rev espaco 33

Upload: denis-gomez

Post on 17-Oct-2015

98 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Luvas com ManoplasSculo XVII - Manufatura Inglesa.Victria and AlbertMuseum. London

    Espao AbertoO uso gramatical e discursivodo corpo na Lngua de Sinais

    Atualidades em EducaoPesquisa-Ao: Estratgia de formao continuada para favorecer a incluso escolar

    ISS

    N 0

    103-

    7668

    INFORMATIVO

    TCNICO

    CIENTFICO

    DO INES

    N 33

    JAN/JUN/2010

    DOSSI:EDUCAO &DIFERENA

  • Realizao

    INES

    Instituto Nacional de Educao de Surdos

    Secretaria de Educao Especial

    Ministrio da Educao

  • INESESPAOJan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.1, Jan-Jun 2010

    SUMRIO

    CIP - Brasil. Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    Espao: Informativo tcnico-cientfico do INES.n. 33 (jan/jun)Rio de JaneiroINES, 2010v. SemestralISSN 0103/76681. Surdos - Educao - Peridicos. I. Instituto Nacional de Educao de Surdos (Brasil). II. Ttulo: Informativo tcnico-cientfico do INESCDD-371.92CDU-376.33 94-0100

    EDITORIAL / EDITORIAL Educao & Educao especial: sempre linhas, nunca formas! 03

    Monique Franco

    ESPAO ABERTO / OPEN SPACEO uso gramatical e discursivo do corpo na lngua brasileira de sinais 05

    The grammatical and discursive use of the body in the Brazilian Sign LanguageDeonisio Schmitt Rosemeri Bernieri de Souza Correa Leitores surdos e acessibilidade virtual mediada por tecnologias de informao e comunicao

    17

    Deaf readers and visual accessibility mediated by information and communication technologiesAngela Deise Santos GuimaresCarlos Henrique Freitas Chaves

    DEBATE / DEBATEDilemas sobre o implante coclear: implicaes lingusticas e pedaggicas 33

    Cochlear implants dilemma: linguistic and learning implicationsCeleste Azulay KelmanConceitos de plasticidade do sistema nervoso central aplicados fonoaudiologia

    42

    Central nervous system plasticity concepts applied to phonoaudiologyngela Ribas

    ATUALIDADES EM EDUCAO / NEWS ON EDUCATION

    Pesquisa-ao: estratgia de formao continuada de professores para favorecer a incluso escolar

    50

    Action-research: a continuous education strategy to improve school inclusionMrcia Denise PletschRosana Glat

    O papel da linguagem na aprendizagem de alunos com deficincia intelectual 61

    The role of language on intellectually disabled students learning performanceMara Lcia Reis Monteiro da Cruz

    O relacionamento fraterno na presena da deficincia 70

    Fraternal relationship between children with disabilities and their siblingsMiguel C. M. Chacon

    Tendncias nas abordagens de pesquisas em educao especial: uma anlise crtico-metodolgica da produo cientfica no Programa de Ps-Graduao em Educao da UERj

    83

    Trends in special education research approaches: a critical-methodological analysis of the scientific production of the graduate education program at UERjBianca F. Cordeiro Santos Fogli Katiuscia C. Vargas AntunesPatrcia Braun

    REFLEXES SOBRE A PRTICA / REFLECTIONS ON ThE PRACTICE

    Educao de surdos: do passado ao presente, da excluso incluso 96

    Deaf education: from past to present, from exclusion to inclusionLuciana Andrade Pais RosaHayda Maria Marino de SantAnna ReisEducao precoce e conceito lingustico 108Premature education and linguistic conceptAna Lucia do Nascimento

    VISITANDO O ACERVO DO INES / VISITING INES COLLECTIONCartas de pais: o Instituto na dcada de 30 114Letters from parents: the Institute in the thirtiesSolange Maria da Rocha

    1

  • 2INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.2, Jan-Jun 2010

    SUMRIOPRODUO ACADMICA / ThESES AND DISSERTATION ABSTRACTS

    As interaes sociais de alunos com dificuldade de comunicao oral a partir da insero de recursos da comunicao alternativa e ampliada associada aos procedimentos do ensino naturalstico

    116

    The social interactions of students with limited oral communication after the inclusion of augmentative and alternative communication resources associated with naturalistic teaching proceduresMaria Cristina Tavares de Danelon

    Uma leitura sociolgica da construo do espao escolar luz do paradigma da educao inclusiva

    117

    A sociological reading of the school space in light of the inclusive education paradigmKatiuscia C. Vargas Antunes

    RESENHAS DE LIVROS / REVIEWSDocncia e pesquisa em educao na viso de Hayde Figuerdo 118

    Teaching and research in education in hayde Figueirdos visionIns Ferreira de Souza Bragana

    MATERIAL TCNICO--PEDAGGICO / TEChNICAL-PEDAGOGICAL MATERIAL

    C entre ns 121Between us

    AGENDA / AGENDA 122NORMAS PARA PUBLICAO / GUIDELINES FOR SUBMISSION OF ARTICLES FOR PUBLICATION 123

    ISSN 0103-7668

    MISSOA REVISTA ESPAO iniciou sua trajetria acadmica em 1990 como um informativo tcnico-cientfico do Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES). Ao longo desses anos, acompanhando as exigncias editoriais da atualidade, a revista cresceu e se consolidou como uma referncia nacional, mantendo a sua misso de incentivar a discusso dos temas prementes da Educao Especial, num dilogo permanente tanto com a educao geral como com a psicologia, a fonoaudiologia e demais reas afins, e publicar os estudos da resultantes.

    As sees da REVISTA ESPAO recebem artigos, organizados sob a forma de dossis temticos, bem como artigos de demanda espontnea, favorecendo, assim, a ampla circulao de pesquisas e aes que compem o cenrio educacional. Os textos aqui publicados podem ser reproduzidos, desde que citados o autor e a fonte. Os trabalhos assinados, inclusive os respectivos abstracts, so de responsabilidade exclusiva dos autores.

    Governo do Brasil - Presidente da RepblicaMinistrio da Educao

    Secretaria de Educao EspecialInstituto Nacional de Educao de Surdos

    Departamento de Desenvolvimento Humano, Cientfico e TecnolgicoCoordenao de Projetos Educacionais e Tecnolgicos

    Diviso de Estudos e PesquisasEdio

    Luiz Incio Lula da SilvaFernando HaddadClaudia Pereira DutraMarcelo Ferreira de Vasconcelos CavalcantiLeila de Campos Dantas MacielAlvanei dos Santos VianaMaria Ins Batista Barbosa RamosInstituto Nacional de Educao de Surdos INES Rio de Janeiro Brasil

    Conselho Executivo e Editoria-ChefeProf Ms. Janete Mandelblatt Prof. Dr. Monique Franco

    Conselho EditorialMs. Alexandre Guedes Pereira Xavier (Ministrio do Planejamento MEC/INES) Dr Cristina Lacerda (UNIMEP) Dr Elizabeth Macedo (UERJ) Dr. Henrique Sobreira (UERJ/FEBF)

    Prof Ms. Janete Mandelblatt (INES/DESU) Dr Leila Couto Mattos (INES) Dr. Luiz Behares (Universidade de Montevidu) Dr Mnica Pereira dos Santos (UFRJ) Dr Monique Mendes Franco (INES/UERJ) Dr Regina Maria de Souza (UNICAMP) Dr Sandra Corraza (UFRGS) Dr Tnia Dauster (PUC/RJ)

    Dr. Victor da Fonseca (Universidade Tcnica de Lisboa)

    Conselho de Pareceristas Ad HocDr. Azoilda Loretto (SME/RJ) Dr. Eduardo Jorge Custdio da Silva (FIOCRUZ) Dr. Eliane Ribeiro (UNIRIO) Dr. Estela Scheimvar (UERJ/FFP) Dr. Iduina Chaves (UFF)

    Dr. Jos Geraldo Silveira Bueno (PUC-SP) Dr. Maria Ceclia Bevilacqua (USP) Dr. Maria Cristina Pereira (DERDIC) Dr. Maria da Graa Nascimento (UFRJ) Ms. Maria Marta Ferreira da Costa Ciccone (INES) Dr. Marlucy Paraso (UFMG) Dr. Ndia Regina S (UFBA) Dr. Ottmar Teske (ULBRA) Dr. Pedro Benjamim Garcia (UCP)

    Dr. Ronice Muller de Quadros (UFSC) Dr. Rosa Helena Mendona (TVE-BRASIL) Dr. Tanya Amara (UFP) Dr. Vanda Leito (UFC)

    DIAGRAMAO: Tag Propaganda IMPRESSO: Grfica Walprint TIRAGEM: 5.000 exemplares REVISO: Maria Margarida Simes

    REVISO TCNICA: Monique Franco ORGANIZADORA DO DOSSI EDUCAO & DIFERENA: Dr Rosana GlatORGANIZADORAS DESTE NMERO - Leila Dantas Maciel & Monique Franco

    REVISTA ESPAO - INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAO DE SURDOS - Rua das Laranjeiras 232 - 3 andar, sala 305 - CEP 22240-003 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    Fax: (21) 2285-5107 - e-mail: [email protected]

  • INESESPAOJan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.3, Jan-Jun 2010

    EDITORIALEducao & Educao EspEcial: sempre linhas, nunca formas!1

    A cada publicao de um novo nmero da REVISTA ESPAO nos deparamos com a qualidade do debate apre-sentado pelo campo da Educao Especial e sua frutfera interlocuo com os estudos educacionais em geral. Todavia este nmero est, de fato, singular. Todos os dez artigos que compem a ESPAO esto diretamente vinculados ao debate da Educao Especial, seus percursos tcnicos, tericos e estratgias metodolgicas de pesquisa e interveno. O grande nmero de submisses nos fez tomar a deciso de dedicar inteiramente este nmero ao tema, entendendo que este movimento representa, de um lado, a crescente potncia da rea e de outro, o reconhecimento da ESPAO como um lugar de excelncia na divulgao e interlocuo acadmica.

    Na seo ESPAO ABERTO, o artigo O uso gramatical e discursivo do corpo na lngua brasileira de sinais revela a seriedade e competncia da Universidade Federal de Santa Catarina, sobretudo na rea de lingustica. Traduz, ainda, a incluso posta em cena quando nos apresenta a possibilidade de desfrutar com Rosemeri Bernieri de Souza Correa e Deonisio Schmitt, doutorando surdo, os resultados da pesquisa sobre o uso gramatical e discursivo do corpo na estrutura gramatical e narrativa da lngua de sinais. Em Leitores surdos e acessibilidade virtual mediada por tecnologias de informao e comunicao, de Angela Deise Santos Guimares e Carlos Henrique Freitas Chaves, tomamos contato com sensvel e atual trabalho que, a partir de narrativas autorais de artistas e escritores surdos, a saber: Francisco de Goya, Emmanuelle Laborit e Michael Chorost, apresenta questes relativas s especificidades e singularidades das pessoas surdas, predominantemente no campo da semitica visual, e questes da acessibilidade virtual mediada por tecnologias de informao e comunicao.

    A seo DEBATE apresenta um panorama mais tcnico, mas no por isso menos poltico. O enfrentamento de questes como as apresentadas pelos artigos Dilemas sobre o implante coclear: implicaes lingusticas e pedaggicas, de Celeste Azulay Kelman, e Conceitos de plasticidade do sistema nervoso central aplicados fonoaudiologia, de ngela Ribas, uma tarefa urgente de todos aqueles que atuam e militam na rea. No primeiro artigo somos chamados a indagar sobre qual o impacto do implante coclear do ponto de vista lingustico e educacional; no segundo, a plasti-cidade do sistema nervoso central, mais especificamente do sistema auditivo, adensa o entendimento da opo pelo implante coclear nos surdos.

    Em ATUALIDADES EM EDUCAO, temos o privilgio da colaborao de Rosana Glat, professora e pesquisa-dora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que coordena um dossi que apresenta diferentes enfrentamentos hoje postos Educao Inclusiva. O artigo Pesquisa-Ao: estratgia de formao continuada de professores para favorecer a incluso escolar, de sua autoria junto com Mrcia Denise Pletsch, abre a seo descrevendo e analisando de forma reveladora os dados obtidos, a partir de uma pesquisa etnogrfica prvia, de uma pesquisa-ao realizada em uma escola pblica da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro, com vistas a analisar o processo de incluso de alunos com necessidades educacionais especiais. Os artigos O papel da linguagem na aprendizagem de alunos com deficincia intelectual, de Mara Lcia Reis Monteiro da Cruz, e O relacionamento fraterno na presena da deficincia, de Miguel C. M. Chacon, nos levam a duas realidades distintas, porm inter-relacionadas: o papel da linguagem e do afeto quando o espao o da diferena. Com Mara Lcia, retomamos os estudos de Vygotsky e Luria, para analisar o papel da linguagem na aprendizagem de alunos com deficincia intelectual, e com o psiclogo Miguel, somos introduzidos a estudos que revelam as possveis influncias que irmos deficientes tm sobre o desenvolvimento de irmos no deficientes. Fechando o dossi, temos o importante panorama apresentado pelo estudo Tendncias nas abordagens de pesquisas em educao especial: uma anlise crtico-metodolgica da produo cientfica no programa de ps-graduao em educao da UERj, de Bianca F. Cordeiro Santos Fogli, Katiuscia C. Vargas Antunes e Patrcia Braun uma reflexo sobre as abordagens metodolgicas utilizadas nas pesquisas em Educao Especial, tomando como referncia a produo acadmica do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPEd/ UERJ).

    Francisco Goya.

    3

  • 4INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.4, Jan-Jun 2010

    EDITORIALFinalizando o conjunto de artigos, temos a seo REFLEXES SOBRE A PRTICA, em que os artigos Educao

    de surdos: do passado ao presente, da excluso incluso, de Luciana Andrade Pais Rosa, professora de Educao Infantil do Instituto Nacional de Educao de Surdos, e Hayda Maria Marino de SantAnna Reis, e Educao precoce e conceito lingustico, de Ana Lucia do Nascimento, tambm prata da casa, demonstram como o corpo docente do INES tem procurado continuamente se qualificar e repor no cotidiano escolar do Instituto este aprimoramento.

    A professora Solange Maria da Rocha apresenta mais uma vez o VISITANDO O ACERVO DO INES, com o belo registro Carta de pais: o Instituto na dcada de 30. A seo PRODUO ACADMICA registra duas teses: As interaes sociais de alunos com dificuldade de comunicao oral a partir da insero de recursos da comunicao alterna-tiva e ampliada associada aos procedimentos do ensino naturalstico, de Maria Cristina Tavares de Moraes Danelon, e Uma leitura sociolgica da construo do espao escolar luz do paradigma da educao inclusiva, de Katiuscia C. Vargas Antunes, ambas defendidas no PROPEd /UERJ, que a cada ano reafirma sua excelncia em educao e pesquisa no campo da educao especial e inclusiva.

    Na seo RESENhAS DE LIVROS, a sensibilidade e o compromisso de Ins Ferreira de Souza Bragana vm tona para apresentar o recm-lanado livro Docncia e pesquisa em educao na viso de hayde Figuerdo.

    C entre ns, de autoria da fonoaudiloga do INES Teresa Cristina Siqueira Rude, abrilhanta a apresentao de mais um MATERIAL TCNICO-PEDAGGICO, que, desta forma, reafirma seu papel como centro de referncia de educao e surdez.

    Que a mensagem trazida por Goya sempre linhas, nunca formas, possa expressar continuamente o livre movimen-to, a inquietude necessria ao conhecimento, que parece contaminar de forma potente os estudos aqui apresentados!

    Tenham todos uma boa leitura!Monique Franco

    Conselho Executivo & Editorial.

  • INESESPAOJan-Jun/10

    5

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.5, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOO USO GRAMATICAL E DISCURSIVO DO CORPO NA LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS The grammatical and discursive use of the body in the Brazilian Sign Language

    **Deonisio Schmitt**Doutorando em Lingustica na linha de pesquisa: variao/mudana lingustica e ensino. Mestre em Educao e Processos Inclusivos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2008. Atualmente bolsista na UFSC.E-mail: [email protected]*Rosemeri Bernieri de Souza Correa*Mestre em Lingustica e doutoranda do mesmo curso na linha de pesquisa: aquisio e processamento de linguagem. Uni-versidade Federal de Santa Catarina (UFSC).E-mail: [email protected]

    Material recebido em setembro de 2009 e selecionado em maro de 2010

    RESUMO

    Neste artigo, uma reflexo feita sobre o uso gramatical e discursivo do corpo na estrutura gramatical e narrativa da lngua de sinais. Para isso, primeiramente, revisaremos a noo de classificao verbal e uma nova perspectiva apresenta-da por Meir, Padden, Aronoff e Sandler (2006) e tambm a noo de discurso direto ou ao cons-truda (Metzger, 1994), em que realizada a troca de personagens nas narrativas. Pensando na noo do uso do corpo na estrutura sint-tica e discursiva, oferecemos uma nova viso, no somente atravs dos postulados da lingustica, mas tambm sobre o papel da cinsica e dos gestos em diferentes anlises da lngua de sinais. Assim, analisamos dados reais de corpora em vdeos inseridos pelos alunos em fruns da disciplina de LIBRAS II, alm de um corpus narrativo coletado em Correa (2007). Finalmente, faremos uma possvel generalizao

    dos diferentes usos do corpo em lnguas de sinais.

    Palavras-Chave: Lngua de si-nais. Funo corporal discursiva e gramatical. Cinsica.

    ABSTRACT

    Gesture plays in different analyses of sign language. Then, we analyze the real data corpora in videos inserted for the students in forum of one discipline of LIBRAS II, and a narrative corpus collected in Correa (2007). Finally, we enhance a possible generalization of the different uses of the body in sign languages.

    Keywords: Sign language. Cor-poral grammatical and discoursive function. Kinesics.

    INTRODUO

    Desde os trabalhos de Stokoe em 1960, a lngua de sinais (doravante LS) tem sido alvo sempre crescente de pesquisas (KLIMA e BELLUGI, 1979; LIDDELL, 1980; EMMOREY, 2000, 2007; LILLO-MARTIN, 1986; PADDEN, 1990; QUADROS, 1997, entre outros). Certamente, no h mais necessidade de apresentar como se articula essa modalidade

    In this paper, a reflection is made about the grammatical and discursive use of the body in the grammatical structure and narrative of the Sign Languages. In order to do so, first we review the notion of verb classification and a new view presented for Meir, Padden, Aronoff and Sandler (2006) and also the notion of direct speech or constructed action (Metzger, 1994) where is carried through the changes of personages in the narratives. For thinking about the notion of the use of the body in the sintatics and discursive structures, we offer a novel view by looking not what Linguistics postulate, but rather at the role the Kinesics and

  • 6INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.6, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOlingustica, pois muitas renomadas universidades, em vrios pases, j possuem amplo conhecimento do que seja uma lngua sinalizada. No entanto, h de se questionar o uso de alguns termos que no correspondem realidade articulatria das LS, o que vamos propor aps a definio encontrada em Correa.

    Uma lngua sinalizada, como a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS ou LSB), uma lngua natural que utiliza o meio espacial onde pro-pagada e as mos para produzir os elementos cinesiolgicos necessrios para compor os itens lexicais no holsticos que sero articulados entre si para formar sentenas. As expresses faciais e corporais, tam-bm, transmitem dados lingusticos, por isso so componentes gramaticais fundamentais para transmitir sig-nificado. (CORREA, 2007, p. 14)

    Desse pequeno excerto, chamamos ateno ao uso do termo cinesio-lgico, que corresponde ao nvel fonolgico das lnguas orais, baseado em estudos sobre a cinsica, cuja des-crio ser fornecida no corpo deste artigo. Alm disso, a noo de que as expresses faciais e corporais so apenas componentes gramaticais para transmitir significado pode ser reti-ficada pelo estudo ora desenvolvido, pois o uso do corpo e das expresses faciais desenvolve, tambm, um papel importante no nvel sinttico (QUADROS e KARNOPP, 2004) e no nvel pragmtico (SALLANDRE, 2001; BLONDEL, 2001).

    Este artigo tem como objetivo principal estudar o uso gramatical e discursivo do corpo nas estruturas verbais e narrativas da LIBRAS. Para isso, abordaremos o novo olhar s classes gramaticais nas lnguas de sinais contido no artigo de Meir,

    Padden, Aronoff e Sandler (2007), (doravante MPAS). Alm desse uso gramatical, abordaremos o uso do corpo na representao dos perso-nagens nas narrativas sinalizadas.

    Assim, tomando como base os autores acima citados, o objetivo deste artigo levantar os contextos do uso do corpo em construes sintticas e discursivas da Lngua Brasileira de Sinais e apontar as diferenas e semelhanas entre essa e outras lnguas

    sinalizadas j descritas em alguns tra-balhos. Para cumprir esses objetivos, sero utilizados corpora em vdeos postados pelos alunos no frum de uma disciplina da LIBRAS e tambm um corpus narrativo experimental. Os primeiros dados coletados em vdeos referem-se s participaes dos alunos com questionamentos sobre o contedo, respostas aos tutores ou simplesmente interao entre eles na disciplina LIBRAS II, ministrada no semestre de 2008.1, no curso de Licenciatura Letras-LIBRAS, da Universidade Federal de Santa Catarina. O segundo refere-se a trs narrativas em Lngua Brasileira de Sinais, coletadas num experimento por Correa (2007). De fato, a coleta dos dados obtidos nos fruns da disciplina um recurso profcuo, na medida em que d visibilidade s variedades regionais em LIBRAS, pois os alunos so de diversas partes do Brasil, possibilitando uma viso mais ampla do fenmeno a ser estudado.

    Tendo em vista os objetivos acima citados, este artigo ser dividido em trs partes, em que sero discutidos: (i) o status do corpo em lngua de sinais, considerando: (a) a anlise cinsica e lingustica do corpo em lngua de sinais; (b) iconicidade e lexicalizao nas lnguas de sinais; (ii) o estudo das classes verbais e da estrutura sinttica em lngua de sinais, salientando o uso do corpo como argumento verbal em lngua de sinais, e (iii) o corpo no dilogo construdo em lngua de sinais.

    1 No Brasil, esse conhecimento se torna mais efetivo com a criao de um Curso de Licenciatura em Letras, habilitao em Lngua de Sinais. Esse projeto, com a iniciativa do poder pblico e da Universidade Federal de Santa Catarina, propicia a formao de profissionais para atuar no ensino e pesquisa da lngua natural dos surdos brasileiros.

    [...] o objetivo deste

    artigo levantar os

    contextos do uso do

    corpo em construes

    sintticas e discursivas

    da Lngua Brasileira

    de Sinais e apontar

    as diferenas e

    semelhanas entre

    essa e outras lnguas

    sinalizadas j descritas

    em alguns trabalhos.

  • INESESPAOJan-Jun/10

    7

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.7, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOSTATUS DO CORPO EM

    LNGUA DE SINAIS

    Segundo Mercier (2007):

    O corpo, que desempenha, nas ln-guas de sinais, um papel equivalente ao da voz nas lnguas orais, forma as unidades por elas produzidas; gerador tanto de restries como de licenciamentos, ele ope suas restries fisiolgicas interpretao das formas, bem como explora sua morfologia e o dinamismo ligado sua motricidade2. (MERCIER, 2007)

    O corpo, em lngua de sinais, um corpo abstrado do mundo fsico para tornar-se elemento do sistema lingustico. Assim, num processo de lexicalizao, um sinal com o dedo indicador apontado para cima, mais precisamente, uma configurao de mo em D, com um movimento ascendente em direo ao alto, entra na composio do sinal Deus (LE CORRE, 2007).

    MPAS (2007), ao examinarem os itens lexicais em trs lnguas de sinais (Lngua de Sinais Americana, Lngua de Sinais Israelense e Lngua de sinais Al-Sayyid Beduna), desco-briram que a mo e o corpo (peito e cabea) podem codificar diferentes partes de um evento verbal. Assim, o corpo do sinalizador no meramente um lugar formal para a articulao dos sinais, mas pode, em princpio, ser associado a um significado em particular ou a uma funo especfica.

    Em outra pesquisa, Taub, Galvan, Piar e Mather (doravante TGPM) evidenciaram que o movimento de partes do corpo mostra o desempe-nho de um personagem e um dos

    2 Le corps, qui joue, dans les langues des signes, un rle quivalant celui de la voix dans les langues orales, faonne les units quelles produisent; gnra-teur de contraintes comme de liberts, il oppose ses contraintes physiologiques linterprtation des formes, comme il met son service sa morphologie et le dynamisme li sa motricit. (Mercier, 2007)

    3 Itens includos pelos autores deste artigo

    Lingustica CinsicaSom Grupo muscular e esqueleto

    Fone AlofoneFonema CineAlocine(cinema)

    Morfe AlomorfeMorfema CinemorfeAtoAo

    Sintagma Palavra Sintagma

    SinalSequncia sinalizada3GestoSequncia gestual

    Emisso No contexto Ao No contexto

    Tabela 1 - comparao entre unidades lingusticas e cinsicas.

    parmetros do discurso em primeira pessoa em narrativas sinalizadas.

    Blondel (2001), ao investigar a competncia de surdos ao recitar poesias e contar histrias infantis s crianas, descobriu que os movi-mentos laterais e os movimentos para frente do busto so por eles explorados como aspectos prosdicos das lnguas de sinais (WILBUR e PATSCHKE, 1998; BOYES-BRAEM, 1999).

    Cinsica e lingustica: anlise do corpo na modalidade em lnguas de sinais

    O corpo, que desempenha, nas lnguas de sinais, um

    papel equivalente ao da voz nas lnguas orais, forma

    as unidades por elas produzidas; gerador tanto de

    restries como de licenciamentos, ele ope suas

    restries fisiolgicas interpretao das formas,

    bem como explora sua morfologia e o dinamismo

    ligado sua motricidade. (MERCIER, 2007)

    Correa, em sua pesquisa de mestrado (2007), investigou os gestos complementares s lnguas de sinais. Com esse intuito, buscou definies mais claras sobre o corpo e o grupo muscular e esqueleto, estudados pela cinsica para dar conta da modalidade articulatria das lnguas de sinais e dos gestos. A tabela abaixo (RECTOR; TRINTA, 1985) apresenta os equivalentes das unidades sonoras das lnguas orais e das unidades cinsicas das lnguas sinalizadas e da linguagem gestual.

    Baseada nesse estudo, a autora

  • 8INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.8, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOadotou o termo cinsico-visual para fazer referncia modalidade das lnguas de sinais e do sistema gestual. O emprego desse termo foi justificado pelo fato de a abordagem cinsico-visual possibilitar a descrio de todos os elementos de recepo, canal e produo, na simultaneidade de sua realizao. Assim, pareceu-nos coerente adotar a abordagem dos estudos cinsicos que, segundo Eco (1976), entendido como o estudo dos gestos e dos movimentos corporais de valor significante convencional e definido por Poyatos como:

    [...] o estudo sistemtico de movi-mentos corporais baseados psico-muscularmente e/ou as suas posies resultantes, quer aprendidas ou somatognicas4, de percepo visual, visual-acstica e tctil ou cinestsica que, isolados ou combinados com as estruturas lingustico-paralingusticas e com o contexto situacional, possuem valor comunicativo, seja consciente ou inconscientemente. (POYATOS, 1977, apud RECTOR; TRINTA, 1985, p. 56)

    Somente a cinsica pode siste-matizar o uso do corpo em termos articulatrios e descrever o processo semitico que est implcito nessa realizao, ou seja, o corpo est para outra coisa, ele abstrado de seu papel normal para representar outra ao ou evento, ou ainda para cumprir funes diferentes. Como a fontica (articulatria e acstica), a cinsica pode ser dividida em cinsica articulatria e cinsica visual. A pri-meira se refere ao grupo do esqueleto e msculos que so articulados para produo dos movimentos, e a se-gunda trata de como so percebidos

    (visualmente) esses movimentos, que estariam mais entranhados no nvel abstrato (cinemas e morfemas).

    Iconicidade e gestualidade na lexi-calizao e gramaticalizao em LS

    A iconicidade a representao parcial da forma, posio, contedo, nmero de um elemento, evento ou ao representados (CORREA, 2007). Iconicidade, na definio de MPAS, um

    [...] mapeamento regular entre os elementos formacionais de uma expresso e os componentes de seu significado (TAUB, 2001; RUSSO, 2004). Esse mapeamento pode ser demonstrado analisando-se a cor-respondncia entre os elementos formacionais e os componentes de significado. (cf. TAUB, 2001)

    Os autores utilizam o exemplo do verbo comer da Lngua de Sinais Israelense (ISL) e da Lngua de Sinais Americana (ASL), ilustrado na figura abaixo.

    A mo assume uma forma par-ticular5, movendo-se em direo boca. A partir de uma localizao sua frente, repete este movimento por duas vezes.

    A mesma direo, localizao e movimento duplo so realizados no verbo comer em LIBRAS (cuja forma apresentada na figura que segue), apenas a configurao de mo e o tipo do movimento mudam. O

    significado: colocar (comida) dentro da boca idntico.

    Casey (2003) advoga que a direo do movimento do gesto na flexo de alguns verbos frequentemente icnica no que se move da origem para o alvo, refletindo a direo do movimento da ao no mundo real; alm do mais, ela evidencia que essa direcionalidade foi um processo de gramaticalizao que pode ser ob-servado na progresso (CORREA, 2007, p. 69).

    Com esses dados, podemos afirmar que o uso intuitivo do corpo para expressar aes naturais da atividade humana foi recebendo uma carga simblica e posteriormente conven-cionalizado lexical e gramaticalmente no uso de uma sociedade.

    A iconicidade desempenha um papel muito importante para a le-xicalizao, j que um recurso de mapeamento mental intrnseco com-petncia do uso abstrato e semitico do corpo para fins de comunicao verbal ou no, e ela pode passar pela progresso de convencionalizao acima descrita.

    Segundo Cuxac (2001), as duas vias esto presentes nas LS: a via lexical e a via da iconicidade. Na segunda, o grupo do esqueleto e msculos do corpo pode desempenhar processos de transferncias muito ricos nas lnguas de sinais.

    4 Produzidas pelas aes, reaes e mudanas no sistema muscular e do esqueleto.

    5 Todas as imagens de configurao de mo foram extradas do stio www.ines.org.br/libras/principal.asp.

    substrato gestual direcional gesto direcional simblico estabilizao conveno.

    Quadro 1 - processo de gramaticalizao

  • INESESPAOJan-Jun/10

    9

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.9, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOO estudo das classes verbais e da estrutura sinttica em LS

    De acordo com a anlise en-contrada em Padden (1988; 1990) e Quadros (1997), os verbos de muitas lnguas de sinais podem ser categorizados nas trs classes abaixo descritas (CORREA, 2007):

    Verbos plenos - so verbos no flexionados em pessoa e nmero, sem utilizao de afixos locativos. Alguns deles podem flexionar-se em aspecto. Exemplos desta classe em LSB so os verbos conhecer, amar, aprender;

    Verbos com concordncia - tambm no utilizam afixos locativos, mas so flexionados em pessoa, nmero e aspecto. Dar, enviar, perguntar so exemplos desta categoria;

    Verbos espaciais - so verbos que tomam afixos locativos. Dentre os exemplos esto os verbos viajar, ir, chegar.

    MPAS complementam que:

    Essas classes se diferenciam segundo as propriedades dos argumentos que cada classe codifica. Verbos de concordncia, verbos que codificam transferncia codificam o papel sin-ttico dos argumentos, bem como as caractersticas de pessoa e nmero atravs da direo do movimento das mos e posio das palmas. Nos verbos espaciais, isto a classe verbal que denotam movimento e posio no espao, a direo do movimento codifica a posio dos argumentos locativos, o ponto de partida e o destino. A forma do movimento de trajetria que as mos esto executando geralmente expressa a forma da trajetria que o objeto percorre no espao. Verbos simples, que constituem a classe semntica padro, no codificam nenhuma propriedade gramatical em seus argumentos. (MEIR; PADDEN; ARONOFF; SANDLER, 2006)

    Analisando a funo de cada classe verbal e sua diferena no que concerne s propriedades dos argumentos que cada uma codifica, MPAS (2006) verificaram que essa classificao se concentra no papel das mos como codificadoras das propriedades grama-ticais. No entanto, eles constataram que essa classificao descrevia to somente o papel das mos como articuladoras ativas que carregam a maior carga de informao dentro de um sinal. Assim, eles propem uma nova perspectiva que leva em conta a funo bsica do corpo nas formas verbais, o que representa o argumento do sintagma verbal. A funo gramatical desempenhada pelo corpo como sujeito cria mais complexidade gramatical nas LS. Outra evidncia constatada pelos autores o fato de algumas formas verbais serem mais complexas que outras, em relao competio entre os diferentes papis do corpo em diversos sub-sistemas da lngua.

    Seguindo a concepo terica gerativista dos Princpios e Parmetros (CHOMSKY; LASNIK, 1995), al-guns autores constataram que algumas lnguas de sinais so lnguas de ordem SVO, mas possibilitam inverses do tipo SOV ou OSV (em LIBRAS: FELIPE, 1989; e em ASL: SIPLE, 1978; FISCHER, 1990). Ambas, como o portugus brasileiro (PB), so lnguas prodrop, pois permitem a no realizao do sujeito e essa mobilidade de ordem VS/SV ca-racterstica dessas lnguas, como bem salienta Guedes em relao ao PB:

    O Parmetro do Sujeito Nulo um conjunto de propriedades que envolve no s a possibilidade do SN mas tambm, entre outras, a inverso livre (VOS) e a inverso VS. No PB, segundo Torres-Morais (2001), paralelo ao decrscimo do SN, ocorre a diminuio da mobilidade da ordem SVO para outros tipos de

    ordem, como a VOS. Esse um sinal que, associado ao preenchimento do PS, indica mudana de parmetro. (GUEDES, 2007)

    De acordo com essa constata-o no PB, verificamos que a no realizao de pronome sujeito em LIBRAS restringe, tambm, a mo-bilidade de inverso. Quadros, ao analisar as instncias de categorias vazias argumentais na aquisio de linguagem de crianas surdas brasi-leiras, constata que:

    [...] as crianas apresentam sujeitos nulos desde o incio da aquisio. As crianas dispem da categoria mais abstrata e subjacente chamada de PRON envolvendo a realizao pro com o valor (+). O valor (+) do parmetro poder ser mantido ou no, se a lngua for ou no for pro-drop, respectivamente. (QUADROS, 1995)

    Diante de tal constatao e, ao comparar o PB LIBRAS, inves-tigamos que no PB a legitimao do SN pr-verbal se caracteriza por uma mudana no paradigma flexional verbal (TARALLO, 1996; COELHO, 2000), mas na LIBRAS, essa legitimao se d no corpo do sinalizante (MPAS, 2007) como um morfema de marcao do parmetro de sujeito ou do objeto no explicita-do. Quadros (1995) tambm informa que o mecanismo de representao est diretamente relacionado com a possibilidade de omitir o sujeito e o objeto na LIBRAS.

    O corpo como argumento verbal nas sentenas de lngua de sinais

    Como vimos no exemplo do verbo comer, o corpo constitui um dos componentes formacionais do sinal e representa um argumento particular do evento, o agente. Nas palavras de MPAS: O sinal comer sinalizado na boca do sinalizador,

  • 10

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.10, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOquer o sujeito da ao seja a 1, a 2 ou a 3 pessoa. Isto , o sinal comer possui uma nica forma em todas essas sentenas: Eu como, voc come ou ele/ela come, e esta forma sinalizada na boca do sinalizador (2006, p. 3).

    Segundo Quadros:

    [...] a forma mais bsica a realizao completa do pronome que consiste do uso simples do corpo. Isso pode se dar de duas formas: o uso do corpo do sinalizador ou a projeo de um corpo invisvel anlogo no espao em frente ao sinalizador. O uso do corpo do sinalizador pode representar a primeira, segunda ou terceira pessoas pronominais. A forma projetada no espao pode, usualmente, representar a segunda e terceira pessoas. (QUADROS, 2005, p. 62)

    No exemplo apresentado na figura 1 (adaptada de QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 116), a mar-cao do plural realizada por uma alterao na forma do movimento, em que o corpo informa a primeira pessoa do singular, e o movimento frente estabelece a concordncia de terceira pessoa do plural.

    Por essa razo, indicar ou dire-cionar um verbo pronominal em direo a um locus no espao permite a codificao de relaes gramaticais entre o sujeito e o objeto, assim como seus valores de pessoa gramatical.

    Nos exemplos ao lado6, os dois verbos com concordncia respon-der e dar estabelecem as relaes sintticas, possibilitando a omisso do sujeito e do objeto (indireto).

    Na sentena 1, o corpo do sina-lizador cumpre o papel de primeira pessoa do singular, e na sentena 2 ocorre a inverso de concordncia, e, nesse caso, o corpo o objeto in-direto da sentena, ou seja, as mos se voltam para o objeto sinttico

    indireto marcado pelo corpo. Assim, a orientao das mos, isto , a dire-o da palma e da ponta dos dedos, codifica os papis sintticos. No nvel semntico, verbos de concordncia denotam eventos de transferncia, a transferncia de uma entidade (con-creta ou abstrata) de um possuidor anterior para outro posterior.

    Para MPAS (2006) Verbos sim-ples, especialmente aqueles ancorados no corpo, podem agora ser definidos como um conjunto de verbos no qual o corpo o sujeito e a categoria de pessoa gramatical no codificada. Como podemos perceber nos exem-plos abaixo, a sentena 3 composta pelo verbo entender, que pode ter

    6 Exemplos extrados das participaes de surdos no frum da disciplina de LIBRAS II do curso de Graduao em Letras, habilitao em LIBRAS, da Uni-versidade Federal de Santa Catarina. Devido questo de preservao de imagem, todas as fotos foram reprodues de dados reais fotografados por um dos autores deste artigo.

    Ilustrao 1 - Concordncia verbal de 1. pessoa do singular e 3. pessoa do plural

    1) 1SRESPONDER2SEu respondo para voc.

    2) 2sDAR1s UM EXEMPLOVoc me d um exemplo.

    3) EU ENTENDER B-E-M OK!Eu entendi bem, certo!

    4) ENTENDER ESCLARECER O-K!

    (eu) entendi, est claro, certo.

  • INESESPAOJan-Jun/10

    11

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.11, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    ou no o sujeito pronunciado (nos exemplos coletados, as duas possibi-lidades aparecem com frequncia). evidente que outros elementos gramaticais, como a expresso facial, informam o contexto sinttico, mas o corpo que estabelece as relaes gramaticais entre o sujeito nulo, o verbo e, nas sentenas 5 e 6, o objeto.

    O corpo no dilogo construdo em lngua de sinais

    Todas as lnguas utilizam recursos para se referenciar a entidades no discurso. As narrativas envolvem uma construo de informaes sobre os personagens, lugares ou eventos. Quando o narrador conta uma estria sobre um personagem, precisa fazer escolhas de como foc-lo. A fim de apresentar um personagem, lugar ou

    evento numa narrativa, o narrador pode fazer uso de trs dispositivos importantes, tais como: transfern-cia, discurso ou ao construda e anfora discursiva.

    Transferncia o modo pelo qual os sinalizadores transferem, tridimensional-mente no discurso sinalizado, sua concepo de mundo (PIZZUTO; ROSSINI; SALLANDRE; WILKINSON, 2006, doravante PRSW). As transferncias podem ser de trs tipos: transferncia de forma e tamanho (TF); transferncia de situao (TS) e transferncia de pessoa (TP).

    Discurso ou ao construda um recurso que o narrador usa para prender a ateno do seu pblico. Consiste na reconstruo de um dilogo, a partir da memria e da exposio deste, por meio da primeira pessoa gramatical.

    Anfora um recurso com o qual se faz uma marcao referencial de uma entidade no presente atravs de apontao manual ou visual no espao. No entanto, Pizzuto (2004) constatou que a anfora discursiva difere no sentido de que uma entidade pode ser apresentada por um sinal lexical e, posteriormente, referenciada por uma transferncia ou representao.

    Esses trs recursos so estratgias metanarrativas que tm em comum o uso do corpo no discurso para veicular uma informao intencional. Elas marcam a descrio das entidades que so representadas, os turnos das aes dos personagens e a coeso

    discursiva, respectivamente.O discurso em primeira pessoa

    envolve a transferncia de pessoa que pode ser agente ou paciente de um processo ou ao. Assim, o narrador representa a entidade a que est se referindo e reproduz as aes realizadas pela entidade, que pode ser humana ou animal e tambm seres inanimados. Dessa forma, todo o corpo do narrador/locutor ocupado pelo papel da entidade que representa (SALLANDRE, 2001).

    PRSW salientam que:

    As Transferncias de pessoa (TP) envolvem um papel (agente ou paciente) e um processo. O terceiro tipo de Transferncias, TP, tem sido tratado na literatura da rea sob rubricas como tomada de papis, troca de papis (Padden, 1986) ou ainda, em trabalhos anteriores, pronomes corporais e pronomes corporais projetados (Kegl, 1976), e marcadores corporais (Pizzuto et al, 1990). O foco principal de tais pesquisas o conjunto de caracte-rsticas no-manuais apresentado por essas Transferncias (expresses faciais marcadas, olhares, posturas corporais). (PIZZUTO; ROSSINI; SALLANDRE; WILKINSON, 2006)

    Os exemplos de transferncia de pessoa apresentados a seguir fazem parte de um corpus narrativo coletado por Correa (2007), em que trs sina-lizantes surdos narram uma histria de sequncias pictricas - Frog, where are you? de Mercer Meyer.

    5) ESPERAR VOC OK!(eu) espero voc

    6) PERCEBER EXEMPLO(eu) percebi o exemplo.

    127- cl [CM 03, bim na vertical, mos altura dos ombros]

  • 12

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.12, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    ___________med075- MENINO cl

    [CM 03, palmas AC, braos separado s] {o corpo se eleva}

    Na narrativa de uma mesma cena, a mesma estratgia foi utilizada pelos trs participantes: 1) introduo de um sinal lexical para fazer referncia ao personagem que estava em cena; 2) referenciao anafrica por meio de uma transferncia de pessoa, em que o corpo do narrador representa o corpo e as aes do personagem; 3) narrao em primeira pessoa (tambm conhecido como discurso direto).

    Correa (2007), ao descrever gestos complementares lngua de sinais, identificou algumas representaes icnicas que denominou de panto-mimas, que podem ser consideradas como estratgias metanarrativas e so identificadas de acordo com os seguintes critrios de McNeill (2000):

    o corpo todo do narrador o corpo do personagem;

    so descries das cadeias de eventos concretos globais, usando recursos abstratos como elementos ausentes na descrio;

    utilizam o ponto de vista dos personagens;

    do vida aos objetos e animais.Aps a abordagem sobre anfora

    discursiva, transferncia de pessoa e representao discursiva, podemos acrescentar que a pantomima um recurso discursivo de grande iconi-cidade, que pode ser identificada como uma representao mental descrita corporalmente e que pode ser articulada numa transferncia, numa anfora ou retomar os turnos de vrios personagens (alternncia de papis). Segundo Dudis:

    O corpo e o espao ao seu redor so frequentemente usados no discurso em ASL, para descrever as entidades da cena sendo representada. Uma anlise minuciosa da representao usando padres lingusticos cognitivos sugere que componentes adicionais se revelam nessas representaes icnicas, a saber, o sujeito (ou o eu), o ponto de visualizao (vantage point ou V-POINT) e a progresso temporal. A identificao desses com-ponentes contribui para uma maior preparao na descrio dos vrios tipos de representao observados no discurso em ASL. (DUDIS, S/R )

    MENINO (figura 4a)

    (figura 4b)

    026- cl [cm 03, bim, PB, movimento firme de prender]

    Todas as constataes feitas por Dudis na ASL podem ser evidenciadas nos exemplos a seguir, em Lngua Brasileira de Sinais. As entidades das figuras so representadas iconi-camente (i) pela presena do sujeito (o agente da ao); (ii) pelo ponto de visualizao (do personagem, na figura 4b e do narrador, na figura 5b); e acrescentamos (iii) a referenciao anafrica (que se d pela apresenta-o do sinal lexical retomado pela transferncia; (iv) a troca de papis (que marcada pelo discurso em primeira pessoa na figura 4b e de terceira pessoa ponto de vista do narrador representada na figura 5b).

  • INESESPAOJan-Jun/10

    13

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.13, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    CORUjA (figura 5a)

    (figura 5b)

    CONSIDERAES FINAIS

    em vrias lnguas de sinais, confir-mando que a modalidade cinsico--visual possui duas vias, como defende Cuxac (2001): a via lexical e a via da iconicidade. A segunda parece estabelecer parmetros universais do uso do corpo em diversas lnguas de sinais e, longe de ser apenas comu-nicativo, um processo cognitivo de grande complexidade, fato pelo qual um dos processos mais lentos na aquisio de segunda lngua.

    Identificamos alguns usos gra-maticais como a anlise do papel do corpo em verbos simples versus verbos de concordncia. Essa anlise nos mostrou que o corpo pode incorporar funes gramaticais diferentes da lngua, ambos fazendo uso do corpo.

    Alm disso, nas narrativas, o corpo a expresso das emoes, das aes, das peripcias dos personagens quando ele assume seus papis. Num processo de substituio, o corpo o dubl dos personagens, num enca-deamento de alternncia discursiva entre estes e o narrador.

    Evidenciamos, ainda, que, como as mos desempenham um papel importante para a via lexical e tam-bm descritivo-classificadora (trans-ferncias de forma e tamanho TF; Transferncias de situao TS) dos sinais, o corpo de essencial importncia para as transferncias de pessoas (TP) que representam seres animados humanos ou no e objetos; ou seja, para a via da iconicidade, o corpo o principal veculo de representao.

    Referncias bibliogrficas

    BLONDEL. M. Langage potique adress lenfant em langue des signes. AILE Acquisition et interaction em langue trangre, n. 15 (Les langues des signes: une perspective smiogntique), 2001. Disponvel em: http://aile.revues.org/document1411.html. Acesso em: 15 de dezembro de 2001.

    BOYES-BRAEM, P. Rhythmic temporal patterns in the signing of deaf early and late learners of Swiss German sign language. Language and Speech n. 42, v. 2,3, p. 177-208, 1999.

    CASEY, S. Agreement in gestures and Signed Languages: the use of directionality to indicate referents involved in actions. San Diego: University of California, 2003.

    CHOMSKY N.; LASNIK, H. The theory of Principles and Parameters. In CHOMSKY, N. The Minimalist Program, Cambridge (Mass): MIT Press, p. 13-128, 1995.

    CORREA, R. B. S. A complementaridade entre lngua e gestos nas narrativas de sujeitos surdos. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2007.

    Neste artigo buscou-se apresentar a importncia do corpo na articulao lingustica, descritiva e narrativa da lngua de sinais. Verificamos que o corpo do sinalizador no meramente espao passivo em que as mos esta-belecem os pontos de articulao; ao contrrio, o corpo atuante, ativo e pode, em princpio, ser associado a um significado em particular ou a uma funo especfica.

    Ao observarmos esses exemplos, podemos generalizar esses recursos discursivos como estratgias comuns

  • 14

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.14, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    CUXAC, C. Les langues des signes: analyseurs de la facult de langage. AILE Acquisition et interaction em langue trangre, n. 15 (Les langues des signes: une perspective smiogntique), 2001. Disponvel em: http://aile.revues.org/document1411.html. Acesso em: 15 de dezembro de 2001.

    _____. La langue des signes Franaise: les voies de iconicit. Faits de langues, 15-16. Paris: Ophrys, 2000.

    DUDIS, P. Tipos de Representao em ASL. paper presented at the Ninth International.

    Conference on Theoretical Issues in Sign Language Research. Florianopolis, Brazil, December 2006.

    ECO, U. Tratado de Semitica Geral. Traduo de Antonio de Pdua Danesi e Gilson Csar Cardoso. So Paulo: Ed. Perspectiva, 1976.

    EMMOREY, K. Do Signers Gesture? In: MESSING, L; CAMPBELL, R. Gesture, speech and sign. Oxford University Press, 1999.

    EMMOREY, K. The psycholinguistics of signed and spoken languages: How biology affects processing. GASKELL, G. (Ed). The Oxford handbook of Psycholinguistics, Oxford University Press, 2007, p. 703-721

    FELIPE, T. A. Bilinguismo e Surdez. Trabalhos em Lingustica Aplicada v. 14, p. 101-112, 1989.

    FISCHER S. The Head Parameter in ASL. Edmondson W. H. / Karlsson F. (eds): SLR87: Papers from the Forth International Symposium on Sign Language Research. International Studies on Sign Language and Communication of the Deaf, V. 10, Hamburg: Signum, p. 75-85, 1990.

    GUEDES, M. Parmetro do sujeito nulo em tradues brasileiras. Revista RNAI, v. 00, Janeiro 2007. Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponvel em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2001.

    KENDON, A. Gesture: visible action as utterance. Cambridge University Press, 2004.

    KLIMA, E. S; BELLUGI, U. The Signs of Language. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1979.

    LE CORRE, G. La Langue des Signes Franaise: La figurativit dun systme linguistique. Enfance, v. 59, N.3, 2007. Les Presses Universitaires de France, Paris.

    LIDDELL. S; METZGER, M. Gesture in sign language discourse. journal of Pragmatics, v. 30, n. 6, 657-697, 1998.

    _____. ASL Syntax. Mouton, The Hague, 1980.

    _____. Indicating verbs and pronouns: Pointing away from agreement. The signs of language revisited: An anthology to honor Ursulla Bellugi and Edward Klima, ed. K. Emmorey and H. Lane, 303-320. Mahway, N. J.: Erlbaum.

    LILLO-MARTIN, D. Two kinds of null arguments in ASL. Natural Language and Linguistic Theory, n. 4, p. 415-444, 1986.

    MCNEILL, D. (2000) Language and Gesture. University of Chicago, Cambridge University Press.

  • INESESPAOJan-Jun/10

    15

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.15, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    MEIR, I; PADDEN, C; ARRONOF, M; SANDLER, W. Repensando classes verbais em lngua de sinais: o cor-po como sujeito. Paper presented at the Ninth International Conference on Theoretical Issues in Sign Language Research. Florianopolis, Brazil, December 2006.

    METZGER, M. Constructed dialogue and constructed action in American Sign Language. Ceil Lucas (ed.) Sociolinguistics in Deaf Communities. Washington, DC: Gallaudet University Press, p. 255-271, 1995.

    MERCIER, H. Modlisation et suivi des deformations facials: applications la description des expressions du visage dans le contexte de la langue des signes. 2007. (Tese de Doutorado) Universidade Toulouse III.

    PADDEN, C. The relation between space and grammar in ASL verb morphology. In:Sign Language research theorical issues. Washington: Gallaudet University Press.

    PIZZUTO, E.; ROSSINI, P.; SALLANDRE, M. ; WILKINSON, E. Dixis, anfora e estruturas altamente icnicas: evidncias interlingusticas nas lnguas de sinais americana (ASL), francesa (LSF) e italiana (LIS) Paper presented at the Ninth International Conference on Theoretical Issues in Sign Language Research. Florianopolis, Brazil, December 2006.

    POYATOS, F. The Morphological and Functional Approach to Kinesics in the Context of Interation and Culture. Semiotics, n. 20, v. 3-4, p. 197-228, 1977.

    QUADROS, R. M. Aspectos da sintaxe e da aquisio da lngua de sinais brasileira. Letras de hoje, Porto Alegre, v. 110, p. 125-146, 1997.

    _____. As categorias vazias pronominais: uma anlise alternativa com base na Lngua Brasileira de Sinais e reflexos no processo de aquisio. Dissertao (Mestrado), PUC-RS, Porto Alegre, 1995.

    _____; KARNOPP, L. B. Lngua de Sinais Brasileira: estudos Lingusticos. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2004.

    _____. Educao de Surdos: a aquisio de Linguagem. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.

    RECTOR, M.; TRINTA, A. Comunicao No-Verbal: a gestualidade brasileira. Petrpolis: Ed. Vozes, 1985.

    RUSSO, T. Iconicit e metafora nella LIS. Ph. D. diss., Universit degli Studi di Palermo, 2000.

    SANDLER, W.; LILLO-MARTIN, D. (2000) Natural Sign Languages. In The handbook of Linguistics, eds. M. Aronoff & J. Rees-Miller, 533-562. Oxford: Blackwell.

    SALLANDRE. A. Va et vient de liconicit en langue des signes franaise. AILE Acquisition et interaction em langue trangre, n. 15 (Les langues des signes: une perspective smiogntique), 2001. Disponvel em: http://aile.revues.org/document1411.html. Acesso em: 15 de dezembro de 2001.

    SIPLE, P. Visual constraints for sign langauge communication. Sign Language Studies, V. 19, p. 97112, 1978.

    TANNEN, D.Talking voices: Repetition, dialogue, and imagery in conversational discourse. Studies in Interactional Sociolinguistics 6. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

    TAUB, S. Language from the Body: iconicity and Metaphor in American Sign Language. Cambridge University Press, 2001.

    TAUB, S; GALVAN, D; PIAR, P; MATHER, S. Gesticulao e aquisio da ASL como segunda lngua. Paper

  • 16

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.16, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO

    presented at the Ninth International Conference on Theoretical Issues in Sign Language Research. Florianopolis, Brazil, December 2006.

    WILBUR, R. B.; PATSCHKE, C. G. Body leans and the marking of contrast in American Sign Language. journal of Pragmatics n 30, 275-303, 1998.

  • INESESPAOJan-Jun/10

    17

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.17, Jan-Jun 2010

    LEITORES SURDOS E ACESSIBILIDADE VIRTUAL MEDIADA POR TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAODeaf readers and visual accessibility mediated by information and communication technologies

    *Angela Deise Santos Guimares *Graduada em Terapia Ocupacional. Mestre em Educao em Cincias pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Educao Tecnolgica e Profissional Inclusiva-Modalidade Distncia pela IFRJ-MT. Professora Pesquisadora do NEAD-IFRJ Campus Nilo Peanha do Curso Tcnico de Agente Comunitrio em Sade-Modalidade Distncia. Professora do Instituto Nacional de Educao de Surdos.E-mail: [email protected]

    **Carlos Henrique Freitas Chaves**Mestre em Educao pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ps-Graduado em Informtica Educativa pela UNICAMP. Ps-Graduado em Deficincia Auditiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor--Orientador do Programa em Ps-Graduao TECNEP/MEC/2010.Professor do INES.E-mail: [email protected]

    Material recebido em outubro de 2009 e selecionado em dezembro de 2009.

    RESUMO

    Este artigo apresenta questes relativas s especificidades e singula-ridades das pessoas surdas, predomi-nantemente no campo da semitica visual, e questes da acessibilidade virtual mediada por tecnologias de in-formao e comunicao. Utilizamos narrativas autorais de artistas e es-critores surdos, a saber: Francisco de Goya, Emmanuelle Laborit e Michael Chorost. Alm disso, so utilizados resultados de questionrios aplicados com os alunos do pr-vestibular do Instituto Nacional de Educao de Surdos, instituio federal refern-cia na escolarizao de surdos no Rio de Janeiro, evidenciando os conhecimentos sobre a internet e a educao distncia. Sugerimos o termo leitores surdos na tentativa de

    focar no universo da linguagem o entendimento mais ampliado sobre a surdez e as diferenas lingusticas entre pessoas surdas e ouvintes. As tecnologias de informao e co-municao, dentre elas a internet, so apresentadas como ferramentas de aprendizagem, comunicao e socializao. A interao mediada por computadores e internet possui nveis diferentes de acessibilidade entre os diferentes leitores surdos. As habilidades cognitivas colocadas em ao pelo leitor surdo sinalizado so distintas daquelas utilizadas por um leitor surdo oralizado. As artes visuais, a semitica e a informtica educativa oferecem elementos para o estudo da imagem e de ambientes virtuais mais acessveis aos leitores surdos. Como resultado, apresen-tamos a proposio de um vdeo e discutimos sobre a acessibilidade virtual para leitores surdos com base nos resultados encontrados.

    Palavras-Chave: Leitores sur-dos. Acessibilidade virtual. Lingua-gem. Tecnologias de informao e comunicao.

    ABSTRACT

    This monograph presents issues concerning specifities and singularities of deaf people predominantly in the field of visual semiotics, and virtual accessibility issues mediated by information and communication technologies. Authoral narratives of deaf artists and writers were used, namely: Francisco de Goya, Emmanuelle Laborit and Michael Chorost, as well as the results of questionnaires applied to senior year students of the National Institute of Education for Deaf Students, a notorious federal education Institution in Rio de janeiro, spotlighting the knowledge on Internet and distance

    ESPAO ABERTO

  • 18

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.18, Jan-Jun 2010

    education. We suggest the word - deaf readers - in an attempt to focus in this universe of language a more broad understanding about deafness and the linguistic differences between deaf people and those who can hear. The information and communication technologies, including the Internet, are presented as learning, communication and socializing tools. Interaction mediated by computers and the Internet has different deaf readers with different levels of accessibility. Cognitive skills put into action by sign language deaf readers are distinct from those that are used by oral language deaf readers. The Visual Arts, the semiotics and educational informatics provide elements for the study of virtual environments and image more accessible to deaf readers. As a result, we propose a video and discussion on virtual accessibility for deaf readers based on results that were found.

    Keywords: Deaf readers. Virtual accessibility. Language. Information technologies and communication.

    com base nos valores da cultura surda, no mbito do bilinguismo e nas necessidades do sujeito surdo. A surdez e a populao de pessoas surdas no esto em um campo neu-tro, destitudo de significados, onde tecnologias possam ser manipuladas promovendo a incluso destas pessoas na sociedade. A surdez representa a imerso em um mundo de natureza visual, espacial e de aromas, onde o som nem sempre fonte de prazer ou informao segura. Para a parcela de pessoas com surdez que se bene-ficiam do implante coclear (ouvido binico) e cirurgias, as tecnologias atuais trazem muitos benefcios, mas ainda no so capazes de prover acesso total ampla gama de sons que devem ser transformados em sinais para serem ouvidos de forma semelhante ao som percebido pelos ouvintes (com ouvidos biolgicos ntegros). Logo, a maior parte da populao de pessoas surdas continua a usar os sinais visuais como forma primria de processamento sensorial do mundo.

    A pessoa surda no possui o estigma visual que lhe confira uma

    visibilidade de sua condio enquanto no ouvinte. Isso pode levar a srios equvocos sobre as competncias cog-nitivas dessas pessoas, que no raro so percebidas pela sociedade como deficientes intelectuais. As diferenas que se estabelecem devido dificul-dade na aquisio da lngua falada e escrita so pouco compreendidas, e as metodologias de ensino e polticas pblicas destinadas educao e ao aprendizado da leitura e da lngua escrita para essa populao ainda constituem um desafio.

    A internet oferece diversas ferra-mentas de informao, comunicao e conhecimento, em sua maioria pouco acessveis ao surdo, principalmente devido a uma interface que pouco contempla as diferenas lingusticas dessas pessoas.

    Este texto investiga as diferenas entre as pessoas surdas enquanto leitores, sugerindo critrios a serem adotados para o desenvolvimento de uma linguagem a ser utilizada em ambientes virtuais de aprendizagem. A leitura proposta neste texto no se restringe decifrao letrada, mas s leituras de diferentes signos

    INTRODUO

    Os olhares sobre a surdez com-preendem desde modelos centrados na audio, que a consideram uma condio clnica pautada nos valores da comunidade mdica, at os direi-tos lingusticos das pessoas surdas

    Define-se cultura surda como a identidade cultural de um grupo de surdos que se define enquanto grupo diferente de outros grupos. Apresenta caracters-ticas que se traduzem de forma visual. As formas de organizar o pensamento e a linguagem transcendem as formas ouvintes (QUADROS, 2007, p. 10).

    Tem como pressuposto bsico que o surdo deve ser bilngue, ou seja, deve adquirir como lngua materna a lngua de sinais, que considerada a lngua natural dos surdos, e, como segunda lngua, a lngua oficial de seu pas (GOLDFELD, 2002, p. 42).

    Implante coclear uma tecnologia que permite que os sons decodificados por um receptor/estimulador que converte sinais em energia eltrica possam ser enviados para eletrodos localizados na cclea, que estimulam o nervo auditivo, e enviam o som para o crebro, que detecta os sinais, resultando no sentido da audio.

    A internet oferece diversas ferramentas de informao,

    comunicao e conhecimento, em sua maioria pouco acessveis

    ao surdo, principalmente devido a uma interface que pouco

    contempla as diferenas lingusticas dessas pessoas.

    ESPAO ABERTO

  • INESESPAOJan-Jun/10

    19

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.19, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOe processos de linguagem, presentes na comunicao, nas lnguas orais, escritas e sinalizadas, e, consequen-temente, na leitura de stios e de ambientes virtuais, que possuem interfaces com linguagem prpria (SANTAELLA, 2004).

    Critrios de acessibilidade aos espaos virtuais devem respeitar as especificidades e demandas dos leitores surdos, podendo pautar-se na contribuio da semitica e da informtica educativa.

    Em Quadros (2006), temos a reviso e a contribuio de diversos autores sobre como a educao de surdos est sendo construda pela lgica dos prprios surdos. Nessa obra so discutidos temas como a escola que os surdos querem, a celebrao da lngua de sinais como fator de empoderamento da cultura surda, e as especificidades que esto relacionadas s questes visuais das pessoas surdas. Essa dimenso educacional deve estar atrelada construo de tecnologias no campo da acessibilidade virtual para esta populao.

    Com base em trs perfis histricos: Goya, artista plstico espanhol, surdo dos 47 aos 81 anos; Emmanuelle Laborit, artista e escritora surda francesa, e o professor e escritor americano Michael Chorost, implan-tado coclear, foi proposto o termo leitores surdos para tentar abranger as diferentes linguagens que fazem parte do universo da pessoa surda.

    Priorizamos a pesquisa explo-ratria de anlise documental e a aproximao de sujeitos reais em universos com diferentes contextos nos quais as pessoas surdas esto

    inseridas, como o Instituto Nacional de Educao de Surdos, e espaos virtuais como fruns de discusso, stios de relacionamento e cursos na modalidade distncia.

    Muitas tecnologias que podem ser desenvolvidas para esta comunidade devem ser pesquisadas dentro das redes sociais que se estabelecem via internet, tais como stios de relaciona-mento tipo Orkut, MSN, OOVOO. De carter mais formal e acadmico, citamos os ambientes de suporte de ensino distncia como as platafor-mas de aprendizagem TELEDUC (http://www.ead.unicamp.br), esta desenvolvida conjuntamente pelo Ncleo de Informtica Aplicada Educao (Nied) e pelo Instituto de Computao (IC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a plataforma Moodle (www.moodle.org), que um sistema de aprendi-zagem baseado no construtivismo social, j utilizado com sucesso por instituies de ensino e pesquisa. Ambos no possuem, at o momento, acessibilidade para usurios surdos por meio de uma apresentao bilngue.

    fundamental que uma experi-ncia visual seja pensada no desen-volvimento de ferramentas digitais e na produo de material didtico acessvel, ampliando as possibilidades de interao entre surdos e ouvintes, a partir da potencialidade visual do mundo contemporneo.

    INTRODUZINDO OS LEITORES

    Ao delinear alguns perfis do que convencionamos chamar de leitores surdos, buscamos evidenciar as sin-gularidades desta populao.

    A leitura que propomos, confor-me ser apresentada neste captulo, no se restringe decifrao letrada, mas s leituras de diferentes signos e processos de linguagem, presentes na comunicao, nas lnguas orais, escritas e sinalizadas, e, consequen-temente, na leitura de stios e de ambientes virtuais, que possuem interfaces com linguagem prpria, conforme descrito por Santaella, em Navegar no Ciberespao:o perfil cognitivo do leitor imersivo.

    Precisamos dilatar sobremaneira o nosso conceito de leitura, expandindo esse conceito de leitor do livro para o leitor da imagem e desta para o leitor das formas hbridas de signos e processos de linguagem, incluindo nessas formas at mesmo o leitor da cidade e o espectador de cinema, TV e vdeo, tambm considerados como um dos tipos de leitores, visto que as habilidades perceptivas e cognitivas que eles desenvolvem nos ajudam a compreender o perfil do leitor que navega pelas infovias do ciberespao, povoadas de imagens, sinais, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e sons. (SANTAELLA, 2004, p. 16)

    O olhar sobre esses leitores busca uma aproximao com o campo das especificidades e diferenas de ser ou de estar surdo. Sobre as marcas dos diferentes leitores surdos que podem contribuir com ferramentas para o universo da tecnologia da informao e comunicao.

    Escrever sobre leitores surdos ao invs de modelos de surdez confere autoria e protagonismo s pessoas surdas e no as coloca em locais estanques, o que poderia contribuir para uma imagem muito restrita sobre o universo de ser ou de estar surdo.

  • 20

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.20, Jan-Jun 2010

    Cabe-nos distinguir que a surdez, seja como condio (valores da co-munidade mdica), seja como atitude (valores da comunidade surda), ainda bem pouco conhecida, bem como os aspectos educacionais, culturais, antropolgicos e sociais que a per-meiam. A compreenso das pessoas surdas enquanto leitoras fundamen-tal para o xito na compreenso da linguagem a ser utilizada na rea de acessibilidade virtual.

    Finalmente, optamos por leitor surdo e, por vezes, pessoa surda, em

    vez de Surdo, pessoa com surdez, deficiente auditivo e implantado coclear, porque acreditamos que a leitura proposta (de textos, imagens, sons, signos, enfim) uma linguagem capaz de cobrir as diferenas inerentes surdez no escopo deste estudo.

    Por outro lado, por meio desta terminologia, afirmamos as diversas possibilidades de convivncia e inte-rao entre as pessoas. Afinal, somos todos leitores em algum nvel. Mesmo os cegos so leitores, quando se uti-lizam de programas que permitem a leitura da tela do computador, ou quando desempenham a rebuscada tarefa de ler com a ponta dos dedos a literatura em Braille.

    Algumas questes que se coloca-ram durante esta etapa foram:

    Quais as especificidades na leitura e escrita entre as pessoas que se tornaram surdas na fase adulta, ou aps o desenvol-vimento da linguagem, e as pessoas com surdez adquirida antes da aquisio da linguagem (pr-lingustica)?

    O que ser um leitor de imagens?

    Existe uma literatura, arte e pedagogia visual para os leitores surdos?

    Podemos inferir que h diferentes leitores surdos?

    O primeiro leitor surdo apre-sentado Francisco de Goya (1746 -1828), artista espanhol, acometido pela surdez no ano de 1792, aos 47 anos. Suas gravuras realizadas aps a perda da audio, que compem a srie Caprichos de Goya4, juntamente com outras trs sries: Desastres da Guerra, Tauromaquia e Disparates,

    so marcadas por uma esttica visual, prpria dos leitores surdos, por serem narrativas que permitem leituras e abstraes visuais. Goya ser o per-sonagem que representa a surdez no adulto e a dor da perda do sentido da audio. A sua arte a representao grfica do seu testemunho visual.

    O segundo leitor surdo , na verdade, uma leitora. Trata-se de Emmanuelle Laborit, atriz francesa contempornea, que registrou por meio da narrativa autobiogrfica O Vo da Gaivota a descoberta de sua identidade surda. Ela participa ativamente de movimentos de luta pelos direitos dos surdos. Em 1993 recebeu o Prmio Molire de atriz revelao por seu papel na pea Os filhos do silncio. Laborit ser a per-sonagem que representa os valores da comunidade surda, o bilinguis-mo, a surdez enquanto atitude e as necessidades dos surdos.

    Michael Chorost (Mike) um pesquisador e escritor americano, leitor voraz de literatura cientfi-ca e com uma carreira acadmica privilegiada. Ele ser o nosso leitor implantado, aquele que pode ouvir por meio da tecnologia do implante coclear. Nos momentos ouvinte, ele intrprete de sons decodificados pelo seu implante que resultam no sentido da audio. Chorost representa os valores da comunidade biomdica e cientfica, o oralismo e o modelo centrado na audio.

    Os alunos do Instituto Nacional de Educao de Surdos sero repre-sentados pelos pr-vestibulandos, ou seja, leitores que passaram por todas as etapas da educao desti-nada a surdos, e agora iro fazer as escolhas da vida profissional. Esses

    4 Ver http://www.calcografianacional.com/caprichos/default.htm

    Cabe-nos distinguir

    que a surdez, seja como

    condio (valores da

    comunidade mdica),

    seja como atitude

    (valores da comunidade

    surda), ainda bem

    pouco conhecida,

    bem como os aspectos

    educacionais, culturais,

    antropolgicos e sociais

    que a permeiam. A

    compreenso das pessoas

    surdas enquanto leitoras

    fundamental para o

    xito na compreenso

    da linguagem a ser

    utilizada na rea de

    acessibilidade virtual.

    ESPAO ABERTO

  • INESESPAOJan-Jun/10

    21

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.21, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOalunos possuem uma leitura do uso da internet diferenciada da das pessoas ouvintes.

    Francisco de Goya: Narrativas grficas

    locais que Goya conheceu bem: a vila de sua infncia, a fazenda onde esteve com a Duquesa de Alba, as cidades de Zaragoza, Madri, Cadiz e, finalmente, Bourdus, onde Goya viveu os seus ltimos anos de exlio.

    Uma das questes em que Blackburn se debrua, de interesse para a compreenso da riqueza da leitura visual das gravuras de Goya, se traduz na seguinte pergunta: o que aconteceu com Goya, aps o perodo de sua doena, que o inseriu num mundo silencioso, forando-o a depender de seus olhos para tudo? Blackburn acredita que a observao das matrizes (chapas em cobre) das gravuras utilizadas para as tcnicas de gua-tinta e gua-forte criadas por Goya so contribuies poderosas para a compreenso do Goya surdo. Mais poderosas at do que as prprias gravuras. Por meio delas possvel ver o material original no qual Goya trabalhou e a imensa energia que despendeu para raspar e arranhar essas chapas de metal, enquanto criava as imagens que seriam conhecidas como as sries de Gravuras Maiores.

    Tudo parece indicar que as oitenta lminas que compem Os Caprichos, gravadas em gua-forte e gua-tinta, tcnica na qual logrou excelente des-treza, foram realizadas no perodo de

    tempo transcorrido entre a primavera de 1797 os ltimos meses de 1798.

    Goya ficou doente por diversas vezes aps a maturidade, e a gravi-dade das doenas que o acometeram quase o levou morte pelo menos por duas vezes. O artista tinha zum-bidos e vertigens que provocavam desmaios frequentes, sentindo, por vezes, como se a sua cabea estivesse cheia dgua. Essas crises foram dolorosas para Goya.

    At junho de 1792, Goya exercia as suas atividades na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando. Em seguida relatado o seu desapare-cimento temporrio da Academia:

    [...] em agosto de 1792 a luta [entre cofradias/companhias] recomea mais ardente, desta vez o nmero dos mortos se eleva a sete. [...] O grande inquisidor comea por marcar com uma cruz o nome de cada um dos combatentes, e Goya, mais comprometido deles, [...], foi advertido a tempo. (Calcografia Nacional, 2009)

    No outono de 1792, durante uma estada no sul da Espanha, Goya adoeceu seriamente. No se sabiam exatamente as causas de uma grave enfermidade que o acometeu em Andaluzia, descritas de formas variadas de acordo as referncias consultadas.

    Figura 1 Francisco Goya y Lucientes, pintor, 1797-1799Caprichos 1220 x 153 mm. 509,95 g.gua-forte e gua-tinta.

    Ele celebrado por sua inquietude, sua hostilidade, suas paixes; ele cheio de curiosidade; ele frequenta feiras e festas populares, tendo um vvido interesse em animais de circo, acrobatas e monstros. Ele pinta, de-senha, aprende litografia e inicia-se em todas as descobertas tcnicas. Sua lucidez absoluta. (Goya aos 79 anos)

    Francisco Jos de Goya y Lucientes nasceu em Fuendetodos, Saragoa, na Espanha, em 30 de maro de 1746. Sua obra, muito vasta, inclui pintu-ras, gravuras e lbuns de desenhos. Viveu a maior parte de sua vida na Espanha, sob os Reinados de Carlos III, Carlos IV e Fernando VII.

    Parte do contedo informado e transcrito nesta monografia uma traduo livre do livro Old Man Goya, de autoria da escritora inglesa Julia Blackburn (2003). Nessa obra literria ela reconstri a histria de Goya no perodo em que viveu surdo, dos 47 aos 82 anos. Blackburn percorreu os

    Goya ficou doente por diversas vezes aps a

    maturidade, e a gravidade das doenas que o

    acometeram quase o levou morte pelo menos por

    duas vezes. O artista tinha zumbidos e vertigens

    que provocavam desmaios frequentes, sentindo,

    por vezes, como se a sua cabea estivesse cheia

    dgua. Essas crises foram dolorosas para Goya.

  • 22

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.22, Jan-Jun 2010

    Ningum tinha certeza se a causa da doena estaria relacionada com a toxidade das tintas que Goya utili-zava em suas pinturas ou se foi uma variao da Doena de Menire5, ou qualquer outra coisa. O que se sabe que a fora dos ataques que Goya sofria podia durar vrias semanas (BLACKBURN, 2003, p. 25).

    Goya ir recuperar as suas foras, mas permanecer pelo resto de sua vida surdo.

    Surdo como uma casa, surdo como uma pedra, surdo como um homem surdo que no poder acordar de seu sono gelado independente de quo alto voc possa falar com ele. (BLACKBURN, 2003, p. 25)

    A surdez que atingiu Goya ma-nifestou-se no ouvido interno, sua cclea foi irreparavelmente atingida, levando a uma perda conhecida por surdez neurossensorial. No havia nada, naquela poca, que pudesse ter trazido a audio de Goya de volta. Uma surdez do tipo irreversvel.

    Um lugar sem o canto dos ps-saros ou msica, sem o barulho dos passos se aproximando ou latidos de ces ouvidos distncia, as refe-rncias de som cotidianas tornam-se irreparavelmente perdidas para estas pessoas acometidas pela surdez - o que Blackburn descreve sobre a sur-dez. No haveria dias bons seguidos de dias maus, nenhuma forma de remediar a sua situao, nenhuma maneira de torn-la menos extrema (BLACKBURN, 2003, p. 26).

    Sacks ir relatar em seu livro Vendo Vozes (1998) que a surdez pode ser

    a mais cruel de todas as privaes sensoriais, por trancar a pessoa numa jaula e, estando incapacitada para ouvir, tem a sua capacidade para comunicar-se fluentemente pela lngua oral muito reduzida. Assim, esta pessoa est sujeita, aos olhos do mundo, a ser vista como um idiota. Para uma pessoa tomada pela surdez dessa forma, o mundo se transforma estranhamente num mundo bidimen-sional e vazio, porque nada existe entre a pessoa surda e o seu campo visual. preciso aprender a usar os olhos como tochas no escuro e aprender a ler os lbios para saber o que as pessoas dizem, mas nunca pessoas na mesma condio de Goya, naquele perodo de surdez, tero certeza de nada do que seja falado, pois muito se perde numa comunicao deste tipo, e tambm jamais sabero o que dizem os outros, quando os falantes esto fora do seu campo visual.

    E quando o silncio extremo vier, e as pessoas se assemelharem a fantas-mas gesticulando, resta refugiar-se com o seu ntimo, ter pacincia e coragem e esperar o nevoeiro passar. (BLACKBURN, 2003, p. 27)

    Com a perda de um dos sentidos, os demais so aguados a ponto de compensar a audio. As vibraes passam a ser percebidas pelos ps, mos e finalmente por todo o cor-po. O campo visual se amplia e os reflexos visuais esto em estado de prontido. A ansiedade permanente resulta de uma ateno visual mantida e constante, que entra em substituio ao sentido da audio. No raro, a pessoa com surdez se cansa de ouvir com os olhos, passando a valorizar

    os momentos de silncio visual (que so os momentos isentos de leitura labial).

    5 A Doena de Menire caracteriza-se por ataques recorrentes de zumbido, perda auditiva e vertigem, acompanhados por uma sensao de presso no ouvido, distoro de sons e sensibilidade ao rudo. As grandes crises de vertigem com nusea e vmito duram de alguns minutos a muitas horas e podem forar a interrupo de todas as atividades habituais.

    Com a perda de um dos

    sentidos, os demais so

    aguados a ponto de

    compensar a audio.

    As vibraes passam a

    ser percebidas pelos ps,

    mos e finalmente por

    todo o corpo. O campo

    visual se amplia e os

    reflexos visuais esto em

    estado de prontido.

    A ansiedade perma-

    nente resulta de uma

    ateno visual mantida e

    constante, que entra em

    substituio ao sentido

    da audio. No raro,

    a pessoa com surdez

    se cansa de ouvir com

    os olhos, passando a

    valorizar os momentos

    de silncio visual (que so os momentos isentos

    de leitura labial).

    ESPAO ABERTO

  • INESESPAOJan-Jun/10

    23

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.23, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTOBlackburn (op. cit) narra sobre

    o valor que a lembrana dos sons trazidos pela memria possui para as pessoas que ficaram surdas. Essas memrias so capazes de iluminar as situaes do cotidiano pelo brilho que a recordao desses sons evoca.

    Pelas palavras da Duquesa de Alba, com quem Goya conviveu estreitamente durante o perodo de 1796 a 1797, podemos entender sobre a base da comunicao com os surdos:

    Aqui est o famoso pintor Francisco Goya. Ele no pode ouvir nada! Nenhuma palavra! Voc precisa falar com ele em sinais ou escrever mensagens na areia com um basto. Ou no falar com ele de jeito nenhum, Mas olhe para ele e deixe-o ler os seus lbios!(BLACKBURN, 2003. p. 67)

    A leitura labial uma atividade complexa, na qual os signos visuais obtidos pela leitura das expresses faciais, do movimento da boca e da linguagem corporal, precisam ser decodificados pelo leitor, sem o acesso ao som. No coisa para iniciantes, mas para iniciados, que vo ficando surdos aos poucos e comeam a ser leitores de lbios sem nem mesmo disto tomarem conscincia.

    A severidade da surdez de Goya tornou impossvel dar continuidade ao seu trabalho como professor na Academia. possvel evidenciar, a partir deste fato, que o mundo da audio e da fala no teria mais o mesmo espao e significado que antes da surdez.

    Em 1796, Goya passou a registrar

    a vida da cidade em imagens, o que ficou conhecido como Dirios visuais. Nestes cadernos, Goya desenhava os seus personagens prediletos, figuras femininas, personagens da cidade. A sua surdez foi interpretada como consequncia da runa do mundo exterior e uma tendncia intros-peco. Do ponto de vista da prtica artstica, a surdez impulsionou Goya ao exerccio sistemtico do desenho e da produo de gravuras, manifes-taes adequadas a sua necessidade de distanciamento.

    Em fevereiro de 1799, o Dirio de Madrid (Calcografia Nacional, arquivos-fichas) anunciava a venda de uma Coleccin de estampas de asuntos caprichosos desenhada e gravada em gua-forte por Francisco de Goya. Os historiadores interpretaram que as imagens das gravuras eram cenas satricas que denunciam os vcios e excessos da sociedade espanhola do final do sculo XVIII tais como o matrimnio por interesse, o cortejo, a prostituio, os desvios da educao infantil, a inutilidade dos testamentos privilegiados, a decadncia do clero e a Inquisio, concluindo com a srie dominada pelo mbito fantstico do sono e da noite, e de protagonistas que sugerem bruxas, duendes e demnios noturnos6.

    O elemento textual dos Caprichos compe-se de muitas anotaes, le-gendas e comentrios escritos sobre os muitos desenhos preparatrios para a criao das lminas de cobre, que em si constituem-se em rico material de leitura.

    Quando termina a guerra du-rante o Reinado de Fernando VII, a Inquisio retomada e Goya

    vive um perodo ainda maior de isolamento e dificuldades. Sua esposa morre, aps 39 anos de casamento, e Goya permanece sozinho e surdo, registrando os Desastres da Guerra:

    Dizem que Goya um homem desi-ludido, atormentado pelos fantasmas de sua imaginao. Mas, talvez no. Afinal, ele tem o poder de tornar cada pensamento, cada dor da realidade da vida diria em imagens que cantam, danam e triunfam sobre as limitaes da existncia humana. (Adaptado de BLACKBURN, 2003, p 123)

    Em 1824, quatro anos antes de sua morte, Goya se exilou definitiva-mente em Bordus, na Frana, com Leocdia, sua segunda companheira, e Roslia, sua filha ilegtima.

    Penso que Goya nunca foi to feliz como ele estava agora em Bordus. Ele no precisava falar francs e no precisava explicar aos outros que no podia ouvir. (Adaptado de BLACKBURN, 2003, p. 176)

    A surdez, embora to avassaladora para a interao do indivduo com a sociedade, no foi capaz de destruir o esprito e a Arte de Goya. O legado iconogrfico que Goya deixou para a humanidade mostra a maestria e a superioridade alcanada pela sua arte, em grande parte definida pelo seu caminho marcado pela surdez

    EMMANUELLE LABORIT

    6 Algumas dessas imagens foram editadas em vdeo pela autora e esto disponveis no seguinte endereo: http://www.youtube.com/watch?v=2W97wJ4_8qU

    Emmanuelle Laborit, em seu livro autobiogrfico O vo da Gaivota, narra sobre a descoberta existencial de ser surda, sua trajetria familiar, afetiva, acadmica e profissional. A afirmao da sua identidade surda ocorre quando ela entra em contato

  • 24

    INESESPAO

    Jan-Jun/10

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.24, Jan-Jun 2010

    com surdos adultos e com o apren-dizado da lngua de sinais francesa.

    O estranhamento da lngua oral, no caso de Emmanuelle, a lngua francesa, e a contribuio da lngua de sinais para os surdos essencial em sua narrativa. possvel conferir as mltiplas dificuldades enfrentadas para a aquisio da lngua oral pela criana surda.

    O aprendizado da Lngua de Sinais Francesa e da lngua escrita francesa ir contribuir para a sua formao acadmica e produo escrita. Emmanuelle acredita na fora da sua narrativa como um

    [...] engajamento no combate re-lacionado com a lngua de sinais, que separa ainda muitas pessoas [...] Utilizo a lngua dos ouvintes, minha segunda lngua, para expressar minha certeza absoluta de que a lngua de sinais nossa primeira lngua, a nossa, aquela que nos permite ser-mos seres humanos comunicadores. (LABORIT, 1994, p. 9)

    O ttulo O vo da gaivota ser justificado ao longo da narrativa. Emmanuelle, apelidada de gaivota pelos pais, era uma criana que gritava muito. Seu apelido vem da tradio da famlia de marinheiros. Seu tio ser o primeiro a dizer:- Emmanuelle grita porque ela no escuta (LABORIT, 1994, p.12). Da incredulidade dos pais, das muitas consultas ao pediatra at o diag-nstico foi um caminho doloroso. A criana, agora diagnosticada com surdez profunda bilateral, inicia o seu tratamento. O desenvolvimento da linguagem oral ser tentado com uso de prteses auditivas, reeducao ortofnica, e nenhum contato com

    adultos surdos. A busca pelas causas da surdez relatada como motivo de grande sofrimento para os pais de Emmanuelle.

    Como os pais de uma criana surda comunicam que a amam?

    A comunicao era intuitiva entre Emmanuelle e sua me. Ambas in-ventavam signos para a comunicao diria e de seus afetos. O descobri-mento da surdez pelos pais algo muito doloroso, significa a perda da criana ouvinte. A criana que um dia ir chamar os pais pelo nome.

    Abaixo, um dos trechos de grande poesia e que traduzem a necessidade de contato visual entre surdos e ouvintes. Trata-se de um relato da me de Emmanuelle:

    Voc me fazia rir at as lgrimas tentando se comunicar comigo por todos os meios! Eu virava sua cabea em direo minha para que voc tentasse ler as palavras simples, e voc me imitava no mesmo instante, era lindo e irresistvel. (LABORIT, 1994, p. 17)

    No trecho a seguir temos a ini-ciao da pequena Emmanuelle no uso de prteses auditivas:

    Comecei a dizer algumas palavras. Como todas as crianas surdas, usava um aparelho auditivo que suportava mais ou menos bem. Ele colocava rudos dentro de minha cabea, todos iguais, era impossvel diferenci-los, era impossvel me servir deles. (LABORIT, 1994, p.18)

    A criana surda comea a des-coberta da sua diferena, mesmo sem contato com outros surdos. So marcas que iro acompanhar estas crianas: as prteses eletrnicas que precisam ser usadas permanentemen-

    te, sesses continuadas de terapia da fala, exames de funo auditiva e pouco espao para outros tipos de aprendizado. A simples observao do uso de aparelho auditivo j demarca diferenas entre os que escutam e os que no escutam.

    importante notar que todos estes aspectos do tratamento tm um impacto sobre as crianas surdas e sobre seus pais. A expectativa dos pais falantes que a criana seja falante.

    As expectativas de pais de crianas surdas podem ser facilmente obser-vadas no trecho abaixo, em que a me de Emmanuelle relata:

    O ortofonista7 havia dito para no nos inquietarmos porque voc iria falar. Deu-nos uma esperana. Com a ree-ducao e os aparelhos auditivos, voc se tornaria uma ouvinte. Atrasada, certamente, mas voc chegaria l. [...] Era to difcil aceitar que voc havia nascido em um mundo diferente do nosso. (LABORIT, 1994, p. 24)

    Goldfeld (2002, p. 17) ir citar que, segundo Saussure, a lngua o aspecto social da linguagem, j que compartilhada por todos os falantes de uma comunidade lingustica. Goldfeld destaca o uso do termo lngua, no sentido utilizado por Bakthin, significando um sistema semitico, criado e produzido no contexto social, dialgico, em contra-posio a outros cdigos que tambm podem ser considerados uma forma de linguagem, como a linguagem artstica, musical e outras que no comportam a lngua. Consideramos outras linguagens como as visuais, que contribuem com experincias significativas para o aprendizado de crianas surdas.

    7 Denominao mais antiga para fonoaudilogo, com nfase na correo da fala.

    ESPAO ABERTO

  • INESESPAOJan-Jun/10

    25

    Informativo Tcnico-Cientfico Espao, INES - Rio de Janeiro, n. 33, p.25, Jan-Jun 2010

    ESPAO ABERTO impossvel no se questionar

    sobre o pensamento abstrato dos leitores surdos sinalizados.

    Sacks (1989) ir perguntar como os surdos conseguem proposicionar:

    No falamos ou pensamos apenas com palavras ou sinais, mas com palavras e sinais que se referem uns aos outros, de uma determinada maneira. [...] Sem uma inter-relao adequada de suas partes, uma emisso verbal seria uma mera emisso de nomes, um amontoado de palavras que no encerra proposio alguma. A uni-dade da fala uma proposio. [...] Falamos no apenas para dizer a outras pessoas o que pensamos, mas para dizer a ns mesmos o que pensamos. A fala uma parte do pensamento. (HUGHLINGS-JACKSON, apud SACKS, 1989, p. 32)

    Sacks (1989, p. 48) acredita fortemente que a lngua de sinais uma lngua fundamental do crebro. A inteligncia visual de surdos sem a aquisio da lngua pode se desen-volver em contato com estmulos visuais; entretanto, o pensamento, embora possa existir sem a lngua, sofre grande interferncia pela falta desta. Um ser humano no des-provido de mente ou mentalmente deficiente sem uma lngua, porm est gravemente restrito no alcance de seus pensamentos, confinado, de fato, a um mundo imediato, peque-no. (SACKS, 1989, p. 52)

    Emmanuelle ir ter contato pela primeira vez com um surdo adulto aos sete anos. E por intermdio de seu pai que Emmanuelle ir conhecer um ator e diretor surdo chamado Alfredo Corrado. Um surdo que utilizava uma lngua de sinais, que havia concludo seus estudos universitrios em uma Universidade Americana e que havia criado o Teatro Visual Internacional, o Teatro dos

    surdos de Vincennes. O contato com Corrado trouxe um novo universo famlia de Emmanuelle. Tratava-se da Univers