a rede quilombola como espaco de acao politica - paulo silva e jose carlos dos anjos (1)
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A REDE QUILOMBOLA COMO ESPAÇO DE AÇÃO POLÍTICA
José Carlos Dos Anjos*
Paulo Sergio da Silva**
Em 1996, por intervenção do Núcleo de Estudos e Relações Interétnicas
(NUER/UFSC) da Universidade Federal de Santa Catarina, foram mapeadas 46
“territórios negros” no Rio Grande do Sul, pressupostamente passíveis de virem a ser
identificados como remanescentes de quilombos. A partir de 2001, cinco
comunidades negras rurais1 foram objeto de pesquisa para realização de laudos,
elaborados sob a perspectiva da problematização de sua condição de remanescentes
de quilombos.
Desde 2003, mais de 40 localidades no Rio Grande do Sul já foram alvo de um
ou mais programas de políticas públicas que as identificam como comunidades
remanescentes de quilombos. Em junho de 2004, a Fundação Cultural Palmares,
órgão do Ministério da Cultura, emitiu certidões de reconhecimento2 para 15
comunidades no Estado do Rio Grande do Sul, através da Portaria FCP n.06, de 01 de
março de 2004.
Atualmente, levantamentos do INCRA, apoiado por organizações do
movimento negro, apontam para um número que gira em torno de 120 comunidades
remanescentes de quilombos no Rio Grande do Sul. Para que esse significativo
contingente de agrupamentos negros possa ser nomeado e politicamente pensado
como Comunidades Remanescentes de Quilombos, é necessário todo um conjunto de
1 As comunidades de Arvinha, Mormaça, Morro Alto, Rincão dos Martimianos e São Miguel dos Pretos foram palco de estudos técnicos na busca de evidências que atestassem sua condição de comunidades remanescentes de quilombos.
2 As certidões de reconhecimento são consideradas como documentos legítimos para fins de reconhecimento institucional por parte de agências do Governo Federal. A emissão destas certidões assim como a exigência de parecer técnico estão relacionadas de modo problemático ao critério de auto-identificação das comunidades.
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pequenas lutas políticas e um intenso trabalho de construção de laços sociais entre
agrupamentos locais e dispersos de agricultores.
Assim, em 2004, esboçou-se um novo conjunto de políticas públicas sob a
filosofia social da economia solidária, que visava colocar os “Quilombolas em
Rede3”. Não apenas algumas dezenas de agrupamentos rurais entraram em conexão
com agências do Estado, mas dezenas de membros de organizações urbanas
vinculadas a movimentos sociais constituíram mediadores entre os moradores
identificados às reconhecidas comunidades e aos respectivos programas de
atualização dos objetivos assinalados.
Nesse meio tempo, quilombolas, que nunca teriam saído de suas localidades
para fora do Estado, foram chamados a participar de uma comissão de elaboração de
um decreto administrativo para regulamentar o artigo 68 das Disposições Transitórias
da Constituição; também foram convocados a participar de outras dezenas de reuniões
de considerável importância em Brasília, Recife, Maranhão, entre outros estados da
Federação. Ao todo, mais de 50 quilombolas se deslocaram para fora do estado do Rio
Grande do Sul, sendo que alguns deles, em dois anos, participaram de mais de quinze
reuniões em Brasília.
Se considerarmos que, em anos anteriores, esses atores sociais não tiveram o
mesmo número de saídas de suas localidades para ir, ao menos até a capital do Estado
para a resolução de problemas pessoais, o conceito de bifurcação de trajetórias de
atores adquire importante valor explicativo: de orientação referida à comunidade, os
atores se projetaram para a nação. Pelo tipo de agenda, pelo perfil das novas relações,
3 O Projeto Compras Coletivas - Quilombolas em Rede é uma proposta institucional que parte da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Surgiu no âmbito do Conselho Estadual pela Auto Sustentabilidade das Comunidades Remanescentes de Quilombos e foi desenvolvido pela Delegacia Regional do Trabalho, em conjunto com a ONG Palmares. Contou com o apoio financeiro da Petrobrás para atender 20 comunidades remanescentes de quilombos. O projeto pretendia viabilizar o acesso a alimentos em quantidade, qualidade e permanência, conforme parâmetros da segurança alimentar, procurando estimular a organização coletiva e resgatar valores culturais próprios. Tentava estimular novos hábitos de consumo, o fortalecimento de iniciativas econômicas no campo popular e solidário, a promoção da produção local e a preservação do meio ambiente, além da articulação em rede das comunidades quilombolas para a produção e comercialização.
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pela rede em que eles vieram a se inserir e pela intensificação da demanda por novas
conexões, pode-se falar em inflexão de trajetória em direção à condição de broker4.
Uma série de novas entidades ligadas ao movimento negro (IACOREQ, ONG
Palmares, kuenda) emergiram especializadas na questão. Outras organizações com
significativa expressão nacional, como o Movimento Negro Unificado (MNU), e
ONGs transnacionais, como o Centro de Direito à Moradia Contra Despejos
(COHRE), aportaram e criaram secções que visam integrar os quilombolas. Também
as principais universidades do Rio Grande do Sul empreenderam uma série de
programas de extensão e pesquisa tendo os quilombolas como público-alvo. Das
agências públicas que, pelo menos, concederam algum tempo de suas atividades de
mediação para a implantação de políticas públicas visando ao reconhecimento de
quilombolas, contam-se: o Gabinete da Reforma Agrária, a Secretaria Estadual da
Agricultura e Abastecimento, a Comissão de Participação Popular da Assembléia
Legislativa, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério Público Federal,
o Ministério Público Estadual, a Secretaria Estadual do Trabalho e Cidadania e
Assistência Social, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Delegacia
Regional do Trabalho (DRT), a Fundação Cultural Palmares e a Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
Poder-se-ia problematizar essa construção de lideranças quilombolas no seio
dessa rede ampla de elaboração e aplicação de políticas públicas, questionando-se: - A
nova socialização política poderia facilitar a criação de interesses individuais5 tão
específicos, a ponto de mediadores não correrem o risco de se afastar dos interesses
efetivos de seus grupos de origem? Mais ainda: Pode-se suspeitar da aplicabilidade da
4 Usamos aqui o conceito de broker associado ao de ator orientado para a nação, no modo como Wolf (2003) contrapõe esse personagem conceitual ao de ator voltado para comunidade. O broker articula uma função essencial de mediação que é a de associar atores orientados para a comunidade a atores orientados para a nação. 5 Normalmente esse tipo de problematização obscurece o fato de que o interesse individual não tem o privilégio da transparência e que “deve ser designado para que seja reconhecido. É demasiadamente precipitado e abusivo, qualificá-lo como “individual”: seu reconhecimento pelos indivíduos depende do modo como se identificam os conjuntos por intermédio de um trabalho de categorização e equiparação que é de todo coletivo e histórico” ( Boltanski; Chiapello, 1999, p.634).
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noção de comunidades, quando inseridas em um mundo configurado em rede,
pressupondo a interseção privilegiada desse pequeno segmento de dez a quinze
líderes.
No conjunto de problemáticas que estamos levantando, convém ainda destacar
a noção vaga de “interesse da comunidade”, visto que unifica uma multiplicidade de
disposições pouco formalizadas e em constante processo de reconstituição. Quanto à
escolha do mediador junto às instâncias externas, ele nem sempre coincide com a
liderança constituída na comunidade. O status social do mediador reconhecido junto
aos comunitários não está estritamente vinculado a desempenhos de liderança. Supõe-
se geralmente que um membro da comunidade só se institui nas relações com
mediadores externos se estiver desde há muito socialmente autorizado pelos
comunitários que politicamente representa. De fato o mediador pode ser uma velha
liderança, mas a maior parte dos casos que acompanhamos no Rio Grande do Sul
coloca em xeque a automaticidade do deslocamento social do status anterior. Com
efeito, sem dispor de autoridade anterior, muito além de um círculo familiar restrito, o
novo mediador emerge com freqüência de um círculo de convivências prolongadas
pela capital do Estado. Ele se autoriza e é autorizado por contatos anteriores com
espaços de mediação institucional, similares ao que veio a se instituir pela primeira
vez na comunidade, isto é, a partir da intervenção institucional de programas
articulados a políticas públicas especialmente dirigidas a quilombola como público
alvo. Enfim, ele se socializa e se legitima ao papel em instâncias de relações de poder
que estão e são distanciadas da vida social que se reconhece comunitária. Na maior
parte das vezes, este mediador constituído para os novos campos de intervenção
pública se impõe exatamente pela capacidade de romper posturas ou estratégias
valorizadas entre os que se distanciam de tais instâncias de expressão de
interculturalidade política; isto é, de realização de racionalidades até então estranhas
ao que se reconhece como vida comunitária e suas formas de inserção social.
Referimo-nos, por exemplo, ao silêncio tácito dos comunitários diante dos agentes
externos. Por conseguinte, este novo tipo de mediador se constitui, sobretudo, pelas
competências para se inserir em redes amplas de políticas externas à comunidade.
O fato de se levar em conta o papel e o status de mediadores nesse campo de
ações políticas não pode conduzir à reificação ou pressuposta evidência de
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competências dos agentes. Da mesma forma, não deve predeterminar as chances de
que um exercício de mediação carregue os sentidos de justiça elaborados nas
múltiplas experiências de engajamento na esfera pública6. Afinal, em grande parte,
elas são geradas pelas referências de práticas políticas privilegiadas no seio do grupo
que, assim, pressupostamente, passa a ser concebido como beneficiário.
Destacamos então: em lugar de adotar um enfoque que, ao qualificar o ator por
seu pertencimento a grupos ou instâncias de negociações, lança ao descrédito a
agência de representação política constituída na vida em comunidade, consideramos
mais instigante interrogarmos os próprios quilombolas sobre a qualidade dos vínculos
constituídos com representantes autorizados pelo próprio grupo, isto é, sobre a
economia política da representação própria ao grupo.
Mediação: embate e diplomacia
Os espaços de mediação também o são de embates e de diplomacia. Os que a
ele se integram estão constantemente a escorregar de um a outro mundo de
ajustamento, de um conjunto a outro organizado de princípios de grandeza. A mais
significativa especificidade que destacaríamos na ação de mediação, no caso em foco
neste artigo, é que ela envolve, em quaisquer circunstâncias, disputas por justiça. Para
a análise assim dimensionada, as contribuições da sociologia das justificações
emergem oportunas para considerar a temática, na medida em que elas incidem sobre
a análise de situações de disputas por justiça. A perspectiva permite descortinar cenas
da vida “nas quais as pessoas, em desacordo entre si, apóiam-se em diferentes
princípios de justificação para argumentar de seu ponto de vista e, eventualmente,
encontrar as formas de um acordo legítimo” (Dodier, 1993, p.81).
Por esse prisma, em lugar de partirmos do pressuposto de uma violência
simbólica inerente às estruturas que conformam o processo de mediação por
6 A interpretação de Habermas de esfera pública apresenta para nós o interesse adicional de se apoiar sobre uma representação associada à metáfora da rede: “a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos”. (Habermas, 1997: 92).
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intervenção social, situaremos a análise nas relações de força que se constituem,
especialmente a partir do horizonte aberto pelas denúncias tornadas públicas pelos
próprios atores que reivindicam justiça.
É certo que a mediação, tal como aqui a enfocamos, pode também ser tomada
como um espaço de comunicações com potencial para constituir uma comunidade de
argumentação, visando a graus mais ou menos satisfatórios de “fusão de horizontes”7.
Todavia, tomamos essa perspectiva como um dos horizontes críticos dos próprios
atores inseridos no espaço da mediação, mormente quando tentam gerir dimensões da
estrutura de participação na elaboração de projetos de desenvolvimento local.
Afastamo-nos então dos pressupostos desse tipo de abordagem, na medida em que não
enfocamos o espaço da mediação como constituído essencialmente por discursos. Pelo
contrário, pretendemos prestar atenção em efeitos práticos que se expressam pelos
modos como os atuantes emergem em circulação nas redes de mediação.
Além da dimensão comunicativa, dimensões ontológicas do “estar em rede”
têm sido problematizadas pelos atores inseridos no espaço de mediação que articulam
quilombolas e representantes de agências estatais de políticas públicas. A
expropriação de saberes e competências e os oportunismos têm elevadas chances de
se consolidar, quando atores sociais com elevados potenciais de mobilidade no
interior das redes de mediação se encontram com atores fixados em âmbitos locais.
Aqui, a análise busca justamente expor, a partir dos regimes comunitários de
denúncia, a exploração da imobilidade de agricultores como uma possibilidade no
interior de um mundo de conexões pouco reguladas, justamente para obstruir esse tipo
7 A articulação entre uma eticidade dialógica, relações de mediação e constituição de um campo político indígena e políticas públicas de etnodesenvolvimento encontra um importante desenvolvimento em Cardoso de Oliveira (1996, 2000). Apoiando-se em Apel e Habermas, Cardoso de Oliveira problematiza as políticas públicas a partir de uma ética da interlocução no espaço que denomina de comunidade de comunicação interétnica. Grosso modo, poder-se-ia resumir a argumentação de Cardoso de Oliveira na exigência de que os representantes indígenas sejam admitidos como legítimos interlocutores diante das agências do Estado e que esses representantes possam participar do processo e instituir por consenso negociado, as regras de interlocução prévias ao confronto de perspectivas com os mediadores de propostas de desenvolvimento. A abordagem que desenvolvemos aqui, menos do que se contrapor à perspectiva habermasiana de Cardoso de Oliveira, se esforça para suplementá-la, operacionalizando sua sistematicidade como uma das perspectivas em jogo.
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de agência oportunista. Por conseguinte, a avaliação do estado dessa regulação dos
oportunismos nas redes que envolvem a emergência de políticas públicas para as
comunidades remanescentes de quilombos no Rio Grande do Sul é o objetivo
específico do estudo apresentado no artigo.
Não sem razão, iniciamos o artigo situando o processo histórico de emergência
das políticas públicas para as comunidades remanescentes de quilombos, em
concomitância à consolidação de uma rede de atores implicados no processo de
promoção política do problema social da expropriação fundiária, bem como da
pobreza extrema nas comunidades situadas no estado mais meridional do país.
Assim elaborada a questão analítica, num segundo momento do artigo ocupar-
nos-emos do espaço de mediação para a execução de políticas públicas que têm esse
público como beneficiário. Discutiremos na seqüência, as vantagens e limites de uma
abordagem que privilegia a modelização8 das ordens de justificação dos atores
implicados em processos de mediação.
As dimensões empíricas da pesquisa têm como fonte o material documental da
Secretaria de Agricultura do Estado, do Incra-RS, entrevistas realizadas com
lideranças quilombolas, com funcionários públicos envolvidos em políticas
quilombolas e com agentes de Ongs que atuam na rede que se constituiu em torno da
questão quilombola. O tratamento dos dados visou destacar as ordens de grandezas
em que os atuantes se situam, quando deles se demanda a justificação de ações de
mediação. O trabalho analítico com o material documental e de entrevistas, neste
estudo, visa menos à explicitação de estruturas subjacentes que orientam
inconscientemente as estratégias dos atores, mas muito mais a operação da
reconstrução das competências em jogo enquanto gramáticas contextualmente
elaboradas pelos atuantes quando se engajam em disputas por justiça.
O estoque de teorias sobre a temática acumuladas na sociologia não funciona
aqui como referencial de enquadramento do conjunto da análise, mas como base
8 Por modelizar entendemos aqui o procedimento de empréstimo de conceitos e modelos de sistemas eruditos para descrever com precisão regimes ordinários de ação observados no trabalho de campo (BENÁTOUÏL, 1999, p.298-300).
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auxiliar na reconstrução das gramáticas subjacentes aos modelos de ação comunitária.
Os modelos de justiça ou de denúncias são reconstruções aqui apresentadas a partir
dos alvos e pressupostos dos discursos dos quilombolas, que geralmente as teorias
sociológicas ajudam a reconstruir como sistemas coerentes de ações. Adotamos, da
sociologia pragmática, a construção de modelos de competências dos quilombolas em
situações de mediação, pressuposto metodológico para explicitação e sistematização
das competências complexas dos cursos ordinários de ação. Na medida em que os
espaços de mediação, tendo em vista os campos de forças em que tais políticas
operam, estão particularmente impregnados pelas formas como as aquisições da
sociologia penetram esse âmbito da vida social, julgamos pertinente destacar que a
gramática das ordens de grandeza em jogo deva ser explicitada, tomando as teorias
sociológicas como modelos de partida. Assim, utilizaremos os aportes da sociologia
da ação comunicativa, tendo em vista modelizar as ações ordinárias de funcionários
do Estado que atuam junto às comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul. Por
modelização deve se entender aqui também o procedimento de uma sociologia
pragmática que, incrementando a estrutura argumentativa da disputa local com
recursos normativos oriundos da própria sociologia, eleva os princípios de coerência e
potencial denunciatório das diversas posições em jogo. E, por fim, julgamos
importante enfatizar o quanto as exigências quilombolas no sentido da regulação de
suas redes de mediação para políticas públicas vão além dos rigores de uma ética
dialógica.
Para além do agir comunicativo
O Estado do Rio Grande do Sul, em 2003, através do Programa RS Rural,
apresentou o Projeto RS Rural Quilombola com o objetivo de combater a pobreza, a
degradação dos recursos naturais e o êxodo dessa população rural. O programa visava
à promoção de ações integradas de consolidação da infra-estrutura familiar e
comunitária, geração de renda e de manejo e conservação dos recursos naturais, bem
como projetos de suporte e desenvolvimento institucional.
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Tendo em vista este amplo programa de intervenção estatal, nessa secção do
artigo utilizaremos dimensões da teoria do agir comunicativo como recurso para
modelizar as competências de mediação em pauta, tanto para os agentes da Secretaria
da Agricultura como para os técnicos da Emater – Associação Riograndense de
Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural, em contato direto com os
quilombolas. Em “Le nouvel esprit du capitalisme”, Boltanski e Chiappello (1999)
recorrem à literatura de gestão para expor a ordem de grandezas em emergência no
mundo qualificado como conexionista. Contudo, no caso de redes políticas, se a
literatura da gestão e da teoria da organização ajudam a remodelar suas gramáticas de
ação, é nas filosofias sociais mais amplas que podemos encontrar os modelos mais
explicitamente referidos pelos próprios agentes.
Algumas das dimensões mais normativas da produção sociológica das últimas
décadas vêm ajudando a conformar os dispositivos de regulação das possibilidades de
oportunismos e de explorações próprios ao “estar na rede” inerente às políticas
públicas. O recurso a dimensões normativas da obra de Habermas (1994; 2004) e
Giddens (2003) tem neste trabalho esse caráter, isto é, tornar mais precisa a utilização
da modelização como metodologia de análise do material empírico9.
Para definir e especificar os princípios de grandeza em jogo nos espaços de
mediação social se impõe realizar um vai-vem entre, por um lado, as pesquisas de
campo sobre as disputas em processo, nas quais podemos verificar os argumentos
críticos e as justificações apresentadas pelos próprios atores, mas também a releitura
de filosofias sociais consagradas que emanam da sociologia. Consideramos que as
dimensões dialógicas da obra de Habermas (2004), à luz da interpretação
experimentada em um caso próximo deste que tomamos para análise (Cardoso de
9 De resto continuamos próximos desse empreendimento que toma a literatura da gestão como fonte empírica, se considerarmos que um dos pontos de contato entre a literatura da gestão e as filosofias sociais mais amplas é justamente a teoria do agir comunicativo que vem renovando a contraposição entre gestão social e gestão estratégica (Tenório, 2006).
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Oliveira, 2000a)10, facilitaria o processo de explicitação das gramáticas da mediação
interétnica.
Após reconhecer que a história e a cultura são as fontes de uma imensa
variedade de formas simbólicas, bem como da especificidade das identidades
individuais e coletivas, Habermas (2004) aponta para um pluralismo epistêmico que
se pode reconhecer como sendo de teor similar ao que se estende hoje por todo um
conjunto de formulações acadêmicas que, grosso modo, poderia ser classificada pela
ordem de discurso multicultural, que também norteia parte das políticas publicas
direcionadas a públicos etnicamente diferenciados ou tradicionais:
Percebemos também, pelo mesmo ato, o tamanho do desafio representado pelo
pluralismo epistêmico. Até certo ponto, o fato do pluralismo cultural também
significa que o mundo se revela e é interpretado de modo diferente segundo as
perspectivas dos diversos indivíduos e grupos – pelo menos num primeiro
momento. Uma espécie de pluralismo interpretativo afeta a visão de mundo e a
auto-compreensão, bem como a percepção dos valores e dos interesses de pessoas
cuja história individual tem suas raízes em determinadas tradições e formas de
vida e é por elas moldada. (Habermas, 2004, p. 9).
Deriva desse pluralismo epistêmico uma posição de defesa de direitos
culturais, que pode ser colocada em contato termo a termo com os referenciais dos
projetos que foram desenvolvidos no âmbito do RS-Rural, em especial porque resume
as disposições mais gerais das agências de mediação diante das comunidades
quilombolas. No projeto elaborado pelos agentes da Emater para a comunidade de
Casca, no município de Mostardas, destacava-se a ênfase na adequação da politica à
identidade cultural do público-alvo:
A partir destes diagnósticos participativos e do resgate da história oral das comunidades observou-se um processo de intensificação das relações e de
10 Contudo, a utilização que faremos aqui da teoria do agir comunicativo é substancialmente diferente da que faz Cardoso de Oliveira (2000a). Suspendemos a adesão à possibilidade de uma fusão de horizontes entre os agenciamentos oriundos do Estado e o público-alvo. Colocamos a teoria do agir comunicativo ao nível das gramáticas nativas como condição de simetrização com modelos de ação e princípios de equivalência oriundos das comunidades em ação.
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organização dessas comunidades, em busca da construção de estratégias e de alternativas de sustentabilidade fundamentadas na sua identidade cultural.
Fruto de tais processos, a equipe local da EMATER/RS–ASCAR passou a desenvolver ações de resgate e valorização da cultura alimentar das comunidades à luz do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. (grifo nosso).
Emana dos pressupostos mais gerais do Programa RS-Rural, e das orientações
gerais de agências de financiamento, no caso o Banco Mundial – BIRD, essa
possibilidade de se legitimar projetos locais como o aqui citado, com ênfase em
identidades culturais específicas e minoritárias. A nova associação entre identidade
cultural, sustentabilidade e participação marca a linguagem de todos os projetos
elaborados no âmbito do programa.
A elaboração do Programa RS-Rural, isto é, de políticas públicas específicas
para tais comunidades, foi apresentada como sendo um exemplo de atuação prática na
perspectiva da construção de uma sociedade mais justa, solidária e soberana. Tal
consideração aposta num respeito ao público-alvo, com o qual se põe em prática
metodologias participativas que, em princípio, devem levar em consideração os atores
sociais envolvidos no processo.
O Projeto RS-Rural Quilombola, financiado com recursos do Banco Mundial e
posto em prática por iniciativa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, teve
início na gestão do governador Olívio Dutra (1998-2002). O programa RS-Rural,
resultante de um acordo com o BIRD da ordem de 100 milhões de dólares, previa
destinar às comunidades remanescentes de quilombos um investimento de 4,5 milhões
de reais.
A articulação do Projeto, ao levar em conta, em grande parte, os anseios e as
demandas da comunidade, instaura nas comunidades uma esfera pública específica. A
participação, tanto no que diz respeito à concepção quanto ao gerenciamento e à
execução das atividades do projeto, pressupõe que agentes do Estado e membros da
comunidade ajam comunicativamente.
Sob intenções assim delineadas, pressupunha-se que no projeto, entre a
agência do Estado e o horizonte próprio ao mundo da vida dos quilombolas,
constituir-se-ia um espaço de fusão de horizontes.
Na construção do espaço de mediação, tal como a idealidade do agir
comunicativo pressupõe, a cultura quilombola entra como matéria e a gramática das
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metodologias participativas entram como forma. O mediador, aquele que domina a
gramática que faz falar a cultura quilombola é um experte. Por suposto, a cultura
hegemônica das agências do Estado e a cultura quilombola estão subsumidas ao
mundo comum da cultura da mediação participativa.
A associação entre participação, discurso multicultural e ética discursiva
também aparece problematizada em Cardoso de Oliveira, quando sobre-codifica a
noção de etnodesenvolvimento:
Se o modelo já está a indicar que a participação da população alvo nas
diferentes etapas do processo de etnodesenvolvimento é condição de sua
exeqüibilidade, parece ficar evidente que isso implica o reconhecimento de uma
comunidade de comunicação de natureza interétnica. (Cardoso de Oliveira,2000,
p. 218).
Por outros caminhos, a noção de etnodesenvolvimento chegou também aos
mediadores do Programa Rs-Rural no Rio Grande do Sul, particularmente discutido
entre os militantes do movimento negro junto às comunidades quilombolas.
Na medida em que nossa abordagem está fundada na identificação das
diferentes lógicas de ação mobilizadas na mediação, tendo em vista justificar
comportamentos e crenças, outros critérios de apreciação puderam ser identificados,
remetendo a uma multiplicidade de gramáticas e modelos de mediação. A dominância
de um modelo baseado em ética da interlocução torna-se patente na forma como a
participação da população alvo, nas diferentes etapas do projeto, é enfatizada. Essa
ênfase na referência comum a uma ética dialógica não significa ausência de conflitos
e o apelo a figuras específicas de compromisso, não apenas entre pessoas, mas
também de compatibilidades entre lógicas ou ordens de grandezas mais gerais.
O horizonte de justiça da denúncia quilombola
A constituição de um repertório que permite uma triagem das intervenções
externas varia conforme o grau e a duração a que a comunidade está exposta ao
contacto com mediadores externos. Grosso modo depreendemos na avaliação
quilombola quanto à ação dos mediadores, um repúdio à monopolização das funções
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de representação e mediação. É o que umas das lideranças da comunidade de Casca
ressalta:
Olha, eu acho que quem mais auxilia são aquelas pessoas que estão com a comunidade e querem lutar – estão lá se informando e trazendo as coisas boas para a comunidade, informações. Eu acho que essa é uma prática muito boa. E as práticas que não são boas, são aquelas das pessoas que, quando chegam, já encontram tudo pronto e querem se tornar donos da comunidade. Essas são as piores praticas que podem existir. (Dona I. 73, comunidade de Casca, Mostardas, 2006).
O fato de os quilombolas valorizarem muito mais as informações do que o
beneficio material, sobretudo quando este não resulta de uma consulta sobre as
necessidades da comunidade, corresponde a uma crítica, em grande parte elaborada a
partir da inserção e do diálogo com outras posições no espaço de mediação. Se bem
que essa percepção de impostura revele uma solidariedade com a “boa mediação”, não
se esgota o princípio de justiça em jogo pelos interesses associados de mediadores
externos e internos. Sobretudo, enfatiza a mesma liderança que “nada é melhor do que
os próprios quilombolas falarem em seu próprio nome”. As duas exigências, da auto-
apresentação e do repasse de informações permitem descortinar, para além de uma
prática dialógica local, a exigência da inserção nas redes de operacionalização das
políticas públicas.
Quando os quilombolas questionam os limites, sobretudo temporais, do
processo de amadurecimento das consultas às suas necessidades, procuram levar em
conta que, mesmo que projetos tenham sido desenvolvidos sob as mais bem
intencionadas buscas de um diálogo efetivo, o esforço de denúncia ainda faz sentido:
Em primeiro lugar, eu sempre me preocupei com isso e questiono os programas de governo para as comunidades. Não só para as comunidades quilombolas, mas com as comunidades indígenas também. Acho que eles têm que vir ate aqui e sentar com a comunidade para saber o que ela realmente precisa. Não adianta eles trazerem um programa pronto se a comunidade não tem como se adaptar a ele. Eu acho que as necessidades da comunidade devem ser ouvidas em primeiro lugar. (Dona I., 73 anos, Comunidade de Casca, Mostardas, 2006).
Uma terceira denúncia é a de que os recursos que chegam à comunidade não
correspondem às demandas efetivas, mesmo quando o projeto é elaborado “com a
participação da comunidade”. O questionamento apresentado pelos quilombolas, se
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levado em conta na análise sociológica, permite trazer ao questionamento uma série
de afirmações consagradas no plano único da teoria.
Essas três exigências - da auto-apresentação, do repasse de informações e de
uma prática mediadora que vá além das melhores intenções de uma interlocução
simétrica - permitem reconstituir, a partir da problematização in loco, a gramática da
denúncia segundo os limites de um agir comunicativo imanente às “metodologias
participativas”?
O principal limite de uma ética discursiva em situações de constituição de
comunidades de comunicação interétnicas já aparece problematizado por Cardoso de
Oliveira:
Mesmo se formada uma comunidade interétnica de comunicação e de argumentação, e que pressuponha relações dialógicas democráticas (pelo menos na intenção do pólo dominante), mesmo assim o diálogo estará comprometido pelas regras do discurso hegemônico. Essa situação somente estaria superada quando o índio interpelante pudesse, através do diálogo, contribuir efetivamente para a institucionalização de uma normatividade inteiramente nova, fruto da interação havida no interior da comunidade intercultural. Em caso contrário – para falarmos como Habermas – persistiria uma espécie de “comunicação distorcida” entre índios e não-índios, comprometedora da dimensão ética do discurso argumentativo. (Cardoso de Oliveira, 2000, p.226).
Mas o horizonte da crítica quilombola vai além de uma demanda das
condições de possibilidade de uma ética dialógica11. Há uma enfática demanda pelo
estar também na rede, pela auto-apresentação, que remetem para além das formas de
se regrar conflitos típicos de uma “cidade cívica”.
É comum se criticar o modo como a teoria do agir comunicativo transforma
relações de poder em comunicação distorcida ou manipulada. Sob a ética do agir
comunicativo, em princípio atores dotados de boa vontade e linguisticamente
competentes devem se propor à adoção de pontos de vista mútuos para chegarem
11 Cardoso do Oliveira parece se contentar demasiado rápido com o horizonte menos “sombrio se considerarmos a probabilidade do domínio do discurso hegemônico pelo pólo dominado da relação interétnica” (2000, p. 226). Desse modo, podem estar sendo subestimados tanto os efeitos dessa nova socialização política sobre os laços de representação, quanto a exclusão da maioria do grupo que não participa na mesma medida dessa comunidade de comunicação e, sobretudo, a possibilidade de que seres da cosmologia rejeitada não sejam representáveis sob as regras do discurso hegemônico.
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juntos a uma cosmopolítica. O conjunto dos questionamentos quilombolas à
operacionalização do RS-Rural permite destacar, para além das discussões sobre ética
comunicativa, as ameaças de perdas ontológicas12 derivadas da ingresso na política
assistencialista.
Mais ainda se põe sob suspeita a possibilidade de que o foco sobre a liberdade
de comunicação deixe de lado outras dimensões materialmente mais importantes de
relações de poder. É assim que Giddens problematiza a teoria do agir comunicativo:
A crítica da dominação acabou por se voltar para a liberdade de comunicação ou diálogo, em vez de se voltar para a transformação material das relações de poder (...) não nos dá nenhuma indicação de como outros problemas tradicionalmente associados com as disparidades de poder, tal como o acesso a recursos escassos e os choques entre interesses materiais, podem ser enfrentados...(Giddens, 1998, p.308).
A sociologia das coerções proposta por Giddens, permite estender, no interior
do horizonte das denúncias dos próprios atores, o sentido de justiça que emana do
contato entre quilombolas e agentes das políticas públicas. No inventário das
dimensões coercitivas que se revelaram mais decisivas para a contestação quilombola
sobre o processo de implementação dos projetos, de fato algumas denúncias se
relacionam ao uso, pelos mediadores externos, do domínio sobre os recursos para
impor definições e controles na elaboração dos projetos.
Os projetos foram elaborados de modo a facilitar as negociações e prestações
de contas nas ações internas às instituições estatais e, em último plano, com o próprio
Bird.
Por exemplo, denunciam os moradores da comunidade de Casca: OS métodos
participativos desenvolvidos na elaboração do primeiro projeto do RS-Rural se
revelaram importantes estratégias de persuasão pelas quais os membros da
12 Na esteira da oposição entre cosmopolitismo e cosmopolíticas que elaboram Latour (2007) e Stengers (2007), optamos por opor comunidade de argumentação interétnica a cosmopolíticas: “A política permanece duvidosa enquanto ela não se debruça sobre (...) os ‘cosmogramas’. É sempre mais difícil distinguir por meio das opiniões do que se diferenciar a partir das coisas – notadamente a propósito do mundo em que habitamos. E é certo que os adversários mais do que estabelecer acordos sobre suas opiniões, vão começar por reivindicar um modo diferente de habitar o mundo” (Latour, 2007, p. 75). O fato de quilombolas virem a dominar a linguagem dos projetos ainda não significa uma situação de paz, se não se equaciona a questão dos modos de “habitar o mundo”.
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comunidade foram sistematicamente induzidos, conforme orientação dos agentes da
Emater, “a evitar assumir despesas” que pudessem comprometer sua capacidade de
endividamento.
Tais mecanismos de produção de aquiescência envolveram não apenas toda
uma retórica sobre os riscos do endividamento, uma transmissão enviesada de
informações, mas também uma espécie de sanção moral pela qual a solidariedade
interna da comunidade foi colocada em julgamento.
Mais ainda, os agentes externos acabam impondo a aquiescência da
comunidade às formas de trabalho tradicionais, que correspondem às imagens que
atribuem a esse tipo de comunidade e às ideologias ecológicas em vigor na agência do
Estado. Uma série de limites se ressalta do horizonte ético das comunidades
remanescentes de quilombos quanto à dimensão participativa da política pública. Em
primeiro lugar, o fato desse tipo de comunidade ter sido historicamente excluída de
direitos universais tem conseqüências para a credibilidade que seus membros podem
conceder aos atores extra-comunitários, sobretudo de origem étnica diversa daquela
dos demandantes em jogo. Ao observarmos as primeiras reuniões para implementação
do Programa RS-Rural, percebemos que, nos momentos iniciais do trabalho, a
presença e a participação dos membros menos destacados da comunidade deram-se de
maneira bastante tímida, expressando esse ceticismo em relação ao que “vem de fora”
e que deve continuar sendo “de fora”.
Contudo, para além das dimensões materiais da coação, as dimensões
comunicativas das relações de violência instauradas não podem ser subestimadas.
Conclusão
Desde o início dos anos 1990, através de toda uma rodada de convenções
sobre políticas públicas para as comunidades quilombolas, vem se intensificando a
mobilidade de mediadores oriundos das próprias comunidades quilombolas.
Dispositivos de regulação das conexões em rede entre os atores voltados para a
comunidade e as estruturas estatais de onde emanam os recursos de execução dessas
políticas têm sido sistematicamente reclamados na forma de questionamentos às
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intervenções de medidores externos. Mais do que apenas uma ética dialógica,
suspeitamos que os quilombolas têm demandado a substituição de mediadores
externos por àqueles oriundos da própria comunidade.
O processo que torna o quilombola um mediador político não é o resultado
apenas de esforços de simetria em uma comunidade de argumentação ou da
acumulação de recursos de tempo e de capital político. Para além da emergência
enquanto novos atores políticos, sujeitos de direito, os quilombolas passaram também
a disputar e conquistar cargos de liderança com representação na esfera política
institucionalizada. Se nem todos os quilombolas se tornam aptos a se inserir nas redes,
a constante exigência de uma representação menos oportunista, mais mobilizadora,
menos impostora, própria da cidade dos projetos, demanda processos cada vez mais
exigentes de apresentação dos mais destituídos nos lugares distantes em que o projeto
pode se reencaixar.
Pudemos verificar que os projetos implementados, ao favorecerem a promoção
de mediadores locais à condição de brokers, permitem que visões mais distanciadas
da cultura política instituída possam emergir como heterodoxias, que retiram sua
legitimidade de uma maior proximidade das vivências localmente referenciadas.
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