a semana de 1922

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A Semana de 1922

A Semana de 1922

RPIDA APRESENTAO

Tentaremos neste site descrever a Semana da Arte Moderna, realizada na cidade de So Paulo, no ano de 1922. Na verdade, a Semana, em si, foi apenas um dos fatos daquela poca to conturbada, to inovadora para as grandes cidades do pas, a Belle poque.Voc poder viajar pela So Paulo antiga em "Primeiro 30 anos do sculo", com fotos e dados muito interessantes. A Semana foi a modernizao da nossa cultura, uma cultura, at ento atrasada, tradicionalista.Iremos retratar aqui uma emoo vivida por toda uma gerao, a gerao que viu So Paulo crescer e virar este gigante que hoje, a gerao que viu nascer o primeiro arranha - cus da Amrica Latina bem aqui, em So Paulo.E desse desejo pela modernizao da cultura que se iniciam os fatos.

Ah, no deixe de entrar em Texto Especial, pois trata-se de um artigo escrito por Mrio de Andrade me comemorao do 20 aniversrio da Semana. O artigo muito bom, pois d todo o panorama histrico da poca, vale a pena conferir!

Esta pgina foi desenvolvida por Bel Gasparotto, se quiser entrar em contato comigo, v em Fale Comigo. Terei o maior prazer em responder dvidas e com certeza aceitarei colaboraes!!!.

OS PRIMEIROS TRINTA ANOS DO SCULO XX NO BRASIL

Nas primeiras trs dcadas deste sculo, o Brasil foi marcado pela hegemonia da poltica do caf - com - leite. So Paulo, o estado mais rico; Minas Gerais o estado mais populoso.

O capitalismo industrial vinha sendo desenvolvido em So Paulo pela consolidao da poltica republicana junto com os cafeicultores.

A "Belle poque" trazia elite brasileira e especialmente elite paulistana o consumismo e a imitao do modo de vida e padres europeus. A princpio a Frana ditava a moda que vinha de Paris para as terras tropicais.

HYPERLINK "http://www.asemanade22.hpg.ig.com.br/ind.html"

Crescia a imigrao e a indstria tambm crescia junto. Alis, as estrelas deste tempo eram a indstria, a eletricidade, o cimento e o automvel.

So Paulo era uma mistura de arranha - cus recm nascidos e casares tradicionais; caipiras vindos do interior paulista e de outros estados contrastavam com os imigrantes; nas ruas passavam os burgueses industriais, cafeicultores e comerciantes se misturando, dividindo o espao das ruas movimentadas com os proletrios ou mendigos.

Os primeiros automveis circulavam em marcha lenta, fazendo par com o trotar dos muares ou eqinos que puxavam as carroas.

Entre 1900 e 1920 a populao de So Paulo dobrou. Isso j era o prenncio do que esta cidade seria, uma grande metrpole. O lucro advindo do caf era aplicado em melhorias como energia eltrica, importaes de mquinas, remodelao de ruas e avenidas, construes novas, etc...

Na dcada de 20 a recente grande metrpole j ganhava seus contrastes, elementos representantes da misria e herdeiros das diferenas scio - econmicas que j eram bem presentes. A cidade j contava com mendigos, ladres e o nmero assustador de 3.529 prostitutas.

Foi ento criada uma polcia moral para perseguir e tirar das ruas estes elementos to indesejveis para a burguesia.

Apesar destes problemas obtidos pela grandeza da metrpole, havia muita gente se beneficiando e inflando-se de orgulho. Os jornais paulistas mostravam uma charge onde se via um carro de boi puxando um carro Ford. Os dizeres eram ufanistas e prepotentes explicando que So Paulo no conseguia progredir pois atrapalhado pelo resto pas que era atrasado e agrrio. Esta charge mencionada apelava para a separao de So Paulo do resto do pas.

O presidente Washington Luiz declarava que "So Paulo era uma espcie de Manchester e Chicago juntas e tambm "governar abrir estradas".

Atendendo a tais anseios de modernidade da burguesia, em 1920 a Ford instalou sua primeira fbrica de montagem de automveis em So Paulo. Neste mesmo ano foi inaugurada a primeira linha de nibus urbano.

Surgiram em 1922 novas linhas de telgrafo e telefone.

Em 1925 So Paulo ganhava a primeira emissora de rdio.

Se formavam nesta poca os primeiros bairros operrios que contrastavam com a calmaria e com a serenidade dos bairros burgueses dos industriais e cafeicultores. Esta situao bem descrita por Ribeiro Couto, que a escreveu em 1926 (Veja mais em Poemas e Textos):

So Paulo

A neblina das manhs de inverno_ So Paulo enorme, So Paulo de hoje, So Paulo ameaador! _a neblina das manhs de invernoamortece um pouco o orgulho triunfante das tuas chamins.A neblina esconde o contorno das grandes fbricas ao longe,perdidas na plancie, entre o chato casario proletrio.E tudo cor de barro novo, como se fosse manchado de sangue.Nas ruas do centro agita-se a pressa do comrcio.

Nos bairros burgueses, no entanto, h o silncio.As alamedas adormecem sob o silncio.Os jardins adormecem sob o silncio.

Rui Ribeiro Couto. Um homem na multido. Rio de Janeiro, Livraria Odeon, 1926

Da dcada de 20 em diante o cinema ditava a moda que vinha especialmente das produes hollywodianas. Isso fatalmente gerava o consumismo e a vontade de imitar a vida norte - americana.

Os ricos freqentavam o cinema, iam ao Mappin Stores, situado na Praa Ramos de Azevedo, comprar as novidades vindas de Paris ou dos EUA, passeavam no Automvel Clube, no Palcio dos Campos Elseos e iam ao teatro. Na poca haviam seis teatros e o mais famoso era o Municipal. Dessa burguesia, muitos eram imigrantes tambm, ou seus descendentes.

"Essa a ptria de nossos descendentes." - Francesco Matarazzo

Esta frase foi dita por um desses ricos industriais que foram financiados pelos governos de seus pases de origem e fizeram grandes fortunas no Brasil.

Outros representantes da estirpe de Matarazzo foram Alexandre Siciliano, Nicola Scarpa, Horcio Lafer, Jorge Street, Roberto Simonsen, entre outros.

Em 1917 houve a primeira exposio industrial em So Paulo, que aconteceu no Palcio das Indstrias. O cimento, a cerveja e os elevadores se destacavam industrial e comercialmente. O elevador era uma novidade to apreciada que as pessoas faziam filas nos finais de semana s para dar uma "subidinha" nos elevadores dos edifcios da poca.

Mas para mover tanta novidade, para levantar tanto edifcio e fabricar coisas novas para os ricos consumirem, algum teria que "pegar no pesado".

Eram milhares de adultos e crianas (em 1922 eram 138 mil) suportando o peso do trabalho, o calor dos fornos, o sofrimento das horas extenuantes e a misria de pssimos salrios. Diante dessa contradio vinham da Itlia ou da Espanha as idias e planos para a conquista de condies de trabalho mais justas e humanas.

Muitos dos imigrantes anarquistas ensinavam aos demais operrios que era preciso lutar por dignidade e melhoria de vida. Este ensinamento era feito em reunies clandestinas ou atravs da imprensa, como os jornais histricos "A Lanterna" e "A Plebe".

Infelizmente muitos destes libertrios foram perseguidos e mortos no Brasil ou em seus pases de origem. Em 1922 foi fundado o Partido Comunista, uma outra maneira de lutar contra a injustia e desigualdades vigentes. Surge tambm o Bloco Operrio Campons.

Para registrar tantas mudanas e os grandes acontecimentos da poca, a imprensa se torna importante e um timo investimento para seus donos. O jornal se torna um essencial narrador dos acontecimentos locais e mundiais. Pegando como exemplo os jornais de 1922 encontramos as manchetes que davam conta da "descoberta do tmulo de Tutn Camon"; "Einstein recebe o Prmio Nobel de fsica"; "Lanamento do primeiro nmero da revista Klaxon", e muito mais.

Neste momento histrico os jornais anunciavam tambm a Semana de Arte Moderna de 1922. Os participantes desta semana eram intelectuais burgueses insatisfeitos com as regras e estilos parnasianos e antigos na arte e na literatura. Eles foram buscar na Europa algo novo para revolucionar as artes no Brasil. Foram financiados pelos ricos cafeicultores, e em suas obras expressavam um estilo novo e em alguns deles estava presente um elogio metrpole que surgia naquele momento. Notamos isto ao ler "Paulicia Desvairada" de um dos grandes representantes do modernismo Mrio de Andrade.

Outro grande escritor que deve ser mencionado o jornalista Alcntara Machado, que a partir de histrias do cotidiano escreveu uma grande obra que retrata a vida dos imigrantes nos bairro operrios "Brs, Bexiga e Barra Funda".

A Semana de 22 queria igualar a produo intelectual riqueza e modernidade industrial.

O MODERNISMO NO BRASIL

"Ns, como o caboclo, 'tocamos fogo na mataria' porque no se planta sem derrubar. (...) Felizes os que vierem depois de ns para colher o que plantamos." Rubens Borba de Morais, ensastaAlguns historiadores arriscam em afirmar que o ano de 1912 foi o marco simblico do incio do modernismo brasileiro. Neste mesmo ano chega ao Brasil Oswald de Andrade, trazendo informaes sobe o futurismo, um estilo de arte italiana, chefiada pelo poeta Marinetti, que queria trazer tona as mudanas provocadas pela nova civilizao que surgia com o desenvolvimento urbano e industrial.

Fascinado com essas idias futuristas, Oswald comeou a divulgar notas pela imprensa ressaltando a necessidade de renovar o estilo de arte brasileira (Simbolista e Parnasianista), no sentido de acompanhar as mudanas no meio urbano que propiciava tambm uma mudana de mentalidade.

Oswald chegou a escrever uma poesia que de to ridicularizada pelos amigos, acabou sendo perdida. Dela s sobrou o ttulo: "O ltimo passeio de um tuberculoso pela cidade de bonde". S pelo ttulo podemos perceber o motivo de tanta desaprovao. Naquela poca, todas as expresses de arte no se atreviam a discutir a realidade.

Outro que contribuiu profundamente para a formao do modernismo brasileiro foi o pintor Lasar Segall. Ele, que tinha acabado de chegar da Europa, trouxe para So Paulo as idias do Expressionismo alemo, uma arte que deformava as imagens e privilegiava a representao material e psicolgica. Uma exposio realizada por Lasar Segall em 1913 considerada a primeira exposio modernista, caracterizando um momento de ruptura.

No ano de 1914, uma jovem pintora realizava sua primeira exposio. Anita Malfatti, que tambm chegava da Europa trazia para o Brasil, como Lasar Segall, as novidades do Expressionismo alemo. Essa exposio de Anita foi uma exposio em carter experimental, mas serviu como um ensaio de como seria a grande exposio em 1917. As duas exposies, de Segall e Anita, no tiveram muita repercusso, mas serviram, mesmo que a passos lentos, para uma renovao artstica.

Em 1915 um artista italiano, Ernesto Bertarelli, colaborador do Jornal do Estado de So Paulo, publica um artigo chamado "Lies de Futurismo". Esse autor faria uma revelao sobre a influncia do futurismo italiano nas artes brasileiras. Neste ano, Oswald de Andrade reaparece e publica na revista O Pirralho, a qual ele mesmo dirigia, vrios artigos para chocar os padres de gosto. Em um deles ele procurava enfatizar a urgncia de uma pintura que superasse o academicismo e se tornasse uma verdadeira pintura nacional.

Em 1917, o mundo passa por intensas turbulncias. A Revoluo Russa, a Primeira Grande Guerra, e aqui no Brasil, as greves inflamadas pelos operrios anarquistas. Foi tambm o ano da grande exposio de Anita Malfatti. Em 12 de dezembro ela inicia sua exposio. Passada uma semana, a exposio foi freqentada por um nmero razovel de pessoas e vendeu alguns quadros. S que a histria mudou depois da influente propaganda negativa que o escritor Monteiro Lobato fez de Anita, atacando violentamente a exposio.

Porm, os ataques pintora fizeram com que os primeiros modernistas se reunissem para apoiar Anita. Isso os impulsionou a lutar mais ferozmente por uma renovao artstica.

E para fundamentar de vez as estratgias dos renovadores, em 1919 chega o escultor Vitor Brecheret. Ele teria vindo por ocasio dos preparativos do Centenrio da Independncia, dali dois anos, para o qual havia preparado a maquete do Monumento s Bandeiras.

Pronto: os personagens principais da Semana de Arte Moderna j estavam preparando, anos antes, o evento que mudou a histria da arte brasileira

O MOVIMENTO MODERNISTApor Mrio de AndradeAPRESENTAO No vigsimo aniversrio da Semana de Arte Moderna - a semana de 13 a 17 de fevereiro de 1922, em que o modernismo foi apresentado como uma ruptura com os padres estticos em voga - Mrio de Andrade escreveu uma srie de quatro artigos para O Estado de S. Paulo sobre o movimento. Ele no enfocou apenas a semana, que se iniciou na Segunda-feira, 13 de fevereiro, no Teatro Municipal, com uma exposio de artes plsticas do saguo do teatro, que o diplomata Graa Aranha reconhecia que seria, para muitos, uma "exposio dos horrores" - quadros de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Zina Aita, J.F. de Almeida Prado, Vicente do Rego Monteiro, esculturas de Victor Brecheret. Seguiram-se nmeros musicais de autores modernos, interpretados por Ernani Braga, ilustrando a conferncia de Graa Aranha. Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida declamaram seus poemas. Sergio Milliet Os declamou em francs. Yvonne Daumerie danou e Guiomar Novaes tocou piano. A segunda parte foi dedicada msica. Trs peas de Villa-Lobos foram executadas em meio a vaias. O autor, de casaca e chinelo, provocara ainda mais as iras do pblico. A violinista Paulina d'Ambrsio chorou no palco. Um escndalo completo.Mrio de Andrade traou um amplo panorama do as tendncias que se agruparam e os sentimentos que impulsionava uma dezena de jovens escritores e artistas paulistas levando exploso da Semana de Arte Moderna. Estes artigos foram originalmente publicados no jornal O Estado de S. Paulo por ocasio do 20. aniversrio da Semana de Arte Moderna, em 1942. Para marcar os 80 anos do movimento modernista no Brasil, o Estadao.com.br e o caderno Cultura republicam os artigosCAPTULO 1 Faz vinte anos, este ms de fevereiro, que se realizou no Teatro Municipal, a Semana de Arte Moderna. todo um passado longnquo de que sorrio sem medo, mas que me assombra um pouco tambm. Foi gostoso, ficou bonito, mas como tive coragem para participar daquilo! certo que com minhas experincias artsticas muito venho escandalizando essa minoria que a intelectualidade do meu Pas, mas, na realidade, feitas em artigos e livros, minhas experincias como que no se executam in anima nobile. No estou de corpo presente e isso desencaminha o choque da estupidez. Mas como tive coragem para dizer versos ante uma assuada to singular, que eu no escutava do palco o que Paulo Prado me gritava da primeira fila das poltronas?... Como pude fazer uma hrrida conferncia na escadaria do teatro, cercado de annimos que me caoavam e ofendiam a valer?... O meu mrito de participante mrito alheio: fui encorajado, fui enceguecido pelo entusiasmo dos outros. Apesar da confiana, absolutamente firme que tinha na esttica renovadora, eu no teria foras para arrostar aquela tempestade de achincalhes. E se agentei o tranco foi porque estava delirando. O entusiasmo dos outros me embebedava, no o meu. Por mim teria cedido. Digo que teria cedido, mas apenas nessa parte espetacular do movimento modernista. Com ou sem a Semana, minha vida intelectual seria o que tem sido.A Semana marca uma data, isso inegvel. uma data que envaidece recordar. Mas o certo que a preconcincia primeiro, e em seguida a convico de uma arte nova, de um esprito novo, desde pelo menos seis anos viera se definindo no... sentimento de um grupinho de intelectuais, aqui. Do primeiro, foi um fenmeno estritamente sentimental, uma intuio divinatria, um... estado de poesia. Com efeito: educados na plstica "histrica", sabendo quando muito da existncia dos primeiros impressionistas, ignorando Czanne, o que nos levou a aderir incondicionalmente exposio de Anita Malfatti, em plena guerra europia, mostrando quadros expressionistas e cubistas? Parece absurdo, mas aqueles quadros foram para mim a revelao. E delirvamos diante do Homem Amarelo, a Estudanta Russa, a Mulher dos Cabelos Verdes. E ao Homem Amarelo eu dedicava um soneto parnasianssimo... ramos assim.Pouco depois, Menotti del Picchia e Osvaldo de Andrade, descobriram Brecheret no seu exlio do Palcio das Indstrias. E fazamos verdadeiras "rveries" simbolistizantes em frente da simblica exasperada e das estilizaes decorativas do "gnio". Porque Brecheret era para ns no mnimo um gnio. Este era o mnimo com que podamos nos contentar, tais os entusiasmos a que ele nos sacudia. E Brecheret ia ser em breve o gatilho que faria Paulicia Desvairada estourar. Eu passara esse ano de 1920 sem fazer mais poesia. Tinha cadernos e cadernos de cousas parnasianas e algumas simbolistas, mas tudo acabara por me desagradar. Na minha cultura desarvorada, j conhecia at Marinetti, mas repudiava a maioria dos princpios futuristas, como j escrevera no Jornal dos Debates, de Pinheiro da Cunha. S ento que descobri Verhaeren, desculpem, e foi o deslumbramento. Concebi fazer um livro de poesias modernas em verso livre, sobre a minha cidade. Tentei, no veio nada que me interessasse. Tentei mais e nada. Os meses passavam numa angstia, numa insuficincia feroz. Ser que a poesia tinha se acabado em mim?... E eu me acordava insofrido. A isso se ajuntavam dificuldades morais e vitais de toda espcie, foi ano de sofrimento muito. J ganhava para viver folgado, mas o ganho fugia em livros e eu me estrepava em arranjos financeiros temveis. Estava criando fama de professor bom e fazia esforos para que meus alunos de Conservatrio passassem com notas altas. Em casa o clima era torvo. Se me e irmos no me amolavam com as minhas "loucuras", o resto da famlia me retalhava sem piedade. Tinha discusses brutas em que os desaforos mtuos no raro chegavam quele ponto de arrebentao que... por que ser que a arte os provoca!... A briga era brava e, se no me abatia nada, me deixava em dio, mesmo dio. Foi quando Brecheret me concedeu passar em bronze um gesto dele que eu adorava, uma cabea de Cristo. Mas "com que roupa"? eu devia os olhos da cara! No hesitei, fiz mais conchavos financeiros e afinal pude desembrulhar em casa a minha Cabea de Cristo. A notcia correu num timo, e a parentada que morava pegado, invadiu a casa para ver. E brigar. Aquilo at era pecado mortal, onde se viu Cristo de trancinha! era feio, medonho!Fiquei alucinado, palavra de honra. Minha vontade era matar. Jantei por dentro, num estado inimaginvel de estraalho. Depois subi para o quarto, era noitinha, na inteno de me arranjar, sair, espairecer um bocado, botar uma bomba no centro do mundo, nem sei. Sei que cheguei sacada, olhando sem ver o meu Largo do Paissandu. Rudos, luzes, falas abertas subindo dos choferes de aluguel. Estava aparentemente calmo. No sei o que me deu... Cheguei na secretaria, abri um caderno, escrevi o ttulo em que jamais pensara, Paulicia Desvairada. O estouro chegara afinal, depois de quase ano de angstias interrogativas. Entre exames, desgostos, dvidas, brigas, em poucos dias estava jogado no papel um discurso brbaro, duas vezes maior talvez do que isso que o trabalho de arte fez um livro. Mais tarde, eu sistematizaria este processo de separao ntida entre o estado de poesia e o estado de arte, para a composio dos meus poemas "dirigidos", as lendas, por exemplo, o abrasileiramento lingstico de combate. Escolhido o tema, por meio das excitaes psicolgicas sabidas, preparar o advento do estado de poesia. Se este chega (quantas vezes no chegou...) escrever sem coao de espcie alguma, tudo o que me chega at a mo - a "sinceridade" do indivduo. E s em seguida, na calma, o trabalho penoso e lento da arte - a "sinceridade" da obra de arte, coletiva e funcional, mil vezes mais importante que eu...Quem teve a idia da Semana? Por mim no sei quem foi, s posso garantir que no fui eu. O mais importante era decidir e poder realizar a idia. E o fautor: verdadeiro da Semana de Arte Moderna foi Paulo Prado. E s mesmo uma figura como ele e uma cidade como So Paulo, poderiam fazer o movimento modernista e objetiv-lo na Semana. Houve tempo em que alguns escritores do Rio, cuidaram de transplantar para a Capital as razes do movimento, estribados nas manifestaes simbolistas e post-simbolistas, que existiam por l. Existiam, inegvel. Aqui, esse ambiente s fermentava em Guilherme de Almeida, e num Di Cavalcanti pastelista, "menestrel dos tons velados", como o apelidei numa dedicatria esdrxula. Mas eu creio ser um engano esse evolucionismo a todo transe, que lembra nomes de Nestor Vtor ou Adelino Magalhes, como elos ou precursores. Seria mais lgico evocar Manuel Bandeira com o Carnaval.No. O modernismo no Brasil foi uma ruptura, foi um abandono consciente de princpios e de tcnicas, foi uma revolta contra a Inteligensia nacional. mais possvel imaginar que o estado de guerra da Europa tivesse preparado em ns um esprito de guerra. E as modas que revestiram este esprito foram diretamente importadas da Europa. Quanto a dizer que ramos antinacionalistas, apenas bobagem ridcula. esquecer todo o movimento regionalista aberto anteriormente pela Revista do Brasil primeira fase, todo o movimento editorial de Monteiro Lobato, a arquitetura e at urbanismo (Dubugras) neo-colonial aqui nascidos. Isso sim eram razes engrossadas desde o incio da guerra. Mas o esprito e as modas foram diretamente importados da Europa. Ora So Paulo estava muito mais "ao par" que o Rio de Janeiro. E, socialmente falando, o modernismo s podia ser importado por So Paulo e arrebentar aqui. Havia uma diferena profunda, j agora pouco sensvel, entre Rio e So Paulo. O Rio era muito mais internacional, como norma de vida exterior. Est claro: capital do Pas, porto de mar, o Rio tem um internacionalismo ingnito. So Paulo era muito mais "moderna" porm, fruto necessrio da economia do caf e do industrialismo conseqente.Ingenitamente provinciana, conservando at agora um esprito provinciano servil, bem denunciado na poltica. So Paulo ao mesmo tempo estava, pela sua atualidade comercial e sua industrializao, em contato, se menos social, mais espiritual (no falo "cultural") e tcnico com a atualidade do mundo. mesmo de assombrar como o Rio mantm, dentro da sua malcia de cidade internacional, um ruralismo, um carter tradicional muito maiores que So Paulo. O Rio dessas cidades em que no s permanece indissolvel o "exotismo" nacional (o que prova de vitalidade do seu carter), mas a interpenetrao entre o rural e o urbano. Cousa impossvel de achar em So Paulo, como funcionalidade permanente. Como Belm, o Recife, a Cidade do Salvador, apesar do seu urbanismo rescendante, o Rio ainda uma cidade... folclrica. Em So Paulo o exotismo folclrico no freqenta a Rua Quinze. Vive em ncleos mortos, no funcionais, abastardados na separao, Santa Isabel. Carapicuiba. Ora no Rio malicioso, uma exposio com a de Anita Malfatti, podia ter reaes publicitrias, mas ningum se deixava levar. Na So Paulo sem malcia, criou uma religio. Com seus Neros tambm... O artigo "contra" de Monteiro Lobato, embora fosse apenas uma baladilha zangadinha, sacudiu uma populao, modificou uma vida.Junto disso, o movimento renovador era nitidamente aristocrtico. Pelo seu carter de jogo arriscado, pelo seu esprito aventureiro, pelo seu internacionalismo modernista, pelo seu nacionalismo embrabecido, pela gratuidade antipopular, era uma aristocracia do esprito. Era natural que a alta e a pequena burguesia o temessem. Paulo Prado, ao mesmo tempo que um dos expoentes da aristocracia intelectual paulista, era uma das figuras principais da nossa aristocracia tradicional. E foi por tudo isto que ele pde medir bem o que havia de aventureiro, de exerccio do perigo no movimento, e arriscar a sua responsabilidade intelectual e tradicional na aventura. Uma cousa dessas seria impossvel no Rio, onde no existe aristocracia tradicional, mas apenas sita burguesia riqussima. E esta no podia encampar um movimento que lhe destrua o esprito conservador e conformista. A burguesia nunca soube perder e isso que a perde. E aqui foi isso mesmo. Se Paulo Prado, com a sua autoridade intelectual e tradicional, abriu a lista das contribuies e arrastou atrs de si os seus pares e... alguns outros que a sua figura dominava, a burguesia protestou e vaiou. Tanto a burguesia de classe como a do esprito. delicioso lembrar que Amadeu Amaral, um dos espritos mais aristocrticos que So Paulo j produziu, embora retrado pelo muito que o maltratavam alguns de ns, nos via compreensivamente. A ele eu devo o Estado de S. Paulo no ter estraalhado Paulicia. Saiu-se de suas ocupaes e escreveu ele mesmo a nota sobre o livro, severa mas reconhecendo o direito da experincia.Em compensao a burguesia semiculta (a aristocracia era inculta: e j irresponsvel na sua decadncia de ento), essa espcie de intelectualidade rptil que abastece as cidades e acaba onde as cidades acabam, com que violncia de fulgir e se defender, arremeteu contra ns! Hoje, irnico evocar os nomes que brilharam lunarmente, iluminados pelo brilho prprio de um estado de esprito coletivo. Tanto os contra como os favorveis. Destes, os que no desapareceram na poeira de outros caminhos, tornaram-se figuras visveis da inteligncia nacional. Dos contrrios, os que tinham valor acabaram aceitando, e muitos aderindo ao movimento renovador. Os outros continuaram pura inteligncia de abastecimento urbano. O nome deles acaba onde a cidade acaba.

CAPTULO 2 Na verdade, o perodo "herico" do movimento que traria to maior necessidade coletiva s artes nacionais, foi esse iniciado com a exposio expressionista de Anita Malfatti e acabado com a "festa" da Semana de Arte Moderna. Durante essa meia dzia de anos fomos realmente puros e livres, desinteressados, vivendo numa unio iluminada e sentimental das mais sublimes. Isolados do mundo, caoados, achincalhados, malditos, ningum pode imaginar o delrio de grandeza e convencimento pessoal com que reagimos. O estado de exaltao gozado em que vivamos era insopitvel. Qualquer pgina de qualquer um de ns jogava os outros a acomodaes prodigiosas, mas aquilo era genial! E eram aquelas fugas desabaladas dentro da noite, na cadillac verde de Osvaldo de Andrade, para ir ler as nossas obras-primas em Santos, no Alto da Serra, na Ilha das Palmas... E os nossos encontros tardinha na redao de Papel e Tinta... E a falange engrossando com Srgio Milliet e Rubens Borba de Morais, chegados da Europa... E a adeso, no Rio, de um Manuel Bandeira... E as convulses de idealismo a que nos levava o Homem e a Morte de Menotti del Picchia... E o descobrimento assombrado de que existiam em So Paulo, quadros de Lasar Segall, j muito querido atravs de revistas de arte alems... E Di Cavalcanti, um dos homens mais inteligentes que conheci, com os seus desenhos j ento duma acidez destruidora. Tudo gnios, tudo obras-primas geniais... Apenas Srgio Milliet punha um certo mal-estar no incndio com a sua serenidade equilibrada... E o filsofo do grupo, Couto de Barros, pingando ilhas de conscincia em ns, quando no meio da discusso, perguntava mansinho: - Mas qual o critrio que voc tem da palavra "essencial", ou - 'Mas qual o conceito que voc faz do "belo horrvel"... Zina Aita... John Graz... Projetos que iluminavam o mundo... ramos uns puros. Mesmo cercados de repulsa cotidiana, a sade mental de quase todos ns nos impedia qualquer cultivo da dor. Nisso talvez as teorias futuristas tivessem uma influncia nica e benfica sobre ns. Ningum pensava em sacrifcio, nenhum se imaginava mrtir: ramos uma arrancada de heris convencidos, uns hitlerzinhos agradveis. E muito saudveis. Quanto a mim, mais intuda que emocionada, a conscincia de culpa que depois perseguira bastante minha obra potica, apenas se entremostrara pela primeira vez nos versos finais de Minha Loucura, em Paulicia Desvairada. Era estranho... Aquela ltima frase me desagradava, eu no gostava daquilo. Mas no tinha a menor possibilidade de renegar o que escrevera! A Semana de Arte Moderna, ao mesmo tempo que coroamento lgico dessa arrancada gloriosamente vivida (ramos "gloriosos" de antemo...), era um primeiro golpe de pureza do nosso aristocratismo espiritual. Consagrado o movimento pela aristrocracia paulista, e ainda sofreramos por algum tempo ataques por vezes cruis, a grandeza regional nos dava mo forte e... nos dissolvia nas impurezas da vida. Ao exemplo da vida principiavam as "intenes", os cotejos idiotas, as enfraquecedoras revises de valores. Est claro que a aristocracia protetora no agia de caso pensado, e se nos dissolvia, era pela prpria natureza do seu destino e do seu estado regional. Principiou o movimento dos "sales". E vivemos uns seis anos na maior orgia intelectual que a histria artstica do Pas registra. Est claro que, na intriga burguesa, a nossa "orgia" no era apenas espiritual... O que no disseram, o que no se contou das nossas festas... Champanha com ter, vcios inventadssimos, as almofadas viravam "coxins", toda uma semntica do maldizer... No entanto, quando no foram bailes pblicos, como o do Automvel Clube e os da S.P.A.M. (que foram o que so bailes desenvoltos de sociedade), as nossas festinhas nos sales modernistas eram as mais inocentes brincadeiras de artistas que se pode imaginar. Havia a reunio das teras, noite, na Rua Lopes Chaves. Primeira sem-data, essa reunio semanal continha exclusivamente artistas, e precedeu mesmo a Semana de Arte Moderna. Sob o ponto de vista intelectual foi o mais necessrio dos sales, se que se podia chamar salo aquilo. s vezes doze, at quinze artistas se reuniam no estdio acanhado, onde comamos doces tradicionais brasileiros e se bebia um alcoolzinho econmico. As discusses chegavam a transes agudos, o calor era tamanho que um ou outro sentava nas janelas (no havia assento para todos!), e assim mais elevado dominava pela altura, j no dominava pela voz nem o argumento. E aquele raro retardatrio da rua ainda no calada, parava em frente, na esperana de algum incndio por gozar. Havia o salo da Avenida Higienpolis, que era o mais selecionado. Tinha por pretexto o almoo dominical, maravilha de comida luso-brasileira de tradio. Ainda a, se a conversao era estritamente intelectual variava mais e se alargava. Paulo Prado, com o seu pessimismo fecundo e o seu realismo, convertia sempre o assunto das livres elocubraes estticas aos problemas prticos da realidade brasileira. Foi o salo que durou mais tempo e se dissolveu de maneira bem malestarenta. O seu chefe, tornando-se por sucesso, o patriarca da sua famlia, a casa foi invadida mesmo aos domingos, por um pblico da alta que no podia compartilhar do rojo dos nossos assuntos. E a conversa se manchava de pquer, nomes sociais, dinheiro. Os intelectuais vencidos foram se retirando aos poucos. o salo que me deixou mais saudades felizes. E houve o salo da Rua Duque de Caxias, que foi o maior, o mais verdadeiramente salo. As reunies semanais eram tarde, tambm s teras-feiras. E isso foi uma das causas das reunies noturnas do mesmo dia irem esmorecendo na Rua Lopes Chaves. A sociedade da Rua Duque de Caxias era a mais numerosa e mais variegada tambm. S em certas festas especiais, no salo moderno decorado por Lasar Segall, o grupo se tornava mais coeso. Tambm a o culto da tradio era firme, dentro do maior modernismo. A cozinha, de cunho afro-brasileiro, aparecia em almoos e jantares perfeitssimos de equilbrio. E conto entre as minhas maiores venturas admirar essa mulher excepcional que foi dona Olivia Guedes Penteado. A sua discrio, o tato e a autoridade prodigiosos com que ela soube dirigir, manter, corrigir essa multido heterognea que se chegava a ela, atrada pela sua figura e prestgio, artistas, polticos, ricaos, cabotinos, foi incomparvel. O salo da Rua Duque de Caxias teve como elemento principal de dissoluo a efervescncia poltica que estava preparando 1930. A fundao do Partido Democrtico, o nimo poltico eruptivo que se apoderara de muitos artistas, baixara um mal-estar sobre o salo. Os democrticos foram se afastando. Por outro lado o fachismo nacional encontrava algumas simpatias entre as pessoas de roda, e ainda estava muito sem vcio, muito desinteressado para aceitar acomodaes. E sem nenhuma publicidade mas com firmeza, dona Olivia soube terminar aos poucos o seu salo modernista. O ltimo em data dos sales foi o da Alameda Baro de Piracicaba, congregado em torno de Tarsila. No tinha dia fixo, mas as reunies eram quase semanais. Durou pouco. E no teve jamais o encanto das reunies que fazamos, quatro ou cinco artistas, no antigo ateli da admirvel pintora.Isto foi pouco depois da Semana, quando esta, definitivando na compreenso conformista a existncia de um esprito de revoluo, principiou nos castigando com a perda de alguns empregos. Eu teria ficado literalmente no desvio, se o acaso da morte de meu pai em 1921, no fizesse com que o Conservatrio, consagrando a memria do pai, elegesse catedrtico o filho, um ou dois meses antes do fevereiro da Semana! O cargo era vitalcio e no o perdi. Mas perdi todos os meus alunos particulares, menos algum que ficou por motivos de nenhuma pedagogia. Belazarte contou um caso bastante parecido em Menina de Olho no Fundo. Mas dos trs sales aristocrticos, Tarsila conseguiu dar ao dela uma significao de maior independncia, maior comodidade. Nos outros dois, por maior que fosse o liberalismo dos que os dirigiam, havia tal imponncia de nobreza e tradio no ambiente, que no nos era possvel nunca evitar um tal ou qual constrangimento. No de Tarsila jamais sentimos isso. Foi o mais "gostoso" dos nossos sales aristocrticos.Embora lanando inmeros processos e idias novas, ns ramos, ento, especialmente destruidores. At destruidores de ns mesmos, porque o pragmatismo das pesquisas sempre enfraqueceu a liberdade da criao. A aristocracia tradicional nos deu mo forte, pondo em evidncia mais essa geminao de destino - tambm ela j ento autofagicamente destruidora, por no ter mais uma significao verdadeiramente funcional. Quanto aristocracia do dinheiro, sempre nos olhou com confiana e nos detestava. Nenhum salo de novo-rico tivemos, nenhum milionrio estrangeiro nos acolheu. Os italianos, alemes, os israelitas se faziam demais guardadores do "bom-senso" nacional, que Prados e Penteados e Amarais!... Mas ns estvamos longe, arrebatados pelos ventos autofgicos da destruio. E o fazamos pela festa, de que a Semana de Arte Moderna foi a primeira. A bem dizer, todo esse perodo destruidor do movimento modernista foi uma fase ininterrupta de festa, de cultivo do prazer. E se tamanha festana diminuiu por certo muito nossa capacidade de produo e serenidade criadora, ningum pode imaginar como nos divertimos. Sales, festivais, bailes, Spam, semana em fazendas, Semanas Santas nas cidades velhas de Minas, viagens pelo Amazonas, pelo Nordeste, chegadas Bahia, Itu, Sorocaba. Parnaba. Era, ainda e sempre, o caso do baile sobre os vulces... Doutrinrios na ebriez de mil e uma teorias salvando o Brasil, construindo o mundo, na verdade nos consumamos no cultivo amargo de uma necessidade quase delirante de prazer. O movimento de Inteligensia que representamos, em sua fase "modernista" no foi o gerador das mudanas poltico-sociais posteriores a ele no Brasil. Foi essencialmente um preparador, o criador de um estado de esprito revolucionrio. E se numerosos dos intelectuais do movimento se dissolveram na poltica, se vrios de ns participamos das reunies iniciais do Partido Democrtico, carece no esquecer que tanto o P. D. como 1930 eram ainda destruio. Os movimentos espirituais precedem sobre as mudanas de ordem social. O movimento social de destruio que se iniciou com o P. D. e 1930. E, no entanto, por esta data que principia para a Inteligncia brasileira uma fase mais calma, mais proletria por assim dizer, de construo, espera que um dia as outras formas sociais a imitem.E foi a vez do salo de Tarsila se acabar, 1930... Tudo estourava, polticas, famlias, casais de artistas, estticas, amizades profundas. O perodo destrutivo e festeiro do movimento modernista j no tinha mais razo de ser. Na rua o povo amotinado gritava: Getlio! Getlio!... Na sombra de Plnio Salgado pintava de verde a sua megalomania de Esperado.Outros abriam as veias para manchar de rubro as suas quatro paredes de segredo. Mas nesse vulco, agora ativo e de tantas esperanas, j vinham se fortificando as belas figuras mais calmas e construidoras, os Lins do Rego, os Augusto Frederico Schmidt, os Otvio de Faria, e os Portinari e os Camargos Guarnieri. Que a vida ter que imitar qualquer dia.

CAPTULO 3 No cabe aqui o processo integral do movimento modernista. O que o caracterizou essencialmente, a meu ver, foi a fuso de trs princpios fundamentais: - 1. - o direito pesquisa esttica; 2. - a atualizao da inteligncia artstica brasileira; 3. - a estabilizao de uma conscincia criadora nacional.

Nada disso representa exatamente uma inovao e de tudo encontramos exemplos na histria artstica do Brasil: a fundamental, a gloriosa novidade, imposta pelo movimento, foi a conjugao dessas trs normas num todo orgnico da conscincia coletiva. E se dantes, ns distinguimos a estabilizao assombrosa da conscincia nacional num Gregrio de Matos, ou, mais natural e eficiente, num Castro Alves, certo que a nacionalidade deste, como o nacionalismo do outro, de um Carlos Gomes e at mesmo de um Almeida Jnior, eram episdios como realidade do esprito. E em qualquer caso era um individualismo. Quanto ao direito de pesquisa e atualizao universal da criao artstica, incontestvel que todos os movimentos histricos das nossas artes se basearam no academismo. Com alguma exceo rara e sem a menor repercusso coletiva, os artistas brasileiros jogaram sempre colonialmente no certo. Repetindo e afeioando estticas j consagradas, se eliminava assim o direito de pesquisa e conseqentemente de atualidade. E foi dentro desse academismo inelutvel que se realizaram nossos maiores, um Aleijadinho, um Costa Atade, Cludio Manuel Gonzaga, Gonalves Dias, Jos Mauricio, Nepomuceno, Alusio, e at mesmo um lvares de Azevedo, at mesmo um Alphonsus de Guimares. Ora, o nosso individualismo entorpecente se esperdiou no mais desprezvel dos lemas: "No h escolas!" e isso ter por certo prejudicado muito a eficincia criadora do movimento modernista. E se no prejudicou a sua ao espiritual sobre o Pas, foi porque o esprito paira sempre acima dos preceitos como das prprias idias... J tempo de observar, no o que um Ronald de Carvalho e um Carlos Drummond de Andrade tm de diferente, mas o que tm de igual. E o que nos igualava, por cima dos despautrios individualistas, era justamente a organicidade de um esprito atualizado que pesquisava, j gostosamente radicado sua identidade coletiva. No apenas acomodado terra, mas radicado em sua realidade. O que no se deu sem alguma patriotice e muita falsificao. Nisso as orelhas burguesas se alardearam refartas por debaixo da aristocrtica pele de leo que nos vestira... Porque, com efeito, o que se observa, o que caracteriza essa radicao na terra, num grupo numeroso de gente, um conformismo legtimo, disfarado e mal e mal disfarado nos melhores, mas, na verdade, cheio de uma cnica satisfao, da terra, bastante acadmica e nacionalista, que no raro se tornou um porque meufanismo larvar. A verdadeira conscincia da terra levaria fatalmente ao no conformismo e ao protesto, como Paulo Prado com o Retrato do Brasil e os raros "anjos" do Partido Democrtico e do Integralismo. Para a maioria, o Brasil se tornou uma ddiva do cu. Um cu bastante governamental... Graa Aranha, sempre desacomodado em nosso meio que ele no sentia, tornou-se o exegeta desse conformismo modernista, com aquela frase detestvel de no sermos a "cmara morturia de Portugal". Quem pensava nisso! Pelo contrrio, o que ficou escrito foi que no nos incomodava nada "coinscidir" com Portugal, pois o importante era a desistncia do confronto e das liberdades falsas. O resultado mais barulhento dessa radicao ptria foi o problema da "lngua brasileira". Mas foi puro boato falso. Na verdade, apesar das aparncias e da bulha que fazem agora certas santidades de ltima hora, ns estamos, ainda hoje, to escravos da gramtica lusa como qualquer luso. No h dvida nenhuma que ns atualmente sentimos e pensamos o "quantum satis" brasileiramente. Digo isto at com certa 'malincolia', amigo Macunama, meu irmo. Mas isso no o bastante para identificar nossa expresso verbal, muito embora a realidade brasileira, mesmo psicolgica, seja agora mais forte e insolvel que nos tempos de Jos de Alencar ou Machado de Assis. E como negar que esses tambm pensavam brasileiramente! Como negar que no estilo de Machado de Assis, luso pelo ideal, intervm um "quid" familiar que o diferena verticalmente de um Garret e um Ortigo! Mas se em lvares de Azevedo, Varela, Alencar, Macedo h uma identidade nacional que nos parece bem maior que a de Brs Cubas ou Bilac, porque nos romnticos chegou-se a um "esquecimento" da gramtica portuguesa que lhes permitiu muito maior equilbrio do ser com sua expresso lingstica.O esprito modernista reconheceu que se vivamos j de nossa realidade brasileira, carecia reverificar nosso instrumento de trabalho para que nos expressssemos com identidade. Inventou-se, do dia pra noite, a fabulosssima "lngua brasileira". Mas ainda era cedo, e a fora de elementos contrrios, principalmente a ausncia de rgos cientficos adequados, reduziu tudo a boataria. E hoje, como normalidade de lngua culta e escrita, estamos em situao inferior de cem anos atrs. A ignorncia pessoal de vrios fez com que se anunciassem em suas primeiras obras como padres excelentes de brasileirismo estilstico. Era ainda o mesmo caso dos romnticos: no se tratava de uma superao da lei portuguesa, mas de uma ignorncia dela. Mas assim que alguns desses prosadores se firmaram, pelo valor pessoal admirvel que possuam (me refiro gerao de 30), principiaram as veleidades de escrever certo... E cmico observar que, hoje, em alguns dos nossos mais fortes estilistas, surgem a cada passo, dentro de uma expresso j intensamente brasileira, lusitanismos sintxicos ridculos. To ridculos que se tornam verdadeiros erros de gramtica! Noutros, esse reaportuguesamento expressional ainda mais desprezvel: querem ser lidos alm-mar e surgiu o problema econmico de serem vendidos em Portugal. Enquanto isso, a melhor intelectualidade lusa, numa liberdade admirvel, aceitava abertamente os mais exagerados de ns, compreensiva, sadia, mo na mo.Houve tambm os que, desaconselhados pela preguia, resolveram se "despreocupar" do problema: so os que empregam anglicismos e galicismos dos mais abusivos, enquanto repudiam qualquer "me parece" por artificial! Outros mais cmicos ainda, dividiram o problema em dois: nos seus textos escrevem gramaticalmente, mas permitem que seus personagens, falando, "errem" o portugus. Assim, a "culpa" no dos escritores, dos personagens. Ora, no h soluo mais incongruente em sua aparncia conciliatria. No s pe em foco o problema do erro de portugus, como estabelece um divrcio inapelvel entre a linguagem falada e a lngua escrita - bobagem bbada para quem souber um naco de filologia. E h mesmo as garas brancas do individualismo que, embora reconhecendo a legitimidade do problema, se recusam a colocar brasileiramente um pronome, para no ficarem parecendo com Fulano! Esses entontecidos esquecem que o problema coletivo e que, se adotado por muitos, muitos ficavam se parecendo com o Brasil! A tudo isso se ajuntava, quase decisrio, o interesse econmico de revistas, jornais, editores, que intimidados com alguma carta rara de leitor gramatiquento ameaando no comprar, se opem pesquisa lingstica e chegam ao desplante de corrigir artigos assinados! Ainda recentemente uma das maiores revistas do Pas, republicando um conto, no s mudava todo "pra" em "para", o que apenas fenmeno de surdez rtmica, mas "corrigia" um boleio sintxico, sem sequer uma consulta ao seu autor! Mas, morto o metropolitano Pedro II, quem nunca respeitou a inteligncia neste Pas!...Tudo isso, no entanto, era sempre estar com o problema em campo. A desistncia grande foi criarem o mito do "escrever naturalmente", no tem dvida: o mais feiticeiro dos mitos. No fundo, embora no consciente e desonrosa, era uma desonestidade como qualquer outra. E a maioria, sob o pretexto de escrever naturalmente (incongruncia, pois a lngua escrita, embora lgica, sempre artificial) se chafurdou na mais anti-lgica e antinatural das escritas. So uma lstima. Nenhum deles deixar de falar "naturalmente" um "est se vendo" ou "me deixe". Mas para escrever "com naturalidade", at inventam os socorros angustiados das conjunes, para se sarem com um "E se est vendo" que salva a ptria da retoriquice. E uma delcia constatar que se afirmam escrever brasileiro, no h uma s frase deles que qualquer luso no assinaria com integridade nacional... lusa. Identificam-se quele deputado mandando (apenas) fazer uma lei que chamava de lngua brasileira lngua nacional. Mas como incontestavelmente sentem e pensam com nacionalidade, isto , numa entidade amerndio-afro-luso-latino-americano-franco-anglo-etc., o resultado esse estilo "ersatz" em que se desamparam, triste moxinifada moluscide, sem vigor nem carter. No me refiro a ningum, me refiro a centenas. Estou me referindo justamente aos honestos, aos que sabem escrever e possuem tcnica. So eles que provam a inexistncia de uma "lngua brasileira" e que a colocao do mito, no campo das nossas pesquisas, foi to prematura como no tempo de Jos de Alencar. E se os chamei de inconscientemente desonestos porque a arte, como a cincia ou o proletariado, no trata apenas de adquirir o bom instrumento de trabalho, mas impe a sua constante reverificao. O operrio no compra a foice apenas, tem de afi-la dia por dia. O mdico no fica no diploma, o renova dia por dia no estudo. Ser que a arte nos exime deste diarismo profissional? No basta "sinceridade" e ressonar sombra do Deus novo. Saber escrever est muito bem. Mas o problema verdadeiro do artista no esse, escrever melhor. Toda a histria do profissionalismo humano o prova. Ficar-se no aprendido no ser natural: ser acadmico; no despreocupao: passadismo. O problema era ingente por demais. Cabia aos fillogos brasileiros, que j so criminosos de to vexatrias reformas ortogrficas patrioteiras, o trabalho glorioso de fornecer aos artistas uma codificao das tendncias e constncias da expresso lingstica nacional. Mas eles recuam diante do trabalho til, to mais fcil ler os clssicos! Preferem a cienciazinha de explicar um erro de copista, imaginando uma palavra inexistente no latim vulgar. Os mais "avanados" vo at aceitar timidamente que iniciar a frase com pronome oblquo no "mais" erro no Brasil. Mas confessam no escrever... isso, pois no seriam "sinceros" com o que beberam no leite materno. Beberam des-hormnios... Bolas para os fillogos! Caberia aqui tambm o repdio dos que pesquisaram sobre a lngua escrita brasileira. Preocupados pragmaticamente em ostentar o problema, fizeram tais exageros de tornar para sempre odiosa a lngua nacional. Eu sei: talvez neste caso ningum vena o autor destas linhas. Em primeiro lugar, o autor destas linhas, com alguma faringite, vai passando bem, muito obrigado. Mas certo que jamais exigiu lhe seguissem os brasileirismos loquazes. Se os praticou (um tempo) foi na inteno de pr em angstia aguda um problema que julgava fundamental. Mas o problema verdadeiro no vocabular, sintxico. E afirmo que o Brasil hoje possui, no apenas regionais, mas generalizadas no Pas, numerosas tendncias e constncias que lhe do natureza caracterstica linguagem. Mas isso ficar para outro futuro movimento modernista, amigo Jos de Alencar, meu irmo. Ns fracassamos.

CAPTULO 4 Mas eu creio que no foi um desastre insanvel o fracasso das pesquisas sobre lngua, que apontei no meu artigo anterior. Sob o ponto de vista da radicao da nossa cultura entidade brasileira, as compensaes foram muito numerosas para que o boato falso da lngua nacional se tornasse falha grave. S o que avanamos em sociologia, s a reorganizao dos estudos folclricos e crtico-histricos sob princpios mais cientficos, s o repdio do amadorismo nacionalista e do segmentarismo regional e finalmente s o processo do Homo brasileiro, realizado pelos romancistas e ensastas, so herana fecundssima e j esplndida, que no nos permite sequer melancolia na verificao da bancarrota lingista. E ainda h que considerar a descentralizao intelectual, hoje em contraste aberrante com outras manifestaes sociais do pais. Hoje a Corte, o fulgor das duas cidades brasileiras de mais de um milho, no tem nenhum sentido nacional que no seja meramente estatstico. Pelo menos quanto literatura, nica das artes que j alcanou estabilidade normal no Brasil. As outras so demasiado dispendiosas para se normalizarem numa nao de to interrogativa riqueza pblica como a nossa. O movimento modernista, pondo em evidncia e sistematizando uma "cultura" nacional, exigiu da Inteligensia estar ao par do que se passava nas numerosas Cataguazes. E se as cidades de primeira grandeza fornecem facilitaes publicitrias sempre de natureza especialmente estatstica, impossvel ao brasileiro, "culto" nacionalmente, ignorar um Erico Verssimo, uma Raquel de Queiroz, um Camargo Guarnieri, nacionalmente gloriosos do canto das suas provncias. Basta comparar tais criadores com fenmenos j histricos mas idnticos, um Alphonsus de Guimares, um Amadeu Amaral e os regionalistas imediatamente anteriores a ns, para verificar a convulso fundamental do problema. Conhecer um Alcides Maia, um Carvalho Ramos, um Teles Junior era, nos brasileiros, um fato individualista de maior ou menor "civilizao". Conhecer um Ciro dos Anjos, um Gilberto Freyre, um Guilherme Cesar, hoje, uma exigncia de "cultura". Dantes esta exigncia estava relegada aos... historiadores.A pratica principal desta descentralizao da Inteligensia se fixou no movimento nacional das editoras provincianas. E se ainda vemos o caso de uma grande editora, como a Livraria Jos Olimpio, obedecer atrao da mariposa pela chama, indo se apadrinhar com o prestgio na Crte, por isto mesmo ele se torna mais comprovatrio. Porque o fato da Livraria Jos Olmpio ter cultamente publicado escritores de todo o Pas, no a caracteriza. Nisto ela apenas se iguala s outras editoras da provncia, uma Globo, a Nacional, a Martins, a Guara. O que exatamente caracteriza a editora da rua do Ouvidor - umbigo do Brasil, como diria Paulo Prado - ter se tornado, por assim dizer, o rgo oficial das oscilaes ideolgicas do Pas, publicando tanto as dialticas integralistas como a poltica do sr. Francisco Campos. Quanto conquista do direito permanente de pesquisa esttica, creio no ser possvel qualquer contradio: a vitria grande do movimento no campo da arte. E o mais caracterstico que o anti-academismo das geraes posteriores a da Semana de Arte Moderna se fixou exatamente naquela lei esttico-tcnica do fazer melhor, a que ???? no meu ltimo artigo, e no como um abusivo instinto de revolta, destruidor em princpio, como foi o do movimento modernista. Talvez seja este, realmente, o primeiro movimento de independncia da inteligncia brasileira, que se posta ter como legtimo e indiscutvel. J agora com todas as probabilidades de permanncia. At o Parnasianismo, at o Simbolismo, at o Impressionismo inicial de um Vila Lobos, o Brasil jamais pesquisou (como conscincia coletiva, est claro) nos campos da criao artstica. No s importvamos tcnicas e estticas, como s as importvamos depois de certa estabilizao e, a maioria das vezes, j academizadas. Era ainda um completo fenmeno de colnia???, imposto pela nossa escravizao econmico-social. Pior que isso: esse esprito acadmico no tendia para nenhuma libertao e para uma expresso prpria. E se um Bilac da Via Lactea maior que todo o Lecomte, a "culpa" no de Bilac... Pois o que ele almejava era mesmo ser parnasiano, senhora Serena Forma.Essa normalizao de um esprito de pesquisa esttica, anti-acadmico porm no mais revoltado e destruidor, a maior manifestao de independncia e de estabilidade nacional que j conquistou a Inteligncia brasileira. E como os movimentos espirituais precedem as manifestaes das outras formas da sociedade, fcil de perceber a mesma tendncia de liberdade e conquista de expresso prpria tanto na imposio do verso-livre antes de 30, como na "marcha para o Oeste" posterior a 30, tanto na Bagaceira, no Estrangeiro, na Evocao do Recife anteriores a 30, como no caso da Itabira e a nacionalizao das indstrias pesadas, posteriores a 30.Eu sei que ainda existem espritos coloniais ( to fcil a erudio) s preocupados em demonstrar que sabem Europa a fundo, que nos murais de Portinari s enxergam as paredes de Rivera, no atonalismo de Francisco Mignone s percebem Schoemberg, ou no Ciclo da Cana de Acar o "roman-fleuve" dos franceses... Tristo de Ataide, como crtico literrio do Modernismo, foi o prottipo desse colonialismo escandalizado; e no podamos gostar de Piolin??? ou siquer respirar que ele no fosse descobrir nisso consequncias imitadas da condecorao dos Fratellini ou de algum modernista da Cochinchina...O problema no complexo, mas seria longo discuti-lo aqui. Limito-me a propor o dado principal. Em primeiro lugar carece no esquecer que as mesmas causas produzem geralmente os mesmos efeitos, e que em etnografia existe a lei da "Elementargedanke", os pensamentos elementares que tanto podem nascer num como noutro lugar, sem que haja necessariamente migrao. Ns tivemos no Brasil um movimento espiritual (no falo apenas escola de arte) que foi absolutamente "necessrio", o Romantismo. Insisto: no me refiro apenas ao romantismo literrio, to acadmico como a importao inicial do Modernismo artstico, e que se poder comodamente datar de Domingos Jos Gonalves de Magalhes. Estou me referindo ao "esprito" romntico, que est na Inconfidncia, no Baslio da Gama do Uraguai, nas liras de Gonzaga como nas Cartas Chilenas de quem os senhores quiserem. Este esprito preparou o estado revolucionrio de que resultou a Independncia poltica, e teve como padro briguento a primeira tentativa de lngua brasileira. O esprito revolucionrio modernista, to necessrio como o romntico, preparou o estado revolucionrio poltico de 30 em diante, e tambm teve como padro barulhento a segunda tentativa de nacionalizao da linguagem. A similaridade muito forte.Esta "necessidade" espiritual, que ultrapassa a literatura esttica, que diferena fundamentalmente Romantismo e Modernismo, das outras escolas de arte brasileiras. Essas, mesmo a feio mais independente que tomou o Barroco em Minas na segunda metade do sculo 18, foram todas essencialmente acadmicas, obedincias culturalistas que denunciam muito bem o colonialismo da Inteligncia brasileira. Nada mais absurdamente imitativo (pois se nem era imitao: era escravido!) que a cpia, no Brasil, de movimentos estticos particulares, que de forma alguma eram universais, como o culteranismo italo-ibrico setecentista, como o Parnasianismo, como o Simbolismo, como o Impressionismo, como o wagnerismo de um Leopoldo Miguez. So puras superfectaes culturalistas, impostas de cima para baixo, de proprietrio propriedade, sem o menor fundamento nas foras populares. Da uma base desumana, prepotente e, meu Deus! arianizante que, se prova o imperialismo dos que com ela dominavam, prova a sujeio dos que com ela foram dominados. Ora aquela base humana e popular das pesquisas estticas faclimo encontr-la no Romantismo, que chegou mesmo a retornar coletivamente s fontes do povo e, a bem dizer, criou a cincia do Folclore. E no verso-livre, no Cubismo, no atonalismo, no predomnio da rtmica, no Super-realismo mstico, no Expressionismo, iremos encontrar essas mesmas bases populares. E at primitivas, como a arte negra. Assim como o cultssimo "roman-leuve" e os ciclos com que um Lins do Rego processa a civilizao nordestina, ou Otavio de Faria a decrepitude da burguesia, ainda so instintos e formas funcionalmente populares que encontramos nas mitologias cclicas, nas sagas e nos Kelevalas e Nibelungos de todos os povos. J escreveu um autor, como concluso condenatria, que "a esttica do Modernismo ficou indefinvel"... Pois essa a melhor razo de ser do Modernismo! Ele no era uma esttica, nem na Europa nem aqui. Era um estado de esprito revoltado e revolucionrio que, se a ns nos atualizou, sistematizando como constncia da Inteligncia nacional o direito anti-acadmico da pesquisa esttica e preparou o estado revolucionrio das outras manifestaes sociais do Pas, tambm fez isto mesmo no resto do mundo, profetizando esta contempornea Guerra dos Cem Anos de que uma civilizao nova nascer. E hoje o artista brasileiro tem diante de si uma verdade social, uma liberdade (infelizmente s esttica) uma independncia, um direito s suas inquietaes e pesquisas que, no tendo passado pelo que passaram os modernistas da semana, ele no pode imaginar que conquista enorme representa. Quem se revolta mais, quem briga mais contra o politonalismo de um Loureno Fernandez, contra a arquitetura do Ministrio da Educao, contra os versos "incompreensveis" de um Murilo Mendes, contra o expressionismo de um Guignard?...Tudo isto so manifestaes normais, discutveis sempre, mas que no causam o menor escndalo pblico. Pelo contrrio, so as prprias foras governamentais que aceitam a realidade de um Portinari, de um Vila Lobos, de um Lins do Rego, de um Almir de Andrade, pondo-os em cheque e no perigo constante das predestinaes. Mas um Flavio de Carvalho, mesmo com as suas experincias numeradas, e muito menos um Clovis Graciano, mas um Camargo Guarnieri mesmo com as incompreenses que o perseguem, um Otvio de Faria com a crueza dos casos que expe, um Santa Rosa, jamais no podero suspeita o a que nos sujeitamos, para que eles pudessem hoje viver abertamente o drama que os persegue. A vaia acesa, a carta annima, o insulto pblico, a perseguio financeira... Mas recordar quase exigir simpatia e estou a mil lguas disto.Ainda caberia falar sobre o que chamei de "atualizao da inteligncia artstica brasileira". Com efeito, no se pode confundir isso com a liberdade da pesquisa esttica, pois esta lida com formas, com a tcnica e as representaes da beleza, ao passo que a arte muito mais larga e complexa que isso e tem uma funcionalidade imediata social, uma profisso e uma fora interessada na vida. A prova mais evidente esta distino o famoso problema do assunto em arte, no qual tantos escritores se emaranham. Ora no h dvida nenhuma que o assunto no tem a menor importncia para a inteligncia esttica. Chega mesmo a no existir para ela. Mas a inteligncia esttica se manifesta por intermdio de uma expresso interessada da sociedade, que a arte. Esta que tem uma funo humana, maior que a criao hedonstica da beleza. e dentro desta funcionalidade humana da arte que o assunto adquire um valor primordial e representa uma mensagem imprescindvel. Ora, como atualizao da inteligncia artstica, que o movimento modernista representou um papel contraditrio e muitas vezes precrio. Mas me reservo para demonstrar isso numa conferncia que farei na Casa do Estudante do Brasil. Vou terminar estas memrias gratas. Manifestando-se especialmente pela arte o movimento modernista foi o prenunciador, o preparador e por muita partes o criador de um estado de esprito nacional. A transformao social do mundo com a quebra gradativa dos grandes imprios, a prtica europia de novas ideologias polticas, a rapidez dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o desenvolvimento da conscincia americana e nacional, os progressos internos da tcnica e da educao, impunham a criao de um esprito novo e exigiam a reverificao e mesmo a remodelao da inteligncia brasileira. Isto foi o movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal. H um mrito inegvel nisso, embora aqueles primeiros modernistas... das cavernas, que nos reunimos em torno de Anita Malfatti e Vitor Brecheret, tenhamos como que apenas servido de altifalantes de uma fora universal e nacional muito maior que ns. Fora fatal, que viria mesmo. Creio que foi um crtico paraibano, Ascendino Leite, quem falou uma vez que tudo quanto fez o movimento far-se-ia da mesma forma sem o movimento. No conheo lapalisada mais graciosa. Porque tudo isso que se faria, mesmo sem o Movimento Modernista, seria pura e simplesmente... o movimento modernista.

ENFIM, A SEMANA!

"Seremos lindssimos! Insultadssimos! Celebrrimos.Teremos nossos nomes eternizados nos jornais e na Histria da Arte Brasileira."Trecho da carta-convite de Mrio de Andrade a Minotti del Picchia para participar da Semana da Arte Moderna.A Semana, que, segundo Oswald de Andrade, no foi idealizada por ningum, oficialmente, teve incio no dia 11 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal. Na verdade o teatro abrigou uma exposio modernista do dia 11 at o dia 18 do mesmo ms. Nas noites dos dias 13, 15 e 17 foram realizadas conferncias, leituras de poesia e prosa, espetculos de msica e de dana. Essas noites no foram programadas intercaladas sem um propsito: os modernistas queriam ler a reao da imprensa nos Jornais dos dias que se seguiam, o que foi conseguido, pois os jornais dos dias 14, 16 e 18 publicavam escandalizados os acontecimentos das noites anteriores.

O catlogo oficial da Semana assim apresenta os seus participantes: Pintura - Anita Malfatti, Ferrignac, J. F. de Almeida Prado, John Graz, Martins Ribeiro, Vicente do Rego Monteiro e Zina Aita Escultura - Vtor Brecheret e W. Haarberg Arquitetura - Antnio Moya e Georg Przyrembel

A esses, Ren Thiollier, um dos administradores financeiros da Semana, acrescenta Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi e Regina Graz na pintura, e Hildegardo Leo Veloso na escultura.

A este nomes ainda se acrescentam alguns, segundo historiadores de arte. O programa oficial foi publicado nos jornais da poca da seguinte forma:

PROGRAMA DO PRIMEIRO FESTIVALSegunda - feira, 13 de fevereiro

1 PARTE Conferncia de Graa Aranha: "A emoo esttica na arte moderna", ilustrada com msica executada por Ernani Braga e poesia de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho.

Msica de cmara: Villa-Lobos, Sonata II para violoncelo e piano (1916), com Alfredo Gomes e Luclia Villa-Lobos; Trio Segundo para violino, violoncelo e piano (1916), com Paulina d'Ambrsio, Alfredo Gomes e Fructuoso de Lima Vianna.

2 PARTE

Conferncia de Ronald de Carvalho: "A pintura e a escultura moderna no Brasil".

Solos de piano por Ernani Braga: "Valsa Mstica" (1917, da Simples Coletnea); "Rodante" (da Simples Coletnea); A fiandeira.

Octeto (Trs danas africanas): "Farrapos" (1914, "Danas dos moos"); "Kankukus" (1915, "Danas dos velhos"); "Kankikis" (1916, "Danas dos meninos"). Violinos: Paulina d'Ambrosio, George Marinuzzi. Alto: Orlando Frederico. Violoncelos: Alfredo Gomes; baixo: Alfredo Corazza. Flauta: Pedro Vieira; clarinete: Anto Soares. Piano: Fructuoso de Lima Vianna.

PROGRAMA DO SEGUNDO FESTIVALQuarta - feira, 15 de fevereiro

1 PARTE Palestra de Minotti del Picchia, ilustrada com poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Luiz Aranha, Srgio Milliet, Tcito de Almeida, Ribeiro Couto, Mrio de Andrade, Plnio Salgado, Agenor Barbosa e dana pela senhorita Yvonne Daumerie.

Solos de piano por Guiomar Novaes:

a. Blanchet: Au jardin du vieux Srail.

b. Villa-Lobos: O ginete do pierrozinho.

c. Debussy: La soire dans Grenade.

d. Debussy: Minstrels.

INTERVALO

Palestra de Mrio de Andrade de Andrade no saguo do Teatro

2 PARTE

Conferncia de Ronald de Carvalho: "A pintura e a escultura moderna no Brasil".

Palestra de Renato Almeida:"Perennis poesia".

Canto e piano por Frederico Nascimento Filho e Luclia Villa-Lobos: Festim Pago(1919); Solido (1920); Cascavel (1917).

Quarteto terceiro (cordas, 1916). Violinos: Paulina d'Ambrosio, George Marinuzzi. Alto: Orlando Frederico. Violoncelos: Alfredo Gomes.

PROGRAMA DO TERCEIRO FESTIVALSexta - feira, 17 de fevereiro

1 PARTE Villa-Lobos:Trio Terceiro para violino, violoncelo e piano (1918), com Paulina d'Ambrosio, Alfredo Gomes e Luclia Villa-Lobos.

Canto e piano por Maria Emma e Luclia Villa-Lobos.

Historietas, de Ronald de Carvalho (1920): "Lune d'octobre"; "Voil la vie"; "Jouis dans retard, car vite s'scoule la vie".

Sonata II para violino e piano (1914), com Paulina d'Ambrosio e Fructuoso de Lima Vianna.

2 PARTE

Solos de piano por Ernani Braga: "Camponesa cantadeira" (1916, da Sute floral); "Num bero encantado" (1919, da Simples Coletnea); Dana infernal (1920).

Quarteto Simblico (expresses da vida mundana): flauta, saxofone, celesta e harpa ou piano com vozes femininas em coro oculto (1921), com Pedro Vieira, Anto Soares, Ernani Braga e Fructuoso de Lima Vianna.

Como podem ver, a inaugurao da semana contou com uma conferncia realizada por Graa Aranha na abertura da primeira noite. Seguiram-se apresentaes de msica com Villa-Lobos e Ernani Braga. Outra conferncia, desta vez de Ronald de Carvalho segue a noite.

Na segunda noite houve uma palestra de Minotti del Picchia, ilustrada com poemas de vrios escritores modernistas, entre eles Oswald de Andrade, Mrio de Andrade, Srgio Milliet e Plnio Salgado. Houve tambm palestras de Mrio de Andrade e de Renato de Almeida, alm das apresentaes musicais e de dana. Num determinado momento, Oswald ps o teatro a baixo, quando declarou "Carlos Gomes horrvel".

O destaque desta noite foi a palestra de abertura, onde dell Picchia destaca fortemente as caractersticas deste novo movimento:

"Nada de postio, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue - que humanidade; com eletricidade - que movimento, expresso dinmica do sculo; violncia - que energia bandeirante. Assim nascer uma arte genuinamente brasileira, filha do cu e da terra, do Homem e do mistrio."

Esta, provavelmente, foi a noite mais polmica, que foi noticiada da seguinte forma pelo jornal O Estado de So Paulo:

"Na ltima pagodeira da Semana Futurista foi preciso fechar as galerias para evitar que o palco se enchesse de batatas."

A terceira noite foi totalmente dedicada msica, portanto, incidentes e manifestaes no eram esperados, no fosse o fato de Heitor Villa-Lobos subir ao palco vestindo um casaco e calando chinelos. Porm, nada havia de futurstico al: apenas uma infeco no p que atacou o maestro. O pblico, revoltado com a "ousadia" e/ou predisposto a intervir no espetculo, acabou agitando as apresentaes musicais. Mas quem realmente causava o tumulto do pblico nas apresentaes eram os escritores.

Alguns jornais da poca chegaram a afirmar que os tumultos causados no teatro eram "organizados" pelos prprios modernistas, afim de aumentar a repercusso, o que no foi comprovado.

No se tem, ao certo, a lista das obras expostas durante este perodo, nem mesmo a lista correta dos participantes da Semana. As opinies divergem entre os prprios depoimentos dos participantes.

E a partir da, a arte e a literatura brasileiras nunca mais seriam as mesmas. Estariam para sempre tocadas pelo modernismo.

POEMAS E TEXTOS

Aqui voc encontrar textos e poemas publicados na poca, alguns antes, alguns depois da Semana, mas todos a cerca de um nico tema: o modernismo. Notem em poemas sobre So Paulo, toda a vanguarda na forma de escrever, como que um 'chega pr l' na forma clssica de literatura. A exposio comea com um texto de Rubens Borba de Morais, que diz tudo sobre o movimento modernista no Brasil.

ndice(clique e v direto ao texto)

Sem Ttulo - Rubens Borba de Moraes

So Paulo - Srgio Milliet

Gaetaninho - Antnio Alcntara Machado

Os Sapos - Manuel Bandeira

Prefcio Interessantssimo - Mrio de Andrade

Tiet - Mrio de Andrade

Anhangaba - Mrio de Andrade

Ode ao Burgus - Mrio de Andrade

Praa da Repblica - Menotti del Picchia

Avenida Paulista - Menotti del Picchia

So Paulo - Menotti del Picchia

So Paulo - Rui Ribeiro Couto

(SEM TTULO)

Nossa poca , materialmente, superior a qualquer outra. Mas isso no nos importa. Em arte no h progresso. O progresso s existe para as coisas materiais e na bandeira brasileira. Os escritores modernos no escrevem melhor do que Machado de Assis. os poetas de hoje no so superiores a Bilac ou Antero de Quental. Igualar Bernardes ou Racine no tem a mnima importncia. O que importa para o artista moderno traduzir nossa poca e sua personalidade. O resto literatura. um erro pensar que os modernos condenam os clssicos, os romnticos e todos os passadistas. Bilac, Cartro Alves, Gonalves Dias foram grandes poetas. Escreveram obras romnticas e parnasianas no tempo do Romantismo e do Parnasianismo. Fizeram muito bem. FORAM MODERNOS O ridculo um poeta acreditar em soneto e em alexandrinos neste glorioso ano do Centenrio da Independncia. Se um indivduo andasse hoje passeando pelas ruas do Tringulo, vestido moda de D. Joo VI, o simptico guarda civil da Praa Antonio Prado prenderia o "louco", confirmando a fama da nossa Fora Pblica, a melhor do mundo. O leito com certeza poa de famlia. Se no , j foi, ou ser, fatal. Logo deve possuir essa cposa ridcula e perfeitamente intil: a experincia. E, portanto, deve sacudir a cabea: "Qual! Tudo isso passa!". No pense o leitor filosfico que disse uma grande novidade. Isso j foi dito por Vito Hugo, que o leitor tanto admira, e muito melhor, em versos: "Tout passe, tout casse, tout lasse..."*. Vitor Hugo tinha razo. A prova que ele cansou e passou. Felizmente. Um dia h de vir em que os nossos artistas sero considerados passadistas. Assim o quer o destino sublime da humanidade, Fnix multicor que morre para renascer mais fulgurante e morrer ainda e renascer sempre. E, quando os artistas de amanh vencerem todos os artistas de hoje e olharem para estes com a tranqilidade de quem no sofre de reumatismo, estou certo de que eles ho de respeitar alguns, como expresses perfeitas da poca em que viveram. Ningum dono do tempo. O leitor que tem cabelos brancos sabe disso melhor do que eu, que no os tenho graas ao tempo. O MODERNISMO EXISTE, intil revoltar-se. um fato, como os aeroplanos, o bolchevismo, o foxtrot, o jazzband. Ouo daqui seus protestos: "LOUCURA! IMORALIDADE!" No grite tanto, por favor; atrapalha minhas idias.

Rubens Borba de Morais. Domingo dos Sculos. Rio de Janeiro, Candeia Azul, 1924. ____________________________________* "Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa", em francs.

SO PAULO

Dos violoncelos dos viadutos sobe a sinfonia da circulao So Paulo! A Rua So Joo cheira a caf Confundem-se os estilos nessa riqueza sem cultura agricultura agricultra Que loucura!

Longnquo o desafio dos trens e das usinas O sol faz brilhar multicor a bandeira das ruas Inevitvel associao de idias: Bandeirantes! Mas para que conquistas? Spaghettis nacionalistas? avassalaram nosso Ipiranga Ironia dos "Independncia ou morte"!

Srgio Milliet. Poemas Anlogos. So Paulo, Niccolini & Nogueira, 1927.

GAETANINHO

- Xi, Gaetaninho, como bom! Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele no viu o Ford.. O carroceiro disse um palavro e ele no ouviu o palavro. - Eh! Gaetaninho! Vem pra dentro. Grito materno sim: at filho surdo escuta. Virou o rosto to feio de sardento, viu a me e viu o chinelo. - Subito! Foi se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho, estudando o terreno. Diante da me e do chinelo parou. Balanou o corpo. recurso de campeo de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu volta instantnea e varou pela esquerda porta adentro. Eta salame de mestre! Al na Rua do Oriente, a ral quando muito andava de bonde. De automvel ou carro s mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realizao muito difcil. Um sonho. O Beppino, por exemplo. O Beppino naquela tarde atravessara de carro a cidade. Mas como? Atrs da ria Peronetta que se mudava para o Ara. Assim tambm no era vantagem. Mas se esse era o nico meio? Pacincia.

Gaetaninho enfiou a cabea embaixo do travesseiro. Que beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a tia Filomena para o cemitrio. depois o padre. Depois o Savrio noivo dela de leno nos olhos. Depois ele. Na bolia do carro. Ao lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro onde se lia: Encouraado So Paulo. Ficava mais bonito com a roupa marinheira mas com a palhetinha nova que o irmo o trouxera da fbrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza, rapaz! Dentro do carro do pai, os dois irmos mais velhos (um de gravata vermelha, outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita gente nas caladas, nas portas, e nas janelas dos palacetes, vendo o enterro. sobretudo admirando o Gaetaninho. Mas Gaetaninho ainda no estava satisfeito. Queria ir carregando o chicote. O desgraado do cocheiro no queria deixar. Nem por um instantinho s. Gaetaninho ia berrar mas a tia Filomena com a mania de cantar o Ahi, Mari! todas as manhs o acordou. Primeiro ficou desapantado. Depois quase chorou de dio. Tia Filomena teve um ataque dos nervos quando soube do sonho de Gaetaninho. To forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da famlia alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa numa nova verso de seu sonho. Matutou, matutou, e escolheu o acendedor da Companhia de Gaz, Seu Rubino, que uma vez lhe deu um cocre danado de dodo. Os irmos (esses)quado souberam da histria resolveram arriscar de sociedade quinhento no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos de raiva por no haverem logo adivinhado que no podia deixar de dar a vaca mesmo. O jogo na calada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho no estava ligando. - Voc conhecia o pai do Afonso, Beppino? - Meu pai deu uma vez na cara dele. - Ento voc no vai amanh no enterro. Eu vou! O Vicente protestou indignado: - Assim no jogo mais! O Gaetaninho est atrapalhando! Gaetaninho voltou para o seu posto de guardio. To cheio de responsabilidades. O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braos estendidos, as mos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa. - Passa pro Beppino! Beppino deu dois passos e meteu o p na bola. com todo o muque. Ela cobriu o guardio sardento e foi parar no meio da rua. - V dar tiro no inferno! - Cala a boca, palestrino! - Traga a bola! Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcanar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou. No bonde vinha o pai de Gaetaninho. A Gurizada assustada espalhou a notcia na noite. - Sabe o Gaetaninho? - Que que tem? - Amassou o bonde! A vizinhana limpou com benzina suas roupas domingueiras. s dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e Gaetaninho no ia na bolia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente dentro de um caixo fechado com flores pobres por cima. Vestia a roupa marinheira, com as ligas, mas no levava a palhetinha. Quem na bolia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino.

Antonio Alcntara Machado.Brs, Bexiga e Barra Funda e outros contos.So Paulo, Moderna, 1927.

____________________________________1 - Subito (italiano): no texto, significa "j estou indo". Pode-se observar que o autor usa muitas palavras e frases em italiano em seus contos. 2 - Salame: drible (gria de futebol dos anos 20). 3 - Ara: nome de um cemitrio da cidade de So Paulo.

OS SAPOS

Enfunuando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos, A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - "Meu pai foi guerra!" - "No foi" - "Foi!" - "No foi!".

O sapo-tanoeiro Parnasiano aguado, Diz: - "Meu cancioneiro bem martelado."

Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos.

O meu verso bom Frumento sem joio. Fao rimas com Consoantes de apoio.

Vai por cinqenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos As formas e forma.

Clame a saparia Em crticas cticas: "No h mais poesia, Mas h artes poticas..."

Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei" - "Foi!" - "No foi" - "Foi!" - "No foi!".

Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - "A grande arte como Lavor de joalherio

Ou tudo bem de estaturio. Tudo quanto belo, Tudo quanto vrio, Canta meu martelo".

Outros sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: - "Sei!" - "No sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita, L onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa;

L, fugido ao mundo, Sem glria, sem f, No perau profundo E solitrio,

Que soluas tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio...

Manuel Bandeira.Poesia e Prosa. 2. ed.Rio de Janeiro, Aguillar, 1967. 2v.

PREFCIO INTERESSANTSSIMO

"Dans mon pays de fiel et d'or j'en suis la loi." E. Verhaeren

Leitor: Est fundado o Desvairismo.

Este prefcio, apesar de interessante, intil...

Alguns dados. Nem todos. Sem concluses. Para quem me aceita so inteis ambos. Os curiosos tero prazer em descobrir minhas concluses, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, j no aceitou.

Quando sinto a impulso lrica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: no s para corrigir, como para justificar o que escrevi. Da a razo deste prefcio interessantssimo.

Alis, muito difcil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei.

E desculpe-me por estar to atrasado dos movimentos artsticos atuais. Sou passadista, confesso. Ningum pode se libertar dumo s vez das teorias avs que bebeu; e o autor deste livro seria hipcrita si pretendesse representar orientao moderna que ainda no compreende bem.

Mrio de Andrade. Poesias Completas.

____________________________________1 - "No meu pas de fel e de ouro, eu sou a lei", em francs 2 - Introduo Paulicia Desvairada, primeiro livro de poesias gerado em torno da Semana de Arte Moderna. Trata-se de uma espcie de manifesto, que de maneira irnica, teoriza sobre a nova esttica apresentada no livro.

TIET

Era uma vez um rio... Porm os Boba-Gatos dos ultra-nacionais esperiamente! Havia nas manhs cheias de Sol do entudiasmo as mones da ambio... E as gignteas vitrias! As embarcaes singravam rumo do abismal Descaminho... Arroubos... Lutas... Cantigas... Povoar! Ritmos de Brecheret!... E a santificao da morte! Foram-se os outros!... E o hoje das turmalinas!...

- Nadador! Vamos partir pela via dum Mato Grosso? - Io! Mai!... (Mais dez braadas. Quina Migone. Hat Stores. Meia de seda.) Vado a pranzarecon la Ruth

Mrio de Andrade. Poesias Completas.

ANHANGABA

Parques do Anhangaba nos fogarus da aurora... Oh larguezas dos meus intinerrios... Esttuas de bronze nu correndo eternamente, num parado desdm pelas velocidades...

O carvalho votivo escondido nos orgulhos do bicho de mrmore parido nos Salon... Prurido de estesias perfumando em rosais o esqueleto trmulo do morcego... Nada de poesia, nada de alegria!...

E o contraste boal do lavrador que sem amor afia a foice... Estes meus parques do Anhangaba ou de Paris, onde as tuas guas, onde as mgoas dos teus sapos? "Meu pai foi rei! - Foi. - No foi. - Foi. - No foi." Onde as tuas bananeiras? Onde o teu rio frio encanecido pelos nevoeiros, contando histrias aos sacis?...

Meu queiro palimpsesto sem valor! Crnica em mau latim cobrindo uma cloga que no seja de Virglio!...

Mrio de Andrade. Poesias Completas.

ODE AO BURGUS

Eu insulto o burgus! O burgus-nquel, o burgus-burgus! A digesto bem-feita de So Paulo! O homem-curva! o homem-ndegas! O homem que sendo francs, brasileiro, italiano, sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os bares lampies! os condes Joes! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos; e gemem sangues de alguns mil-ris fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francs e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burgus-funesto! O indigesto feijo com toucinho, dono das tradies! Fora os que algarismam os amanhs! Olha a vida dos nossos setembros! Far Sol? Chover? Arlequinal! Mas chuva dos rosais o xtase far sempre Sol!

Morte gordura! Morte s adiposidades cerebrais! Morte ao burgus-mensal! ao burgus-cinema! ao burgus-tlburi! Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! "Ai, filha, que te darei pelos teus anos? Um colar... Conto e quinhentos!!! Mas ns morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma! Oh! pure de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! dio aos temperamentos regulares! dio aos relgios musculares! Morte infmia! dio soma! dio aos secos e molhados! dio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais! De mos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posio! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante dio e insulto! dio e raiva! dio e mais dio! Morte ao burgus de giolhos, cheirando religio e que no cr em Deus! dio vermelho! dio fecundo! dio cclico! dio fundamento, sem perdo!

Fora! Fu! Fora o bom burgs!...

Mrio de Andrade. Paulicia Desvairada.1922.

PRAA DA REPBLICA

Os chores lavaram seus cabelos verdes nas piscinas de cimento dentadas de rochedos feitos por marmoristas e desenhados por Debugras

H peixes disppticos que s comem po-de-l servidos pelos dedos lunares das Saloms-normalistas que sabem de cor as faanhas de Tom-Mix e Tiradentes.

As astrias cortaram suas tranas " la garonne" e ouvem lies de geometria no espao de sbios buxos cubistas...

Praa da Repblica cheia de mulheres pblicas de detritos humanos, como um porto cosmopolita onde os txis atracam, velhas catraias urbanas que vogam nos canais de asfalto das alamedas.

lvares de Azevedo, o ltimo Romntico, condenado s gals da imortalidade, cospe na praa noturna, do alto de sua herma, o seu desdm de bronze.

Menotti del Picchia. Chuva de Pedra.1925.

AVENIDA PAULISTA

Todos os estilos ancoraram no cais mole do asfalto fidalgo... Dentro daquele parque fuma goiano um califa enriquecido com uma fbrica de alpargatas da rua 25 de Maro.

O sr. Conde est bebendo Chianti servido por um criado de libr.

At as colunas de mrmore so de cimento armado.

E domingo, em Roles Royce ou em Ford passaremos em revista na parada do corso todos os candidatos consagrao da Avenida.

Menotti del Picchia. Chuva de Pedra.1925.

So Paulo

Canto a cidade das neblinas e dos viadutos minha cidade amante de futebol e vendedora de caf Os aventureiros bigodudos como nas fitas da Paramount o Friedenreich p de anjo e a bolsa de mercadorias as chamins parturientes do Brs os quinze mil automveis orgulhosos no barulho ensurdecedor dos klaxons e a cultura envernizada dos burgueses os engraxates da Praa Antnio Prado e o servio telegrfico do "Estado" a febre do dinheiro as falncias srio-nacionais a especulao sobre os terrenos a politicagem e os politiqueiros e a negra de p de arroz e at os bondes da Light para o Tiet das regatas e dos bandeirantes os homens dizem que tu s ingrata e que devoras os teus prprios filhos... Mas que linda madrasta tu s toda vestida de jardins! Minha cidade Amo tambm teus pltanos nostlgicos imigrantes infelizes teus crepsculos de seda japonesa tuas ruas longas de casas baixas e teu tringulo provinciano...

Menotti del Picchia. Poemas Anlogos.1927.

So Paulo

A neblina das manhs de inverno _ So Paulo enorme, So Paulo de hoje, So Paulo ameaador! _ a neblina das manhs de inverno amortece um pouco o orgulho triunfante das tuas chamins. A neblina esconde o contorno das grandes fbricas ao longe, perdidas na plancie, entre o chato casario proletrio. E tudo cor de barro novo, como se fosse manchado de sangue. Nas ruas do centro agita-se a pressa do comrcio.

Nos bairros burgueses, no entanto, h o silncio. As alamedas adormecem sob o silncio. Os jardins adormecem sob o silncio.

Rui Ribeiro Couto. Um homem na multido. Rio de Janeiro, Livraria Odeon, 1926

AS CONSEQNCIAS

"Todo mundo dormia na pasmaceira da nossa literatura oficial, ns gritamos 'Alarma!' de sopeto e toda gente acordou e comeou se mexendo. Agora querem que a gente continue gritando 'Alarma!' toda vida... No carece mais pois tudo j se alarmou e trabalha."Mrio de AndradeAps os trs dias de espetculo da Semana da Arte Moderna, abriu-se caminho para a difuso do modernismo em So Paulo e no Brasil, onde as principais reivindicaes eram:

direito a pesquisa esttica

atualizao da inteligncia artstica brasileira

estabilizao da economia nacional

Nestas perspectivas, os jovens artistas, como eram chamados, puderam dar continuidade aos seus trabalhos.

Mrio de Andrade retrata muito bem a situao em "Paulicia Desvairada", na qual todos os procedimentos poticos e arrojados eram expostos e reunidos pela primeira vez, em uma poesia urbana, sinttica, fragmentria e anti - romntica, que retratava uma So Paulo concreta, cosmopolita e egosta com a populao heterognea e a burguesia cnica.

Foi o grito de independncia cultural da metrpole contra o atraso do resto do pas. A metrpole industrial que abrigava burgueses e proletrios, caipiras e estrangeiros, palacetes tradicionais e arranha - cus que comeavam a despontar.

A maior parte das obras do modernismo foi escrita, como j dissemos, com um olho na Europa e outro na "Paulicia Desvairada", entre a velocidade da urbanidade paulistana ps - cafeeira e o advento da necessidade de uma nova arte, que deveria expressar essa nova realidade.

Entre 1926 e 1925, a prpria dinmica do grupo comea a silenciar a voz do opositores, mas no que deixassem de ocorrer as crticas e as opinies divergentes a respeito do modernismo.

Vrias obras polmicas surgem no cenrio cultural e literrio para expressar o "esprito moderno".

A fim de combater os escndalos provocados no Teatro Municipal em fevereiro de 1922 e as polmicas jornalsticas da poca, os participantes da Semana lanaram seu prprio rgo oficial: um peridico para a apresentao da voz e interesse dos modernistas, para a difuso dos acontecimentos em So Paulo para todo o Brasil

Alguns peridico j existiam antes da Semana, mas a publicao da revista Klaxon - Mensrio de Arte Moderna, mostrou a inovao de propostas modernistas: projeto grfico, diagramao, publicidade e novas idias.

Outros peridicos foram publicados em So Paulo:

1920 - Papel e Tinta Ensaio sobre a prvia dos acontecimentos da Semana.

1922 - Klaxon Principal publicao que revolucionou o conceito de modernidade, como um todo.

1926 - A Onda Nos mesmos moldes da Klaxon, retrata o crescimento da cidade de Capinas.

1926 - Terra Roxa e Outras Terras Discusses sobre o caf, sociedade cafeeira e trabalhadores do caf.

1928 - Revista de Antropofagia Nacionalismo, crtica aos aspectos colonizadores, valorizao do nativo (ndio) e elementos do dialeto e cultura do negro. Rompimento com a ordem social patriarcal, hierrquica, religiosa e poltica. Possui influncias diretas das idias de Mrio de andrade e Tarsila do Amaral.

Publicaes em outros estados:

Rio de Janeiro:

1922 - rvore Nova

1924 - Esttica

1927 - Festa

1928 - Movimento Brasileiro

1928 - Terra de Sol

Minas Gerais:

1925 - A Revista

1927 - Verde

1928 - Leite Crilo

1928 - Electra

Rio Grande do Sul:

1925 - Madrugada

Bahia:

1928 - Arco e Fecha

Pernambuco:

1926 - Manifesto Regionalista

Piau:

1923 - O Todo Universal

Par:

1928 - Flaminau

REAES DA IMPRENSA

Aps a Semana, aconteceram principalmente em jornais, muitos debates sobre as novas idias l exibidas. Para alguns, eram novas demais, loucas e at mesmo descabidas. Para autros, era uma enorme avano, uma abertura para que o pas acompanhasse o mundo culturalmente, alm de fazer com que a cultura nacional se volte para suas razes, para as suas origens.

A seguir, alguns textos prs e contras publicados nos jornais da poca:

A GAZETASo Paulo, 30/01/1922Um grupo de distintos cavalheiros da nossa sociedade vai tentar a organizao de um sarau futurista, que ser sem dvida, o maior escndalo artstico de que se tem notcia, em So Paulo. Cogitam de reunir pintores, escultores, msicos, poetas, enfim, todos os artistas "futuristas", para, no Teatro Municipal, em exposies e conferncias, com um programa cuja durao ser de uma semana, fazerem a propaganda da nova escola artstica. Ao que nos parece, esse fato vai provocar enorme sensao, por isso que essa pliade de rapazes compreende a arte futura de uma maneira bastante revolcionria para poder agradar ao nosso pblico.

O futurismo , entre ns, a fantasia mais gostosa possvel em arte, a extravagncia elevada a impertinentes exageros e tem provocado a mais sicera reprovao.

Na Itlia, Marinetti, o arrojado propagandista deste gnero de arte nova, teve o desprazer de se fazer vaiar, nas tentativas que realizou; suas conferncias terminavam, invariavelmente, em verdadeiras assuadas.

Ns, que pensamos que a grande arte deve ser compreendida por todos, esperamos, cheios de curiosidade, a realizao desse certame e prometemos, desde j, a nossa crtica severa contra a iniciativa.

FOLHA DA NOITESo Paulo, 14/02/1922O fato de ter sido muito anunciado despertou muita curiosidade, subretudo porque se esperava ouvir nestes festivais coisas apavorantes, nunca ditas, nunca ouvidas, nem sequer imaginadas. Os prprios promotores da Semana propiciavam que iam fazer revelaes espantosas, estupidificantes. Pois nada disso. Concorria para isso um certo ar misterioso, revolucio