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1 A Repetição do Indébito do ISS quando classificado como tributo indireto José Hable ____________________________________________________________________________ Capítulo de livro publicado: HABLE, J. A Repetição do Indébito do ISS quando classificado como tributo indireto. In: Sergio Luiz de Moraes Pinto, Alberto Macedo e Wilson Jose de Araújo. (Org.) Gestão Tributária Municipal e Tributos Municipais. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, v. 5, pp. 133/150, 2015. _____________________________________________________________________________________ INTRODUÇÃO Se um contribuinte paga valores a título de tributos que acabam se revelando indevidos, tem ele o direito de pedir a sua devolução, independente de protesto judicial, isto é, de uma providência cautelar que notifique judicialmente a Fazenda, para que lhe seja assegurado o seu direito, nos termos do art. 165, caput, do CTN. 1 O pagamento indevido de um tributo pode ter diversas causas, entre as quais, o pagamento a maior, em duplicidade, ou ainda, de tributo considerado ilegal ou inconstitucional, e se fundamenta na ausência de causa jurídica para a sua cobrança pela Fazenda Pública, concretizado no princípio que veda o enriquecimento sem causa. Quando se está diante de um processo administrativo tributário relacionado ao pedido de devolução de um tributo pago de forma incorreta, devem ser analisados alguns itens como: (a) a existência ou não de pagamento indevido; (b) o prazo para o seu pedido; (c) a natureza do tributo pago indevidamente, se direto ou indireto; e, (d) o atendimento dos critérios de devolução se for um tributo indireto, entre outros. Neste trabalho, serão discutidos alguns pontos polêmicos e de relevância no processo administrativo de repetição de indébito, quando se trata de tributo indireto, relacionados principalmente ao prazo de pedir, aos procedimentos previstos nas legislações tributárias, que têm gerado controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência de nossos tribunais. Para isso, busca-se responder aos seguintes questionamentos: 1 BRASIL. CTN. “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos”: Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em: 12 maio 2015.

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Page 1: A Repetição do Indébito do ISS quando classificado como ... · Há normalmente a discussão da extinção, pela decadência, do direito de o Fisco formalizar a obrigação tributária

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A Repetição do Indébito do ISS quando classificado

como tributo indireto

José Hable

____________________________________________________________________________ Capítulo de livro publicado: HABLE, J. A Repetição do Indébito do ISS quando classificado como

tributo indireto. In: Sergio Luiz de Moraes Pinto, Alberto Macedo e Wilson Jose de Araújo. (Org.) Gestão

Tributária Municipal e Tributos Municipais. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, v. 5, pp.

133/150, 2015.

_____________________________________________________________________________________

INTRODUÇÃO

Se um contribuinte paga valores a título de tributos que acabam se revelando

indevidos, tem ele o direito de pedir a sua devolução, independente de protesto judicial,

isto é, de uma providência cautelar que notifique judicialmente a Fazenda, para que lhe

seja assegurado o seu direito, nos termos do art. 165, caput, do CTN.1

O pagamento indevido de um tributo pode ter diversas causas, entre as quais, o

pagamento a maior, em duplicidade, ou ainda, de tributo considerado ilegal ou

inconstitucional, e se fundamenta na ausência de causa jurídica para a sua cobrança pela

Fazenda Pública, concretizado no princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Quando se está diante de um processo administrativo tributário relacionado ao

pedido de devolução de um tributo pago de forma incorreta, devem ser analisados

alguns itens como: (a) a existência ou não de pagamento indevido; (b) o prazo para o

seu pedido; (c) a natureza do tributo pago indevidamente, se direto ou indireto; e, (d) o

atendimento dos critérios de devolução se for um tributo indireto, entre outros.

Neste trabalho, serão discutidos alguns pontos polêmicos e de relevância no

processo administrativo de repetição de indébito, quando se trata de tributo indireto,

relacionados principalmente ao prazo de pedir, aos procedimentos previstos nas

legislações tributárias, que têm gerado controvérsias tanto na doutrina quanto na

jurisprudência de nossos tribunais. Para isso, busca-se responder aos seguintes

questionamentos:

1 BRASIL. CTN. “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio

protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado

o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos”: Disponível em: http://www.planalto.gov.br

Acesso em: 12 maio 2015.

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1. Quais os requisitos que devem ser verificados quando se inicia a análise do

pedido?

2. Qual o prazo para pleitear a restituição e quando se inicia?

3. Qual a classificação dos impostos quanto à sua repercussão?

4. Há diferenças na análise de devolução de imposto considerado direto e

indireto?

5. O contribuinte de fato tem legitimidade para pedir a devolução de tributo

classificado como indireto?

6. Quais os critérios a serem atendidos e analisados no processo de devolução

de tributo indireto?

2. A REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO

O tema repetição de indébito tributário está disciplinado no CTN, nos seus

arts. 165 a 169 (Seção III – Pagamento Indevido), e não obstante isso, há quem entenda

ser matéria de Direito Civil, por não ter natureza tributária. Nesse sentido, Alfredo

Augusto Becker2 leciona que: “pagamento de tributo indevido não é pagamento de

tributo, mas simplesmente prestação indevida”. Há autores,3 ainda, que preferem

denominar de “débito do Fisco”, ao invés da expressão repetição do indébito tributário,

entre outras.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta,4 tendo entendimento diverso, defende:

Parte da doutrina tem defendido que a prestação objeto da obrigação de

devolver não tem natureza tributária, sendo uma prestação de fato.

Divergimos desse entendimento. Em primeiro lugar, o adjetivo “indevido”

apenas qualifica uma prestação, que não se desnatura com essa adjetivação.

Para que a prestação se enquadre no conceito de tributo, basta que satisfaça

os requisitos do art. 3o do CTN, dentre os quais não se inclui o fato de ser

prestação “devida”, ou seja, esse atributo não é elemento do conceito.

Ademais, tal dispositivo não exclui do seu conceito o montante pago

indevidamente a título de tributo.

2 BECKER, A. A. Teoria geral do direito tributário. 3 ed., São Paulo: Lejus, 1998, p. 576. 3 SANTI, E. M. D. Decadência e prescrição no direito tributário. 2 ed., São Paulo: Max

Limonad, 2001, p. 98. Doutrina o autor: “preferimos a expressão débito do Fisco a ‘repetição do indébito

tributário’, que induz a uma aparente contradição: ora, se é indébito, indevido, então, não é jurídico e,

portanto não pode ser tributário.” 4 PIMENTA, P. R. L. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São

Paulo: Dialética, 2002, p. 123.

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Nesse sentido, Bernardo Ribeiro de Moraes5 coloca que o assunto pertence ao

Direito Tributário e é regido por normas específicas da legislação tributária que

oferecem tratamento diverso em relação ao ônus da prova, embora se acolha o princípio

contido no art. 964 do CC de 1916,6 que trata do Pagamento Indevido.

O termo repetição de indébito tributário significa o retorno de importância

paga indevidamente, e se fundamenta “na falta de causa jurídica para a sua cobrança

pela Fazenda Pública”, ou seja, “na ilegalidade ou na inconstitucionalidade da

cobrança”,7 concretizado no princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Independentemente da denominação dada ao valor pago de forma indevida à

Fazenda Pública, o ato, que tem por objeto a busca do que se pagou além do devido,

tem que ser executado pelo interessado dentro de um determinado lapso de tempo, sob

pena desse direito ser extinto pelo decurso do prazo.8

3. O PRAZO PARA EXERCER O DIREITO À DEVOLUÇÃO DE TRIBUTO

Há normalmente a discussão da extinção, pela decadência, do direito de o Fisco

formalizar a obrigação tributária pelo lançamento. Porém, outro direito, também sujeito

à extinção por decurso de prazo, é o de pleitear a restituição de crédito tributário pago

indevidamente, por meio da repetição do indébito.

E esse pedido de restituição, que pode ser feito tanto por meio de processo

administrativo quanto judicial, também deve ser efetuado dentro de determinado prazo

legal.

Desse modo, além dos prazos extintivos, disciplinados nos arts. 150, 173 e 174

do CTN, que tratam da extinção de direito da Fazenda Pública, tem-se o disposto no art.

168, que prevê a extinção pelo decurso de prazo do direito do sujeito passivo, isto é,

contribuinte ou responsável tributário, de buscar a restituição de valores pagos

indevidamente, a título de tributo.

3.1 A Natureza Jurídica do Prazo para a Repetição do Indébito

5 MORAES. B. R. Compêndio de direito tributário. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2v, 1997,

p. 485. 6 O art. 964 corresponde ao art. 876, e seguintes, do CC de 2002. 7 MORAES, B. R. Obra citada, pp. 483-485. 8 HABLE, J. A Extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo. Decadência e Prescrição

Tributárias, São Paulo: Editora Método, 4ª ed., 2014, p. 245/246.

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A natureza jurídica do prazo para se pleitear a restituição do tributo pago

indevidamente causa divergências de entendimentos, questionando-se se seria um prazo

decadencial ou prescricional.

A tese que comumente é colocada para diferenciar o instituto da decadência do

da prescrição alude-se à decadência o perecimento do direito e, à prescrição, o

desaparecimento da ação (ou pretensão) que protege o direito e, bem assim, de toda sua

capacidade defensiva.

Essa distinção, entretanto, baseada no objeto (direito e ação), sempre foi muito

criticada por grande parte da doutrina por considerá-la deficiente e insuficiente para tal

finalidade. Para esses doutrinadores,9 a distinção que explica o porquê de certo prazo ser

considerado decadencial e outro prescricional reside na natureza do direito, buscada na

classificação formulada por Chiovenda, que está fundamentada nos direitos potestativos

aplicados à decadência, e nos direitos a uma prestação ou pretensão relacionados à

prescrição. Lembramos, apenas, que essa distinção, com fundamento na natureza do

direito, também é questionada e criticada por outra parte da doutrina.10

Com todo respeito a que merecem os defensores de teses contrárias, há de se

notar que o tema é polêmico, até porque, percebe-se que cada doutrinador, para

defender sua tese, parte de teorias diferentes para justificar seu ponto de vista, e que em

realidade, em termos práticos, o que importa saber é que existe um prazo para que o

interessado se manifeste, decadencial ou prescricional, a depender do fundamento

acolhido, sob pena de ser extinto o seu direito de haver de volta o que pagou a maior.11

Ressalte-se, nesse sentido, que a jurisprudência de nossos tribunais, mais

especificamente a do STJ, após inúmeros julgados divergentes, ora tratando como

decadencial ora como prescricional, pacificou-se no sentido de o referido prazo ser

prescricional.12

9 Nesse sentido, MACHADO, H. B. Processo administrativo tributário, Caderno de Pesquisas

Tributárias – nova série, n. 5, Coord. de Ives Gandra, São Paulo: Centro de Extensão

Universitária/Revista dos Tribunais, 1999, p. 148, e AMARO, L. S. Direito tributário brasileiro. 12 ed.,

São Paulo: Saraiva, 2006, p. 428, entre outros. 10 CARVALHO, P. B. Curso de direito tributário. 4 ed., São Paulo: Saraiva, 1991, pp. 310-311

e CABRAL, A. S. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 241, entre outros. 11 HABLE, J., Obra citada, pp. 247/249. 12 BRASIL. STJ. EREsp nº 278311/DF, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 1ª Seção, Data do

Julgamento 27/08/2003, DJ 28.10.2003, p. 184: “Consoante recente entendimento esposado pela 1ª

Seção, o prazo prescricional qüinqüenal para haver a restituição do IR sobre verbas indenizatórias

começa a fluir da extinção do crédito tributário, (...)”, entre outros. Disponível em: http://www.stj.jus.br

Acesso em: 20 jun. 2015.

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É cediço que o interessado pode pleitear a repetição diretamente no Poder

Judiciário. Contudo, se exercer este direito na via administrativa, poderá o Fisco frustrar

esta pretensão do requerente, denegando o seu pedido. Diante dessa frustração, o

pedinte tem, conforme disciplina o art. 169 do CTN,13 um prazo prescricional de dois

anos para ingressar com a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a

restituição.

3.2 O termo inicial do prazo para se pleitear a restituição do indébito

O CTN, ao dispor sobre a restituição total ou parcial do tributo, assim vem

disciplinando:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio

protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a

modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4o do artigo 162,

nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o

devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou

circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota

aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência

de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

(...)

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do

prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do

crédito tributário;

II – na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a

decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha

reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória. (grifos

não do original)

Por esses excertos legais, está-se a disciplinar que o direito para se postular a

repetição do indébito tributário fenece com o decurso do prazo de cinco anos a contar:

a) DA DATA DA EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, nas hipóteses

de cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido (CTN,

art. 165, I) e de valores resultantes de erros relacionados ao pagamento (CTN, art. 165,

II); e,

b) DA DATA EM QUE SE TORNAR DEFINITIVA A DECISÃO, nos casos

de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória (CTN, art. 165,

III).

13 BRASIL. CTN. “Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória de decisão administrativa

que denegar a restituição.”

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O CTN, no seu artigo 156, vem prevendo todas as modalidades de extinção do

crédito tributário. Contudo, quando estamos a tratar de tributos sujeitos ao lançamento

por homologação, dúvidas sempre houve sobre o exato momento em que a extinção do

crédito tributário ocorre para o fim de demarcar o início da contagem do decurso de

prazo de cinco anos, principalmente quanto à definição exata da data da extinção do

crédito tributário, disciplinada no inciso I do art. 168 do CTN.

Nos tributos sob a modalidade de lançamento de ofício, ou seja, aqueles que

são implementados pelo sujeito ativo como condição de sua exigibilidade, a exemplo do

IPTU,14 o direito de pleitear a restituição de tributo pago indevidamente extingue-se

com o decurso do prazo de cinco anos contados do efetivo pagamento indevido,

segundo dispõe o art. 156, I, do CTN. Nesse sentido, tem-se a jurisprudência firmada

pelo STJ.15

No que se refere, entretanto, aos tributos sujeitos ao lançamento por

homologação, a exemplo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a

polêmica estava em saber qual o exato momento em que a extinção do crédito tributário

ocorria. Assim, para demarcar a data da extinção do crédito tributário, disciplinada no

art. 168, I, do CTN, tínhamos que analisar a modalidade de extinção do crédito

tributário, referente ao lançamento por homologação, que está discriminada no inciso

VII, do art. 156 do CTN, nesses termos:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos

do disposto no artigo 150 e seus §§ 1o e 4o. (grifos não do original)

Por esse dispositivo legal, podemos claramente perceber que a mencionada

extinção somente se concretiza se ocorrerem duas proposições: o pagamento antecipado

e a homologação do lançamento.

14 BRASIL. CF/88. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade

predial e territorial urbana” – IPTU. 15 BRASIL. STJ. REsp 693178/PR, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, data de Julgamento

06/12/2005, DJ 19.12.2005: “(...) 2. Em se tratando de ação de repetição de indébito de tributo lançado

de ofício, (...) o direito de pleitear a restituição de tributo pago indevidamente extingue-se com o decurso

do prazo de cinco anos contados do pagamento indevido. (...)” (grifamos), entre outros.

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A jurisprudência de nossos tribunais, em particular a do STJ,16 tinha

entendimento pacificado, até a edição da Lei Complementar (Lcp) nº 118, de 2005,17

que a extinção do crédito tributário só se efetivava, quando não expressamente

homologado, após o decurso do prazo legal da homologação tácita, podendo perfazer

um prazo de até 10 (dez) anos, ou seja, atribuía-se natureza de cláusula suspensiva ao

pagamento antecipado, postergando seus efeitos jurídicos. A doutrina, em sua grande

maioria, opunha-se a este posicionamento.18

Com a edição da Lcp nº 118, de 2005, deu-se nova interpretação ao tema, e a

data da extinção do crédito tributário, disciplinada no art. 168, I, do CTN, ficou

definida como sendo a data do pagamento, antecipado ou não, eliminando de vez

discussões a este respeito. Suscitaram-se, com isso, grandes discussões, na doutrina e

jurisprudência, ficando então firmado o entendimento no STJ,19 que a tese dos “cinco

mais cinco” será aplicada nas “ações de repetição/compensação de valores

indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação,

desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005,” data em que entrou em vigência da Lcp

nº 118, de 2005.

Contudo, em julgados posteriores de Turma do STJ,20 decidiu-se de forma

diversa, ao delimitar a aplicação da tese dos “cinco mais cinco” à data do pagamento,

ou seja, desde que o pagamento tenha sido efetuado antes da vigência da referida lei

complementar, e não propriamente da data do juizamento da ação de repetição.

Em outras palavras, por esses julgados, a referida Lcp nº 118/2005 só deve ser

aplicada aos pagamentos efetuados após à sua vigência, independentemente de a ação

de repetição ter sido ajuizada até 09 de junho de 2005, o que está a contrariar o

entendimento exarado pela 1ª Seção da egrégia Corte (AgRg nos EREsp 573311/RS).21

16 BRASIL. STJ. AgRg nos EREsp 509418/SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, 1ª Seção,

Data de julgamento 24/11/2004, DJ 17.12.2004: “2. A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp

435.835/SC, concluído na sessão de 24.3.2004, firmou o entendimento de que, no tocante à prescrição dos

tributos sujeitos à homologação, aplica-se a teoria dos “cinco mais cinco”, entre outros. 17 A Lei complementar nº 118/2005 deu nova interpretação ao inciso I do art. 168 do CTN,

ficando definida que a data da extinção do crédito tributário é a do pagamento, independente de ser

antecipado ou não. 18 SANTI, E. M. D. Obra citada, pp. 254 e 268, CASTRO, A. A. Breves considerações acerca

das alterações efetivadas no Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº 118/2005. Jus

Navigandi, Teresina, a. 9, n. 587, 14 fev. 2005. Disponível em: http://www1.jus.

com.br/doutrina/texto.asp? id=6317 Acesso em: 17 fev. 2015, entre outros. 19 BRASIL. STJ. AgRg nos EREsp 573311/RS, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, data de

julgamento 26/04/2006, DJ 22.05.2006. 20 BRASIL. STJ. AgRg no REsp 951233/SP, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, data de julgamento

16/12/2008, DJe 19/02/2009. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 08 maio 2015. 21 HABLE, J., Obra citada, pp. 252/253.

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Em realidade, foi no dia 08 de junho de 2010, ou seja, 5 anos da vigência da

Lcp, o último dia para se pleitear a restituição de valores pagos indevidamente em data

anterior à vigência da Lcp nº 118/05.

A mencionada Lcp nº 118, de 2005, que entrou em vigência no dia 9 de junho

de 2005, operou modificações no CTN, adaptando as normas tributárias à nova Lei de

Falências nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. E, no seu bojo, trouxe uma previsão que

não se relaciona a nenhum tipo de recuperação judicial e extrajudicial, nestes termos:

Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de

25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito

tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por

homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o

do art. 150 da referida Lei. (grifamos)

Doutrinadores militantes do direito e juristas22 posicionaram-se adversamente

sobre o novel texto, sendo que um dos objetivos do mencionado art. 3º foi afastar os

entendimentos já pacificados na jurisprudência, mormente do STJ, da tese dos “cinco

mais cinco”, estabelecendo-se assim que para efeitos de interpretação do inciso I do art.

168 do CTN, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributos sujeitos a

lançamento por homologação, no exato momento do pagamento, considerado indevido,

independentemente de ser denominado antecipado ou não.

Em termos práticos, com a definição do termo inicial do prazo para pleitear a

repetição do indébito, houve uma redução do lapso de tempo, dos até dez anos para no

máximo cinco anos, para fins de solicitar a restituição ou compensação de tributos

pagos a maior.

Os seus defensores23 sustentam que, com a edição da Lcp nº 118, de 2005,

procurou-se, “por via legislativa, reafirmar a premissa clássica de contagem do prazo

(de cinco anos) para restituição a partir do pagamento indevido, seja ele caracterizado

como antecipado ou não”.

22 PIMENTA, P. R. L. A aplicação da Lei Complementar nº 118/05 no tempo: o Problema das

Leis Interpretativas no Direito Tributário, in RDDT nº 116, maio 2005. Entende o autor que o art. 3º da

Lcp 118 de 2005 é norma “pseudo-interpretativa”, e como lei nova deve ser aplicada integralmente a fatos

geradores posteriores a sua vigência, em face da aplicação da lei tributária no tempo. Já ROSSI, J. C., no

artigo escrito: Lei Complementar 118/2005: Efeitos na Prescrição e Decadência dos Tributos sujeitos a

Lançamento por Homologação, in RDDT nº 116, maio 2005, admite a validade do referido artigo,

entendendo ser norma interpretativa compatível com o ordenamento jurídico, entre outros. 23 CASTRO, A. A. Breves considerações acerca das alterações efetivadas no Código Tributário

Nacional pela Lei Complementar nº 118/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 587, 14 fev. 2005.

Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6317. Acesso em: 17 fev. 2015, entre

outros.

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Há que se registrar ainda que logo que foi editada a mencionada Lcp nº 118/05,

muitos especialistas afirmaram que esta nova interpretação iria reduzir

significativamente o volume de tributos em compensação nos processos judiciais e

administrativos já em andamento, ao se estabelecer que era uma lei interpretativa,

podendo-se retroagir os seus efeitos.

A discussão englobou assim diversos temas entre os quais, se o art. 3º da Lcp

nº 118, de 2005, seria norma interpretativa ou um dispositivo que daria um novo

tratamento ao instituto da prescrição ou decadência e, ainda, se seus efeitos seriam

retroativos ou não, segundo prescreve o seu art. 4º:

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,

observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº

5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. (grifamos)

Tratando sobre o tema lei interpretativa e seus efeitos, o então Ministro do

STJ, Luiz Fux,24 desenvolveu brilhante estudo, no EREsp 476150/RS, concluindo que

“a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, aplica-se, tão somente, aos

fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo

regramento não é retroativo mercê de interpretativo.”

E assim, no que se refere ao alcance da Lcp 118/2005, o STJ25 firmou o

seguinte entendimento:

EMENTA (...)

1. (...)

2. A norma do art. 3º da LC 118/05, que estabelece como termo inicial do

prazo prescricional, nesses casos, a data do pagamento indevido, não tem

eficácia retroativa. É que a Corte Especial, em sessão de 06/06/2007, DJ

27.08.2007, declarou inconstitucional a expressão “observado, quanto ao

art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 –

Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da

referida Lei Complementar. (grifamos)

Importante observar que com a nova interpretação dada, via legislativa, ao

comando legal disposto no art. 168, I, do CTN, além de ficar definido claramente o

termo de início da contagem do prazo para restituição, extirpando de vez discussões

doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, ficou também estabelecido que:

24 BRASIL. STJ. EREsp 476150/RS, 1ª Seção, data de julgamento 14/09/2005, DJ 26.09.2005. 25 BRASIL. STJ. ERESP Nº 644.736/PE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, Data

Julgamento 28/11/2007, DJ 17.12.2007. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 26 abr. 2013.

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(a) é o pagamento, antecipado ou não, que extingue o crédito tributário, nos

termos do art. 156, I, do CTN; e,

(b) em sendo assim, ficou bastante reduzida e ofuscada a aplicação da

modalidade de extinção do crédito tributário, disciplinada no inciso VII, do art. 156, do

CTN, que assim dispõe:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...)

(...)

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos

do disposto no artigo 150 e seus §§ 1o e 4o. (grifos não do original)

Isso porque, não se pode aceitar que um mesmo crédito tributário venha a ser

extinto em dois momentos completamente diferentes, a depender tão somente dos seus

efeitos, quais sejam:

(1) para efeitos de repetição do indébito, seria da data do pagamento em

si; e,

(2) para efeitos de fiscalização tributária, seria dos 5 (cinco) anos do fato

gerador (com o pagamento antecipado e a homologação do lançamento), ou seja, na

data da homologação expressa ou tácita.

Assim, estando extinto o crédito tributário pelo pagamento, antecipado ou não,

não há se cogitar em nova extinção pela homologação tácita, pelo transcurso de prazo

de 5 (cinco) anos do fato gerador, nos termos do art. 150, § 4º, do CTN. Em outras

palavras, esvaziou-se a própria função da homologação tácita.26

4. DO PAGAMENTO INDEVIDO DO TRIBUTO

É cediço que, segundo as legislações tributárias,27 para que possa haver

devolução de tributo é necessário inicialmente que haja, entre outros, o “recolhimento

de tributo indevido, ou maior que o devido”.

Assim, após verificar se o interessado efetuou o seu pedido dentro do prazo

prescricional de 5 anos da data do pagamento, sob pena de não ser recebido o pedido

26 HABLE, J., Obra citada, pp. 255/257. 27 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 4.567/11, “Art. 75. O sujeito passivo tem direito,

independentemente de protesto prévio, à restituição total ou parcial do tributo, atualizado

monetariamente, nos seguintes casos: I – recolhimento de tributo indevido, ou maior que o devido; II –

erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do

débito, ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma,

anulação, revogação ou rescisão de decisão contrária ao contribuinte.” Entre outras.

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pela sua intempestividade, torna-se necessário analisar se o pagamento foi indevido ou

não. São diversas as causas para um pagamento ser reconhecido como indevido, sendo

as mais comuns, o pagamento a maior, em duplicidade, ou ainda, de um tributo que

posteriormente venha ser considerado ilegal ou inconstitucional, entre outros.

Entre as alegações mais comuns do interessado para pleitear a devolução de

tributo pago indevidamente estão a aplicação incorreta da alíquota do serviço, por ter

havido o pagamento a maior que o devido, ou seja, aplicou-se, por exemplo, a alíquota

de 5%, quando a correta seria de 2,79%, por a empresa estar enquadrada no Simples

Nacional, e erro na eleição do sujeito ativo, isto é, efetuou-se, por exemplo, o

pagamento do ISS no local da prestação do serviço, quando o correto seria no domicílio

do prestador. Nesses casos seria possível sua devolução?

5. O ISS E FENÔMENO DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA

A doutrina, para fins didáticos, costuma classificar os impostos, segundo sua

repercussão, diferenciando-os em impostos indiretos e diretos.

Nos impostos indiretos, a exemplo do IPI, ICMS e ISS, entre outros, diz-se que

os contribuintes de direito e de fato estão em pessoas diversas, isto é, a pessoa que a lei

tributária elegeu como sujeito passivo da obrigação (contribuinte de direito), não é a

que efetivamente suporta o ônus financeiro do tributo (contribuinte de fato).

Desse modo, nos impostos indiretos, o peso do tributo pode ser "passado

adiante", tendo como característica a repercussão econômica, por sua própria natureza.

É o fenômeno econômico da transladação ou repercussão dos tributos.

Essa classificação tem sua grande relevância na interpretação e aplicação do

art. 166 do CTN, que trata da restituição desse tipo de tributo, que assim dispõe:

"Art. 166 - A restituição de tributos que comportem, por sua natureza,

transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem

prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso tê-lo transferido a

terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la."

Em se falando de restituição de tributo classificado como indireto, na letra do

art. 166 do CTN, o valor pago indevidamente somente poderá ser devolvido, a quem

comprove que efetivamente suportou o ônus financeiro do encargo, ou, esteja

autorizado, por quem suportou o encargo, a pedir a repetição.

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Essa interpretação do art. 166, do CTN, está sacramentada pela jurisprudência

de nossos tribunais, conforme entendimento consolidado nas Súmulas 71 e 546,28 do

STF.

Já nos denominados tributos diretos, a exemplo do IPTU, entre outros, os

contribuintes de direito e de fato estão na mesma pessoa, ou seja, a pessoa, que a lei

tributária elegeu como sujeito passivo da obrigação, é a mesma que efetivamente

suporta o ônus financeiro do tributo. Nessa hipótese, o peso do imposto não pode ser

"passado adiante".

Nestes termos, a exemplo do ISS, aquele que mantém a relação pessoal e direta

com o Estado, o prestador do serviço - que recolhe o tributo - denomina-se contribuinte

de direito. Entrementes, o tomador do serviço, estranho à relação jurídico-tributária

principal, porém vinculado ao fato gerador é nomeado contribuinte de fato - porque de

fato foi ele que sofreu o ônus fiscal.

Importante colocar que o ISS é uma espécie de tributo que pode funcionar

como imposto direto ou indireto, a depender da situação a ser analisada no caso

concreto. Caso seja exigido em valores fixos, como ocorre com as sociedades de

profissionais liberais, a sua natureza é “direta”, não se lhe aplicando a regra do art. 166

do CTN.

Porém, se for cobrado por valores não fixos, proporcionais ao preço do serviço

correspondente, será classificado como indireto, pois existe uma vinculação entre os

serviços prestados e a base de cálculo do imposto, sendo próprio cogitar-se de

transferência do ônus tributário, aplicando-se o art. 166 do CTN.

E nesse caminhar, o ISS, como imposto indireto, é um tributo que comporta,

por sua natureza, a transferência do respectivo encargo financeiro, onde os contribuintes

de direito e de fato estão em pessoas diferentes, em que pessoa que a lei tributária

elegeu como sujeito passivo da obrigação, no caso, a empresa prestadora do serviço

(contribuinte de direito), não é a que efetivamente suporta o ônus financeiro do tributo,

o tomador do serviço (contribuinte de fato.

Para a jurisprudência de nossos tribunais, em especial, do Superior Tribunal de

Justiça (STJ), é assim tratada a natureza do ISS:

Na 1.ª Turma, no AgRg no Ag 692.583/RJ:

28 BRASIL. STF. SÚMULA 71 "Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo

indireto." e SÚMULA 546 – "Cabe restituição do tributo pago, indevidamente, quando reconhecido por

decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de fato o quantum respectivo."

Disponível em: http://www.stf.gov.br/. Acesso em: 20 abr. 2015.

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“1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou

indireto, a depender da avaliação do caso concreto.

2. Via de regra, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do

art. 7.º da Lei Complementar n.º 116/2003, hipótese em que a exação assume

a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo

financeiro ao tomador do serviço.

3. Necessidade, na hipótese dos autos, de prova da não-repercussão do

encargo financeiro do tributo, nos termos do art. 166 do CTN. [...]”29

Na 2.ª Turma do STJ, no REsp 724.684/RJ:

“Exame do inteiro teor do acórdão revela que as situações nas quais o ISS

seria “indireto” seriam aquelas nas quais sua base de cálculo é o preço do

serviço, aplicando-se o art. 166 do CTN. Entretanto, nas hipóteses em que o

ISS é cobrado em valores fixos, como ocorre com as sociedades de

profissionais liberais (Decreto-lei n.º 406, art. 9.º, §§ 1.º e 3.º), sua natureza é

“direta” e o art. 166 não se aplica, pois “inexiste vinculação entre os serviços

prestados e a base de cálculo do imposto municipal, sendo impróprio cogitar-

se de transferência do ônus tributário e, consequentemente, da aplicação do

art. 166 do CTN” 30

Assim, tratando do ISS como imposto indireto, em que tem como característica

a repercussão econômica, onde seu valor integra o preço dos serviços, pago pelo

tomador ou consumidor final, o contribuinte de direito é obrigado a recolher o imposto,

por uma ficção jurídica, objetivando facilitar a arrecadação, pois quem suporta de fato e

efetivamente o ônus do tributo é o tomador de serviço.

Dessa forma, por exemplo, a afirmação de que seria a empresa prestadora do

serviço que suporta o ônus do ISS não é verdadeira, porquanto ela apenas recebe do

tomador do serviço e recolhe aos cofres públicos o imposto devido, que já vem

embutido no preço do serviço.

6. O ISS E OS REQUISITOS PARA A DEVOLUÇÃO DO TRIBUTO

Da leitura do texto normativo disposto no art. 166 do CTN, é de se

compreender que nos tributos, em que o ônus é transferível a terceiro, a restituição

somente será feita ao interessado que atenda a pelo menos um dos dois requisitos, quais

29 BRASIL. STJ, 1.ª T., AgRg no Ag 692.583/RJ, Rel. Min. Denise arruda, julgamento em

11/10/2005, DJ de 14/11/2005, p. 205, rep. DJ de 28/11/2005, p. 208. Disponível em:

http://www.stj.gov.br/. Acesso em: 10 jun. 2015. 30 BRASIL. STJ, 2.ª T., REsp 724.684/RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgamento em 3/5/2005, v.

u., DJ de 1.º/7/2005, p. 493. Disponível em: http://www.stj.gov.br/. Acesso em: 10 jun. 2015.

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sejam: I - prove efetivamente haver assumido o referido encargo; ou, II - esteja

legitimado expressamente a recebê-la.

6.1 Comprovação que efetivamente suportou o ônus financeiro do encargo

Quando o interessado protocola o pedido de devolução de tributo, considerado

indireto, a exemplo do ISS, é comum a Administração tributária notificá-lo para

apresentar documentos que comprovem ter assumido o encargo financeiro do ISS pago

a maior.

O interessado, por sua vez, normalmente alega que assumiu o encargo

financeiro, por dever contratual, pois no contrato de prestação de serviços estaria

prevista sob sua exclusiva responsabilidade o pagamento das obrigações trabalhistas,

fiscais e da previdência, ou seja, de pagar todos os tributos, inclusive o ISS, e de manter

em dia o pagamento de todos os tributos.

Esses deveres contratuais, no entanto, de estar a empresa regularizada com suas

obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias, não é prova de que tenha assumido o

encargo financeiro do ISS pago a maior. Isso porque o recolhimento efetuado pelo

prestador é apenas fruto de responsabilidade obrigacional tributária de ter que repassar

ao fisco o imposto devido na operação.

Em realidade, o que está a determinar quem assumiu o encargo financeiro

tributário é a natureza do imposto, e em termos práticos, torna-se muito difícil a

comprovação pelo contribuinte de direito de que assumiu o ônus financeiro, porquanto é

da natureza do tributo estar embutido no valor do produto vendido o montante devido

do imposto, que vem destacado na nota fiscal e suportado pelo tomador do serviço, o

consumidor final.

Muito importante ressaltar ainda que, segundo recentes julgados do STJ,31 o

contribuinte de fato não faz parte da relação jurídica entre fisco e sujeito passivo e assim

é parte ilegítima para pleitear a repetição do indébito. Ou seja, o contribuinte de fato

apenas e tão somente poderá autorizar o contribuinte de direito, no caso, o prestador do

serviço, a solicitar a devolução, e nessa interpretação jurisprudencial, ele próprio nunca

poderá efetuar o pedido e receber a devolução, mesmo que consiga comprovar ter

assumido o ônus dos encargos financeiros.

31 BRASIL. STJ. REsp 983814 / MG, rel. Min. CASTRO MEIRA, j. 04/12/2007. Disponível

em: http://www.stj.gov.br/. Acesso em: 10 jun. 2015.

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6.2 Autorização, por quem suportou o encargo, a pedir a repetição.

Pelo artigo 166 do CTN, o outro requisito necessário para ser deferido o pedido

de restituição é “no caso tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente

autorizado a recebê-la.”

É muito comum o interessado, em não conseguindo comprovar que assumiu o

ônus financeiro, buscar uma declaração autorizativa de restituição. Além da normal

dificuldade em consegui-la de quem tomou o serviço, o consumidor final, necessária é

que a autorização seja expressa, e não apenas uma declaração em que se declare “não ter

qualquer óbice em relação ao pleito de restituição do tributo perante o fisco, desde que

tenha amparo legal.”

Na autorização deve estar expressamente demonstrado o interesse ou intenção

do contribuinte de fato em autorizar o pleito: “autorizo ...”. Declarar apenas que “não

tem nada contra a restituição, ou nada com isso, desde que obedecida a legislação”, não

há qualquer delegação de poder ou autorização expressa, e sim simplesmente que não se

opõe que se faça se assim tiver poder ou competência.

Relevante assim, nos termos do art. 166 do CTN, que nos autos do processo de

restituição que esteja comprovado que o interessado assumiu o referido encargo, e no

caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a receber a

devolução.

7. ESTUDOS DE CASO

Colocamos, a título de exemplificação, alguns estudos de caso sobre o tema em

análise.

ESTUDO DE CASO 01:

(a) Empresa X prestou serviço a ente público UNIÃO, que efetuou a retenção

do ISS.

(b) Após a prestação do serviço, verificou-se que a alíquota foi lançada a maior

(era 2% - lançou 5%).

(c) no caso, constava no contrato a alíquota de 5%.

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(d) quem efetivamente suportou o ônus financeiro?

(e) resposta: A UNIÃO, contribuinte de fato, que suportou o ônus – “pagou do

bolso” o valor a maior.

(f) pelo STJ, apenas a empresa X pode pedir, se tiver autorização da UNIÃO.

ESTUDO DE CASO 02:

(a) Empresa X prestou serviço a ente público UNIÃO, que efetuou a retenção

do ISS.

(b) Após a prestação do serviço, verificou-se que a alíquota foi lançada a maior

(era 2% - lançou 5%).

(c) no caso, constava no contrato a alíquota de 2%.

(d) quem efetivamente suportou o ônus financeiro?

(e) resposta: A Empresa X, contribuinte de direito, que suportou o ônus –

“pagou do bolso” o valor a maior.

(f) A UNIÃO apenas “reteve” o valor que era devido à Empresa X.

ESTUDO DE CASO 03:

(a) Empresa X prestou serviço a ente público UNIÃO, que efetuou a retenção

do ISS, mas o ISS era devido no local da prestação, e foi pago no domicílio do prestador

(locais diferentes).

(b) quem efetivamente suportou o ônus financeiro?

(c) resposta: vai depender do que constava em contrato. Se pago conforme

contrato, foi a UNIÃO, contribuinte de fato, que suportou o ônus – “pagou do bolso” o

valor indevido.

(d) pelo STJ, apenas a empresa X pode pedir, se tiver autorização da UNIÃO.

Se diferente do contrato, a Empresa X, contribuinte de direito, que suportou o ônus –

“pagou do bolso” o valor a maior.

8. AS FORMAS DE DEVOLUÇÃO DO VALOR A RESTITUIR

Por fim, cabe colocar as diversas formas como o valor a restituir é devolvido

ao interessado. As legislações tributárias dos entes federativos prevêem diversas formas

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de devolução, que vai depender da situação do interessado, principalmente, se for

contribuinte ou não.

O mais comum e normal é a restituição mediante compensação, nas

modalidades de estorno contábil ou compensação financeira, podendo ser também em

moeda corrente.32

As hipóteses de restituição em moeda corrente são mais restritas,

compreendendo o recolhimento indevido de tributos diretos, a exemplo do IPTU, de

tributos indiretos, quando o titular do direito for contribuinte autônomo do ISS ou não

inscrito no Cadastro Fiscal do Fisco, ou ainda optante do Simples Nacional,33 entre

outros.

CONCLUSÃO

Na hipótese de um contribuinte pagar valores a título de tributos que acabam se

revelando indevidos, tem ele o direito de pedir a sua devolução, que pode ter diversos

motivos, a exemplo, de pagamento a maior, em duplicidade, e sua devolução se

fundamenta na ausência de causa jurídica para a sua cobrança pela Fazenda Pública.

Assim, respondendo aos questionamentos levantados na introdução desse

trabalho, pode-se afirmar:

1. Quais os requisitos que devem ser verificados quando se inicia a análise do

pedido?

Resposta: quando se inicia a análise do pedido deve-se verificar em primeiro

lugar se o pagamento realmente foi indevido, apresentando os fundamentos que levaram

a essa conclusão.

2. Qual o prazo para pleitear a restituição e quando se inicia?

32 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 4.567/11. “Art. 79. A restituição será feita mediante

compensação, nas modalidades de estorno contábil ou compensação financeira, ou ainda em moeda

corrente.” Disponível em: http://www.fazenda.df.gov.br Acesso em: 09 jun. 2015. 33 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 4.567/11. “Art. 80. A restituição em moeda corrente será feita

na hipótese de recolhimento indevido de: I – tributos diretos; II – tributos indiretos, quando o titular do

direito for contribuinte: a) autônomo do ISS; b) não inscrito no CF/DF; c) optante pelo Regime Especial

Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições Devidos pelas Microempresas e Empresas de

Pequeno Porte – SIMPLES NACIONAL, quanto aos tributos de competência do Distrito Federal, sem

prejuízo da regulamentação específica do Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN, com fundamento

no art. 21, § 5º, da Lei Complementar federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:

http://www.fazenda.df.gov.br Acesso em: 09 jun. 2015.

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Resposta: o interessado tem o prazo de 5 anos a contar da data do pagamento

indevido para pleitear o pedido, sob pena de extinção de seu direito pela prescrição.

3. Qual a classificação dos impostos quanto à sua repercussão?

Resposta: A doutrina, para fins didáticos, costuma classificar os impostos,

segundo sua repercussão, diferenciando-os em impostos indiretos e diretos. Nos

impostos indiretos, a exemplo do ISS, diz-se que os contribuintes de direito e de fato

estão em pessoas diversas, isto é, a pessoa que a lei tributária elegeu como sujeito

passivo da obrigação (contribuinte de direito), não é a que efetivamente suporta o ônus

financeiro do tributo (contribuinte de fato).

Nos denominados tributos diretos, a exemplo do IPTU, os contribuintes de

direito e de fato estão na mesma pessoa, ou seja, a pessoa, que a lei tributária elegeu

como sujeito passivo da obrigação, é a mesma que efetivamente suporta o ônus

financeiro do tributo.

4. Há diferenças na análise de devolução de imposto considerado direto e

indireto?

Resposta: Sim, nos impostos indiretos, a restituição somente será feita a quem

prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso tê-lo transferido a terceiro, estar

por este expressamente autorizado a recebê-la, nos termos do art. 166 do CTN.

5. O contribuinte de fato tem legitimidade para pedir a devolução de tributo

classificado como indireto?

Resposta: segundo julgados recentes do STJ, o contribuinte de fato não faz

parte da relação jurídica entre fisco e sujeito passivo e assim não é parte legítima para

pleitear a repetição do indébito.

6. Quais os critérios a serem atendidos e analisados no processo de devolução

de tributo indireto?

Resposta: são dois: o interessado, sendo contribuinte de direito, terá que provar

que efetivamente assumiu o referido encargo; ou, que ele esteja legitimado

expressamente a receber a devolução, nos termos do art. 166 do CTN.

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