c", a possibilidade de falência de instituição financeira. Decretada a

falência, passa-se a aplicar as disposições da Lei Falencial (Decreto-Lei 7.661,

de 21.06.1945), como não poderia deixar de ser.

Essa lição tem ainda mais pertinência, quando o dinheiro arrecadado é

absolutamente não identificável.

Não há como se saber se o dinheiro arrecadado pertenceria a "a" ou a

"b", porque foi ele disponibilizado pelo banco falido em empréstimo a

aplicações várias.

Como vimos, a jurisprudência tem entendido que o pedido de restituição

feito pela Previdência Social é possível, mas, até nessa exceção, entende,

como lembra Rubens Requião89, que: "Entretanto, se os salários não chegarem

a ser pagos, só após esse pagamento tem lugar a restituição à instituição

previdenciária, se a massa tiver recursos. (RJT, 40/491)".

Nesse sentido, é possível sustentar que o depósito bancário, por

funcionar como uma espécie de mútuo, tem o condão de transferir a

propriedade do dinheiro para a instituição bancária, que do numerário

depositado pode usar para, inclusive, emprestá-lo a outros clientes.

Nesse sentido, decidiu o egrégio STJ:

"Agravos contra decisão monocrática proferida em recurso especial.

Restituição de depósitos bancários. Indevida. Honorários advocatícios.

Reduzidos. Art. 20, § 4º, do CPC. Os depósitos bancários não se enquadram

na hipótese do art. 76 da Lei de Falências, pois neles, em particular, ocorre a

transferência da titularidade dos valores à instituição bancária, ficando o

correntista apenas com o direito ao crédito correspondente. A verba honorária

89 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 244-245.

Page 97: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

fixada "consoante apreciação eqüitativa do juiz" (art. 20, § 4º/CPC), por

decorrer de ato discricionário do magistrado, deve traduzir-se num valor que

não fira a chamada lógica do razoável, pois em nome da eqüidade não se pode

baratear a sucumbência, nem elevá-la a patamares pinaculares. Improvido o

agravo da Massa Falida do Banco do Progresso S/A e provido o agravo do

correntista, para reduzir a verba honorária." (AgRg no REsp 660762/MG, Rel.

Min. César Asfor Rocha, julgado em 17.03.2005)

"Agravo regimental no recurso especial - Banco Progresso - Falência -

Depósito bancário - Restituição - Impossibilidade - Fato superveniente - Não

configuração - Tema já pacificado na segunda seção - Matéria constitucional -

Exame pelo STJ - Inadmissibilidade. 1 - A eg. Segunda Seção desta Corte,

quando do julgamento do REsp 501.401/MG, firmou o entendimento de que o

contrato de depósito bancário contém elementos tanto do depósito irregular

como do mútuo, não se adequando, contudo, especificamente em nenhum

deles. Assentou-se, ainda, que, nesta espécie de contrato, o depositante

transfere à instituição bancária a titularidade do valor depositado, possuindo o

banco a sua total disponibilidade. Assim, decretada a falência ou a liqüidação

extrajudicial da instituição financeira, o depósito passa a integrar a massa falida

gerando, apenas, o direito de crédito para o depositante. 2 - No que se refere

ao alegado fato superveniente, ensejador da ilegitimidade processual do Banco

Central do Brasil, verifico que a Ação Revocatória, na qual se discute a

ineficácia do pagamento pelo Banco Central da dívida do Banco Progresso

junto à Caixa Econômica Federal - tendo o BACEN se sub-rogado, dessa

forma, na condição de credor da instituição financeira falida -, apesar de ter

sido julgada procedente em 1º Grau, não alcançou a definitividade. A par disso,

cuida-se de tema alheio à controvérsia dos presentes autos. 3 - No que tange à

nova composição da Segunda Seção deste Tribunal de Uniformização, cabe

ressaltar que, conquanto a tese acolhida tenha sido por maioria, os integrantes

de ambas as Turmas da Seção de Direito Privado, posteriormente, vêm

ratificando seu entendimento a respeito da questão jurídica ora debatida,

mesmo aqueles Ministros que não participaram do julgamento, no sentido

prevalecente no leading case (REsp 501.401/MG). 4 - Em sede de recurso

especial, a competência desta Corte Superior de Justiça se limita à interpretar

Page 98: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

e uniformizar o Direito Infraconstitucional federal, a teor do disposto no art. 105,

III, da Carta Magna. Assim sendo, resta prejudicada a pretensão da agravante

de ver discutida a controvérsia sob o enfoque constitucional, sob pena de

usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal, via recurso

extraordinário. Os apelantes sustentam, síntese que, o contrato de depósito

bancário não se enquadra na disciplina do artigo 76 do Decreto Lei nº 7.661/45

- Lei de Falências e, por isso, incabível a restituição do dinheiro, exceto quando

identificável e não confundido no patrimônio da massa, tendo o depositante,

tão-só, direito de crédito contra a instituição financeira. Cabe ressaltar que o

egrégio STJ, em decisões recentes, tem se posicionado no sentido de que "no

contrato de depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da

Lei de Falências". Peço vênia para transcrever arestos abaixo:

"COMERCIAL. FALÊNCIA. DEPÓSITO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO. No

contrato depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei

de Falências. (REsp nº 501.401, MG, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes

Direito, DJ de 03.11.2004)." Processo: AgRG no REsp 511120/MG

2003/0006905-0- Min. Ari Pargendler - 3ª Turma - DJ 22.04.2007 - p. 253.

"AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE DEPÓSITOS

BANCÁRIOS. AGRAVO IMPROVIDO. Os depósitos bancários não se

enquadram na hipótese do art. 76 da Lei de Falências, pois neles, em

particular, ocorre a transferência da titularidade dos valores à instituição

bancária, ficando o correntista apenas com o direito ao crédito correspondente.

Subsistente o fundamento do decisório agravado, nega-se provimento ao

agravo." Processo: AgRG no Resp 658613/MG - 2004/0069573-3- Min. César

Asfor Rocha - 4ª Turma - DJ 29.11.2004, p. 348)

"AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO.

FALÊNCIA. DEPÓSITO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO. I - A impugnação da

parte é viabilizada pelas razões de decidir da decisão agravada, não havendo

qualquer prejuízo na ausência de publicação do leasing case adotado.

Precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal. II - Não há falar, in casu,

em ausência de interesse recursal do Banco Central do Brasil, pois o agravante

Page 99: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

não logrou demonstrar a definitividade da sentença que julgou a ação

revocatória noticiada, sendo impossível verificar seus efeitos. III - Ao Superior

Tribunal de Justiça compete, exclusivamente, unificar o direito

infraconstitucional, não havendo lugar para se discutir, com carga decisória,

preceitos constitucionais. IV - O contrato de depósito bancário não é depósito

comum, pois nele a instituição financeira detém a disponibilidade do dinheiro

depositado, ficando afastada, a incidência do artigo 76 da Lei de Falências.

Precedente. Agravo improvido." Processo: AgRg no REso 586522/MG - Min.

Castro Filho - 3ª Turma - DJ 13.11.2006 - p. 245)

De outro norte, a operação bancária celebrada entre uma instituição

bancária e um correntista, com este último recebendo, como depósito, certa

soma em dinheiro, certamente obriga a instituição a restituir os valores

recebidos ao correntista em determinado prazo ou a ordem de quem a entrega.

Nessa ótica, consoante entendimento jurisprudencial firmado pelo

excelso Superior Tribunal de Justiça, entre outros julgamentos, na condução de

tais operações, tem-se deliberado que:

“...representando o contrato de depósito bancário um depósito comum -

que guarda elementos tanto do depósito irregular quanto do mútuo, tendo, por

outro lado, o banco a disponibilidade do dinheiro depositado - não está sujeito à

cobertura do art. 76 da Lei de Falências. (AGRESP 577378/MG - Min.

Fernando Gonçalves)”.

Aquele mesmo excelso pretório também decidiu que:

“O depósito bancário é espécie irregular. Funciona como mútuo. Assim,

o dinheiro nominalmente depositado transfere-se a propriedade do depositário.

- Em caso de falência do banco, os valores nele depositados serão

arrecadados pela massa, como patrimônio do falido (Arts. 1.280, 1.256 e 1.257

do CC). Aos depositantes não cabe o pedido de restituição (Art. 76 da LF).

Devem habilitar o respectivo crédito, para que se integrem no quadro geral de

credores. (AGRESP 508051/MG - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros).

Page 100: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

À luz do sobredito entendimento, trata-se, portanto, de crédito de

natureza quirografária e, como tal, sujeito a habilitação no processo de falência

da instituição bancária.

8 CONCLUSÕES

A discussão sobre a classificação do dinheiro depositado em conta-

corrente entre direito de crédito ou direito de propriedade, constitui um dos

aspectos da supremacia do direito do terceiro nas conseqüências do rateio

falimentar. A situação do correntista é, sem sombra de dúvida, bastante

semelhante à situação de terceiros de outras classes, aos quais é deferida a

restituição de bens, entre eles o dinheiro, ao fundamento de que estes bens

não integram a massa falida.

O direito de propriedade sujeita-se aos parâmetros fixados pela

legislação ordinária, ao poder de conformação do legislador. Em que pesem as

limitações impostas pela necessidade de preservar o núcleo essencial da

garantia fundamental, é forçoso acentuar a inexistência de um conceito

absoluto, preestabelecido e imutável de propriedade, em relação ao qual

eventuais alterações exijam observância do Princípio da Proporcionalidade.

Ao mesmo tempo, a Constituição da República contém garantias e

conceitos que devem ser buscados e preservados, a todo tempo, em qualquer

ocasião.

Especialmente quando a vítima é mais fraca, deve-se privilegiar a

aparência à forma e, no caso do correntista, não é possível crer ou fazer crer a

todos os cidadãos que os valores que eles depositam, mensalmente, em suas

poupanças, são transferidos ao banco depositário, contra o qual ele –

depositante – adquire direito de crédito.

Page 101: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

Para os correntistas, a garantia de propriedade está nos demonstrativos

mensais – obrigatórios aos bancos, nos termos legais – documentos notórios e

de evidente circulação, oponíveis a qualquer um, e, portanto, capazes de

constituir prova de seu conteúdo.

Tratar, portanto, do correntista como proprietário dos valores

depositados, garantindo-lhe seus créditos mesmo – ou especialmente – em

casos de falência, certamente se nos afigura primar pela isonomia – tratando

os desiguais na medida de sua desigualdade.

Quando a tese em si não é pacificada; quando a posição do hermeneuta

ancora em mais de um porto com a mesma segurança, as peculiaridades do

caso em julgamento revestem-se de redobrada importância.

Del Vecchio, apud Vicente Ráo90 (1999) afirma, in verbis:

E Del Vecchio aqui acrescenta esse magistral conselho, tantas e tantas vezes esquecido pelos intérpretes e aplicadores da lei: A harmonia das diversas partes componentes do sistema deve ser experimentada e confirmada a cada instante, aproximando-se as regras particulares entre si e relacionando-as com os princípios gerais a que se prendem. Só assim poderá o jurista compreender o espírito do sistema e observá-lo em suas aplicações particulares, evitando os erros que se produziriam se ele se contentasse em considerar, por um modo geral, apenas esta ou aquela regra em si mesma. O jurista e, especialmente, o juiz, devem tanto quanto possível, dominar e, por assim dizer, reviver o inteiro sistema, compenetrando-se de sua unidade espiritual, desde os princípios remotos e subentendidos, até as mínimas disposições de detalhe, como se fossem autores do todo.

Com efeito, a lógica do sistema jurídico não fica alheia às investidas dos

interesses de classe, sendo que a defesa da economia nacional, regional ou

global não se resume à defesa de empresas pelo sistema de leis comerciais,

mas também do consumidor e do papel desse indivíduo-cidadão na produção

90 RÁO, Vicente O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 276.

Page 102: AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO DOS CORRENTISTAS NA

de riqueza e na sua circulação. Essa defesa está presente nos dispositivos da

Constituição da República que se busca positivar através de uma visão mais

abrangente dos princípios e normas constitucionais.

Não obstante, a má vontade de alguns, aliada ao desconhecimento de

outros, por vezes faz cegar os aplicadores induzindo-lhes a erro.

Damásio de Jesus, em “Os olhos abertos da justiça”, assim se manifesta

a respeito:

Hoje, mantida ainda a venda, pretende-se conferir à estátua Themis a imagem de uma justiça que, cega, concede a cada um o que é seu sem conhecer o litigante. Imparcial, não distingue o sábio do analfabeto; o detentor do poder do desamparado; o forte do fraco; o maltrapilho do abastado. A todos, aplica o reto Direito. Mas não é essa a Justiça que eu vejo. Vivo perante uma Justiça que ouve falar de injustiças, mas, por ser cega, não as vê; que sufocada pelo excesso de demanda, demora para resolver coisas grandes e pequenas; condenando-se pela sua própria limitação. Uma Justiça que, pobre e debilitada pela falta de recursos, não tem condições materiais de atualizar-se. Uma Justiça que quer julgar, mas não pode. Essa não é a Minha Justiça. Minha Justiça não é cega. É uma Lady de olhos abertos, ágil, acessível, altiva, democrática e efetiva. Tirando-lhe a venda, eu a liberto, para que possa ver. Por não ser necessário ser cego para fazer justiça, minha justiça enxerga e, com olhos bons e despertos, é justa, prudente e imparcial. Ela vê a impunidade, a pobreza, o choro, o sofrimento, a tortura, os gritos de dor e a desesperança dos necessitados que lhe batem à porta. E conhece, com seus olhos espertos, de onde partem os gritos e as lamúrias, o lugar das injustiças, onde mora o desespero. Mas não só vê e conhece. Age. A minha é uma Justiça que reclama, chora, grita e sofre. Uma Justiça que se emociona. E de seus olhos vertem lágrimas. Não por ser cega, mas pela angústia de não poder ser mais justa.

Pertinente o registro de que somente uma concepção excessivamente

rígida e estreita do direito poderia negar-se a reconhecer a amplitude e

presença da expansão dos conceitos, sempre inerente à lei, porquanto a lei é a

expressão do pensamento e o pensamento é dialético por natureza.

Via de conseqüência, a atividade judiciária não pode se reduzir ao

trabalho de subsunção dos fatos à norma de direito, na medida em que

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confinar em tais limites a função do juiz é concepção falsa e estreita, até

porque aquele operador do Direito não é um autômato de decisões.

A norma positiva, muitas vezes, parece justa quando se aproxima do

fato. No entanto, pretender adaptá-la às mil circunstâncias particulares é tarefa

impossível. Noutro giro, permitir-se relegá-la aos porões do esquecimento

conduz a mal maior, quando se crê que a vantagem precípua das codificações

consiste na certeza e na relativa estabilidade do Direito.

As normas positivas não são estáticas, rígidas ou imutáveis. São produto

de viva pesquisa, desenvolvimento, progresso. E, para se atingir o ideal de

justiça, é preciso buscar inspiração no interesse pelo ser humano, seus

destinos, anseios, sofrimentos e aspirações. O juiz, nesse sentido, adapta o

texto à vida real e faz do Direito uma condição da coexistência humana. Assim,

a justiça não pode andar divorciada da intenção de conhecer a verdade, estudo

e exercício de paixões e desapego ao preconceito, e, acima de tudo,

observação contínua da sociedade e das mais insignificantes circunstâncias

fáticas.

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