a responsabilidade civil do estado por erro … · auscultada não a perícia de técnicos, mas a...

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Fernanda Junqueira Rego da Silva A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação em Direito Público e Tributário Universidade Cândido Mendes, Instituto A Vez do Mestre, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito. Rio de Janeiro 2010

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Fernanda Junqueira Rego da Silva

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO

Monografia apresentada ao Curso de Pós

Graduação em Direito Público e Tributário

Universidade Cândido Mendes, Instituto A

Vez do Mestre, como requisito parcial para a

obtenção do título de Especialista em Direito.

Rio de Janeiro 2010

8

Fernanda Junqueira Rego da Silva

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO

Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes, submetida à aprovação da Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Data da Defesa: _____________ ________________________________________ Nome do Orientador Nota da Defesa: ________________________________________ Nome do 2º membro da banca _____________ _________________________________________ Nome do 3º membro da banca

Rio de Janeiro 2010

9

RESUMO

Nos dias atuais tem crescido a procura ao Judiciário, no intuito de ver reparados os

danos causados pela ação de pessoas físicas ou jurídicas. Esses danos muitas vezes têm dupla

característica, uma de cunho material – determinada pela natureza concreta do prejuízo e

outra de ordem moral – representado pela agressão ao sentimento da pessoa que o sofreu. Em

nosso País, ao contrário do que ocorre em países cujo Direito Civil e a própria

Responsabilidade Civil evoluíram para patamares mais altos, especialmente pela incorporação

da justiça social em seus conceitos intrínsecos, a indenização decorrente do dano moral

porventura causado a alguém, tem sido fixada dentro do seguinte parâmetro orientador de

seus valores: nem tão insignificante que não importe sacrifício econômico para o causador

do dano, ou tão elevada que resulte em enriquecimento da vítima. É muito cômodo para as

classes economicamente preponderantes a defesa e a prevalência de posição que refuta a

existência do dano moral ou a sua limitação pela condição econômica da vítima, pois assim,

como a quase totalidade dos danos indenizáveis possuem ambos os aspectos, elas classes

abastadas estariam salvaguardadas, porque a diminuição de seu patrimônio seria ressarcida,

mas já a grande massa de alienados do capital, sem possuir mais que o “mero” valor de

criaturas humanas, não receberia nada em compensação à dor causada por atitude idêntica

àquela sofrida pelo indivíduo abastado, alienando-a, dessa forma, também, da possibilidade de

receber justiça. Se a dor física é a mesma para duas pessoas de classes econômicas diferentes,

não pode ser dado tratamento diferenciado à dor moral, inclusive porque sendo difícil ou

impossível sua mensuração, talvez até seja maior a dor do pobre que a do rico, porquanto

possa ser, o primeiro, portador de valores morais mais elevados. Portanto, definitivamente dor

moral não pode ter correspondência com situação financeira do ofendido, pois o patrimônio

moral, diversamente do material, não se encontra concentrado na mão da classe

10

economicamente dominante, mas ao contrário, pode estar guardado nos recônditos da alma de

seres que, ainda materialmente maltrapilhos, possuem verdadeiros tesouros de caráter. Que

não se confunda a indenização por dano material com aquela destinada à reparação do dano

moral. A primeira é mensurável, podendo ser medida com exatidão, a segunda requer para ser

auscultada não a perícia de técnicos, mas a experiência com os rigores da vida, pois a medida

da dor só possui que já a experimentou. O dano moral ainda exige um estudo mais acurado,

principalmente porque certas questões pertinentes ao instituto ainda não se encontram

devidamente pacificadas, como é o caso da caracterização do dano ao seu quantum

indenizatório. É evidente que nunca atingiremos a perfeita equivalência entre a lesão e a

indenização, por mais apurada e justa que seja a avaliação do magistrado, não importando

também que existam ou não artigos de lei apontando parâmetros. Em cada caso, deve ser

aferido o conceito de razoabilidade. Sempre que possível, o critério do juiz para estabelecer o

quantum debeatur deverá basear-se em critérios objetivos, evitando valores aleatórios. A

criação de parâmetros já vem sendo admitida no País, exercendo a jurisprudência, neste

campo, importante papel de fonte formal do direito.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano moral. Quantum indenizatório.

11

LISTA DE ABREVIATURAS

CC – Código Civil

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CF – Constituição Federal

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal de Federal

12

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13

2. RESPONSABILIDADE CIVIL 16

2.1 Considerações gerais 16

2.2 Conceito

2.3 Evolução histórica 18

2.4 Mecanismos da responsabilidade 22

2.5 Responsabilidade jurídica e moral 22

2.6 Responsabilidade civil e penal 23

2.7 Responsabilidade civil do Estado 24

2.8 Fundamentos da responsabilidade civil 25

3. O ELEMENTO DANO 28

3.1 Considerações gerais 28

3.2 Conceito 29

3.3 Dano moral e dano material 32

3.4 Natureza jurídica e formas de reparação do dano 33

3.5 Responsabilidade e dano 34

4. RESPONSABILIDADE POR ERRO JUDICIÁRIO 35

4.1 Conceito

4.2 A responsabilidade do Estado pelo dano causado pelo Judiciário 35

4.3 Reparação 36

5. CONCLUSÃO 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44

13

1. INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico pátrio há controvérsia doutrinária e jurisprudencial na

fixação do quantum indenizatório para ressarcimento dos danos morais decorrentes da

responsabilidade civil, posto não haver dispositivos legais específicos, sendo inviável o

critério para reparação dos danos materiais, diante da inexistência de prejuízos que possam ser

objetivamente calculados com base no valor pecuniário do bem atingido.

No entanto, fundamental é que o Juiz de forma clara defina, se a indenização é fixada

como ressarcimento ou punição. Se a função da reparação civil for entendida como

ressarcimento ou compensação, deverá estabelecer critérios objetivos, ainda que de forma

aproximada, para fixar o quantum indenizatório, o que consiste em avaliar de forma não

emocional, isenta e criteriosa as circunstâncias do fato, o grau da culpa, a duração do

sofrimento, as partes psicológicas atingidas, as condições do ofensor e do ofendido e a

dimensão da ofensa.

Na avaliação das circunstâncias do fato, deve o Juiz efetuar criteriosamente uma

profunda análise de todos os elementos probatórios constantes dos autos, evidentemente

valorizando as provas representadas pelos laudos periciais e por outros documentos,

sopesando de acordo com seu livre convencimento as demais provas, inclusive as

testemunhais, para que possa proceder a uma avaliação das reais circunstâncias em que

ocorreu o(s) fato(s) que representam o caso concreto posto à baila.

Avaliando o grau de culpa, deve o Juiz deter-se na verificação dos elementos

objetivos dos fatos ocorridos, procurando a priori estabelecer uma classificação, o mais

possível despida de qualquer critério subjetivo, para que seja estabelecida a classificação que

lhe servirá de parâmetro orientador quando prolatar o decisum, sendo de suma importância

que estabelecendo o grau em que ocorreu a culpa, também seja analisada a intensidade do

14

dano que em decorrência foi provocado. Se a culpa foi classificada como leve (simples) ou

grave. A classificação leve por certo terá que ser levada em consideração para que o quantum

indenizatório com maior razão não venha ultrapassar ou até mesmo desprezar os critérios e

princípios objetivos e subjetivos da eqüidade quando de sua fixação. Se porém, o grau de

culpa for grave; por certo o seu potencial ofensivo terá repercutido com maior intensidade no

ofendido, ocasionado-lhe danos de maiores montas. A duração do sofrimento a que ficou

exposto o ofendido, deve ser analisada em conjunto com o grau de culpa, devendo ser mais ou

menos valorizado na fixação do quantum indenizatório quanto menor ou maior tiver

permanecido, ou houver que permanecer, pois, há casos em que o sofrimento do ofendido

prolonga-se no tempo, como pode acontecer com o ofendido vítima do erro judiciário que

tenha tido sua liberdade de ir e vir violada com o encarceramento, ainda que posteriormente, o

erro judiciário venha ser reconhecido e, em conseqüência recupere a liberdade, a lembrança

dos tempos de cárcere, a humilhação e o sofrimento, sempre o acompanharão como uma

sombra em sua memória afetiva, fazendo com que as partes psicológicas atingidas,

apresentem sempre um sentimento de dor, tristeza, e angústia, com comportamentos que

podem variar de momentos de alegria, para momentos em que se mergulha em atitudes de

isolamento, não sociabilidade e taciturnidade com abalos emocionais e psicológicos que

permanecem na intimidade subjetiva do ofendido durante toda a vida.

É de fundamental importância que o juiz detenha-se profundamente na análise das

condições psicológicas do ofendido, devendo valer-se para tanto, dos experts que julgar

necessários, para a elaboração dos laudos periciais técnicos que possam lhe conferir elevado

grau de certeza e eqüidade na prolação do decisum de acordo com seu livre convencimento.

Se no entanto, o Juiz entender que a reparação deva ser fixada como punição, as

regras e os critérios para a fixação do quantum indenizatório, invertem-se completamente, não

havendo limites para o estabelecimento do valor. Pelo protesto de um título de cem reais,

15

poderá ser fixado um valor de dez milhões de reais, tudo obviamente, levando-se em conta o

grau da potencialidade econômica do ofensor, sendo irrelevante, neste aspecto ser analisado o

do ofendido, uma vez que o critério adotado foi o da punição.

No entanto, no intuito principal de evitar abusos ocorridos na Jurisprudência do País,

há Projeto de Lei em Tramitação (Projeto de Lei do Senado n. 150/1999) que pretende limitar

os valores indenizatórios por dano moral, dentro de determinadas faixas. O juiz fixará de

acordo com a ofensa. Para ofensa leve, até vinte mil reais; média, de vinte mil a noventa mil

reais; e grave, de noventa mil a cento e oitenta mil reais. Não é a melhor solução, mas se

convertido em lei, ao menos haverá que se permitir válvula ao julgador para que majore a

indenização quando o valor máximo não atender as suas finalidades.

O presente estudo pretende, portanto, contribuir definitivamente para a

sistematização das diretrizes que devem ser observadas na aplicação do dano moral,

disciplinando a matéria de fato, para garantir ao cidadão o exercício efetivo dos direitos

previstos na Constituição Federal.

16

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 Considerações gerais

Para analisarmos a questão do dano, considerando suas causas e efeitos, se faz

necessário, preliminarmente, compreendermos o conceito de responsabilidade, visto que o

primeiro é decorrente do segundo.

Segundo Stoco, “não há, segundo a doutrina, responsabilidade sem prejuízo e, o

prejuízo causado pelo agente é o dano1”.

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade e

vários são os planos em que se desenvolve esta atividade; se, todavia, tomarmos uma visão de

conjunto reduziremos a dois aspectos básicos: o jurídico e o moral 2.

Pode-se então dizer que a responsabilidade decorre tanto por meio de uma violação a

uma cláusula pactuada entre as partes, como através de conceitos morais, muitas vezes de

ordem subjetiva, mas também, pré-determinado em nossos Códigos Civil e Penal.

Em sentido geral, a palavra Responsabilidade exprime a obrigação de responder por

alguma coisa. “Significa, desta forma, uma imposição de satisfazer ou executar ato jurídico

compactuado ou a obrigação de satisfazer determinada prestação, ou, ainda, de cumprir o fato

imputado à pessoa por determinação legal3” .

A palavra “responsabilidade”, segundo o vocabulário jurídico origina-se do vocábulo

responsável, do verbo responder, do latim respondere, que tem o significado de

responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do

ato que praticou. O termo “civil” refere-se ao cidadão, assim considerado nas suas relações

1 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, 1997 p. 36. 2 DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil, 1997 p. 128. 3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 1993, p. 730.

17

com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir e obrigações a

cumprir.

Diante da etimologia das duas palavras acima, bem como das tendências atuais a

respeito da responsabilidade civil, vejamos a conceituação da Professora Maria Helena Diniz

para o assunto:

“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.4”.

Portanto, verifica-se a existência de requisitos essenciais para a apuração da

responsabilidade civil, como a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente causador do dano e

o nexo de causalidade existente entre ato praticado e o prejuízo dele decorrente.

A Responsabilidade Civil como categoria jurídica que é, tem por escopo a análise da

obrigação de alguém reparar o dano que causou à outrem, com fundamento em normas de

Direito Civil. Os alicerces jurídicos em que se sustenta a responsabilidade civil, para efeito de

determinar a reparação do dano injustamente causado, são oriundos da velha máxima romana

neminem laedere.

O uso da expressão responsabilidade civil ganhou o mundo, não só porque a

diferencia da responsabilidade criminal, mas também em razão de ser apurada no juízo cível.

É, portanto, na esfera do Direito Civil, que se indaga, tramita, litiga e decide para que se exija

a reparação civil, que vem a ser a sanção imposta ao agente ou responsável pelo dano.

Em nosso ordenamento jurídico, diversos são os artigos que tratam da matéria, mas

certamente todos derivam do art. 186 do Código Civil, que estabelece “aquele que, por ação

ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e art. 927, “aquele que, por ato ilícito

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 1993, p. 132.

18

(arts. 186 e 187), causar dano à outrem, fica obrigado a repará-lo”. Deste preceito, decorrem

todas as obrigações de reparar o dano.

Apesar de extensivamente tratado em várias obras por diversos juristas, tanto no

Brasil como em outros países, é um assunto que ainda desperta a atenção e o interesse das

pessoas ligadas ao direito, por sua relevância no atual quadro social, pela constante evolução

que esse tema vem sofrendo, tanto em quantidade como em qualidade e do elevado número de

demandas no poder judiciário referente à matéria.

2.2 Conceito

A vida em sociedade exige algumas regras para viabilizar a convivência pacífica,

evitar o caos e possibilitar usufruir as vantagens da mesma. Uma dessas regras que a vida em

sociedade exige é aquela, segundo Rodrigues5, que “impõe a quem causa o dano a outrem, o

dever de o reparar”, o qual deriva do princípio geral de direito neminem laedere,

fundamentando a teoria da responsabilidade, sendo encontrado no ordenamento jurídico de

vários países e no brasileiro no artigo 186 do Código Civil.

A exata definição da responsabilidade é controverso na doutrina, de acordo com

Silveira6, citando a definição de Josserand em que deve ser considerado “responsável aquele

que em definitivo suporta um dano”, como uma das definições mais aceitas.

Já Rodrigues7 cita Savatier, o qual define a responsabilidade civil “como a obrigação

que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou fato

de pessoas, ou coisas que dela dependam”.

5 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, 1975 p. 178. 6 SILVEIRA, Ronaldo Andrade da. Responsabilidade civil do médico, 1991 p. 47. 7 RODRIGUES, op. cit p. 193.

19

O artigo 186 do Código Civil permite a identificação de alguns pressupostos da

responsabilidade civil: a ação ou omissão do agente; o nexo causal; o dano; a culpa lato sensu

(dolo e culpa stricto sensu), sendo o último objeto de inúmeras considerações teóricas e

práticas, tornando-se assim importante instrumento no aprimoramento do instituto.

Ainda dentro desse quadro cabe diferenciar a responsabilidade civil da responsabilidade

penal. Nesta tem-se o crime, que é a infração pelo agente de uma norma de direito público,

que atinge a sociedade como um todo, que leva o ordenamento a reagir através da pena, sendo

neste caso indiferente se houve ou não prejuízo à vítima. Naquela o relevante é se aconteceu

ou não o dano à vítima, logo é um interesse particular lesado (não público), devendo tal

prejuízo ser indenizado, se for interesse da vítima.

Há ainda outra classificação que divide a responsabilidade civil em responsabilidade

contratual e extracontratual. A primeira refere-se a um vínculo jurídico pré-existente entre as

partes envolvidas que geraria a obrigação de indenizar, já na segunda não há nenhum vínculo

jurídico entre as partes, embora também haja a obrigação de indenizar. Conforme alguns

autores, apesar das obrigações de indenizar serem as mesmas em ambas as espécies, elas se

diferenciam “notadamente, quanto ao fundamento, à razão de ser e ao ônus da prova”, como

sugere Gomes8. Outros entendem que ambas as responsabilidades têm a mesma natureza e

não deveriam ser tratadas separadamente. Rodrigues9 entende que há motivos de ordem

didática e prática para tal distinção.

2.3 Evolução histórica

A Humanidade, em seus primórdios, não tinha a noção de responsabilidade: estava

sob a égide da noção de vingança, ou seja, a reparação do mal pelo mal. Quando um dano era

provocado, surgia uma reação pronta, violenta e irracional, de forma desmedida, não se

8 GOMES, Orlando. Obrigações, 1988 p. 58. 9 RODRIGUES, op. cit. p. 194.

20

levando em conta as proporções do dano. Segundo Silveira10, que cita Alvino Lima, essa

reação, apesar de primitiva, era humana e comum a todos os povos em suas origens. A

vingança, inicialmente coletiva, foi substituída pela individual devido aos inconvenientes das

constantes guerras que geravam, segundo Bittar11.

Numa fase posterior a reação, não podendo ser pronta, passou a ser mediata, com a

devolução da injúria, isto é, a vítima do dano produzia dano semelhante ao seu causador,

através de intervenção da autoridade: é a pena de Talião.

Desta forma a questão do dano e de sua reparação foi trazida à esfera do direito,

conforme ensina Bittar12.

Mais tarde surge, procurando substituir a noção de vingança, porém não a

eliminando por completo, a idéia de composição de cunho econômico, na qual a vítima

compensa a injúria através de vantagens, especialmente econômicas, advindas do ofensor,

mais especificamente de seu patrimônio, regra essa presente na “Lei das XII Tábuas”.

Quando o “Estado” adquiriu maior força e autoridade para intervir na vida privada, retirou da

vítima a autotutela para buscar a reparação do dano. A composição econômica passou a ser

regra, consolidada através da Lex Aquilia de damno. Através da responsabilidade patrimonial

pelo dano e pelo trabalho dos pretores, o instituto foi se aperfeiçoando até chegar a um esboço

da noção de culpa como fundamento e fixando-se a idéia de nexo causal para o implemento

da responsabilidade em concreto.

Na Idade Média, a noção de responsabilidade foi aperfeiçoada, com melhor

conceituação da culpa, a sua graduação e a diferenciação entre responsabilidade civil e penal,

graças ao trabalho dos glosadores sobre o direito romano. Já no período das codificações, com

base na teoria da culpa, o ilícito passou a ser considerado um ente abstrato, sendo a

10 SILVEIRA, op. cit. p. 87. 11 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática, 1990, p. 112. 12 Idem, p. 113.

21

responsabilidade civil um de seus princípios fundamentais, diferenciando a responsabilidade

delitual da contratual, ainda segundo ensinamentos de Bittar13.

Com a Revolução Industrial, o modo de vida do homem mudou: surgiram forças bem

maiores que a humana, o modo de produção tornou-se de massa graças à utilização da

máquina, a locomoção das pessoas tornou-se mais freqüente e rápida com o advento dos

veículos motorizados; forças pouco conhecidas como a eletricidade, os raios X, as radiações,

por exemplo, passaram a fazer parte da vida das pessoas. Com isso os acidentes de trabalho,

de veículos intensificaram-se; comenta Louis Josserand (in: Silveira, 1991) que a vida

contemporânea adquiria um caráter cada vez mais perigoso e naturalmente os “desprovidos de

segurança material vão procurar, cada vez mais a segurança jurídica14”.

A teoria clássica da responsabilidade, fundada na culpa e o ônus probatório cabendo

à vítima - geralmente pessoas economicamente mais fracas - acabava por desamparar as

mesmas devido à dificuldade de se provar a culpa do patrão ou de um motorista, denotando

uma certa inadequação do instituto ao quadro sócio-econômico e à necessidade de um

aperfeiçoamento do mesmo, principalmente no que tange à culpa e sua prova.

De início, atendendo ao imperativo da equidade nessas relações, procurando-se abrandar o

rigor lógico do princípio da culpa, sugeriu-se a inversão do ônus da prova, como relata

Gomes15, passando-se a analisar determinadas atividades em função de sua periculosidade,

chegando-se na teoria do risco, em função da qual abstrai-se a culpa (responsabilidade

objetiva), atingindo essa teoria seu ápice, segundo Bittar, “rompendo-se …, inclusive o nexo

causal, na área de exploração industrial do átomo, face aos riscos infinitos de acidentes

13 Ibidem, p. 114. 14 JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil, 1941 p. 15. 15 GOMES, op. cit. p. 64.

22

possíveis, com reflexos sobre a vida, a saúde e valores outros da humanidade16”

(responsabilidade nuclear).

2.4 Mecanismos da responsabilidade

Toda responsabilidade representa-se na feição de interrogatório. O órgão emissor ou

zelador na norma indaga, e, o violador responde. Se responder de forma satisfatória será

desobrigado, caso contrário, ou seja, se responder de maneira irrelevante será condenado.

Tendo que se levar em conta sempre, e como em todos os casos que cheguem ao âmbito

judicial, os princípios protetores da paz pública, a possibilidade de igual tratamento entre as

partes, a busca da verdade, enfim, todos os instrumentos necessários para a busca da justiça

em seu maior grau de harmonia.

2.5 Responsabilidade jurídica e moral

A responsabilidade nasce da violação das normas jurídicas ou morais, de atos ou

fatos pelos quais o agente adquire a obrigação de trazer o status quo ante de volta. Portanto, o

ato praticado pode ser proibido pela lei moral, religiosa, de costumes ou pelo direito.

Os dois tipos de responsabilidades são interdependentes, mas o domínio da moral é

muito mais amplo do que o do direito, por razões óbvias, posto que, ao direito são relevantes

as normas morais de maior significado para a manutenção da harmonia social.

Não se cogita da responsabilidade jurídica enquanto não há um prejuízo. A

responsabilidade moral se confina no problema do pecado, da má ação; o homem se sente

moralmente responsável perante Deus, perante sua consciência. Ele próprio se pune, quando

se julga culpado pelos atos desastrosos cometidos. Puramente objetiva, portanto, é a sua

noção.

16 BITTAR, op. cit. p. 122.

23

A regra de direito careceria de fundamento, caso não se ativesse à ordem moral. O

domínio desta é, sem dúvida, mais extenso do que o do direito. Mas, o direito também não

deixa de ser expressão dos princípios definidos pela moral. A responsabilidade jurídica ao

contrário da moral tem função essencialmente de fazer prevalecer a ordem e assegurar a

liberdade individual e harmonia de relações entre os homens. O direito é um instrumento de

pacificação criado pelos homens, para que estes possam viver sem que a barbárie seja

instituída.

A responsabilidade jurídica exige sempre a imediata recomposição do equilíbrio

atingido. O equilíbrio da situação social harmônica é fator essencial para que o direito atue de

forma imperiosa e cogente. Envolve a responsabilidade jurídica, desse modo, a pessoa que

infringe a norma, a pessoa atingida pela infração, o nexo causal entre o infrator e infração, o

prejuízo ocasionado, a sanção aplicável e a reparação, consistente na volta ao status quo ante

da produção do dano. São, assim, pressupostos de existência da responsabilidade jurídica.

2.6 Responsabilidade civil e penal

Como já foi mencionado, a responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar o

prejuízo feito por violação de norma legal (aquiliana) ou contratual, que o agente causou a

outrem, podendo recair sobre algum terceiro, como na situação de pagamento de aluguéis pelo

fiador (terceiro), caso o locatário não os possa pagar ou não os pague. Limita-se o Direito

Civil a garantir o equilíbrio patrimonial e interessa ao Direito Penal a vontade íntima do

agente e o porquê de seu ato.

Responsabilidade penal ou criminal é aquela resultante de um fato criminoso, seja

praticado na forma comissiva ou omissiva. Traz uma sanção ou um castigo, como

conseqüência para o agente do fato criminoso ou da omissão criminosa. Essa responsabilidade

surge no caso dos delitos previstos pela lei penal, que são suscetíveis ou não de serem

24

apreciados no âmbito civil. As normas penais têm um caráter subjetivista, pois visam

assegurar a defesa da sociedade pela aplicação da pena entendida extracontratual, seja como

fator intimidativo ou repressivo, seja como meio de readaptar o infrator à vida social. Assim,

temos ilícitos penais que não são civis e vice-versa. Em muitos casos, porém, o ilícito penal é

também civil, todavia, a responsabilidade civil independe da penal. No entanto, não se pode

mais discutir no juízo cível a existência do fato ou autoria do mesmo, quando já decididas no

juízo criminal (art. 65 do C.P.P.), ou seja, o indivíduo quando condenado no âmbito penal,

automaticamente estará condenado na esfera cível, se demandado em ambos os juízos.

2.7 Responsabilidade civil do Estado

O direito brasileiro, no que tange à Responsabilidade do Estado, sofreu influência do

Direito Francês e em decorrência disso entende se tratar de responsabilidade objetiva.

Entende-se por responsabilidade do Estado, aquela oriunda de uma das três funções

do poder, a administrativa, a legislativa e a jurisdicional.

A responsabilidade do Estado é sempre de ordem civil, pecuniária pois o detentor da

capacidade é o Estado, incluindo-se aí, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que

componham a Administração Pública.

Neste capítulo tratamos da responsabilidade extracontratual visto que a contratual é

regida por princípios próprios e disposições específicas das quais não trataremos por hora.

Para que se configure a ocorrência do dano, deve haver um comportamento omissivo

ou comissivo de algum agente do Estado. Tal comportamento enseja responsabilidade

patrimonial perante o terceiro, responsabilidade esta, decorrente de atos jurídicos, atos ilícitos

ou comportamentais do Poder Público.

Em se tratando do Poder Público, não necessariamente precisa que haja um ato ilícito

causador do dano. Alguns desses atos podem causar a terceiros, danos passíveis de reparação.

25

Como nos ensina a Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“...a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”17.

No Brasil, adotamos a teoria da responsabilidade objetiva, que surgiu no

ordenamento jurídico pátrio na constituição de 1946 e permaneceu até os dias de hoje.

O Código Civil também prevê a hipótese de reparação dos danos causados a

terceiros em seu artigo 186, responsabilizando o causador do dano pela reparação do mesmo.

No que concerne ao direito público, temos a responsabilidade civil do Estado como

a obrigação que esse tem de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, por

estarem agindo em seu nome, na qualidade de agentes públicos, causarem à esfera

juridicamente tutelada dos particulares.

2.8 Fundamentos da responsabilidade civil

O termo “fundamento”, em sentido amplo, ou seja, na acepção científica em geral,

filosófica, jurídica, econômica, e assim por diante, corresponde a valor ou conjunto de valores

relacionados ao conhecimento das diferentes áreas do saber.

A concepção de responsabilidade, nessa ordem de idéias, exprime a obrigação de

responder por alguma coisa, ou seja, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que

praticou.

A noção de responsabilidade, juridicamente, envolve também o sentido geral de

obrigação, encargo, dever, compromisso, sanção, imposição. Ou seja, só é cogitada a hipótese

de responsabilidade jurídica quando há obrigação, decorrente de compromisso ou ato

praticado, sendo essa a primeira distinção entre responsabilidade jurídica e responsabilidade

moral, posto que esta se encontra ligada à idéia do pecado e da violação das regras morais.

17 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.2009. p. 638.

26

Paulo Roberto Ribeiro Nalin nos ensina que:

quando se imagina o instituto da responsabilidade civil, logo vem em mente o aspecto da ilicitude, concebida à luz da agressão ao interesse privado. Tal interesse privado varia com a própria eleição social de seus bem, a serem protegidos pelo direito18.

De um modo geral, os doutrinadores são atraídos pelo exame da responsabilidade

moral e da responsabilidade jurídica, dada a afinidade entre si existente, a ponto de afirmar-se

que a regra jurídica é inseparável da regra moral.

No âmbito do princípio geral do alterum non laedere encontrar-se-ia um conjunto de

preceitos cuja transgressão daria motivo a um só tempo de reprovação e de dever positivo de

reparação civil. Porém, a diferença entre as duas disciplinas logo salta aos olhos. Enquanto a

sanção da responsabilidade jurídica aparece em termos positivos, ora acarretando a pena

criminal, ora a obrigação de se ressarcir o dano, conforme se trate de responsabilidade penal

ou civil, isoladas ou cumulativamente, a sanção ou reação da responsabilidade moral pertence

no campo da consciência do próprio ofensor ou da reprovação perante o grupo social a que ele

pertence.

Quer dizer, embora tangentes, envolvendo um mesmo fato jurídico – como a lesão

corporal, o rapto, a morte - , tanto a responsabilidade civil cabível (para efeito de reparação

pecuniária e do dano moral), como a criminal (em conseqüência do jus puniendi, isto é, o

direito subjetivo de punir, inerente ao Estado) são independentes, como estabelecido pelo

artigo 935 do Código Civil. Assim, pode-se verificar que a responsabilidade jurídica situa-se

em campo delimitado, sobressaindo-se os seguintes componentes: norma preestabelecida;

comportamento (ação ou omissão) juridicamente relevante; e reação através da máquina

judiciária.

18 NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato e dano extrapatrimonial, 1996, p.33.

27

Desse ângulo, a ação humana adquire relevância, não pelo seu significado interior,

mas pelo resultado extrínseco dela decorrente. Demarcando os limites entre as duas

disciplinas estaria a conseqüência externa, ou seja, o dano. Tendo em conta os interesses de

manutenção da ordem social, para o direito o que realmente importa é o dano, quer

pertencendo o bem lesionado a um consorciado ou à coletividade.

28

3. O ELEMENTO DANO

3.1 Considerações gerais

Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito, ou não, ocasionar dano.

Cuida-se, portanto, do dano injusto. Pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a

mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente,

tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. No dano moral, leva-se em conta

a dor psíquica ou mais propriamente o desconforto comportamental. Trata-se, em última

análise, de interesses que são atingidos injustamente, não sendo indenizáveis, a princípio,

danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se

corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo

prejuízo suportado pela vítima19.

Historicamente, a princípio, o dano escapa ao âmbito do direito. Faz parte da

vingança privada, modalidade primitiva de solução ao mal sofrido.

Depois, o uso consagra em regra jurídica, vedando a vítima de fazer justiça pelas

próprias mãos . O legislador se apropria da iniciativa particular, buscando intervir na relação,

visando declarar, inicialmente em que condições tem a vítima o direito de retaliação.

Sucede a esse período, a composição. O prejudicado percebe que mais conveniente

do que cobrar a retaliação - Lei das XII Tábuas - era melhor entrar em composição com o

autor da ofensa. Somente quando o Estado assumiu a função de punir é que surgiu a ação de

indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal20.

Assim, a causa geradora da responsabilidade civil está no interesse em restabelecer o

status quo ante; econômico-jurídico afetado pelo dano.

19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil, 2003 p. 58. 20 DIAS, op. cit p. 157.

29

O dano é o elemento necessário à configuração da responsabilidade civil. De acordo

com a corrente doutrinária dominante, não se pode haver responsabilidade sem a existência de

um dano. “Não se pode ressarcir, onde nada há o que se reparar21” .

O dano pode assumir diversas formas; buscaremos analisar o patrimonial e o moral.

Sendo ele patrimonial, tem como efeito ocasionar uma diminuição ao patrimônio do lesado,

mas, de possível mensuração. Nesse caso, a reparação pode-se dar naturalmente, ou seja, na

entrega do objeto; seja da mesma espécie, em troca do deteriorado, ou por outro de espécie

diferente, mas, se impossível de solucionar por meio destas duas possibilidades, a indenização

em dinheiro é a mais freqüente. Agora se for a hipótese de dano moral, a grande dificuldade

está em valorar seus efeitos. Neste caso, não é o bem nem o dinheiro que se mensuram, mas a

dor, a injúria... que a pessoa sofreu, neste caso atinge a família, a liberdade, a honra... Mas não

é razão suficiente para não indenizar. In contrario sensu, ficaria sem reparação o desgosto, a

humilhação sofrida pela vítima.

3.2 Conceito

A necessidade de conceituação de dano moral está ligada diretamente a

decidibilidade do caso concreto, restando portanto, a sua importância.

Em verdade, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano moral

repousa numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio artigo 186 do

Código Civil que, ao aludir à “violação de um direito” não está limitado à reparação ao caso

de dano material apenas. A extensão do significado dano moral exige acuidade, inteligência e

preparo, conforme nos ensinou o Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, pois do seu

conteúdo é que se discute as diversas hipóteses de ressarcibilidade.

21 Idem, p.157.

30

Para Savatier, dano moral

“é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc22”

Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral

“é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)23” .

Segundo Minozzi, um dos doutrinadores italianos que mais defende a

ressarcibilidade, dano moral “é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou

moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais

largo significado24”

Em adequadas lições, ensina o grande jurista luso, Professor Inocêncio Galvão Telles

que:

“Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais”. “Há a ofensa de bens de caráter imaterial - desprovidos de conteúdo

econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. “Violam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão corporal ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não patrimoniais, v.g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha podem também causar-se danos patrimoniais, v.g., as despesas de tratamento ou a perda de emprego25”

Nas palavras do Professor Arnoldo Wald,

22 SAVATIER, Traité de La Responsabilité Civile, vol.II, nº 525, in Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 1989 p. 93. 23 CAHALI, Yussef Said. Dano moral, 1998 p. 20. 24 MINOZZI, Studio sul danno non patrimoniale, danno morale, p. 41. 25 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações, p. 375.

31

Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível à cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral26

Wilson de Melo Silva, em síntese, diz que “dano moral é o conjunto de tudo aquilo

que não seja suscetível de valor econômico27”.

O Desembargador Ruy Trindade, diz que dano moral “é a sensação de abalo a parte

mais sensível do indivíduo, o seu espírito28”.

Para Carlos Alberto Bittar29, “são morais os danos e atributos valorativos (virtudes)

da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade (como, v.g., a honra, a reputação e

as manifestações do intelecto)”.

Segundo Maria Helena Diniz, “Dano moral vem a ser a lesão de interesses não

patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo30”. Dessa forma, verifica-

se que o conceito de Dano Moral é indefinido pelas diferenças apontadas em cada um dos

conceitos anteriormente citados.

Por outro lado, também se constata que salvo as diferenças conceituais apresentadas,

o expectro conceitual reside no sentimento interior do indivíduo para com ele mesmo e para

com a sociedade.

Assim sendo, toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o indivíduo que cause

repercussão no seu interior, é em tese passível de reparação, daí porque alguns autores dizem

que se revela mais adequado classificar os danos em patrimoniais e pessoais.

26 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, 1989, p. 407. 27 SILVA, Wilson de Mello. O dano moral e sua reparação 1993, p. 13. 28 RT 613/184 29 BITTAR, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais, 1993, p. 24. 30 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 1998, p. 81.

32

3.3 Dano moral e dano material

O dano moral e o material podem advir de um mesmo fato gerador,

possibilitando, assim, a percepção acumulada de duas indenizações, uma decorrente da ofensa

material e outra da moral. Aliás, no particular, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, em

sua esmagadora maioria, caminham pelos mesmos trilhos, afirmando que ambos os danos, e

suas conseqüências pecuniárias, podem comparecer, lado a lado, sem que se possa antever,

neste caso, a configuração de um bis in idem.

O STJ, já cristalizou a inclinação jurisprudencial, em tal direção, editando a

Súmula 37, segundo a qual: “Se o dano material e o moral decorrem do mesmo fato serão

acumuláveis as indenizações”.

Tome-se como ilustração, o exemplo citado pela professora Maria Helena

Diniz, relativo ao direito à integridade corporal (direito personalíssimo) que pode desencadear

tanto um prejuízo material, representado pelo dano emergente ( despesas com o tratamento

médico da vítima) e lucros cessantes (incapacidade para o trabalho); quanto um prejuízo

moral, consubstanciado na deformidade decorrente de tal lesão corporal, que imprima no

ofendido um complexo ou sentimento de diminuição social. Não obstante sejam cumuláveis

as mencionadas indenizações, não se pode olvidar, por isso mesmo, que a indenização moral é

autônoma, nada impedindo que o ofendido limite o seu pedido a ela.

Aliás, como advoga Valdir Florindo, ao confrontar o dano moral e o dano

patrimonial: “De qualquer maneira, a substancial diferença gravita hoje em torno da forma de

reparação...31”

31 FLORINDO, Valdir. Dano moral e o direito do trabalho, 1996, pág. 31

33

É que o dano patrimonial pode ser facilmente decalcado, na medida em que os

seus elementos componentes se externam objetivamente, viabilizando a precisão de sua

repercussão econômica.

3.4 Natureza jurídica e formas de reparação por dano

No que concerne a natureza jurídica de tal reparação, vale lembrar o ensinamento de

Rodrigues32, para quem o dinheiro provocará na vítima uma sensação de prazer, de desafogo,

que visa compensar a dor, provocada pelo ato ilícito.

Uma vez que constatado ser o dano imaterial incomensurável, sendo insusceptível de

avaliação pecuniária, poderemos chegar ao mesmo raciocínio de Sílvio Rodrigues,

compartilhado também por Cavalieri Filho33, quando diz este ser a condenação em dinheiro

por conta de dano moral mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma

reparação.

Inegável, assim, a natureza satisfatória ou compensatória da ora analisada reparação,

constituindo-se assim esta, nas palavras de Zannoni34 em uma compensação ao dano e

injustiça sofridos pela vítima suscetível de atenuar, em parte, seu sofrimento.

Quanto às formas existentes para se ressarcir o dano, tendo em vista a

impossibilidade da restitutio in integrum, a reparação dar-se-ia em regra na forma pecuniária,

visando, consoante Melo da Silva35, a compensação da dor com a alegria, um lenitivo a

facilitar a aquisição de tudo aquilo que possa concorrer para trazer ao lesado uma

compensação por seus sofrimentos.

32 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade civil, 2000 p. 81. 33 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 2000 p. 154. 34 ZANNONI, Eduardo A. El daño en la responsabilidad civil, 1982 p. 89. 35 MELO DA SILVA, Wilson. Responsabilidade civil automobilística,1980 p. 37.

34

3.5 Responsabilidade e dano

Não há responsabilidade sem prejuízo. O prejuízo causado pelo lesante é o dano.

Enfatiza Cretella Jr. que: “Em nenhum caso, a responsabilidade das pessoas físicas ou

jurídicas pode prescindir do evento danoso36”.

Pode-se disto tirar a condição sine qua non da existência do prejuízo para o

surgimento da responsabilidade e conseqüente possibilidade de ressarcimento a favor do

agente passivo.

O agente passivo mencionado corresponde a pessoa que sofreu o prejuízo e não a

pessoa que responde judicialmente.

Os pressupostos da responsabilidade, segundo Cretella Jr. são:

Aquele que infringe a norma; a vítima da quebra; nexo causal entre o agente e a irregularidade; o prejuízo ocasionado - o dano - a fim de que se proceda à reparação, ou seja, tanto quanto possível, ao reingresso do prejudicado no status econômico anterior ao da produção do desequilíbrio patrimonial37.

O dano deve ser reparado completamente pelo agente que o causou a fim de que o

prejudicado possa retornar ao estatus quo ante, ou seja, antes do evento danoso.

Não desnecessário voltar a afirmar, que não há motivo para se falar de

responsabilidade sem que haja prejuízo, e não há motivo ou razão para recorrer ao Estado-

Juiz, se o dano e conseqüente prejuízo for ressarcido antes do ingresso em juízo.

É responsável no âmbito civil, o agente que atinge a esfera patrimonial, quando

resulta dano no patrimônio do prejudicado, ou moral, quando resulta dano à moral, à honra, à

reputação. Não esquecendo ainda, que o dano moral pode ensejar dano patrimonial,

dependendo do caso, este ressarcimento irá abranger tanto o dano moral quanto o patrimonial.

36 CRETELLA JR., José. Das licitações públicas, 1996 p. 58. 37 Idem, p. 59.

35

4. RESPONSABILIDADE POR ERRO JUDICIÁRIO

4.1 Conceito

Erro Judiciário é o ato emanado por órgão do Poder Judiciário, que resulta da falsa

concepção acerca de um fato atribuído a alguém pela suposta ofensa a um bem jurídico

tutelado por lei.

O erro judiciário pode ser verificado em várias circunstâncias que tenham como

principal conseqüência a privação da liberdade da pessoa humana, de forma injusta e

equivocada, decorrente da atuação da autoridade judiciária.

Na verdade o erro judiciário pode ter seu início no momento em que se decreta a

prisão temporária ou preventiva do acusado pela autoridade judiciária ou mesmo pela

autoridade policial no momento da lavratura do termo de prisão em flagrante e continuar por

toda a instrução criminal.

A responsabilidade civil do Estado representa uma conquista do Estado Democrático

de Direito resultante de um processo evolutivo inserido no ordenamento jurídico a nível

constitucional.

Nesse sentido, a constituição brasileira prevê indenização àquele que sofrer dano por

erro judiciário em seu artigo 5º, LXXV.

O objetivo da lei é de minimizar as conseqüências do dano causado a terceiro por

agente público no exercício de sua função.

Assim, pode o particular requerer indenização quando realmente verificada a

existência de circunstancia causadora do dano.

36

4.2 A responsabilidade do Estado pelo dano causado pelo Judiciário

Durante muito tempo a soberania do Poder Judiciário serviu como argumento para

afastar a responsabilidade do Estado em relação aos atos jurisdicionais.

Atualmente tal argumento é rechaçado tendo em vista a concepção moderna a

respeito de soberania.

Levando-se em conta o conceito anteriormente adotado, seria difícil responsabilizar

não só o Judiciário como também o próprio Estado e seus demais poderes pelos danos

causados ao particular.

Podemos afirmar que sendo a soberania um dos atributos do poder do Estado, daí

decorrem conseqüências como a supressão da teoria da irresponsabilidade do Estado e o dever

de reparar o dano oriundo do exercício da atividade jurisdicional.

O Poder Judiciário pratica, além dos atos judiciários, que são atos administrativos ou

não decorrentes da função do Judiciário visto que os juízes são agentes públicos, tendo

portanto, responsabilidade objetiva. Pode também ocorrer a prática de aros jurisdicionais que

são resultantes da função típica do Poder e sobre os quais há controvérsias.

O Supremo Tribunal Federal considera inadequado o ajuizamento de ação em face

do magistrado por ser o juiz agente político e não concorrentemente responsável, pó que o

torna sujeito passivo apenas de ação regressiva movida pela pessoa jurídica de direito público

interno.

Para que o Estado tenha o dever de indenizar é necessário fazer prova da existência

de ofensa à norma preexistente ou erro de conduta, bem como a relação de causa e efeito entre

o ato e o dano alegado, sem o qual não há que se cogitar o dever de indenizar.

37

Quando se tratar de ato puramente jurisdicional do Estado, não há que se falar em

responsabilidade, principalmente quando o ato foi praticado dentro dos limites da lei e sem

que houvesse abuso de poder.

A própria sentença pode estar impregnada caso o magistrado profira sentença

condenatória sem observar o erro anteriormente praticado e que prosseguiu por todo o

processo. Mas, também, a sentença pode ser absolutória, corrigindo o erro praticado por

ocasião da prisão preventiva ou temporária ou até mesmo da prisão em flagrante ou do

oferecimento da denúncia.

No caso de condenação, caberá ao Tribunal competente reexaminar a matéria

podendo retificar o erro ocorrido.

E, ao final, sendo o acusado absolvido, caberá reparação pelo dano moral e material

sofridos.

A responsabilidade civil do Estado é o resultado da atuação negativa por dolo ou culpa

dos seus agentes públicos no exercício da atividade funcional que culminem em erro cometido

por órgão do Poder Judiciário.

Essa garantia de indenização está assegurada pela Constituição Federal quando no seu

art. 5º, LXXV, estabelece:

“Art. 5º -

LXXV – O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”

Nesse sentido, temos o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, conforme

decisão a seguir:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ERRO JUDICIAL - APLICAÇÃO DO ARTIGO 630 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXCEÇÃO PREVISTA NO PARÁGRAFO 2º - NÃO OCORRENTE. O condenado que, posteriormente, é absolvido em

38

revisão criminal, faz jus a indenização, ressalvado os casos em que o erro ou a injustiça proceder de ato ou falta imputada ao próprio condenado. Agravo improvido. (STJ - AGA 415834/RJ – 1ª Turma - DJ: 30/09/2002 PG:00195 – Rel. Min. Garcia)”.

Assim, verificamos que, nos dias atuais cada vez mais verificamos a ocorrência de

ação em face do poder público onde o particular que tenha sido lesado busque o ressarcimento

pelos danos materiais e morais sofridos. Tal situação configura uma vitória da sociedade em

face do poder supremo do Estado.

4.3 Reparação

O dano que interessa à responsabilidade civil é o indenizável, que se traduz em

prejuízo, em diminuição de um patrimônio. Todo prejuízo resultante da perda, deterioração ou

depreciação de um bem é, em princípio, indenizável. Nesse sentido, não há diferença entre

dano contratual e extracontratual38.

Para que ocorra o dever de indenizar, portanto, não bastam um ato ou conduta ilícita

e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente repercussão patrimonial negativa no

acervo de bens de quem reclama. A culpa pode ser dispensada nos casos em que se admite a

responsabilidade objetiva.

Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza, significa indenizar, tornar indene 39 o

prejuízo. O ideal que justiça é que a reparação de dano seja feita de molde que a situação

anterior seja reconstituída. No entanto, não é o que na prática se mostra possível ou aceitável

no direito eminentemente privado, mormente porque há danos que são irreparáveis in natura,

como a morte.

O art. 402 (antigo, art. 1.059) do Código Civil estabelece que “as perdas e danos

devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente

deixou de lucrar”. Perdas e danos são expressões redundantes, pois significam a mesma coisa, 38 VENOSA, op. cit. p. 193. 39 Indene: é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume.

39

qual seja, o dano emergente (o que efetivamente a vítima perdeu). O lucro cessante (o que

razoavelmente deixou de ganhar) não está abrangido por essa terminologia. Não há dúvida de

que, futuramente, o legislador irá preocupar-se com o tema, que começa a fluir com maior

freqüência também em nossos tribunais. Desse modo, nos danos patrimoniais, devem ser

computados não somente a diminuição no patrimônio da vítima, mas também o possível

aumento patrimonial que teria havido se o evento não tivesse ocorrido. A origem dessa

parelha, dano emergente e lucro cessante, remonta ao Direito Romano, de onde passou para os

códigos modernos.

A certeza do dano, em se tratando de avaliação futura, guarda certa relatividade, mas

não pode ser meramente hipotética. Como afirma Jaime Santos Briz,

Entre um extremo e outro cabe uma graduação que haverá de se fazer, em cada caso, com critério eqüitativo distinguindo a mera “possibilidade” da “probabilidade”, e tendo em conta que talvez em algum caso seja indenizável a mera “possibilidade”, se bem que em menor quantidade do que a “probabilidade”, base dos lucros cessantes propriamente ditos 40.

Em muitas oportunidades, ao ser concedida a indenização por lucros cessantes, os

tribunais indenizam, ainda que em nosso país não se refiram ordinariamente à expressão, à

perda de oportunidade ou perda de chance, freqüentemente citada na doutrina estrangeira:

atleta profissional, por exemplo, que se torna incapacitado para o esporte por ato culposo,

deve ser indenizado pelo que presumivelmente ganharia na continuidade de sua carreira.

Chance é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse

instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou de

expectativa.

40 BRIZ, José Santos Briz. La responsabilidad civil, p. 269.

40

No exame dessa perspectiva, a doutrina aconselha efetuar um balanço das

perspectivas contra e a favor da situação do ofendido. Da conclusão resultará a proporção do

ressarcimento.

A indenização deverá ser da “chance” e não do ganho perdido. Não se identifica com que se deixou de receber; a medida desse dano deve ser apreciada judicialmente segundo o maior ou menor grau de probabilidade de converter-se em certeza e sem que deva se assimilar com o eventual benefício perdido41.

Uma das questões mais complexas da atividade do magistrado é, além do

estabelecimento das formas de indenização, a fixação do quantum indenizatório. Há larga

faixa de discricionariedade para o juiz nesse campo, muito criticada e nem sempre entendida

pelo leigo.

Na verdade, a discricionariedade não é do juiz, mas do Poder Judiciário, pois as

decisões estarão sujeitas ao crivo dos tribunais de apelação e a experiência demonstra que

todos os julgados acompanham a tendência social da época.

Um dos pontos que o estabelecimento da indenização deve levar em conta, e que não

está expresso na lei, é sem dúvida o nível econômico das partes envolvidas. Não é porque o

ofensor é empresa economicamente vultosa em favor de quem, por exemplo, sempre

sobreviveu com salário mínimo. O bom-senso deve reger as decisões, sob pena de gerar

enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Por outro lado, não se pode apenar o ofensor a tal ponto de, com a satisfação da

indenização, levá-lo à penúria, criando mais um problema social para o Estado. Assim,

embora as decisões, como regra, nada mencionem a tal respeito, há elevado grau de eqüidade

na fixação da indenização. O juiz apenas pode decidir por eqüidade quando autorizado por lei,

daí por que há rebuços nas decisões desse juiz. Assim, a indenização, mormente a por dano

41 Tanzi in: Alterini e Cabana, 1995 p. 330.

41

moral, não pode ser insignificante a ponto de se tornar inócua, nem pode ser de vulto tal que

enriqueça indevidamente o ofendido.

42

5. CONCLUSÃO

No que diz respeito à natureza das lesões passíveis de indenização, hoje não mais

subsistem dúvidas quanto à plena reparabilidade de toda e qualquer espécie de dano havido,

seja de natureza patrimonial ou moral, sobretudo porque a cada dia adquire-se maior

consciência de que se incrementa a vulnerabilidade do ser humano ante as incessantes

transformações da civilização de massa, transformações estas de efeitos ainda pouco

assimilados.

A temática do dano, dada a sua complexidade, e considerados os bens e valores que

lhe dizem respeito, recebeu, ao longo da trajetória percorrida pela teoria da responsabilidade

civil, as mais variadas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais. Revela, na sua história,

diferentes matizes: conservadores, liberais, moderados e radicais.

Hoje, não mais se discute acerca da necessidade de reparabilidade dos danos

causados aos direitos da personalidade. Todos os juriscivilistas concordam a respeito, mas,

permanece nebulosa a questão afeta à fixação do valor indenizatório. E poucos são os que se

atrevem a enfrentar diretamente, de forma sistemática, o caminho a ser percorrido.

Na formulação do problema sobre o qual gravita esta obra - o dano moral e os

critérios para a fixação do quantum reparatório pelo Judiciário -, parte-se da percepção da

crise e esgotamento dos modelos ofertados pelo valor simbólico e a dosimetria legal, que não

oferecem satisfatória resposta, e da necessidade de se estabelecer um balizamento capaz de

proporcionar ao Magistrado o caminho a ser trilhado na árdua tarefa que, hoje, o ordenamento

jurídico pátrio lhe impõe de quantificar a dor e o sofrimento humanos.

A importância da discussão a respeito é plenamente justificada ante as dificuldades

encontradas pelos nossos julgadores em estabelecer, com segurança, o valor da condenação,

de forma a atender com propriedade à multifacetada função da reparação do dano moral,

43

diante da total impossibilidade de fixação de uma fórmula matemática capaz de observar

fielmente os reclamos reais da justiça.

Sobre a questão do quantum indenizatório parece-nos prudente considerar os

ensinamentos do Mestre Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a soma não deve ser tão

grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne

inexpressiva.

Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando

necessário que se considere os princípios da equidade, da razoabilidade, e principalmente o

bom senso do julgador.

Na falta de parâmetros objetivos para fixar o quantum, devem os Tribunais, em

atenção as suas finalidades, arbitrá-lo dentro dos princípios mencionados, sempre

considerando o gravame em relação ao todo, respeitando elementos como: a gravidade do

dano; a extensão do dano; a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do

ofendido; a condição financeira do ofensor; a condição financeira do ofendido.

Sua fixação não pode, assim, ultrapassar os limites do bom senso, fazendo-se a

necessária justiça através da aplicação da já mencionada teoria do desestímulo.

44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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