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A TRIGONOMETRIA COMO FERRAMENTA PARA O CONHECIMENTO DAS FLORESTAS EM PÉ NA TRANSAMAZÔNICA Ronaldo Barros Ripardo 1 RESUMO Este trabalho foi desenvolvido nas aulas de matemática da Escola Rui Barbosa – Medicilândia / Pará, no segundo semestre de 2006. Sua realização se deu a partir da necessidade de conhecer mais acerca de espécies florestais existentes no município, uma vez que a cada ano que se passa aumenta a lista de madeiras de lei ameaçadas de extinção. PALAVRAS – CHAVE: espécies de lei, densidade, propriedades agrícolas, Matemática. ABSTRACT: This work was developed in the lessons of mathematics of the School Rui Barbosa – Medicilândia / Pará, in as the semester of 2006. Its accomplishment if gave from the necessity to know more concerning existing forest species in the city, a time that to each year that if passes increases the threatened wood list of extinguishing law. KEY – WORDS: species of law, density, agricultural properties, Mathematical. INTRODUÇÃO Nos últimos anos o mundo tem ficado alerta aos efeitos que a devastação ambiental sem precedentes tem causado ao planeta. As variações climáticas em nível mundial têm sido o fator que provocou esse estado de desconfiança. Com o El Niño, atividades como o desmatamento, as queimadas, o aumento dos gases de efeito estufa, a emissão de poluentes no ar etc. intensificaram as mudanças do clima e o aquecimento global. Na Amazônia as conseqüências têm se revelado trágicas e imagináveis como rios inteiros deixando seus leitos expostos ao sol e menor incidência ou quase ausência de chuvas. A derrubada das florestas pode ser citada como uma das ações humanas que mais tem agredido ao meio ambiente. Com o desmatamento o solo, os rios, a fauna, a flora e o clima são afetados diretamente. O principal motivo que contribui para que a floresta amazônica seja derrubada de forma desmedida é a ação de grandes madeireiros, que tem sido apoiada por grande parte da população local, uma vez que estas praticamente desconhecem outros valores que a floresta em pé possa ter, principalmente o econômico. Assim, cabem as instituições sociais promoverem ações que possam disseminar o conhecimento de novas formas de aproveitamento da floresta, dos seus serviços ecológicos. 1 Professor de Matemática e Língua Portuguesa da EMEF Rui Barbosa, município de Medicilândia / Pará (Km 70 faixa / Agrovila Jorge Bueno). Licenciado pleno em Matemática (UEPA) e Letras (UFPa). Aluno do curso de pós-graduação latu sensu em Matemática do Ensino Básico. (Endereço eletrônico: [email protected]).

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RIPARDO, R. B. . A trigononometria como ferramenta para o conhecimento das florestas em pé na Transamazônica. In: Semana de Integração das Ciências Agrárias - SICA, 2007, Altamira. Anais da 7ª Semana de Integração das Ciências Agrárias - SICA. Altamira : UFPA, 2007. v. 02. p. 257-262.

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Page 1: A trigonometria como ferramenta para o conhecimento das florestas em pé para a Transamazônica.XII SICA

A TRIGONOMETRIA COMO FERRAMENTA PARA O

CONHECIMENTO DAS FLORESTAS EM PÉ NA TRANSAMAZÔNICA

Ronaldo Barros Ripardo1

RESUMO

Este trabalho foi desenvolvido nas aulas de matemática da Escola Rui Barbosa – Medicilândia / Pará, no segundo semestre de 2006. Sua realização se deu a partir da necessidade de conhecer mais acerca de espécies florestais existentes no município, uma vez que a cada ano que se passa aumenta a lista de madeiras de lei ameaçadas de extinção. PALAVRAS – CHAVE: espécies de lei, densidade, propriedades agrícolas, Matemática. ABSTRACT: This work was developed in the lessons of mathematics of the School Rui Barbosa – Medicilândia / Pará, in as the semester of 2006. Its accomplishment if gave from the necessity to know more concerning existing forest species in the city, a time that to each year that if passes increases the threatened wood list of extinguishing law. KEY – WORDS: species of law, density, agricultural properties, Mathematical. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o mundo tem ficado alerta aos efeitos que a devastação ambiental

sem precedentes tem causado ao planeta. As variações climáticas em nível mundial têm sido o

fator que provocou esse estado de desconfiança. Com o El Niño, atividades como o

desmatamento, as queimadas, o aumento dos gases de efeito estufa, a emissão de poluentes no

ar etc. intensificaram as mudanças do clima e o aquecimento global. Na Amazônia as

conseqüências têm se revelado trágicas e imagináveis como rios inteiros deixando seus leitos

expostos ao sol e menor incidência ou quase ausência de chuvas.

A derrubada das florestas pode ser citada como uma das ações humanas que mais

tem agredido ao meio ambiente. Com o desmatamento o solo, os rios, a fauna, a flora e o

clima são afetados diretamente. O principal motivo que contribui para que a floresta

amazônica seja derrubada de forma desmedida é a ação de grandes madeireiros, que tem sido

apoiada por grande parte da população local, uma vez que estas praticamente desconhecem

outros valores que a floresta em pé possa ter, principalmente o econômico. Assim, cabem as

instituições sociais promoverem ações que possam disseminar o conhecimento de novas

formas de aproveitamento da floresta, dos seus serviços ecológicos.

1 Professor de Matemática e Língua Portuguesa da EMEF Rui Barbosa, município de Medicilândia / Pará (Km 70 faixa / Agrovila Jorge Bueno). Licenciado pleno em Matemática (UEPA) e Letras (UFPa). Aluno do curso de pós-graduação latu sensu em Matemática do Ensino Básico. (Endereço eletrônico: [email protected]).

Page 2: A trigonometria como ferramenta para o conhecimento das florestas em pé para a Transamazônica.XII SICA

Na Transamazônica a escola tem o papel de propiciar aos alunos um conhecimento

menos superficial sobre as florestas, já que a região convive com as duas realidades: o

desmatamento e as florestas em pé. À escola também cabe a responsabilidade de fazer com

que o conhecimento por ela ensinado tenha de fato importância para os alunos. Com o intuito

de promover a socialização do conhecimento escolar, associando o conhecimento científico

com o empírico por meio da pesquisa, e buscando conhecer mais sobre as espécies de lei que

compõem a nossa floresta, é que foi feito com alunos de 8ª série um inventário florestal. Os

objetivos deste foram elencar as características de quinze espécies de madeira de lei como:

calendário, densidade, altura e volume de madeira das árvores, além dos nomes popular e

científico.

MATERIAL E MÉTODOS

Para calcular a altura das árvores utilizou-se como ferramenta conhecimentos de

trigonometria como seno, cosseno e tangente. A trigonometria é o ramo da matemática que

estuda as relações métricas no triangulo retângulo. Sua aplicação no cálculo de alturas

necessita do uso de um instrumento auxiliar: o teodolito2. Na pesquisa foi utilizado um

confeccionado com material alternativo, como canudinho de refrigerante, transferidor e

alfinete, como mostra a ilustração ao lado.

Os passos para calcular a altura de um

determinado objeto com o auxílio do teodolito são:

¨ Com o teodolito a pessoa posiciona-se a certa

distância do objeto;

¨ Olhando por dentro do canudinho do

refrigerante, gira-o até localizar o ponto mais alto do

objeto (no caso da pesquisa, a copa da árvore);

¨ A marca graduada no transferidor sobre o qual

o canudinho ficar sobreposto é a medida do ângulo

formado entre os segmentos de reta (imaginários) que vão da pessoa à base e ao cume do

objeto, formando um triângulo retângulo;

¨ Medindo-se a distância da pessoa à base do objeto e encontrando na tábua

trigonométrica o valor correspondente à tangente do ângulo formado, basta usar esses dados

no cálculo feito para encontrar a tangente de um ângulo.

2 Tal aparelho serve para medir ângulos e seu preço no mercado gira em torno dos 5 mil reais.

Figura 1: Teodolito confeccionado com material alternativo

Fonte: GIOVANNI, José R. [et al]. A Conquista da Matemática: a + Nova. 8 série. São Paulo: FTD, 2004.

Page 3: A trigonometria como ferramenta para o conhecimento das florestas em pé para a Transamazônica.XII SICA

Para obter-se uma medida mais precisa nestes cálculos é razoável fazer o

procedimento mais de uma vez, tirando-se medidas de lugares diferentes. Depois é só fazer a

média aritmética com os valores encontrados.

As noções de trigonometria, do

cálculo do volume de madeira, a confecção do

teodolito foram trabalhadas em sala de aula.

Cada aluno, então, foi a campo coletar parte

dos dados, como medida do rodo das árvores3

e o número de árvores existentes em uma

determinada área. Dados acerca do calendário

das espécies foram obtidos por meio de

entrevistas com os pais dos alunos e demais

colonos da região. Vale ressaltar que a

participação dos pais foi essencial: eles foram com os filhos até à mata para coletar os dados

necessários. Outras informações como nome científico das espécies foram obtidas por meio

de pesquisa bibliográfica feita pelos alunos. De volta à sala de aula os dados foram

devidamente sistematizados e analisados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As informações obtidas sobre cada espécie estão sintetizadas no quadro abaixo:

Quadro 1: Demonstrativo das características das espécies pesquisadas

-: informações desconhecidas.

3 Comprimento da circunferência da tora da árvore.

Nome Altura média

(m)

Densidade (hectare)

Volume (m³)

Calendário

Popular Científico Flor Fruto ou Semente

Acapú Vouacapoua américa 27,7 05 1,2 Out Jan, Fev Angelim - 6,7 1 0,4 - - Sapucaia - 39 1 7,6 Set, Out Nov, Dez Ipê Tabebuia impetiginosa 57,4 1 1,38 Set Out Piquiá - 22.5 1 2,4 Ago e Set Fev e Mar Ipê-amarelo Peroba – de - campo 35,5 1 3,9 Jul, Ago Nov , Dez Mata-matá Eschweilena 24 1 0,86 Ago a Out Out , Nov Castanheira Bertholletia excelsa 35 1 45,3 Nov , Dez Jan Andiroba Carapa guianesis 8 1 1,1 Ago a Out Jan a Abr Tatajuba Hymenala courbaril 62 1 3,8 Fev Mai Jarana Holopyxidium jarana 8,5 1 0,3 Set , Out Nov , Dez Cumaru Dipteryxodorata 22,9 1 5,7 Fev Nov Mogno Swetenia macrophylla 7,9 1 0,17 Fev - Amarelão - 8,8 4 1,92 Set , Out Jan

Figura 2: Cálculo da altura de uma árvore.

Fonte: ilustração criada por Camila Belz Krüger.

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Analisando o conjunto de informações obtidas uma observação imediata que pode

ser feita é sobre a baixa densidade das árvores. De acordo com SHANLEY & MEDINA

(2005) espécies como a andiroba pode atingir o número de até 8 árvores por hectare e o piquiá

tem densidade variando entre 2 a 7 árvores por hectare. Na região pesquisada as espécies

encontradas com maior densidade são o acapú e o amarelão, com 5 e 4 árvores por hectare,

respectivamente, enquanto que a andiroba e o piquiá tem densidade de apenas 1 árvore por

hectare. Tais informações vão ao encontro de relatos feitos por pais, colonos e alunos:

algumas espécies de madeira de lei raramente são encontradas nas propriedades agrícolas da

região. Uma das respostas dadas por eles para a ausência quase que total de algumas das

espécies é a extração da madeira para venda. Com a derrubada das árvores muitas espécies

estão desaparecendo, principalmente aquelas de alto valor no comércio, como o mogno e a

castanheira.

A derrubada das florestas é uma triste realidade existente na

Transamazônica, e, certamente, contribui de forma preponderante para

que algumas espécies florestais entre no rol das espécies ameaçadas de

extinção. Todas as propriedades pesquisadas são de 100 hectares e em

nenhuma delas a área de floresta ultrapassa os cinqüenta por cento da

propriedade, como mostra o croqui (Figura 3) de um dos lotes

envolvidos na pesquisa, onde a área de floresta se resume a parte

colorida com verde escuro. Mesmo não sendo um dos objetivos da

pesquisa evidenciar as causas que estão levando madeiras de lei ao

desaparecimento é nítido que a derrubada das matas nas propriedades

tem reduzido consideravelmente a quantidade de árvores existentes na

região. Muitas das vezes o desmatamento é feito para usar a terra para a

agricultura ou para a pecuária sem haver a menor preocupação em

aproveitar a madeira das árvores derrubadas.

Chama a atenção nos dados a altura que árvores de grande

porte, como a sapucaia, o ipê-roxo, a castanheira e o jatobá alcançam,

ambas acima dos 35 metros. Possivelmente as árvores de maior altura,

além de ser uma característica da espécie, se devem ao fato da árvore

ser muito antiga. Uma castanheira encontrada, por exemplo, tinha 5,5

metros de rodo.

Quanto ao calendário é mais freqüente a floração acontecer no

Figura 3: Croqui de uma das propriedades

Fonte: ilustração criada por Aline de Jesus.

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verão, a maioria num período variando entre os meses de agosto, setembro e outubro. Já o

período das árvores lançarem frutos e/ou sementes acontece entre os meses de novembro e

março. Conhecer o calendário de cada espécie é de extrema importância, pois o colono pode

fazer um controle mais sistemático da caça em sua propriedade, além de saber quando coletar

frutos e sementes caso queira preparar mudas para o plantio.

CONCLUSÕES

A Amazônia é mundialmente conhecida devido à riqueza de sua biodiversidade,

principalmente pela floresta. As pessoas que aqui residem, muitas delas trabalhando

diretamente nas propriedades agrícolas, conhecem pouco sobre a nossa floresta e os múltiplos

usos que se pode fazer dela. A principal conseqüência desse desconhecimento implica na

desvalorização desse patrimônio natural por grande parte da nossa sociedade. Como afirmam

CLEMENT & HIGUSHI (2006) as pessoas precisam reconhecer a importância que as florestas

possuem, pois são elas condição essencial para o equilíbrio do planeta. Portanto, as

instituições formadoras de opinião têm o papel de trabalhar para que cada vez mais pessoas

possam estar conscientes de que as florestas nos são úteis se estiverem de pé. Desse modo,

pode-se dizer que a escola deu um passo nessa direção. A pesquisa foi feita a partir da

disciplina de matemática e contou com o apoio e a parceria da disciplina de língua

portuguesa, utilizando-se recursos simples, como o teodolito e trena, além de conhecimentos

trabalhados normalmente em sala de aula, como os de trigonometria. Mesmo assim, com os

dados obtidos sobre cada espécie pode-se usá-los como banco de dados para outros estudos,

como por exemplo, o valor econômico entre a comercialização da madeira versus

extrativismo.

Portanto, outras pesquisas devem ser feitas, pois o estudo não teve a pretensão de

esgotar a infinidade de conhecimentos existentes em cada uma das espécies elencadas, mas

concretizar uma ação que amenize o distanciamento ente discurso e realidade, entre escola,

sociedade e meio ambiente.

LITERATURA CITADA

CLEMENT, Charles & HIGUSHI, Niro. A floresta amazônica e o futuro do Brasil. In

Ciência & Cultura: Temas e Tendências. Revista da Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência. Ano 58. Nº 3. Jul / Ago / Set de 2006.

SHANLEY, Patrícia & MEDINA, Gabriel. Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica.

Belém: CIFOR, 2005.