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Edição 14 – Dezembro de 2017
A RESPONSABILIDADE CIVIL POR INFECÇÃO HOSPITALAR
DURAN, Ricardo dos Santos 1
COSTA, Bruno Bottiglieri Freitas2
SANTOS, Gustavo Abrahão3
ZAGARINO JR, Sérgio4
RESUMO: O presente artigo tem como fito a pesquisa acerca da responsabilidade civil decorrente
da defeituosa prestação de serviços hospitalares na ocorrência de casos de infecção hospitalar.
Apontaremos estudos realizados, bem como a premente e irremediável necessidade de maior
atenção à problemática existente no Brasil, quanto ao tema epigrafado. Considerar-se-á, inclusive, o
considerável crescimento no número de ações de responsabilidade civil em face de instituições
hospitalares, tendo como supedâneo fático justamente esses incontáveis casos de infecção
hospitalar, fazendo com que nossos tribunais estejam ainda mais afogados em demandas judiciais.
Acompanhando o posicionamento de reconhecidos doutrinadores, menção da legislação atinente à
matéria versada e exigências do Ministério da Saúde, o desenvolvimento desse trabalho passa por
questões pertinentes ao tema, desde a caracterização da infecção hospitalar até a responsabilização
civil objetiva ou subjetiva, dependendo do acervo probatório apresentado a juízo.
Palavras-chave: Infecção hospitalar. Responsabilidade civil. Serviços hospitalares. Médicos.
Saúde.
1 INTRODUÇÃO
Relevante o estudo da responsabilidade civil, notadamente quando se trata da atividade
médico-hospitalar, porquanto referida atividade tem por objeto a saúde, direito fundamental
garantido pela Constituição pátria.
Destarte, Medicina e Direito convergem para assegurar à pessoa a proteção de sua
saúde.
Nessa marcha encontra-se a propositura deste trabalho, com o desiderato de examinar a
responsabilidade de médicos e hospitais nos casos de infecção hospitalar.
1 Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito da UNICEB - Universidade Santa Cecilia dos Bandeirantes, (1992).
Pós-graduado pela Universidade Católica de Santos, Mestrando pela Universidade Santa Cecília.
2 Advogado. Mestrando no Curso de Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa
Cecília, em Santos - São Paulo.
3 Advogado inscrito na OAB-SP, desde 2001. Professor de Direito da Faculdade do Guarujá - UNIESP, desde 2010.
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos. Pós graduado em Direito Empresarial pela Universidade
Católica de Santos. Pós Graduado em Ética, Valores e Cidadania na escola pela USP. Consultor de Imóveis inscrito no
CRECI-SP, desde 2004.
4 Mestrando no Curso de Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa Cecília, em
Santos - São Paulo, Especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP, Coordenador Presidente da
Comissão de Direito do Consumidor da 73° Subseção – Guarujá - OAB/SP, Membro do Grupo Nacional de Trabalho
sobre Relações de Consumo da AIDA-Brasil.
Por outro enfoque, significa entender que na execução de medidas de tratamento poder-
se-á sobrevir à cura para o paciente que procura o estabelecimento e, ao mesmo tempo, a entregar
de doença ainda mais grave.
A Saúde no Brasil, enquanto direito constitucional previsto no artigo 6º da Carta
Política, decerto é dever do Estado.
É vem verdade que o avanço tecnológico nos trouxe muitos benefícios na área da
saúde, de forma a aperfeiçoar o exercício desse direito. Todavia, ao lado do atendimento médico e
nosocomial de assistência, proteção e recuperação da saúde, dos medicamentos e dos equipamentos
de ponta, temos o insidioso problema das infecções contraídas pelos pacientes durante a internação.
2 DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS RELEVANTES
Rosane Teresinha Fontana (2006), estudando a evolução histórica das infecções, registra
como marco inicial a Idade Média, quando se iniciaram os primeiros questionamentos a cerca da
possibilidade de algo sólido pudesse transmitir doenças de um indivíduo a outro.
Francastorius, médico italiano de Verona, no seu livro De Contagione, descreve doenças
epidêmicas e faz referências ao contágio de doenças. Declara que as doenças surgiam
devido a microrganismos que podiam ser transmitidos de pessoa a pessoa, segundo
informações colhidas dos marinheiros que testemunhavam a propagação das doenças nas
expedições, na era Colombiana. (FONTANA, 2006)
Francastorius inaugurou as primeiras noções sobre o fenômeno da contaminação, o
médico naquela época escrevia que a transmissão de doenças estava intimamente ligada pelo
contato direito do corpo contaminado ou através de roupas e objetos.
a) por contato direto, pelo simples contato como na escabiose, tuberculose e hanseníase; b)
por contato indireto, pelos fômites como roupas e objetos e por transmissão a distância; c)
sem contato direto e sem fômites, como na peste e na varíola. Esse mesmo pesquisador
descreveu a sífilis desde a lesão inicial e o secundarismo até a fase terciária da doença.
Usava o guaiacol e o mercúrio como terapêutica para a doença. (FONTANA, 2006)
Fontana retrata a contribuição da imprensa no período do Renascimento (1300-1650)
para reflorescimento das ciências e das artes, que viabilizou a constante troca de informações
científicas através de publicações e ilustrações, tanto é verdade, que em 1603, na Europa, fundaram-
se as primeiras associações e criaram-se as primeiras revistas científicas e literárias.
As descobertas do holandês Anton Van Leeuwenhock também merecem destaque.
Dominando as técnicas das lentes de aumento no ramo têxtil, Leeuwenhock edificou o que
conhecemos como microscópio e, ao observar a saliva e as fezes, descobriu a existência de corpos
microscópicos os quais nomeou como “animálculos”.
Mesmo sem formação científica, descobriu em 1863 o microscópio e identificou, pelo uso
desse instrumento, os “espíritos do demônio”, futuramente chamados de bactérias, lançando
com isso as bases da bacteriologia (...) Através de restos de comida de seus dentes,
Leeuwenhock descobriu pequenos animais “mais numerosos do que a população dos
Países Baixos...” No século XVIII já se pensava em maneiras de se evitar a propagação das
doenças. Os doentes eram confinados em hospitais por diagnósticos, tais como hospital da
febre tifóide, hospital da varíola, sanatório para tuberculose e “casas de peste”.
(FONTANA, 2006)
O hospital nem sempre existiu na história, muito menos foi planificado como
instrumento reabilitativo desde seu início, até o século XVIII (Iluminismo) os hospitais eram
verdadeiras casas administradas pela Igreja de assistência aos pobres. Segundo Foucault, o hospital
que funcionava na Europa desde a Idade Média "não era, de modo algum, um meio de cura, não era
concebido para curar", era conhecido nominalmente como morredouro, (um lugar onde morrer).
(FOUCAULT, 1979, p. 59)
Continham péssimas condições de higiene, se tratavam de verdadeiros locais insalubres
e evidentemente desconfortáveis, onde pacientes dividiam as mesmas esteiras de palha, situação a
qual estimulava a disseminação de microrganismos.
As práticas medicinais foram surgindo gradativamente ao longo da história do homem e
com a evolução das civilizações. Destacamos John Hunter em 1794, militar e cirurgião escocês,
percursor do método empírico/experimental na medicina que contribuiu para os estudos do processo
inflamatório por ferimento de projétil de arma de fogo.
Ainda é de suma importância ressaltar as experiências de Edward Jenner, médico
britânico que descobriu a cura da Varíola dominando os primeiros conceitos das doenças
infecciosas:
Para isso escarificava, arranhava a pele sadia com pústulas de doente de varíola e
comparava. Ordenhadoras inglesas descobriram manchas em suas mãos e braços, causadas
por contato com as feridas das mamas das vacas portadoras da varíola bovina. Depois de
uma semana, constataram que as manchas se transformavam em pústulas e que, nessa fase,
elas experimentavam um mal estar passageiro. Perceberam, após, que as feridas
cicatrizavam e elas não desenvolviam mais as lesões. Estavam imunes. Jenner, após anos de
estudos e de descrédito da classe médica, pegou uma porção de pus de uma ordenhadora e
transferiu-a para as ranhuras da pele do braço de James Philipps, de 8 anos. Meses mais
tarde arranhou levemente o braço do menino e inoculou pus outra vez e, depois de um
período, assim novamente o fez. No local desenvolvia-se uma pústula seguida de crosta e
cicatriz até não ocorrer reação nenhuma, significando imunidade. Estava descoberta a
vacina contra a varíola. (FONTANA, 2006)
Assim, tais acontecimentos nos levam a perceber que a noção contemporânea de
infecção não foi fruto de uma única descoberta no tempo, mas sim, gradativamente sedimentado ao
longo da história através de contribuições, experiências e descobertas de inúmeros personagens.
3 CONCEITO
Nada obstante tratar-se de um conceito aberto, a Portaria do Ministério da Saúde nº
2.616 de 12 de maio de 1998, anexo II, item 1.2.1, define infecção hospitalar como a infecção
adquirida após a admissão do paciente na unidade hospitalar e que se manifesta durante a internação
ou após a alta quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares.
Ainda segundo o Ministério da Saúde, uma infecção pode ser considerada como
motivada pela cirurgia se manifestar-se até 30 dias após o fato. Em alguns casos (no implante de
próteses, por exemplo), a infecção hospitalar pode manifestar-se até um ano após a cirurgia.
(FONSECA, 2012)
Para fins de classificação epidemiológica, a infecção hospitalar é toda infecção
adquirida durante a internação hospitalar (desde que não incubada previamente à internação) ou
então relacionada a algum procedimento realizado no hospital (por exemplo, cirurgias), podendo
manifestar-se inclusive após a alta.
A Dra. Beatriz Souza Dias, médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo e Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, salienta que as infecções hospitalares são efeitos
adversos que podem estar relacionadas com a admissão do paciente no hospital. Elas foram
contextualizadas no universo hospitalar, porque, durante os últimos 40 anos, talvez um pouco mais,
o atendimento médico centralizou-se nessas instituições. (BRUNA, 2018)
Atualmente, o termo infecção hospitalar tem sido substituído por Infecção Relacionada à
Assistência à Saúde (IRAS). Essa mudança abrange não só a infecção adquirida no hospital, mas
também aquela relacionada a procedimentos feitos em ambulatório, durante cuidados domiciliares e
a à infecção ocupacional adquirida por profissionais da saúde (médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, entre outros). (ESTADO DO PARANÁ, 2017)
Entende-se na atualidade que o surgimento de uma infecção está adstrito principalmente em
fatores como a condição clínica do paciente, a virulência e inoculo dos micro-organismos e fatores
relacionados a hospitalização (procedimentos invasivos, condições do ambiente e atuação do
profissional de saúde).
4 INFECÇÃO HOSPITALAR E LEGISLAÇÃO PERTINENTE.
De plano, insta traçar um breve histórico sobre o controle de infecção hospitalar na
legislação pátria.
A primeira regulamentação do Ministério da Saúde foi a Portaria nº 196, a qual definiu
o conceito de infecção hospitalar e determinou a criação de Comissões de Controle de Infecção
Hospitalar, as CCIH, em todos os hospitais do território nacional. Através desse instrumento
normativo, também se indicou como deveria atuar essas Comissões, traçando o modo de operação e
os critérios a serem analisados pelas mesmas.
Essa portaria vigeu até a edição da Portaria nº 930, de 27 de agosto de 1992, a qual
manteve o mesmo objetivo de sua antecessora, traçar parâmetros a serem observados na aplicação
de medidas de controle da infecção hospitalar.
Na sequência, em 06 de janeiro de 1997, foi sancionada a Lei nº 9.431, ainda em vigor,
que dispôs sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de infecções
hospitalares pelos hospitais do País.
Para regulamentar essa lei, foi expedida nova Portaria, de nº 2.616/GM/MS, de 12 de
maio de 1998, que ampliou as competências das CCIH e das comissões de execução, denominadas
Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH), criadas pela Portaria anterior. A Portaria nº
2.616, do Ministério da Saúde, entre outras disposições, determinou o conteúdo do Programa de
Controle de Infecções Hospitalares e especifica a natureza da Comissão de Controle de Infecção
Hospitalar. Assim, pois, tem a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, de cada empresa
prestadora de serviços em saúde, função de consultoria e de execução, sendo que a referida portaria
prevê inclusive a sua constituição, com membros consultores e executores.
A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar deve divulgar os resultados de suas
atividades na comunidade hospitalar, bem como comunicá-los aos órgãos públicos competentes,
tarefas estas determinadas pela Portaria nº 2.616. Só assim, cumprindo esta determinação, entre
outras, é que a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar estará agindo no sentido de poder ter a
possibilidade de ser considerada a instituição hospitalar, quando sob análise judicial, como
adimplente nas suas obrigações na prevenção de infecções hospitalares.
Posteriormente, em 02 de junho de 2000, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), titular do Programa Nacional de Controle de Infecção Hospitalar (PNCIH) desde 1999,
baixou a Resolução Anvisa RDC 48, que consiste em um roteiro de inspeção do programa de
controle de infecção hospitalar.
Em 2004, com o intuito de oferecer aos hospitais e gestores de saúde uma ferramenta
para o aprimoramento das ações de prevenção e controle das infecções relacionadas à assistência à
saúde, a Anvisa lançou o Sistema Nacional de Informação para o Controle de Infecções em
Serviços de Saúde (SINAIS).
Esse sistema que funciona com a entrada de dados e a emissão de relatórios em uma
rotina de trabalho, acompanhando as atividades já desenvolvidas pelas CCIH, permite o
monitoramento da qualidade da assistência dos serviços de saúde no Brasil.
A análise dos indicadores, obtidos de forma rápida e eficiente, permitirá a compreensão
abrangente, ao mesmo tempo detalhada, do comportamento dessas infecções e do impacto das
medidas de controle adotadas.
Assim, pois, na exegese da legislação específica apresentada há possibilidade, uma vez
caracterizada a infração sanitária, de ser responsabilizada civilmente a pessoa jurídica da entidade
hospitalar por dano ao paciente em decorrência de infecção contraída em hospital, face à aplicação
dos preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor.
Poderá ser o hospital ou mesmo o médico, civilmente responsáveis pela reparação por
danos materiais e morais sofridos por pacientes que, por infecção hospitalar, tenham sofrido lesão à
sua saúde, e mesmo será possível ter que indenizar, por estes mesmos danos materiais e morais, os
familiares de pessoa que, por infecção hospitalar contraída durante internação, vier a falecer.
O quadro ficará mais claro em seguida, com os conceitos jurídicos da responsabilidade
civil, à luz dos quais se pode afirmar o seguinte: o legislador e a autoridade de saúde têm
consciência de que a infecção hospitalar não pode ser erradicada; o que o Direito exige é a redução
máxima possível da incidência e da gravidade. A isso contribui a reação jurídica da própria vítima,
mediante a ação de indenização de dano, no campo da responsabilidade civil.
5 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
HOSPITALARES
Rui Stoco destaca que a noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem
da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que
existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio
social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder
por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se,
pois, como algo inarredável da natureza humana. (STOCO, 2007, p. 114)
A obrigação, no plano jurídico, além de atender a um interesse do credor, traz em si
uma finalidade social, pois a sociedade não quer ver a repetição de certos fatos. De modo geral, a
obrigação – materializada numa prestação debitória – pode decorrer do não cumprimento de um
contrato, como, também, de um ato ilícito, contrário ao direito. Sempre que alguém age como não
deveria ter agido, pode ser responsabilizado e coagido a indenizar o dano que sua conduta tenha
causado.
Para Fábio Ulhoa Coelho a responsabilidade civil é “a obrigação em que o sujeito ativo
pode exigir o pagamento de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último.
Constitui-se o vínculo obrigacional em decorrência de ato do devedor ou de fato jurídico que o
envolva”, em outras palavras, tem responsabilidade civil de indenizar quem causa dano a outrem,
seja por não honrar um contrato, seja por ter praticado um ato contrário ao direito. (COELHO,
2004, p. 254)
A regra geral é que só indeniza quem age com culpa. Foi negligente, quando se exigia
que fosse cuidadoso; foi imperito, quando se lhe exigia habilidade; foi imprudente, quando deveria
ter sido cauteloso. Se a pessoa agiu conscientemente, sabendo do risco, mas sem nada fazer para
evitar o dano, a sua culpa é mais grave, e se o fez calcado na intenção de lucro, maior ainda será a
reprimenda. De qualquer modo, se a reparação não for espontânea, a sanção também não é
automática.
Depende de um procedimento judicial, em que incumbe à vítima provar, perante o fato:
a culpa do devedor, o dano patrimonial ou extrapatrimonial ao credor e a relação de causalidade
entre a conduta culposa do devedor e esse dano ao credor. Para o desiderato deste trabalho, é
imperativo que se explique em mais detalhes os conceitos de responsabilidade subjetiva e
responsabilidade objetiva, e então se alcance a responsabilidade civil para efeito de reparação pelos
danos advindos em razão de infecção hospitalar.
A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa
como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.
Então, é subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. Neste ponto, a prova de
culpa passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Contudo, a lei impõe a certas pessoas,
em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isso acontece,
diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas
com o dano e o nexo de causalidade. (GONÇALVES, 2008)
Como já mencionado, responsabilidade objetiva é aquela que obriga o causador do dano
a indenizar, independendo da análise da culpa, desde que configurados os casos previstos em lei
específica ou que a atividade desenvolvida normalmente pelo autor do dano implique risco para
alguém.
O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil consagra a responsabilidade objetiva
ao determinar que: se o serviço for prestado sem que haja defeito algum na atuação do hospital, este
não pode ser obrigado a indenizar o paciente tendo em vista que não se podem evitar todas as
infecções.
Não existe na literatura médica hospital com “zero” de infecção, ou seja, sem infecção
hospitalar. Impossibilidade que é confirmada por estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (IDEC), que deu origem ao relatório sobre o Controle de Infecção
Hospitalar no Brasil e os Consumidores:
Embora não exista uma taxa zero de infecção, pois existem aquelas que dependem muito do
estado do paciente, estudos indicam que um programa de controle de infecção hospitalar
bem conduzido reduz em 30% a taxa de infecção do serviço (IDEC, 2006)
O §1º, do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que o serviço será
defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, devendo ser
considerada três circunstâncias relevantes: (1) o modo de fornecimento o serviço; (2) o resultado e
os riscos que razoavelmente dele se esperam e (3) a época em que foi fornecido.
A combinação desse texto legal com o §3º do mesmo artigo, aponta para o fato de que o
fornecedor não deverá sofrer a responsabilização quando inexistente o defeito no serviço.
Ou seja, uma vez que o hospital comprovar devidamente que seguiu à risca as
exigências sanitárias da Lei nº 9.431/97 e, principalmente, a Portaria do Ministério da Saúde de nº
2.626/98, logrando êxito no controle de infecção hospitalar e obtendo redução dos índices de
infecção no estabelecimento, por certo inexistente o defeito no serviço e, por via de consequência,
deverá ser afastada a responsabilidade do fornecedor ou, na hipótese pior, uma sensível redução no
quantum indenizatório do paciente.
Outra hipótese de exclusão da responsabilidade é apresentada no inciso II, do artigo 14,
do Código de Defesa do Consumidor, a saber, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Há
casos de infecção hospitalar que podem ser imputados exclusivamente ao paciente ou a terceiro,
como por exemplo, a infecção hospitalar adquirida em outro nosocômio. (GRINOVER,
BENJAMIN, et al., 2007)
Portanto, o hospital não será responsabilizado se conseguir provar que após prestar o
serviço, como uma cirurgia, por exemplo, não existisse a infecção. Do mesmo modo, o hospital é
eximido da responsabilidade se a infecção não teve causa ali, ou ainda, se a culpa do dano for
exclusiva de terceiro ou do próprio paciente.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na apelação cível nº
70006260152, também já afastou a responsabilidade do nosocômio, diante da inexistência de nexo
de causalidade entre a septicemia e a morte do paciente, pois entendeu que a infecção hospitalar que
fundamenta o dever de indenizar é aquela previsível, decorrente da falta de condições necessárias
para um tratamento adequado.
As excludentes de responsabilidade certamente beneficiam as instituições de saúde,
contudo, pode-se dizer que visam evitar a inviabilidade da prática médica, de forma que toda e
qualquer infecção venha a ser seja passível de indenização, mesmo quando o hospital tomou todos
os cuidados e medidas necessárias à incolumidade do paciente mediante a atuação do Programa de
Controle de Infecção Hospitalar (PCIH).
Nas ações civis que envolvem a reparação civil decorrente de infecção hospitalar, é
comum – na fase instrutória – trazer à discussão o grau de eficiência da Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar – CCIH como parâmetro indicativo na fixação da responsabilidade civil dos
hospitais e casas de saúde. Cabe ao hospital demonstrar que utiliza as corretas condutas no que
tange ao controle da infecção hospitalar em suas dependências, caracterizando a inversão do ônus
de provar.
Outrossim, nos casos de infecção endógena, por exemplo, compete ao hospital provar
que esta foi a causa da infecção hospitalar.
De verdade, as instituições hospitalares não devem ser responsabilizadas sem causa.
Compreensível no raciocínio jurídico que venham a responder sem culpa e dentro de determinadas
condições, mas jamais, repita-se, responder sem causa.
Nesses moldes, uma vez comprovada a realização de todos os procedimentos e
providências cabíveis para afastar a infecção hospitalar, eventual infecção contraída pelo paciente
não pode gerar, de forma automática o dever de indenizar.
6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS
A responsabilidade civil do profissional da Medicina é subjetiva, uma vez que deriva da
culpa. Ocorrendo um dano ao paciente, há que se auferir a existência do nexo de causalidade, ou
seja, é necessário que se estabeleça uma ligação direta entre a ação ou omissão do médico mediante
culpa e o evento danoso.
Sobre culpa, França comenta:
A teoria subjetiva tem na culpa seu fundamento basilar. No âmbito das questões civis, a
expressão culpa tem sentido muito amplo. Vai desde a culpa stricto sensu ao dolo. É o
elemento do ato ilícito, em torno do qual a ação ou omissão levam à existência de um dano.
Não é sinônimo, portanto, de dano. É claro que só existirá culpa se dela resultar um
prejuízo. Todavia, esta teoria não responsabiliza a pessoa que se portou de maneira
irrepreensível, distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano.
(FRANÇA, 2013)
Na responsabilidade subjetiva recai a incumbência ao lesado de provar que o agente de
fato fora o causador do dano.
Nesse passo, para a responsabilização desse agente, imperioso a existência de três
elementos: a culpa, caracterizada pela violação de um dever, por ação ou omissão voluntária do
agente; o nexo de causalidade que estabelece a ligação entre o ato imediatamente anterior ao evento
danoso e o dano; e por fim comprovação que de fato existiu dano, pois sem este não há que se falar
em responsabilidade civil.
A essência da culpa está na previsibilidade: se o resultado desfavorável era previsível e
não foi evitado, há culpa. Na relação de consumo estabelecida entre médico e paciente aquele só
responde quando incorrer em culpa, como prevê o Código de Defesa do Consumidor no artigo 14,
em seu parágrafo 4º.
A responsabilidade civil de médicos e hospitais nos casos de infecção hospitalar segue o
seguinte raciocínio – se o médico for o causador da infecção hospitalar tem-se que primeiro provar
a sua culpa por imperícia, imprudência ou negligência, para depois se responsabilizar,
objetivamente, o hospital pelo dano causado ao paciente.
Sempre haverá culpa, quando o médico der causa ao resultado lesivo por imprudência,
negligência ou imperícia.
A imprudência se caracteriza pela prática de atos de risco não justificados, sem a cautela
necessária. A negligência é um ato omissivo, quando o médico deixa de observar regra profissional
já bem estabelecida e reconhecida pelos colegas da especialidade. E a imperícia é o despreparo, a
prática de determinados atos sem os conhecimentos técnico-científicos necessários para realizá-los,
consoante o magistério de Damásio de Jesus. (JESUS, 1999)
Da culpa na atuação do médico advém o dever de reparar o dano, como aduz o artigo
186 ao estabelecer que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e o artigo
951 ao dispor que o disposto nos artigos 948, 949 e 950, aplica-se ainda no caso de indenização
devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou
imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o
trabalho.
Não tendo o médico agido com qualquer das modalidades de culpa, tendo instituído o
tratamento adequado, havendo executado cirurgias corretamente diagnosticadas, dentro da técnica
recomendada cientificamente, a responsabilidade por qualquer infecção hospitalar, que porventura
advenha, não lhe pode ser imputada. Não se verifica se há culpa na atuação do médico por
presunções. A culpa do médico, com uma infecção hospitalar decorrendo de sua conduta terapêutica
inadequada, deve ficar provada.
Caso o resultado desfavorável não era possível de ser previsto, incide-se nas
excludentes de culpabilidade e são elas o caso fortuito e o de força maior, previstas no artigo 393 §
único do CC. Assim, o médico não deverá ser responsabilizado.
Denomina-se caso fortuito aquele estranho à vontade do homem, imprevisível,
inevitável, e o de força maior aquele absolutamente necessário, que cause algum dano, porém se
não tivesse sido praticado, daria lugar a dano maior ainda.
Stoco nos ensina que na relação médico-paciente é estabelecido um contrato quando há
o acordo para a prestação de serviços, mesmo que de forma tácita, ou seja, quando não firmado em
documento. Essa relação também poderá ser extracontratual quando não houver acordo anterior,
como, por exemplo, quando o paciente procura um hospital ou Pronto-Socorro e é atendido pelo
médico de plantão ou no caso de socorro a um acidentado na via pública. Em razão dessa relação,
contratual ou extracontratual, criam-se obrigações; as obrigações do médico são de informação,
cuidados terapêuticos e de abstenção de abuso ou desvio de poder. Juridicamente, as obrigações dos
médicos são de dois tipos: obrigações de meios e obrigações de resultados. (STOCO, 2007)
Nas obrigações de meios, o profissional deverá colocar à disposição do paciente todos
os seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção do melhor resultado possível. Se o
resultado esperado não for alcançado, inexistindo negligência, imprudência ou imperícia, não se
poderá dizer que houve descumprimento do contrato.
Na obrigação de resultados, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido
é alcançado, e se este não é obtido, independente de culpa ou não, haverá ruptura do contrato
cabendo reparação do dano.
No caso dos médicos que apenas integram o quadro clínico de um estabelecimento de
saúde, mas não são empregados deste, existem duas situações a serem consideradas: se o paciente
procurou o nosocômio, tendo nele sido atendido por um integrante do corpo clínico, ainda que não
empregado, respondem médico e hospital solidariamente; essa é a situação do anestesiologista que
integra a equipe exclusiva de determinado hospital. Já se o doente procura um médico e este o
encaminha ao hospital para tratamento, responde com exclusividade por seus erros, afastada a
responsabilidade do estabelecimento.
Nos hospitais públicos, havendo dolo ou culpa por parte do médico, a responsabilidade
será do Estado, com fundamento no artigo 37, §6º, da Constituição Federal e poderá o ente público
demandar, posteriormente, ressarcimento ao seu empregado; é o que se chama direito de regresso.
Em suma, é indenizável aquilo que o paciente inesperadamente despendeu em razão do
ato médico para seu tratamento e recuperação (dano emergente), o quanto deixou de lucrar no seu
trabalho durante a convalescença (lucro cessante) e o dano moral.
Diante desse quadro, só será imputável alguma responsabilidade ao médico, se restar
comprovada a sua culpa, ficando neste caso obrigado a reparar os danos causados ao paciente. Por
outro lado, demonstrando que fez uso de todas as técnicas e tecnologias disponíveis para assegurar
o melhor resultado possível, a responsabilidade não lhe será imputada.
CONCLUSÃO
A infecção hospitalar indubitavelmente é um grave problema de saúde pública e
representa um grande desafio a ser enfrentado pelo Estado na execução de ações de prevenção e
controle de infecção nas instituições hospitalares. A realidade ainda s entremostra deficiente sob
aspectos relativos às questões sanitárias legais e normativas, e, sobretudo, no tocante a inexistência
de Comissões e de Programas de Controle de Infecção Hospitalar para a aplicação das medidas de
prevenção e controle desses eventos.
Há que se promoverem programas de capacitação e conscientização contínua de
agentes, trabalhadores e usuários, articulados em harmonia com os gestores dos serviços. Vital,
portanto, a institucionalização dessa temática nas unidades de formação de profissionais de saúde
no Brasil, permitindo que os mesmos possam atuar com absoluto respaldo científico.
Ressabido que essa conduta implica dizer que iniciativas políticas devem ser instigadas,
por profissionais de saúde e a sociedade como um todo, visando o benefício comum. Com efeito, as
questões que envolvem a temática infecção hospitalar reclamam também mudanças incisivas de
ordem governamental, tal qual uma política de controle de infecção que tenha maior efetividade, e
vá além do estabelecimento de mecanismos legais e normativos para a sua regulação.
Necessário o envolvimento direto da população usuária dos serviços, tornando-a
partícipe no processo. Crível apresenta-nos que não basta o investimento em tecnologia de ponta,
quando se desconsidera a importância do investimento no potencial humano, como elemento
fundamental para o desenvolvimento de práticas de controle de infecção.
Portanto, impende-se uma reflexão acerca de novas estratégias que possam colaborar
para a mudança evolutiva do sistema, ampliando-se, por exemplo, os investimentos em cursos de
graduação, em pesquisas, seminários e atualizações, que tratem especificamente do controle de
infecções, o que certamente irá a minimizar o sofrimento de pacientes e seus familiares, trazendo
repercussão benéfica para todo contexto social.
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