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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA REPRESSÃO AOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: análise comparativa entre as décadas de 1990 e 2000 Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: ROBERTA ESPÍNDOLA MIRANDA São José (SC), maio de 2005

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE DIREITO

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA REPRESSÃO AOS

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: análise

comparativa entre as décadas de 1990 e 2000

Monografia apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do

Vale do Itajaí.

ACADÊMICA: ROBERTA ESPÍNDOLA MIRANDA

São José (SC), maio de 2005

17752
Nota
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE DIREITO

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA REPRESSÃO AOS

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: análise

comparativa entre as décadas de 1990 e 2000

Monografia apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Direito, na Universidade

do Vale do Itajaí, sob orientação do Prof. Msc. Rogério

Dultra dos Santos

ACADÊMICA: ROBERTA ESPÍNDOLA MIRANDA

São José (SC), maio de 2005

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII

CURSO DE DIREITO

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA REPRESSÃO AOS

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: análise

comparativa entre as décadas de 1990 e 2000

ROBERTA ESPÍNDOLA MIRANDA

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de

bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, 14 de junho de 2005

Banca Examinadora:

_______________________________________________________

Prof. Msc. Rogério Dultra dos Santos - Orientador

_______________________________________________________

Prof. Msc. Camila Cardoso de Mello Prando - Membro

_______________________________________________________

Prof. Esp. Giovani de Paula - Membro

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Aos meus pais

Sidney e Claúdia

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus que a luz que me acompanha e por me proporcionar este momento de descobertas, essenciais para chegar mais perto da verdade;

Ao meu pai Sidney Miranda pelos incansáveis conselhos que sempre buscaram

abrir meus olhos com profundo amor e apoio, por me ensinar quase tudo com muita sabedoria, principalmente que o homem nunca deve deixar de ter auto-estima e humildade;

A minha querida mãe Claúdia pelo seu exemplo de intensa determinação, por

estar sempre ao meu lado me dando incentivo e vibrando com a minha felicidade; Ao meu melhor amigo e irmão Caio pela incalculável confiança que existe

entre nós que me preenche; Ao meu namorado Ig por trazer maior tranqüilidade aos meus pensamentos,

por me fazer enxergar um mundo mais colorido e se mostrar um excelente ouvinte e companheiro em todos os momentos do trabalho, bem como a sua família a qual me sinto membro;

Ao Orientador Rogério Dultra por me acompanhar nesta caminhada com

imensa atenção e conhecimento, pelas trocas de idéias fundamentais que abriram horizontes e me encaminharam ao crescimento;

Aos meus amigos, em especial Leonardo de Oliveira Garcia, que mesmo de

forma indireta se mostraram presentes desde o início se interessando e questionando sobre o trabalho, sendo compreensivos nas diversas vezes em que não os dei a devida dedicação e desejando sorte;

A todos os funcionários dos órgãos em que pesquisei pelo tempo e trabalho

cedidos, os quais sem estes não teria conseguido concretizar a pesquisa; A Ana Paula Gonçalves Pedroso e a Grasiella Murara por todas as vezes que

me ajudaram com extrema educação e eficiência;

E por fim, a todos que de alguma forma, cooperaram para a realização desta

etapa tão especial da minha vida.

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“Todo homem deveria ser o que parece ser, ou

pelo menos, não ser o que não parece.”

William Shakespeare

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SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................................9

INTRODUÇÃO..................................................................................................................10

1 PRINCÍPIOS OFICIAIS DO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA PENAL...............14

1.1 ESCOLAS PENAIS NA MODERNIDADE ...................................................................................................14 1.1.1 Escola Clássica ............................................................................................................................................14 1.1.2 Escola Positiva.............................................................................................................................................20 1.1.3 Escola Técnico-Jurídica..............................................................................................................................25

1.2 SISTEMATIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS OFICIAIS DO SISTEMA PENAL ..............................................26

1.3 DO LABELLING APPROCH À CRIMINOLOGIA CRÍTICA......................................................................27

1.4 SISTEMATIZAÇÃO DAS CRÍTICAS DOS PRINCÍPIOS OFICIAIS DO SISTEMA PENAL ..................30

2 CARACTERÍSTICAS OPERACIONAIS/FUNCIONAIS DO SISTEMA PENAL .....33

2.1 CIFRA NEGRA DA CRIMINALIDADE .......................................................................................................33

2.2 SELETIVIDADE PRIMÁRIA E SELETIVIDADE SECUNDÁRIA.............................................................39

2.3 ESTIGMATIZAÇÃO ......................................................................................................................................45

3 ANÁLISE DA SELETIVIDADE SECUNDÁRIA NA LEI DOS CRIMES CONTRA O

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (LEI Nº 7.492/86). .............................................51

3.1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA REPRESSÃO AOS CRIMES

CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL NO BRASIL. ...................................................................51

3.2 A LEI E SEUS INSTITUTOS PENAIS E PROCESSUAIS ...........................................................................57

3.3 AS CONCLUSÕES DA ANÁLISE DOS MECANISMOS DE SELEÇÃO DA CRIMINALIDADE

CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ELABORADO POR ELA WIECKO V. DE CASTILHO

...............................................................................................................................................................................63

3.4 COMPARAÇÃO ENTRE O PROCESSAMENTO DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO NO

PERÍODO DE JANEIRO DE 1987 A JULHO DE 1995 E JANEIRO DE 1997 A abril DE 2005 NO BANCO

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CENTRAL DO BRASIL E NO JUDICIÁRIO E DE 2004 A 2005 NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E A

POLÍCIA FEDERAL DE SANTA CATARINA...................................................................................................68 3.4.1 Banco Central do Brasil .............................................................................................................................70 3.4.2 Polícia...........................................................................................................................................................73 3.4.3 Ministério Público.......................................................................................................................................76 3.4.4 Judiciário .....................................................................................................................................................79

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................90

ANEXO...............................................................................................................................93

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RESUMO

O presente trabalho ocupa-se em verificar a seletividade secundária como processo

de criminalização nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional desde meados de 1990 aos

dias atuais, devido à problemática estabelecida entre a programação e a real operação do

Sistema Penal, bem como, a disparidade entre seus fundamentos legais e sua função prática

realizada dia a dia. Este estudo foi dividido em três capítulos, o primeiro apresenta os

fundamentos históricos do Sistema Penal desde o seu nascimento filosófico, passando pela

construção da Ciência Jurídico-Penal e do moderno Direito Penal até a sua deslegitimação

com a negação dos princípios da defesa social pela Criminologia Crítica; no segundo capítulo

são abordadas as teorias da cifra negra da criminalidade, seletividade primária e secundária e

da estigmatização ou rotulação, as quais caracterizam a operacionalidade do Sistema Penal

como seletiva; finalmente, no último capítulo busca-se atualizar a perspectiva da construção

social da criminalidade econômica com a comparação da pesquisa realizada pela Sub-

Procuradora Ela Wiecko V. De Castilho denominada “O Controle Penal nos Crimes Contra o

Sistema Financeiro Nacional”, no período de 1987 a 1995. Com a presente pesquisa elaborada

nos órgãos de controle formal responsáveis em fiscalizar, investigar, denunciar e julgar as

condutas lesivas a economia do Estado, busca-se identificar a criminalidade econômica atual,

com a comparação das pesquisas observa-se se houve melhorias ou não em relação a

quantidade de crimes financeiros conhecidos, julgados e a utilização de mecanismos de

seleção.

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INTRODUÇÃO

A problemática da operacionalidade do Sistema Penal é um assunto polêmico e o

modo como aplica sua funcionalidade se caracteriza como estigmatizante, discriminador e

seletivo. As instâncias formais agem utilizando mecanismos de seleção, escolhendo, assim,

determinados grupos de indivíduos e tipos penais que deverão ser perseguidos e enquadrados

ou ainda, que ficarão impunes e imunes.

Na presente pesquisa, pretendeu-se estudar a seletividade secundária como construção

social da criminalidade contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como realizar uma análise

da repressão dos órgãos de controle formal aos crimes financeiros contra o Estado, numa

comparação com a pesquisa realizada pela Sub-Procuradora Ela Wiecko V. De Castilho - a

investigação empírica do processo da seletividade secundária, nos primeiros oito anos de

vigência da Lei n° 7.492/86 - para verificar as mudanças ocorridas no controle penal dos

crimes do colarinho branco, de meados da década de noventa até os dias atuais.

A questão a ser desenvolvida na pesquisa servirá para atualizar a noção de distribuição

da seletividade nos crimes financeiros no Banco Central do Brasil, na Polícia Federal de Santa

Catarina, no Ministério Público Federal de Santa Catarina e no Judiciário.

Entretanto, o objetivo principal foi o de demonstrar a existência da construção social

da criminalidade financeira no Brasil através dos mecanismos de seleção utilizados pelos

órgãos de controle dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

O objetivo específico será alcançado com a comparação das pesquisas e a

apresentação do resultado sobre a criminalidade secundária nos últimos anos.

O método utilizado na pesquisa foi o estatístico sistemático, pela utilização de tabelas,

quadros (ou gráficos), a apresentação dos dados em colunas verticais ou fileiras horizontais

para ajudar na distinção de diferenças, relações e semelhanças, por meio da objetividade que a

apresentação de tabela oferecem às classificações.

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O estudo está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, analisam-se os

princípios oficiais do funcionamento do Sistema Penal, sendo estudadas as Escolas Penais, em

especial, a Escola Clássica e a Escola Positiva.

O aparecimento da Escola Clássica dá-se, na Europa, no fim do século XVIII, com a

obra de Beccaria, que causou grande impacto devido às duras críticas aos métodos exagerados

de punição da Idade Média. A escola de ideologia liberal é fundada no direito natural e define

o crime como ente jurídico. Alicerçada no método dedutivo, defende que o delito é resultado

do livre-arbítrio atribuído ao indivíduo de cometer crimes e descumprir o pacto de paz feito

com a sociedade no Contrato Social. Assim, considera que a liberdade de agir e a consciência

da violação servem de requisitos para a culpabilidade. A Escola Clássica tem como objeto de

estudo o fato-crime, que vai ser tipificado, dando início à positivação.

Já a Escola Positiva, objeto de estudo posterior, vai contrariar a Escola Clássica.

Fundamentada no direito positivo, substitui a idéia da liberdade do homem pela ciência da

sociedade: agora, a livre vontade constitui o próprio delito. Os seus pensadores utilizam o

método científico ou indutivo para observar o indivíduo, como criminoso, com o objetivo de

encontrar características comuns nos delinqüentes e chegar a um determinado tipo. Acreditam

que, alcançando as causas da criminalidade, poderão controlá-la. Assim, o crime não é mais

caracterizado como ente jurídico, mas como fato social cometido por um indivíduo anormal,

de personalidade perigosa e irrecuperável, abrindo espaço para o intervencionismo do Estado,

aumentando a segurança pública em defesa social. Portanto, as penas, neste período,

tornaram-se mais duras.

Também são estudadas, no primeiro capítulo, a Escola Técnico-Jurídica ou Neo-

Clássica, que vai emergir das idéias e dos conflitos entre as Escolas Clássicas e Positivas,

adotando a responsabilidade penal à responsabilidade moral da Escola Clássica, apesar de

suas peculiaridades. E da Escola Positiva, vai utilizar a Sociologia Criminal, colocando em

foco o criminoso.

A seguir, continua-se a analisar os fundamentos teóricos do Sistema Penal. A

ideologia liberal foi construída pela Ciência Penal, porém, com a evolução dos tempos, esta

ideologia não bastaria como ideologia da Dogmática-Jurídico-Penal, então, Alessandro

Baratta uniu as idéias liberais aos discursos escolares e constituiu a ideologia dominante da

Ciência Penal, da Criminologia até o homem como cidadão. Dando amplitude à visão do

crime e da pena, essa ideologia denominou-se ideologia da defesa social e foi desenvolvida

através da sistematização dos princípios oficiais do instituto, que são: Princípio do bem e do

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mal, Princípio da culpabilidade, Princípio da legitimidade, Princípio da igualdade, Princípio

do interesse Social e do delito natural e o Princípio do fim e da prevenção.

Após os últimos anos de 1960, agravou-se o descontentamento com o Sistema Penal,

mais precisamente com relação à discrepância entre a programação e a operacionalidade do

Sistema. Diante desta insatisfação, o Instituto começa a ser desconstruído.

Diante da negação da ideologia da defesa social, surge a construção do saber crítico

do Sistema Penal, com a crítica sociológica do labelling approch, também denominada teoria

do etiquetamento, desenvolvendo-se o paradigma criminológico da reação social, que vai se

basear nas investigações das condições da criminalização. Desse modo, a Criminologia

Crítica vai dar enfoque aos mecanismos de controle social e ao processo de criminalização

(estigmatização). Entretanto, tornou-se possível a desestruturação dos princípios

sistematizados pela ideologia da defesa social, os quais foram todos deslegitimados e

refutados, pela falta de congruência entre a teoria Jurídico-Penal e a realidade da prática

funcional dos órgãos de controle penal.

O segundo capítulo trata das características operacionais/funcionais do Sistema Penal.

Primeiramente, é abordado o tema referente à cifra negra da criminalidade. Este conceito

serve de questionamento à Criminologia Tradicional ou Positivista, que busca, através de

estatísticas, explicar o fenômeno da delinqüência. A cifra oculta coloca em dúvida as

estatísticas, pois são falhas. Logo, torna-se arriscado confiar nas estatísticas como

levantamento de dados da criminalidade e de seu controle. Assim, ao confrontar a

criminalidade legal, a criminalidade aparente e a criminalidade real os criminólogos

comprovam a existência da cifra negra, ou seja, da existência de crimes que vagam sem serem

computados nos registros oficiais.

Logo após, estuda-se a seleção no processo de criminalização, bem como a

seletividade primária, que se caracteriza na produção das normas que definem a

criminalidade, e a seletividade secundária, que diz respeito à imposição das leis penais,

instauradas nos órgãos de controle formal, como a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário.

Então, passa-se a tratar da teoria da estigmatização ou da rotulação, a qual se interessa

pelo modo como a sociedade reage a determinados comportamentos, tanto na definição e

criação das regras quanto na sua imposição. Quanto menor for o nível de interação entre o

infrator criminal e a sociedade em que ele vive, maior será a estigmatização.

Finalmente, no último capítulo, realiza-se uma pesquisa nas instâncias formais, a fim

de verificar a seletividade nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, no período de

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1997 a 2005, e ainda, de janeiro de 2004 a marco/maio de 2005, em comparação com a

pesquisa concluída pela autora Ela Wiecko V. De Castilho – O Controle Penal nos Crimes

contra o Sistema Financeiro Nacional, há uma década. O objetivo dessa comparação é

averiguar quais foram as modificações que ocorreram no controle penal dos delitos contra o

sistema financeiro, nos últimos anos, e ainda, a atualização da perspectiva da seleção utilizada

pelos órgãos de controle formal.

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1 PRINCÍPIOS OFICIAIS DO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA PENAL

Serão analisados, neste capítulo, os princípios oficiais do funcionamento do Sistema

Penal. Porém, antes de se tratar especificamente destes princípios oficiais, torna-se necessário

demonstrar a trajetória histórica do saber penal, desde a Escola Clássica, passando pela Escola

Positiva até a Escola Técnico-Jurídica ou Neoclássica. Dessas escolas emerge a ideologia da

defesa social que resulta na sistematização dos princípios oficiais. Surge, portanto, a Ciência

Penal, que posteriormente passará por uma mudança de paradigma em Criminologia e, ao

final, estes princípios serão desestruturados devido a sua incapacidade operacional, desde o

labelling approach até a Criminologia Crítica. No decorrer dos tempos, houve diversas

modificações ideológicas, metodológicas, funcionais e objetivas advindas da evolução da

Ciência Jurídica-Penal.

1.1 ESCOLAS PENAIS NA MODERNIDADE

1.1.1 Escola Clássica

Com a transição estrutural da sociedade e do Estado que passa do sistema feudal e

Estado absolutista para o sistema capitalista e Estado de Direito Liberal, em meados do século

XVIII, denominado “século das luzes”, na Europa, surge a Escola Clássica, com a obra

marcante do filósofo italiano, Cesare Beccaria, “Dos Delitos e das Penas” (1764). Esta obra

causou grande impacto sobre os intelectuais da época e foi como um primeiro passo

desbravador das garantias individuais e dos direitos humanos. (Andrade, 1997, p.45-46).

Na produção do saber clássico observa-se uma peculiaridade, que se inicia com um

saber fundacional, marcado por uma concepção filosófica que questiona e critica as formas

arbitrárias de poder de punir do Estado, trazendo para o Direito Penal o movimento

transformador do Iluminismo europeu. Porém, a partir do desenvolvimento econômico-

capitalista e da valorização da ciência, houve a produção de um novo saber na Escola

Clássica: o saber jurídico e a necessidade de mudar para uma concepção filosófica, mas da

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Ciência do Direito Penal. Ou seja, o classicismo de início é marcado por uma dimensão

crítico-negativa do Direito Penal, fundado em idéias de um momento transformador da

reforma penal e, mais tarde, por uma dimensão construtiva, fundada na construção de um

Direito Penal Jurídico, advindo das conseqüências do Contrato Social. (Andrade, 1997, p, 46).

Dessa forma, o primeiro período é essencialmente filosófico, pois seus pensadores

indagam e criticam o Direito Penal da época, arraigados não em pesquisas e análises

científicas, mas no pensamento humanista, na defesa do indivíduo visivelmente discriminado.

Este período é marcado inicialmente por Cesare Beccaria (1738-1794), Gaetano Filangieri

(1752-1788), Giandomenico Romagnosi (1761-1835), Jeremias Bentham (1748-1832), Pablo

Anselmo Von Feuerbach (1775-1833) entre outros. O segundo momento reproduz o período

jurídico, devido à construção de legitimidade do Direito Penal e da iniciação da codificação.

Seus principais representantes são exclusivamente Francesco Carrara (1805-1848), Giovanni

Carmignani (1768-1847), Pellegrino Rossi (1781-1848) e outros, que são precursores destes.

(Andrade, 1997, p. 45).

A notável unidade ideológica desta Escola está alicerçada no seu fundamento liberal.

Também denominada ideologia do “garantismo”, baseia -se nos direitos individuais face ao

exacerbado poder de punição das instituições do Antigo Regime, projetando-se na

humanização, na racionalização do poder e na política liberal. (Andrade, 1997, p. 47).

A ideologia liberal advém dos princípios liberais do contrato social, no qual o

indivíduo livre opta por viver em harmonia social. Neste contrato, em que uma das partes é o

homem e a outra é a sociedade consensualmente pacificada, o crime é considerado uma

afronta à ordem contratual, consistindo na extinção do pacto de paz com a sociedade.

Contudo, por ser o homem possuidor do livre-arbítrio, segundo esta posição teórica, podendo

expressar sua vontade livremente, a violação do direito é voluntária, o indivíduo tem a plena

consciência de que está infringindo a lei e usufruindo a liberdade individual que lhe é

concedida. (Dornelles, 1992, p. 23).

A concepção de Ciência Penal veio sendo construída, na Escola Clássica, partindo da

premissa jusnaturalista de que o homem provém da natureza e de que suas leis, que suas

regras estão acima do homem, advindas de Deus. Por isso, devem ser sempre respeitadas.

Entretanto, seu método é dedutivo, lógico-abstrato, racionalista, de análise de seu objeto, com

função investigadora e sistemática das suas leis, que ainda se revelam na criação do seu

objeto. Portanto, as leis positivas apoiam-se na lei moral, no raciocínio coerente e na dedução.

Por não haverem conceitos jurídicos anteriores, a dedução-lógica torna-se o modo de proceder

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dos clássicos, tanto em Beccaria, com racionalidade do homem, como em Carrara, com a lei

divina. (Andrade, 1997, p. 47-48).

Constituindo uma crítica ferrenha aos métodos indignos de punição, a tortura e a pena

de morte, Beccaria, propõe uma reforma no sistema penal feudal, que é marcado pelas

constantes atrocidades a que é submetido o cidadão delinqüente, sinalizado como pecador das

leis e dos princípios divinos, e penalizado com duras penas, em sua maioria físicas, como

cicatrizes e mutilações. Esta transformação radical do Sistema Penal se basearia, como já se

disse, em princípios liberais estabelecidos no contrato social. (Beccaria, 1991, p. 42-43).

Como primeira conseqüência do contrato social fundado no princípio da divisão de

poderes, em dividir o papel do legislador e do magistrado, veio a exigência de legalidade na

função de punir.

Sobre este princípio, esclarece Beccaria:

só as leis podem decretar as penas dos delitos, e esta autoridade só pode residir no legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social; nenhum magistrado (que é parte da sociedade) pode, com justiça, infligir penas contra outro membro dessa mesma sociedade. Mas uma pena superior ao limite fixado pelas leis correspondentes à pena justa mais uma outra pena; portanto, um magistrado não pode, sob qualquer pretexto de zelo ou bem comum, aumentar a pena estabelecida para um cidadão delinqüente. (Beccaria, 1991, p.46).

Este princípio é utilizado até os dias de hoje, como princípio básico do Direito Penal,

tipificado nos arts. 5º, XXXIX da Constituição Federal e 1º do Código Penal: não há crime,

nem pena sem lei anterior que os defina e estabeleça (nullum crimen, nulla poena sine lege)

(Feuerbach). Este é o chamado princípio da legalidade ou da reserva legal.

Com isso, somente a lei poderá descrever e penalizar o crime, o que será produzido

apenas pelo legislador que representa o bem consensual de toda a sociedade através do

contrato social. O magistrado não tem, portanto, legitimidade de articular o texto da lei, mas

de aplicá-la. (Beccaria, 1991, p. 46).

A segunda conseqüência advinda dos princípios liberais do contrato social é a

necessidade de separação das funções entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo,

pois não basta submeter à punição sem legalidade.

Para melhor esclarecimento, Beccaria afirma:

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o soberano, que representa a própria sociedade, só pode fazer leis gerais que obriguem a todos os membros, mas não pode julgar se um deles violou o contrato social, pois então a nação se dividiria em duas partes; uma representada pelo soberano, que afirmaria a violação do contrato, e a outra, pelo acusado, que a negaria. É, pois necessário que um terceiro julgue a verdade de fato. Eis, então, a necessidade de um magistrado cujas sentenças sejam inapeláveis e consistam em meras asserções ou negações de fatos particulares. (Beccaria, 1991, p.47).

As leis devem ser comuns e escritas de forma simples para maior entendimento do

povo e, em especial, do delinqüente e de seus familiares, buscando a veracidade dos fatos e a

segurança jurídica.

Ainda no contrato social, o filósofo encontra fundamento e legitimidade para

descaracterizar os tipos de penas e o poder de punir vinculados ao sistema penal absolutista,

trazendo a terceira conseqüência com a construção do princípio da proporcionalidade entre os

delitos e as penas e o princípio da humanidade:

Não só é interesse comum que não sejam cometidos delitos, mas também que estes sejam tanto mais raros quanto maior o mal que causam à sociedade. Portanto, devem ser mais fortes os obstáculos que afastam os homens dos delitos na medida em que estes são contrários ao bem comum e na medida dos impulsos que os levam a delinqüir. Deve haver, pois, uma proporção entre os delitos e as penas (...) Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legislador invisível o prêmio e o castigo, a distribuição desigual destes produzirá a contradição, tanto menos evidente quanto mais é comum, de que as penas punem os delitos que fizeram nascer. (Beccaria, 1991, p. 53-55).

No pensamento citado, percebe-se a preocupação com o poder de punição,

especificamente com a proporcionalidade entre pena e delito e humanização da pena, em uma

sociedade em que as autoridades não possuíam medidas das penas e selecionavam grupos de

indivíduos que deveriam ser punidos. A descrença nestas leis sem força e o medo dos

magistrados parciais levavam as pessoas a sobreviverem cada vez mais em um mundo

paralelo e fugitivo.

Destes princípios nasce a necessidade da utilidade da pena, que tem como objetivo a

prevenção do crime. A pena jamais poderá ter a finalidade de sacrificar, torturar e nem de

desfazer o delito, devendo ser proporcional ao dano causado à vítima e à sociedade, pois a

punição exagerada produzirá um homem sem auto-estima, sublevado, incapaz de cumprir

regras e de respeitar leis, as quais não lhe respeitaram. Deste modo, o objetivo da pena se

inverte, pois um homem que tem o ego chicoteado pelo Estado jamais o obedecerá. Pelo

contrário, se tornará um rebelde. (Beccaria, 1991, p. 52-55).

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Outro princípio advindo do contrato social é o princípio utilitarista da máxima

felicidade do maior número de pessoas, ou seja, do menor sacrifício possível da liberdade do

indivíduo delinqüente: o que deve ser punido é o mal causado à sociedade e não a intenção de

delinqüir. (Baratta, 1997, p. 34).

Cesare Beccaria demonstrou a insanidade das leis penais de seu tempo e provou, com

os princípios do contrato social, que o Direito Penal deve ser humano, que as penas devem ser

proporcionais ao delito e que a elaboração da legislação e o poder de punir necessitam de

legalidade e legitimidade, para alcançar a segurança jurídica. (Beccaria, 1991, p.52).

Dá-se, então, o nascimento do Direito Penal Liberal jusracionalista ainda com bases

jusfilosóficas; desde a desconstrução do Direito Penal filosófico à construção de um novo

Direito Penal como Ciência-Jurídica. Assim, a escola projetou-se à construção de um Direito

Penal, que produziria conceitos jurídicos, de crime, de responsabilidade penal e pena.

(Andrade, 1997, p. 52-53).

Nasce, portanto, a Ciência do Direito Penal, com o “Programa do Curso de Direito

Criminal”, de Francesco Carrara. Modificando a concepção da Escola Clássica e iniciando a

criação da Ciência Jurídico-Penal, o contrato social de Beccaria cede lugar às leis divinas de

Carrara, com o mesmo sentido racionalizador/garantidor. (Andrade, 1997, p. 53).

É nesta fase de transição que a Escola Clássica estabelece o seu objeto, com a “fórmula

sacramental” de Carrara, da construçã o jurídica da teoria do delito, afirmando que o delito é

um “ente jurídico” e não um ente de fato, pois viola regras jurídicas. Assim,

Toda a imensa trama de regras que, ao definir a suprema razão de proibir, reprimir e julgar as ações dos homens circunscreve, dentro de limites devidos, o poder legislativo e judicial, deve (ao meu modo de entender) remontar, como à raiz mestra da árvore, a uma verdade fundamental”.Esta verdade é – continua Carrara – que “o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico” .“O delito é um ente jurídico porque sua essência deve constituir, indeclinavelmente, na violação de um direito. (Carrara Apud Baratta, 1997, p. 36).

A lei vem da natureza, de Deus. O homem deve respeito ao Criador que lhe deu a

existência, por isso deve cumprir com suas obrigações, respeitando primeiramente a Lei

moral, que antecede a Lei positiva. (Baratta, 1997, p. 36).

Neste período, os clássicos começaram a tipificar as ações humanas que deveriam ser

consideradas como delituosas, emergem para a tipificação do fato-crime, decompondo

elementos constitutivos e dando início à positivação. Todas as ações humanas deveriam ser

analisadas, como centro de investigação, para caracterizar os atos como crime ou não.

(Andrade, 1997, p. 55).

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Desde o início, a escola teve o livre-arbítrio como sua sustentação, pois o sujeito ativo

da violação do Direito tem de ser livre para ser culpável: a liberdade de agir e o conhecimento

da violação são requisitos da responsabilidade penal. Assim, a imputabilidade está ligada ao

homem que comete o crime, pela sua liberdade e consciência de agir. Um incapaz não poderá

ser punido, pois lhe falta consciência na vontade de delinqüir, no sentido de que ele não sabe

o que é certo ou errado, não possui a capacidade de averiguar a gravidade do ato praticado,

por isso não será punido. A responsabilidade penal fundamenta-se, por tanto, na

responsabilidade moral ou imputabilidade moral. (Andrade, 1997, p. 56).

Na Escola Clássica, foram apresentadas algumas teorias da pena. Entre elas encontram-

se as teorias relativas, que se classificam em teorias da prevenção especial e teorias da

prevenção geral, que se subdividem, respectivamente, em teoria da prevenção especial

negativa e positiva e teoria da prevenção geral negativa e positiva. (Andrade, 1997, p. 57).

A teoria da prevenção geral negativa tinha como um de seus pensadores Beccaria, que

acreditava a pena serviria como intimidação ao comportamento criminal e que jamais se

poderia pensar na pena para desfazer o crime já cometido ou para castigar o criminoso, mas

sim prevenir o delito através de leis claras, simples e de fácil acesso. Desse modo, o

delinqüente não praticaria o crime novamente e ainda serviria como exemplo para todos os

outros da sociedade que, conhecendo a lei, temeriam a pena e não cometeriam, ao menos

levianamente, o crime. Sendo assim, a pena teria caráter preventivo e não punitivo, buscando

a diminuição dos crimes e a ressocialização do delinqüente. (Beccaria, 1991, p. 65).

A outra teoria, denominada teoria absoluta, que supera todas as demais e que também

parte da premissa de que o homem possui o livre-arbítrio de delinqüir, de optar pelo bem ou

pelo mal, e defende a retribuição da pena como uma repreensão, um pagamento pela opção da

pratica criminal. É na liberdade de vontade que as teorias absolutas encontram a conseqüência

lógica de retribuir a pena, sua própria justificação está em si mesma. Portanto, a pena não tem

caráter preventivo, nem tampouco de ressocialização. É essencialmente reparatória e

reafirmatória do Direito, pois ao homem cabe a escolha e, quando esta não for “bem” feita, a

pena lhe será imposta como retribuição ao mal realizado contra a sociedade. (Andrade, 1997,

p. 58).

Francesco Carrara estava incluído como divulgador das teorias absolutas até apresentar

uma nova afirmação para a teoria da pena, aludindo que sua função não é mais de retribuição

ao crime, mas unicamente a defesa social. Afirmava ainda que a pena pode obter, como

função acessória, a reeducação do delinqüente, mas não poderá ser esta sua finalidade.

(Baratta, 1997, p. 37).

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Após quase um século, constitui-se a Ciência do Direito Penal, e os clássicos

acreditavam que tudo estava completo com a codificação das normas de repressão, que se

haviam solucionado a questão do crime e da punição e que teriam construído um verdadeiro

Direito Penal Liberal. Ademais,

Enquanto os criminalistas teóricos (segundo as abstrações doutrinárias) ou práticos (interpretando as leis vigentes) consideravam o crime tão somente como uma infração e a pena como um castigo a ela proporcionada, toda a ciência penal se reduzia a uma única disciplina jurídica. E quando esta se esgotou a sua missão de anatomia jurídica do delito, Carrara recomendou aos novos o entregarem-se ao estudo do processo penal, pois que o capo do Direito Penal estava já gasto. (Ferri Apud Andrade, 1997, p. 59).

Os clássicos estavam baseados na certeza de que a problemática do Direito Penal havia

sido resolvida por eles, de que todos os problemas relativos ao crime seriam solucionados pela

política criminal que funcionava formulando regras repressivas. O Direito Penal, neste

momento, era considerado uma técnica jurídica avançada. (Andrade, 1997, p.59-60).

1.1.2 Escola Positiva

Na década de setenta do século XIX, na Itália, surge a Escola Positiva, advinda de

diversas transformações, de novos fatores estatísticos, históricos e de ideologias políticas com

fulcro social, durante a transição de uma economia capitalista liberal fundada no capital

concorrencial para uma economia capitalista monopolista, veio a contrariar a Escola Clássica

que, segundo a interpretação de Enrico Ferri se encontra em crise com o aumento da

criminalidade. (Dornelles, 1992, p.25-26).

Como essenciais propagadores e definidores deste período positivista estão os

pensadores italianos Cesare Lombroso (1836-1909), Enrico Ferri (1856-1929) e Raffaele

Garofalo (1851-1934). (Andrade, 1997, p. 60).

Com uma concepção positivista de Ciência, a Escola Positiva adveio da necessidade de

seu tempo de modificar o Direito Penal Clássico; concentrava-se em desconsiderar o

classicismo em dois pontos: primeiro, a defesa da liberdade individual, e segundo, o

racionalismo. Fundamentava o declínio da Escola Clássica justamente na defesa individual,

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pois, em defesa deste indivíduo, vítima das funestas atrocidades de seu tempo, ignorava a

defesa social, aumentando o direito do indivíduo, porém oprimindo o direito da sociedade.

Outro ponto que contribuiu, segundo a Escola Positiva para a decadência do Classicismo era o

seu método racionalista que, advindo de uma orientação filosófica, tornava-se inadequado

para a escola de orientação cientifica que pretendia se basear na realidade social. (Andrade,

1997, p. 61).

A Escola Positiva também se preocupava em resolver os problemas do Direito Penal

Clássico, almejando a segurança jurídica através da real prevenção do crime. Partindo de sua

concepção científica, acreditava que o saber científico, em vez do livre-arbítrio, conseguiria

decifrar as causas do crime, pretendendo ficar, assim, muito próximo de soluções eficazes

para a extinção da criminalidade. Apoiava-se na Ciência, crendo na sua capacidade genuína e

verdadeira de observação dos fatos. Era como se as causas do delito apontadas por ela

estivessem infalivelmente corretas. (Andrade, 1997, p. 62-63).

Apontando e criticando as razões que serviram de enfraquecimento e fracasso da

Escola Clássica, o positivismo alicerçou sua ideologia. Delatou o contra-senso dos Clássicos,

que resultou na diminuição dos direitos da sociedade, no aumento da criminalidade e da

reincidência.Os positivistas entenderam como primordial a criação de um programa de

princípios de defesa da sociedade. (Filho, 1998, p. 39).

Dessa maneira, houve a mudança do método racionalista, dedutivo e lógico-abstrato,

que tinha como objeto o crime como “ente jur ídico", para o método científico, experimental,

empírico, indutivo e de observação de seu objeto, o criminoso. Tendo como método a

observação do seu objeto, que se trata do indivíduo como delinqüente, os positivistas

deslocaram o foco de análise do fato-crime para o homem, pois, se o direito tipifica a ação

humana delituosa, não poderá jamais ignorar o homem delituoso dos estudos e pesquisas da

Ciência do Direito Penal e muito menos da realidade social, uma vez que

o crime, ou delito, e o delinqüente são dois objetos inseparáveis da lei penal. O objeto da lei penal não pode ser apenas a ação por ela proibida, mas é, e deve ser, inseparavelmente, também o “homem que pratica esta ação, porque o crime não pode ser, senão, a “ação de um homem. (Filho, 1998, p.37 ).

A escola também desconstruiu a idéia do livre-arbítrio, considerando-a acientífica,

porque a vontade não pode ser considerada como a causa do crime, mas como produto, como

resultado, não podendo ser livre, pelo fato de que, se o crime é um fato natural ou social,

causalmente determinado, a livre vontade se constituiria no próprio crime, devido ao

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rompimento de uma série causal que determina o delito. Portanto, os positivistas optaram pelo

determinismo, em que o crime é observado sob uma concepção determinista da realidade

social em que o indivíduo se encontra. (Andrade, 1997, p. 64-66).

Cesare Lombroso, médico italiano, apresenta como primeira resposta à causa do crime,

no seu livro L’ uomo delinquente, O Homem Delinqüente, publicado em 1876, levantando a

tese do “criminoso nato”. Após participar de estudos e pesquisas em manicômios e prisões,

juntamente com Ferri, Lombroso concluiu que o estudo das causas do crime deveria centrar-

se na figura do criminoso, buscando saber quais os fatores que o levariam a prática do crime.

Buscando estas respostas, nascem a Antropologia e a Sociologia criminal, que posteriormente

agrupadas darão origem à Criminologia. (Baratta, 1997, p. 39).

Com uma visão preponderantemente antropológica, Lombroso, em suas pesquisas

nas prisões, procurou provar que as causas do delito advinham do próprio homem

delinqüente, que foi analisado por ele em detalhes, na sua composição orgânica e fisiológica.

Comparando os criminosos com os não-criminosos. Fortificou a hipótese de que os

delinqüentes eram uma minoria anatômica e fisiologicamente diferente dos homens normais.

Sua tese considerava o cidadão criminoso como um ser inferior biologicamente, fora dos

padrões anatômico-fisiológicos, com algumas diferenças típicas, como cabelos encaracolados,

e em sua maioria negros, pardos e orientais. Desenvolveu, assim, o tipo antropológico

delinqüente, o qual possuía requisitos de comprovação de uma nova categoria predestinada a

pratica do delito. (Dornelles, 1992, p. 28-29).

Posteriormente, a tese de Lombroso do “criminoso nato” sofreu algumas

modificações como o acréscimo às causas do delito (a epilepsia, a loucura moral e o

atavismo). Esse novo indivíduo foi denominado como tipo “lombrosiano”. O pensador

explicava a criminalidade pela anomalia do autor do desvio, sendo o crime um sintoma de

determinadas doenças. (Andrade, 1997, p. 65).

A obra de Lombroso representa a consolidação da Criminologia etiológica, com foco na

investigação das causas que fazem o indivíduo cometer o delito.

No ano de 1885, Rafaelle Garófalo apresenta sua obra denominada Criminologia:

Estudo sobre o delito e a repressão penal. Nela, o pensador definiu o conceito de delito como

um “delito natural” que, quando cometido, lesa os mais profundos sentimentos existentes no

espírito humano, sentimentos estes que formam o “senso moral”, que nada mais é do que

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instintos morais inatos compreendidos como necessários para a convivência em sociedade.

Garófalo utilizou-se dos estudos de Darwin e Spencer para concluir que o “senso moral” não

advém, ou ainda, que não pode ser constituído através do raciocínio individual, mas da

hereditariedade e do tipo físico. Dito isso, concluiu que o “senso moral” é, pelo menos em

parte, orgânico. Desenvolveu, então, a idéia de “anomalia moral” para o criminoso,

constituindo-o em uma classe de seres moralmente degenerados. (Filho, 1998, p. 35-36).

Com efeito, a obra Sociologia Criminale, (1900), é apresentada por Ferri como uma

segunda resposta para as causas da criminalidade, ligando as idéias de fator antropológico de

Lombroso com a Sociologia Criminal. Chegou Ferri a três causas, duas das quais já tinham

sido levantadas: as causas individuais (fatores antropológicos) e as causas físicas (fatores

físicos). A novidade seria a percepção das causas sociais (fatores sociológicos). (Baratta,

1997, p. 39).

Em síntese, a responsabilidade penal desta Escola, para Ferri, está exclusivamente em

defender a sociedade através do artifício da lei, fundindo as idéias de responsabilidade social e

responsabilidade legal. Ferri considerava o fundamento da responsabilidade penal dos

Clássicos uma verdadeira paralisia da justiça penal a favor do delinqüente perigoso, porque o

homem vive em sociedade e deve ser responsabilizado por seus atos. (Andrade, 1997, p. 67).

Para Ferri,

o homem é sempre responsável de todo seu ato, somente porque e até que vive em sociedade. Vivendo em sociedade o homem recebe dela as vantagens da proteção e do auxílio para o desenvolvimento da própria personalidade física, intelectual e moral. Portanto, deve também suportar-lhe as restrições e respectivas sanções, que asseguram o mínimo de disciplina social, sem o que não é possível nenhum consórcio civilizado. (Ferri, Apud Andrade, 1997, p. 68).

Devido ao determinismo de um tipo de indivíduo criminoso e à periculosidade do

mesmo, serviram como fundamento da responsabilidade penal a responsabilidade social

agrupada a responsabilidade legal, com a finalidade de defender a sociedade dos males de um

ser diversificado e anormal através da lei material. (Andrade, 1997, p. 68).

Neste contexto, a pena, na Escola Positiva, seguiu duas concepções: a retributiva e a

utilitarista. Para alguns, a pena é um meio de defesa social, pois a Escola caracteriza o

criminoso como um ser determinado que cometerá crime. Entretanto, a sociedade poderia

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reagir em sua defesa preventiva através de reformulações pragmáticas na educação, na

economia, na assistência familiar, na política e na administração. (Andrade, 1997, p. 68).

A pena concentrou-se no papel utilitarista, considerando-se ainda como um meio de

defesa da sociedade, porém em face da periculosidade criminal do criminoso. Desse modo, os

positivistas contrapuseram-se novamente à Escola Clássica, negando um dos princípios de

Beccaria, o princípio da proporcionalidade entre o delito e as penas, sendo a pena, neste autor,

proporcional à periculosidade do agente criminoso. Ou seja, a pena tinha conformidade com

um conjunto de condições que levavam à certeza de que o delinqüente iria agir outra vez.

Nestas condições, a pena foi individualizada de acordo com a periculosidade de cada um dos

delinqüentes. Nasce, portanto o “princípio da individualização da pena”, que se manifesta na

aplicação, na cominação e na execução da pena. A Escola também admitia as medidas de

segurança, mesmo que por tempo indeterminado. (Filho, 1998, p. 42).

Sobre a pena no positivismo, Andrade conclui:

Os positivistas deram ao criminoso um passado - de periculosidade e um futuro – a recuperação, abrindo a porta das prisões e dos manicômios, mas também dos tribunais, para especialistas não-jurídicos doravante encarregados do seu tratamento. (1997, p. 70).

Após o liberalismo clássico, abre-se espaço para um controle intervencionista sobre a

criminalidade e o criminoso. Este intervencionismo trata da intervenção direta ou indireta do

Estado nos negócios particulares, objetivando maior segurança no campo penal em defesa da

sociedade. Este momento de luta entre as escolas demonstra uma redefinição do Direito Penal,

passando por sua segunda reformulação, mudando de formas liberais para formas sócio-

liberais, deslocando seu foco de pesquisa do fato para o autor. (Andrade, 1997, p. 71). Desta

forma, Andrade sustenta:

O Direito Penal liberalmente modelado passa a receber uma complementar justificação social. Daí em diante convivem o discurso de garantia do indivíduo com o discurso da defesa social; o discurso do homem como limite do poder punitivo e o discurso do homem como objeto de intervenção positiva desse mesmo poder, em nome da sociedade. (1997, p. 73).

Dito isso, o Direito Penal faz uma junção entre a defesa do indivíduo face ao poder

punitivo e a defesa social perante o indivíduo perigoso.

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Surge, então, o questionamento não mais apenas em relação ao objeto de estudo da

Ciência Penal, mas também a discussão sobre sua real cientificidade e a relação com a

criminologia. Pouco a pouco, se desloca o tema do saber penal e as diferenças das escolas vão

ficando para trás, dando lugar à divisão de trabalho entre a criminologia e a dogmática penal.

Assim, nas concepções positivistas só se poderia considerar Ciência a Criminologia, pois esta

possuía um método causal-explicativo, e o Direito Penal ficaria reduzido a uma mera técnica

legislativa utilizada pela criminologia. (Andrade, 1997, p. 75).

1.1.3 Escola Técnico-Jurídica

Com o intenso conflito entre as escolas clássicas e positivas, emerge uma terceira

Escola, a Escola Técnico-Jurídica ou Neoclássica. Adotou da Escola Clássica, como

fundamento da responsabilidade penal ligada a responsabilidade moral, com a peculiaridade

de distinguir o criminoso imputável e o inimputável, admitindo que também destes a lei penal

deve se ocupar, e da Escola Positiva utilizou-se da Sociologia Criminal, colocando como seu

foco muito mais o criminoso do que o crime. Como representante desta Escola, Arturo Rocco

defende para o estudo da Ciência Penal o método Técnico-Jurídico, mas não ignora que às

vezes se torna necessário o uso da antropologia, da psicologia e da sociologia. (Filho, 1998, p.

42-43).

Neste contexto, os juristas Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Régis Prado resumiram as

características da Escola Técnico-Jurídica:

a) o delito é pura relação jurídica de conteúdo individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma conseqüência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança – preventiva, aplicável aos inimputáveis; d) responsabilidade moral (vontade livre); e) método técnico-jurídico; e f) refuta o emprego da filosofia no campo penal. (1995, p. 36).

A escola Técnico-Jurídica ou Neoclássica adota as premissas da origem natural da

delinqüência da Escola Positiva e utiliza a Antropologia e a Sociologia Criminal, colocando

em evidência o delinqüente. Sem levar em conta os conflitos das Escolas Clássica e Positiva,

conservou o “princípio da responsabilidade moral” do classicismo, a diferenciação entre os

que têm consciência do fato ilícito cometido e os que não tem, advertindo que também aos

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homens inimputáveis dever-se-ia utilizar a penalização, porém como medidas de segurança,

diversas das penas penais. Assim, a elaboração Técnico-Jurídica do Direito Penal Positivo

busca, não apenas o conhecimento empírico, mas também o científico, por sua missão na vida

social, de interpretar e aplicar o Direito como operadores jurídicos. (Filho, 1998, p. 42-43).

1.2 SISTEMATIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS OFICIAIS DO SISTEMA PENAL

A ideologia liberal foi construída pelo saber penal, iniciado pela Escola Clássica,

herdado pela Escola Positiva e pela Escola Técnico-Jurídica. Contudo, esta ideologia não

bastaria como identidade ideológica da Dogmática Jurídico-Penal, pois, com a evolução do

saber oficial, necessitaria de uma visão mais ampla do crime e da pena do que no discurso

racionalizador/garantidor. (Andrade, 1997, p. 135-136).

Neste sentido, Alessandro Baratta agrupou as idéias do discurso liberal, dos debates

escolares e constituiu a ideologia dominante da Ciência Penal, da Criminologia, do Judiciário

e também do senso comum do homem do povo, com uma visão atual do crime e da pena, e a

denominou “ideologia da defesa social”, que foi construída através dos seguintes princípios:

(Baratta, 1997, p. 41-42).

a) Princípio do bem e do mal: o fato-crime representa um prejuízo causado à

sociedade, e este prejuízo é atribuído ao sistema social através de uma ação negativa do

delinqüente; portanto, o comportamento criminoso é o mal e a sociedade, em si, é o bem.

b) Princípio da culpabilidade: a conduta criminosa consciente, que contraria as normas

e os valores de um estado social, caracteriza-se como uma atitude interior reprovável, que

deverá ser previamente sancionada pelo legislador.

c) Princípio da legitimidade: o Estado está legitimado a reprimir o delito e agir em

defesa social contra determinados indivíduos, representando legalmente à vontade da

sociedade, através das instâncias oficiais de controle da criminalidade (instituições

penitenciárias, legislação, magistratura, polícia). A operacionalidade destas instâncias

expressa a legítima reação da sociedade, com a resistência, com a condenação do criminoso e

com a reafirmação das normas e valores sociais.

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d) Princípio de igualdade: a violação das normas penais, como comportamento de uma

minoria criminosa, define a criminalidade, sendo que para todos os autores de ações

criminosas, deve o Sistema Penal reagir de forma igualitária. O Direito Penal deve ser igual

para todos.

e) Princípio do interesse social e do delito natural: de qualquer modo, os interesses

fundamentais são protegidos pelo Código Penal para a existência de uma vida em sociedade,

assim resguardando os interesses comuns a todos os cidadãos, quando estes são violados

(delitos naturais). Somente uma pequena parte dos delitos representa violações de ordem

política e econômica, e a punição fica em função da consolidação dessas estruturas (delitos

artificiais).

f) Princípio do fim ou da prevenção: a pena possui como sua fundamentação a função

de retribuir (punição) o delito, mas também de preveni-lo (intimidação). O poder de punição

deve buscar uma justa contramotivação ao comportamento criminal com a função de

ressociabilizar o indivíduo criminoso.

Estes princípios são caracterizados como os princípios oficiais do Sistema Penal.

Responsáveis pela fundamentação da legislação penal, processual penal e de execução penal

hodierna, eles não representam e tampouco garantem a segurança jurídica da sociedade.

1.3 DO LABELLING APPROCH À CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Assiste-se a construção do moderno Sistema Penal até a década de 60 do século XX,

porém, a partir deste momento, inicia-se a desconstrução e a deslegitimação deste mesmo

sistema, o que foi denominado por Cohen de “impulso desestruturador”. (Andrade, 1997, p.

182).

O descontentamento do Sistema Penal desta época, marcada por revoluções e

movimentos de contracultura, surge quanto à relação de congruência entre programação e

operacionalidade do sistema, através destas indagações: Será que a programação do Sistema

Penal de fato se operacionalizou? Tem o Direito Penal conseguido a segurança jurídica por

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ele prometida? As desigualdades sociais foram exterminadas ou ao menos diminuídas? E

diante das respostas negativas o Sistema Penal começa a ser desconstruído. (Andrade, 1997,

p. 169).

No interior da dimensão desconstrutora, aparecem os principais pontos de construção de

um saber crítico do Sistema Penal, sendo que este estudo irá se aprofundar na crítica

sociológica do labelling approch, de que resulta o paradigma criminológico da reação social e

a Criminologia Crítica. (Andrade, 1997, p. 186-187).

Com a negação da ideologia da defesa social, que a própria Criminologia pós-positivista

já levantara, o caminhar para a troca de paradigmas havia começado. Foi então, com a

ascensão dos Estados Unidos na Sociologia Criminal, no decorrer do século XX, que se

iniciaram mudanças significativas na história da Criminologia. (Andrade, 1997, p. 199-203).

A desconstrução do labelling approch é modelada por duas correntes ligadas entre si, da

Sociologia Criminal Americana: o interacionismo simbólico, inspirado em Charles Cooley

(1902) e George H. Mead (1934), e a etnometodologia, inspirada na sociologia

fenomenológica de Alfred Schutz: pode-se conhecer a realidade atual e a realidade possível.

Primeiramente, o interacionismo simbólico que nega o pensamento determinista e os modelos

estruturais e estáticos da sociedade e constitui-se sobre o pressuposto da interação social, de

que o homem e a sociedade são inseparáveis. (Andrade, 1997, p. 204).

E como segundo eixo do labelling approach a etnometodologia acredita ser a sociedade

o produto de uma “constr ução social”, que não pode ser conhecida como uma realidade

objetiva, pois é obtida mediante um processo de definição e de tipificação por parte dos

indivíduos e seus diferentes grupos. Esta corrente representa a superação do determinismo-

causal positivista, ou seja, das concepções antropológicas e sociológicas da conduta humana,

e aponta que a sociedade não deve ser considerada com estatísticas intactas e estruturas

imutáveis. Portanto, os seres humanos constroem suas realidades num processo de interação

com outros seres humanos. (Baratta, 1997, p. 87).

Fundamentado nestas duas matrizes, surge o labelling approach como novo saber

criminológico, que se encontra formulado na obra Outsiders (Os Estranhos), publicada em

1963, por Howard Becker. Para um melhor entendimento, pode-se dizer que:

os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas em particular e qualificá-las de marginais

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(estranhos). Desde este ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela pessoa, senão uma conseqüência da aplicação que os outros fazem das regras e sanções para um ofensor. O desviado é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qualificação (etiqueta): a conduta desviada é a conduta assim chamada pela gente. (Becker Apud Andrade, 1997, p. 206).

Assim, se desconstrói a idéia de que o crime é uma qualidade intrínseca da conduta ou

uma entidade ontológica a um controle social, mas uma qualidade (rotulação) que se coloca

no indivíduo determinado através de processos de definição ou seleção. O criminoso não é,

portanto, qualificado por seus traços e antecedentes, o caráter criminal de uma conduta

depende de processos formais e informais de caracterização. (Andrade, 1997, p. 205).

Dentro do contexto, o labelling, ao contrário da Criminologia Tradicional, que

questionava quem é o criminoso e por que o criminoso cometeu o crime, começa a indagar:

quem é definido como criminoso, por que só um grupo de indivíduos é definido como

criminoso e quem possui o poder desta definição. Desenvolveram-se, então, três níveis

explicativos do labelling approach: a) o nível orientado para a investigação do impacto da

atribuição do status de criminoso na identidade do desviante (desvio secundário); b) o nível

orientado para a investigação do processo de atribuição do status criminal (criminalização

secundária); c) o nível orientado para a investigação do processo de definição da conduta

desviada (criminalização primária). (Andrade, 1997, p. 208).

Abandona-se, portanto, o paradigma etiológico, fundamentado nas investigações das

causa do crime, e configura-se o paradigma da reação social ou paradigma da definição,

baseado nas investigações das condições da criminalização. (Andrade, 1997, p. 212).

Com a mudança de paradigma, que se originou do labelling approach, houve a

passagem da Criminologia Tradicional para a Criminologia Crítica. Porém, o novo paradigma

era necessário, mas não suficiente para criticar a Criminologia Tradicional. Quando a

dimensão de definição traz consigo a dimensão do poder, pode-se realizar a construção desta

criminologia. Dessa maneira, existem dois aspectos que elevam o caráter de explicação da

Criminologia Crítica. O primeiro trata da abstração do enfoque político em relação ao enfoque

econômico, que traz como objeto de conflito a relação política de domínio de um grupo de

indivíduos sobre outros. (Andrade, 1997, p. 215-216).

O segundo aspecto diz respeito à radicalização do antideterminismo do labelling

approach contra o paradigma etiológico, que se baseia em negar a presença de um

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determinismo do delinqüente, afirmando piamente que a criminalidade advém do processo de

definição e que o criminoso é apenas quem sofre estes processos de criminalização, como um

instrumento de concretização de uma realidade social manipulável, perdendo o verdadeiro

sentido da ação desviante, que é a demonstração de um mal-estar social. (Andrade, 1997, p.

216).

A Criminologia Crítica opõe-se ao enfoque biopsicológico, apresentando o enfoque

macrossociológico e analisando a realidade do comportamento criminoso em sua co-relação

funcional ou disfuncional com as estruturas da sociedade. Este novo enfoque se fixa nos

mecanismos de controle social e no processo de criminalização, passando de uma teoria da

criminalidade para uma teoria crítica e sociológica do sistema penal, ocupando-se, hoje,

primordialmente, da análise dos sistemas penais. (Andrade, 1997, p.218).

Logo, a Criminologia Crítica analisa as condições objetivas, estruturais e operacionais

que dão origem ao crime, interpretando-as diferentemente, conforme suas classes,

subalternos, dominantes, detentores de poder econômico. (Andrade, 1997, p. 217).

1.4 SISTEMATIZAÇÃO DAS CRÍTICAS DOS PRINCÍPIOS OFICIAIS DO

SISTEMA PENAL

Com a mudança do enfoque sociológico do século XX, através de uma completa

inversão da perspectiva da investigação criminológica, troca-se a análise das causas do crime,

do fenômeno criminal, do indivíduo determinado por multifatores e do paradigma etiológico

pela investigação do sistema penal, dos processos de criminalização (estigmatização), do

crime como fato normal social, do enfoque do etiquetamento (labelling approach) e do

paradigma da reação social. Entretanto, com a transição do enfoque sociológico e com a

ascendência de novas e diversas teorias sociológicas, tornou-se possível a análise, ou melhor,

a desconstrução dos princípios indicados pelas escolas penais tradicionais e constituídos de

“ideologia da defesa social” (Baratta, 1997, p. 49), que são:

a) princípio do bem e do mal: a teoria funcionalista da anomia ataca este princípio ao

explorar que o comportamento criminal não é constituído nem por patologia individual nem

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social, e que o crime é considerado por esta teoria um fenômeno natural, portanto, o

delinqüente não pode ser considerado o “mal” por cometer algo que acontecerá normalmente

nas estruturas sociais;

b) princípio da culpabilidade: é atingido pelas subculturas criminais, quando afirma que

a conduta desviante expressa atitude interior reprovável de uma minoria de delituosos por

contrariar normas sociais do sistema penal que são respeitadas por uma maioria, o que

remonta a uma grande inverdade, pois não se tem um sistema penal, mas vários subsistemas

que se referem ao indivíduo mediante processos de socialização e usam critérios oficiais

alternativos para intimidá-los e condená-los, tendo-se, ainda, uma maioria criminosa e uma

minoria criminalizada;

c) princípio da legitimidade: são as teorias psicanalíticas da criminalidade que negam

este princípio devido a não-realização da expressão de vontade da sociedade através do

Estado, que se encontra descaracterizado e permanece com uma função apenas simbólica,

sendo que suas instâncias oficiais perdem suas pretensões defensivas, éticas e preventivas,

possuindo como objeto de punição o controle de todos os indivíduos, numa realidade em que

a projeção do mal e a culpa do “bode expiatório” predominam;

d) princípio da igualdade: é o labelling approach que coloca em dúvida a igualdade do

sistema penal, desconstituindo a idéia de que o delito e a criminalidade são entidades

ontológicas preestabelecidas, sendo consideradas como uma qualidade inserida em alguns

indivíduos por meio de processos de seleção de instâncias oficiais e não-oficiais; o paradigma

da reação social deslegitima o princípio da igualdade quando em vez de focar suas análises no

homem criminoso, focaliza nos próprios mecanismos de definição do sistema penal, mudando

a maneira de se pesquisar Criminologia;

e) princípio do interesse social e do delito natural: é questionado pelas teorias do

conflito baseadas no labelling approach que aduzem não existir interesse social, mas o

interesse de grupos portadores do poder. Afirmam também que os delitos artificiais aqueles

referentes à violação de ordem política e econômica não é premissa de um número pequeno,

mas do fenômeno total da criminalidade como realidade social criada através dos processos de

criminalização;

f) princípio do fim e da prevenção: a crítica deste princípio é o resultado da investigação

de diversas das teorias sociológicas criminais sobre a efetividade dos fins atribuídos à pena,

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contestando-se a função reeducativa e a ressocialização do delinqüente, primacialmente a

ressocialização, que é indagada pela Sociologia do cárcere; com a transição para o paradigma

da reação social, este princípio é desconstituído, pois antes o fim da pena seria a retribuição e

a prevenção, partindo da premissa que o objeto de investigação era o autor do crime, e agora,

se o objeto de análise é o próprio sistema penal, a finalidade da pena também se encontra em

análise, porque o delinqüente não é mais considerado anormal e sim ilegal e anormalmente

definido.

Com a desestruturação destes princípios que constituem a ideologia da defesa social,

inicialmente com o labelling approch, passando pelas teorias Sociológicas Criminais,

culmina-se com a consolidação da Criminologia Crítica e, a partir da “revolução de

paradigma”, o sistema penal transforma -se no seu objeto de investigação. (Andrade, 1997, p.

203).

Com efeito, conclui-se o primeiro capítulo da pesquisa, no qual se apresentou todo o

histórico do saber penal e do saber criminológico, para melhor analisar e criticar os princípios

oficiais do funcionamento do sistema penal. No segundo capítulo, pesquisar-se-á as

características operacionais/funcionais do sistema penal em comparação com seus princípios

oficiais.

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2 CARACTERÍSTICAS OPERACIONAIS/FUNCIONAIS DO SISTEMA PENAL

Serão pesquisadas, neste segundo capítulo, as características do funcionamento do

sistema penal. Primeiramente, tratar-se-á da cifra negra da criminalidade, a qual indagou o

objeto de análise da Criminalidade Tradicional, norteando as investigações da Criminologia

Crítica. Nesse sentido, serão também analisadas a seletividade primária e secundária, as quais

comprovam a existência da seleção nos processos de criminalização, desde a criação até a

imposição das normas e, ao final, a teoria da estigmatização ou também denominada

Criminologia Interacionista, uma das orientações da Criminologia da Reação Social que

possui, como objeto de pesquisa, três elementos: o processo de criação da lei penal, a infração

destas leis e a reação social a esta infração.

2.1 CIFRA NEGRA DA CRIMINALIDADE

A Cifra negra vem a ser um conceito que serve de questionamento para a Criminologia

Positivista, que traz no bojo de seus fundamentos, para explicar o fenômeno da criminalidade,

através das estatísticas, que não são nem verdadeiras e nem tampouco justas. (Castro, 1983, p.

66).

As estatísticas utilizadas são falhas por vários motivos: quando a própria vítima deixa

de denunciar o autor do crime, por qualquer razão; o na falta de provas que resulta em

arquivamento do processo; ou ainda quando estas estatísticas afirmam, por exemplo, que o

roubo e o furto diminuíram em determinado período e lugar, o não quer dizer somente que tais

delitos não foram mais praticados, mas também que houve uma maior repressão dos órgãos de

controle. Dessa maneira, torna-se perigoso confiar nas estatísticas como levantamento de

dados da criminalidade e do seu controle. (Castro, 1983, p. 67).

Foi na Alemanha, em 1908, que apareceu pela primeira vez o termo dark number - cifra

negra, e foi a partir das pesquisas de Sutherland que o criminólogos se propuseram a iniciar

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investigações neste sentido, sobre a diferença entre criminalidade real e criminalidade

aparente, a disparidade entre as condutas enquadradas na lei penal verdadeiramente cometidas

e as condutas registradas oficialmente. (Castilho, 1998, p. 51).

Ademais, o surgimento deste termo, cifra negra, caracteriza os furos, as lacunas desde a

produção das normas até a sua aplicação. Esta criminalidade oculta nos remonta uma enorme

nocividade social, tornando o sistema penal uma ficção a favor de grupos individualizados

que abusam do poder político, do poder econômico, usando de sua operacionalidade em

detrimento da sociedade, fazendo do povo uma verdadeira “massa de manobra” para a

realização dos seus anseios hedonistas. (Cervini, 1995, p. 162).

Isto quer dizer que nos crimes que estão tipificados como tal no Código Penal, ou seja,

que se enquadram na lei penal como delito e que atingem a segurança jurídica, para fechar o

ciclo, deveriam ser os autores penalizados; porém isso não ocorre, a realidade é outra e estes

crimes não entram no sistema, por diversos motivos. Do nascimento até a concretização penal

do delito, muita água passa por baixo da ponte, os interesses individuais possuem mais poder

do que os próprios princípios que regem o Direito Penal e os resultados são ínfimos quando a

ótica esta ao lado da verdade social. (Hulsman e Celis, 1993, p. 64).

Partindo dessa premissa, os criminólogos perceberam, há algumas décadas, este

fenômeno e assinalaram a existência da cifra negra através do confrontamento entre a

criminalidade legal, a criminalidade aparente e a criminalidade real. Criminalidade legal é

todo delito que é registrados nas estatísticas oficiais, registrando-se oficialmente somente os

crimes que chegaram à condenação. Criminalidade aparente é toda a criminalidade conhecida

pelos órgãos de controle, como a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário; estes delitos não

são registrados nas estatísticas oficiais por não terem sido finalizados por sentença, uma vez

que pode haver diversos encaminhamentos, como o arquivamento por falta de prova; o

desinteresse da própria vítima de continuar com a ação ou a conciliação, quando se tratar de

crimes menor potencial ofensivo; ou ainda o uso de influências, enfim, qualquer motivo que

faça com que o processo não siga seu curso normal, não obtendo a condenação. Criminalidade

real é a quantidade real de crimes que ocorrem em local e período determinado, quantidade de

delitos verdadeiramente praticados em determinado momento. (Castro, 1995, p. 67).

A diferença entre criminalidade real e criminalidade aparente é absurda. Se subtrairmos

dos crimes que são conhecidos pelos órgãos de controle social os crimes que realmente são

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cometidos em determinado momento, o produto desta operação será negativo. Aqui se

instaura a cifra negra, um número astronômico de crimes que vagam e não são reconhecidos

pela máquina.

Com relação à criminalidade legal, a cifra negra da criminalidade será ainda maior do

que a da criminalidade aparente, pois fica claro que é nos primeiros níveis onde mais se

expande a delinqüência oculta: na descoberta do delito, na denúncia e na funcionalidade da

polícia. É aqui que escapam a maioria dos crimes cometidos. À medida que vai se

concretizando as etapas do processo penal, diminui-se a possibilidade de crescimento da cifra

negra. Porém, neste período processual, também se observa a existência da cifra oculta, que

funciona através do poder econômico, político e do tráfico de influências. Com seu descaso,

esses grupos poderosos destroçam o Sistema Penal e tornam evidente a inexistência de

eqüidade. (Castro, 1995, p. 69).

Esclarece Baratta que o Sistema Penal não poderá agir na totalidade dos crimes

cometidos, que deveriam ser de sua competência. As pesquisas sobre cifra negra e

organização da justiça penal comprovam a distorção e o quanto o Direito Penal foi

extremamente reduzido, pois:

o sistema só pode aplicar sanções penais previstas pela lei a um percentual dos reais infratores que, numa média relativa a todas as figuras delitivas, nas sociedades centrais, não é superior a um por cento (...) em face da inadequação, do enorme desencontro existente neste sistema, entre os programas de ação (processo legislativo, criminalização primária) e os recursos administrativos de que o sistema dispõe para implementar esses programas (criminalização secundária). (Baratta, Apud Cervini, 1995, p. 165).

Nesse contexto, as estatísticas oficiais feitas com presos para provar que existe uma

tipologia criminal são questionadas devido a serem incompletas como fonte de conhecimento

da real problemática da criminalidade da nossa sociedade. A Justiça Penal vem sendo aplicada

e também produzida de forma diferenciada. Os criminólogos demonstram que, com a

existência da cifra oculta e, principalmente, com a seleção e a estigmatização, que serão

analisadas a seguir, cai por terra definitivamente a idéia do “criminoso nato” e do “delito

natural” dos positivistas. O criminoso atual é selecionado tanto pela lei quanto pela repressão,

formando as classes marginalizadas, e o delito deixa de ser natural para, como afirma

Chapman, ser um fenômeno generalizado na sociedade em que não só os “fichados”, os

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rotulados ou criminosos praticam o delito, mas só sobre estes caí a condenação,

transbordando, assim uma classe delituosa imune e impune. (Cervini, 1995, p. 165 - 166).

Existem três métodos para o questionamento da quantidade da cifra negra, e os

criminólogos tiveram o trabalho de avaliar a cifra na tentativa de que não restassem resultados

vagos. São eles; a) método da autoconfissão ou autodenúncia (inquirições em relação aos

autores); b) método da vitimação (inquirições em relação às vítimas); c) método de análise

das maneiras de prosseguir ou abandonar que têm os tribunais e a polícia (inquirições em

relação aos informantes). (Castro, 1995, p. 70-72).

a) Método da autoconfissão ou autodenúncia: trata-se de fazer um interrogatório com

um grupo de pessoas anôminas da sociedade para obter quantas delas cometeram delitos em

determinado período e lugar, tendo ou não havido processo. Esta pesquisa geralmente recaiu

sobre cidades pequenas dos Estados Unidos, além de Nova York, e também foi realizada na

Alemanha, Noruega e Finlândia. Os grupos interrogados eram de estudantes, recrutas do

exército e adultos em geral. (Castro, 1995, p. 70).

O método utilizado esbarrou em obstáculos, como dificuldade de reunir todos os

indivíduos que cometeram delitos e, dentre os que foram encontrados, saber quais realmente

confessaram os crimes, pois, mesmo com a garantia de anonimato, os delitos mais graves

jamais serão confessados; o descaso da população, que não percebe a seriedade da enquête.

Outro problema foi o de que os estudos não foram conhecidos em determinado período de

tempo ou região, o que impediu a comparação com as estatísticas oficiais. Os estudos não

alcançaram o resultado desejável porque é muito complicado estipular uma quantidade real da

cifra negra e porque não existem cifra precisas devido à incapacidade de reunir toda a

população e à incerteza acerca da veracidade dos depoimentos dos grupos reunidos. Este

método de pesquisa serviu para demonstrar quais as categorias de indivíduos que estão

dispostos a confessar e que alguns delitos são confessáveis outros não. (Castro, 1983, p. 71).

b) Método da vitimação: as pesquisas são realizadas com um grupo considerável de

pessoas comuns da sociedade para se conhecer quais foram vítimas de algum crime em

determinado momento. Estes estudos permitiram observar porque as vítimas deixaram de

denunciar e, quando denunciaram, quais os autores e por quais razões estes foram indiciados e

não processados. Através deste método, alcançaram-se dados bem reais, em se tratando de

certos delitos, como dano e roubo, porém quanto a outros delitos, como estupro, as pessoas se

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envergonham e se calam, e a cifra fica comprometida. Ficaram excluídos os chamados crimes

sem vítimas, aqueles em que o autor é sua própria vítima, como nos jogos de azar, e ainda os

que dependem da cumplicidade da vítima com o autor. (Cervini, 1995, p. 168-169).

Tornou-se possível levantar, na investigação, os motivos que inibem as vítimas de

agirem, de denunciarem. Através do trabalho de Hilda Marchiori, que foi concluído por Elias

Neuman, as conclusões, em sua ordem, foram estas: o medo da vítima em relação ao autor;

por considerar irrelevante a gravidade do delito; a falta de confiança na justiça; por serem os

autores membros da família a vítima tem medo de prejudicá-lo; a perda de tempo com a

morosidade dos trâmites judiciais; a vítima, por ter agredido, teme ser responsável como autor

pelo delito; por não desejarem ser vitimizadas pelos funcionários dos órgãos de controle; pela

pressão social de ser vítima em certos crimes que a desonra. (Cervini, 1995, p. 169).

c) Método de análise das maneiras de prosseguir ou abandonar que têm os tribunais e a

polícia: esta análise foi feita através de esquemas gráficos das entradas e saídas de crimes e

criminosos dos órgãos de controle, tanto nas etapas do processo como na detenção. (Castro,

1983, p. 71-72).

Objetivando estudar as causas da inexistência de operacionalidade real e da

vulnerabilidade do sistema penal acerca das diversas etapas que possui o procedimento penal,

torna-se mais dispendioso concluir onde a cifra ocorre com maior intensidade. A

discricionariedade da polícia faz com que a cifra negra suma, na realidade, e faz acreditar que

existe o interesse de manter uma crescente razão criminológica, selecionando quais os crimes

que deverão ser investigados. Esta discricionariedade seletiva não acaba na polícia, o

Ministério Público e os magistrados também a detém.(Cervini, 1995, p. 170-171).

Além destes três métodos, podem ser acrescentadas outras duas técnicas: o sistema das

variáveis heterogêneas, proposto por Vehner, e ainda as inquirições em relação aos

informantes.

d) Sistema das variáveis heterogêneas: nesta técnica de pesquisa, consegue-se resumir

os métodos até aqui apresentados. Os americanos Riley e Nelson, juntamente com o Bowdoin

College, realizaram um estudo que necessitou de três níveis de controle informático para

alcançarem resultados médios, dos quais mencionam: a cifra negra é evidentemente maior em

crimes leves do que nos graves; as vítimas possuem uma tendência maior à auto-composição

nos crimes leves e medianos do que nos graves; (Cervini, 1995, p. 170).

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e) Inquirições em relação aos informantes: por se tratar de informação de fatos

derivados de uma terceira pessoa, os índices adquirem um pouco mais de confiança. Através

dos informantes foram questionadas as situações que lhes permitiram o conhecimento de

certos crimes num determinado momento. As indagações aos informantes devem ser dentro

de um âmbito cultural, geográfico e em tempo determinado. (Cervini, 1995, p. 170).

Hoods e Spaks afirmam que a teoria da criminalidade e a teoria da personalidade

criminosa devem sobrepor-se ao estudo do crime, sintetizando em dois pontos como um

teórico coerente deve agir: 1º) averiguar as diversidades entre dois tipos de criminosos de um

mesmo delito - os que foram condenados e os que não foram; 2º) analisar separadamente os

fatores que explicam o comportamento delituoso e os fatores que respondem porque o

indivíduo foi preso e estudado como criminoso. (Castro, 1983, p. 67).

Primeiramente, a cifra negra aparece colocando em crise os estudos da Criminologia

Tradicional, mais precisamente o modo como é realizado este estudo. Com estatísticas

fundadas na comparação do criminoso com o não-criminoso, com o intuito de desvendar o

delinqüente como se ele tivesse um rosto. A delinqüência oculta é um montante de crimes que

acontecem na realidade, mas para o mundo jurídico-penal eles não aconteceram, porque, por

diversos motivos, estes delitos não chegam às vias da polícia e nem do judiciário, vagam pelo

passado e pela memória muda de alguns. (Castro, 1983, p. 66-72).

Cada vez mais pesquisas são feitas e métodos de estudos foram desenvolvidos até restar

a certeza de que a cifra negra não é somente uma anomalia do sistema, mas uma realidade

constante. Hulsman, alicerçado no método abolicionista esclarece, com uma pergunta: como

se conceber normal um sistema que não intervenha, a não ser tangencialmente, que é tão

excepcional do ponto de vista estático, na vida social? Esta vertente partiu da premissa de que

até a noção ontológica do crime encontra-se em choque à medida que fatos são enquadrados

na lei penal como crime e não são vividos como tal, não são avaliados pela sociedade como

fato que mereça ser punido, não são considerados pelas vítimas razão de denúncia e ainda não

são investigados pelos órgãos de controle, ou seja, são acontecimentos que teriam de ser

separados dos acontecimentos normais, porém sofrem esta descaracterização tanto pelo

homem comum como pelo homem do controle. (Cervini, 1995, p. 173).

As indagações que resumem os problemas apresentados pela cifra negra são quatro: 1º)

A proporção da cifra negra é invariável em relação à criminalidade aparente, durante todo o

tempo, em certas regiões, ou em regiões de um mesmo país? Considerando-se cifra oculta

desde que a vítima deixa de comunicar o delito, a criminalidade aparente é o montante de

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crimes que são conhecidos pelo controle social, mas não são registrados, assim, se os delitos

reais forem menos reconhecidos pelos órgãos de controle maior a cifra negra. E quanto

maiores forem os crimes conhecidos por estes órgãos e menor a quantidade de processos sem

justa causa, novamente a cifra oculta cresce. Portanto, a proporção da cifra não é invariável

em relação à criminalidade aparente. 2º) A porcentagem de delitos varia segundo o tipo de

crime? As pesquisas afirmam que nos crimes leves e de até médio porte a cifra negra é maior.

Esta questão faz concluir que se existem delitos que são mais ocultados e outros mais

averiguados, há uma seletividade formal e informal que alimentam a cifra negra; 3°) Quantos

crimes são cometidos e qual a proporção entre os conhecidos e os não conhecidos?

Especificar um número exato dos crimes cometidos seria impossível devido à própria cifra

oculta, porém se tem noção da proporção enorme entre os delitos que são conhecidos em

qualquer nível e aqueles que nunca irão existir para a justiça. Quanto maior a proporção entre

estes, maior também será a cifra negra; 4°) Quem são os criminosos e em que se diferenciam

os conhecidos e os não-conhecidos? Os criminosos são indivíduos que desrespeitam as

normas penais em detrimento do patrimônio individual e da segurança social, por isso devem

ser penalizados; a diferença entre os conhecidos e os não conhecidos é a própria condenação.

Quanto maior a quantidade de desconhecidos maior a cifra negra. (Castro, 1983, p. 72).

Dessa maneira, percebe-se os caminhos que foram apontados por criminólogos. Com o

surgimento deste novo conceito, a cifra negra, que demonstrou que os estudos em que se

baseia a Criminologia Positivista são equivocados e os seus resultados, negativos, o Sistema

Penal perde legitimidade quando vira um fantoche à mercê de grupos individuais em

detrimento de toda a comunidade. Com a cifra oculta levanta-se um novo princípio que rege o

Direito Penal, o princípio da seletividade.

2.2 SELETIVIDADE PRIMÁRIA E SELETIVIDADE SECUNDÁRIA

Os processos de criminalização, nas sociedades modernas, possuem duas faces: de um

lado, constituem a criminalidade, e de outro, dão imunidade. No mesmo sistema, penalizam-

se alguns, deixando impune uma maioria protegida. Uma mesma conduta pode ser

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considerada criminosa ou não, dependendo do momento. A violação da norma como

pressuposto para a imputação penal encontra-se desconstruída, existem outras características

que possuem um peso maior do que o próprio desrespeito à norma, como: qual a classe e

influência do autor, qual o interesse de condená-lo e qual o tipo penal. A seleção, no processo

de criminalização, advém de interesses privados face à injustiça atribuída a determinados

indivíduos comuns da sociedade. Neste contexto, tratar-se-á primeiramente da seletividade

primária e posteriormente da seletividade secundária.

A criminalização primária está na criação ou definição, ou seja, na produção das normas

penais, que é realizada de acordo com um sistema de valores que são administrados como um

guia geral, pois, para se manifestar sobre situações concretas, são desenvolvidas regras

específicas da realidade cotidiana. Estas regras específicas, quando constituídas de forma

coerente com o valor, criam os atos que são aceitáveis e os atos que devem ser punidos,

quando violados. (Filho, 1998, p. 177).

A seletividade primária revela-se em uma dupla seleção: primeiramente, pela seleção

dos bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e pelos comportamentos ofensivos a

estes bens, tipificados pela norma penal; em segundo lugar, pela seleção de tais indivíduos,

etiquetados como delinqüentes entre todos os que cometem delitos. (Baratta Apud Andrade,

1997, p. 218).

O Código Penal brasileiro está fundamentado, sobretudo, na moral própria da cultura

burguês-individualista, na qual obtém preferência na proteção do patrimônio privado e na

coerção das condutas desviantes praticadas por indivíduos que compõem grupos

estigmatizados de baixo status social. No procedimento técnico dos tipos penais e na

especulação de agravantes e atenuantes também há seleção, assim se o infrator da norma

penal for etiquetado como delinqüente, como integrante de um grupo que comete delitos,

também na dosimetria da pena será selecionado e havendo atenuantes poderão estas ser

pormenorizadas e até descaracterizadas e existindo agravantes poderão ser computadas de

forma bem expressivas, restringindo ainda mais o espaço das leis penais para os infratores de

classes altas que permaneceram, em sua maioria, imunes. Fica claro o caráter fragmentário do

Sistema Penal, pelo qual certas condutas não são, nem devem ser alcançadas por ele, bem

como impede seu alcance a práticas que deveriam ser sancionadas. (Castilho, 1998, p. 49-50).

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Conforme sustenta Baratta, trata-se da ideologia da ocultação dos privilégios dos grupos

de interesses particulares das classes dominantes e da preservação da criminalidade primária

na pratica de atos danosos à sociedade ligados funcionalmente à existência de acumulação

capitalista, buscando-se a imunização de tais comportamentos que danificam particularmente

as classes oprimidas. (Baratta, 1997, p. 164-165).

A seletividade primária acontece, pois nem todas as condutas são previstas e tipificadas

como condutas criminosas e nem todos os infratores poderão ser individualmente

criminalizados. Ainda não se obtém um consenso de quais são os bens jurídicos que devam

ser protegidos e nem quais as práticas que mereçam ser previstas na lei, desta maneira, o

Direito Penal mostra-se desigual e, conseqüentemente, seletivo. (Filho, 1998, p. 180).

Existe uma desconfiança em relação aos bens jurídicos que vão ser tutelados ou às

condutas delituosas que são tipificadas. Devido à descarada seleção advinda dos criadores de

normas, os crimes mais cometidos por indivíduos carentes, socialmente, como furto

qualificado e tráfico de drogas, são mais considerados na hora de criação da norma. (Filho,

1998, p. 181).

Neste sentido, esclarece Castro:

Quando falarmos nos mecanismos de criação de normas penais, veremos que não há uma natureza própria do delito, mas que o delitivo é imposto de cima pela pessoa ou grupo que tem mais poder; que isso depende da posição de poder e que esta posição de poder determinará que os interesses, as crenças e as culturas dos que usufruem essa posição do predomínio definam o que é delitivo em uma sociedade. Não podemos dizer que o homicídio ou o furto são delitivos por natureza. São delitivos, porque em um determinado momento da história de um país, aqueles que detinham o poder suficiente para assegurar com os instrumentos legais, os seus interesses e crenças, consideraram que era útil castigá-los. A prova disso é que há dentro da sociedade uma série de valores fortemente desaprovados que excedem o limite de tolerância da comunidade e que, no entanto, nunca chegam a fazer parte da conduta legalmente delitiva. Não é conduta delitiva porque não houve alguém que tivesse por sua vez, poder e interesses suficientes para implantá-la como conduta delitiva. (1983, p. 15).

É justamente na falta de interesses coletivos e de vontade política que se vislumbra o

processo seletivo primário, ao fazer a lei nascer suja e em benefício próprio, segundo Becker,

que denominou “cruzados reformadores” que são como “empresários morais”, que estão

interessados na elaboração das normas a fim de corrigir o que não é justo. O “cruzado

reformador” revela -se ao impor sua própria moral aos demais, tem a consciência de sua

sagrada missão e da importância de ser um indivíduo humanitário. No entanto, algumas das

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missões sagradas dos “empresários morais” são concentradas em interesses particulares e,

calcados no individualismo, muitos deles não possuem os sentimentos tão puros em relação a

sua função de justiça comum. Desta maneira, quanto maior for o número de “criador de

regras” com interesses hedonistas maior será a seletividade na definição das regras penais.

(Filho, 1998, p. 176).

Já o processo de criminalização secundária, quanto à imposição das leis penais,

instaura-se nas instâncias formais, nos órgãos de controle, como Polícia Civil, Polícia Militar,

Polícia Federal, (organizações ou repartições públicas que exercem o poder de polícia),

Ministério Público (no momento de deflagração da ação penal, arquivamento do inquérito

policial ou outras peças que demonstram a ocorrência de condutas criminais) e Judiciário (ao

proferir sentenças absolutórias ou condenatórias). Portanto, seu âmbito de concretização são

os Poderes Executivo e Judiciário. (Filho, 1998, p. 181).

A seletividade secundária, segundo a tese de Becker, demonstra que o fato de a lei penal

existir não assegura que esta será aplicada, aliás, são outros aspectos que garantem a real

aplicação da norma: 1) quando o fato punível ocorre em uma empresa, o empresário terá

interesse em castigar o culpado; 2) se o ato ilícito se tornar público, certamente não poderá ser

desconhecido; 3) quando a imposição da norma penal trouxer algumas vantagens; 4) os

interesses particulares na aplicação da lei variam conforme a potencialidade do tipo penal; 5)

o procedimento de imposição das normas são variáveis de acordo com as estruturas sociais

dos infratores. (Filho, 1998, p. 177).

Dessa maneira, a coerção das regras penais são seletivas pelos órgãos de controle,

dependendo da classe das pessoas, dos interesses de grupos detentores de poder, do tipo de

infração e da situação ou época. As leis são tratadas de maneira diferenciada conforme a

consciência de necessidade, primeiramente, do “criador de regras”, e posteriormente, dos

funcionários do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Desde sua criação até sua imposição,

a norma sofre retaliações e, muitas vezes, a sua própria criação já possui o objetivo de

selecionar alguns grupos. (Filho, 1998, 177).

Existem infrações que são extremamente mais perseguidas do que outras condutas; que

caem em desuso, ou seja, a sociedade não as considera mais como um comportamento

delituoso, mesmo assim continuam estas sendo aplicadas; regras que existem mais não são

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impostas ou ainda a prática de ações altamente danosas a sociedade que são ignoradas. (Filho,

1998, 177).

Conforme sustenta Baratta:

(...) a fatores pessoais e sociais correlativos da pobreza, entre os que se incluem, observa Sutherland, a doença mental, os desvios psicopáticos, a habitação em slums, e a má situação familiar da classe. Estas conotações da criminalidade recaem não apenas sobre os estereótipos de criminalidade, os quais, como indagações recentes demonstraram, influenciam e guiam a ação dos órgãos oficiais, tornando-a desse modo socialmente seletiva, mas também sobre a definição corrente que o homem da rua partilha, ignorante das estatísticas criminais. (Baratta Apud Andrade, 1997, p. 264-265).

O Sistema Penal se constitui como um sistema de normas de punição seletivo, os seus

membros agem através de mecanismos que selecionam certos indivíduos, manipulando uma

enorme massa em benefício de interesses pessoais, desfigurando o rosto da criminalidade.

Não são os pobres que cometem mais crimes, porém eles é que são mais criminalizados por

um poder de repressão criminoso.

Como já se mencionou, a seletividade secundária advém da imposição das normas pelas

instâncias formais. As Polícias e os órgãos do Judiciário caracterizam somente alguns tipos de

indivíduos como criminosos, devido a quais aspectos os funcionários destes estabelecimentos

públicos agem desta forma. A existência da norma proporciona um emprego para o

funcionário, a imposição destas regras lhe atribui um modo de vida. Assim, são dois os

motivos que condicionam o exercício profissional dos funcionários: 1) aplicando as leis

penais, justifica a existência de seu trabalho; 2) busca o respeito daquele que é abordado por

ele. (Filho, 1998, p. 178).

Ademais, Becker observou que, tanto os funcionários quanto os órgãos de imposição

das normas penais à sociedade possuem uma idéia pessimista em relação à natureza humana.

Não acreditam na ressocialização dos infratores das leis devido às tarefas cotidianas, todos os

dias os mesmos casos e o mesmo tipo de indivíduos. Assim, a descrença destes funcionários

fortifica a estigmatização. O receio de que se houver reforma dos infratores seu emprego

poderá acabar faz com que eles continuem com um pensamento negativo sobre a natureza

humana, sobre a reeducação das pessoas, e por isso, a cada ação ilícita reprimida, reafirmam a

necessidade de sua função. O funcionário necessita do respeito das pessoas que ele irá

abordar, do contrário, tornar-se-á difícil o seu trabalho. O sentimento de segurança é

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fundamental para o exercício do ofício, sendo assim, muitas vezes o funcionário se desvirtua,

de encarregado de fazer cumprir as leis ele age obrigando que as pessoas o respeitem, devido

a sua qualificação. Se o infrator o respeitar, as regras podem ser atenuadas ou nem mesmo

aplicadas, mas desrespeitando-o, o indivíduo pode ser tipificado como delinqüente

rapidamente. A discricionariedade do funcionário, o fato de cumprir ou não cumprir as regras

remete à atitude do infrator e não à real criminalidade ocorrente. (Filho, 1998, p. 178).

Esclarece Zaffaroni quando afirma que a operacionalidade do Sistema Penal não

preenche todos os campos que se programou a exercer, seletividade estrutural, sua capacidade

é ínfima comparada com a realidade da criminalidade:

As agências do sistema penal dispõem apenas de uma capacidade operacional ridiculamente pequena se comparada à magnitude do planificado. A disparidade entre o exercício de poder programado e a capacidade operativa dos órgãos é abissal, mas se por uma circunstância inconcebível este poder fosse incrementado a ponto de chegar a corresponder a todo o exercício programado legislativamente, produzir-se-ia o indesejável efeito de se criminalizar várias vezes toda a população. Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os abortos, todas as defraudações, todas as falsidades, todos os subornos, todas as lesões, todas as ameaças, etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente não haveria habitantes que não fosse, por diversas vezes, criminalizado. (Zaffaroni Apud Andrade, 1997, p. 265).

Devido à insuficiência da operacionalidade do sistema penal, os funcionários, como

não poderão atender à quantidade total de ilícitos, escolhem os casos que lhes parecem

urgentes para agir, em detrimento dos demais.

Ademais, a imposição das regras ainda depende de “arranjos”, de pessoas com

influência política e econômica, possuidoras de regalias em todos os momentos, desde

impedir a aplicação da lei até a sentença. Muitos desses privilégios, denominados, “arranjos”,

iniciam nas relações entre funcionários dos órgãos de controle e particulares com habilidades

para ficar impunes. (Filho, 1998, p. 179).

Portanto, a minoria criminosa, formada por indivíduos socialmente perigosos,

diferenciados dos indivíduos normais da Criminologia positivista, transforma-se na conduta

delituosa da maioria das pessoas da sociedade, na Criminologia da Reação Social, e a resposta

de porque somente uma minoria de pessoas de classe baixa é responsabilizada está na

seletividade do Sistema Penal, tanto na criação quanto na função de fazer cumprir as normas.

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2.3 ESTIGMATIZAÇÃO

A Criminologia da Reação Social subdivide-se em muitos níveis, um deles é a

denominada Criminologia Interacionista, que também pode ser chamada de teoria da

Estigmatização ou da Rotulação, à qual interessa como a sociedade reage a determinadas

condutas, tanto na definição e produção das regras quanto na sua imposição. Esta

criminologia acredita que a criminalidade não está nas características do criminoso, mas na

interação entre este e a sociedade, pois desta relação de aplicação de rótulos e estigmatização

surge o indivíduo selecionado, que é transformado em criminoso. (Castro, 1983, p.59).

O termo estigma advém do grego, stígma, que era usado para definir cicatrizes, marcas

físicas, sinal infamante que significava alguma coisa de específico e ruim sobre a moralidade

de quem o detinha. Estes sinais corporais avisavam que o portador era desclassificado,

delinqüente, traidor, por isso, merecia a exclusão. Posteriormente, no Cristianismo, o estigma

foi considerado como sinal divino e de graça, como as marcas das cinco chagas de Cristo e os

estigmas de São Francisco. Hoje, é utilizado como referência de algo desastroso,

profundamente pejorativo, que afasta o estigmatizado das relações sociais com os indivíduos

tidos como normais. (Filho, 1998, p. 190-191).

As conseqüências dos estigmas nos indivíduos foram apresentadas pelo sociólogo,

americano, Erving Goffman, em seu livro Asylum e Estigma. A identidade deteriorada

(1961). Este autor sustenta que existem três tipos de estigmas, que são bem diferenciados: as

deformidades corporais; as culpas individuais, como, por exemplo, deficiência mental, vícios,

cárcere, desemprego; e estigmas de crenças, nações, tribais de raça e religião. (Filho, 1998, p.

190).

Ademais, Goffman desenvolveu uma visão ampla de críticas a instituições totais, ou

seja, asilos, manicômios, prisões, quartéis, hospitais, conventos, ao perceber pontos em

comum em várias instituições fechadas: a) sobreposição de conceitos como cárcere-

manicômio, enfermeiro-vigilante; b) uma série de rebaixamentos, humilhações, degradações,

mortificação do eu através de rituais padrões; c) a debilidade da racionalização científica que

a sustenta; d) a semelhança dos profissionais entre uma e outra instituição; e) a semelhança

dos que estão ali recolhidos: todos são de baixo status social, sem nenhum tipo de proteção,

excluídos e marginalizados; f) uso de estigmas idênticos para identificá-los, como o de

desviante. (Castro, 1983, p.124).

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Nas instituições totais desenvolve-se o procedimento de mortificação do eu, através do

despojamento das instituições o internado vai perdendo a ligação com o seu eu civil e começa

a receber instrução formal e informal em relação ao que é denominado sistema de privilégios,

o que estabelece uma reorganização pessoal:

em primeiro lugar, existem as “regras da casa”, um conjunto relativamente explícito e formal das prescrições e proibições que expõe as principais exigências quanto à conduta do internado. (...) os processos de admissão, que tiram do novato seus apoios anteriores, podem ser vistos como a forma de a instituição prepará-lo para começar a viver de acordo com as regras da casa. Em segundo lugar (...) no mundo externo, por exemplo, o internado provavelmente podia decidir, sem pensar muito a respeito, como desejava o seu café, se ascenderia ou não um cigarro, quando falaria ou não; na instituição, tais direitos podem se tornar problemáticos. Apresentadas ao internado como possibilidades, essas poucas reconquistas parecem ter um efeito reintegrador, pois restabelecem as relações com todo o mundo perdido e suavizam os sintomas de afastamento com relação a ele e com relação ao eu perdido pelo indivíduo. (...) o terceiro elemento no sistema de privilégio está ligado aos castigos; estes são definidos como conseqüência de desobediência as regras. (...) de modo geral, os castigos enfrentados nas instituições são mais severos do que qualquer coisa já encontrada pelo internado em sua vida fora da instituição. (Goffman, 1999, p. 49-51).

Os estigmas ou rótulos conferidos a determinados indivíduos possuem estas

características, agrupadas por Goffman:

1) as etiquetas são elementos de identificação social e pessoal, tornam o indivíduo

visível quando o diferenciam dos “normais” e invisível, pois a rotulação faz com que o

indivíduo perca o seu verdadeiro eu;

2) as etiquetas sociais formam auto-etiquetas: o estigmatizado se percebe nos moldes da

percepção dos outros e, envergonhado, sentindo-se como um estranho tende a avançar por um

corredor que o conduzirá a um novo papel, sendo que, quanto mais longe o indivíduo for,

menor serão suas chances de reabilitação;

3) os etiquetamentos geram expectativas da sociedade, as quais são correspondidas de

forma coerente pelo etiquetado;

4) as etiquetas sociais negativas geram expectativas negativas, que criam auto-etiquetas

negativas que, por fim, resultam num comportamento coerente com as expectativas;

5) os rótulos produzem desvios secundários, isto quer dizer que os órgãos de controle

centralizam suas investigações sobre estes grupos que foram selecionados através de etiquetas

e este comportamento intensifica a reação social e concretiza as condutas que serão mais

desviantes;

6) as etiquetas se generalizam e contagiam, assim, uma etiqueta irá caracterizar outras,

como, por exemplo, um homem etiquetado como alcoólatra e também rotulado como um mau

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pai ou mau marido e ainda contagiam-se no sentido de que o filho do alcoólatra também

sofrerá a etiqueta, pois a má reputação do pai afetou a imagem do filho;

7) a sociedade se une quando há idéias comuns entre os integrantes, criando, por

exemplo, as etiquetas de ex-presidiário, dependente de drogas, homossexual; estas etiquetas

mobilizam a atividade social, a rotulação é passada de geração a geração e por meios de

comunicação definidas como situações reais que serão reais em suas conseqüências;

8) ao serem etiquetados, os indivíduos sentem-se como estranhos à comunidade, com

uma necessidade de se enquadrar, de serem aceitos, e por isso se reúnem em grupos de

pessoas com situações semelhantes; nesse sentido, as etiquetas produzem subculturas, dentro

das quais a identificação desviante se fortalece e os indivíduos cortam as relações com grande

parte do mundo exterior, se isolam e diminuem-se as chances de ressocialização. (Castro,

1983, p.104-108).

A teoria dos estereótipos criminais se revela na transição entre o interacionismo e a

teoria crítica. Esta teoria não possui o caráter de criticar profundamente a sociedade, o

estereótipo é uma idéia formada a partir de sentimentos sobre determinados indivíduos ou

seus grupos. Há diferenças entre a teoria dos estigmas e a teoria dos estereótipos. Na teoria da

estigmatização, a pessoa rotulada é diferenciada dos demais por ter desviado as regras, e esta

etiqueta vai diversificando-a e distanciando-a cada vez mais dos “normais”. A teoria se

interessa pelos problemas psicológicos produzidos no indivíduo decorrentes da aposição do

rótulo. Na teoria dos estereótipos, por sua vez, o indivíduo é considerado diferente a partir do

momento em que é selecionado em determinado grupo social, integrando-se à categoria de

delinqüente. revela se na análise da sociedade global e de suas extratificações e mecanismos,

considera que o criminoso é vítima da sociedade dividida em classes sociais. (Castro, 1983, p.

132-133).

Sociologicamente, os estereótipos são as crenças divulgadas em uma sociedade, como a

de que os negros são inferiores aos brancos; psicologicamente, refere-se a uma atitude

simplificada quanto ao conteúdo e a possíveis mudanças. Os indivíduos não são

caracterizados isoladamente, mas sempre como elementos de um grupo, de criminosos,

judeus, doentes mentais, socialistas, democráticos, latinos, europeus, entre outros. (Filho,

1998, p. 197).

Denis Chapman, criminólogo e sociólogo americano, em sua obra O Estereótipo do

Delinqüente e suas Conseqüências Sociais, desenvolveu sua tese dedicando-se à análise

estrutural da sociedade e dos seus mecanismos de manipulação. O estudo dos estereótipos

criminais reproduz uma análise da lei penal para observar as diferenças de tratamento dos

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grupos de classes diversas num mesmo crime ou em crimes diferentes na norma, porém

idênticos nos objetivos. (Filho, 1998, p. 198).

A tese de Chapman pode ser resumida nos seguintes pontos, segundo Castro:

1) condutas delituosas, objetivamente idênticas, poderão seguir três caminhos diversos,

sendo algumas aprovadas, outras reprovadas e outras indiferentes, dependendo da

aprendizagem, do conhecimento, da educação, da oportunidade e da sorte;

2) o crime é um comportamento definido no espaço e no tempo, realizado por uma

pessoa, às vezes em relação à outra (a vítima), a polícia, os advogados, os promotores, os

julgadores e os jurados. Na análise de Chapman se faltar ou se modificar alguma das variáveis

do delito, como o autor, a ação, o objeto, o resultado, o lugar e o tempo da ação, os

procedimentos processuais, a condenação e a confirmação da pena, poderá desaparecer o

crime;

3) existe uma maioria criminosa, porém a incidência das condenações recai sobre uma

minoria de classe pobre e dominada. A diferença entre criminoso e não-criminoso é a

condenação;

4) são mecanismos de seleção que escolhem os determinados grupos que serão

penalizados, devido a isso não se pode fazer nenhuma verificação científica sobre o

delinqüente e o delito a não ser que sejam os indivíduos analisados independentemente de

suas classes sociais;

5) o crime é um elemento que revela a funcionalidade do sistema social em três

segmentos: o primeiro é a arbitrariedade na designação de quais ações são aprovadas,

reprovadas ou imunizadas; o segundo é a falta de interação entre a ideologia e a conduta; e,

finalmente, o terceiro, é a diferenciação da lei no tratamento das classes sociais;

6) a sociedade possui diversos estereótipos, como o do jovem hippie, drogado, sujo, e

amoral, que serve para justificar a sua repressão, como o grupo de jovens politizados,

considerados perigosos para as classes do poder. Dessa maneira, uma vez estereotipado, o

delinqüente não poderá fugir de seus antecedentes institucionais delituosos, ficando

condenado a manter esta identidade de criminoso;

7) com a identificação da classe de delinqüentes e com o seu isolamento social permite-

se a agressão a estes grupos, devido ao ato delituoso por eles praticado e, desta forma, poder-

se-ia agredir aqueles com status social elevado;

8) o criminoso estereotipado é função de um sistema social estratificado e concorre para

mantê-lo inalterado; assim, as classes altas sobrepõem-se às classes baixas, o que permite que

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a maioria não criminosa fortifique seus valores, com base na violação da norma pelo

criminoso;

9) a funcionalidade do crime funciona da seguinte forma: o delinqüente estereotipado

converte-se em bode expiatório para o qual se dirige toda a carga agressiva das classes baixas

da sociedade, que, de outra maneira, dirigir-se-ia contra os detentores do poder material e

ideológico. As classes média e alta descarregam simbolicamente suas culpas sobre este grupo

de uma minoria de criminosos de classe baixa, de vez que deveriam dirigir para eles sua

hostilidade contra a classe proletária. Reduzem-se, assim, pois, as tensões entre os extratos

sociais;

10) a estereotipação criminal determina quais indivíduos devem ser criminalizados e,

por outro lado, produz processos sociais ocultos de imunização. Esta garantia é concebida

devido ao alto grau de privacidade na vida e nas atividades destes indivíduos de classe alta

que, diferentemente do homem comum, vivem em bairros chiques, onde a polícia não ousa

entrar, onde os atos delitos são resolvidos extrajudicialmente, através de acordos, trocas de

interesse e dinheiro. Muitas vezes são autoridades, o que consolida esta imunidade. Assim,

pessoas comuns, do povo, são estereotipadas, deixando livre o caminho da indiferença para os

grupos que se escondem atrás do status social para delinqüirem. O grau de vulnerabilidade,

observação e processo, dependerão da classe social;

11) o sistema judicial tem como objeto criar crimes e, uma vez desencadeado,

desenvolve uma dialética própria que às vezes se encontra comprometida com seus próprios

mecanismos, devendo, em certas ocasiões, responder às solicitações sociais para que persiga e

castigue qualquer classe de criminosos. Existe a “falta de racionalidade” das instâncias

formais que dão preferência a penalização de delitos menores e deixam imunes os crimes de

maior gravidade, como os de grande danosidade social. (Filho, 1998, p. 198-200).

O controle formal social é atribuído aos detentores de poder, que o exercem através de

organizações administrativas e penais, porém este controle é também praticado pelos

elaborados sistemas simbólicos, que se transformam em modelos de condutas. Para Chapman,

grande parte da teoria social foi produzida por tradição oral, ou seja, passada de geração a

geração. Os pais são os primeiros agentes de transmissão de preconceitos, ao passa-los a seus

filhos principalmente durante a vulnerabilidade infantil, quando o indivíduo ainda não

alcançou o raciocínio. Dessa forma, os valores são transmitidos com o passar dos anos. O

outro procedimento de transmissão de símbolos na construcionismo social é a literatura: nas

peças teatrais, na televisão e no rádio descreve-se os criminosos como pessoas feias, sujas,

pobres, amorais e incultas; por outro lado, os policiais, delegados e detetives são grandes

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profissionais, articulados e providos de uma enorme inteligência, agem sempre corretamente e

a favor da lei. (Castro, 1983, p. 128-129).

A estigmatização e a estereotipação criminal tornam os indivíduos mais propícios e

vulneráveis à seletividade do Sistema Penal. Assim, este justifica o exercício do seu poder.

Uma pessoa, quando estigmatizada ou rotulada, é detentora de uma grande sensibilidade, de

percepção da idéia que os outros tem sobre ela, percebe a maneira exclusiva com que é

enxergada e tratada. Devido a isto, começa agir de acordo com o papel que a sociedade lhe

atribui e acaba se tornando uma criminosa. O criminoso estereotipado é vítima de uma

sociedade dividida em classes e grupos sociais, tanto que eles provêm provavelmente do

proletariado e do subproletariado, produto de um sistema penal sedimentado que presa pela

sua não-modificação. (Castro, 1983, p. 127-133).

Portanto, a teoria da estigamização e a teoria do estereótipo vieram comprovar que o

sistema penal é seletivo, para qualquer tipo de procedimento penal levar-se-á em conta, mais

do que tudo, a classe social do autor da infração, porque, quando se observa o grupo social do

indivíduo, percebe-se seu conhecimento, sua influência, proteção e riqueza e estes aspectos

imunizam pessoas detentoras de poder, uma minoria que causa um enorme dano social, o

atraso na evolução humana.

Concluindo, no segundo capítulo, tentou-se demonstrar como se originam a cifra negra,

a seletividade primária e secundária e a teoria da estigmatização, estudos estes que foram

importantes para a indagação da Criminologia Tradicional e fundamentais para o surgimento

de outras Criminologias, como a Criminologia Crítica ou Radical, a Criminologia

Interacionista e a Criminologia da Reação Social. No próximo capítulo será elaborada a

análise da seletividade secundária na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, lei

n° 7.492/86.

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3 ANÁLISE DA SELETIVIDADE SECUNDÁRIA NA LEI DOS CRIMES

CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (LEI Nº 7.492/86).

Será analisada, neste último capítulo da pesquisa, a seletividade secundária na lei dos

crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, também denominada lei dos crimes do

colarinho branco, ou seja, será levantada, através de pesquisas nos órgãos de controle formal,

a seleção de determinados crimes, por meio de critérios que não condizem com os princípios

do Direito Penal de tais órgãos em relação a este tipo penal. Primeiramente, tratar-se-á da Lei

n° 7.492/86, dos seus antecedentes históricos e seus objetivos. Posteriormente, analisar-se-ão

as pesquisas feitas nos órgãos de controle que fiscalizam estes crimes, como o Banco Central

do Brasil e o Judiciário, no período de Janeiro de 1997 a Abril de 2005 e a Polícia Federal e o

Ministério Público Federal durante Janeiro de 2004 a Março e Maio de 2005, fazendo uma

comparação com os resultados da pesquisa da Subprocuradora-Geral da República, Ela

Wiecko V. De Castilho, em sua obra “O Controle Penal nos Crimes Con tra o Sistema

Financeiro Nacional”, publicada em 1998.

3.1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA REPRESSÃO

AOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL NO BRASIL.

Nos capítulos anteriores, foram apontadas algumas teorias que demonstraram que o

Sistema Penal age de forma seletiva e estigmatizante, rotulando seus agentes, especificando

grupos de pessoas tipicamente criminosas, que devem ser punidas em defesa da sociedade e,

por outro lado, deixando imunes e impunes os criminosos de “rostos cor ados”, incapazes de

cometer crimes devido a seu status social e poder, o que torna remota a idéia de que um

homem vestido com terno, bem educado e articulado possa ter cometido um delito. Ademais,

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em conseqüência de seu poder, a lei enfraquece e policiais, delegados, promotores e juízes são

“comprados” para presumirem sua inocência.

A Lei dos crimes contra o colarinho branco veio, portanto, com a preocupação de

definir e tipificar os comportamentos lesivos ao Sistema Financeiro Nacional. Os atos

delituosos definidos pela lei são praticados contra a economia brasileira por agentes de alto

status social. Dessa maneira, tem-se como objetivo deste capítulo analisar a funcionalidade

dos órgãos de controle formal, através de pesquisas realizadas nos próprios órgãos e, através

delas, conhecer a criminalidade legal dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional em

cada um daqueles órgãos. Assim, poder-se-á demonstrar o descompasso com a criminalidade

aparente e comprovar a seletividade secundária na Lei n° 7.492, de 16/06/86, no período

estipulado. Posteriormente, com a comparação destes resultados com as conclusões da

pesquisa de Ela Wiecko V. De Castilho, realizadas uma década atrás, perceber-se-ão quais as

reais modificações nesta matéria.

No início da década de sessenta, no Brasil, não se fazia referência a crimes contra o

sistema financeiro, sendo esta estrutura extremamente desqualificada. Os primeiros anos desta

década foram marcados pelo retrocesso no desenvolvimento financeiro nacional. Faziam

parte deste alicerce a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), o Banco do Brasil,

bancos comerciais, bancos de fomento, Banco Nacional de Crédito Cooperativo, Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico, Banco do Nordeste do Brasil, e Banco de Crédito

da Amazônia; sociedades de crédito, financiamento e investimento, caixas econômicas,

bancos hipotecários e companhias de seguro. (Castilho, 1998, p. 96).

A seguir, no governo de Castelo Branco (1964 a 1966), iniciou-se a era da adequação da

economia nacional às regras de ordem econômica capitalista mundial, visando criar

capacidade para dar suporte financeiro ao desenvolvimento econômico. Portanto, foram

editadas três leis com a função de instituir a diversificação e intensificação da intermediação

financeira: 1) Lei n° 4.380/64, que criou o Sistema Financeiro de Habitação; 2) Lei n°

4.595/64, de Reforma Bancária, criando o Banco Central do Brasil em substituição a SUMOC

e criando o Conselho Monetário Nacional; 3) Lei n° 4.728/65, de Reforma do Mercado de

Capitais. (Castilho, 1998, p. 97-99).

Dessa forma, houve a evolução da estruturação do Sistema Financeiro Nacional, com a

criação do BACEN em substituição a SUMOC, objetivando formular a política de moeda e

crédito, assim regulando o valor interno da moeda e prevenindo crises inflacionárias ou

deflacionárias de origem interna ou externa. A estrutura financeira nacional era composta pelo

Banco Central do Brasil, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico,

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Conselho Monetário Nacional, com onze membros, e pelas demais instituições privadas ou

públicas. (Castilho, 1998, p. 99).

O Banco Central do Brasil é o órgão executivo central e o Conselho Monetário Nacional

é o órgão deliberativo supremo. As instituições financeiras privadas ou públicas são órgãos

auxiliares da política de crédito do governo federal. (Castilho, 1998, p. 100).

Neste contexto, portanto, foi iniciado um dispendioso processo de normas criadoras de

instrumentos da nova ordem jurídica, no setor econômico, que modificou o sistema

econômico do Brasil. Foram os economistas, ao invés dos penalistas, os encarregados da

elaboração de documentos legislativos sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,

devido aos seus conhecimentos específicos referentes à matéria da lei. Porém, esta brilhante

idéia resultou numa visão técnico-jurídica. Na precariedade do texto legislativo, os princípios

e as regras que norteiam sua produção não foram apreciados pelos economistas, dando lugar à

audácia e a imperícia que abalaram a dogmática jurídica-penal. Sobre o tema, todos os

juristas que participaram da produção legal dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

têm a mesma opinião, em desacordo com a legislação editada, e afirmam que o Governo

parece não possuir interesses em fortalecer a operacionalidade das normas de proteção ao

Sistema econômico e financeiro do País. (Pimentel, 1987, p. 11-12).

Como precedentes históricos da Lei n° 7.492/86 tem-se a Lei n° 6.024, que foi

publicada em 13/03/74 e versava “sobre a intervenção e a liquidação extraj udicial de

instituições financeiras”, a qual ofereceria meios para que o Banco Central do Brasil

interviesse em instituições financeiras públicas não-federais ou privadas e, quando necessário,

providenciasse a liquidação extrajudicial nas hipóteses previstas na lei. Mais tarde, em 1977, a

diretoria do Banco Central do Brasil resolveu formar um “Grupo de Trabalho” com o objetivo

de dar mais agilidade aos processos de intervenção e liquidação extrajudicial das instituições

financeiras, de duas maneiras: 1) com medidas administrativas para superar as dificuldades do

BACEN em conduzir os processos; 2) com sugestão sobre mudanças na Lei n° 6.024 e

proposta de novo texto legal com a definição de crimes contra o mercado financeiro, de

capitais e valores imobiliários. Diante das conclusões obtidas pelo “Grupo de Trabalho”,

apresentadas pelo Departamento de Controle de Operações Especiais através do Parecer

DEOPE/GABIN-81/004, de 10/02/81, levou-se ao conhecimento do Chefe do mesmo

Departamento a necessidade de alteração na Lei n° 6.024/74, resultando na apresentação do

anteprojeto de novo documento legislativo que determinava os ilícitos penais contra o

mercado financeiro, de capitais e valores imobiliários. O trabalho não logrou êxito, na

apreciação do Excelentíssimo Senhor Ministro da Fazenda da época, e foi, então,

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encaminhado ao Chefe Adjunto do Departamento Jurídico do BACEN, que opinou, em seu

parecer, que “se dê andamento ao anteprojeto em causa”. Finalmente, o mesmo foi

encaminhado à Comissão de Reforma da Parte Especial do Código Penal, que não o acolheu,

afirmando que o texto fora elaborado por pessoas que não possuíam aptidão para versar sobre

a lei penal alicerçadas na improvisação e em critérios inverídicos como, por exemplo, o de

que, quanto maior for a pena aplicada ao delinqüente maior será a intimidação do mesmo.

(Pimentel, 1987, p. 13-15).

O anteprojeto de lei demonstra diversas imperfeições no que tange à lógica jurídico-

penal. Confronta-se com o Código de Processo Penal e é extremamente redundante,

assinalando aspectos que são mencionados pela parte geral do Código Penal, transformando

em ação penal privada o que é de objeto de interesse público. Na parte em que o anteprojeto

define os atos criminosos, não se menciona as modalidades culposas, porém, posteriormente,

prevê-se a diminuição da pena privativa de liberdade em se tratando de crimes cometidos

culposamente. Percebe-se que o texto desrespeitou o princípio da excepcionalidade do crime

culposo, segundo o qual, para o delito ser punido culposamente, deverá estar expressamente

prevista na definição do crime a forma culposa. Diante dos inúmeros defeitos, o anteprojeto

apresentado pelo Banco Central do Brasil foi indeferido. (Pimentel, 1987, p. 16-17).

No ano de 1984, a Comissão de Reforma da Parte Especial do Código Penal apresentou

o anteprojeto preliminar sob o ofício 001/84 e o Coordenador o enviou ao Ministro da Justiça,

Sr. Abi-Ackel, especificando que a repressão aos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional fora condensada no Título dos crimes econômicos e contra a ordem financeira e

tributária. Portanto, por determinação do Ministro da Justiça, o anteprojeto foi publicado pelo

Departamento de Imprensa Nacional com o objetivo de receber críticas e sugestões. Após a

publicação, foi elaborada, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, proposta de Emenda

devido à matéria constituir conteúdo fazendário. Algumas das Emendas foram aceitas pela

Comissão, assim como também outras insinuações apresentadas por causa da publicação.

Finalmente, o anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal encontrava-se

completo, sendo denominado “DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA,

FINANCEIRA OU TRIBUTÁRIA” e inserido no Título nº XII, compreendendo três

capítulos, em que o segundo tratou dos crimes contra a ordem financeira. O anteprojeto foi

entregue ao Ministro da Justiça, pelo ofício datado de 18/10/1984, porém, com o término do

mandato do Presidente João Figueiredo, permaneceu no Ministério da Justiça. Com a

mudança do Governo e aproveitando os estudos feitos sobre o assunto, a Procuradoria Geral

da Fazenda Nacional, sem levar em consideração o anteprojeto preparado pela Comissão de

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Reforma da Parte Especial do Código Penal, entregou o seu anteprojeto ao Ministro da Justiça

e à Comissão de Estudos sobre Crimes contra a Ordem Financeira e Tributária, aguardando o

encaminhamento ao Congresso Nacional, o que não ocorreu. Para alívio da Comissão de

Reforma, este outro anteprojeto foi arquivado, pois se apresentava com várias

impropriedades, contrastes e erros que colocariam em risco até as conquistas modernas do

Direito Penal, como a concessão de regime semi-aberto ou aberto, pois o referido anteprojeto

de lei obrigava o condenado a cumprir qualquer pena em regime fechado, como a Lei dos

crimes hediondos fez posteriormente. (Pimentel, 1987, p. 17-19).

Entretanto, através do Dec. n° 91.159, de 18/03/1985, instituiu-se uma Comissão para

tratar da criação do anteprojeto de lei sobre “instituições financeiras e a responsabilidade dos

agentes nos mercados monetários e capitais”. Esta Comissão foi constituída por grandes

nomes da matéria financeira, como Alfredo Lamy Filho, César Vieira de Rezende, Fábio

Konder Comparato, Jorge Hilário Gouvêa Vieira, José Luiz Bulhões e ainda foi assistida por

Alberto Venâncio Filho. Em 06/01/1986, foi enviado ofício, do Rio de Janeiro, pela

Comissão, ao Presidente da República da época, Sr. José Sarney. Com os estudos concluídos,

versaram as disposições processuais do referido trabalho sobre a criação de um órgão

subordinado ao Ministério da Fazenda, a fim de investigar os crimes financeiros, o qual

chamar-se-ia Departamento de Investigação de Crimes Financeiros (DICRIF). Tal órgão seria

chefiado por cargo comissionado nomeado pelo Presidente da República, exercendo uma

função de polícia judiciária nos crimes financeiros. Este anteprojeto, como todos os outros até

aqui mostrados, também foi arquivado, não sendo convertido em projeto para o

encaminhamento ao Congresso Nacional. (Pimentel, 1987, p. 19-20).

Finalmente, chega-se ao momento de criação do anteprojeto que deu origem à Lei n°

7.492/86 - Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, também denominada Lei dos

crimes do colarinho branco. Neste instante, a população reivindicava fervorosamente, através

dos meios de comunicação, a elaboração de um texto legislativo que tratasse, com eficácia,

dos crimes financeiros que escandalizavam a sociedade a cada nova descoberta.

Julga-se oportuno dizer que, no ano de 1983, foi apresentado à Câmara dos Deputados,

pelo Deputado Nilson Gibson, o Projeto de lei sobre os crimes contra o sistema financeiro e

contra a ordem econômico-financeira, que obteve o n° 273, sendo este aprovado pela Câmara,

adotando o Substitutivo do Deputado João Herculino. O projeto foi então encaminhado ao

Senado e apresentado Substitutivo, como Emenda n° 1, do Senador José Lins. A Comissão de

Constituição e Justiça, representada pelo seu Relator, o Senador Hélio Gueiros, optou pela

aprovação do Projeto, nos termos da Emenda n° 1, do Senador José Lins, por ser

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extremamente superior, aduzindo a falta da modalidade culposa e o equívoco ao subordinar o

comportamento criminoso ao acontecimento do resultado.Afirmou-se ainda que, na Emenda,

a prisão administrativa era mais bem apreciada, e que os constantes erros e desconformidades

ocorrentes no Projeto são sanados por ela, que possuía a ordem técnica na sua forma.

Portanto, o Substitutivo do Senado ao Projeto de lei da Câmara, n° 27/85, e na casa de

origem, n° 273/83 foi aprovado em 30/04/1986. Neste mesmo momento, foi remetido à

Câmara dos Deputados, sob ofício SN/164, e o voto do Deputado João Gilberto foi a favor da

apreciação do Substitutivo do Senado Federal, com um exame minucioso, concluindo que o

Projeto possuía falhas e que em pouco tempo necessitaria de aperfeiçoamento de alguns de

seus tópicos através de novas legislações, pois no momento em que se encontrava o processo

de criação da lei, não restava mais a possibilidade de correção. Dessa maneira, o Projeto é

sancionado pelo Presidente da República e se converte na Lei n° 7.492/86, que “define os

crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras providências”. Ademais, envia ao

Congresso Nacional a Mensagem n° 252, na qual demonstra a resolução de vetar parcialmente

o Projeto n° 273/83 e 27/85 no Senado Federal, distanciando do documento legal aprovado os

maiores e inadmissíveis enganos. (Pimentel, 1987, p. 20-21).

Conforme visto, a instituição de uma legislação específica de repressão à criminalidade

do colarinho branco sofreu um longo processo de criação no Brasil. Desde a primeira vez que

se fez referência à matéria até a edição de uma lei, passaram-se vinte e dois anos. Apesar

deste longo processo, nesta lei se encontram diversos vícios, indefinições e defeitos, os quais

refletem no processo de criminalização, aumentando a impunidade à medida que não se

define corretamente os agentes que devam ser punidos e os campos do Direito que pela lei são

atingidos.

Sobre a seletividade primária e secundária nos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional, sustenta Castilho:

A resistência do Poder Legislativo brasileiro à produção de normas penais sobre criminalidade econômica também se revela no âmbito do Poder Executivo, quando deste se espera alguma regulamentação integradora dos tipos penais. (...) Os exemplos dados no contexto brasileiro para confirmar que o problema da definição da criminalidade concerne à interpretação sociopolítica do fenômeno, no qual, em uma sociedade determinada, certos indivíduos pertencentes a determinados grupos sociais e representando algumas instituições são dotados do poder de estabelecer quais crimes devem ser coibidos. (1998, p. 134-136).

A Lei dos crimes do colarinho branco surgiu para punir os crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional, porém quando se refere ao Direito Financeiro, necessita-se de um

entendimento amplo, devido à matéria que versa se tratar mais especificamente de Direito

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econômico. Existem inúmeras dificuldades, tanto na elaboração quanto na aplicabilidade da

Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, caracterizando, respectivamente, a

seletividade primária e a seletividade secundária. No presente capítulo analisar-se-á a

seletividade secundária desta lei, ou seja, a margem de seleção estipulada nas instâncias

formais mediante o cometimento deste delito.

3.2 A LEI E SEUS INSTITUTOS PENAIS E PROCESSUAIS

A Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional foi editada em 1986 para punir

os crimes que lesam ou colocam em perigo a economia nacional. É inegável a importância

deste texto legislativo que define as infrações e institui os procedimentos processuais que

repercutem em nefastos efeitos que podem acarretar a coletividade, as empresas e

empresários.

Primeiramente, a Lei nº 7.492/86 considera que, para efeitos da mesma, as instituições

financeiras para que não ficasse de fora nenhuma conduta prejudicial ou perigosa contra o

Sistema Financeiro Nacional, deu-se um conceito extremamente amplo. Conforme Paulo

Salvador Frontini, o dispositivo, ao ser imensamente alargado, tipificando condutas

pormenores, descaracteriza a finalidade do documento legislativo de criminalizar os sujeitos

de má-fé situados à cúpula das transações e, conseqüentemente, criminaliza os intermediários

de boa-fé, deixando, mais uma vez, imunes os criminosos de altos estratos sociais. (Pimentel,

1987, p. 30).

A legislação versa sobre as atividades ilícitas praticadas pelas instituições financeiras.

Estas condutas são apresentadas a cada dispositivo (art. 2º a art. 24), os quais demonstram

institutos penais individuais que serão abrangidos de forma genérica.

O bem jurídico desta Lei, em todos os seus artigos, sem exceção, é a boa execução da

política econômica do Governo, lesada ou colocada em eminente perigo pelos delitos contra o

Sistema Financeiro Nacional, que estão descritos nos próprios dispositivos. Somente nos arts.

21, 22 e 23 os delitos que neles estão tipificados são monossubjetivos, pois atentam apenas

contra um bem ou interesse jurídico, a economia do Estado. (Pimentel, 1987, p. 34-153-157 e

164).

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As demais figuras delituosas possuem mais de um objeto jurídico, sendo consideradas

pluriobjetivas ou pluriofensivas, pois são delitos que, além de ofender a economia do Estado,

atentam secundariamente contra: mercado financeiro (art. 4º); patrimônio do investidor (art.

2º, 3º, 4º, 6º, 7º); mercado de títulos e valores mobiliários (art.3º); sócios (art. 6º); patrimônio

da instituição jurídica (art. 3º, 19); patrimônio do prejudicado com a negociação descrita no

dispositivo (art. 5º); fé pública (art. 7º, 9º, 10, 11, 14, 15, 17, 20); patrimônio da pessoa que

cede a exigência descrita no artigo (art. 8º); patrimônio (art. 9º, 10, 11, 12, 14, 18, 20); ordem

tributária (art. 11); Administração Pública (art. 12); patrimônio dos credores (art. 13, 14);

patrimônio de terceiro prejudicados, na relação com sócios ou credores da instituição

financeira (art. 17). (Pimentel, 1987).

Em análise geral do sujeito ativo e sujeito passivo da Lei em tela, são semelhantes em

quase todos os seus dispositivos, principalmente no que tange ao sujeito passivo, que é o

Estado, titular do bem e dos interesses jurídicos relativos à integridade econômico-financeira

do Governo. Sempre que o comportamento do agente se referir aos crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional, o Estado será primordialmente o sujeito passivo, portanto, em todas as

figuras criminosas descritas nesta Lei, do art. 2º ao art. 23. Porém, com exclusividade,

somente nos art. 21, 22 e 23. (Pimentel, 1987, p. 44).

Admite-se ainda, na maioria deste tipo penal a condição de múltipla subjetividade, o

que quer dizer que à conduta ilícita atribui-se um sujeito passivo secundário ou subsidiário,

que será procedente a conceituação dos comportamentos delitivos previstos em cada um dos

dispositivos. (Pimentel, 1987, p. 51).

Posto isto, os artigos 5º, 7º, 8°, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da Lei em estudo consideram

como seu sujeito passivo concorrente as pessoas físicas ou jurídicas prejudicadas por condutas

danosas que ameaçaram ou atingiram os seus bem jurídicos protegidos, inclusive das

instituições financeiras; já os arts. 2° e 9º admitem como sujeito passivo subsidiário os

investidores prejudicados com cada uma das ações penais incriminadas; no arts. 4º, 6º, e 10,

secundariamente, admitem como sujeito passivo o investidor e respectivamente o mercado de

capitais, o sócio e o mercado mobiliário; o sujeito passivo concorrente do art. 19 será a

instituição financeira prejudicada, e do art. 20, a instituição financeira que concedeu o

financiamento referente à descrição do tipo; ainda o dispositivo 18 apresenta as pessoas

vítimas da violação de sigilo em relação aos seus interesses junto á instituição financeira ou

integrante do sistema de distribuição de título mobiliário prevista em seu texto como o

segundo sujeito passivo; por fim, o art. 3º, que versa sobre divulgar informação falsa ou

prejudicialmente completa sobre instituição financeira. Neste caso, existem duas hipóteses de

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sujeito passivo subsidiário: se a informação indevida for divulgada “de fora para dentro”,

serão os investidores e o mercado de títulos e valores mobiliários; e se esta informação for

divulgada “de dentro para fora”, será sujeito passivo a própria instituição financeira.

(Pimentel, 1987).

Em se tratando de sujeito ativo, tem-se o sujeito ativo próprio, que diz respeito aos

agentes penalmente responsáveis, descritos no art. 25, da Lei nº 7.492/86, os quais são o

controlador e os administradores de instituição financeira, ou seja, aqueles que possuem

capacidade de gerir a empresa. Os diretores e gerentes antes tipificados foram vetados. As

figuras penais que têm sujeito ativo próprio são os artigos 4º, 5º, 11, 12, 15, 17. (Pimentel,

1987).

Em relação aos dispositivos 6º e 9º, caracterizam-se como sujeito ativo os diretores e os

gerentes da instituição financeira e ainda, qualquer indivíduo que, dispondo de informação

devida, sonegue ou preste informação falsa, induzindo ou mantendo em erro sócio, investidor

ou repartição pública; os arts. 2º, 7º, 8º, 19, 20, 21 e 22 aceitam qualquer pessoa que praticar

um dos comportamentos descritos nos tipos, como sujeito ativo; já o art. 10 considera sujeito

ativo qualquer pessoa; no caso de fazer inserir documento falso e na hipótese de omitir

elemento exigido pela legislação, o sujeito ativo será a pessoa que tem o dever jurídico de agir

mediante mandamento legal. (Pimentel, 1987).

No caso dos artigos 13 e 23, o sujeito ativo é próprio da sua redação, respectivamente o

interventor, liquidante ou síndico e o funcionário público; o sujeito ativo da figura

incriminadora 14 é o credor ou titular de verdadeiro de crédito ou reclamação, que junte à

declaração ou à reclamação, título falso ou simulado; no artigo 16, será sujeito ativo quem

operar a instituição financeira, sem a devida autorização ou esta sendo falsa; ainda no

dispositivo 18, somente poderá ser sujeito ativo aquele que, em razão de ofício, tenha acesso

ás informações ou aos serviços prestados por instituição financeira ou integrante do sistema

de distribuição de títulos mobiliários. (Pimentel, 1987).

Finalmente, o art. 3º demonstra novamente as duas hipóteses de divulgar informação

descrita no tipo: se esta informação for “de fora para dentro” da instituição financeira, o

sujeito ativo será qualquer pessoa que divulgue a informação referida; e se a divulgação for

feita “de dentro para fora” da empresa , serão o diretor, gerente ou sócio. (Pimentel, 1987).

O tipo objetivo nada mais é do que a ação que caracteriza o crime, são as maneiras de

realização do delito. Na Lei dos crimes do colarinho branco, que remete aos crimes contra o

Sistema Financeiro Nacional, cada dispositivo apresenta o seu tipo objetivo, que fará

referência à conduta ilícita, como, por exemplo, o art. 4º, caput, aduz que, por gerir

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fraudulentamente instituição financeira, a pena de reclusão será de 3 a 12 anos; a condição

para a existência do crime, como elemento normativo do tipo, é a gestão fraudulenta. Dessa

forma, o meio de praticar este crime é a fraude em dirigir, administrar, comandar a instituição

financeira com a finalidade de obter vantagem indevida do agente ou para outrem. (Pimentel,

1987, p. 51).

O objeto material dos crimes descritos pela Lei nº 7.492/86 sempre será a coisa sobre a

qual recairá o comportamento do sujeito ativo. Assim, no artigo 6º, que afirma: induzir ou

manter em erro, sócio, investidor, ou repartição pública competente, relativamente a

operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente,

naturalmente o seu objeto material é a informação sonegada ou falsamente prestada pelo

sujeito ativo, relativamente a operação ou situação financeira. (Pimentel, 1987, p. 64).

O elemento subjetivo do tipo ou elemento subjetivo do injusto é aquele que prevê no

tipo peculiaridades e modalidades da conduta, especificando a finalidade, o objetivo do

sujeito ativo em cometer o delito. No caso da Lei analisada, somente quatro dispositivos

apresentaram este elemento: os artigos 5º e 13, quando mencionam, respectivamente, no caput

e no parágrafo único, em proveito próprio ou alheio; o artigo 21, quando menciona consiste

na finalidade de obter a realização de operação de câmbio; e ainda o artigo 22, ao mencionar

com o fim de promover evasão de divisas do País. (Pimentel, 1987, p. 60, 105, 153, 158).

Já o elemento normativo do tipo pode ser demonstrado sob forma de referência do

injusto como “indevidament e”, “sem justa causa” ou sob a forma de termos jurídicos

“certidão”, “documentos” ou ainda extrajurídicos “dignidade”, “saúde”, “decoro”. A

imputação objetiva constitui elemento normativo do tipo, dando condições para a existência

do delito. (Jesus, 2001, p. 273).

Dito isto, com relação aos crimes do colarinho branco, em sua maioria, admitem o

elemento normativo do tipo, como pode ser exemplificado com um dos dispositivos que o

apresente. O artigo 13, pelos termos bem alcançados pela indisponibilidade legal,

intervenção, liquidação extrajudicial, falência, indica os elementos normativos do tipo,

tratando-se, portanto, de um crime material em que o resultado é natural e necessário para a

caracterização do tipo. (Pimentel, 1987, p. 103).

Elemento objetivo do tipo é aquele que se realiza com a atividade, não requisitando o

resultado da conduta. No art. 7º da Lei em exame, com a expressão de qualquer modo, alarga-

se condutas previstas no caput, portanto, qualquer que seja o modo da emissão, oferecimento

ou da negociação, o delito se completará. (Pimentel, 1987, p. 69).

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O tipo subjetivo dos crimes descritos na Lei nº 7.492/86, somente será punido a título de

dolo, não estando prescrita a forma culposa, ou seja, o sujeito ativo não será responsabilizado

penalmente pela imperícia, imprudência ou negligência. O delito não se completará, pois,

como alguém sem autorização devida ou autorização falsa fará operar instituição financeira

(art. 16) de forma culposa, se é a consciência de ilicitude do agente que caracteriza o dolo.

(Pimentel, 1987, p. 125).

A consumação e a tentativa dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, para se

consumarem, dependem de qual tipo de crime que cada dispositivo apresenta. No artigo 10,

na modalidade fazer inserir, o crime é formal, pois o resultado da inserção, o que faz o delito

existir, acontecerá somente quando a conduta for completada. Como acontece nos crimes

formais, a tentativa é admissível, porém de difícil aferição. No mesmo dispositivo, aparece a

forma omitir, o que faz a ação ser tratada como crime omissivo puro de mera conduta, devido

à consumação do delito se dar com a simples omissão; independente de qualquer resultado, o

comportamento negativo é por si mesmo criminoso. A tentativa não é acolhida pelos crimes

de mera conduta, pois estes não requisitam o resultado, iniciada a execução, o delito se

consuma com a ação ou omissão. (Pimentel, 1987, p. 90).

Quando se trata de crimes materiais, a consumação será instantânea, exigindo o

resultado natural. Para que a conduta seja consumada, necessita-se de um resultado. Assim, no

artigo 19, o crime se consuma no momento em que o sujeito ativo obtém o financiamento

fraudulento, caracterizando a consumação do crime neste exato momento. A tentativa é

aceitável nos crimes materiais. (Pimentel, 1987, p. 146).

Quanto aos concursos de crimes e concurso de pessoas, todos os crimes descritos na Lei

dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional admitem concurso de crimes e de agentes.

Concorrem com outros delitos como estelionato, falsidade ideológica, falsidade material,

falsidade de documentos, sonegação fiscal, extorsão, crimes contra a Administração Pública e

etc. (Pimentel, 1987).

Em relação ao concurso de pessoas, é perfeitamente aceitável, sob forma de co-autoria

mediata ou imediata, cooperação, cumplicidade, participação, instigação ou auxílio em se

tratando de crime formal ou material. Porém, quando se referir a crime de mera conduta, o

concurso de agentes fica restrito às hipóteses de instigação e auxílio, não podendo existir co-

autoria. (Pimentel, 1987).

Por fim, no que se refere à Sanção Penal dos crimes do colarinho branco, as penas

previstas para estes delitos são a de reclusão aplicada cumulativamente com multa, sendo

obrigatória a imposição de pena pecuniária, além da aflitiva. (Pimentel, 1987).

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Os institutos processuais da Lei nº 7.492/86 são apresentados a partir do artigo 25, que

demonstra os penalmente responsáveis. Os sujeitos ativos próprios que estão tipificados no

texto legislativo, como o controlador e os administradores de instituição financeira, os

diretores e gerentes antes descritos foram vetados. Equipara-se ainda aos administradores, o

interventor, o liquidante e o síndico, no parágrafo único que foi modificado para § 1º, pela Lei

9.080/95, e ainda acrescentou o § 2º, no caso de quadrilha ou co-autoria, o partícipe ou o co-

autor que, através de confissão espontânea, revelar à justiça todo o ato delituoso terá redução

de 1 (um) a 2/3 (dois terços) na sua pena. (Delmanto, 2001, p. 812).

Assim, neste dispositivo, define-se a responsabilidade das pessoas físicas, controladores

e administradores de instituição financeira, mantendo a orientação predominante, no sentido

de não tratar a pessoa jurídica como sujeito ativo de delito. (Pimentel, 1987, p. 173).

Inicialmente, a ação penal nestes crimes contra o Sistema Financeiro Nacional será

provida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal. Porém admite-se o auxílio

da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quando o delito for cometido no âmbito de

atividade dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil, quando a conduta ilícita tiver

ocorrido na órbita de suas atividades sujeitas a disciplina e fiscalização. Assim está previsto

no artigo 26 da Lei em tela.

Se esta denúncia não for oferecida dentro do prazo legal, poderá o ofendido representar

ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, ou designe outro órgão do

Ministério Público para oferecer a denúncia ou ainda determine o arquivamento dos

documentos de informação recebido. (Pimentel, 1987, p. 182).

Quando isto acontecer, tanto a CVM quanto o Banco Central deverão informar ao

Ministério Público Federal os ofícios que comprovem o fato e não esperar que a ação seja

provida antes pelo Ministério Público Federal. Os agentes que deverão, na ocorrência de

crime, exercer a função pública são os funcionários da autoridade, seja o Banco Central do

Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários ou como interventores, liquidantes ou síndicos,

assim complementa o artigo 28 da Lei.

Sempre que for necessário, o Ministério Público Federal poderá requisitar, a qualquer

autoridade, informação, documento ou diligência relativa à prova dos crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional, com fundamento no art. 29 da lei em tela.

Nos crimes de colarinho branco, o réu não poderá pagar fiança e nem apelar antes de ser

recolhido à prisão, mesmo que seja primário e tenha bons antecedentes, se estiver configurada

a conduta ilícita que autorize a prisão preventiva. (Pimentel, 1987, p. 192).

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No § 1º, do artigo 49, do Código Penal, determina-se que o valor do dia-multa será

fixado pelo Juiz, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal

vigente ao tempo do fato ocorrido e nem superior a cinco vezes este salário. Porém, no que

tange à pena de multa, nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional está estipulado, no

artigo 33 desta Lei, que esta pode ser estendida até o décuplo do salário mínimo mensal. E

ainda o artigo 60 do Código Penal estabelece que, na aplicação de pena de multa, o Juiz deve

levar em consideração a situação econômica do réu. (Pimentel, 1987, p. 196).

Portanto, foram apresentados os institutos penais e processuais da Lei nº 7.492/86.

3.3 AS CONCLUSÕES DA ANÁLISE DOS MECANISMOS DE SELEÇÃO DA

CRIMINALIDADE CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ELABORADO

POR ELA WIECKO V. DE CASTILHO

A autora Ela Wiecko V. De Castilho, em sua obra “O Controle Penal nos Crimes contra

o Sistema Financeiro Nacional – Lei n° 7.492 de 16/06/86”, publicada em 1998, analisou, no

período de janeiro de 1987 a julho de 1995, cerca de 682 casos, em todo o território brasileiro

referentes a atos lesivos ao Sistema Financeiro Nacional, subordinados ao Ministério Público,

ao Judiciário e ao Banco Central do Brasil, possibilitando perceber a aplicação desta lei e a

funcionalidade das instâncias formais da repressão. (Castilho, 1998, p. 285).

As conclusões apresentadas pela autora podem ser vislumbradas de duas maneiras:

primeiramente, em relação à totalidade de casos identificados na pesquisa; e ainda, com

relação à funcionalidade dos órgãos de controle jurídico-penal em menção a estes casos. O

primeiro ponto de vista diz respeito aos comportamentos enquadráveis na Lei n° 7.492/86,

que foram conhecidos pelos órgãos de controle social, ou seja, a criminalidade aparente,

aquela que não necessariamente chegou à condenação, porém foi reconhecida em outros

níveis do procedimento jurídico-penal. (Castilho, 1998, p. 285).

O número de condutas registradas contra o sistema financeiro foi elaborado através de

investigação empírica, sendo, assim, relativo, o que não descaracteriza a sua aproximação do

número real registrado nas estatísticas oficiais. Entretanto, estes números registrados pelas

instâncias formais ficam extremamente alterados quando comparados com a criminalidade

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total registrada anualmente. Ou seja, o número de crimes praticados contra o Sistema

Financeiro Nacional, ao ser equiparado com todos os tipos de delitos ocorridos, é ínfimo. No

entanto, a impunidade em relação a estes comportamentos tipificados pela Lei n° 7.492/86,

averiguada nos órgãos de controle formal, é também verificada no controle informal, na

reação social que imuniza determinados grupos e condutas. (Castilho, 1998, p. 286).

O segundo ponto de analise refere-se à funcionalidade de tais órgãos de controle formal

em relação às condutas enquadradas na lei do colarinho branco. Observou-se que o Banco

Central do Brasil, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Judiciário não possuem,

em seu banco de dados, estatísticas sobre tais delitos; não há a preocupação de levantar dados

sobre criminalidade econômica, o que dificulta as investigações; e, no momento de sua

pesquisa, o Governo não disponibilizava capacidade para verificar as estatísticas de decisões

de políticas criminal nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. (Castilho, 1998, p.

286).

Com esta profunda desqualificação do controle estatístico e a conseqüente falta de

dados, a autora concluiu que os órgãos de controle social não têm interesse em enquadrar na

lei os agentes que cometem estes delitos e também não dão importância à precariedade de

seus registros, comprovando o malogro instaurado sob a funcionalidade destas instâncias

quando se trata de crimes contra a ordem financeira. (Castilho, 1998, p. 289).

O Banco Central do Brasil é o órgão executivo central que decide sobre quais os

comportamentos que deverão ser submetidos à repressão penal. Destaca-se, como uma de

suas funções, a superintendência do sistema, o que significa dar apoio, fiscalizar, intervir,

liquidar e punir as instituições se necessário, com a finalidade de resguardar a normalidade do

funcionamento dos mercados financeiros e de capitais. Se constatada alguma irregularidade

que constitua crime, o Banco Central possui o dever jurídico de comunicá-la ao Ministério

Público, com fundamento na determinação do art. 28 da lei n° 7.492/86. (Castilho, 1998, p.

142).

Como algumas das variáveis que regulam a discricionariedade dos funcionários do

Banco Central do Brasil está a tendência de não encaminhar ao Ministério Público as

infrações daqueles que se dispõem a ressarcir o prejuízo, podendo-se citar como exemplo os

casos dos Bancos Goldmine e Ourinvest. E ainda, quanto maior o status do criminoso menor

será a chance deste ser investigado, já que as ações lesivas ao sistema financeiro praticadas

por instituições financeiras com fortes relações com o poder político não são comunicadas.

(Castilho, 1998, p. 143-144).

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Posto isto, o Banco Central, dentre as instâncias formais, tornou-se o que possui o mais

amplo poder de decisão no processo de criminalização. Porém, a sua conduta não segue

critérios objetivos, a indicação de nomes de suspeitos ao Ministério Público Federal fica à

mercê de suas conveniências. A falta de investigações ou investigações insuficientes das

instituições financeiras, a lentidão ou ausência de comunicação das infrações colhidas, a

forma imperfeita de encaminhar as comunicações, os acordos com os infratores, todos estes

são mecanismos de seleção praticados pelo Banco Central. (Castilho, 1998, p. 288).

Já a Polícia tem como finalidade geral a manutenção da ordem pública e como

finalidade específica a prevenção e repressão dos crimes que colocarem em risco a ordem do

sistema jurídico. Observa-se, porém, que esta repressão realizada pela Polícia limita-se a

determinados grupos populares, ou seja, a delitos que são cometidos, em sua maioria, por

pessoas de setores vulneráveis. E a prevenção do crime praticamente não é realizada, mesmo

sendo uma das finalidades deste órgão. Assim, a eficácia da Polícia pode ser contestada, por

não cumprir totalmente as funções que se propõe a realizar. (Castilho, 1998, p. 137-138).

Este déficit de eficácia é explicado teoricamente pela Criminologia Crítica, que afirma

que o procedimento penal foi estruturado para não operar em toda a sociedade, e sim para agir

arbitrariamente sobre determinados grupos e crimes, selecionando uma “massa de manobra”

de criminosos. (Castilho, 1998, p. 138).

O papel da Polícia é determinante no processo de seleção, devido a ser o órgão que

possui contato com o maior montante de práticas dos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional e também porque é possuidor de uma grande discricionariedade, o que desencadeia

as decorrentes cifras ocultas na atividade policial. (Castilho, 1998, p. 138-139).

Entre as principais variáveis que determinam a discricionariedade policial, está a

gravidade do delito: quanto mais grave a infração maior a tendência da Polícia para esclarecê-

lo. A determinação da gravidade do crime advém da subcultura policial, ou seja, dos valores,

das regras e dos parâmetros adotados por eles. Isto ficou comprovado nas estatísticas da

duração de inquéritos e do volume destes em andamento; a atitude do denunciante pode ser

constatada nos inquéritos relativos a desvio de finalidade na aplicação de recursos advindos

de financiamentos adquiridos por instituições financeiras. (Castilho, 1998, p. 139).

Ainda como variáveis determinantes para o processo de seleção tem-se: a distância

social em relação á comunidade em que ocorre o delito, quanto mais distante a organização

policial estiver do local do crime, mais provável será a obediência aos aspectos legais; a

atitude do suspeito a polícia tende a ter maior compreensão com o suspeito que exibe uma

imagem de conformidade com o direito; a sensibilidade da Polícia em relação às outras

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instâncias de controle-as pesquisas não demonstram grandes diferenças entre elas; a

hostilidade da Polícia com as normas decorrentes da política intervencionista do Estado; o

poder do infrator-quanto maior o status social do criminoso menor a probabilidade de este ser

investigado. (Castilho, 1998, p. 140).

A polícia competente para tratar de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional é a

Polícia Federal, que exerce as funções da polícia judiciária da União, conforme o art. 144, §

1º, IV, da Constituição Federal. (Castilho, 1998, p. 140).

Como mecanismos de seleção praticados pela Polícia Federal estão: a morosidade, que,

como conseqüência, poderá acarretar a extinção de punibilidade pela prescrição retroativa; o

desaparelhamento nas investigações, decorrente do despreparo de delegados no que se refere à

criminalidade econômica; e o pequeno número de peritos, bem como a desqualificação das

condutas. (Castilho, 1998, p. 258-259 e 288).

O Ministério Público, dentre os órgãos de controle formal, é o que possui maior

importância criminológica, pois tem como função fazer a denúncia das condutas criminosas

ao Judiciário. Se não a fizer, deverá pedir o arquivamento ou a suspensão do processo. Tem

como finalidade a repressão das infrações penais. No Brasil, o Ministério Público tem o

monopólio da ação penal pública, ou seja, sempre que ocorrer um fato que se encontre

tipificado na lei como crime (com exceção dos delitos de menor potencial ofensivo – lei n°

9.0099/95), é seu dever jurídico promover a ação penal, agindo segundo os princípios da

legalidade e obrigatoriedade. (Castilho, 1998, p. 145-146).

No Ministério Público Alemão foram evidenciadas concepções político-criminais e

esteriótipos na apreciação da prova, e nas suas decisões demonstraram uma profunda eficácia

seletiva, que funciona contra os suspeitos de estratos sociais inferiores. Os fatores em que esta

tendência seletiva se sobressai, são: a) a confissão do suspeito; b) os antecedentes criminais;

c) a gravidade da infração; d) a vítima, o seu status e suas relações com o indiciado. Foram

realizadas pesquisas que identificaram algumas destas tendências de seleção no Ministério

Público Federal, que é o órgão competente para instituir ação penal pública nos crimes contra

o Sistema Financeiro Nacional. (Castilho, 1998, p. 147-148).

Como mecanismos de seleção do Ministério Público se apresentam a desqualificação

das práticas criminosas, ou seja, na interpretação dos fatos, o órgão exclui o caráter criminal,

enquadrando de forma mais benéfica os investigados e o desaparelhamento na apuração, pois

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o Ministério Público não possui um banco de dados sobre as ações penais por ele promovidas

e a falta de qualidade dos delegados e peritos quando se refere a crimes financeiros. (Castilho,

1998, p. 288).

Finalmente, o Judiciário que, protagonizado pela figura do Juiz, tem como função a

interpretação da legislação produzida pelo Poder Legislativo para solucionar conflitos,

resguardando a Constituição Federal com a finalidade de proteger os princípios da igualdade e

da legalidade. Porém, esta idéia, na prática, vem sendo desconstruída, a partir de análises

estatísticas sobre a origem social dos juízes e ainda de pesquisas sobre quais as condições que

pressionam os magistrados a atuar de maneira favorável a uma determinada classe dominante.

(Castilho, 1998, p. 150).

Neste contexto, com fundamento na análise de 297 processos penais, instaurados e

julgados em um dos tribunais de São Paulo, no período de janeiro de 1984 a julho de 1988,

Sérgio Adorno conclui que houve arbitrariedade na distribuição das decisões, identifica a

existência de grupos discriminados e demonstra indícios de desigualdade no processo penal.

(Adorno, 1994, p. 136-140).

O Judiciário estabelece, como mecanismo de seleção, a desqualificação das condutas e a

morosidade na instrução criminal. Esta desqualificação dos comportamentos delitivos, muitas

vezes, ocorre pela inépcia em relação à matéria, assim como a falta de visão do

funcionamento do sistema financeiro e dos bens jurídicos prejudicados ou em eminente

perigo. E a morosidade decorre, por um lado, da estrutura organizacional do Judiciário, e de

outro, de diversos critérios como a centralização dos processos em um determinado juiz,

prazos processuais, proposição de recursos, causas que se expandem quando se trata de crimes

contra o Sistema Financeiro. (Castilho, 1998, p. 277 e 289).

Na pesquisa empírica realizada por Castilho, conclui-se que, do conjunto pesquisado,

8,91% dos fatos apurados foram excluídos mediante sentença de arquivamento, por

solicitação formal do Ministério Público Federal; 25,11% dos casos estavam sendo apurados e

o tempo médio de apuração era de dois anos e cinco meses; 17,45% encontravam-se em

exame. Na data de término da coleta de dados, estavam em curso 29,62% dos casos e foram a

julgamento 11,24%; somente 2,19% dos casos foram julgados após instrução; os casos que

foram julgados e condenados representam o equivalente a 0,88%. (Castilho, 1998, p. 289).

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Dessa maneira, sustenta Castilho:

se o controle penal é necessário a uma sociedade, ele deve ser democrático. Isto é, deve valer para todas as classes sociais. Ora, o controle penal nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, como se demonstrou, não é democrático, havendo necessidade de investigar mais os processos de criminalização primária, nos quais se definem as exclusões e os “não -conteúdos” do Direito Penal. (1998 p. 286).

Durante a pesquisa, a autora também especificou as impropriedades e falhas

estabelecidas no próprio texto legislativo n° 7.492/86, o que pode ser conhecido como

seletividade primária, a qual ocorre na produção da lei. Assim pode-se considerar que a

imunidade dos agentes que praticam crimes contra o Sistema Financeiro Nacional inicia-se na

criação da norma que defina tal comportamento como delito. A criminalização primária

advêm da resistência do Poder Legislativo brasileiro que se fortalece com a existência de

detentores do poder econômico que sustentam o poder político e, entre eles, os agentes

financeiros, em especial, os bancos privados. (Castilho, 1998, p. 286-287).

Por fim, a autora aduz que a tendência dos próximos anos, no que tange a criminalidade

econômica, é o aumento nas ações destes tipos penais, pois, a partir de 1995, o Banco Central

ficou obrigado a enviar centenas de comunicações de delitos em bancos que sofreram

intervenção. Assim, a maioria destes casos refletirá no futuro, e ainda, haverá o aumento de

comportamentos descritos na lei, devido à estrutura desta criminalidade ser de ordem

econômica capitalista neoliberal, com maior liberdade à atividade privada atribuída pelo

Estado que conseqüentemente enfraquece. (Castilho, 1998, p. 290).

3.4 COMPARAÇÃO ENTRE O PROCESSAMENTO DOS CRIMES DE COLARINHO

BRANCO NO PERÍODO DE JANEIRO DE 1987 A JULHO DE 1995 E JANEIRO DE 1997

A ABRIL DE 2005 NO BANCO CENTRAL DO BRASIL E NO JUDICIÁRIO E DE 2004 A

2005 NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E A POLÍCIA FEDERAL DE SANTA

CATARINA.

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Conforme visto nos capítulos anteriores, o Sistema Penal, a partir da década de 60 do

século XX, veio sendo desconstruído e deslegitimado por revoluções e grupos de

contracultura. A diferença entre o que o sistema se programava a fazer e a sua real

operacionalidade se tornava gritante. Com a teoria do labelling approch, abandonava-se o

paradigma etiológico da Criminologia Tradicional e surgia o paradigma da reação social da

Criminologia Crítica, a qual não se preocupava mais em perguntar quem são os criminosos,

mas com os processos de criminalização social. Com a transição do enfoque sociológico, as

críticas desconstruiram os princípios oficiais da ideologia da defesa social que foram criados

pelas escolas penais.

A partir do final do século XX, a Criminologia Crítica se fortalece e analisa o

funcionamento o sistema penal, criticando o objeto de análise da Criminologia Tradicional ou

Positivista. Neste contexto, surgem teorias como a cifra negra da criminalidade, a

estigmatização e a seletividade primária e secundária.

Entretanto, neste último capítulo, apresentar-se-á uma pesquisa com o objetivo de

verificar a seletividade da Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Lei nº

7.492/86, nos órgãos de controle formal, o Banco Central do Brasil, o Ministério Público

Federal, a Polícia Federal e o Judiciário, de meados da década de noventa aos dias atuais,

fazendo uma comparação com a mesma pesquisa feita pela Sub-Procuradora Ela Wiecko De

Castilho, no período de Janeiro de 1987 a Julho de 1995. Observando se houve modificações

na seletividade secundária deste tipo penal nos últimos dez anos.

Os dados estatísticos que serão apresentados na presente pesquisa do Banco Central e

do Judiciário foram coletados através de informações pelo telefone e via Internet, nos sites do

Banco Central do Brasil e do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.

Em relação ao Ministério Público Federal e a Polícia Federal, os dados foram adquiridos após

cansativas tentativas por telefone e pessoalmente, nos próprios órgãos representantes no

estado de Santa Catarina. Houve diversas conversas com o Procurador-Criminal, Dr. Maurício

Gotardo Gerum, com os seus assessores e funcionários do Ministério Público Federal, com o

Delegado Chefe, Dr. Ildo Rosa, e com o Delegado, Dr. Luiz Carlos Korff Rosa Filho,

representante do Núcleo de Repressão aos crimes financeiros na Superintendência da Polícia

Federal de Santa Catarina.

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Na apresentação dos dados, será utilizado o procedimento de série estatística. A série é

todo e qualquer conjunto de dados que se referem a uma mesma classificação. Os dados de

uma série são também chamados de itens ou termos da série e sua classificação atende quatro

modalidades que caracterizam o fato em observação, das quais a presente pesquisa usará a

temporal, cronológica ou marcha. Nesta série, os dados são distribuídos de acordo com o

tempo em que foram produzidos, sendo que (...) “possui a finalidade de analisar o

comportamento de uma variável em sucessivos intervalos de tempo”. (Lakatos e Marconi,

1990, p. 170-171).

3.4.1 Banco Central do Brasil

A pesquisa realizada por Ela Wiecko, do final da década de 80 até meados da década de

90, conclui que o Banco Central do Brasil, dentre os órgãos de controle formal, é o que faz a

maior seleção das condutas que deverão ser tratadas como infração penal contra o Sistema

Financeiro Nacional. Com certeza, o Banco Central é o órgão que possuí o mais amplo poder

de decisão no processo de criminalização. (Castilho, 1998, p. 230).

Ademais, a autora aponta como mecanismos de seleção realizados pelo Banco Central, a

falta de fiscalização ou fiscalização ineficiente, a demora e ausência na comunicação e forma

da comunicação e a negociação com o autor da infração criminal. (Castilho, 1998, p. 288).

Há alguns meses foram coletadas informações referentes ao Banco Central do Brasil,

com a finalidade de verificar modificações na seletividade secundária exercida nos crimes do

colarinho branco.

Inicialmente, pesquisou-se no site do Banco Central, que ofereceu diversos dados

estatísticos referentes à fiscalização dos crimes financeiros, como a quantidade de ofícios

expedidos e a comunicação destes ao Ministério Público Federal.

Destarte, entrou-se em contato com vários funcionários e conversou-se com a Dr.

Andréia Lais Vargas, consultora da diretoria de fiscalização do Banco Central, em exercício,

que informou que, com os sucessíveis escândalos econômicos ocorridos na década de 90, a

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instituição viu a necessidade de mudança na supervisão bancária por ele exercida, a qual não

se preocupava diretamente com os riscos e sim com o cumprimento de normas.

Atualmente, o Banco Central do Brasil, como superintendente do Sistema Financeiro

Nacional, rege-se pelos 25 princípios essenciais da Basiléia, que foram desenvolvidos pelo

Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (cidade da França), como referência básica para

uma supervisão bancária eficaz. Estes princípios foram produzidos para serem aplicados por

todos os países, na supervisão dos bancos e suas jurisdições. (Vargas, 2005).

Este documento, originalmente intitulado “core principles for effective banking

supervision”, foi publicado em setembro de 1997, pelo Banco de Compensações

Internacionais (BIS), que é o Banco Central Mundial. (Vargas, 2005).

Como principal modificação, o Banco Central criou o Departamento de Combate a

Ilícitos Cambiais e Financeiros (DECIF), com o objetivo de estabelecer procedimentos para

avaliar se o Banco estava combatendo a lavagem de dinheiro, as infrações criminais contra o

sistema financeiro e os processos administrativos. Tem como função: a prevenção e o

combate aos ilícitos cambiais e financeiros no âmbito do Sistema Financeiro Nacional; o

monitoramento das operações dos mercados financeiros e de câmbio; a condução dos

processos administrativos punitivos instaurados pelo Banco Central; e o encaminhamento, ao

Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional e ao Conselho de Controle de

Atividades Financeiras, dos recursos interpostos em processo administrativo punitivo.

(Vargas, 2005).

As condutas ilícitas detectadas pelo DECIF são imediatamente analisadas e enviadas ao

Ministério Público Federal, o que pode ser observado, pois a cada mês os técnicos informam,

no site do Banco Central, os novos ofícios que foram expedidos. (site BACEN).

Ainda, o Banco Central do Brasil disponibiliza o Bacen Jud, um sistema de solicitação

de informações via Internet, que deve ser utilizado para o envio de ordens judiciais ao

Sistema Financeiro Nacional. O Juiz de Direito, de posse de uma senha previamente

cadastrada, preenche um formulário na Internet, solicitando as informações necessárias ao

processo. O Bacen Jud, diminui o tempo de tramitação ao repassar automaticamente as ordens

judiciais para os bancos. (site BACEN).

Podem ser encaminhadas ao Bacen Jud: a comunicação da decretação e da extinção

de falências; determinações judiciais de bloqueio e desbloqueio de contas e de ativos

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financeiros; solicitação de informações sobre a existência de contas correntes e de aplicações

financeiras; extratos; saldos e endereços de clientes do Sistema Financeiro. (site BACEN).

O Banco Central possui convênios com o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho de

Justiça Federal, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar, com a

finalidade de facilitar a tramitação dos pedidos de quebra do sigilo bancário de clientes do

Sistema Financeiro Nacional e ainda, dar celeridade às ordens de bloqueio e desbloqueio de

contas correntes. (site BACEN).

Com as informações e dados colhidos, comparou-se a pesquisa de Ela Wiecko V. De

Castilho em relação ao número de ofícios enviados pelo Banco Central do Brasil no período

de janeiro de 1987 a julho de 1995, com os últimos oito anos em todo o território nacional.

BRASIL - QUANTIDADE DE OFÍCIOS EXPEDIDOS PELO BACEN

Período Nº de ofícios

janeiro de 1987 a julho de 1995 606

janeiro de 1997 a abril de 2005 7.877

Fonte: pesquisa da Ela Wiecko De Castilho e site do BACEN.

Analisando-se o Quadro, torna-se evidente a enorme discrepância na quantidade de

ofícios expedidos pelo Banco Central entre um período e outro. A pesquisa realizada de

janeiro de 1997 a abril de 2005 enviou aproximadamente treze vezes mais ofícios do que a

pesquisa anterior, caracterizando uma mudança no processo de criminalização exercido pelo

Banco Central nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

A falta de fiscalização ou fiscalização ineficiente, a demora e ausência na comunicação

e a forma da comunicação como mecanismos de seleção apontados na pesquisa anterior foram

um tanto enfraquecidos pela ampla informação oferecida pelo Banco Central do Brasil no seu

site e através de seus funcionários.

Porém, em relação ao último mecanismo de seleção demonstrado, a negociação com o

infrator, por ser colocada em questionamento a legalidade das transações do Banco Central e

por serem acordos confidenciais, entre indivíduos do mais alto escalão, torna-se muito difícil

evidenciar tais casos.

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Então, não se pode deixar de mencionar o caso Banestado, o antigo banco do Estado do

Paraná, que “quebrou”, foi saneado, vendido e feita a lavagem de dinheiro através do CC -5

(contas chamadas carta circular nº 5 pelo Banco Central). Desta forma, fica a dúvida: por que

o Banco Central permitiu ao Banestado evoluir em sua gestão temerária (parágrafo único do

art. 4 da Lei nº 7.492/86) até a sua quebra e não interferiu no processo que chegou ao prejuízo

de US$ 30 bilhões durante o período de 1996 a 1999 ?

3.4.2 Polícia

Na pesquisa de Ela Wiecko, a Polícia possui um papel determinante no processo de

seleção dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Dentre as instâncias formais, é a

que tem contato com maior volume de condutas e o faz com maior discricionariedade, que

depende de variáveis, como a gravidade do delito, atitude de quem denuncia, atitude do

suspeito, poder do infrator entre outros. No geral, a Polícia determina quem e o que atinge a

ordem pública. (Castilho, 1998, p. 139-140).

Os mecanismos de seleção apresentados na pesquisa pela Polícia são a morosidade e o

desaparelhamento na apuração dos crimes do colarinho branco.

Desse modo, do montante de 682 casos que foram objeto da pesquisa, somente um foi

instaurado de ofício pela Polícia, antes de qualquer representação. Sendo assim, a expressiva

maioria dos casos teve origem com a comunicação prévia do Banco Central. (Castilho, 1998,

p. 143).

Durante alguns meses, conversou-se com o Delegado-Chefe de Polícia Federal, Ildo

Rosa e com o Delegado de Polícia Federal, Luiz Carlos Korff Rosa Filho, (Chefe do Núcleo

de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal de Santa Catarina).

Nos primeiros encontros, o objetivo era colher dados referentes aos crimes financeiros de todo

o território brasileiro, para melhor comparação com a pesquisa anterior. Porém, para isso,

seria necessário entrar em contato com as 27 Superintendências Regionais da Polícia Federal,

para que cada uma delas realizasse uma pesquisa interna.

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Com isto, os dados adquiridos em relação aos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional com a finalidade de avaliar a seletividade deste órgão remetem somente ao estado de

Santa Catarina e ao período de janeiro de 2004 a março de 2005.

Desde o mês de dezembro de 2003 foi criado, na Polícia Federal de Santa Catarina, o

Núcleo de Repressão a Crimes Financeiros, em acompanhamento à vara especializada. Outros

estados brasileiros, como Rio de Janeiro e São Paulo, possuem Delegacias especializadas

contra a lavagem de dinheiro e os crimes econômicos. Na maioria do território nacional

existem setores ou núcleos dentro das Superintendências Regionais ou Delegacias

responsáveis pela prevenção, repressão e investigação dos crimes financeiros. A Polícia

Federal dispõe de uma estrutura funcional que permite planejamento, coordenação e controle

centralizados e execução descentralizada em cada estado. (Rosa, 2005).

A pesquisa realizada por Ela Wiecko V. De Castilho, em todo o Brasil, durante o

período de janeiro de 1987 a julho de 2005, constatou que, de 606 ofícios expedidos pelo

Banco Central, que geraram 682 casos, 169 se encontravam em fase policial, conforme

Quadro abaixo:

BRASIL/SANTA CATARINA – QUANTIDADE DE INQUÉRITOS INSTAURADOS

Período Território Nº de inquéritos instaurados

jan. de1987 a jul. de 1995 Brasil 169

jan. de 2004 a mar. de 2005 Santa Catarina 154

Fonte: pesquisa da Ela Wiecko De Castilho e pesquisa realizada pelo Delegado da Polícia Federal – Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal de Santa Catarina.

Entretanto, em análise, a pesquisa feita em Santa Catarina, no período de janeiro de

2004 a março de 2005, evidenciou que foram expedidos pelo Banco Central 31 ofícios

referentes ao Estado e, conforme pesquisa feita pelo Núcleo de Repressão a Crimes

Financeiros da Superintendência da Polícia Federal de Santa Catarina, foram instaurados 154

inquéritos policiais neste período, o que comprova que este órgão não investigou somente as

informações adquiridas do Banco Central como também, abriu inquéritos independentemente

do recebimento de ofícios, não ficando engessado a comunicação prévia do Bacen, o que não

aconteceria anos atrás, pois a Polícia, quando investigava os crimes contra o Sistema

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Financeiro Nacional, o fazia porque o Ministério Público Federal tinha sido comunicado pelo

Bacen e então este requeria a investigação policial.

Por sua vez, há outra hipótese de analise. Na primeira pesquisa, realizada em

aproximadamente oito anos, foram investigados 169 casos de crimes financeiros, pela Polícia

Federal, em todo o território brasileiro. Dez anos depois, na segunda pesquisa, realizada em

apenas um ano e três meses, foram instaurados 154 inquéritos policiais deste tipo penal,

somente pela Polícia Federal de Santa Catarina. O montante da pesquisa anterior é

infinitamente menor, levando-se em conta a diferença no tempo e no espaço, das duas

pesquisas, o que significa que a Polícia, nos últimos anos, cumpriu com maior amplitude suas

funções em defesa de fatos que atacam a ordem do sistema jurídico.

Ora, os mecanismos de seleção realizados pela Polícia e apresentados na pesquisa da

Sub-Procuradora, após a comparação com a presente pesquisa, sofrem modificações, como no

caso do desaparelhamento na apuração, que advém do número inferior de peritos e de

despreparo dos delegados nas coordenações das investigações referente aos casos de crimes

financeiros, pois atualmente a Polícia Federal se encontra mais bem equipada. Como já

exposto, há alguns anos vêm surgindo especializações de delegacias e varas, criação de

núcleos ou departamentos para aumentar a operacionalidade da Polícia nestes delitos.

(Castilho, 1998, p. 259).

E em relação aos Delegados desqualificados, coincidência ou não, o Delegado da

Polícia Federal, (Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da

Polícia Federal de Santa Catarina), que colaborou com esta pesquisa, cedendo os dados, faz

especialização no tema, e sua orientadora é a Dr. Ela Wiecko V. De Castilho. Ademais, com a

criação destes setores especializados, naturalmente os seus chefes ou representantes, para

poderem exercer suas funções, necessitam de qualificação.

O outro mecanismo apontado na pesquisa anterior não pode ser analisado fielmente e

nem comparado, pois não nos foram oferecidas, pelo órgão, nem as datas das requisições de

investigação do Ministério Público, nem do início das instaurações de inquéritos.

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3.4.3 Ministério Público

O Ministério Público, dentre as instâncias formais, é o órgão de maior importância

repressiva, porque tem a função de propor a ação em juízo perante o Judiciário. Ao tomar

conhecimento de comportamento desviado ou de conduta ilícita, deverá denunciar; se com a

apuração dos fatos não houver necessidade de denúncia, deverá pedir o arquivamento ou a

suspensão do processo. (Castilho, 1998, p. 144).

No Brasil, o Ministério Público tem como função a repressão de infrações criminais,

versa sobre a égide dos princípios da legalidade e obrigatoriedade e possui o monopólio da

ação penal pública. Cada um dos membros deste órgão tem independência funcional,

aceitando relativa autonomia da instituição em face do Poder Executivo. (Castilho, 1998, p.

145-146).

Na pesquisa realizada pela Dr. Castilho, foi verificado que o número de casos

oferecidos pelo Banco Central ao Ministério Público sofre uma filtragem. Observou-se que

uma pequena porcentagem de arquivamento, em sua maioria, era denunciada ou aguardava

conclusão da investigação policial. Foram levantados dois mecanismos de seleção: a

desqualificação da conduta e o desaparelhamento na apuração. (Castilho, 1998, p. 260).

A pesquisa foi elaborada no período de janeiro de 1987 a julho de 1995, em todo o

território brasileiro, e demonstrou que o Ministério Público, assim como os demais órgãos de

controle, contribui com a sua parcela de seletividade nos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional.

Há algum tempo vêm-se obtendo informações. Esteve-se, por diversas vezes, no

Ministério Público Federal de Santa Catarina e conversou-se com vários funcionários.

Inicialmente, manteve-se contato com a Secretária da UTC (Unidade de Tutela Coletiva), e

protocolou-se requerimento SECAD/002583/2005 ao Procurador Chefe da Procuradoria da

República em Santa Catarina, o qual foi despachado para o gabinete do Procurador Criminal,

responsável pelas atribuições da Procuradoria da República Especializada no Combate ao

Crime Organizado (PECCO), Dr. Maurício Gotardo Gerum, com quem se conversou, com

propósito de esclarecer quais os dados que seriam necessários.

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Mais uma vez, devido à grande extensão e descentralização funcional do país não, foi

possível obter os dados que realmente seriam apropriados para a elaboração O acesso se deu

apenas a estatísticas do estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a maio de

2005.

Na pesquisa da Sub-Procuradora, que foi elaborada em todo o território nacional,

durante o período de 1987 a 1995, 115 casos de crimes do colarinho branco foram

denunciados, arquivados, suspensos ou feito qualquer outro tipo de procedimento realizado

pelo Ministério Público Federal. (Castilho, 1998, p. 221).

Entretanto, na pesquisa atual, realizada em apenas um estado da nação, Santa Catarina,

e no percurso de somente um ano e cinco meses, passaram pelo Ministério Público

Federal/SC 183 casos, entre inquéritos policiais, ações penais, arquivamento, e ainda 05 casos

de procedimento administrativo em andamento, dos quais não se obteve informação na

pesquisa anterior e, portanto, não serão computados. Assim, sustenta a Tabela abaixo:

BRASIL/SANTA CATARINA - QUANTIDADE DE PROCEDIMENTOS REALIZADOS NO MPF

Período Território Nº de procedimentos realizados pelo MPF

jan. de1987 a jul. de 1995 Brasil 115

jan. de 2004 a mai. de 2005 Santa Catarina 183

Fonte: pesquisa da Ela Wiecko De Castilho e pesquisa realizada pelo Ministério Público Federal – Procuradoria da República de Santa Catarina – Secretária da Procuradoria Especializada no Combate ao Crime Organizado (PECCO).

Pode-se constatar que, em aproximadamente oito anos e no espaço total do território

brasileiro foram averiguados menos casos de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional do

que em um ano e cinco meses, no espaço territorial de somente um estado, que não se

encontra entre os mais populosos do país. Em tempo e espaço extremamente inferior, se

verificaram 58 casos a mais no Ministério Público Federal.

Dessa maneira, a incidência de casos de crimes financeiros no Ministério Público

aumentou nos últimos anos, o que ficou demonstrado quando da comparação da pesquisa feita

do final de 1980 até meados de 1990 com a atual pesquisa 2004 e 2005.

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Quanto à desqualificação da conduta como mecanismo de seleção realizado pelo

Ministério Público e apontado pela pesquisadora, ou seja, a interpretação de fatos ou de

documentos legislativos que se operam de forma desqualificada, não se pode deixar de

mencionar a precariedade técnica na lei dos crimes do colarinho branco, o que colabora

imensamente com a obscuridade no enquadramento das condutas de crimes financeiros.

Este mecanismo de seleção utilizado pelo Ministério Público, quando apontado na

pesquisa anterior, foi através de análises em petição de arquivamento, geralmente tratando dos

tipos penais do artigo 4 (gestão fraudulenta ou temerária); 16 (exercício legal de instituição

financeira); 17 (empréstimo vedado); 19 (fraude na obtenção de financiamento); e 20 (desvio

na aplicação de financiamento). Devido ao dever de sigilo de tais ocorrências não foi

permitido pesquisar individualmente os procedimentos ocorridos com as condutas

enquadradas na Lei nº 7.492/86.

Os dados oferecidos dizem respeito apenas à quantidade de arquivamento. De 84

inquéritos policiais e 09 ações penais ocorridos no ano de 2004, foram arquivados 49 casos, e

de 31 inquéritos policiais e 04 ações penais ocorridos até Maio de 2005 foram arquivados 06

casos. O que faz concluir que, no ano de 2004, houve o arquivamento de 51,57% casos, e até

o mês de maio de 2005, arquivou-se 17,14% casos. Estes dados estatísticos não são

suficientes para configurar alterações na desqualificação da conduta como meio de seleção

realizado pelo Ministério Público.

O desaparelhamento na apuração é o outro mecanismo de seleção manifestado na

primeira pesquisa, que afirma que o Ministério Público sequer possui um banco de dados

integrado sobre as ações penais por ele promovidas. Em comparação com a presente pesquisa,

pode-se perceber que este meio de seleção, no decorrer dos anos, sofreu modificações.

No caso da Região Sul do Brasil em 26 de maio de 2003, foi publicada a Resolução nº

20, da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4º Região, que dispõe sobre a

especialização de varas federais criminais para processar e julgar, na Justiça Federal, crimes

contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores,

com o objetivo de dar mais qualidade e celeridade na prestação jurisdicional destas infrações

criminais, devido à peculiaridade e complexidade da matéria. Assim, especializou-se a vara

criminal de Florianópolis, a 1ª vara criminal de Porto Alegre e a 1ª vara criminal de Curitiba

para processar no âmbito de cada Estado tais delitos. Em Florianópolis, especializou-se a

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atuação da Procuradoria da República como Procuradoria Especializada no Combate ao

Crime Organizado (PECCO), a qual já foi antes mencionada por oferecer os dados

trabalhados. (Gerum, 2005).

3.4.4 Judiciário

A função imparcial e neutra realizada por juízes, sempre em busca da justiça, era a

concepção tradicional da administração da justiça. Porém, com a idéia de ser um subsistema

do sistema político global, veio a conseqüência de descaracterizar a convencional opinião em

relação à administração da justiça, questionando-se, desse modo, o papel do juiz que preza

pela igualdade de direitos, pela justiça aplicada através da lei, independente do interesse

alheio. (Castilho, 1998, p. 148).

Os juízes exercem o controle social de uma forma ampla, no sentido da rotulação

daqueles que, por algum motivo fisiológico, cultural ou financeiro, os quais constituem o

nível de “poder” do indivíduo, são discriminados e selecionados a serem partes de processos e

infratores da lei penal. (Castilho Apud Sack, 1998, p. 149).

Na pesquisa realizada pela Sub-Procuradora, são apontados dois mecanismos de seleção

realizados pelo Judiciário nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Primeiramente, a

morosidade na instrução criminal, que por um lado decorre da estrutura corpórea do Judiciário

e de outro pode ser devida a diversos procedimentos, como: centralização de determinados

tipos penais em apenas um juiz; produção de provas; interposição de recursos, prazos legais.

Além do que, todos estes fatores se multiplicam quando se elucida sobre crimes do colarinho

branco. Foi constatado, como o modo mais eficiente de amarrar ou atrasar o processo, o

questionamento de competência para processar e julgar crimes financeiros. (Castilho, 1998, p.

277-278).

O segundo mecanismo de seleção utilizado pelo Judiciário, a desqualificação da

conduta, ocorre quando total ou parcialmente o juiz não dá a devida importância à infração.

Analisando as sentenças de arquivamento e de absolvição, a pesquisadora faz a afirmação de

que os juizes rejeitam tipos penais que não necessitam de resultado natural, os que não

atingem o bem jurídico, bastando colocá-lo em perigo por mera conduta. Ainda outra forma

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de desqualificar a conduta é a de enquadrar crimes financeiros como crimes contra a

economia popular. (Castilho, 1998, p. 281).

Na pesquisa atual, foram analisados processos de crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional em trâmite nos Tribunais Regionais Federal, Superior Tribunal de Justiça e Supremo

Tribunal Federal, no período de 1995 a 2005, em todo o território brasileiro. As informações

foram adquiridas via Internet, estudadas e computadas aproximadamente.

Os dados referentes à fase judicial e à fase de sentença, assim como as absolvições e

condenações, serão colocadas em comparação com os números retratados na pesquisa

anterior, com o objetivo de verificar as modificações auferidas no decorrer deste tempo. Além

disso, tornou-se possível averiguar outras considerações, como o montante de processos em

andamento, arquivados e o conflito de competência, conforme se pode visualizar no Quadro

abaixo:

BRASIL - QUANTIDADE DE PROCESSOS EM DE FASE DE SENTENÇA

Período Fase de sentença

janeiro de1987 a julho de 1995 77

janeiro de 1997 a março de 2005 508

Fonte: site do TRF 3ª Região

De acordo com os dados expostos no Quadro, na pesquisa realizada por Ela Wiecko V.

De Castilho, durante os primeiros oito anos de vigência da Lei nº 7.492/86, encontravam-se

em fase de sentença 77 processos, enquanto a presente pesquisa aponta 508 casos num mesmo

período, o que significa que o número de demandas em fase de sentenças aumentou

aproximadamente quase sete vezes com relação ao revelado anteriormente. Portanto, fica

caracterizado que a operacionalidade do Judiciário nos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional teve um crescimento, devido ao aumento das decisões das condutas enquadráveis

nesta lei, o que já era previsto pela pesquisadora a partir do segundo semestre de 1995,

quando foi requerido ao Banco Central do Brasil as comunicações sobre infrações praticadas

em banco que sofreram intervenção para melhor investigação e também devido ao fato de o

desenvolvimento natural desta delinqüência ser estrutural à ordem econômica capitalista

neoliberal, o que caracteriza maior liberdade às atividades privadas aumentando o número de

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instituições financeiras que conseqüentemente serão maiores as chances de praticarem

infrações ao Sistema Financeiro Nacional. (Castilho, 1998, p. 290).

Contudo, vislumbra-se que há uma década a quantidade de processos de crimes

financeiros julgados era sensivelmente inferior à dos dias atuais.

A sentença penal é a fase de decisão da causa que finaliza o processo judicial,

condenando o culpado ou absolvendo o inocente. É de essencial importância para obtenção de

resultados positivos na repressão e em relação à seletividade do judiciário nos crimes

financeiros, que as demandas em curso sejam julgadas. Somente assim, se dará fechamento ao

processo penal sem obscuridade e desconfiança, salvo exceções de direito material e

processual penal.

Dos pleitos em fase de sentença, foram julgados, no período de 1997 a 2005, 29,93%

dos casos. Destes, houve condenação no equivalente a 75,65% dos casos e absolvição (foram

considerados neste percentual as decisões de extinção de punibilidade em razão da prescrição)

em 24,35% dos julgamentos, o que na pesquisa anterior aponta o montante ínfimo de 0,88%

de condenações. O significativo aumento de sentenças condenatórias é de extrema

importância na verificação da seletividade deste órgão de instância formal.

Ademais, a presente pesquisa revela que, do total de 508 processos em fase de sentença,

42,32% estão em andamento, devido ao sensível aumento de tipificações de condutas ilícitas

que atingem a boa execução da política econômica do Estado, acrescido da amplitude na

atuação da repressão da criminalidade financeira, que começou a crescer a partir do final dos

anos noventa e segue em constante crescimento percentual a cada ano. Dessa maneira, o

montante considerável de pleitos em andamento poderá advir do aumento da demanda

processual dos últimos anos nos crimes do colarinho branco.

Dos 508 processos analisados, foram excluídos por sentença de arquivamento 8,85%, e

em análise às jurisprudências foram coletados 18,90% de julgamentos referentes a conflitos

de competência como questão fundamental. O questionamento da competência para processar

e julgar crimes contra o Sistema Financeiro Nacional foi apontado pela autora como um dos

mecanismos de seleção realizado pelo judiciário. É o procedimento mais utilizado para ganhar

tempo, deixando lento o processo, que fatalmente se extinguirá ao sofrer a prescrição de

punibilidade do Estado.

Finalmente, após analises jurisprudenciais das instâncias superiores de crimes contra o

Sistema Financeiro Nacional, pode-se concluir que, no período de 1997 a 2005, encontram-se

508 processos em fase sentencial. Destes, chegaram a julgamento 29,93%, dos quais 75,65%

foram condenados e 24,35% absolvidos ou extinta a punibilidade pela prescrição retroativa.

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Estão em andamento 42,32%, houve a exclusão de 8,85% e em julgamento 18,90% dos

conflitos de competência até a data final escolhida como término da pesquisa.

Assim, realizada uma análise na quantidade de casos nos órgãos de controle formal dos

crimes financeiros, como o Banco Central do Brasil, a Polícia, o Ministério Público e o

Judiciário, no que diz respeito aos mecanismos de seletividade utilizados por cada um deles,

em comparação com a pesquisa concluída há dez anos, por Ela Wiecko V. De Castilho,

conclui-se que, no decorrer da última década, os meios de seleção atribuídos aos órgãos

responsáveis pela prevenção, repressão e manutenção da normalidade da economia do País

sofreram modificações. Todas as instâncias formais analisadas apresentaram resultados

significativamente favoráveis no que tange a seletividade nos crimes contra o sistema

Financeiro Nacional.

Resta evidenciado, portanto, que, em comparação aos primeiros anos de vigência da Lei

dos crimes do colarinho branco, o quadro de seletividade secundária encontra-se

diversificado. Pelo menos em relação à falta de fiscalização das condutas, a ausência de

comunicação e o desaparelhamento na apuração criminal. Evidenciou-se também um maior

interesse dos órgãos em manter a normalidade da economia do Estado com o exercício de

suas funções.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme foi visto no primeiro capítulo, os princípios oficiais do funcionamento do

Sistema Penal foram construídos com a concretização da Ciência Penal, dos discursos

ideológicos das Escolas Clássica e Positiva e da amplitude da noção de crime e de pena.

Após a modificação do paradigma etiológico para paradigma criminológico da

Reação Social, e com o nascimento da Criminologia Crítica, que tem por finalidade

analisar o Sistema Penal, os princípios da defesa social foram questionados e

desconstruídos por uma série de teorias que negaram a todos, comprovando que o

Instituto, na prática, não os exerce. Estas teorias serviram de orientação para atual

Criminologia da Reação Social, que tem como função analisar o processo de produção da

lei penal, a infração destas leis e a reação social a esta conduta ilícita.

A partir dos estudos dos fundamentos históricos e teóricos do Sistema Penal,

conclui-se que o sistema obtém uma base estrutural que o leva a agir de forma seletiva e

estigmatizante. Desde a criação da norma, no Poder Executivo, nota-se o interesse de

legislar sobre determinados tipos penais em detrimento de outros, e quando os legisladores

se vêem obrigados a legislar devido ao descontentamento popular, agem de maneira

articulosa, manipulando os textos legais conforme seus interesses particulares. Assim, no

caso dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, foram necessários vinte e dois anos

para a elaboração da lei que define e enquadra os comportamentos lesivos ao sistema

financeiro.

Ademais, da imensa incapacidade operacional do Sistema Penal, que não consegue

atuar em todos os crimes cometidos, surge a rotulação de alguns tipos penais e grupos

sociais que deverão ser perseguidos, reprimidos e penalizados, construindo o esteriótipo do

criminoso, como há séculos.

Utiliza-se a população como “massa de manobra”, desvirtuando a atenção da

maioria, para que somente uma pequena classe dominante usufrua o direito de ficar imune à

lei penal e impune às penalidades do Sistema. Neste contexto, a cifra negra ou oculta veio

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confrontar o modo de explicação do fenômeno da criminalidade: as estatísticas não servem

como resultados concretos, devido a diversos aspectos que influem no percentual das

praticas criminosas que não são passíveis de quantificação, como por exemplo, as vítimas

que não denunciam o delito, inquéritos e ações penais que são arquivadas por falta de prova,

peculiaridades do Direito Penal que não são computadas nos registros oficiais. Porém, estes

delitos não deixam de ter existido.

O controle penal de uma sociedade, como a brasileira, é antidemocrático. Alicerçado

sobre uma desigualdade hereditária, está preso ao interesse de agentes poderosos que

decidem quais os crimes que devem ser definidos por lei - criminalização primária - e para

quais grupos de indivíduos será aplicada uma pena - criminalização secundária.

O Sistema Penal exerce sua função estigmatizando ou rotulando os seus infratores,

conforme um dos níveis da Criminologia da Reação Social, a denominada Criminologia

Intervencionista ou teoria da estigmatização, que acredita que a delinqüência não se

encontra nas características do delinqüente, mas na relação que este possui com a sociedade.

Assim como, o status social do indivíduo, quanto mais alto for, maior será a integração dele

com a sociedade e menores serão os rótulos, os preconceitos e a seletividade.

Como ficou demonstrado no terceiro capítulo, nos institutos penais e processuais da

Lei nº 7.492/86, os sujeitos ativos, nos crimes do colarinho branco, em sua maioria são o

controlador e os administradores de instituição financeira, ou seja, aqueles que são capazes

de gerir empresas. O que quer dizer que estes agentes ativos possuem status social elevado e

influências no mercado financeiro, de títulos e valores mobiliários. Esta característica faz

deste tipo penal um suspeito no que se refere à seletividade econômica do Sistema Penal.

Também foram demonstradas as conclusões da análise dos mecanismos de seleção

utilizados pelos órgãos de controle formal nos crimes financeiros, elaboradas pela

pesquisadora Ela Wiecko V. De Castilho, em sua obra “O Controle Penal nos Crimes Contra

o Sistema Financeiro Nacional”. Primeiramente, foram analisadas a totalidade de casos

identificados na pesquisa com a funcionalidade dos órgãos de controle. O segundo ponto de

analise refere-se à funcionalidade das instâncias formais, ou seja, ao controle penal do

Banco Central do Brasil, do Ministério Público, da Polícia e do Judiciário, em interação com

os comportamentos tipificados como crimes financeiros durante os primeiros oitos anos de

vigência da lei.

Neste sentido, a presente pesquisa fez a coleta de dados e informações no período de

1997 a 2005, junto ao Banco Central do Brasil e ao Judiciário, mais precisamente, nos

Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça. Obtiveram-se os dados

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referentes à quantidade de inquéritos instaurados no período de janeiro de 2004 a março de

2005 e informações com o Delegado da Polícia Federal, Dr. Luiz Carlos Korff Rosa (Chefe

do Núcleo de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal de

Santa Catarina). Também foi protocolado o requerimento SECAD/002583/2005, ao

Procurador Chefe da Procuradoria da República em Santa Catarina, requerendo um

levantamento da quantidade de inquéritos policiais e ações penais contra o sistema

financeiro, bem como de seus arquivamentos, durante o período de janeiro de 2004 a maio

de 2005, o qual foi despachado ao Procurador Criminal responsável pela Procuradoria da

República Especializada no Combate ao Crime Organizado (PECCO), Dr. Maurício Gotardo

Gerum que, além disso, em conversa, cedeu informações.

Entretanto, ao comparar a pesquisa feita de 1987 a 1995 com a pesquisa realizada de

1997 a 2005, no Banco Central do Brasil, os resultados foram bastante divergentes. Na

pesquisa anterior, a autora apontava como meio de seleção aplicado por este órgão: a falta

de fiscalização ou fiscalização ineficiente; a demora e ausência na comunicação e forma de

comunicação; e a negociação com o sujeito ativo da infração. Também afirmava que,

durante oito anos, foram expedidos 606 ofícios. No entanto, atualmente, o Banco Central do

Brasil possui um site via Internet, onde obtém diversos tipos de informação, como a

quantidade de ofícios expedidos em todos os estados do país, desde 1966 até 2005, que são

acrescidos a cada mês, da comunicação e do encaminhamento dos ofícios ao Ministério

Publico; possui também o sistema Bacen jud, por meio do qual o Juiz cadastrado poderá

solicitar as informações necessárias, rapidamente, via Internet.

Em conversa com a Dr. Andréia Lais Vargas, consultora da diretoria de

fiscalização em exercício, descobriu-se que o Banco Central do Brasil criou o

Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (DECIF), com a função de

prevenir e combater as condutas ilícitas cambiais e financeiras contra o Estado. Ademais,

o Banco Central rege-se, desde 1997, pelos 25 princípios da Basiléia, que foram

desenvolvidos para serem aplicados por todos os países nas supervisões dos bancos.

Durante a pesquisa realizada no período de 1997 a 2005, foram expedidos 7.877 ofícios

pelo Banco Central do Brasil, aproximadamente treze vezes mais do que na pesquisa

anterior.

Portanto, conclui-se, com a comparação das pesquisas que, no que se refere à falta de

fiscalização ou fiscalização ineficiente, demora e ausência na comunicação e forma de

comunicação como meios seletivos, o Banco Central do Brasil, como órgão do executivo

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central superintendente do Sistema, com o objetivo de fiscalizar, regulamentar, liquidar e

punir instituições, se necessário, para resguardar a normalidade do funcionamento dos

mercados financeiros e de capitais, obteve melhorias, como: o acesso aos dados estatísticos

de expedição e encaminhamento de ofícios; a criação de um departamento de combate aos

crimes financeiros; a integração do Brasil ao padrão internacional de supervisão; e o

interesse do órgão em cumprir sua missão institucional. Desse modo, a seletividade

secundária, caracterizada por estes mecanismos, diminuiu na última década, aumentando

bastante o número de casos irregulares comunicados pelo Banco Central ao Ministério

Público Federal.

Com relação ao terceiro mecanismo de seleção atribuído ao Banco Central do

Brasil, a negociação com o infrator, não houve efetiva comparação com a pesquisa anterior

que apresentou, no ano de 1992, os casos do Banco Goldmine e Ourinvest. Contudo, não se

pode deixar de mencionar o escândalo do antigo Banco do Estado do Paraná, o caso

Banestado, durante o período de 1996 a 1999, quando houve a evasão de dívidas no valor de

US$ 30 bilhões, no sistema de lavagem de dinheiro através das contas CC-5. Como se não

bastasse, o ex-presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Franco, foi citado como

principal culpado, o que ficou evidentemente comprovado, pois o departamento de

fiscalização do Banco Central (DECIF) enviou denúncias de atos irregulares ao Ministério

Público, para as quais o Banco Central só veio tomar providências no ano de 2003.

A Polícia foi outro órgão formal apontado como seletivo pela pesquisa da Sub-

Procuradora Ela Wiecko V. De Castilho, que aponta, como meio de seleção, a

morosidade e o desaparelhamento na apuração. De posse dos dados coletados, somente

foi possível comparar a seletividade no estado de Santa Catarina e apenas durante o

período que vai de janeiro de 2004 a março de 2005.

Na pesquisa anterior, foram instaurados 169 inquéritos policiais, durante oito

anos, em todo o território nacional, e destes, apenas um foi instaurado de ofício pela

Polícia sem antes ter sido apresentado pelo Banco Central. Na pesquisa atual, foram

instaurados 154 inquéritos policiais, durante um ano e três meses, somente no estado de

Santa Catarina. Neste mesmo período, foram expedidos, pelo Banco Central, 31 ofícios

referentes ao estado, no entanto, a Polícia investigou mais casos do que os comunicados

pelo Banco. Levando em consideração a diferença entre o período e o território das

pesquisas comparadas, pode-se concluir que a Polícia expandiu sua função de repressão

aos crimes do colarinho branco.

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Devido ao fato de que os dados estatísticos colhidos não possuíam as datas dos

requerimentos de investigações do Ministério Público e do início das instaurações dos

inquéritos, não houve a possibilidade de comparações nem de obtenção de resultados

sobre o mecanismo de seleção, ou seja, a morosidade na apuração.

Não obstante isto, o mecanismo da desqualificação na apuração foi

descaracterizado nas conversas e pesquisas em relação ao papel da Polícia Federal de

Santa Catarina nesses delitos. A partir de dezembro de 2003, foi criado o Núcleo de

Repressão aos Crimes Financeiros, dentro das Superintendências de vários estados do

Brasil, qualificando e especializando os policiais, delegados e peritos no que se refere aos

crimes financeiros. Estados como o Rio de Janeiro e São Paulo já possuem Delegacias

inteiras especializadas no combate à lavagem de dinheiro e aos crimes econômicos.

Conclui-se, portanto, que a Polícia sofreu melhorias. No decorrer de oito anos, houve

mudanças significativas no montante investigado e no interesse de investigação dos crimes

contra o Sistema Financeiro Nacional. Apesar de a pesquisa anterior ter sido comparada com

apenas um estado brasileiro, num período inferior, percebe-se maior efetividade e

qualificação deste órgão, portanto, menor seletividade e descaso para com este tipo penal.

Devido à insuficiência de dados coletados, a pesquisa realizada no Ministério

Público também não ocorreu em todo o território nacional, nem durante oito anos, como

a pesquisa da Sub-Procuradora. Por conseguinte, os dados anteriores foram comparados

com as estatísticas recolhidas do Ministério Público Federal de Santa Catarina durante

um ano e cinco meses, de janeiro de 2004 a maio de 2005.

Os mecanismos de seleção utilizados pelo Ministério Público, apontados na

pesquisa realizada no período de 1987 a 1995, foram a desqualificação da conduta, como

a interpretação dos fatos de forma mais benéfica, enquadrando o infrator em tipos penais

mais simples, com punições leves. Porém, em razão do dever de sigilo que envolve tais

ações, não foi permitida a pesquisa direta nos casos concretos de infração criminal contra

o Sistema Financeiro Nacional.

Outro meio de seleção apontado foi o desaparelhamento na apuração, que pode ser

descaracterizado, pelo menos no caso da região Sul, onde a partir de maio do ano de 2003,

foi publicada a Resolução nº 20 da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,

que especializou as varas federais criminais para processar e julgar, na Justiça Federal,

crimes financeiros de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Dessa maneira, se

qualificou a prestação jurisdicional destes delitos. Em Florianópolis, especializou-se a

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atuação da Procuradoria da República, como Procuradoria Especializada no Combate ao

Crime Organizado, onde foram adquiridos os dados da presente pesquisa.

Destarte, durante o período de oito anos, em todo o território brasileiro, passaram

pelo Ministério Público 115 casos de crimes do colarinho branco, enquanto no decorrer de

um ano e cinco meses, somente no território do estado de Santa Catarina, ocorreram 183

casos, entre inquéritos policiais, ações penais e arquivamentos. Conclui-se que, em tempo e

espaço extremamente inferiores, verificou-se o montante de 58 casos a mais no Ministério

Público Federal de Santa Catarina do que há uma década, em todo o Brasil. Portanto, com o

passar do tempo, o Ministério Público apresentou mudanças positivas referentes à

seletividade nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

Por fim, ao se pesquisar junto ao Judiciário, que é o órgão com maior poder de

decisão, no sentido de condenar ou absolver as condutas lesivas ao sistema financeiro, foi

identificado, na pesquisa anterior, como mecanismo de seleção deste órgão, a morosidade

na instrução criminal. Uma das formas mais apreciadas para tornar lento o processo é a

discussão em relação à competência para processar e julgar tais crimes; o outro

mecanismo de seleção apontado foi a desqualificação da conduta.

Como já mencionado, a presente pesquisa foi elaborada no período de 1997 a

2005. No território nacional, foram analisadas 508 jurisprudências de processos em fase

de sentença. Destes, 42,32% estão em andamento; 29,92% chegaram a julgamento, sendo

que 75,65% foram condenados e 24,32% absolvidos ou extinta a punibilidade pela

prescrição; 8,85% foram arquivados e ainda foram julgados 18,89% conflitos de

competência.

A pesquisa concluída há uma década analisou 77 casos em fase de sentença, ou

seja, aproximadamente sete vezes menos do que o número de pleitos analisados nos

últimos oito anos. Na atual pesquisa, constatou-se que foram julgadas 29,92% das

demandas, havendo condenação em 75,65% dos casos; anteriormente, 11,24% dos casos

chegaram a julgamento e destes, apenas em 0,88% houve condenação.

De acordo com a pesquisa atual, estão em andamento 42,32% dos processos,

enquanto a pesquisa anterior apresentou 17,45% dos casos em exame. Percebe-se,

juntamente com análises jurisprudenciais, o aumento percentual dos pleitos em

andamento. Comprova-se, assim, que o montante de processos de atos delituosos contra o

Sistema Financeiro Nacional vem crescendo a cada ano, mais precisamente, desde o final

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da década de noventa, o que faz concluir que a máquina do Judiciário está sendo mais

movimentada nos últimos anos no que diz respeito aos crimes financeiros.

Conclui-se, com a comparação das duas pesquisas, que o Judiciário, atualmente,

apresenta melhorias no que tange à seletividade de sua funcionalidade nos crimes

financeiros, principalmente na quantidade de processos em fase de sentença e de sentenças

condenatórias.

Porém, estudando-se os institutos penais e processuais da lei dos crimes do colarinho

branco, observa-se uma profunda precariedade técnica no texto legislativo. É sabido que os

atos ilícitos de maior intervenção econômica são produzidos através de uma série de ações

tidas como atividades empresariais e que, para sua execução, torna-se necessária a

interferência de muitos intermediários, os quais geralmente recebem ordens de agentes

situados à alta cúpula dos negócios de grandes organismos. Portanto, com a extensa

interpretação do conceito de instituição financeira atribuída no art. 1º da lei, levanta-se a

preocupação natural atribuída à aplicação da lei nos crimes econômicos, que sempre tende a

enquadrar como infratores os intermediários, deixando impunes os verdadeiros criminosos.

Em virtude dessas considerações, pode-se ao menos levantar a hipótese de que a lei dos

crimes contra o Sistema Financeiro Nacional sofreu o processo de seleção da criminalização

primária.

Ademais, alguns dos mecanismos não foram comparados, devido à dificuldade de

análise destes processos que correm em dever de sigilo e ainda no caso do mecanismo

demonstrado no Banco Central do Brasil, como a negociação com o infrator. Por se tratar de

ato ilícito cometido por agentes poderosos, torna-se impossível sua averiguação, pois estes

caem na porção mágica de invisibilidade das transações milionárias ilícitas.

Por fim, evidencia-se, na comparação dos dados atuais com os dados concluídos

na pesquisa realizada há uma década, que os órgãos de controle formal apresentaram

melhor funcionalidade e aplicabilidade nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

A conclusão é positiva em relação à maioria dos mecanismos de seleção secundária,

apontados por Ela Wiecko V. De Castilho, no Banco Central do Brasil, na Polícia, no

Ministério Público e no Judiciário.

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ANEXO